Gt10352int

Embed Size (px)

Citation preview

LETRAMENTO E LEITURAS DO LEITOR ADULTO: PRTICAS MARCADAS PELA HISTRIA E SOCIEDADE

14

LETRAMENTO E LEITURAs DO leitor adulto: prTICAS MARCADAS PELA HISTRIA E SOCIEDADERESENDE, Mara Cristina Fischer IELUSCPELANDRE, Nilcea Lemos UFSCGT: Alfabetizao, Leitura e Escrita / n.10Agncia Financiadora: No contou com financiamento.

O texto que se apresenta contribui para uma discusso das prticas de leitura de leitores adultos, amparada em referenciais que tratam da leitura como produo histrica e cultural. Os dados analisados resultam de pesquisa aplicada a acadmicos em fase de concluso de curso de Comunicao Social habilitao jornalismo do Instituto Superior e Centro Educacional Bom Jesus/Ielusc, na cidade de Joinville (SC), em 2004.Analisar a leitura como prtica cultural e histrica implica compreend-la nas suas variaes, nas suas diferenas e nas suas dissonncias. Compreender a leitura numa perspectiva cultural implica reconhecer a idia de leituras no plural e a inteno de buscar indicadores das maneiras de ler (Bourdieu, 1996, p. 236). As situaes de leitura so historicamente variveis. Sendo assim, os tempos, os espaos (no caso da pesquisa, da leitura no ensino superior e no meio social) foram os objetos de investigao.As reflexes que aqui se fazem interessam medida que se quer entender o que significa, num ambiente acadmico e para adultos escolarizados, a(s) histria(s) de leitura que os constituram como sujeitos inseridos numa sociedade de cultura predominantemente grafocntrica. O mundo da escrita est presente volta e preciso compreender o lugar que ocupa no universo cultural e social daqueles que optaram por um curso de Comunicao Social e desejam ser jornalistas.Chartier (1996, p. 240), ao se referir leitura como produo cultural da instituio escolar reitera que:

Entre as leis sociais que modelam a necessidade ou a capacidade de leitura, as da escola esto entre as mais importantes, o que coloca o problema, ao mesmo tempo histrico e contemporneo, do lugar da aprendizagem escolar numa aprendizagem da leitura, nos dois sentidos da palavra, isto , da aprendizagem, da decifrao e do saber ler em seu nvel elementar e, de outro lado, esta outra coisa de que falamos, a capacidade de uma leitura mais hbil que pode se apropriar de diferentes textos.

Essa necessidade de uma aprendizagem da leitura mais hbil precisa ser olhada pelo campo do ensino, razo pela qual se est tratando da leitura como um objeto que, ao mesmo tempo em que responde a prticas sociais e culturais de sujeitos, tambm resultado de uma cultura escolar de formao de leitores e, por isso, ao se entender a leitura como prtica social, se est falando de letramento. As discusses sobre letramento tiveram incio nos anos de 980-1990, quando novas situaes em relao compreenso do que seja uma pessoa alfabetizada, analfabeta, letrada surgiram. Soares (2003a/1.ed.1998) expe as noes de alfabetizao e letramento como conceitos distintos, por entender que a alfabetizao est associada aprendizagem inicial da leitura e da escrita, o processo de aquisio da tecnologia da escrita. O conceito de letramento, por sua vez, refere-se ao processo de apropriao das prticas sociais de leitura e de escrita, o envolvimento do sujeito com as prticas sociais de leitura e escrita. Segundo a autora referida, a alfabetizao incorpora o carter mais tcnico da apropriao da leitura e da escrita, ao passo que o letramento abarca o carter mais social do processo de uso da leitura e da escrita. Segundo Soares, o grande desafio para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita est em:

saber articular alfabetizao e letramento, o que leva a admitir a necessidade de lanar mo de diversas teorias: a dos gneros textuais, a lingstica textual, a definio de mtodos para a aquisio da tecnologia da escrita, de prticas sociais de leitura e escrita SOARES, Magda. Notas de palestra proferida no CED/UFSC, cujo tema versava sobre Alfabetizao e Letramento, em 27 abril 2004.. (informao verbal)

