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14 Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 A NOVA INTERPRETAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DIREITO CONSTITUCIONAL Cristina Giudice Batista Henriques Fernando Rabello THE NEW INTERPRETATION OF THE WRIT OF INJUNCTION BY THE BRAZILIAN SUPREME COURT RESUMO Trata do mandado de injunção, garantia constitucional prevista para impedir que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerro- gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Enfoca a grande controvérsia existente quanto aos efeitos da decisão desse instrumento e do novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto. PALAVRAS-CHAVE Direito Constitucional; mandado de injunção; Supremo Tribunal Federal; decisão – efeitos; controle jurisdicional – inafastabilida- de; poderes - separação. ABSTRACT The author broaches the writ of injunction, a constitutional guarantee that ensures the practice of constitutional rights and freedom, besides those nationality, sovereignty and citizenship rights, even in the absence of a regulating norm. She focuses on the great controversy regarding the effects of injunction rulings and the new interpretation of this remedy by the Supreme Court. KEYWORDS Constitutional Law; writ of injunction; Brazilian Supreme Court; ruling – effects of; non-obviation of (jurisdiction); powers – separation of.

Fernando Rabello A NOVA INTERPRETAÇÃO DO MANDADO DE ... · 14 Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010 A NOVA INTERPRETAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO PELO

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Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010

A NOVA INTERPRETAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

DIREITO CONSTITUCIONAL

Cristina Giudice Batista Henriques

Fernando Rabello

THE NEW INTERPRETATION OF THE WRIT OF INJUNCTION BY THE BRAZILIAN SUPREME COURT

RESUMO

Trata do mandado de injunção, garantia constitucional prevista para impedir que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerro-gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Enfoca a grande controvérsia existente quanto aos efeitos da decisão desse instrumento e do novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto.

PALAVRAS-CHAVE

Direito Constitucional; mandado de injunção; Supremo Tribunal Federal; decisão – efeitos; controle jurisdicional – inafastabilida-de; poderes - separação.

ABSTRACT

The author broaches the writ of injunction, a constitutional guarantee that ensures the practice of constitutional rights and freedom, besides those nationality, sovereignty and citizenship rights, even in the absence of a regulating norm.She focuses on the great controversy regarding the effects of injunction rulings and the new interpretation of this remedy by the Supreme Court.

KEYWORDS

Constitutional Law; writ of injunction; Brazilian Supreme Court; ruling – effects of; non-obviation of (jurisdiction); powers – separation of.

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Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010

1 INTRODUÇÃO

A fixação da verdadeira função do direito processual em uma ordem jurí-dica tem-se tornado a grande tarefa de doutrinadores, legisladores e operadores do direito. Nos dias atuais, privilegia-se aquele instrumento que mais garanta efetividade aos direitos.

O mandado de injunção surge com a Constituição Federal de 1988, para garantir o exercício dos direitos e liber-dades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Não obstante, a Suprema Corte do país, à exceção do entendimento de al-guns ministros, vinha-lhe dando uma in-terpretação que esvaziava o seu conteúdo, tratando-o, não como uma garantia cons-titucionalmente assegurada, mas como simples processo objetivo de declaração.

Com isso, mesmo que o jurisdiciona-do buscasse o Poder Judiciário para solu-ção de seu conflito e fosse atendido em seu pleito, nenhum resultado prático lhe sobreviria. Referida situação era criticada, de maneira rígida, por vários doutrinado-res, que reclamavam uma posição me-nos tímida do Supremo Tribunal Federal em relação à matéria.

Em recentes julgados, o Supremo Tribunal Federal reviu o seu posiciona-mento e passou a conferir ao mandado de injunção a sua verdadeira função, garantindo, com maior efetividade, o exercício dos direitos e liberdades cons-titucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

2 MANDADO DE INJUNÇÃO

2.1 ORIGENS

Conforme ensina Alexandre de Mo-raes (2004), há uma certa dissonância entre alguns doutrinadores a respeito da origem do mandado de injunção. Segundo ele, alguns autores apontam a sua origem no writ of injunction do Direi-to norte-americano, que representa um remédio utilizado, frequentemente, com base na chamada jurisdição de equidade, aplicando-o sempre quando a norma le-

gal se mostra insuficiente ou incompleta para solucionar, com justiça, determina-do caso concreto.

Por outro lado, ainda segundo Ale-xandre de Moraes (2004), outros auto-res apontam as raízes do mandado de injunção nos instrumentos existentes no velho Direito português, com a única fi-nalidade de advertência do Poder com-petente omisso.

Contudo, como afirma o autor (MORAES, 2004), tais raízes históricas não correspondem ao mandado de in-junção criado pelo legislador constituinte de 1988, cabendo, com isso, à doutrina e à jurisprudência pátrias a definição dos contornos e objetivos dessa ação.

Em contrapartida, José Afonso da Silva (2005) entende que a fonte mais próxima do mandado de injunção seria o writ of injunction do Direito norte-americano, o qual tem cada vez mais aplicação na proteção dos direitos da pessoa humana.

No Brasil, o mandado de injunção foi previsto pela primeira vez pela Constitui-ção Federal de 1988.

2.2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS

O mandado de injunção é uma ga-rantia constitucional inédita prevista no art. 5º, inc. LXXI, da Constituição de 1988, tratando-se de verdadeira ação constitu-cional (PIOVESAN, 2003).

áveis por falta de norma regulamentado-ra exigida ou suposta pela Constituição (SILVA, 2005, p. 448).

Lembra Alexandre de Moraes (2004) que, na análise do primeiro mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal, esta Corte decidiu de forma unânime pela autoaplicabilidade do referido ins-tituto, independentemente de edição de lei regulamentando-o.

Flávia Piovesan (2003) alerta que a concessão do mandado de injunção está condicionada a um liame jurídico de causa e efeito, devendo, para tanto, estar clara essa relação que envolve nexo de causalidade.

Segundo ela, para que se compreen-da o alcance do novo instituto, importa destacar que a concessão da injunção está condicionada a uma relação de causa e efeito. Vale dizer, a uma causa – a falta de norma regulamentadora – a ordem jurídica atribui uma consequên-cia – a inviabilidade do exercício de di-reitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (PIOVESAN, 2003, p. 135).

Essa questão já fora decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamen-to do Agravo Regimental no Mandado de Injunção n. 81/DF, no qual o Minis-tro Relator Celso de Mello, enfrentou-a, afirmando que essa situação de lacuna

O mandado de injunção é uma garantia constitucional inédita prevista no art. 5º, inc. LXXI, da Constituiçãode 1988, tratando-se de verdadeira ação constitucional.

Diz o referido dispositivo: LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regula-mentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionali-dade, à soberania e à cidadania.

