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do
ESTATISTICAS
SECULO
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Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva
Ministro do Planejamento, Oramento e GestoPaulo Bernardo Silva
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE
PresidenteEduardo Pereira Nunes
Diretor ExecutivoSrgio da Costa Crtes
rgos Especficos Singulares
Diretoria de Pesquisas
Wasmlia Bivar
Diretoria de GeocinciasGuido Gelli
Diretoria de Informtica
Luiz Fernando Pinto Mariano
Centro de Documentao e Disseminao de Informaes
David Wu Tai
Escola Nacional de Cincias EstatsticasPedro Luis Nascimento Silva
Unidade Responsvel
Centro de Documentao e Disseminao de Informaes
AssistenteMagda Prates Coelho
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Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGECentro de Documentao e Disseminao de Informaes
Rio de Janeiro2006
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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGEAv. Franklin Roosevelt, 166 . Centro . 20021-120 . Rio de Janeiro . RJ . Brasil
ISBN 85-240-3894-2 (DVD)IBGE . 2006
Elaborao do arquivo PDFRoberto Cavararo
Produo da multimdiaMarisa Sigolo MendonaMrcia do Rosrio Brauns
CapaGerncia de Editorao/CDDIMnica Pimentel Cinelli Ribeiro
Ana Bia AndradeFolhas de Guarda
Operrios, 1933Tarsila do Amaral
leo sobre tela 150 x 205cmPalcio Boa Vista, Campos do Jordo, SP.
Criana Morta, 1944Cndido Portinari
Painel a leo/tela 180 x 190 cmMuseu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand MASP
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SUMRIOSUMRIO
APRESENTAO
INTRODUO
O BRASIL DOSCULOXX
ENTREVISTA COMCELSOFURTADO
ESTATSTICASPOPULACIONAIS,SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS
O BRASILSOCIALCONTADO PELOIBGENO SCULOXX
WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS
POPULAO E ESTATSTICASVITAIS
NELSON DOVALLE SILVA E MARIA LIGIA DE O. BARBOSA
ASSOCIATIVISMO E ORGANIZAESVOLUNTRIAS
LEILAH LANDIM
ESTATSTICAS DOSCULO XX: EDUCAOCARLOS HASENBALG
HABITAO E INFRA-ESTRUTURA URBANA
NSIATRINDADE LIMA
JUSTIA
MARIATEREZA SADEK
PREVIDNCIA EASSISTNCIA SOCIAL NOSANURIOS ESTATSTICOS DO BRASIL
GILBERTO HOCHMAN
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IBGE
SADE NOSANURIOS ESTATSTICOS DO BRASIL
NSIATRINDADE LIMA E FRANCISCOVIACAVA
SINDICALISMO, TRABALHO E EMPREGO
ADALBERTO MOREIRA CARDOSO
ESTATSTICAS DOSCULO XX SOBRE
REPRESENTAO POLTICA E PARTICIPAO ELEITORAL NO BRASIL
FABIANO SANTOS
ENTRE O PALCO E A TELEVISO
SERGIO MICELI
ESTATSTICAS ECONMICAS
O BRASIL NOSCULOXX: AECONOMIA
MARCELO DE PAIVAABREU
FINANAS PBLICAS BRASILEIRAS NO SCULO XX
ANTONIO CLAUDIO SOCHACZEWSKI.
NVEL DEATIVIDADE E MUDANA ESTRUTURAL
REGIS BONELLI
OSETOR EXTERNO BRASILEIRO NO SCULO XX
JORGE CHAMI BATISTA
RENDIMENTOS E PREOS
GUSTAVO GONZAGA E DANIELLE CARUSI MACHADO
SCULO XXNAS CONTAS NACIONAIS
EUSTQUIO REIS, FERNANDO BLANCO, LUCILENE MORANDI,
MRIDA MEDINA, MARCELO DE PAIVAABREU
TENDNCIAS DE LONGO PRAZO DA
MOEDA E DO CRDITO NOBRASIL NO SCULO XX
ANTONIO CLAUDIOSOCHACZEWSKI
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APRESENTAOAPRESENTAO
OInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, orgulhosamente, publica asEstatsticas doSculo XXcom dados histricos sobre a realidade socioeconmica brasileira que se consolidou aolongo do ltimo sculo.
Reunidas numa obra composta por um volume impresso acompanhado de um CD-ROM, que contm
mais de 16 000 arquivos com tabelas e sries histricas, essas informaes so provenientes do prprio IBGE e
de outros rgos do Governo Federal e foram selecionadas dos Anurios Estatsticos e das Estatsticas
Histricas do Brasil. So informaes estatsticas que retratam as transformaes ocorridas na demografia,educao, cultura, sade, habitao, sindicalismo, trabalho, rendimento, preos e contas nacionais do Pas.
Os pesquisadores envolvidos no projeto foram unnimes em constatar que trata-se de um retrato amplo
mas descontnuo e, por isso mesmo, coerente com as marchas e contramarchas de um sculo em que a
industrializao e a democracia se consolidaram no Brasil.
Convidados pelo o IBGE, os professores Wanderley Guilherme dos Santos e Marcelo de Paiva
Abreu coordenaram os trabalhos de anlise da enormidade de estatsticas sociais e econmicas existentes,
analisadas e comentadas tematicamente por um grupo de renomados especialistas responsveis pelos
ensaios contidos na publicao.
Com esta iniciativa, pretendemos homenagear aqueles que ajudam a instituio a cumprir a sua misso deretratar o Brasil com as informaes necessrias ao conhecimento da sua realidade e ao exerccio da cidadania. Entre estes,
queremos especialmente destacar o Professor Celso Furtado, pelos importantes trabalhos dedicados
investigao dos problemas brasileiros e seu subdesenvolvimento. Sua obra contribui permanentemente para
que a sociedade brasileira preste ateno ao estudo da nossa realidade, passada e presente, e assuma o propsito
de construir um futuro com menos desigualdades sociais. Tudo isso, inegavelmente, aproxima o economista,
professor, ministro e cidado brasileiro Celso Monteiro Furtado do IBGE.
Hoje, passados 67 anos desde a criao do IBGE, acreditamos que a produo de estatsticas no Brasil
situa-se num patamar equivalente ao dos pases mais desenvolvidos. No entanto, sabemos que ainda precisamos
avanar muito. E este o desafio para o Sculo XXI.
EDUARDO
PEREIRA
NUNES
PRESIDENTE DO IBGE
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INTRODUOINTRODUO
Oprojeto que deu origem publicaoEstatsticas do Sculo XXteve como objetivo recuperar, organizare colocar disposio do pblico o acervo de estatsticas referentes a reas temticas previamenteselecionadas, de modo que permitisse a reconstituio da histria do Brasil atravs dos dados estatsticos produzidos
num sculo.
Para isso, o IBGE reuniu especialistas em populao, economia, poltica, cultura e na rea social para
selecionarem e analisarem as estatsticas de cada um desses temas. Os dados foram recuperados do acervo do
IBGE na coleo dos Anurios Estatsticos e atravs de levantamentos feitos a partir das Estatsticas Hist-ricas do Brasil; os textos representam a viso dos especialistas enquanto usurios externos das informaes
produzidas pelo IBGE.
Esta obra composta de um livro e de um CD-ROM. Em ambos o contedo est dividido em duas partes:
a das estatsticas sociais, culturais, polticas e populacionais e a das estatsticas econmicas.
O CD-ROM contm mais de 16 000 arquivos de tabelas, contemplando as duas partes. Essas tabelas
passaram por um complexo processo de converso para o meio digital, incluindo as etapas de escaneamento
e de reconhecimento ptico de caracteres (OCR). Durante esse processo manteve-se uma constante orientao
e superviso dessas atividades para assegurar a transformao na ntegra do material original para os arquivos
que viriam a compor o CD-ROM.
O livro apresenta um conjunto de textos para cada uma das partes, que alm de variarem na temtica
tambm possuem abordagens diferentes.
Os textos sobre populao e panorama sociopoltico e cultural do Brasil no Sculo XX se detiveram na
descrio do conjunto de dados e na avaliao de sua comparabilidade e do seu potencial de utilizao, visto que
as estatsticas no apresentavam qualquer organizao. Elas se distribuam desigualmente pelos 60 Anurios
Estatsticos publicados no sculo, com quase total ausncia de sries histricas ou fator que mostrasse algum
tipo de aglutinao entre elas.
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IBGE
Os textos sobre as estatsticas econmicas tm como referncia as estatsticas do IBGE e de outros rgos
pblicos, que atualizam as sries histricas j publicadas pelo Instituto. Diferentemente dos textos da parte ante-
rior, no se detiveram na avaliao das estatsticas publicadas, mas na anlise da evoluo dos diferentes aspectos
da economia brasileira luz de sries histricas atualizadas dos respectivos temas.
