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As mulheres negras são representadas através da história
pela força, pois sempre tiveram que assumir responsabilidades
destinadas aos homens perante a sociedade. São delas as
características de destaque nas manifestações culturais e
religiosas. Na comunidade do Curuzu, no bairro da Liberdade, não
é diferente. A maioria das mulheres negras desse local também
tem um comportamento específico herdado dos ancestrais
africanos. E a partir da história podemos entender a relação
do bairro com a África.
Liberdade. Tropas Nacionais do Exército Pacificador desfilam
pela Estrada das Boiadas com os baianos do Recôncavo após
expulsarem os portugueses e afirmarem a Independência da
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Bahia, no dia 2 de Julho de 1823. A partir desse momento, o local
fica conhecido como Estrada da Liberdade, futuro bairro, uma
forma de homenagear o esforço das pessoas que lutaram ali
em favor da pátria.
A antiga Estrada das Boiadas, hoje Rua Lima e Silva ou Estrada
da Liberdade, é considerada a espinha dorsal do bairro, sendo a
referência principal, de onde saem suas ramificações. A posição
do local é estratégica, por estar na parte mais elevada, o que
propicia uma vista panorâmica da cidade.
É um bairro único na capital baiana. Concentra cerca de 600 mil
habitantes e a maioria de sua população é negra. O povoamento
da Liberdade se deu logo depois da Abolição da Escravatura,
com a ida de negros libertos e ex-escravos para o local. Hoje,
o comércio geral é constituído por lojistas e vendedores
ambulantes, crescendo aceleradamente e consolidando a sua
auto-sustentação.
Outro fator relevante referente à Liberdade é a diversidade
cultural aí existente, capaz de agregar as mais diferentes
“tribos” e tendências, além de estilos, comportamentos e
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movimentos os mais diversos. Uma pluralidade que abrange dos
festejos do carnaval à religiosidade, e concentra, as tradições
afro-culturais, entre todos os sub-bairros, entre os quais se
destaca a comunidade do Curuzu. Com sua colaboração cultural
para a identificação das origens africanas, homens e mulheres
negros da região preservam as tradições da suas origens, que
são expressas com orgulho e cujos sinais se vêem por toda
parte, nas roupas, nos cabelos trançados, na paixão pela música
percussiva, na religiosidade.
O Curuzu, comunidade periférica mais negra do bairro da
Liberdade e de toda a Cidade do Salvador, tem cerca de 23 mil
habitantes. Na década de 70, o Curuzu alcançou sua configuração
atual, com a chegada do asfalto, uma das principais mudanças
ocorridas no bairro. O lugar é uma verdadeira encruzilhada de
becos, vielas e ladeiras. Constituiu-se, inicialmente, de poucas
casas, em uma paisagem de “roças”, com amplas extensões de
terra. Agora, são muitas casas simples, geralmente azulejadas
ou pintadas com cores fortes, uma das marcas registradas do
local. A simplicidade das pessoas no cotidiano da comunidade é
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um diferencial, pois se parece com uma cidadezinha de interior,
onde todos se conhecem. É a Dona Lu do Bar, a Dete Rezadeira,
D. Maria José das colchas, D. Francisca da água de coco,
entre tantas outras personalidades. Muitas destas pessoas
nasceram e viveram a vida toda no bairro.
Sobre o nome, existem duas versões. Alguns dizem que é de
origem indígena. A versão que prevalece, porém, é a de um nome
de origem ioruba que significa “bolo fecal”. Ao andar pelo Curuzu
é impossível não perceber, em todos os lugares, os traços da
cultura africana.
É no Curuzu que está a sede do bloco carnavalesco Ilê Aiyê
que surgiu com a intenção de fortalecer os costumes afro-
brasileiros. Movimento inicialmente rítmico-musical, tornou-se
uma revolução estética, principalmente das mulheres negras
de Salvador, que passam a valorizar os tons fortes nas roupas,
a usar tranças nos cabelos, em uma atitude de afirmação e
valorização racial.
Ser mulher negra num país como o Brasil é enfrentar obstáculos.
Até mesmo porque a conscientização de se aceitar como negra
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passa por várias etapas, desde o não se aceitar como tal, até
a superação desta percepção. Ao conhecer a história do povo
africano, a mulher negra se reconhece como portadora de
títulos de nobreza que a qualificam como legítima herdeira de
um trono, mesmo diante do seu silêncio e da simplicidade de suas
tarefas. Desta forma, as mães-de-santo negras do Candomblé
brasileiro, e baiano principalmente, permanecem ocupando
lugar de renome no processo de resgate da identidade cultural
e filosófica de ser mulher negra através dos tempos.
Falar de mulheres negras é falar também da religiosidade. Na
cultura afro-brasileira, a mulher tem papel decisivo no âmbito
religioso. São as sacerdotisas que comandam os cultos e seus
seguidores. No candomblé, as ialorixás ou mães-de-santo,
são figuras respeitadas que contribuem para a formação da
identidade dos grupos.
A complexidade feminina, na cultura afro, nunca foi vista como
empecilho para que uma mulher se transformasse em uma líder
religiosa. Nesta cultura, a mulher sempre pode seguir suas
próprias vontades, sem sofrer preconceitos por tal fato, uma
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vez que a valorização da mulher não implica a dominação sobre
os homens.
No Curuzu, o grupo afro de renome Ilê Aiyê é fruto da harmonia
entre elementos importantes para a resistência da negritude,
a religião e o Afoxé, o candomblé e a música, que contribuíram
para o fortalecimento mútuo e legítimo da consolidação da
entidade Ilê Aiyê. Este nasceu no terreiro fértil de candomblé
de Mãe Hilda, em 1º de novembro de 1974.
O grupo contribui para a valorização da raça e da beleza negra,
cujo padrão é diferente dos convencionais, embora não inferior.
Os cabelos, a pele, as indumentárias, foram ornamentados para
serem referências à história da África, de seus reinos, com reis e
rainhas, e cuja intenção é fazer um resgate cultural. O grupo faz
este resgate através das letras das músicas e, com isto, além
de elevar a auto-estima da população negra baiana, contribui
para a identificação da Bahia como um Estado da nação afro-
brasileira.
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