Em nosso pas, passados sculos de sua colonizao, sempre se conviveu com altos ndices de analfabetos (pessoas que no sabem ler e escrever), com baixos ndices de escolarizados (pessoas que freqentaram a escola e concluram fases iniciais de ensino), ao lado de umas poucas pessoas com alto grau de alfabetismo (pessoas que dominam o idioma, fazem uso dele com freqncia, que transitam com tranqilidade pela leitura e escrita em geral). Como a sociedade vai-se tornando cada vez mais dependente do universo escrito, no basta ser escolarizado; preciso ser letrado, ou seja, no s aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente s demandas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 2003a/1.ed. 1998, p.40)Entender as abordagens tericas do conceito de letramento interessou particularmente pesquisa por se estar tratando de sujeitos que aprenderam a ler e a escrever e fazem uso da leitura nos mais diversos momentos de suas vidas. Imagina-se, ou mesmo espera-se, que quanto maior o grau de instruo das pessoas, maior o nvel de alfabetismo. No entanto, em relao ao letramento, no se pode querer que o mesmo acontea, porque o nvel de letramento (SOARES, 2003a/1.ed. 1998), est estreitamente relacionado com as condies sociais e culturais dos sujeitos.Para ser letrado, preciso que haja condies para o letramento. Alm disso, conforme apresenta Soares (2003a/1.ed. 1998, p. 58), para que haja letramento so necessrias algumas condies:

Uma primeira condio que haja escolarizao real e efetiva da populao s nos demos conta da necessidade de letramento quando o acesso escolaridade se ampliou e tivemos mais pessoas sabendo ler e escrever, passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente aprender a ler e a escrever.Uma segunda condio que haja disponibilidade de material de leitura. O que ocorre nos pases do Terceiro Mundo que se alfabetizam crianas e adultos, mas no lhes so dadas as condies para ler e escrever: no h material impresso posto disposio, no h livrarias, o preo dos livros e at dos jornais e revistas inacessvel, h um nmero muito pequeno de bibliotecas. Como possvel tornar-se letrado em tais condies?

Da a razo de se tratar da leitura enquanto produo histrica, o que leva a trazer outra abordagem do objeto: o seu papel na construo da sociedade, da sociedade do capital, das relaes de trabalho e lucro, do poder. Sobre isso, considera-se que:

Sabemos que escolas existiram na Grcia e em Roma, que a escrita remonta aos sumrios do terceiro milnio antes de Cristo e que as tcnicas de impresso comearam com os chineses, ainda durante a Idade Mdia ocidental. Mas a reunio desses fatores ocorreu por causa da emergncia e sucesso da sociedade capitalista, quando o capital cultural tornou-se igualmente importante para a acumulao do capital financeiro. Leitura ento se consolidou como prtica, nas suas vrias acepes. Produto da escola e critrio para ingresso e participao do indivduo na sociedade, veio a ser valorizada como idia, por distinguir o homem alfabetizado e culto do analfabeto e ignorante. A leitura passou a distinguir, mas afastou o homem comum da cultura oral; nesse sentido, cooperou para acentuar a clivagem social, sem, contudo, revelar a natureza de sua ao, pois colocava o ato de ler como um ideal a perseguir. O ainda no leitor apresenta-se na situao primitiva de falta, que lhe cumpre superar, se deseja ascender ao mundo civilizado da propriedade, por conseqncia, do dinheiro e da fortuna. (ZILBERMAN, s.d http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios)