A publicao apresenta tambm uma entrevista com o Professor Celso Furtado, que introduz o leitor sestatsticas presentes nesta obra e antecipa a percepo crtica da evoluo do Pas em todas as suas dimenses
econmica, social, poltica, cultural e populacional atravs das estatsticas do Sculo XX.
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Eduardo Pereira Nunes Presidente do IBGE AsEstatsticas do Sculo XX, publicadas pelo IBGE,mostram
que o Brasil iniciou o sculo com uma economia agrrio-exportadora, recm-sada de um regime escravista de
trabalho, e se transformou em uma economia industrial apoiada no trabalho assalariado e com um alto grau de
urbanizao. Como o senhor sintetizaria essa evoluo da economia brasileira?
Celso Furtado Em primeiro lugar, eu diria que uma iluso imaginar que o Brasil provavelmente se
desenvolveu nessa escala. A verdade que o Brasil continua sendo uma constelao de regies de distintos
nveis de desenvolvimento, com uma grande heterogeneidade social, e graves problemas sociais que preocupama todos os brasileiros.
No comeo do Sculo XX, a ocupao das terras no Brasil no formava propriamente um sistema econmico,
pois as conexes comerciais entre as regies eram precrias. As ligaes entre o Norte e o Nordeste com o
Centro-Sul dependiam de uma frgil navegao de cabotagem. Tratava-se de uma realidade poltica decorrente
do centralismo do imprio portugus. A nica regio que dependia do mercado interno era o extremo-sul
pecurio. Esse quadro se modificaria com a forte expanso do caf no altiplano paulista e a extrao de
borracha na regio amaznica. Nestes dois casos, houve importantes deslocaes de populaes. Mas a
estruturao de um sistema econmico nacional s viria a ocorrer nos primeiros decnios do Sculo XX, com o
avano da industrializao.
Eduardo Pereira Nunes O ltimo Censo Demogrfico revelou que a populao brasileira cresceu quase dez
vezes neste sculo: passou de 17 milhes em 1900 para quase 170 milhes em 2000. No incio do sculo, cerca
de 52% da populao ocupada trabalhava no campo. Em 2000, essa proporo caiu para 17%, e 80% da
populao vivia na rea urbana.
Em 1900, a agropecuria contribua com 45% do PIB; a indstria com 11%, e os servios, com 44%. J em
2000, essa distribuio passou a ser de 11% para a agropecuria, 28% da indstria e 61% para os servios.
Qual o impacto do avano da industrializao, combinado com o xodo rural, sobre a organizao das cidades e
do mercado de trabalho no Brasil?
ENTREVISTA COM CELSO FURTADO
O BRASIL DOSCULOXXO BRASIL DOSCULOXX
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O BRASIL DOSCULOXXENTREVISTA COMCELSOFURTADOIBGE
Celso Furtado Esses dados so muito importantes, mas so um pouco ilusrios quando se pretende
esclarecer o que aconteceu no Brasil. A estrutura ocupacional da populao ativa um dado que deve ser
utilizado com muito cuidado. O mundo rural abrigava um considervel excedente de populao submetida a
formas extremas de explorao. Por motivos diversos, essa populao deslocou-se para as zonas urbanas. A
partir dos anos 70 do sculo passado, o vis tecnolgico assumido pelo setor industrial, submetido a crescenteconcorrncia internacional, traduziu-se em forte declnio na criao de emprego. Este um dos motivos pelos
quais o Brasil enfrenta atualmente um problema social de gravidade excepcional.
Mas o processo de urbanizao da sociedade brasileira no semelhante ao que se verifica na Europa e em
outras partes do mundo. Na Europa, a urbanizao decorreu da criao de um mercado de trabalho muito
intenso nas cidades, que absorveu o excedente de populao rural, transformando o continente ao longo dos
anos. No Brasil, o processo migratrio do campo para a cidade ocorreu de forma distinta: houve uma fase, na
metade do Sculo XX, em que se criou muito emprego no setor industrial, mas nos ltimos 30 anos o emprego
industrial j no cresceu. O crescimento da populao urbana inchou as cidades, mas nelas no se criou
emprego suficiente para absorver toda essa gente, da as taxas de desemprego crescentes, a marginalidade.Eduardo Pereira Nunes E esse processo tem repercusso na distribuio de renda e na formao de
mercado?
Celso Furtado Tem srias repercusses negativas, especialmente no perfil social, porque o Brasil cresceu
muito mas, no essencial, no se transformou. Por exemplo, crescente, em nmeros absolutos, a massa de
populao subempregada ou desempregada. No se pode admitir que um pas possa se urbanizar to
rapidamente criando apenas subemprego urbano.
Eduardo Pereira Nunes Isto , necessrio que o emprego tenha qualidade, cuja renda permita ao
empregado se transformar em um consumidor dos bens produzidos, criando um mercado de massa.Celso Furtado Sim. necessrio criar empregos que permitam uma insero social plena. O que
ocorreu no Brasil foi a criao de uma enorme massa de subempregados. Este o fenmeno das cidades
brasileiras de hoje, sendo a cidade de So Paulo o exemplo conspcuo, com quase vinte por cento de sua
populao sem emprego. Os trabalhadores tm de ficar pedinchando empregos, porque as grandes
empresas no querem cri-los. Estranhamente, elas no criam empregos, mas enfrentam problemas de falta
de mercado para seus produtos.
Eduardo Pereira Nunes Essa massa de subempregados explica o fato de, no Brasil, a taxa de desemprego
no ser to elevada? Estudos mais abrangentes sobre as estatsticas de emprego deveriam contemplar o
emprego, o desemprego, o subemprego, ou emprego de qualidade e renda precrias.
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Celso Furtado Exato, mas estamos falando apenas do quadro urbano. No setor rural tambm houve uma
transformao muito especial. Assistimos a uma forte presso para desempregar no campo,
particularmente no Centro-sul do Brasil, onde a mecanizao da agricultura tem sido muito intensa nos
ltimos tempos. O desemprego no mundo rural no decorreu apenas do crescimento da produtividade,
mas tambm da impressionante concentrao das terras em todo o Brasil, isto , do crescimento doslatifndios.
A massa de populao que perdeu seu emprego no campo contribuiu para a forte reduo da populao
rural, como mostra o livro do IBGE sobre asEstat sticas do Sculo XX. O declnio da populao rural e do
emprego no campo no teve como contrapartida a criao de empregos urbanos. O resultado foi que o
Brasil terminou o Sculo XX com esse bolso enorme de desempregados e subempregados urbanos.
Eduardo Pereira Nunes Podemos ento dizer que o modelo brasileiro de desenvolvimento do setor
urbano e do setor rural no exatamente igual quele que os modelos clssicos da economia sugerem?
Celso Furtado O Brasil um caso parte e os problemas sociais se agravam a cada dia. Quem observao Pas se impressiona com esse quadro. O Brasil cresceu. Hoje em dia, uma das dez maiores economias
do mundo e tem um sistema industrial complexo. Mas, ao mesmo tempo, este Pas tem uma massa enorme
de subempregados. A parte da populao que no participa dos benefcios do desenvolvimento to
grande que este passa a ser um dos principais problemas, seno o prioritrio, de quem governa o Brasil.
Qual ser o futuro deste Pas, se continuarmos a expelir a populao do campo, a reduzir o emprego no campo
como se fez intensamente nos ltimos 20 anos? Vamos expulsar a populao rural para a beira das estradas?
impressionante ver esses desempregados e subempregados querendo invadir as terras no prprio campo e nas
cidades. Este um problema social cada vez mais difcil de resolver, enquanto no se atacar o fundo da questo.
Para superar a situao atual, urgente pensarmos na criao de empregos.
Veja os dados que vocs publicaram sobre o setor industrial: a indstria brasileira se modernizou
consideravelmente, aumentou a produtividade e outro lado dessa moeda causou o declnio do emprego
industrial. A indstria automobilstica, por exemplo, hoje emprega um tero do contingente que empregou h dez,
vinte anos atrs, em virtude do forte aumento da modernizao da produo e dos sistemas, da terceirizao, etc.
Paralelamente, precisamos pensar numa poltica rural de outro tipo, a fim de atrair gente para trabalhar no
campo, mas com base em um modelo novo. O desafio ser criar emprego no campo sem inviabilizar a produo
nas grandes propriedades. preciso criar uma agricultura variada: produo comercial e familiar. Muita gente j
est debatendo isso. O Movimento dos Sem-Terra pensa nessa direo, est consciente disso.
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O BRASIL DOSCULOXXENTREVISTA COMCELSOFURTADOIBGE
Eduardo Pereira Nunes O senhor sugere ento que o Brasil precisa conciliar o agronegcio, de grande
produtividade, com tecnologia avanada intensiva em capital, voltado para exportao, com uma agricultura
familiar intensiva em mo-de-obra, voltada para o mercado interno, levando em conta a imensa extenso
territorial, as terras disponveis e a necessidade de preservao do meio ambiente?
