Inexigibilidade de Conduta Diversa

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Inexigibilidade de Conduta Diversa

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    Revista Univap, So Jos dos Campos-SP, v. 17, n. 29, ago.2011

    A APLICAO DO PRINCPIO DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA EM TEMPOS DE CRISE ECONMICA

    THE APPLICATION OF THE PRINCIPLE OF UNENFORCEABILITY FOR DIVERSE CONDUCT IN TIMES OF ECONOMIC CRISIS

    Alexandre Toneli1

    RESUMO: A inexigibilidade de conduta adversa uma causa geral de excluso da culpabilidade elevada a princpio de direito, fundada na no censurabilidade de uma conduta e centrada numa situao anormal e insuportvel, em que o agente se encontrava, pois, ao praticar uma ao que, impelida pela falta de alternativa, no pode ser considerada ilcita luz da melhor interpretao ao sistema jurdico brasileiro. Palavras-chave: princpio; inexigibilidade; conduta; adversa; excluso.

    ABSTRACT: The unenforceability of adverse conduct is a general cause of exclusion of elevated guilt by the principle of rights, founded in the non-objectionability of a conduct and centered in an abnormal and unbearable situation that the agent encountered. Therefore, when practicing a certain conduct that, impelled by the lack of an alternative, it cannot be considered illicit in the light of the best interpretation of the Brazilian juridical system. Keywords: principle; unenforceable; conduct; adverse; exclusion.

    1 Advogado e ps-graduado do Curso de Especializao Lato Sensu em Direito do Estado pela UNESA. E-mail:

    [email protected].

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    1. INTRODUO foroso reconhecer que o Direito

    Penal, como cincia, no pode deixar de se servir de dogmas. A tarefa da dogmtica da cincia penal, voltada ao Direito vigente, expor conceitualmente o contedo e a construo dos princpios jurdicos do Direito Penal.

    Com raciocnio dogmtico, por conseguinte,

    a culpabilidade pode ser entendida como o conjunto de elementos psquicos, anmicos e sociais expressados em um ato ilcito, compreendidos por um sistema penal, e que caracterizam o senso de reprovao que a sociedade exprime em relao ao autor da ao proibida. (VELO, 1993, p. 23)

    Verifica-se que a lei prev a inexistncia de crime quando ocorre uma das causas que exclui a antijuridicidade. necessrio, porm, verificar se h culpabilidade para impor a pena ao agente que praticou o ilcito. A concluso, portanto, a de que mesmo o agente tendo praticado um crime (fato tpico e antijurdico) estar isento da pena por ausncia da reprovabilidade da conduta.

    2. TEORIAS

    So trs as teorias a respeito da culpabilidade:

    a) Teoria Psicolgica; b) Teoria Psicolgica Normativa; e c) Teoria Normativa. A Teoria Psicolgica da culpabilidade

    foi a expresso das intenes liberais iluministas para fundamentar eticamente a punio, condicionando a responsabilidade penal existncia de uma relao psquica entre o autor e o fato delituoso.

    Assim, a teoria psicolgica da culpabilidade corresponde teoria clssica e reside apenas na relao psquica do autor com o fato. Esse conceito, puramente naturalstico e desprovido de juzo de valor, considera que h culpabilidade quando existir dolo ou culpa stricto sensu. Tal princpio insuficiente, bastando assinalar que no existe um vnculo psicolgico entre o agente e o resultado no crime culposo.

    Essa teoria, no Direito Penal, apesar de sua influncia, foi abandonada por no conseguir respostas adequadas para a culpa inconsciente e o estado de necessidade exculpante.

    A Teoria Psicolgica Normativa corresponde teoria social da ao, pressupe a existncia de elemento psicolgico (dolo ou culpa), mas funda-se na reprovabilidade de conduta.

    Destarte, foi o primeiro passo para superar as vulnerabilidades da teoria psicolgica e Frank, em 1907, assinalou como elemento independente da culpabilidade junto ao dolo e culpa, a motivao normal. Assim, o dolo e a culpa no esgotam a culpabilidade. Para ele, esta deve fundar-se em todos os elementos que influem sobre a valorao jurdica da ao e no s sobre a relao psicolgica entre o autor e o resultado (COSTA, 1982, p. 750).