Constitui um remédio ou ação cons-titucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas invi-

técnica constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade do mandado de injunção: MANDADO DE INJUNÇÃO. SITUAÇÃO DE LACUNA TÉCNICA. PRESSUPOSTO ESSENCIAL DE SUA ADMISSIBILIDADE. PRETENDIDA MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVI-DOS A SERVIDORES PÚBLICOS. ALTERA-ÇÃO DE LEI JÁ EXISTENTE. INVIABILIDA-DE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

A estrutura constitucional do man-

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dado de injunção impõe, como um dos pressupostos essen-ciais de sua admissibilidade, a ausência de norma regulamen-tadora. Essa situação de lacuna técnica - que se traduz na existência de um nexo causal entre o yacuum juris e a impos-sibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania - constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela constituição de 1988. O mandado de injunção não constitui, dada a sua precípua função jurídico-processual, sucedâneo de ação judicial que objetive, mediante alteração de lei já existen-te, a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos. Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconsti-tucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor.

2.3 COMPETÊNCIA

A competência para o julgamento do mandado de injun-ção se estabelece de acordo com a autoridade responsável pela elaboração da norma regulamentadora, ou seja, a competência será definida conforme a autoridade responsável pela edição da norma faltosa.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 es-tabelece algumas regras de competência para julgamento e pro-cessamento do mandado de injunção. Em seu art. 102, inc. I, q, afirma competir ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo, originariamente, processar e julgar o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Fe-deral, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal.

Estabelece, ainda, que caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar, em recurso ordinário, o mandado de injunção decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão (art. 102, II, a).

Segundo o referido autor, em relação à Justiça Federal e à Justiça Militar, como a legislação ordinária não pode estabelecer casos de competência além dos exaustivamente expostos na Constituição Federal, a princípio, elas não teriam competência para julgar o mandado de injunção. (RIBEIRO, 1990).

Hely Lopes Meirelles (2005, p. 269 e 270), contrariamente, entende que os demais tribunais e os juízos federais e estaduais teriam competência de acordo com o que a lei vier a dispor. Portanto, os juízos competentes para julgar mandado de in-junção são o STF e o STJ, remanescendo competência para os demais tribunais e juízos federais ou estaduais, na forma que a lei pertinente vier a dispor.

O Supremo Tribunal Federal defende a competência da Justiça Federal para o julgamento do mandado de injunção, entendendo que, quando a omissão normativa for imputada à autarquia federal, a competência originária será do juiz federal. (BRASIL, QO MI n. 571-SP, 1998).

O Ministro Relator, Sepúlveda Pertence, justificando seu voto no julgamento do Mandado de Injunção n. 571/SP, sa-lienta que, não obstante a Constituição Federal afirme ser da competência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o mandado de injunção, quando a elaboração de norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direita e indireta, a al. h, do inc. I, do seu art. 105 subtrai dessa área de competência não apenas os casos de competência do Supremo Tribunal Federal, dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho, mas também da Justiça Federal. (Idem).

Dessa forma, se a Justiça Federal detém a competência geral para as causas em que sejam partes a União, as entida-des autárquicas federais e as empresas públicas federais, ao Superior Tribunal de Justiça restaria, apenas, hipóteses excep-cionais como, por exemplo, omissão verificada por parte de um Ministro de Estado.

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça também entende que a Justiça Federal possui competência para o julga-mento do mandado de injunção.

MANDADO DE INJUNÇÃO. COMPETÊNCIA. PRECEDENTES DA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. Tratando-se de mandado de injunção diante de omissão apontada em relação à norma emanada do Conselho Nacio-nal de Trânsito - CONTRAN, órgão autônomo vinculado ao Mi-nistério das Cidades e presidido pelo titular do Departamento Nacional de Trânsito, a competência para processar e julgar o mandado de injunção é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.

2. Mandado de injunção não conhecido. (BRASIL, MI n. 193-DF, 2006).

Já em relação à Justiça do Trabalho, Antônio de Pádua Ribeiro afirma que, como a Constituição Federal, no art. 113, delegou à lei ordinária a tarefa de dispor sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho, poderia a lei esta-belecer a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do mandado de injunção. (RIBEIRO, 1990).

No que se refere à Justiça Eleitoral, a Constituição Federal estabeleceu que caberá recurso das decisões dos tribunais re-gionais eleitorais quando denegarem o mandado de injunção

A competência para o julgamento do mandado de injunção se estabelece de acordo com a autoridade responsável pela elaboração da

norma regulamentadora [...]

Por sua vez, estabelece no art. 105, inc. I, h, a competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar, origi-nariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetu-ados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.

Ponderando sobre o tema, o Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Antônio de Pádua Ribeiro, atenta que a Constituição Federal não estabeleceu a competência para o julgamento do mandado de injunção aos Tribunais Regionais Federais, à Justiça Federal de primeiro grau, à Justiça do Traba-lho e à Justiça Militar. (RIBEIRO, 1990).

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(art. 121, § 4º, inc. V).Kildare Gonçalves Carvalho (2007,

p. 682) afirma que nada impede que lei federal disponha sobre competência re-manescente para outros casos de man-dado de injunção, respeitados aqueles previstos na Constituição.

Os Estados-Membros podem legislar a respeito da competência dos tribunais de justiça e dos juízes de primeira ins-tância, de modo que lei pode dar a eles competência para julgar o mandado de injunção. É o que acontece no Estado de Minas Gerais, cuja Constituição, em seu art. 106, inc. I, f, dispõe ser da compe-tência do Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, de entidade, ou de autoridade estadual da administração direta e indireta.

A Constituição do Estado de Minas Gerais estabelece, também, no parágrafo único do art. 113, que será da competên-cia do juiz de direito julgar o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Prefei-to, da Câmara Municipal ou de sua Mesa Diretora, ou de autarquia ou fundação pú-blica municipais.

2.4 LEGITIMIDADE ATIVA

O mandado de injunção, segundo Alexandre de Moraes (2004, p. 182), po-derá ser ajuizado por qualquer pessoa cujo exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional esteja sendo inviabilizado em virtude de falta de norma reguladora da Constituição Federal.

Legitimado ativo para o mandado de injunção, para Kildare Gonçalves Car-valho (2007, p. 677), é a pessoa, física ou jurídica, que está impossibilitada de exercer um direito constitucional, por fal-ta de norma regulamentadora.

O Supremo Tribunal Federal, a exemplo do mandado de segurança co-letivo, admite a utilização do mandado de injunção coletivo, tendo como legiti-mados as mesmas entidades legitimadas para o exercício daquela ação.

A jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos

membros ou associados dessas institui-ções, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutri-na. (BRASIL, MI n. 20-DF, 1994).

Dessa forma, o requisito para a impe-tração do mandado de injunção coletivo será a falta de norma regulamentadora que torne inviáveis os direitos, liberdades ou prerrogativas dos seus membros e as-sociados indistintamente.

acordo com as peculiaridades do caso concreto, não se devendo negar aos mu-nicípios, peremptoriamente, a titularida-de de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de ações constitucionais cabíveis para a sua proteção.