Celso Furtado Quando debato esse problema internacionalmente, todos partem do seguinte raciocnio: oBrasil um Pas inexplicvel, pois com essa abundncia extraordinria de terras, o que hoje em dia rarssimo,
tem uma massa enorme de desempregados! Por que no utilizar as terras disponveis para criar emprego?
inexplicvel! Como defender esse modelo de desenvolvimento que cria desemprego e subemprego num Pas de
terras abundantes e ociosas? Por que a invaso de terras preocupa mais do que a constatao do imenso
nmero de desempregados e subempregados?
Eduardo Pereira Nunes Ns temos que nos preocupar com o impacto do nosso modelo atual de
desenvolvimento sobre o meio ambiente, sobre a estrutura agrria e sobre o mercado de trabalho. Este modelo,
para ser sustentvel, tem de associar a poltica de ocupao de terras voltadas tanto para o agronegcio
capitalista desenvolvido quanto para uma agricultura familiar geradora de emprego e abastecedora do nossomercado interno, sempre preservando os recursos naturais.
Celso Furtado Exato. Esse o problema a ser enfrentado, a ser discutido pelos governantes. O governo que
no enfrent-lo de verdade ter falhado na poltica de desenvolvimento. Desenvolvimento no Brasil, hoje em
dia, essencialmente solucionar o problema social. Este o desenvolvimento sustentvel. No basta apenas
aumentar o produto. Depois de ter assistido a tantos anos de transformaes, creio que esse o problema mais
grave do Brasil atual. Um pas que no tem uma populao rural e uma agricultura forte uma economia muito
frgil. Como manter o equilbrio interno entre os setores?
Na primeira metade do Sculo XX, o Estado ainda absorvia mo-de-obra dos imigrantes que vieram da Europa.Como era um Pas de terras abundantes e virgens, nessa poca o Brasil conciliava o setor rural com o setor
urbano. At os anos 50, no havia preocupao com a gerao de emprego, mas sim com a produtividade, a fim
de se ganhar competitividade internacional. Ou seja, o Estado precisava fomentar a criao de indstrias
modernas, ou no teramos desenvolvimento. Isso era aceito como sendo uma lei da natureza. Mais adiante, o
resultado dessa poltica foi uma situao crescente de desemprego estrutural, que atualmente prevalece.
O Brasil tem terras abundantes e baratas, tem mo-de-obra disponvel. Por que enfrenta tantas
dificuldades? Por que tem crescentes problemas sociais? Por que o desenvolvimento s para servir uma
minoria? Eu no consigo explicar.
Ainda num passado recente, nem mesmo os economistas queriam debater esse problema, que agora imperativo.
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O BRASIL DOSCULOXXENTREVISTA COMCELSOFURTADO IBGE
Eduardo Pereira Nunes Eu gostaria de voltar aos anos 50, quando o senhor comeou a discutir com
Rostow e outros economistas as teorias do desenvolvimento prevalecentes. Na poca, o senhor j contestava as
teorias de que o subdesenvolvimento era uma etapa histrica do processo de desenvolvimento. De acordo com
aquela teoria, todas as economias passavam por uma etapa de subdesenvolvimento, para, depois, alcanar um
estgio superior de desenvolvimento. Dessa forma, podia-se concluir que o planejamento econmicorepresentava uma interferncia desnecessria e indesejvel do Estado nas trajetrias das economias nacionais.
Podemos dizer que o debate atual sobre o papel do Estado na formulao de polticas ativas de
desenvolvimento, tecnolgicas e de comrcio exterior representa uma volta quele antigo debate e quela
postura que o senhor j contestava nos anos 40 e 50?
Celso Furtado Vamos responder por etapas. Primeiramente, a questo do desenvolvimento e
subdesenvolvimento. Em meu primeiro livro de teoria econmica, escrito no final dos anos 50, defendi a tese de
que o subdesenvolvimento no era uma fase pela qual tiveram de passar todas as economias, e sim a situao de
dependncia que decorria de como as economias se inseriram nas correntes de expanso do comrcio
internacional, a partir da Revoluo Industrial.Eu pretendi rebater as idias de Rostow, que eram amplamente dominantes na poca.
Estvamos ambos em Cambridge, eu e Rostow, o famoso economista que formulou a teoria dos cinco estgios
do desenvolvimento. Ao ouvir o debate sobre essa teoria, pensei: um absurdo; no pode haver isso; a nossa
situao no uma fase, pois nela estamos h 100 anos; nada mudou; somos sempre subdesenvolvidos, e os
outros esto cada vez mais frente. Ento, havia que repensar tudo isso. Foi quando formulei a teoria do
subdesenvolvimento.
Comparando pases de distintos nveis de renda per capita, percebi que o que fazia a diferena era a forma como
cada pas incorporava a tecnologia moderna. A simples modernizao dos hbitos de consumo, mediante aimportao de veculos de luxo e artigos do gnero, podia significar o enriquecimento de uma elite local, mas
estava longe de ser um autntico desenvolvimento.
Se comparamos as economias da Argentina e do Japo no primeiro quartel do Sculo XX, comprovamos que a
renda per capita do pas latino-americano era muito superior do asitico, apesar de a economia deste ltimo
ser bem mais desenvolvida.
A verdade que os pases que comearam pelo caminho certo tenderam a uma diversificao na economia foi
o chamado progresso enquanto outros se especializaram na produo de matrias-primas, absorvendo muito
pouco progresso tcnico. Portanto, constituram um quadro diferente, que chamei de estgio de
subdesenvolvimento. Dele no se sai sem srias transformaes estruturais. No h um avano automtico para
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O BRASIL DOSCULOXXENTREVISTA COMCELSOFURTADOIBGE
o estgio do desenvolvimento. preciso fazer um grande esforo de transformao e enfrentar os
problemas estruturais. Portanto, esse era um quadro novo. Reuni essas idias em meu livro
Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, de 1961 . Na poca, poucos aceitaram a teoria do
subdesenvolvimento. Hoje em dia, ela est evidente: todos percebemos que um pas pode crescer muito,
como o Brasil cresceu, e continuar subdesenvolvido. Por que o Brasil no reduziu osubdesenvolvimento, se o seu PIB cresceu 100 vezes no Sculo XX?
Durante muitos anos trabalhei nesse tema, e s cheguei a perceber o mago da questo quando introduzi o
aspecto cultural. Alguns pases podem ter crescimento econmico, a partir dos produtos primrios. Tero
aumento de renda, o qual poder ser apropriado por uma minoria, por uma elite que adota, ento, padres de
consumo e formas de viver tpicas dos pases mais ricos, e totalmente incompatveis com o nvel de renda do
prprio pas. Esse pas crescer economicamente, mas no se transformar, ao contrrio, se deformar.
Eduardo Pereira Nunes Moderniza-se o padro de consumo, mas no se absorve a tecnologia moderna de
produo.
Celso Furtado Absorve-se a tecnologia moderna, mas num setor, ou noutro. No setor de exportao, a
produo de soja tem a tecnologia mais moderna, mas o conjunto da economia nacional no se transforma.
Crescem a produtividade e a renda per capita, mas, se no houver distribuio dessa renda, apenas se
reproduzem os padres de consumo dos pases mais ricos. As elites do Brasil vivem to bem, ou melhor, do que
as do chamado Primeiro Mundo. O subdesenvolvimento cria um sistema de distribuio de renda perverso, que
sacrifica os grupos de renda baixa. Pois inerente economia capitalista a tendncia concentrao social da
renda. O processo competitivo da economia de mercado exige a seleo dos mais fortes, e os que vo passando
na frente concentram a renda. Essa tendncia pode ser corrigida pela ao das foras sociais organizadas, que
levam o Estado capitalista a adotar uma poltica social. Na Europa, onde se criaram grandes sindicatos, a
sociedade civil se modificou, evoluiu, e a prpria luta social passou a ser um elemento dinmico. Se a Europa
avanou tanto no foi s porque cresceu economicamente, mas porque redistribuiu a renda, o que foi possvel
graas s presses dos poderosos sindicatos. O problema que nas economias subdesenvolvidas a ao dessas
foras sociais de muito menor eficcia. Aqui, a tendncia agravao das desigualdades somente se reduz em
fases de forte crescimento do intercmbio internacional. Da o fator poltico ser to relevante nos pases do
Terceiro Mundo.
Eduardo Pereira Nunes Qual deve ser o papel do planejamento econmico?