    Diante disso, os elementos da culpabilidade seriam, pois:

    a) a imputabilidade;

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    b) o elemento psicolgico normativo (dolo ou culpa); e

    c) a exigibilidade de conduta diversa. A posio de Frank traz uma

    modificao completa na anlise dos elementos da culpabilidade, pois o dolo e a culpa no so espcies, apenas elementos integrantes do amplo conceito, transformando a culpabilidade num juzo de apreciao (COSTA, 1982, p. 751).

    insatisfatria a determinao dos elementos da culpabilidade formulados na teoria de Frank, que apresenta o dolo como elemento constitutivo da culpabilidade e o dolo no um juzo de valorao, mas um fato psicolgico. No um conceito normativo puro, mas complexo, integrado de fatos psicolgicos e do juzo de valorao (COSTA, 1982, p. 751).

    Mezger diz que "Culpabilidade reprovabilidade e este conhecimento no uma situao de fato psicolgica, mas uma situao ftica valorada normativamente, que se designa com o nome de concepo normativa da culpabilidade (COSTA, 1982, p. 750).

    Por fim, a Teoria Normativa Pura corresponde aos ensinamentos da escola finalista, na qual se afirma que o dolo e a culpa no pertencem culpabilidade, mas ao prprio fato tpico, componentes que so da conduta. A culpabilidade cinge-se apenas a um juzo de reprovao pessoal pela perpetrao de um fato lesivo de um interesse penalmente protegido. Seus elementos so:

    a) a imputabilidade; b) a possibilidade de conhecimento

    do injusto; e

    c) a exigibilidade de conduta diversa. Tais elementos constituem um juzo de

    valor excludo de qualquer fator psicolgico, j que esse objeto da estrutura do dolo e da culpa.

    3. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE

    A imputabilidade penal, primeiro elemento da culpabilidade, o conjunto de condies que d ao agente a capacidade de ser juridicamente imputada a ele a prtica de um fato punvel. Exemplos que a excluem: a menoridade penal, embriaguez fortuita completa etc.

    A possibilidade do conhecimento do injusto ou a potencial conscincia da ilicitude, segundo elemento da culpabilidade, melhor conceituada pela teoria extrema da culpabilidade (Escola Finalista). S h culpabilidade quando o agente tem condies ou possibilidades de saber que pratica ato ilcito. A inexistncia dessa possibilidade exclui a culpabilidade, embora subsista o dolo; o que no h a reprovabilidade, a censurabilidade da conduta dolosa. Nessas condies, o erro de proibio no exclui o dolo, mas a culpabilidade, enquanto o erro de tipo exclui o prprio dolo.

    A inexigibilidade de conduta diversa, terceiro elemento, o que indica s haver culpabilidade quando, devendo e podendo agir de maneira conforme o direito, o agente pratica conduta diferente, que constitui o delito. No h reprovabilidade se na situao em que se achava o agente no lhe era exigvel comportamento diverso (MIRABETTE, 1986, p. 101).

    A avaliao deve ser feita em funo

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    de um caso concreto, diante das circunstncias concretas, com base nos padres sociais vigentes.

    Alguns autores entendem que a exigibilidade de conduta diversa no uma causa geral (ou supralegal) de excluso da culpabilidade, restringindo-se apenas aos casos expressos em lei.

    Porm, outros autores admitem a exigibilidade de conduta diversa com causa supralegal de excluso da culpabilidade, a ser aplicada de forma excepcional, mas de modo independente de previso legal expressa.

    4. DIRIMENTES

    As dirimentes ou causas de excluso da culpabilidade excluem a culpabilidade e, em consequncia, excluem a pena, sem excluir, porm, a existncia do crime.

    Por isso, as dirimentes revelam-se geralmente pelas expresses isento de pena, no punvel, entre outras. Estas excluem a culpabilidade pela inimputabilidade, pela impossibilidade de conhecimento do ilcito e pela inexigibilidade de conduta diversa.

    De naturezas diversas, so as justificativas ou causas de excluso de crime, pois no excluem somente a pena, mas o prprio crime. Assim, costuma a lei usar a expresso no h crime.

    Alm das justificativas e dirimentes, existem ainda uns raros casos chamados de escusas absolutrias. As escusas absolutrias so causas pessoais que excluem a punibilidade, assemelhando-se s dirimentes. S que no excluem o crime

    nem a culpabilidade, e sim a pena.

