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FICHA TÉCNICA Título original: Nemo – Il ragazzo senza nome Autor: Davide Morosinotto Ilustração da capa: Antonio Javier Caparo / Shannon Associates LLC Copyright © 2015 Atlantyca Dreamfarm s.r.l., Italy Edição original publicada por RCS Libri S.p.A (marchio Rizzoli) International Rights © Atlantyca S.p.A., Via Leopardi, 8 – 20123 Milano, Italia [email protected] – www.atlantyca.com Tradução © Brilho das Letras, Lisboa, 2016 Tradução: Rossana Appolloni Revisão: Joana Ambulata/Editorial Presença Composição, impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda. Depósito legal n.º 412 875/16 1.ª edição, Lisboa, setembro, 2016 Jacarandá é uma chancela da Brilho das Letras Reservados todos os direitos para Portugal e países africanos de expressão portuguesa à Brilho das Letras Uma empresa Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena [email protected] www.jacaranda.pt facebook.com/jacarandaeditora Copyright © Atlantyca Dreamfarm s.r.l. de nomes, personagens e símbolos, e licença exclusiva de Atlantyca S.p.A para a edição original. Traduções e/ou adaptações são propriedade de Atlantyca S.p.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sob qualquer forma ou meio, eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou armazenamento de informação sem o consentimento prévio, por escrito, do proprietário. Para mais informações contactar Atlantyca S.p.A.

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Page 1: FICHA TÉCNICA · agarrou num cartaz e colocou-o à frente do peito, à espera. O cartaz dizia em letras maiúsculas: Colégio Amélie PAimboeuf PArA Amáveis DonzelAs e Jovens CAvAlheiros

FICHA TÉCNICA

Título original: Nemo – Il ragazzo senza nomeAutor: Davide MorosinottoIlustração da capa: Antonio Javier Caparo / Shannon Associates LLCCopyright © 2015 Atlantyca Dreamfarm s.r.l., ItalyEdição original publicada por RCS Libri S.p.A (marchio Rizzoli)International Rights © Atlantyca S.p.A., Via Leopardi, 8 – 20123 Milano, [email protected] – www.atlantyca.comTradução © Brilho das Letras, Lisboa, 2016Tradução: Rossana AppolloniRevisão: Joana Ambulata/Editorial PresençaComposição, impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.Depósito legal n.º 412 875/161.ª edição, Lisboa, setembro, 2016

Jacarandá é uma chancela da Brilho das LetrasReservados todos os direitospara Portugal e países africanos de expressão portuguesa àBrilho das LetrasUma empresa Editorial PresençaEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730-132 [email protected]/jacarandaeditora

Copyright © Atlantyca Dreamfarm s.r.l. de nomes, personagens e símbolos, e licença exclusiva de Atlantyca S.p.A para a edição original. Traduções e/ou adaptações são propriedade de Atlantyca S.p.A. Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sob qualquer forma ou meio, eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou armazenamento de informação sem o consentimento prévio, por escrito, do proprietário. Para mais informações contactar Atlantyca S.p.A.

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«Cá está, senhor Aronnax, um manuscrito

compilado em muitas línguas.

Contém o resumo dos meus estudos sobre o

mar e, se Deus quiser, não vai morrer comigo.

Assinado com o meu nome, completado com

a história da minha vida, será fechado num

pequeno aparelho flutuante.

O último de nós a sobreviver a bordo atirará

o aparelho ao mar, que irá até onde as ondas

o levarem.»

O nome daquele homem!

A sua história, escrita por ele próprio!

Será que um dia o mistério será desvendado?

(Júlio Verne)

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UM

A C H E G A D AA C H E G A D A

O rapaz estava à espera no porto de Le Havre.

Era 28 de agosto de 1829 e barcos de velas

brancas como asas de gaivota desenhavam

riscos escuros na vasta superfície prateada do mar.

O rapaz era alto, magríssimo, e estava suado dos pés

à cabeça. De facto, estava demasiado vestido para uma

manhã de fim de verão: tinha um chapéu em forma de

cilindro e um casaco com cauda, um colete de lã de alpaca

e uma camisa apertada ao pescoço por um bizarro laço

verde e vermelho. Mas a coisa mais engraçada é que,

apesar de estar impecavelmente vestido, nos pés só tinha

meias, que estavam rotas nos dedos grandes.