O Ministro Gilmar Mendes lembrou, ainda, que é amplamente adotado o en-tendimento segundo o qual as pessoas jurídicas de direito público podem ser

Os Estados-Membros podem legislar a respeito da competência dos tribunais de justiça e dos juízes de primeira instância, de modo que lei pode dar a eles competência para julgar o mandado de injunção.

No mesmo sentido, José Afonso da Silva (2005, p. 461 e 462) afirma que o mandado de injunção também pode ser um remédio coletivo, já que pode ser impetrado por sindicato (art. 8º, III) no interesse de Direito Constitucional de categorias de trabalhadores quando a falta de norma regulamentadora desses direitos inviabilize o seu exercício.

Sobre esse posicionamento, Flávia Piovesan (2003) alerta que a possibi-lidade de cabimento do mandado de injunção coletivo não se estende à pro-teção de direitos difusos, sob pena de se transformar em instrumento de tutela de direito objetivo, possibilitando a elimina-ção de lacunas do sistema jurídico.

Pedro Lenza afirma que o Supremo Tribunal Federal já proferiu decisão no sentido de negar legitimidade ativa do mandado de injunção à pessoa jurídica de direito público. Não obstante a exis-tência de decisão do Supremo Tribunal Federal rechaçando essa hipótese, pare-ce ter sido superado tal entendimento com o julgamento do Mandado de In-junção n. 725.

No caso, o Ministro Relator do Man-dado de Injunção n. 725-RO, Gilmar Mendes, em contraposição ao parecer da Procuradoria-Geral da República, que afirmava existir precedente da Corte de-clarando que a pessoa jurídica de direito público não possuía legitimidade ativa para a impetração de mandado de in-junção, ponderou que não se deve fazer desse entendimento exposto nesse pre-cedente, uma regra geral. (BRASIL, MI n. 725-RO, 2007).

Segundo ele, a decisão citada deve ser devidamente contextualizada de

titulares de direitos fundamentais.

2.5 LEGITIMIDADE PASSIVA

Legitimado passivo, para Kildare Gon-çalves de Carvalho (2007, p. 677), é a pes-soa estatal a quem pode ser imputado o dever jurídico de editar o provimento normativo (lei, regulamento, ato admi-nistrativo normativo, dentre outros).

José dos Santos Carvalho Filho (2004, p. 869) afirma que legitimado passivo é o órgão ao qual cumpre o dever de instituir a norma regulamentadora que viabilize o exercício do direito por seu titular. Referi-do autor ressalta que a regulamentação a que se refere a Constituição seria a regu-lamentação primária, ou seja, aquela que, sendo efetivada, poderia permitir o exer-cício do direito. Dessa forma, os órgãos responsáveis por regulamentações secun-dárias não teriam legitimidade passiva ad causam para a ação.

Os particulares, como enfatiza Alexan-dre de Moraes (2004), não se revestem de legitimidade passiva ad causam para o mandado de injunção, pois não lhes compete o dever de emanar as normas reputadas essenciais ao exercício de di-reitos, sendo somente ao Poder Público imputável o encargo constitucional da emanação de provimento normativo para dar aplicabilidade à norma constitucional.

Além disso, o Supremo Tribunal Fe-deral, por diversas vezes, já afirmou ser in-cabível o litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entes estatais. (BRASIL, Ag Rg no MI 335, 1991).

Não obstante, Flávia Piovesan (2003, p. 145), sustentada na tese de Carlos Má-rio Velloso, entende que a legitimidade passiva para o mandado de injunção re-

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cairia sobre a parte privada ou pública que viria a suportar o ônus de eventual concessão da injunção.

Cabe ressaltar, ainda, que terá a legitimidade passiva o ór-gão que tem a incumbência de deflagrar o processo de forma-ção do ato regulamentador (CARVALHO FILHO, 2004). Dessa maneira, se a Constituição Federal estabelece que a iniciativa para determinada lei é do Presidente da República, como ocorre nos casos do art. 61, §1º, da Constituição Federal, somente ele será legitimado passivo para o mandado de injunção e não o Congresso Nacional.

2.6 OBJETO DO MANDADO DE INJUNÇÃO

2.6.1 AS NORMAS REGULAMENTADORAS

O mandado de injunção é, como visto, uma garantia cons-titucional que objetiva tutelar os direitos e liberdades constitu-cionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício.

Logo, a princípio, para definir o objeto dessa garantia, é essen-cial delimitar o entendimento do que seria norma regulamentadora.

Flávia Piovesan (2003) afirma que a definição de norma regu-lamentadora deve ser colhida a partir de uma análise sistemática da Constituição Federal, levando-se em consideração o principio interpretativo que determina ser conferida a mais ampla eficácia às garantias constitucionais.

Dessa maneira, a Constituição Federal, ao tratar da ação di-reta de inconstitucionalidade por omissão, que também objeti-va suprir inércias, afirma que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucio-nal, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão adminis-trativo, para fazê-lo em trinta dias (art. 103, § 2º, da CF).

2.6.2 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS

Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 180), devemos dis-tinguir eficácia de aplicabilidade das normas. A Constituição é expressa sobre o assunto quando estatui que as normas de-finidoras de direitos e garantias constitucionais têm aplicação imediata. Contudo, a própria Constituição estabelece algumas normas definidoras de direitos e garantias constitucionais de-pendentes de legislação ulterior para viabilizar o seu exercício.

José Afonso da Silva, como lembra Pedro Lenza (2008), foi grande responsável pelo estudo da eficácia das normas constitu-cionais, tratando do tema de maneira sistemática na primeira edi-ção, em 1967, de aplicabilidade das normas constitucionais. Seu estudo já foi adotado por diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal como critério classificatório das normas constitucionais.

As normas constitucionais, para José Afonso da Silva, po-dem ser de eficácia plena, contida ou limitada.

São de eficácia plena aquelas normas que, no momento de sua entrada em vigor, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitu-cional. São normas que se aproximam do que a doutrina clássi-ca norte-americana chamou de “autoaplicáveis” (self-executing, self-enforcing ou self-acting).

Normas constitucionais de eficácia contida, embora tenham condições de produzir todos os seus efeitos quando da pro-mulgação da nova Constituição, poderão ter sua abrangência reduzida por norma infraconstitucional (LENZA, 2008).

Pedro Lenza (2008) afirma que a restrição de tais normas poderá se realizar não só por leis infraconstitucionais, como também por outras normas constitucionais, como é o exemplo da decretação do estado de defesa ou de sítio, a qual pode limitar diversos direitos. Além disso, as normas de eficácia con-tida também podem sofrer redução por meio da limitação de conceitos vagos exercida pela administração pública, como, por exemplo, quando a norma se refere a “motivos de ordem públi-ca”, “bons costumes” e “paz social”.

Vale lembrar que, enquanto não materializado o fator de restrição, a norma tem eficácia plena.

Normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional, sendo de aplicabilida-de mediata, reduzida ou diferida (LENZA, 2008).

Pedro Lenza (2008) observa que, diferentemente da doutri-na norte-americana, José Afonso da Silva, no mesmo sentido de Vézio Crisafulli, dá às normas constitucionais de eficácia limitada um mínimo efeito, qual seja, o de vinculação do legislador infra-constitucional aos seus vetores.