    5. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

    5.1 Conceito

    Considerando-se que a estrutura do conceito da culpabilidade composta dos seguintes elementos: imputabilidade, potencial conscincia da ilicitude e exigibilidade de outra conduta, no basta a prtica de um fato tpico e antijurdico, ou seja, de um crime, para que o agente fique sujeito correspondente punio. necessrio que, por ocasio da conduta, seja ele imputvel. Vale ressaltar, capaz de entender e de querer, com potencial conscincia da ilicitude e, finalmente, que lhe possa ser exigido nas circunstncias outro comportamento.

    Deflui, dessarte, a teoria esposada como causa de excluso da culpabilidade pode ser aplicada tanto aos fatos dolosos como culposos. Admitir a inexigibilidade de outra conduta somente aos casos culposos significaria repudi-la, pura e simplesmente.

    Em situaes excepcionais, a pessoa pode ver-se compelida a praticar determinada conduta, embora ciente de que seja ela contrria lei. Entretanto, no ficando, no obstante, sujeito punio, porque qualquer ser humano normal, nas mesmas condies, teria igual comportamento, sendo esse, assim, censurvel.

    Se a hiptese regulada em lei, constata-se uma causa legal de excluso da culpabilidade escudada no princpio da

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    inexigibilidade de conduta diversa. Porm, a falta de previso legislativa no impede que o mesmo princpio seja aplicado como causa geral e supralegal de excluso da culpabilidade.

    5.2 Causas legais de excluso da culpabilidade

    O Cdigo Penal Brasileiro (1940) indica as seguintes causas legais da excluso da culpabilidade:

    a) Erro de Proibio (art. 21, caput); b) Coao Moral Irresistvel (art. 22,

    1 parte); c) Obedincia Hierrquica (art. 22, 2

    parte); d) Inimputabilidade (doena mental

    ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado art. 26, caput);

    e) Inimputabilidade (menoridade penal, art. 27);

    f) Inimputabilidade (embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou fora maior art. 28, pargrafo 1).

    Essas causas esto relacionadas aos elementos da culpabilidade. Cada um exclui certo elemento e, em consequncia, a causa legal fica excluda.

    Portanto, o erro de proibio exclui a potencial conscincia da ilicitude; a coao moral irresistvel e a obedincia hierrquica excluem e exigibilidade de conduta diversa; e a doena mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a menoridade e a embriaguez fortuita completa excluem a imputabilidade penal.

    5.3 Posicionamentos doutrinrios e jurisprudenciais

    Para os partidrios do princpio da inexigibilidade de conduta diversa restrita aos casos estabelecidos em lei, destacamos Nelson Hungria, Heleno Cludio Fragoso e Fernando de Almeida Pedroso.

    O mestre Nelson Hungria combate com ardor:

    Certa corrente de autores (Eb. Schimidt, Freudenthal, Mezger, Siegert), para suprir falha do Cdigo Penal do seu pas, entende que deva ser reconhecida como causa (supralegal) de excluso de culpabilidade a no exigibilidade (Nichtzumutbarkeit) e assim argumenta: se o pressuposto da culpabilidade (falta moral) a censurabilidade (Vorwerfharkeit) da ao, segue-se que ela exprime a violao de um dever de conduta, do ponto de vista social; mas, conduta social no pode ser seno aquela que, sendo exigvel de um indivduo, no seguida por este. A censurabilidade deixa de existir quando o indivduo falta observncia de uma conduta que se apresentava impraticvel no caso concreto (ultra posse nemo tentaur) ou particularmente difcil, no exigvel do homo medius, do comum dos homens. O nosso Cdigo assimilou explicitamente o critrio da no-exigibilidade, mas para reconhecer, segundo a maior ou menor premncia das circunstncias, ora uma discriminante, isto , identificando-a como a prpria essncia do estado

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    de necessidade (art.20, caput), ora simples minorante (art. 20, pargrafo 2) (HUNGRIA, 19581, p. 26).

    O ilustre Heleno Cludio Fragoso aduz, a inexigibilidade de outra conduta no funciona como causa supralegal de excluso da culpabilidade, posto isto equivaleria ao abandono de todo o critrio objetivo para a excluso de reprovabilidade pessoal (FRAGOSO, 1971, p. 140).