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UM

Na verdade, antes de partir, o senhor Mirat tinha-lhe

arranjado um par de sapatos, brilhantes e praticamente

novos, mas eram demasiado pequenos, pelo menos dois

números abaixo do seu, e calçá-los fazia-o sentir que tinha

os pés numa ratoeira. Portanto, assim que saiu da carrua-

gem, tirou aqueles instrumentos de tortura e escondeu-os

no compartimento debaixo do assento do condutor. Depois,

agarrou num cartaz e colocou-o à frente do peito, à espera.

O cartaz dizia em letras maiúsculas:

Colégio Amélie PAimboeuf

PArA Amáveis DonzelAs

e Jovens CAvAlheiros

O Daniel Lacrosse (assim se chamava o rapaz) tinha

encontrado há pouco tempo trabalho como criado no co-

légio e tinha sido enviado a Le Havre para receber dois

alunos novos. O acaso quis que fossem mesmo uma don-

zela e um cavalheiro.

O rapaz suspirou e tirou um relógio de bolso do colete.

Este também lhe fora confiado pelo senhor Mirat, que o

tinha avisado para cuidar bem dele.

— Um só risco — tinha dito — e estás despedido.

O Daniel prometeu ficar atento, até porque gostava

de estar no colégio Paimboeuf e não tinha vontade de ir

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A CHEGADA

à procura de um novo trabalho. Mas o relógio indicava

oito e meia e a sua primeira hóspede já devia ter chegado.

Será que se tinha perdido?

— Garsòn! Garsòn! — gritou uma voz. Garçon significa

«rapaz» em francês, mas a voz tinha um sotaque tão forte que

o Daniel, por um momento, não conseguiu perceber. Depois,

reparou numa rapariga e numa mulher que caminhavam

depressa na sua direção, agarrando a bainha das saias.

A rapariga parecia um pouco mais nova do que o Da-

niel. Tinha os olhos claros, cabelos loiros compridos que

caíam pelas costas em perfeitos canudos, e uma abertura

engraçada entre os dentes da frente.

A mulher tinha uma cara amarelada como a de uma

cebola seca.

— Garsòn! — gritou a Cara de Cebola. — És tu o criado

do colégio Paimboeuf?

Em vez de pronunciar corretamente «pemböf», a mulher

disse qualquer coisa de incompreensível, tipo «paìnbòu».

Ainda assim, o Daniel tossiu e levantou melhor o cartaz

que dizia «colégio etecetera, etecetera». A mulher empi-

nou o nariz.

— Até que enfim! — comentou. — Há uma eternidade que

estávamos no barco à tua espera. E visto que não chegavas,

tivemos de vir até aqui abandonando as malas, como se a

menina Woodsworth não estivesse já cansada pela viagem.

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UM

O Daniel observou a rapariga que estava ao lado da

Cara de Cebola. Mais do que cansada, parecia terrivel-

mente aborrecida.

— É a menina Woodsworth?

— Claro que sim! — exclamou a mulher. — Ashlynn

Taylor Woodsworth, filha do senhor Henry Hepburn

Taylor Woodsworth. E eu sou a senhora Walsh, a sua

tutora.

Aquela mulher tinha uma voz mesmo insuportável.

— Agora, se já acabaste com as perguntas, vê lá se

te mexes. Como estava a dizer, a menina está cansada.

O Daniel lançou um olhar silencioso à Ashlynn e à

senhora Cebola Walsh.

— E vê se calças os sapatos, por favor! — acrescentou

a tutora, escandalizada, fixando as meias rotas do Daniel.

O rapaz fingiu não ter ouvido e afastou-se ao longo

da plataforma, depois deu um salto e uma cambalhota.

Saiu-lhe tão bem que nem sequer deixou cair o chapéu.

A Miss Ashlynn Taylor Woodsworth vinha de Boston,

nos Estados Unidos, e era a filha de um importante ho-

mem de negócios que vendia aço em meio mundo. Ainda

em criança fora enviada para a Europa para melhorar a

sua educação. Passara um período em Londres e agora

estava a mudar-se para França para frequentar o colégio

da Madame Paimboeuf.