Nesse sentido, a pesquisa, que analisou as prticas de leitura no mbito do ensino superior, requereu discusso e interpretao de forma a compreender as implicaes que o prprio ambiente scio-econmico e acadmico pressupe, de como ocorre a insero do sujeito nessa esfera social.No ensino superior ainda preciso trabalhar a leitura, se pretendemos a formao de um sujeito que produza leituras. Ao professor, ento, cabe o imprescindvel papel de mediador do conhecimento. Aliando seu conhecimento ao processo que se instaura em sala de aula, ele pode ser capaz de estabelecer boas relaes de interao, possibilitando um espao de discusso sobre as leituras produzidas por todos. Em relao aos dados obtidos na pesquisa, 60% dos acadmicos lem freqentemente os textos acadmicos. Tambm interessante verificar as formas de leitura desses textos; dos sujeitos da pesquisa, 20% lem integralmente os livros e textos acadmicos, 46,67% aprofundam a leitura, 6,67% lem com rapidez e superficialmente, 6,67% no lem textos acadmicos. Oportuno lembrar aqui que, dos quinze sujeitos participantes da pesquisa, 13,33% no sabiam ler ao ingressar na 1a srie do ensino fundamental e 26,67% afirmaram no haver alguma prtica de leitura em sua vida familiar. Esses dados permitem dizer que a leitura, enquanto prtica cultural e social, algo que se constri ao longo da formao. Vale dizer, como apresenta Martins (2003, p. 17, 1. ed. 1982): ()Na verdade o leitor pr-existe descoberta do significado das palavras escritas; foi-se configurando no decorrer das experincias de vida, desde as mais elementares e individuais s oriundas do intercmbio de seu mundo pessoal e o universo social e cultural circundante.Entende-se que a formao do leitor pode estar ligada s condies de vida no mbito pessoal, social e econmico, o que leva a enfatizar que o leitor se forma ao longo de sua vida, da interao das condies internas e subjetivas e das externas e objetivas. Elas so fundamentais para desencadear e desenvolver a leitura. Seja quem for o leitor, o ato de ler sempre estar ligado a essas condies, precrias ou ideais. (MARTINS, 2003, p.21/1 ed.1982)Retomando a questo das formas de leitura dos sujeitos, a grande maioria, 66,67%, l os livros e textos acadmicos (20% lem integralmente; 46,67% lem aprofundando a leitura), no entanto esta leitura se d, para 34,78%, em sala de aula, durante as aulas do curso. Os dados precisam ser compreendidos no sentido de que a leitura no um instrumento, uma ferramenta para acessar os saberes acumulados pela humanidade nos diversos impressos. Ela uma construo intrnseca ao desenvolvimento intelectual; quanto mais se produz leitura, mais se desenvolve criticamente o intelecto humano, e como apresenta Silva (1998, p. 22-23):

a leitura crtica encontra a sua principal razo de ser nas lutas em direo transformao da realidade brasileira, levando o cidado a compreender as razes histricas das contradies e a buscar, pela ao concreta, uma sociedade onde os benefcios do trabalho produtivo e, portanto, da riqueza nacional no sejam privilgios de uma minoria.

Portanto, a leitura, assim entendida, no uma ao que se manda fazer; algo vivenciado e precisa ser reconhecido como produo de carter cultural, histrico e social. Entende-se que os dados apresentados possam ser lidos a partir do que segue:

Quanto mais se restituir ao trabalho intelectual sua complexidade e sua realidade histrico-social, menos escolarizada estar a reflexo e haver mais possibilidade de que a leitura ganhe um contexto em que no precisar de incentivos para que se cotidianize. Ela responder, ento, a uma necessidade real. (ORLANDI, 2001, p.33, 1. ed. 1988)