As normas de eficácia limitada são divididas em dois gru-pos: normas de princípio institutivo (ou organizativo) e normas de princípio programático.

As primeiras contêm esquemas gerais (iniciais) de estru-turação de instituições, órgãos ou entidades. Já as segundas veiculam programas a serem implementados pelo Estado, vi-sando à realização de fins sociais (LENZA, 2008, p. 108).

Importante lembrar que outros autores também apre-sentam diferentes classificações para referidas normas cons-titucionais. Maria Helena Diniz apresenta classificação das normas constitucionais em normas supereficazes, que não

O mandado de injunção é [...] garantia constitucional que objetiva tutelar os direitos e

liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício.

Acolhendo-se esse raciocínio, norma regulamentadora significa toda e qualquer medida para tornar efetiva norma constitucional, o que inclui leis complementares, ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias, dentre outros atos (PIOVESAN, 2003, p. 135). Nesse sentido, inclui-se nesse conceito não apenas a edição de atos legislativos normativos, mas também a produção de ato administrativo e ato material.

Compartilhando de tal entendimento, José Afonso da Silva (2005, p. 450) define norma regulamentadora como toda me-dida para tornar efetiva norma constitucional.

Nesses casos, a aplicabilidade da norma fica dependente da elaboração de lei ou de outra providência regulamentadora, a qual, não existindo, inviabiliza o exercício do direito. Sendo assim, o real objeto do mandado de injunção deve ser delimita-do a partir do entendimento de qual seria a norma carente de regulamentação.

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podem ser emendadas; normas com eficácia plena; normas com eficácia relativa restringível e normas com efi-cácia dependente de complementação legislativa (LENZA, 2008).

Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto classificam as normas constitucio-nais em normas de aplicação (irregula-mentáveis e regulamentáveis) e normas de integração. As primeiras já estão aptas a produzir todos os seus efeitos, dispen-sando regulamentação ou permitindo-a, mas, nessa hipótese, sem qualquer res-trição do conteúdo constitucional. As se-gundas, por sua vez, são integradas pela legislação infraconstitucional, sendo ora completáveis, ora reduzíveis (Idem).

2.6.3 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE

EFICÁCIA LIMITADA COMO OBJETO DO

MANDADO DE INJUNÇÃO

Diante das considerações expostas no item anterior, pode-se afirmar que apenas será objeto do mandado de in-junção as normas de eficácia limitada prescritivas de direitos, liberdades cons-titucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Sem a regulamentação, tais normas não possuem aplicação, não podendo produ-zir os seus efeitos (LENZA, 2008).

Destarte, como afirma Pedro Lenza (2008, p. 651), o mandado de injunção surge para curar uma doença denomi-nada síndrome da inefetividade das nor-mas constitucionais.

Segundo Alexandre de Moraes (2004), somente as normas constitu-cionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo e as normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, por dependerem de ação normativa ulterior para garantir a sua aplicabilidade, poderiam ser objeto do mandado de injunção.

Flávia Piovesan (2003, p. 139 e 140) aponta três correntes doutrinárias a respeito do objeto do mandado de injunção: A corrente mais restritiva sus-tenta que a parte final do art. 5º, LXXI, ao se referir a prerrogativas “inerentes à nacionalidade, à soberania e à cida-dania”, restringe o alcance da expressão “direitos e liberdades constitucionais” a estes bens jurídicos. Uma segunda cor-rente restringe a expressão “direitos e liberdades constitucionais” aos direitos e garantias fundamentais do Titulo II do

texto. A terceira corrente, a que se ado-ta, entende que os direitos, liberdades e prerrogativas tuteláveis pela injunção não são apenas os constantes no Titu-lo II da Carta Maior, que se refere aos direitos e garantias fundamentais, mas quaisquer direitos, liberdades e prerro-gativas, previstos em qualquer dispositi-vo da Constituição, tendo em vista que inexiste qualquer restrição no art. 5º, LXXI, do texto. Entende-se que o manda-do de injunção protege direitos e liber-dades constitucionais e prerrogativas, estas sim, inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

equiparável à ausência de norma, pela ineficácia da regra de direito contrária à Constituição.

Pelos mesmos motivos, Kildare Gon-çalves Carvalho (2004) apresenta posi-cionamento de Willis Santiago Guerra Filho, que afirma caber o mandado de injunção não só quando houvesse falta de norma para regular o caso concreto, mas também quando se verificasse omis-são parcial.

Não obstante, esse posicionamento encontra a oposição de alguns autores, que entendem ser incabível o manda-do de injunção quando houver regu-

O mandado de injunção, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é uma norma autoaplicável; contudo, não possui regramento procedimental próprio.

Hely Lopes Meirelles (2005) afirma que o mandado de injunção somente será cabível em relação às omissões que afetem o exercício dos direitos constitu-cionais fundamentais. Ele elenca diversas hipóteses as quais não podem ser objeto do mandado de injunção.

Segundo o referido autor, não será cabível a ação para obter regulamenta-ção dos efeitos de medida provisória; para a discussão da inconstitucionalida-de, ilegalidade ou descumprimento de norma em vigor; para se buscar o cum-primento de norma regulamentadora já existente que estaria sendo desobedeci-da e, por fim, não caberia o mandado de injunção para regular norma quando a própria Constituição já regulou a matéria provisoriamente.

A respeito da possibilidade de ser objeto de mandado de injunção a omis-são legislativa parcial, Flávia Piovesan (2003, p. 137) afirma que será possível o seu cabimento quando a norma ofen-de o princípio da isonomia, o que ocor-reria ante a exclusão legal de benefício. Segundo ela, nesse caso, a omissão legislativa parcial seria equiparável à falta de norma regulamentadora, o que ensejaria o cabimento do mandado de injunção para estender a disciplina legal aos grupos impetrantes excluídos.

A autora (PIOVESAN, 2003) alerta que, nesse mesmo sentido, pode-se falar em cabimento do mandado de injunção na hipótese em que a norma regula-mentadora é inconstitucional, por ser

lamentação injusta ou inconstitucional (PIOVESAN, 2003).

Vale mencionar que o Supremo Tri-bunal Federal já afirmou que, se há lei preexistente à ordem jurídica, não há de se falar em omissão, tendo em vista que a questão de a lei existente satisfazer ou não os ditames constitucionais não se identifica com a falta de norma regula-mentadora, mas com o controle de cons-titucionalidade tradicional.

2.7 DECISÃO

Em relação à natureza jurídica da decisão do mandado de injunção e aos seus efeitos, grande controvérsia surge na doutrina. Isso acontece porque, como afirma Flávia Piovesan (2003), o sucesso do mandado de injunção requer uma lei-tura renovada do princípio da separação dos poderes e, sob a ótica tradicional, este princípio constitucional tem sido um dos maiores obstáculos à sua efetivação.