    A propsito, o eminente professor Fernando de Almeida Pedroso tambm manifesta a sua posio:

    No comungamos do pensar de insignes penalistas que alargam em demasia os domnios da aferio da inexigibilidade de outra conduta, prescrutando-a sem bases legais fixadas e consoantes as circunstncias que deram evolver ao episdio. No procede, conforme nos afigura, erigir a inexigibilidade de outra conduta como forma genrica de excluso da culpabilidade. O elastrio exagerado ou indiscriminado debilita a represso, abrindo espao para tergiversaes responsabilidade. Assim, a inexigibilidade de outro comportamento, por conseguinte, no deve ser examinado pelo normativismo puro, id est, com elasticidade e amplitude, cumprindo que se atrele e acrisole a situaes especficas e explicitamente determinadas, insculpidas na lei como dirimentes (PEDROSO, 1993, p. 508).

    Por outro flanco, a teoria da inexigibilidade de outra conduta no pode ficar somente aos casos estabelecidos em lei. Nesse diapaso, incluem-se Jimnez de Asa, Anbal Bruno, Alberto Silva Franco, Basileu Garcia, Celso Delmanto, Damsio Evangelista de Jesus, Francisco de Assis Toledo, Jos Henrique Pierangeli, Magalhes Noronha, Lydio Machado Bandeira de Mello e Jos Frederico Marques (CAMPOS, 1998, p. 44).

    Por certo, apesar do excesso de propaganda oficial, o Estado no tem conseguido cumprir com suas funes bsicas. Ocorre que, cada vez, as pessoas tm dificuldades para encontrar os recursos necessrios sua sobrevivncia. E, diante disso, o Direito no pode exigir comportamento herico, ou seja, toda norma jurdica tem um mbito de exigncia, fora do qual no se pode exigir responsabilidade alguma.

    Traz-se baila, ento, a posio de Francisco de Assis Toledo:

    A inexigibilidade de outra conduta , pois, a primeira e mais importante causa de excluso da culpabilidade. E constitui um verdadeiro princpio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, uma causa legal de excluso. Se no, deve ser reputada causa supralegal, exigindo-se em princpio fundamental que est intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, todavia, dispensa a existncia de normas expressas a respeito (TOLEDO, 1991, p. 328).

    O ilustre Jos Frederico Marques

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    assevera que No h porque deixar de admitir a excluso da culpabilidade quando uma conduta tpica ocorreu sob a presso anormal de acontecimentos e circunstncias que excluem o carter reprovvel dessa mesma conduta (BITTENCOURT, 1998, p. 103).

    Por derradeiro, se adotada a teoria normativa, no h culpabilidade todas as vezes em que, tendo em vista as circunstncias do caso concreto, no se possa exigir do sujeito uma conduta diversa daquela por ele cometida. At porque, por mais previdente que seja o legislador, ele no pode prever todos os casos em que a inexigibilidade de outra conduta deve excluir a culpabilidade.

    Assim, possvel a existncia de um fato no previsto pelo legislador como causa de excluso da culpabilidade que apresente todos os requisitos do princpio da no-exigibilidade de comportamento lcito. Em face de um caso concreto, seria condenar o sujeito unicamente porque o fato no foi previsto pelo legislador?

    Se a conduta no culpvel, por ser inexigvel outra, a punio seria injusta, pois no h pena sem culpa. Da ser possvel a adoo da teoria de inexigibilidade como causa supralegal de excluso da culpabilidade (OLIVEIRA FILHO, 1996, p. 190).

    No Brasil, quem mais se destacou no estudo da no-exigibilidade de outra conduta foi Souza Neto, no seu exaustivo estudo, demonstrou que o nosso Cdigo Penal no se ope aplicao da teoria em comento, no mbito da culpa ou dolo, porm, com mais cuidado nos casos dolosos.

    O Professor Anbal Bruno, ocupando-

    se do assunto, admite a teoria da inexigibilidade de outra conduta com o carter de causa geral de excluso da culpabilidade em qualquer das suas formas - dolo ou culpa. Para o mestre pernambucano, tal princpio est realmente implcito no Cdigo Penal e pode aplicar-se por analogia in bonam partem (MAGALHES, 1975, p. 42).

    Para o mestre Bettiol:

    Numa concepo normativa, a culpabilidade desaparece todas as vezes em que dadas as condies do atuar no se possa exigir do sujeito agente um comportamento diverso daquele efetivamente adotado (BETTIOL, 1971, p. 140).