preciso, pois, relacionar a noo de leitura com a de trabalho intelectual e, assim, sair do circuito mais estrito no qual se toma a leitura em seu carter tcnico imediato. (ORLANDI, 2001, p.29, 1. ed. 1988)Os sujeitos pesquisados afirmaram ler em sala de aula, na maior parte das vezes, seus livros e textos acadmicos. Quer-se compreender o processo partindo de trs dimenses tratadas por Orlandi (2001): da leitura como uma questo lingstica, pedaggica e social ao mesmo tempo.Como afirma Orlandi (2001, p.35, 1.ed. 1988): Embora cada especialista a encare em sua perspectiva, a postura crtica est em no absolutizar essa perspectiva pela qual observa o fato. Metaforicamente, eu diria que preciso no esquecer que o microscpio no a bactria que se observa.Assim sendo, para entender os dados, considerou-se a questo sob esses trs domnios do conhecimento, coerentemente com a abordagem terica que sustentou o estudo. Na perspectiva social, para superar a viso reducionista de leitura, conforme Orlandi (2001, p.37 e seguintes/1. ed. 1988) no h frmulas e estratgias para se exercer, mas deve-se procurar uma forma de leitura que permita ao aluno trabalhar sua prpria histria de leitura, assim como a histria das leituras dos textos e a histria da sua relao com a escola e com o conhecimento legtimo. Por isso acredita-se ser possvel estabelecer outras interlocues em sala de aula, que no sejam a de simples compreenso de que ler um texto decodificao do lingstico. Evitar-se-ia, assim, expor os sujeitos a tcnicas que visam a compreenses pr-estabelecidas do texto. A superao dessa viso, segundo Orlandi (2001/1. ed. 1988), procura observar a leitura como processo de sua produo; isso implica reconhecer que o leitor no apreende um sentido, mas atribui-lhe sentidos. Significa ainda entender que a leitura produzida e se procura determinar o processo e as condies de sua produo (ORLANDI, 2001, p.37), o que leva a assumir uma outra postura diante do acadmico-leitor: o texto no pr-existe leitura; ela o momento crtico da constituio do texto. o momento privilegiado do processo interacional, porque nele que se desencadeia o processo de significao. (ORLANDI, 2001)Os sujeitos da pesquisa so acadmicos que demonstraram, pelas respostas dadas, serem sujeitos inseridos na cultura da leitura e a insero no curso de jornalismo implica ser um leitor crtico em potencial; porm se reconhece ser preciso entender que leitura faz sentido e significado aos sujeitos em questo. Em relao aos dados obtidos, ao dizerem ler integralmente ou ler e aprofundar a leitura, duas situaes distintas se colocam: ler integralmente um texto significa ler do incio ao fim; ler e aprofundar significa compreender e atribuir significados ao lido. Tem-se, na segundo situao, a representao de algum que se recolhe no lido, e para estes o que se prope uma relao dialtica entre aprendiz e professor na construo do objeto de conhecimento, no caso presente, a leitura. (ORLANDI, 2001, p. 40, 1. ed. 1988)Compreender a leitura como produo em condies determinadas, isto , em condies scio-histricas a serem levadas em considerao, implica reconhecer que toda leitura tem sua histria (ORLANDI, 2001, p. 41, 1. ed 1988). No caso da pesquisa, os sujeitos so adultos, estudantes de um curso noturno de instituio particular, alguns trabalham no perodo diurno. O tempo-relgio fica restrito, mas as exigncias de leitura e o cumprimento das obrigaes acadmicas no so minimizados. Por sua vez, as leituras so mltiplas e a formas de ler tambm.Obviamente no se est pregando a idia de que toda leitura possvel; h uma previsibilidade, porm no se fecha na viso unvoca, unilateral e arbitrria de um segmento. Como j afirmou Orlandi (2001, p. 44., 1.ed. 1988) O que estamos propondo que o possvel e o razovel, em relao compreenso de um texto, se definam levando-se em conta as histrias da sua leitura, na forma de interao que o leitor estabelece, no processo da leitura. Sob este enfoque, a sala de aula pode ser um espao em que a leitura como produo de sentidos se d, ou melhor, salienta-se que as leituras previstas para um texto sejam consideradas como um dos constituintes das condies de produo da leitura e no como o constituinte determinante delas, por entender