No Supremo Tribunal Federal, o Mi-nistro Néri da Silveira resumiu com clare-za as posições lá existentes, como lembra Alexandre de Moraes (2004).

Dessa forma, a esse respeito have-ria duas grandes posições: a concretista e não concretista. A primeira se dividiria em geral e individual, esta última em di-reta e intermediária.

Pela posição concretista, segundo Alexandre de Moraes (2004), o Poder Ju-diciário, por intermédio de uma decisão constitutiva, presentes os requisitos exigi-dos pelo mandado de injunção, declara a

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existência da omissão administrativa ou legislativa e implementa o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitu-cional até que sobrevenha regulamentação do poder compe-tente. Como já mencionado, esta posição divide-se em duas espécies: concretista geral e concretista individual.

Aqueles que defendem a posição concretista geral sus-tentam que, com uma normatividade geral, o Poder Judiciário implementa o exercício da norma constitucional até que a omis-são seja suprida, tendo sua decisão efeitos erga omnes. Como lembra Alexandre de Moraes (2004), essa posição sempre foi pouco aceita na doutrina, uma vez que, ao proclamar a decisão com esse efeito, o órgão julgador estaria ocupando a posição de legislador.

Flávia Piovesan (2003), em grande crítica feita a essa cor-rente, defende que não seria razoável que o Poder Judiciário elaborasse norma geral e abstrata, quando da apreciação de um caso concreto. Segundo ela, não condiria com a finalidade de um instrumento de tutela de direito subjetivo o intuito de sanear vícios da ordem jurídica (direito objetivo).

órgão legislativo é contida e controlada pelo Poder Judiciário. Segundo ela, essa perspectiva permite visualizar no mandado de injunção um instrumento que traduz possibilidades reais de eficácia da Constituição, a depender, especialmente, do grau de responsabilização do Poder Judiciário, na tarefa de conferir concretização ao princípio da aplicabilidade imediata das nor-mas definidoras de direitos e garantias fundamentais, contro-lando a discricionariedade dos Poderes Públicos.

Por fim, pela posição não concretista, entende-se que se deve atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público, decretando a decisão apenas a mora do poder omisso (LENZA, 2008).

Essa última posição foi dominante no Supremo Tribunal Federal por muito tempo, como se pode observar pelo acór-dão proferido no Mandado de Injunção n. 107/DF. No referido acórdão, não obstante a posição da maioria, o Ministro Carlos Velloso apresentou voto divergente, sustentando que, no caso do entendimento prevalecente, o mandado de injunção teria os mesmos efeitos que tem a ação declaratória de inconstituciona-lidade por omissão. (BRASIL, MI 107-DF, 1990).

Além disso, o ministro afirma que esse entendimento da Corte esvazia a garantia constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo viabilizar o exercício de direitos e liberda-des constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalida-de, à soberania e à cidadania.

Como lembra Pedro Lenza (2008), o Supremo Tribunal Federal adotou, em alguns casos, a posição concretista indivi-dual intermediária, como é o caso do Mandado de Injunção n. 232-I-RJ. Contudo, Alexandre de Moraes (2004) salienta que, no julgado em questão, o Supremo Tribunal Federal baseou-se no fato de o Poder Legislativo ter descumprido um prazo cons-titucionalmente estabelecido para a edição de norma nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, fato que tornaria inconstitucional a mora do parlamento.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal também adotou a posição concretista, para proteger direito assegurado no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, desrespeitado pela inércia estatal. Nesse caso, declarou-se a mora do Congresso Nacional e, além disso, estabeleceu-lhe prazo de seis meses para legislar, sob pena do exercício do direito independentemente de regula-mentação. (BRASIL, MI n. 232-RJ, 1991).

2.8 PROCEDIMENTO

O mandado de injunção, conforme já decidido pelo Supre-mo Tribunal Federal, é uma norma autoaplicável; contudo, não possui regramento procedimental próprio. A Lei n. 8.038, de 1990, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, determinou, no parágrafo único do seu art. 24, que, no mandado de injunção, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica.

3 O MANDADO DE INJUNÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal apresentou, ao longo dos anos, uma evolução em seu posicionamento em relação aos efeitos da decisão proferida no mandado de injunção.

Em um primeiro momento, a jurisprudência do Supremo

[...] será inconstitucional qualquer norma jurídica que obste a possibilidade de uma

busca pela prestação da tutela jurisdicional àquele que se sentir lesado em seus direitos.

Pela concretista individual, a decisão do Poder Judiciário só produzirá efeitos para o autor do mandado de injunção, que poderá exercitar plenamente o direito, liberdade ou prerrogativa prevista na norma constitucional (MORAES, 2004, p. 187).

Essa última posição é dividida em outras duas: concretista individual direta, pela qual o Poder Judiciário, imediatamente ao julgar procedente o mandado de injunção, implementa a eficácia da norma constitucional ao autor, e a concretista individual inter-mediária, pela qual o Poder Judiciário, após julgar procedente o mandado de injunção, fixa ao Congresso Nacional o prazo de 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora, devendo, se a inércia permanecer, fixar as condições necessárias ao exercício do direito por parte do autor (MORAES, 2004).

Paulo Bonavides (2003, p. 551), filiando-se à posição con-cretista individual, afirma: Havendo, por conseguinte, um direito subjetivo constitucional, cujo exercício se ache tolhido pela pri-vação de norma regulamentadora, o titular desse direito pos-tulará, perante o Judiciário, por via do mandado de injunção, a edição de norma aplicável à espécie concreta. Nesse caso a edição de norma saneadora da omissão é provisoriamente do Judiciário e não do Legislador, concretizando-se graças àquela garantia, a satisfação do direito subjetivo constitucional cujo exercício ficara paralisado, à míngua da regra regulamentado-ra por parte do órgão competente para elaborá-la.

Alexandre de Moraes (2004, p. 188), a respeito do tema, entende que inexiste incompatibilidade entre a adoção da po-sição concretista individual e a teoria da separação dos po-deres consagrada expressamente pelo art. 2º da Constituição Federal. Referido autor adota, expressamente, essa posição.

Flávia Piovesan (2003, p. 171) sustenta que o princípio da separação dos poderes deve ser compreendido à luz da siste-mática de “freios e contrapesos”. Dessa maneira, a omissão do

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Tribunal Federal considerou que o man-dado de injunção seria uma declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser comuni-cada ao órgão legislativo inadimplente para que promova a integração norma-tiva do dispositivo constitucional nela objetivado. (BRASIL, MI 107-DF, 1990).

Essa posição foi muito criticada pela doutrina, uma vez que se equiparava a injunção à ação direita de inconstitu-cionalidade por omissão1 e, além disso, esvaziava a garantia constitucionalmente nela prevista.

Como afirma Hely Lopes Meirelles (2005, p. 274), esse posicionamento fir-mou-se com pequena maioria, havendo vários acórdãos dando pela procedência do mandado de injunção exclusivamen-te para que o Poder Legislativo omisso fosse cientificado do julgado.