    Cumpre registrar, que, no anteprojeto do Professor Nelson Hungria do Cdigo Penal de 1962, que acabou por no vingar, este se ocupava da inexigibilidade de outra conduta.

    A aplicao da teoria do princpio da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de excluso da culpabilidade encontra apoio na integrao da lei penal.

    O Direito Penal Positivo possui lacunas. Havendo omisso legislativa no conjunto das normas penais no incriminadoras e no havendo o obstculo do princpio da reserva legal, a falha pode ser suprida pelos processos determinados pelo artigo 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (LICC), isto , analogia, os costumes e os princpios gerais de direito.

    Portanto, caso no haja norma descritiva de fato semelhante, o juiz pode

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    absolver o sujeito com base nos costumes e nos princpios gerais de direito em que se fundamentam a inexigibilidade. Assim, o juiz aplicaria uma causa supralegal de excluso da culpabilidade.

    Mxime, julgando improcedente a pretenso punitiva do Estado, com respaldo na analogia ou nas causas supralegais, pode o juiz fundamentar, com espeque no artigo 386, inciso VI, do Cdigo de Processo Penal, o princpio da inexigibilidade de conduta diversa, a saber:

    O juiz absolver o ru, mencionado a causa na parte dispositiva, desde que reconhea (caput): VI - existirem circunstncias que excluam o crime ou isentem o ru de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 1 do art. 28, todos do Cdigo Penal), ou mesmo se houver fundada dvida sobre sua existncia; (Redao dada ao inciso pela Lei n 11.690, de 09.06.2008, DOU 10.06.2008, com efeitos a partir de 60 (sessenta) dias aps a data de sua publicao)

    Certamente, cortar a priori uma forma de inexigibilidade de outra conduta como causa de excluso da culpabilidade, ou supor que o legislador penal tem uma conscincia que em outros setores do direito ningum afirma existir, ou ento considerar o direito penal uma espcie sui generis da cincia jurdica em que no h omisses nem lacunas. Verdadeira zona do universo jurdico, em que o sentido finalstico da norma jurdica, como imperativo das exigncias sociais, deve ser de todo arriscado (OLIVEIRA FILHO, 1996, p. 130).

    Recordamos o fato do sacoleiro,

    como regra, pertencer base da pirmide social e ter uma ocupao profissional que no lhe rende o necessrio para viver (FERREIRA SOBRINHO, 1995, p. 370).

    Surge, ento, o angustiante problema representado pela incompetncia do Estado em fornecer os meios necessrios subsistncia material digna do seu povo, e nisso se inclui o problema do alto ndice de desemprego (FERREIRA SOBRINNHO, 1995, p. 370).

    Parece factvel indagar se um cidado sem trabalho e sem meios materiais para garantir sua subsistncia deve aguardar sua morte fsica em razo da falta de ajuda estatal. Se o Estado no cumpre com sua finalidade primeira o bem-estar da populao no pode querer punir algum que, para viver, passa a vender mercadorias estrangeiras (FERREIRA SOBRINHO, 1995, p. 370). Ou, ento, condenar cambistas.

    Se, ao adotar esta ltima concepo, estar-se- sustentando que um indivduo sem representao econmica e sem trabalho, em um Estado ausente na regulao da distribuio adequada de renda e do mercado de trabalho, haver de se conformar com tal situao ou, quem sabe, esperar a reverso do quadro desfavorvel? (FERREIRA SOBRINHO, 1995, p. 371).

    Diante do exposto, a hiptese aventada como inexigibilidade de outra conduta, capaz, por isso mesmo, de excluir a culpabilidade penal (FERREIRA SOBRINHO, 1995, p. 371).

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    6. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTRIA

    Nesse alvitre, destacamos a aplicao do princpio da inexigibilidade de conduta diversa na seara do Direito Tributrio, mais especificamente nos crimes contra a ordem tributria, estabelecido no artigo 1 da Lei Federal n 8137/90, bem como na apropriao indbita inserido no artigo 168A do Cdigo Penal.

    Portanto, algumas decises judiciais reconhecem a aplicao do princpio em comento nos momentos de dificuldades financeiras das empresas.