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A CHEGADA

Tal como muitas raparigas da sua idade e estrato so-

cial, a Miss Ashlynn adorava vestidos bonitos: de facto,

tinha trazido consigo imensa bagagem que, agora na

plataforma, formava uma torre instável de malas, baús,

cestos e caixas de chapéus.

Protegida pelo seu chapéu de sol, a Ashlynn ficou a

observar o criado do colégio a transportar aquela mon-

tanha de coisas para a carruagem, suando como um

camelo ao sol.

O rapaz tinha dito que se chamava Daniel, parecia-lhe,

e tinha um ar simpático. A Ashlynn estava com alguma

pena que ele tivesse de carregar sozinho as malas todas

mas, ao mesmo tempo, tinha inveja. Pelo menos ele não

tinha de aturar a senhora Walsh a resmungar e a suspirar

como uma chaleira.

— Mas porque é que aquela lesma demora tanto? —

murmurou a mulher. — Já estamos atrasadas, devíamos

ter saído há pelo menos uma hora…

O Daniel carregou ainda o último baú para a parte de

cima da carruagem e disse:

— Receio que ainda vamos demorar um bocadinho:

também me mandaram vir buscar outro aluno. Deve estar

mesmo a chegar. Pelo menos, assim espero.

O criado agarrou no seu cartaz e colocou-se ao lado

dos cavalos.

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UM

Uns instantes depois, a Ashlynn decidiu ir para perto

dele e sorriu. Tinha receio de fazer toda a viagem sozinha

juntamente com a aborrecidíssima senhora Walsh, e agora

tinha acabado de saber que iria chegar outro estudante

para lhe fazer companhia. Se calhar era querido e quem

sabe se seria o seu futuro colega de turma.

A Ashlynn nunca tinha tido um colega de turma,

pois até àquele momento tinha sempre ficado a estudar

em casa, na companhia de uma tutora privada. Como a

senhora Walsh, por exemplo.

— Entre imediatamente a bordo, menina Ashlynn —

chamou-a a mulher, metendo o nariz pontiagudo fora da

carruagem.

— Não fica bem uma dama esperar ao lado do co-

cheiro. E… Deus do céu, mas o que é aquilo? Um leão?

A Ashlynn ouviu o Daniel assobiar baixo.

— Um leão não é com toda a certeza — murmurou

o rapaz. — Trabalhei no circo e sei o que digo. Portanto,

deve ser um cão… mas assim tão grande nunca tinha

visto.

A Ashlynn virou-se e o seu olhar deu com um animal

enorme, de pele cinzenta, e a cabeça coroada por uma

espessa juba. Ao lado dele andava um rapazinho de cabelo

preto e pele da cor de um grão de café. O rapaz era magro

e pequenito, com olhos grandes e dentes branquíssimos.

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A CHEGADA

Vestia uma camisa de tecido grosso e calças apertadas

no tornozelo, à oriental. Às costas trazia um saco de

viagem que era toda a sua bagagem.

O rapazinho parou mesmo em frente a eles e o seu cão

enorme parou com ele (a Ashlynn não conseguiu evitar

um pequeno grito de susto). O rapaz recém-chegado leu

com atenção o cartaz do Daniel, depois inclinou-se ligeira-

mente e tirou do saco uma folha de papel cuidadosamente

dobrada.

A Ashlynn espreitou o Daniel a ler e notou que a folha

era uma carta de apresentação para o colégio Paimboeuf.

Portanto, aquele estranho rapaz era o segundo hóspede

de quem estavam à espera.

— Bem-vindo! — cumprimentou-o o Daniel, um pouco

surpreendido. — Eu sou o Daniel Lacrosse, empregado

do colégio, e a rapariga ao meu lado acabou de chegar de

Inglaterra e chama-se Ashlynn qualquer coisa…

— Ashlynn Taylor Woodsworth — especificou a senho-

ra Walsh de dentro da carruagem. — Mas porque é que

estão a falar com esse selvagem? Não veem que tem um

aspeto pouco recomendável?

— Poderá até ser pouco recomendável — respondeu

o Daniel —, mas acho que vai viajar connosco. É um

estudante novo do colégio, chama-se… oh, a carta de

apresentação nem sequer o diz.