Em seguida, houve uma pequena evolução no Supremo Tribunal Federal, com o julgamento do Mandado de In-junção n. 232-RJ, quando aquela Corte, além de reconhecer a existência da omis-são, fixou prazo a fim de que se ultimasse o processo legislativo faltante, sob pena de, vencido este, passar a requerente a gozar do direito requerido. (BRASIL, MI 232-RJ, 1991).

Em outro mandado de injunção o Supremo Tribunal Federal, além de de-clarar a omissão legislativa em relação à promulgação da lei determinada pelo § 3º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceu um prazo para que essa legislação fos-se aprovada e uma sanção, embora não quantificada, ao decidir que, caso não fosse ultimado o processo legislativo, ficava assegurada ao impetrante a facul-dade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucio-nal devida.

Mandado de injunção: mora legisla-tiva na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabe-lecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultan-do o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos.

1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de

injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimen-to impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão com-petente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232).

2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - “Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vi-gor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” - vencido o prazo nela previsto, legitima o benefi-ciário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito sub-jetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.

3. Se o sujeito passivo do direito cons-titucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais tí-picos, o provimento necessário a acaute-lar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito.

4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de le-gislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei recla-mada; c) se ultrapassado o prazo aci-ma, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via pro-cessual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei

não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorá-vel. (BRASIL, MI283-DF, 1991).

Lembra Hely Lopes Meirelles (2005) que idêntica posição foi tomada nos Mandados de Injunção ns. 384, 543 e 562, sendo que nestes o Supremo Tribu-nal Federal fixou, inclusive, as bases da indenização a ser paga aos impetrantes.

Não obstante, em seguida, o Su-premo Tribunal Federal, tratando do re-vogado § 3º do art. 192 da Constituição Federal, deixou de assinalar prazo para o Congresso Nacional, sustentando que essa providência excepcional só se justi-ficaria se o próprio Poder Público, além de seu dever de editar a norma faltante, fosse também sujeito passivo da relação de direito material emergente do precei-to constitucional em questão. (BRASIL, MI 472-DF, 1995).

Recentemente, em 30 de agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal, jul-gando o Mandado de Injunção n. 721/DF, afirmou que esta ação é manda-mental e não simplesmente declaratória, decidindo que, como inexiste a disciplina específica de aposentadoria especial do servidor público, imporia a adoção, via provimento judicial, daquela própria dos trabalhadores em geral (art. 57, §1º, da Lei n. 8.213 de 1991): MANDADO DE IN-JUNÇÃO. NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constitui-ção Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à naciona-lidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmen-te declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formali-zada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subje-tivo, a decisão possui eficácia conside-rada a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência de lei complementar. Art. 40, § 4º, da Constituição Federal. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – art. 57, § 1º, da Lei n. 8.213/91.

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Depois disso, em 25 de outubro de 2007, o Supremo Tribu-nal Federal finalizou o julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sin-dpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Mu-nicípio de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalha-dores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), buscando assegurar o direito de greve para seus filiados, reclamando da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o art. 37, inc. VII, da Constituição Federal. (BRASIL, NOTÍCIAS..., 2007).

Na decisão, aquela Corte decidiu que, temporariamen-te, enquanto não houvesse lei regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos, fosse aplicada a eles a mesma disciplina relativa aos trabalhadores em geral, ou seja, a Lei n. 7.783, de 1989.

Pode-se ver que, a partir da colação dos julgados, recente-mente, o Supremo Tribunal Federal apresentou uma significa-tiva evolução no entendimento da matéria, o que demonstra uma real preocupação com a efetivação dos direitos e garantias constitucionalmente previstos.

3.1 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE

JURISDICIONAL

A inafastabilidade do controle jurisdicional está prevista no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que assim afirma: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Referido dispositivo trata do princípio constitucional, segun-do o qual fica assegurado o acesso aos órgãos judiciais a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos, não sendo lícito à lei vedar esse direito.

Segundo diz Carvalho (2007, p. 654), é a inafastabilidade do acesso ao judiciário, traduzida no monopólio da jurisdição, ou seja, havendo ameaça ou lesão de direito, não pode a lei impedir o acesso ao Poder Judiciário.

5º da nossa Carta Magna expressa que, além da garantia do conhecimento da lesão ou da ameaça de lesão pelo Poder Judiciário, assegura que a tutela jurisdicional seja adequada, verdadeiramente capaz de assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado. [...] Assim é que, além de se ter no legislador um destinatário da norma contida no artigo 5º, XXXV, da CR, também o juiz deve ser entendido como destina-tário daquele princípio (CÂMARA, 2004, p. 48 e 49).

Se a Constituição garante a todos o direito de acesso ao Ju-diciário, a tal direito deve corresponder um dever jurídico. Seria o dever de o Estado tutelar as posições jurídicas que estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas. A tutela a ser prestada pelo Estado, porém, não pode ser meramente formal, devendo, verdadeiramente, assegurar efetividade ao direito material lesa-do ou ameaçado para o qual se pretende a proteção. Em outras palavras, ao direito de ir a juízo pedir proteção corresponde o dever de o Estado prestar uma tutela jurisdicional adequada.

Como afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2008, p. 34), o direito de acesso à Justiça, portanto, garante a tutela jurisdicional capaz de fazer valer de modo integral o direito material.

A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos jurisdicionais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Jus-tiça enquanto instituição estatal, e, sim, viabilizar o acesso à ordem jurídica justa (WATANABE APUD LENZA, 2008, p. 614).

Dessa maneira, o estudo quanto aos efeitos da decisão do mandado de injunção deve partir do princípio da inafastabili-dade do controle jurisdicional, que garante, além do acesso à justiça, a efetiva tutela do direito material posto à apreciação.

3.2 EVOLUÇÃO INTERPRETATIVA QUANTO AO MANDADO DE

INJUNÇÃO

O julgamento do Mandado de Injunção n. 721/DF, em 30 de agosto de 2007, representou uma significativa mudança de entendimentos a respeito da eficácia das decisões em relação a esta ação.

Em seguida, em 25 de outubro de 2007, da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos Manda-dos de Injunção ns. 670, 708 e 712, decidindo pela aplicação da norma regulamentadora do direito de greve dos trabalhadores em geral, Lei n. 7.783, de 1989, aos servidores públicos.

O entendimento jurisprudencial que orientava ser a decisão do mandado de injunção uma decisão declaratória de omissão do Poder Público já encontrava, nos votos de alguns ministros, a sua controvérsia. A exemplo do que ocorreu no julgamento do Mandado de Injunção n. 107/DF, no qual o Ministro Carlos Velloso apresentou voto divergente, pode-se afirmar que o Su-premo Tribunal Federal já acenava, embora minoritariamente, por uma maior efetividade daquela ação.

Além disso, também se encontram, em outras decisões mais antigas do Supremo Tribunal Federal, votos que refutam a posição limitativa e tímida adotada por esta Corte. Foi o que ocorreu no julgamento do Mandado de Injunção n. 20/DF, no qual o Ministro Nery da Silveira reclamou por uma decisão mais representativa.