que, alm de outros fatores, a histria das leituras do leitor tambm se constitui em fator muito relevante para o processo de interao que a leitura estabelece. (ORLANDI, 2001, p. 45, 1.ed.1988)Em se tratando de leituras do mundo virtual e jornais e peridicos, os sujeitos da pesquisa apresentaram a leitura de textos no mundo virtual como a terceira opo de freqncia de leitura: 46,67% lem textos no computador freqentemente, porm 26,67% afirmaram no ler, questo que se acredita estar atrelada condio de acesso a essa forma de tecnologia. Por no se perguntar o(s) tipo(s) de leitura que realizam, o dado que se apresenta permite dizer apenas que 46,67% dos sujeitos tm acesso internet e dela fazem uso freqentemente. Como a questo de pesquisa visava inventariar e analisar as prticas de leitura dos acadmicos de um curso de jornalismo, saber se eles esto inseridos no mundo da cultura eletrnica um indicativo significativo de que boa parte dos sujeitos tem acesso a esse meio, embora se reconhea que possam ir ao computador para ler mensagens, correios eletrnicos, pginas eletrnicas de msica, blogs, entre outros gneros textuais. Importante ressaltar que 46,67% lem freqentemente textos no mundo virtual e os lem integralmente. Quanto ao momento (quando) das leituras no computador, predomina o perodo diurno dos dias da semana, dado esse que pode ser entendido como serem usurios dessa tecnologia da escrita em seus lares e ou locais de trabalho. Por inferncia e pelo cruzamento dos dados, diz-se que predomina esta leitura no local de trabalho, uma vez que somente 13,33% lem textos no mundo virtual aos sbados e domingos, tempo que comumente no se est no local de trabalho, mas em casa.A respeito da cultura da leitura no mundo virtual, Chartier (1999, p.19-31) contribui com a reflexo quando afirma que a leitura , em si, inventiva e criativa, sofrendo variaes ao longo dos tempos. Suas variaes esto intimamente ligadas ao tempo e ao local, s condies de possibilidade e s operaes e efeitos de tal inveno e criao. Assim, precisamos nos acostumar a conviver com essa herana cultural obtida ao longo de nossa histria ocidental. O manuscrito, o impresso e a comunicao eletrnica so as materializaes do momento atual das estratgias de publicao. Tais estratgias sempre moldaram as prticas de leitura e durante algum tempo, que ainda no podemos precisar, essas trs formas de cultura escrita iro coexistir e cada uma ter sua preferncia de acordo com os gneros e usos. (Chartier 1999, p. 31)Os sujeitos fazem uso dessa estratgia de publicao, mas a pesquisa mostrou que ela convive com as outras (o manuscrito e o impresso), num grau de relativa equiparao. Pode-se dizer isso porque 40% lem jornais freqentemente, de forma integral durante os dias da semana, ou melhor, de segunda sexta-feira.Os sujeitos da pesquisa, pelo que mostram os dados referentes leitura de jornais, evidenciaram ser esta uma prtica social de leitura, porque os lem, na maioria das vezes (53,33%) no perodo matutino, o que revela ser uma prtica construda ao longo de sua histria de leitor, e no resultante do prprio curso que freqentam. Era objetivo analisar como um acadmico de jornalismo v/l o jornal, que relao de leitura ele estabelece, aps ter passado por uma experincia de formao com mergulho na(s) Teoria(s) da Comunicao, alm de outras disciplinas correlatas.No curso de Comunicao Social habilitao Jornalismo justificar-se-ia uma prtica escolar de jornais, por serem pertinentes nesta instncia de aprendizagem leituras e estudos sobre a composio, formas de expresso, anlise crtico-reflexiva, enfim, as caractersticas de cada gnero discursivo/textual que compem os jornais. No entanto, os dados anunciam algumas questes interessantes, entre elas, as de que as prticas de leitura dos jornais revelam um tipo de leitor bastante conhecido por todos: um leitor-consumidor de jornais. Afirma-se ser contraditria a apresentao dos dados, porque esta prtica, social apenas, pode ser resultado de uma prtica anterior, haja vista que os sujeitos, quando perguntados sobre suas leituras na fase de escolarizao bsica, 13,33% afirmaram que liam freqentemente jornais; 53,33% s vezes liam jornais, o que indica que, de acordo com Soares (2003b, p.107):