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UM

DOISA Ashlynn estava fascinada com aquele rapaz desco-

nhecido de ar misterioso, e sobretudo com o seu enorme

e impassível cão. Por isso, ganhou uma dupla coragem:

fez um belo sorriso ao animal, depois virou-se para o seu

dono e perguntou:

— Como te chamas?

Mas o jovem não respondeu. Simplesmente ignorou-a,

virou-lhe as costas e foi sentar-se na carruagem. Depois

assobiou ligeiramente, o cão entrou e aconchegou-se no

chão.

— Mas… — balbuciou a Ashlynn, incrédula e um pouco

chateada.

Ela quis ser amável e aquele tipo agradecia-lhe assim,

fingindo nem sequer a ver?

O Daniel sorriu-lhe e encolheu os ombros, como quem

diz para não ligar muito. Estendeu-lhe a mão para ajudá-

-la a entrar.

— Para a carruagem, senhores! — exclamou. — Vamos

partir!

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O G U I N C H OO G U I N C H ODOIS

A estrada endireitava à medida que acompa-

nhava o curso de um pequeno rio. A fila de

árvores desenhava rabiscos de sombra na

cobertura da carruagem e o ar estava impregnado pelos

cheiros do campo.

Porém, se por um lado a paisagem era tranquila, o mes-

mo não se podia dizer dos novos passageiros do Daniel.

Desde que partiram, a senhora Cebola Walsh não tinha

parado nem um instante de discutir com a Ashlynn e,

como se não bastasse, o enorme cão cinzento estava en-

joado devido ao balançar da carruagem e babava-se com

a cabeça peluda fora da janela.

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DOIS

O Daniel pensou com nostalgia nas camas por fazer que

esperavam por ele no colégio. O instituto encontrava-se

não muito longe de Paris, mas ainda faltavam duzentos

e setenta quilómetros. Sempre a andar, demorariam três

dias para chegar. Puxa!

— Ei, tu! — disse a Ashlynn, inclinando-se à janela.

— Se te desviasses dos buracos, se calhar o cão não estaria

tão maldisposto!

— Olha que não me chamo «ei, tu» — resmungou o

Daniel. — E não tenho culpa de que a estrada esteja cheia

de buracos, valas, pedras, troncos…

Ficou paralisado. Troncos?

— Cuidado! — gritou a Ashlynn. O Daniel tentou pu-

xar as rédeas e assobiou para parar os cavalos. Mas era

demasiado tarde.

A carruagem esbarrou numa árvore caída no meio

da estrada e desequilibrou-se, abanou toda e escor-

regou para a beira da estrada. As rodas enfiaram-se

num buraco profundo e a viatura inclinou-se para

um dos lados, enquanto os cavalos davam pontapés

enlouquecidos.

O Daniel saltou do assento e rebolou pelo chão. Os

seus reflexos de acrobata salvaram-no, mas ficou a olhar

impotente enquanto a carruagem deslizava em direção

ao rio e capotava fazendo um grande estrondo.

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O GUINCHO

«Oh, não», pensou. Não podia ser verdade. O senhor

Mirat ia queimá-lo vivo.

Ouviu um grito sufocado. Depois, uma das portas

(que agora estava virada para o céu) abriu-se e apareceu

o chapeuzinho amarfanhado da Ashlynn, seguido do

carrapito rígido da senhora Walsh. Um instante depois,

seguiram-se igualmente a cabeçorra cinzenta do cão e

aquela cor de tinta do rapaz sem nome.

— Estão todos bem! — gritou o Daniel, aliviado.

— Certamente não por mérito teu — comentou a

Ashlynn.

— Estás mesmo metido em sarilhos, rapaz! — disse-lhe

a senhora Walsh. — Vem ajudar-nos, não deves querer

que sujemos as nossas saias!

O Daniel apressou-se, tentando ignorar as lamúrias da

senhora Walsh. Com algum esforço, acompanhou à estra-

da tanto ela como a Ashlynn, sãs e salvas, e quase secas.