Celso Furtado Em relao ao planejamento econmico, digo o seguinte: se um pas acumulou tamanho
atraso, como o caso do Brasil, no pode sair dessa situao pelo mercado. Este no suficiente, pois no far
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as transformaes estruturais necessrias. O mercado concentra renda e preciso desconcentrar. O pas
submetido por longo tempo a um processo de concentrao de renda, como est acontecendo no Brasil,
adquire uma rigidez estrutural muito grande. difcil impor as reformas. Veja o debate atual sobre as reformas
sociais. A classe dominante quer defender de todas as maneiras os seus privilgios. H uma resistncia enorme
para ceder. A concentrao de renda , no fundo, uma contrapartida das lutas sociais. A lgica do capitalismo a de concentrar renda, mas ele prprio engendra foras sociais que vo pression-lo para desconcentrar. E seu
desenvolvimento surgiu da interao dessas foras, de um lado o progresso tecnolgico criando desemprego, de
outro os movimentos sociais pressionando para criar emprego. Foi assim nos pases onde o capitalismo se
desenvolveu em sua plenitude: as lutas sociais permitiram a desconcentrao da renda. Em cada ciclo
econmico, em cada movimento social, os salrios se corrigiam, os salrios mdios cresciam cresciam tanto
quanto a produtividade. Concentra, desconcentra: so as crises cclicas, que redistribuem a renda, permitem a
retomada do crescimento; o capitalismo andando, navegando, indo de crise em crise, mas, em geral, crescendo.
Porm, num Pas subdesenvolvido, que acumula o atraso, isso no ocorre: a sociedade no capaz de reagir
suficientemente para modificar o quadro. No Brasil no se tem esse dinamismo do sistema capitalista, porque osmovimentos sociais so fracos. A elevao dos salrios o o que h de mais difcil num pas como o Brasil. Isso
uma deformao social, que no fundo o espelho do subdesenvolvimento.
Eduardo Pereira Nunes Por isso o subdesenvolvimento no uma etapa do desenvolvimento, mas uma
deformao. Os pases mais desenvolvidos Estados Unidos, Europa ocidental e Japo so aqueles que ao
longo do seu processo de desenvolvimento sempre realizaram polticas ativas de desenvolvimento cientfico,
tecnolgico, procurando promover o crescimento e a distribuio da renda nacional.
Olhando os pases menos desenvolvidos o senhor tem destacado a enorme desigualdade social. Como explicar
que o Brasil, que procura elimin-la, enfrente tanta dificuldade no cenrio internacional, por exemplo, no mbitoda Organizao Mundial do Comrcio, para executar as suas polticas ativas? E os pases que um dia as
praticaram so os que hoje se opem a prticas semelhantes adotadas pelo Brasil?
Celso Furtado Essa a realidade. muito difcil enfrent-la porque as foras organizadas so, na verdade,
contra os pases pobres. Na OMC todos os debates so para preservar os privilgios dos pases ricos. A
poltica americana nesse quesito muito clara. Na Unio Europia, passa-se o mesmo. No existe
globalizao quando se trata da necessidade de repensar o mundo. Hoje em dia proibido subsidiar as
exportaes, como antigamente o Brasil tanto fez. O poder est se concentrando em todos os planos e isso
vai criar dificuldades novas. Evidentemente, o que esperamos que pases como o Brasil se unam para lutar
por novas formas de desenvolvimento.
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Por outro lado, eu me pergunto se o Brasil precisa tanto desse apoio externo para se desenvolver. H uma
abundncia to grande de recursos naturais, de mo-de-obra subempregada, de capacidade tcnica, e mesmo
cientfica! Ento, por que no buscar um caminho prprio para se desenvolver? Entre a dcada de 30 e a de 70
o Brasil se desenvolveu fortemente, foi um dos pases que mais cresceram no mundo. Pode-se argumentar que
tnhamos a faca e o queijo na mo. Hoje diferente, sem dvida. Mas fico pensando se nas condies atuais oBrasil pode voltar a crescer, quando seu setor externo enfrenta srias limitaes e a participao de seu comrcio
exterior na renda nacional se reduziu de cerca de 20% para 8%.
No passado, quando o Brasil sofreu as conseqncias de uma poltica internacional de reduo de espao, voltou-
se para o mercado interno, deixou de crescer segundo a linha tradicional das exportaes de produtos primrios e
das importaes de manufaturas, e investiu na criao de um mercado interno. A descobriu o enorme potencial
de seu mercado interno, graas tambm poltica de incentivos. Nessa poca, ainda se podia ter protecionismo,
poltica cambial, etc. Alis, a poltica cambial brasileira foi muito inventiva, adotando a taxa mltipla de cmbio. Isso
permitiu que o Brasil encontrasse uma maneira de financiar um desenvolvimento expressivo de seu produto
nacional, com crescimento para dentro. Mas tudo se perdeu nos ltimos 10 ou 20 anos, quando se passou aafirmar que mercado interno era coisa secundria, que no favorecia o avano tecnolgico; ou seja, o jeito era se
acomodar e ficar com uma tecnologia de segunda classe. O resultado dessa mudana a situao atual. O Brasil
ter de voltar a pensar no seu mercado interno e abrir, assim, espao para crescer.
Eduardo Pereira Nunes Falemos um pouco mais sobre o mercado interno, que sempre foi uma
preocupao sua. Em 1961, o senhor apresentou no seu livro Desenvolvimento e subdesenvolvimentoas idias sobre o
subdesenvolvimento brasileiro, e destacou a importncia da distribuio de renda para o fortalecimento do
mercado interno brasileiro e a superao do atraso econmico e social do Pas. Hoje, continua afirmando que o
fortalecimento do mercado interno fundamental para a sustentabilidade do desenvolvimento brasileiro.
Tambm no seu livro de 1968, Um projeto para o Brasil, preparado para debater no Congresso Nacional asperspectivas do desenvolvimento brasileiro, o senhor afirmava que o crescimento apoiado no mercado interno
dependia, necessariamente, da prvia distribuio da renda. Caso contrrio, o Pas correria o risco de cair em
uma estagnao econmica.
Vou ler aqui alguns dados do livro do IBGE sobre asEstatsticas do Sculo XX. Em 1960, a parcela da renda
nacional apropriada pelos 10% mais ricos do Pas era 34 vezes maior que a renda dos 10% mais pobres. Em
1990, essa proporo passou para 78 vezes! AsEstatsticas do Sculo XXrevelam portanto que, ao longo desse
perodo, a desigualdade social no Brasil cresceu e, com ela, cresce a dificuldade de se promover o
desenvolvimento e a justia social numa economia voltada para o mercado interno, em virtude da excluso
social. E esse j era o motivo da sua preocupao na obra de 1968, Um projeto para o Brasil.
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Celso Furtado O problema j estava todo colocado. Naquela poca, ficou muito claro para ns que o
mercado interno representava um trunfo para o Brasil crescer. Logo, era importante mostrar como uma poltica
que o privilegiasse poderia contribuir para a promoo do desenvolvimento econmico e social do Pas. o que
exponho em Um projeto para o Brasil. A meu ver, a poltica de distribuio de renda era a nica forma de fazer
com que esse mercado interno se traduzisse em poder de compra para a populao.Eduardo Pereira Nunes Mercado interno, distribuio de renda, incluso social, poder de compra,
consumo de massa e desenvolvimento econmico e social caminham passo a passo.
Celso Furtado Veja como a coisa perversa: ao concentrar a renda, voc cria uma minoria de alto nvel de
vida, que tem acesso a um mercado privilegiado. Esse mercado privilegiado de objetos de luxo, mas pequeno,
e no leva muito longe. Portanto, o mercado interno que tem de se transformar em mercado de massa. E para
haver um mercado de massa, preciso que a renda seja redistribuda. uma luta que integra, por um lado, a
questo de privilegiar o mercado interno e, por outro, a de privilegiar a desconcentrao da renda.
Qualquer poltica econmica, para ser eficaz, tem de levar em conta o consumo de massa, essencialmente,
popular. Pode parecer demagogia, mas a verdade essa: o Brasil tem todos os meios para sair rapidamente dasituao em que est e avanar por muitos anos.
Veja os dados da distribuio de renda na ndia, que publiquei em meu livro mais recente. O povo na ndia tem
mais ou menos o nvel de vida do povo no Brasil, mas a classe rica na ndia pesa muito menos, sendo dez vezes
menos rica do que a brasileira. O Brasil poderia ter uma forma de distribuio de renda distinta, sem deixar de
ser capitalista. Tenho a impresso de que hoje em dia dispomos dos meios para resolver esse problema.
Os dados estatsticos disponveis atualmente confirmam a tese que havamos formulado desde os anos de 1950,
segundo a qual a dinmica da economia brasileira leva inexoravelmente concentrao da renda. A raiz desse
problema, conforme j expliquei, est no comportamento das elites que se empenham em reproduzir os
padres de consumo dos grupos de altas rendas dos pases mais ricos. Nos perodos de fraco crescimento, esse
problema se agrava muito e cresce a responsabilidade do poder pblico. Ento, o primeiro objetivo deveria ser
o de recuperar o nvel da taxa de poupana de meio sculo atrs.