trata-se de prticas sociais de letramento transformadas em prticas de letramento a ensinar (no sentido atribudo a prticas na expresso prticas de letramento, []); estas, por sua vez, transformam-se em prticas de letramento ensinadas que, finalmente, resultam em prticas de letramento adquiridas. Em outras palavras: prticas de letramento a ensinar so aquelas que, entre as numerosas que ocorrem nos eventos sociais de letramento, a escola seleciona para torn-las objetos de ensino, ()

Estas prticas de leitura de jornais dos sujeitos pesquisados so aquelas de que os alunos efetivamente se apropriaram ao longo de sua fase de constituio de leitor, caracterizadas como uma prtica social e culturalmente arraigada ao seu cotidiano.Os dados que mais justificam para esta constatao vm reforados pela questo que solicitava dos sujeitos assinalarem as opes que indicam os modos de leitura para cada tipo de texto. Apesar de serem estudantes de Comunicao Social em fase de concluso do curso de jornalismo, tais sujeitos fazem escolhas dos cadernos nos jornais, por preferncia de alguns assuntos em detrimento de outros, tal qual o fazem os leitores-consumidores comuns desse tipo de impresso. Poder-se-ia pensar, por outro lado, que j fizeram suas escolhas para algum tipo de jornalismo em que vo trabalhar; no entanto, o item no leio demonstra mais claramente que h cadernos ou sees totalmente ignorados pelos sujeitos, quando seria desejvel a um futuro jornalista em formao interessar-se pelo jornal como um todo, como forma de estudo (ou mesmo leitura crtica) e anlise para posterior exerccio da profisso.A leitura de jornais, hoje uma prtica social, infere-se, em razo de uma prtica escolar, no evoluiu como se suporia, em virtude da opo profissional dos sujeitos. A escola (no caso, a instituio pesquisada), no est levando em conta o leitor profissional que a ela cabe formar.Embora isso parea paradoxal, deve-se reconhecer que os eventos e as prticas de letramento so mltiplos, o que tambm leva a afirmar que esses letramentos esto inseridos em determinados espaos e determinados tempos (SOARES, 2003b, p.111) e, como conseqncia, so resultantes mais de experincias sociais e culturais em situaes que envolvem a leitura e a escrita que propriamente do desenvolvimento formal dessas habilidades (Street apud Soares, 2003b, p.111). Seguindo esse raciocnio, as relaes entre escolarizao e letramento no so to diretas quanto possam parecer. Se a leitura uma prtica histrica e socialmente construda, resultado de uma cultura de sujeitos que tm suas histrias marcadas por eventos escolares e sociais, como se tratou ao longo da pesquisa, preciso reconhecer que, ao lado da escola, diversas outras instncias tambm contribuem para que as pessoas utilizem com maior freqncia e propriedade a leitura e a escrita: o trabalho, o sindicato, o partido, a igreja, a biblioteca do bairro, a associao, o clube.... (Galvo, 2003, p.150)O conjunto dos dados obtidos na pesquisa apresenta uma interessante sntese para a anlise das prticas de leitura de textos acadmicos. Embora 20% dos sujeitos no tenham respondido a esta questo, os demais indicaram que praticamente todos os dias, 60% deles lem textos acadmicos. Aps vem a leitura de textos no mundo virtual, num percentual de 46,67% e em terceiro lugar esto os jornais, lidos por 40% dos sujeitos entrevistados. Estes trs tipos de leitura predominam como leitura freqente, ou seja, aquela realizada praticamente todos os dias. O que se v nesta disposio dos dados precisa ser entendido sob uma perspectiva da histria da leitura no mundo ocidental. Mais especificamente, os dados demonstram o retrato desse novo leitor do sculo XXI. Petrucci (1999, p. 203-225), ao tratar dos cnones fixos, livros considerados clssicos por fazerem parte das obras de referncia como leitura obrigatria, diz que durante um longo tempo fizeram parte da homogeneizao e tradio da(s) leitura(s) por que todo bom leitor devesse passar. De certo modo, havia uma busca por garantir uma ordenao hierarquizada do conhecimento, uma relao de poder para com o conhecimento acumulado ao longo da histria da humanidade.Porm, com o passar dos tempos, as transformaes tecnolgicas, as mudanas na prpria dinmica social evidenciaram muitos conflitos e problemas no bojo da sociedade, e a crise da leitura e da produo de impressos tambm se configurou. Embora de forma diferenciada entre distintos espaos geogrficos, pode-se afirmar que esta pesquisa apresenta marcas das crises de que trata Petrucci (1999) em seu texto.Assim sendo, nosso pas tambm sofre a crise do cnone contestado (Petrucci, 1999, p. 213), ou seja, passa-se por uma desordem da leitura. Ela consiste numa nova demanda, responsvel, entre outras razes, pelo desinteresse pelas leituras clssicas daqueles que so considerados leitores, os quais buscam outras leituras e outras formas de lazer.Isso vai resultar em uma nova e outra forma de se relacionar com os livros e as leituras, alm da prpria recusa explcita do cnone fixo, inclusive com o apoio de alguns setores pblicos que, de forma mais ampla e consciente, vo se opor s tradicionais leituras e rejeitar as ditaduras dos livros controlados, principalmente quando estes so orientados para um determinado tipo de corrente ideolgica. Hoje, no entanto, h condies de se opor a esse controle dos discursos e a academia um espao onde isso se d. Evidentemente, nesse movimento, corre-se o risco de perder algumas conquistas que seriam salutares se permanecessem, porm o prprio movimento dos sujeitos e das idias provoca essas reaes.Nesse meio complexo est o leitor, que por sua vez (Petrucci, 1999, p. 214),