Mas ainda havia um problema. Os cavalos tinham-se

libertado das cilhas mesmo a tempo e não se tinham ma-

goado… mas a carruagem tinha capotado e as bagagens

estavam todas espalhadas pela água rasa do rio. O Daniel

não sabia o que fazer. Tinha de procurar ajuda.

«Para a endireitar serão precisos pelo menos dez ho-

mens», pensou. «E os cavalos. E…».

— Duas cordas.

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DOIS

— O quê, desculpa? — perguntou, ainda submerso nos

seus pensamentos.

— Duas cordas — repetiu o rapaz sem nome, falando com

um sotaque parisiense perfeito. — Consegues arranjar-me?

— Há várias debaixo do assento do cocheiro — respon-

deu o Daniel. Mas não conseguia perceber: o que é que ia

fazer com as cordas?

Observou o rapaz misterioso a avançar pelo rio, ar-

rastando-se com a água pelo joelho. Encontrou as cor-

das exatamente onde o Daniel tinha dito e escolheu com

atenção as mais robustas. Depois disse:

— Preciso de um pau. De pelo menos três metros.

Na estrada, a Ashlynn e a tutora abriram os seus

chapéus de sol e fixavam a cena com ar de desaprovação.

Mas o rapaz tinha um tom tão imperioso, tão seguro de

si, que o Daniel não pôde deixar de obedecer.

Foi a correr e, quando voltou, viu que as duas cordas

tinham sido ligadas de maneira que uma das extremidades

estivesse presa à janela da carruagem capotada e a outra

extremidade a uma árvore à beira-rio.

O Daniel apoiou no chão o pau que tinha encontrado.

— O que queres fazer? — perguntou. — As cordas nem

sequer estão esticadas!

O rapaz olhou para ele com olhos profundos.

— Aquele pau não tem três metros de comprimento.

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O GUINCHO

O Daniel suspirou:

— Não encontrei nada melhor por aqui. Desculpa lá,

está bem?

— Vou tentar desenrascar-me. Agora sai daí, a carrua-

gem vai ficar direita num instante.

O Daniel tinha vontade de se pôr a rir: aquele anão de

pele escura pensava ser capaz de levantar uma carrua-

gem sozinho?

Mas o anão parecia muito tranquilo. Agarrou no pau

e enfiou-o na transversal entre as duas cordas. Depois,

começou a girá-lo como se fosse a pá de um moinho.

As cordas gémeas começaram a torcer-se à volta do

pau. Ao torcerem, tornaram-se mais curtas. E deixaram

de tocar no chão.

O Daniel estava tão espantado que nem sequer conse-

guia falar.

Crick, rangeram as cordas e a carruagem tremeu como

se alguém a tivesse abanado.

Crick, rangeram outra vez e a carruagem levantou-se

em equilíbrio em duas rodas.

Crick-crik-crik, e a carruagem endireitou-se mais um

pouco, depois mais outro, até se colocar sobre as quatro

rodas, pronta para partir.

O rapaz nem sequer ofegava.

— Pronto, já está — murmurou.

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2 2

DOIS

TRÊS— Mas… mas isto é magia… — sussurrou o Daniel,

que ainda estava convencido de estar a sonhar.

— Nenhuma magia — cortou logo o outro. — É um

simples mecanismo de guincho. Diz-se que os antigos

egípcios usaram este sistema para construir as pirâmides.

Apesar de o mais difícil estar feito, demoraram algum

tempo para retomar a viagem. O Daniel teve de prender

os cavalos à carruagem, colocá-la na estrada e limpar a

lama do exterior.

Entretanto, o rapaz sem nome e o seu cão cinzento

andavam pelo rio a recuperar as bagagens.

— Aquele animal é fabuloso — comentou o Daniel.

— Nada como um salmão.

O outro rapaz concordou.

— De facto, chama-se Nautilus, o que significa «mari-

nheiro». Antes, era o cão de um pescador.

Era impressão do Daniel ou nos olhos do rapaz tinha

passado uma sombra escura?

— Nautilus — repetiu o empregado do colégio. — É

um nome giro. E posso saber qual é o teu?

O rapaz virou-lhe as costas.

— Eu não tenho nome — respondeu. — Tive um, mas

há tempos que foi esquecido. Já não sou ninguém.

— E como é que te chamo?

— Se quiseres, chama-me Nemo.

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