Eduardo Pereira Nunes De que forma a concentrao de renda afeta o desenvolvimento social e
econmico do Pas a longo prazo?
Celso Furtado A concentrao de renda representa um custo em divisas para a economia brasileira, pois
pode agravar essa tendncia ao desequilbrio externo, que, por sua vez, leva a um permanente endividamento.
A concentrao de renda corresponde, digamos, necessidade de se fabricarem automveis de luxo. Estes, por
sua vez, tm um custo em divisas muito elevado, pois vrios de seus componentes so importados. Assim, boa
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parte do setor industrial se deforma para produzir artigos de luxo e essa transformao duplamente perversa,
pois os produtos de alto contedo de divisas agravam a tendncia do Pas escassez de divisas. De um lado,
piora a concentrao da renda, de outro, piora o desequilbrio externo.
Eduardo Pereira Nunes E, depois, torna-se necessrio adotar polticas especficas para o seu pagamento, ou
renegociao...
Celso Furtado A tendncia a se endividar parece, de fato, uma condenao, mas est ligada concentrao
da renda. Quando a renda cresce, cresce mais que proporcionalmente a demanda de importaes; os grupos de
alta renda exigem produtos mais nobres, importados, querem as ltimas novidades.
Analisando as estatsticas do IBGE sobre o Sculo XX, vemos que, hoje, o Pas produz grande parte desses
produtos nobres, mas so as firmas estrangeiras que os vendem. Isso custa divisas ao Pas, pois preciso pagar
royaltiese dividendos, ou importar. Quando o custo em divisas aumenta mais do que a prpria renda nacional,
cria-se o desequilbrio externo, que torna o pas vulnervel. Este o fulcro da questo.
Eduardo Pereira Nunes Os captulos do livro do IBGE sobre asEstatsticas do Sculo XX mostram este
problema nas contas nacionais do Brasil. Essas estatsticas mostram que, hoje em dia, a economia brasileira
tende a pagar ao exterior um volume de divisas com a importao de mercadorias e servios, com rendas de
juros da dvida externa e com dividendos, muito maior do que recebe com as exportaes e rendas.
Celso Furtado Este um problema difcil de resolver porque a populao deseja gastar em divisas, deseja
viajar para a Europa, os Estados Unidos, deseja consumir produtos modernos. So gastos nobres. Mas quantos
brasileiros podem realizar esses desejos?
O gasto em divisas representa uma sangria do fator mais escasso no Brasil: os dlares. Se no tivermos divisas
para pagar, teremos de pedir emprestado, aumentando a dvida ainda mais. Por isso eu digo que precisamos de
uma poltica de equilbrio da balana de pagamento distinta da atual.Quando fui Ministro do Planejamento, classificamos as importaes brasileiras em cinco categorias. De acordo
com essa classificao, os produtos pouco essenciais, suprfluos para a economia do Pas, eram negociados a
uma taxa de cmbio muito mais alta que a dos produtos essenciais. Assim, o Brasil tinha o dlar de 40 mil ris e
o dlar de 200 mil ris, de acordo com o produto. E assim voc tinha uma discriminao e desencorajava as
importaes de produtos no essenciais. Hoje o FMI no permite polticas discriminatrias. O Pas no tem
autonomia, tem de se subordinar s regras do FMI, no pode discriminar as importaes de luxo. Da a situao
de grande fragilidade externa na economia brasileira.
Foi ao aprofundar o estudo desse problema que percebi seu forte componente cultural. O brasileiro tende a
reproduzir padres de consumo que vm de fora, baseando-se na noo de que o produto importado melhor.
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A classe de renda alta tem poder aquisitivo para comprar os produtos mais caros do mundo. Mas so poucos os
que esto nessa situao. Assim, se voc permite que a economia opere sozinha, isto , de acordo com as regras
do livre-mercado e sem polticas discriminatrias, ela engendra uma demanda por importaes de bens e
servios muito maior do que a capacidade de exportar do pas. Da o desequilbrio permanente da balana de
pagamentos, que culmina na dvida externa, nas privatizaes, na atrao de capitais de curto prazo.Em condies adversas, um pas dependente do endividamento externo apela para a importao do capital de
curto prazo para fechar o seu balano de pagamentos. Mas essa iniciativa faz com que a dvida do governo
cresa. Da a necessidade de termos uma poltica permanente para evitar a sangria de divisas, fator to caro no
Brasil. Hoje, essas polticas s so adotadas quando ocorre uma crise no balano de pagamentos que afete a
confiana dos investidores.
Eduardo Pereira Nunes Os dados das contas nacionais do Brasil, includos nasEstatsticas do Sculo XX,
revelam que a nossa taxa de investimento era de cerca de do PIB nos anos 70 e agora se encontra no patamar
de 20%. Nos ltimos 30 anos do sculo passado, tivemos uma dcada de crescimento, os anos 70, e duas outras
de estagnao econmica, os anos 80 e 90. A pergunta que eu fao a seguinte: at que ponto essas duas ltimasdcadas refletem aquela sua preocupao com a estagnao econmica e social do Pas que o senhor j havia
apontado no seu livro Um projeto para o Brasil?
Celso Furtado Os problemas fundamentais so os mesmos. O Brasil avanou em muitos setores, mas perdeu
em capacidade de autogoverno. Hoje tem dificuldade para se defender da grande vulnerabilidade do setor
externo. Antes do golpe militar de 1964 participei de trs governos, e naquela poca tnhamos a possibilidade de
condicionar as importaes poltica de cmbio mltiplo e ao controle de cmbio.
O Brasil renunciou a tudo isso, renunciou alavanca de poder. Hoje, o governo receia uma corrida contra o real.
A qualquer instante, como ocorreu em 1998, 1999 e 2002, pode haver uma sada de 20, 30 bilhes de dlares,
deixando o Pas completamente vulnervel.
O Brasil tem recursos externos limitados. So poucos os seus meios de autodefesa.
Ao mesmo tempo, vive aterrorizado com a ameaa da retomada da inflao. uma ameaa, no h dvida. Mais
grave, contudo, a perda das alavancas de poder. Precisamos voltar a ter uma poltica cambial ativa. O FMI um
fantasma usado por naes poderosas para que as indefesas no tenham uma poltica prpria.
Governar o Brasil uma tarefa difcil, porque os meios de controlar a situao econmica e seguir uma
determinada poltica so limitados. O Pas tem grandes possibilidades, mas vulnervel no curto prazo. Bastam
dois ou trs boatos em Londres dizendo que o Ministro da Fazenda vai cair para o cmbio flutuar seriamente e
abalar a taxa de juros.
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Eduardo Pereira Nunes Podemos dizer que o rpido crescimento dos anos 70 criou uma iluso de que
seria possvel crescer sem promover a distribuio de renda, ou isso seria um mito, como o senhor escreveu, em
1974, no seu livro O Mito do desenvolvimento econmico?
Celso Furtado Quando escrevi esse ensaio era muito mais limitado o conhecimento que tnhamos da
realidade do subdesenvolvimento. Hoje vemos com clareza que o crescimento no condio suficiente parasuperar o subdesenvolvimento. S se consegue isso mediante reformas estruturais importantes. Naquela poca
tampouco se tinha conscincia da gravidade do problema da concentrao de renda. O Brasil optou por
financiar grandes projetos nos anos 70 com financiamento externo privado, numa poca de inundao de
recursos lquidos. Isso mudou rapidamente quando teve incio a crise americana, em 1979. Foi ento que o
Brasil teve de enfrentar uma situao nova, de endividamento de curto prazo.
No incio dos anos 90, comeou uma nova fase de abundante liquidez. Mas, de novo, foi seguida por outra fase
de retrao de recursos, aps as crises do Mxico, da sia e da Rssia, iniciadas em 1994. Agora, ningum mais
confia em financiamento internacional, seno em condies muito bem estudadas, pois como j no h
controle de cmbio e das taxas de juros, tudo mais incerto, e no se sabe quem responder pelasconseqncias.
Eduardo Pereira Nunes O senhor est enfatizando bastante o problema da vulnerabilidade externa de
pases como o Brasil. So vulnerveis e tm muita dificuldade para fortalecer a prpria moeda. Os governos
locais tendem a adotar medidas de poltica econmica condicionadas por esses fatores. Esses choques externos
s ocorrem em economias que no tm capacidade de gerao prpria da sua poupana, a qual poderia financiar
os seus projetos de investimento. Desde os seus tempos de trabalho na CEPAL o senhor j destacava os
problemas provenientes da escassez de poupana interna do Brasil.
At que ponto o apelo ao capital estrangeiro, seja sob forma de capital de emprstimo, de investimentodireto e de capital de curto prazo, representa poupana externa efetiva para o desenvolvimento de
economias como a do Brasil?