() reage de maneira tambm irracional; visto que as instituies e sobretudo a escola - , desde sempre encarregadas de manter e difundir o cnone tradicional da leitura e seus valores, perderam fora e capacidade de influncia, ele se comporta dentro do mercado de maneira desordenada imprevisvel: compra e no compra, escolhe e no escolhe, interessa-se ora por um setor, ora por outro, deixa-se seduzir ora pelo preo reduzido, ora pela apresentao grfica, ora pelo interesse do momento e pelo bombardeio publicitrio; em suma, ele tambm est perdendo todo critrio de seleo e com isso dificulta qualquer tipo de programao racional da produo baseada nos gostos previsveis do pblico. Os gostos permanecem firmes somente no interior da reduzida faixa de leitores chamados firmes, que lem vrios livros por ano, que constituem em cada sociedade a parcela mais conservadora e por isso mais estvel do universo dos leitores, mas que por sua exigidade numrica no interessa muito aos donos da indstria editorial, nem nos Estados Unidos nem na Europa.

Como se pode ver, est-se diante de uma mudana de valores, e no Brasil tambm esto mostra essas novas formas de ler, marcadas pelas novas exigncias de leitores que pedem a incluso de livros de outros eixos geogrficos e de outras temticas. Torna-se cada vez maior o compromisso dos responsveis pela formao de leitores diante da enormidade de facetas que circundam o processo de letramento, preciso construir referenciais para que leitores produzam leituras que lhes permitam a insero social.Evidentemente esses movimentos trazem problemas para o que j est institudo nas universidades: muitos professores sentem a dificuldade em fazer com que alunos leiam clssicos de sua rea, porque o texto denso, de difcil leitura, requer outras referncias para sua compreenso. Na pesquisa realizada, foi importante reconhecer que os sujeitos pesquisados, ao lerem da forma como lem, ao escolherem como prioritrias as leituras de textos acadmicos, de jornais e textos do mundo virtual, ao estarem lendo sem aprofundar a leitura, esto lendo a sua maneira. Quando programam suas leituras de forma muito particular, esto anunciando que as escolhas no respeitam a regra de que a leitura deva seguir os rituais historicamente canonizados. Assim procedendo, esto respondendo a uma outra concepo de leitura e leitor, posturas essas influenciadas pela construo dessa sociedade contempornea, com a ausncia de cnones tradicionais e instituio de novos.Os dados apresentados esto correspondendo aos novos modos de ler apresentados por Petrucci (1999). Os sujeitos, ao escolherem os mais diversos gneros textuais e os lerem simultaneamente, demonstram o quanto foram seduzidos por essa outra concepo de leitura e de leitores que vem o livro como um objeto de uso instantneo, para ser consumido e perdido ou at mesmo descartado depois de lido. (Petrucci, 1999, p. 223).O conjunto dos dados corrobora a existncia de um leitor anrquico, que l de tudo um pouco, em qualquer lugar, o que significa reconhecer que os sujeitos-leitores da pesquisa inserem-se no conjunto daqueles que esto mudando as regras de comportamento de leitura. Isso significa tambm que o modelo tradicional no mais se sustenta, e a rigidez das prticas de leitura tende a desaparecer.Retomando a questo da leitura dos textos acadmicos, tem-se de rever as formas como se a concebe e como so encaminhadas as leituras nas disciplinas. No se trata de refutar todo um sistema de valores e toda atitude pedaggica que se baseia em um trabalho de formao profissional. Porm preciso reconhecer a presso que exerce o mercado consumidor do produto livros e os sujeitos que praticam leituras dentro de sua construo de leitor adulto e marcado por prticas que o constituem, resultando, reciprocamente, nessa parcela que vai modificar tambm a oferta. por isso que se afirma, a partir dos sujeitos pesquisados, que se vive uma desordem na leitura, definida por alguns precipitadamente como ps-moderna e que se configura como anrquica, egostica, egocntrica, baseada num nico imperativo: leio o que bem entendo (Petrucci, 1999, p. 218)Sobre isso vale ler o que diz Petrucci (1999, p. 225):

Na verdade, parece errado (embora talvez inevitvel) perguntar agora em que medida o futuro da leitura e do ler aqui delineado, constitudo de prticas individuais, de escolhas pessoais e de recusas de regras e hierarquias, de caos produtivo e de consumo selvagem, de misturas de diferentes repertrios, de nveis afastados mas paralelos de produo, pode ser considerado (ou no) um fenmeno de sinal positivo. Ele parece, na verdade, configurar-se como um fenmeno extenso e complexo, destinado a consolidar-se e a firmar-se no lapso de um ou dois decnios que coincidir com a virada do segundo para o terceiro milnio. Somente em cinqenta ou cem anos saberemos para onde ele nos conduziu e, se quisermos, poderemos emitir ento um juzo.Agora no, cedo demais.