Nele, o ministro afirmou que, à semelhança do mandado de segurança, o mandado de injunção há de ter eficácia. De-

Se a Constituição garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve

corresponder um dever jurídico. Seria o dever de o Estado tutelar as posições jurídicas que

estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas.

Nesse contexto, pode-se afirmar que, a princípio, o destina-tário dessa norma é o legislador, que fica proibido de elaborar normas jurídicas que impeçam ou restrinjam de maneira des-proporcional o acesso aos órgãos jurisdicionais.

Dessa maneira, será inconstitucional qualquer norma jurí-dica que obste a possibilidade de uma busca pela prestação da tutela jurisdicional àquele que se sentir lesado em seus direitos.

Além disso, por trás das poucas letras constitucionais revela-se mais um verdadeiro significado para o postulado. Como des-tinatário do referido princípio deve ser considerado também o aplicador da norma.

Sendo assim, o direito delineado no inciso XXXV do artigo

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cisão em sentido contrário seria admitir que a Corte decida sem que sua decisão tenha eficácia.

No Mandado de Injunção n. 721/DF, o Supremo Tribunal Federal, adotando a posi-ção concretista individual direta, determinou que se aplicasse a Lei n. 8.213, de 1991, à servidora pública, viabilizando o direito inscri-to no § 4º do art. 40 da Constituição Federal. No caso, a inexistência de lei complementar vinha obstando o direito de aposentadoria por mais de quinze anos.

O Ministro Marco Aurélio, relator do processo, iniciou seu voto lembrando que a existência de disposições consti-tucionais dependentes de regulamen-tação levou o constituinte originário de 1988 a prever, dentre os direitos e garantias individuais, o mandado de injunção, fazendo-o mediante preceito a sinalizar a eficácia da impetração, tendo em conta o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prer-rogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Segundo Celso de Mello, em seu voto proferido no Mandado de Injunção 542/SP, a omissão do Estado, que deixa de cumprir a imposição constitucional, qualifica-se como comportamento re-vestido de maior gravidade político-jurí-dica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constitui-ção [...] e impede [...] a própria aplicabi-lidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

A natureza jurídica do mandado de injunção leva o seu pronunciamento a ga-nhar contornos mandamentais, a ganhar eficácia maior, a ponto de viabilizar, con-sideradas as balizas subjetivas da impe-tração, o exercício dos direitos tutelados. O mandado de injunção seria, então, um instrumento capaz de revelar a lei funda-mental como de concretude maior, aban-donada visão simplesmente lírica.

Com a inserção do mandado de in-junção no cenário jurídico-constitucional, buscou-se tornar concreta a Lei Maior. Dessa forma, ao agir, o Poder Judiciário não lança preceito abstrato na ordem ju-rídica, mas apenas viabiliza, no caso con-creto, o exercício do direito, da liberdade e das prerrogativas inerentes à naciona-lidade, à soberania e à cidadania. Nesse caso, o pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronun-ciamento em processo subjetivo, ficando,

até mesmo, sujeito a uma condição reso-lutiva, qual seja, o suprimento da lacuna regulamentadora pelo Poder Legislativo.

O Ministro Eros Grau, nos mesmos autos, em voto de vista, sustenta que, ha-vendo, sem qualquer dúvida, a mora le-gislativa na regulamentação do preceito, a questão que deve ser analisada é quan-to à eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal: Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emi-te decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se é admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do Ministro Néri da Silveira, “a Suprema Corte do País deci-de sem que seu julgado tenha eficácia”. Ou, alternativamente, se o Supremo Tri-bunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeitos, no sentido de suprir aquela omissão.

ES e 708/DF, prevaleceu o voto do Minis-tro Gilmar Mendes. Nele, o ministro te-ceu considerações a respeito da questão da conformação constitucional do man-dado de injunção no Direito brasileiro e da evolução que o Supremo lhe tem con-ferido. Ressaltou que a Corte, afastando a orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração de existência da mora legislativa para a edição de norma regulamentadora espe-cífica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função le-gislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulamentação provisória pelo próprio Judiciário. Registrou, ademais, o quadro de omissão que se desenhou, não obs-tante as sucessivas decisões proferidas nos mandados de injunção.

No Mandado de Injunção n. 712/PA, prevaleceu o voto do Ministro Eros Grau, que conhecia do Mandado de Injunção

[...] o estudo quanto aos efeitos da decisão do mandado de injunção deve partir do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que garante, além do acesso à justiça,a efetiva tutela do direito material posto à apreciação.

José Ignácio Botelho de Mesquita, citado pelo Ministro Eros Grau no julga-mento do Mandado de Injunção n. 721/DF, sustenta que, não havendo norma legal ou sendo omissa a norma existente, cumprirá ao juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princí-pios gerais de direito. Dessa forma, não será a falta de norma regulamentadora que pode tornar inviável o exercício de algum direito, mas, sim, a existência de alguma regra ou princípio que proíba ao juiz recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito para su-prir a falta de norma regulamentadora.

Sendo assim, o mandado de injun-ção destina-se, apenas, à remoção de obstáculo criado pela omissão do poder competente, mediante a formação suple-tiva da norma faltante.

No caso, a atuação supletiva do Po-der Judiciário, em atenção ao princípio da independência e da harmonia entre os Poderes, não importa permissão para imiscuir-se indiscriminadamente no que é da competência dos demais Poderes. Trata-se, apenas, de dar remédio para a omissão do poder competente.

Nos Mandados de Injunção ns. 670/

para remover o obstáculo criado pela omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no art. 37, inc. VII, da Constituição Federal. Essa remoção houve de ser feita a partir da conjugação do exercício do direito de greve pelo servidor público e das con-dições necessárias à coesão e à interde-pendência social, que a prestação conti-nuada dos serviços públicos assegura.

No seu voto, o Ministro Eros Grau afirma que o Poder Judiciário, no man-dado de injunção, está vinculado pelo dever-poder de formular supletivamente a norma regulamentadora faltante.

Nesse caso, o Judiciário produziria nor-ma, que se incorporaria ao ordenamento jurídico, ocasionando algo semelhante ao que há de se passar com a súmula vincu-lante. Esta, editada, atuará como texto nor-mativo a ser interpretado e aplicado.

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal demonstra uma radical mudança no trato do assunto referente ao mandado de injunção. Agora, como afirma o Ministro Marco Aurélio, cabe ao Supremo, porque autorizado pela Carta

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da República, a estabelecer, para o caso concreto e de forma temporária, as balizas do exercício do direito constitucionalmen-te assegurado.

Segundo o ministro, é tempo de refletir sobre a timidez ini-cial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e a harmonia entre os poderes. Na verdade, existe uma frustração gerada pela postura inicial daquela Corte, transformando o mandado de in-junção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo.

A busca pelo Judiciário vale-se da crença de lograr a supre-macia da Lei Fundamental, obstada pela inércia do legislador. Entender o mandado de injunção como ação declaratória resul-taria em algo que não interessa ao cidadão.