Celso Furtado O que sabemos sobre a histria das economias que o endividamento externo til e
operacional deve atuar no curto prazo para resolver problemas de calamidade pblica. Fora disso, todo
endividamento deve ser feito em funo da capacidade de pagamento desse capital, que o servio da dvida
externa. Ao tomar dinheiro emprestado, voc deve saber que tem que pag-lo com moeda estrangeira, ou seja,
com as suas escassas divisas. Ento preciso muito cuidado.
Eduardo Pereira Nunes Ns estamos analisando o Sculo XX, no qual o PIB do Brasil cresceu 100 vezes.
Essa uma contradio da sociedade brasileira: o Pas cresceu 100 vezes em um sculo e estamos aqui falando
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de todos os seus problemas. Um Pas que cresceu cem vezes no poderia ter tantos problemas. Mas o senhor aqui
deu uma aula de quantas alternativas a sociedade brasileira tem para ser mais desenvolvida. Ao longo de sua obra o
senhor fala desse dilema: no basta crescer; preciso repartir os seus frutos por toda a sociedade brasileira.
Se olharmos agora para o Sculo XXI, quais seriam os conselhos que o senhor poderia dar para os novos
cientistas sociais? Como devem trabalhar para dar um sentido mais igualitrio a toda a sociedade brasileira?
Celso Furtado Esta a pergunta que cada brasileiro deve fazer a si mesmo: por que o desenvolvimento
brasileiro foi to desigual? Por que existe essa injustia to profunda? O Brasil um Pas com tantos recursos e
com uma massa enorme de gente excluda. uma profunda injustia. O fenmeno da excluso social a
questo que ns todos nos colocamos. J ningum se satisfaz com meias medidas. H uma enorme preocupao
com o problema da fome e da excluso social. O Brasil criou uma elite capaz, investiu na classe mdia alta, mas
investiu muito pouco no povo. Temos ento essa massa desvalida, sem o mnimo necessrio para exercer a sua
cidadania. Um pas como o Brasil tem sempre problemas novos, pois est em formao. Em meu livro Brasil, a
construo interrompida, publicado h pouco mais de dez anos, mostrei que a edificao do nosso desenvolvimento
vinha perdendo flego, reduzindo o seu lan criativo. Agora a situao est se invertendo, o fato de termoseleito um presidente progressista pode ajudar retomada dos debates. J um grande avano estarmos
interessados nesse problema. O que antes era tachado de pessimismo, derrotismo, hoje revela um
amadurecimento, uma conscincia de que devemos transformar este Pas, e de que a gerao nova vai cumprir
sua misso. Que papel caber ao Brasil na cena internacional? E na Amrica Latina, que posio teremos? E
como conquistar novos espaos, como o mercado da China? Ainda h muito o que pensar. S espero que a
gerao nova encontre um contexto internacional favorvel. Hoje, pensar uma poltica para o Brasil
reconhecer que, tendo em conta os compromissos j assumidos internacionalmente, limitada a nossa
capacidade de ao.
Para os novos cientistas sociais, eu digo, primeiramente: pacincia. Pacincia para completar a construo destePas. J cheguei a uma fase da vida em que propriamente no me preocupo com o futuro. Mas meu otimismo
no desapareceu, embora reconhecendo que a responsabilidade dos que vo assumir o comando na prxima
gerao muito grande. Por isso, a mensagem que deixo para os novos cientistas sociais a seguinte: em seus
trabalhos como pesquisadores no hesitem em formular hipteses arrojadas. Assumam riscos. Sem isso, o
conservadorismo que nos cerca por todos os lados deglutir a todos.
Eduardo Pereira Nunes Professor Celso Furtado, antes de encerrar, gostaria de uma explicao sua. O
IBGE produziu asEstatsticas do Sculo XX, mas parte das nossas estatsticas sobre esses 100 anos foi construda
a partir de informaes criadas pelos prprios usurios, j que o IBGE tem apenas 67 anos de idade. Sabemos
que o senhor foi um grande pesquisador e, diversas vezes, muito criativo na utilizao de fontes alternativas de
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informao para construir os seus modelos de interpretao da realidade. Sua obra sobre a Formao econmica do
Brasil um exemplo da sua capacidade de investigao. O que o pesquisador, professor, cientista social Celso
Furtado poderia nos dizer a respeito desse perodo em que construiu suas prprias estatsticas para, num
momento posterior, ser um grande usurio das estatsticas do IBGE?
Celso Furtado Essa uma pergunta que nunca ningum me fez. Estudei a economia brasileira sculo asculo, a partir do Sculo XVI. Fiz isso com um pouco de engenho e arte porque s dispunha das informaes
que estavam nos documentos histricos brasileiros. Aprendi desde cedo com meus professores da escola
austraca que os dados estatsticos so to importantes que, no existindo, indispensvel invent-los.
Estimativas aproximativas do processo de formao de capital e de renda nacional nos anos 40 do sculo
passado nos permitiram formular muitas hipteses teis para penetrar na realidade da economia brasileira. O
importante era manter-se na vanguarda nesse esforo de descobrir novas fontes de informao. Como voc
sabe, para medir o fluxo de renda naquela poca era preciso ser engenhoso. Na verdade, atrevi-me a imaginar as
contas nacionais do Brasil antes que elas tivessem sido estimadas por rgos oficiais.
Mas o fato que os trabalhos do IBGE, nesse meio sculo em que venho estudando o Brasil, ajudaram-me aentender o Pas. A primeira vez que vi estatsticas histricas, abrangendo o Sculo XIX, por exemplo, foi numa
publicao do IBGE. A partir da, fiquei pensando se no seria possvel sistematizar aqueles dados e abrir um
debate sobre a natureza do atraso da economia brasileira. O que me impressionou, nos primeiros anos em que
trabalhei na CEPAL, quando eu era muito jovem e cheio de idias, foi o atraso acumulado da Amrica Latina.
Mxico, Chile e Argentina j tinham at clculo de renda nacional, ao passo que o Brasil tinha umas estimativas
curiosssimas, feitas a partir de tcnicas muito primitivas. Mais tarde, o trabalho feito pelo IBGE para
aperfeioar as estatsticas brasileiras foi fantstico. Eu no tenho nenhuma dvida de que foi esse avano que
permitiu formar uma conscincia nacional do nosso atraso, da gravidade dos problemas sociais.
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SOCIAIS,POLTICAS ECULTURAIS
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Vila da Felicidade, Manaus, AM.Foto: Jos Caldas - BrazilPhotos.
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* Graduado em Filosofia e Ph.D. em Cincia Poltica (Universidade de Stanford), professor titular (aposentado) de Teoria Poltica daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Diretor do Laboratrio de Estudos Experimentais e Pr-Reitor de Anlise e Prospectiva daUniversidade Cndido Mendes. Distinguido pela Guggenheim Foundation, Comendador da Ordem do Baro do Rio Branco, daOrdem Nacional do Mrito Cientfico e da Ordem da Cultura Nacional e Prmio Moinho Santista, membro titular da AcademiaBrasileira de Cincias. Publicou, entre outros, Razes da Desordem 3aedio, Rio de Janeiro: Rocco, 1994, Dcadas de Espanto e umaapologia democrtica, Rio de Janeiro: Rocco, 1998, Roteiro Bibliogrfico do Pensamento Poltico-Social Brasileiro (1870-1965): Belo Horizonte:Editora UFMG; Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2002 e O Clculo do Conflito Estabilidade e Crise na Poltica Brasileira, BeloHorizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.
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AAs estats ticas brasileiras aqui consolidadas no dispensam os esforos de redefinio,reclassificao e mensurao. Em uma palavra, no desobrigam o usurio profissional, maisexigente do que algum ocasional curioso, de pesquisar. Variando os interesses do pesquisador, iro se
alterar igualmente os motivos para satisfao ou circunstancial desnimo. Naturalmente, no estaro
dispostas nestes arquivos todas as sries desejadas, nos perodos pretendidos, e possivelmente nem mesmo
se encontraro informaes que, no obstante existentes, e aqui recolhidas, no tenham sido designadas
no passado conforme a nomenclatura atualmente consagrada. Reiterada observao dos colaboradores
informa justamente que o sistema classificatrio oficial modifica-se ao longo dos anos, talvez decnios.Com freqncia, as mudanas, em si prprias, indicam a complexidade crescente da sociedade, exigindo a
desagregao de rubricas e a redefinio de outras. Aperfeioamento inegvel, ao preo, contudo, de
dificultar a comparabilidade dos dados sem prvio investimento de reclassificao. Sirvam, como exemplo,
as informaes sobre o que contemporaneamente entendemos por associativismo, que compreendia,
sobretudo na metade do sculo passado, as organizaes filantrpicas privadas e os asilos pblicos, e que,
dispensando os asilos, passou a distinguir, mais recentemente, as associaes voluntrias e de interesse.