Dizer que cedo demais para emitir um juzo sobre essas novas prticas sensato; no entanto, tambm pertinente reconhecer que os sujeitos, ao afirmarem em seus depoimentos pessoais que qualquer tipo de leitura importante, leio a primeira coisa que encontro, leio diversos textos na internet, em especfico textos, leio muitos e variados textos no computador, de assuntos que agreguem conhecimento, leio textos relacionados rea de trabalho, respondem a prticas individuais, livres e bastante flexveis de modos de ler. Se em um dado momento histrico essas constataes pudessem ser lidas sob certas concepes que as enquadravam numa negao da leitura e do leitor, na atualidade elas tm desafiado a pensar que o cnone homogneo, engessado, clssico cede lugar ao cnone anrquico e, como trata Petrucci (1999, p.213), o resultado das novas demandas, as quais se somam e se sobrepem desordenadamente, destituindo a autoridade do cnone universal que durante longos perodos da histria da cultura da leitura regeu as regras do bom leitor.Para quem est no ensino e formao, fica a necessidade de se voltar ainda mais para a discusso sobre a leitura como constitutiva do sujeito, o que implica propor novas formas de trabalh-la em sala de aula, quaisquer que sejam os nveis de ensino. Quando se diz que ler o que define como e por que se l, afirma-se que no se l todo e qualquer tipo de texto do mesmo jeito. Assim, os dados evidenciaram que as formas e os tempos de ler esto condicionados s condies sociais e histricas de produo dessas leituras. Por isso no h uma leitura boa ou ruim, certa ou errada, mas leituras que acontecem respondendo ao contexto em que a produo dessa leitura se d. Os sujeitos vo construindo um mosaico com fragmentos de tempos e recortes de gneros textuais, que vo resultar nesse leitor acadmico inserido na sociedade da cultura de mdia e mercado: l de tudo um pouco. Fica para a instituio-escola o desafio de trabalhar para que aqueles que por ela passem sejam, mais do que nunca, leitores crticos e seletivos, altamente letrados nos meios impressos e eletrnicos.REFERNCIASBOURDIEU, Pierre. A leitura: uma prtica cultural (debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier). CHARTIER, Pierre.(Org.) Prticas da leitura. So Paulo: Estao Liberdade, 1996.CHARTIER, Pierre.(Org.) Prticas da leitura. So Paulo: Estao Liberdade, 1996.____________ As revolues da leitura no ocidente. ABREU, Mrcia. Leitura, Histria e Histria da Leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associao de Leitura do Brasil; So Paulo: Fapesp, 1999.GALVO, Ana Maria de Oliveira. Leitura: algo que se transmite entre as geraes? RIBEIRO, Vera Masago. (org.) Letramento no Brasil: reflexes a partir do INAF 2001. So Paulo: Global, 2003.MARTINS, Maria Helena. O que leitura. So Paulo: Brasiliense, 2003/10.ed./ 1. ed. 1982.ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e leitura. 6.ed. So Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2001, 1. ed. 1988.PETRUCCI, Armando. Ler por ler: um futuro para a leitura, In: CAVALO & CHARTIER, Guglielmo e Roger. (org.) Histria da leitura no mundo ocidental. Vol. 2. So Paulo: tica, 1999, p.203-227.SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e Leitura: ensaios. Campinas, SP: Mercado das Letras: Associao de Leitura do Brasil, 1998.SOARES, Magda.Letramento: um tema em trs gneros. 2.ed. 6. reimpr. Belo Horizonte: Autntica, 2003a, 1. ed.1998.____________ Letramento e escolarizao. RIBEIRO, Vera Masago (org.) Letramento no Brasil: reflexes a partir do INAF 2001. So Paulo: Global, 2003b.ZILBERMANN, Regina. A Leitura no Brasil: sua Histria e suas Instituies. Disponvel em: . Acesso em: 04 junho 2003.