Como afirma o Ministro Celso de Mello, no seu voto profe-rido nos autos do Mandado de Injunção n. 708/DF, o manda-do de injunção deve traduzir significativa reação jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da Carta política que, nesse writ processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão – e prolongada inércia – do Poder Público.

O entendimento restritivo adotado pelo Supremo Tribunal Federal por muitos anos não poderia mais prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função política-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injun-ção. Este deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional. Com isso, impede-se que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum. (MI 712-PA, VOTO DO MINIS-TRO CELSO DE MELLO).

Conforme assinalado pelo Ministro Celso de Mello, as si-tuações configuradoras de omissão inconstitucional refletem um comportamento estatal que deve ser repelido. A inércia do Estado reveste-se, perigosamente, de um processo informal de mudança da própria Constituição.

A inércia na regulamentação da Constituição constituiria um verdadeiro desrespeito a sua normatividade.

É preciso proclamar que as constituições consubstanciam ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não po-dem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi impos-to, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e afetem, em sua conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior.

A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Cons-tituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado, pois nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propó-sito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se revelarem convenientes aos desígnios dos governantes, em

detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. (Idem).É de se notar que os julgados acima referidos têm peculiar

característica: o fato de existir mora evidente do Legislativo para regulamentar a disciplina do exercício dos direitos constitucio-nalmente assegurados. Não obstante, como afirma o Ministro Eros Grau, já representa significativo avanço no trato das ques-tões semelhantes. Para ele, a decisão proferida no mandado de injunção se torna norma, incorporada ao ordenamento jurídico, que passa a ser interpretada e aplicada. (MI 712-PA, VOTO DO MINISTRO EROS GRAU).

4 CONCLUSÃO

De posse das considerações expostas neste trabalho, verifi-ca-se que a tendência revelada pela jurisprudência, acatando os posicionamentos dos processualistas modernos, busca, a todo momento, dar ao Direito Processual a sua verdadeira função: subsidiar meios de alcance ao efetivo direito material.

Foi o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal em re-lação aos efeitos da decisão proferida em mandado de injun-ção. Inicialmente entendia-se que a decisão proferida nos autos de um mandado de injunção seria apenas uma declaração de omissão do Poder Público, o que não trazia nenhum resultado prático ao titular do direito material invocado.

Recentemente, com o julgamento dos Mandados de Injun-ção ns. 670-ES, 708-DF, 712-PA e 721-DF, parece que, a princí-pio, foi superado o referido entendimento. Neles, garantiu-se a efetividade do direito invocado, suprindo a ausência de norma regulamentadora que tornava inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais.

É certo que o novo posicionamento não se aplica indistin-tamente a todos os casos de mandado de injunção. Em todos esses julgamentos, a falta de norma regulamentadora inviabili-zava o direito dos impetrantes há muitos anos, sendo, no caso, flagrante a mora do Poder Público.

Não obstante, os julgados funcionam, ao menos em tese, como paradigma para novos casos semelhantes e demonstram, claramente, uma maior preocupação com a efetividade de di-reitos constitucionais.

Além disso, observa-se que os referidos julgamentos dão, finalmente, ao mandado de injunção a sua verdadeira função, que lhe foi conferida pelo constituinte originário, qual seja, tor-nar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania obstado pela falta de norma regulamentadora.

NOTA1 O mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omis-

são constituem mecanismos de controle de inconstitucionalidade por omis-são. No entanto, o primeiro é instrumento de tutela de direito subjetivo e a

segunda, instrumento de tutela de direito objetivo (PIOVESAN, 2003).

REFERÊNCIASBONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2003.BRASIL, STF. Mandado de Injunção. Mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a pur-gação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado

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Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010

a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. Mandado de Injunção n. 283/DF. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 20 mar. 1991. BRASIL. STF. Agravo Regimental no Mandado de Injunção. Mandado de Injun-ção. Limite da taxa de juros reais (cf., art. 192, § 3º). Congresso Nacional e ins-tituição financeira privada. Litisconsórcio passivo incabível. Agravo Regimental no Mandado de Injunção n. 335. Relator: Ministro Celso de Melo. Brasília, DF, 9 ago. 1991. BRASIL. STF. Mandado de Injunção Coletivo. Impetração deduzida por confede-ração sindical. Possibilidade. Natureza jurídica do writ injuncional. Taxa de juros reais (cf., art. 192, § 3º). Omissão do Congresso Nacional. Fixação de prazo para legislar. Descabimento, no caso. Writ deferido. Mandado de Injunção n. 472/DF. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 06 set. 1995. BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Estabilidade de servidor público militar. Art. 42, § 9º, da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir. Mandado de Injunção n. 107/DF. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, DF, 21 nov. 1990. BRASIL. STF. Mandado de injunção. Legitimidade ativa da requerente para im-petrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 7º do art. 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação da-quele preceito constitucional. Mandado de Injunção n. 232/RJ. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, DF, 02 ago. 1991. BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Mandado de injunção coletivo. Direito de greve do servidor público civil. Evolução desse direito no constitucionalismo brasileiro. Modelos normativos no direito comparado. Prerrogativa jurídica asse-gurada pela constituição (art. 37, VII). Impossibilidade de seu exercício antes da edição de lei complementar. Omissão legislativa. Hipótese de sua configuração. Reconhecimento do estado de mora do Congresso Nacional. Impetração por entidade de classe. Admissibilidade. Writ concedido. Direito de greve no serviço público. Mandado de Injunção n. 20/DF. Relator: Ministro Celso de Melo. Bra-sília, DF, 19 maio 1994.BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Mandado de Injunção n. 725/RO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 10 maio 2007.BRASIL. STF. Notícias do Supremo Tribunal Federal. Supremo determina apli-cação da lei de greve dos trabalhadores privados aos servidores públicos. Out. 2007. Disponível em : <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=75355>. Acesso em 2009.BRASIL. STF. Questão de ordem no mandado de injunção. Mandado de injun-ção: omissão normativa imputada à autarquia federal (Banco Central do Brasil). Competência originária do Juiz Federal e não do Supremo Tribunal, nem do Superior Tribunal de Justiça. Questão de Ordem no Mandado de Injunção n. 571/SP. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 8 out. 1998.BRASIL. STJ. Mandado de Injunção. Competência. Precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 193/DF. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 22 maio 2006. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. I. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Sa-raiva, 2008.MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimen-to. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 28. ed. São Paulo: Ma-lheiros, 2005. MINAS GERAIS. Constituição do Estado de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.almg.gov.br>. Acesso em: 17 maio 2008.MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2. ed. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 2003.RIBEIRO, Antônio de Pádua. Poder judiciário: algumas inovações e transforma-ções. Informativo jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, , v. 2, n. 1, p. 31-51, jan./jun. 1990.SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Artigo recebido em 6/7/2009. Artigo aprovado em 9/10/2009.

Cristina Giudice B. Henriques é analista judiciária no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.