    Nessa linha,

    O empregador demonstra superlativa preocupao com os crditos de natureza trabalhista, em especial, pelos salrios dos funcionrios. Tal cuidado no privilgio seu, mas sim, espelha pela preocupao geral de toda sociedade com a questo alimentcia. O legislador no Cdigo Tributrio Nacional firmou princpio ao dispor, em seu artigo 186, que o crdito tributrio prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituio deste, ressalvados os crditos decorrentes da legislao do trabalho. Assim, deve o magistrado observar tal paradigma e, uma vez que at mesmo o crdito trabalhista foi atingido pelas dificuldades financeiras da empresa no perodo denunciado, no se poderia exigir comportamento diverso do empregador, situao que exclui a reprovabilidade de sua conduta na

    hiptese de inadimplemento, eis que se pressupem a ausncia de numerrio para saldar quaisquer outras obrigaes, inclusive as tributrias. (ROSA, 1999, p. 247) PENAL PROCESSO PENAL EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAO CRIMINAL ACRDO QUE REFORMOU SENTENA ABSOLUTRIA CRIME DE APROPRIAO INDBITA PREVIDENCIRIA ARTIGO 168-A DO CDIGO PENAL VOTO VENCIDO ACOLHIMENTO REFORMA DO ACRDO OCORRNCIA DIFICULDADES FINANCEIRAS INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ABSOLVIO ARTIGO 386, VI DO CPP (REDAO DADA PELA LEI 11.690/2008) MANUTENO DA DECISO MONOCRTICA 1- Constitui apropriao indbita previdenciria deixar de repassar Previdncia Social as contribuies recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional (caput do Artigo 168-A do CP, acrescentado pela Lei n 9983/200 de 14.07.2000) 2- O dolo do delito a vontade de no repassar previdncia as contribuies recolhidas, obedecendo ao prazo e forma legal. No se exige fim especfico, ou seja, a animus rem si habendi, ao contrrio do que ocorre na apropriao indbita comum. 3- Resta caracterizada a inexigibilidade de conduta diversa em razo da crise financeira enfrentada pela empresa;

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    Comprovada atravs de depoimentos das testemunhas e pela prova documental (existncia de diversas aes executrias fiscais intentadas em desfavor dos acusados). 4- Embargos infringentes acolhidos e acrdo reformado, com prevalncia do voto vencido, para negar provimento apelao do MPF e confirmar a sentena absolutria, porm com esteio na atual redao dada, pela Lei n 11.690/2008, ao artigo 386, VI do Cdigo de Processo Penal. (MOREIRA, 2009, p. 99) PENAL E PROCESSUAL PENAL APELAO CRIMINAL NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIO PREVIDENCIRIA DESCONTADA DE EMPREGADOS ART. 168-A DO CDIGO PENAL BRASILEIRO AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS DIFICULDADES FINANCEIRAS DEMONSTRADAS INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO I- A comprovao de dificuldades financeiras, pela apresentao de documentao idnea, demonstra a impossibilidade de os apelados agirem conforme o direito, restando excluda a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, impondo-se a absolvio com fundamento no art. 386, V, do CPP. II- Apelo do Ministrio Pblico Federal a que se NEGA PROV I M E N TO (AZULAY NETO, 2008, p. 123).

    7. CONCLUSO Com efeito, ficou demonstrado que,

    para a caracterizao da culpabilidade de um agente, necessrio se faz que lhe seja exigido em circunstncias normais outro comportamento.

    Ainda, foi constado que existem situaes que fogem da normalidade cotidiana, necessitando, portanto, de uma atuao do Poder Judicirio, por intermdio da aplicao do princpio da inexigibilidade de conduta diversa, como causa de excluso da culpabilidade, tambm nos casos em que a lei se faz omissa, apesar de algumas opinies divergentes.

    Nesse sentido, registramos que nos crimes contra a ordem tributria, principalmente quando no h pagamento de tributo ou repasse ao rgo previdencirio, por questes de dificuldades financeiras das empresas, quando o empregador concede preferncia aos dbitos trabalhistas, o Poder Judicirio vem acolhendo a tese explanada, para absolver os responsveis pelos atos tributrios de qualquer conduta criminosa.

    Enfim, as dificuldades financeiras, em geral, fazem parte do dia a dia das pessoas fsicas e jurdicas, e eventual ausncia de norma legal quanto excluso da culpabilidade, no pode ser obstculo aplicao do princpio da inexigibilidade de conduta diversa, para uma efetiva aplicao da justia, conforme anseios da sociedade brasileira, at porque trata-se de dever do Estado de Direito a distribuio da justia.

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