Ocorre, tambm, o surgimento de sries consistentes de informaes sobre temas inexistentes
anteriormente ou de registro altamente fragmentrio e, outra vez, testemunhando importantes mudanas
sociais. o caso, sem dvida, das estatsticas eleitorais, de presena constante e relevante depois da
redemocratizao de 1945. Faz parte da anlise poltica a considerao de que, de fato, as eleies s
adquiriram o atributo de imprevisibilidade, caracterstica dos processos competitivos ps-oligrquicos,
com o fim do Estado Novo.
Estudiosos interessados no que correntemente se inclui no conceito de capital social, cultura cvica ou
cultura poltica no deixaro de anotar as lentes com que os estratos intelectuais do passado examinavam
certos fenmenos tais como desquites, suicdios ou taxas de criminalidade. Em particular informaes sobre
raa, gnero e educao de encarcerados e apenados reclamaro o cuidado dos investigadores.
O BRASILSOCIALCONTADOPELOIBGE NO SCULOXX
WANDERLEYGUILHERME DOS SANTOS*
O BRASILSOCIALCONTADOPELOIBGE NO SCULOXX
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Sem surpresa, as estatsticas populacionais so, se no me equvoco, as que melhor atendero s
expectativas do pesquisador moderno. Pela quantidade e pela qualidade, as sries demogrficas disponveis
propiciam enorme economia de tempo e de investimento na preparao de dados - o que poder ser
observado, inclusive, nas listas de observaes negativas e favorveis dos ensaios introdutrios, menosenfticas, as negativas, em relao s estatsticas demogrficas.
minha impresso, alis, espero que sem impropriedade, que parte da sensao de frustrao,
sublinhada por praticamente todos os colaboradores, se deve, precisamente, descoberta, surpreendente, da
riqueza de informaes acumuladas durante o Sculo XX. Juzo ponderado sobre os trabalhos de coleta e
registro dessas informaes, quando a absoro do instrumental estatstico ainda se encontrava em estgio
inicial, refiro-me, particularmente, primeira metade do sculo passado, deve levar em considerao as
estatsticas de outros pases - e no s latino-americanos - e o empreendimento de recuperao e restaurao
delas que, em algum momento, todos esses pases realizaram. So recentes, por exemplo, as publicaes sobre
as elites polticas inglesas, membros do parlamento e dos gabinetes. Vale a pena observar, em relao a este
tpico, que as estatsticas polticas do II Imprio brasileiro so inesperadamente completas e relativamenteconfiveis. Mas este tpico ultrapassa os limites da presente publicao.
Cada um dos ensaios introdutrios traz a descrio do que, em geral, os estudiosos encontraro de
relevante nas estatsticas. Ademais, os atuais comentadores no resistiram e aceitaram o atraente convite,
insistentemente emitido pelos dados, a que sugerissem pistas de anlise e, tambm, sugestes no sentido
de tornar as estatsticas mais ajustadas s demandas do presente. Com o sentimento de segurana que a
contemporaneidade estimula, supe-se que, finalmente, seria possvel elaborar um sistema classificatrio
que viesse a servir aos interesses de todos os pesquisadores futuros. Se verdade que, sem tal pretenso,
dificilmente se produziria o nimo para o aperfeioamento do presente, em qualquer de seus aspectos,
bastante provvel tambm que, no futuro, talvez mais breve, talvez mais remoto, o resultado do tempo e
das aes que o presente favorece venham exigir novo esforo de atualizao. Reclamaro os jovens
colegas de ento, com toda certeza, de nossa falta de discernimento e previso. Creio que isso ser umbom sinal.
Estou seguro de que no violarei gravemente o formalismo de apresentaes semelhantes se deixar
assinalados meus agradecimentos pelo convite do Dr. David Wu Tai para coordenar a rea de temas sociais
desta publicao. Aos colegas que concordaram em cooperar com esta iniciativa e que, superando
obstculos por todos imprevisveis, conduziram a tarefa ao seu final, meu profundo reconhecimento.
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Cinco moas de Guaratinguet, 1930Di Cavalcantileo sobre tela 92 x 70 cmMuseu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand - MASP.
POPULAO EESTATSTICAS
VITAIS
POPULAO EESTATSTICAS
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*Ph.D. (1978) em Sociologia pela Universidade de Michigan, EUA; Pesquisador Titular (aposentado) do Laboratrio Nacional de ComputaoCientfica e Professor Titular do Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ/UCAM. Autor de C or e Estratificao Social no Brasil,Rio: Contra Capa, 1999 (em colaborao com Carlos Hasenbalg e Mrcia Lima) e deMobilidade Social no Brasil,So Paulo: Makron Books, 1999 (emcolaborao com Jos Pastore).
** Doutora em Sociologia pela UNICAMP. Professora do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal doRio de Janeiro. Publicou Um Toque de Clssicos- (co-autoras: Marcia Gardnia M. Oliveira e Tania B. Quintaneiro), Editora da UFMG, 1995 e 2002;Combater a Pobreza Estimulando a Freqncia Escolar: O Estudo de Caso do Programa Bolsa-Escola do Recife- Dados, vol. 43, n. 3, 2000. pp. 447-477. (co-autora: Lena Lavinas);Eficincia e eqidade: os impasses de uma Poltica Educacional, revista Brasileira de Poltica e Administrao da Educao , Porto Alegre, v.14, n. 2, pp. 211-242, 2001. (Co-autora: Laura da Veiga); Para onde vai a classe mdia: um novo profissionalismo no Brasil?Revista Tempo Social/USP:volume 10, n. 1- maio de 1998, pgs. 129-142.
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D e acordo com os resultados do Censo Demogrfico2000, a populao brasileira atingiu em 1de agostodaquele ano um total de 169 590 693 habitantespresentes1. Comparando com o ltimo dia do ltimo ano do sculo
anterior, quando a populao recenseada havia indicado um contin-
gente de apenas 17 438 434 residentes, podemos dizer que a popula-
o brasileira praticamente decuplicou durante o Sculo XX. Se
considerarmos o no to longnquo ano de 1970 o ano da Copa do
Mxico os 90 milhes em ao de ento (mais precisamente,
93 139 037 habitantes) cresceriam em 82% nos 30 anos seguintes. Emqualquer contabilidade que se faa, trata-se de um crescimento
impressionante: a populao que j havia quase triplicado durante a
primeira metade do sculo, atingindo 51 941 767 de pessoas em 1950,
mais que triplica novamente na sua segunda metade2. Alm disso,
devemos esperar um crescimento ainda vigoroso no futuro. As
1Cf. SINOPSE PRELIMINAR DO CENSO DEMOGRFICO 2000 (v. 7,2001, Tabela 1).
2A principal fonte de informaes populacionais no Brasil so os CensosDemogrficos. Estes, em princpio, deveriam ser decenais. Mas, na verdade,apresentam uma histria atribulada. Os dados relativos cidade do Rio de Janeiro
no Censo de 1900 foram considerados deficientes e os resultados referentes aoDistrito Federal cancelados. Um novo recenseamento do Estado do Rio de Janeirofoi ento feito em 1906. Por razes de ordem poltica o recenseamento de 1910 foisuspenso. O mesmo ocorreu com o Censo de 1930. O Censo de 1920 foi conside-rado deficiente, com uma aparente superestimao de cerca de 10%. Por outrolado, os Censos de 1940,1950 e 1970 so considerados exemplares. Um escndaloadministrativo suspendeu o processamento do Censo de 1960, o qual s foicompletado, ainda de forma precria, quase 20 anos depois. Os censos posterioresenfrentaram crescentes problemas operacionais no levantamento de campo. Ocenso previsto para 1990 foi adiado para o ano seguinte, novamente por problemaspoltico-administrativos, sem que esse adiamento, no entanto, resultasse em ganhosde qualidade em relao aos censos anteriores.
POPULAO E ESTATSTICASVITAISPOPULAO E ESTATSTICASVITAIS
NELSON DO VALLE SILVA*EMARIA LIGIA DE OLIVEIRA BARBOSA**
Mulher no interior do Piau , 1998.Foto Jos Caldas - BrazilPhotos.
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POPULAO E ESTATSTICAS VITAISIBGE
projees mais recentes feitas pelo IBGE3, que certamen-
te devero sofrer algumas revises menores dada a
recente disponibilidade dos resultados do Censo 2000,
indicam-nos que devemos esperar que pelo menos mais
40 milhes de pessoas devero ser acrescentadas ao total
da populao do Pas (Grfico 1).
No entanto, o crescimento extraordinrio da
populao no apenas uma peculiaridade brasileira. O
rpido alguns diriam, explosivo crescimento
populacional um importantssimo aspecto de nossa
poca e a caracteriza como um perodo sem precedentes
na histria da Humanidade. Na verdade, nunca esta
passou por uma fase de igual crescimento populacional,
tanto globalmente como em suas diversas regies.
Segundo estimativas de J. Durand, do ano 1 da era crist
at 1750 a populao do mundo cresceu de cerca de 500
milhes para um total de aproximadamente 800 milhes
de pessoas. O meio do Sculo XVIII marca uma mudan-
a extraordinria no padro de crescimento populacional,
verificando-se uma acentuada acelerao na taxa de
crescimento que, de resto, acompanha de perto a chama-
da revoluo industrial, centrada particularmente na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos da Amrica. A
taxa anual de crescimento populacional, que foi de cerca
de 0,56 por mil habitantes por ano durante o perodo 1
d.C. 1750 d.C., elevou a 4,4 por mil entre 1750 e 1800,
resultando desse crescimento uma populao mundial de
cerca de 1 bilho de pessoas.
Por volta de 1850, a populao do mundo era de
cerca de 1,3 bilho de pessoas, e em 1900 atingiu aproxi-
madamente 1,7 bilho, o que representa taxas de 5,2 e 5,4
por mil ao ano para cada metade do Sculo XIX, respecti-
vamente. Segundo estimativas da ONU, a populao
mundial em torno de 1950 compreendia cerca de 2,5
bilhes de pessoas, o que, se for comparado com o 1,7
bilho para 1900, implica uma taxa anual mdia de 7,9 por
mil para a primeira metade do Sculo XX. As estatsticas
para perodos mais recentes so ainda mais impressionan-
tes. No terceiro quartel do sculo passado, a taxa de
crescimento mais que duplicou, atingindo a marca anual de
3Veja dados em: Anurio Estatstico do Brasil 1998, Tabelas 2.6-2.8.
Grfico 1- Populao residente - Brasil - 1900/2000
Fonte: Sinopse preliminar do censo demogrfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001.
Tota
ld
ap
opu
la
o
19401930192019101900 1950 1960 1970 1980 1990 20000
Ano do recenseamento
20 000
40 000
60 000
80 000
100 000
120 000
140 000
160 000
180 000
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17,1 por mil, da qual resultou uma populao em torno de1980 estimada em cerca de 4 bilhes de pessoas.
Assim, o Brasil foi parte desse quadro de crescimen-
to historicamente sem precedentes, marcado no apenas
pelas elevadas taxas com que nossa populao cresceu no
ltimo sculo como tambm pelo crescimento muito
substancial que ainda temos garantido para o futuro
prximo. Fica, no entanto, a questo: quais causas e quais
os mecanismos que deram origem a esse crescimento
extraordinrio da populao mundial em geral, e da
populao brasileira em particular? Como se comportou apopulao brasileira no ltimo sculo ?
Examinando-se as taxas mdias de crescimento da
populao brasileira durante o Sculo XX4, observamos
que estas se encontravam num patamar muito elevado
nos dois primeiros decnios (uma taxa de 2,91% ao ano),
decaindo imediatamente nas duas dcadas seguintes para
um nvel que se revelou como o mais baixo de todo o
sculo (1,49% anual). A partir dos anos de 1940, no
entanto, o ritmo de crescimento populacional rapidamen-te volta a se intensificar, subindo at atingir um pico
histrico de 2,99% ao ano entre 1950 e 1960. A trajetria
descendente ento retomada, inicialmente de forma
lenta durante a dcada seguinte e de forma bem mais
acentuada da em diante. A taxa de crescimento estimada
para a ltima dcada do sculo, embora maior do que o
seu valor mnimo durante o perodo, atingiu o nvel de
1,63% anual em mdia (Grfico 2). Ao que tudo indica,
esta trajetria descendente dever permanecer no futuro,
projetando-se para o ano de 2020 um crescimentopopulacional em torno de 0,71%.
O primeiro fato a ser compreendido sobre o
crescimento da populao brasileira diz respeito s causas
das elevadas taxas de crescimento no incio do sculo e do
abrupto declnio destas no perodo subseqente. Para isto
devemos examinar a evoluo dos componentes do
crescimento populacional ao longo do sculo (Grfico 3).
Neste caso, fica evidente que a migrao internacional
4Cf. SINOPSE PRELIMINAR DO CENSO DEMOGRFICO 2000 (v. 7, 2001, Tabela 1).
Grfico 2 - Taxa mdia geomtrica de crescimento anual - Brasil - 1900/2000
Perodo intercensitrio
Taxageom
tr
ica
de
cresc
imento
anua
l
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
1900/1920 1920/1940 1940/1950 1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1991 1991/2000
Fonte: Sinopse preliminar do censo demogrfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001.
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contribua de forma muito significativa para o crescimento
da populao desde o final do sculo anterior at as
primeiras dcadas do Sculo XX. Enquanto que o cresci-
mento natural (isto , o saldo entre nascimentos e mortes)pode ser estimado em cerca de 19 por mil habitantes
durante as quatro primeiras dcadas do sculo, a contribui-
o da imigrao pode similarmente ser estimada em 2 por
mil durante este mesmo perodo, ou seja, a migrao
externa respondia por cerca de 10% do crescimento
populacional no perodo.
Na verdade, o forte impacto da imigrao estrangei-
ra j datava do final do sculo anterior. Com a abolio
formal da escravatura em 1888 e a carncia decorrente de
mo-de-obra agrcola, um esforo de recrutamento detrabalhadores estrangeiros foi desenvolvido no s pela
iniciativa privada como pelos governos federal e estadual,
atravs do subsdio dos custos de transporte para o Brasil.
Dessa forma, estima-se que um total de quase 5 milhes
de pessoas emigraram para o Pas entre 1887 e 1957, sendo
este contingente formado em cerca de 32% por italianos,
31% por portugueses, 14% por espanhis e 4% por
japoneses. O pico deste influxo imigratrio se deu naltima dcada do Sculo XIX, quando mais de 1 milho de
imigrantes ( majoritariamente italianos, com destino a So
Paulo) aportaram aqui, estimando-se que isto representou
quase um quarto do crescimento populacional total no
perodo5.
O influxo de imigrantes resultou no agravamento
do conflito no mercado de trabalho, opondo os trabalha-
dores nacionais aos estrangeiros, tendo constitudo foco
de agitao popular em vrias regies durante as primeiras
dcadas da Repblica, especialmente no Rio de Janeiro,onde foi forte o movimento dito jacobino e freqentes
os episdios chamados de mata galegos, opondo
violentamente trabalhadores brasileiros e portugueses6.
Assim, tendo em vista a proteo ao trabalhador nacional,
5Cf. SMITH (1972).
6Veja, por exemplo, Ribeiro (1990).
Grfico 3 - Componentes do crescimento da populao brasileira - 1900/2000
Fonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990; Anurio estatstico do Brasil 1997-1998. Rio de Janeiro: IBGE, v. 57-58, 1998-1999.
1900-1910 1910-1920 1920-1930 1930-1940 1940-1950 1950-1960 1960-1970 1970-1980 1980-1990 1990-2000
Taxa
(por
mil)
Dcada
Crescimento total (N-M+I) Migrao lquida (I) Natalidade (N) Mortalidade (M)
-5
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
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em 1934 o governo federal estabeleceu um sistema de
quotas para controlar a entrada de imigrantes. Estas
quotas se aplicavam ao total de imigrantes oriundos de
cada pas fornecedor, sendo fixadas no valor de 2% do
total da imigrao proveniente de cada um destes pases
no perodo de 1884 a 1934. Adicionalmente, restringia-se o fluxo de imigrao total a 77 mil pessoas por ano.
Este sistema, embora fortemente restritivo, caracteri-
zou-se por beneficiar relativamente mais a imigrao de
origem europia, que correspondia a um estoque prvio
bem maior de imigrantes, em detrimento daquela deorigem asitica.
A partir da dcada de 1930 a imigrao perde sua
relevncia na determinao da taxa de crescimento da
populao brasileira, no s pelo decrscimo do nmero
de imigrantes em termos absolutos, mas tambm e sobre-
tudo pelo aumento muito forte do crescimento natural
desta populao, especialmente em meados do sculo. Na
dcada de 1960 a contribuio da imigrao externa ao
crescimento populacional brasileiro j havia se tornado
irrelevante. De qualquer forma, mesmo sendo relativamen-te modesto, cabe se observar que as ltimas dcadas do
Sculo XX presenciaram o nascimento de um fato supos-
tamente sem precedentes histricos. Neste perodo,
resultante das seguidas crises econmicas que comeam a
se manifestar no Brasil a partir da primeira crise do
petrleo em 1973, e que se agravam no incio dos anos de
1980, assistimos inaugurao de sensveis movimentos
emigratrios por parte de brasileiros em busca de melhores
oportunidades em outros pases7.
Embora a imigrao tenha sido fundamental para aformao da populao em diversas regies brasileiras
(destacando-se os italianos e espanhis em So Paulo e os
alemes no Sul), algumas anlises indicam que esta no
teve a mesma importncia no Brasil como um todo do que
a observada para outros pases da Amrica. Assim,
Mortara8, estudando a contribuio da imigrao no
crescimento da populao de alguns destes pases entre
1840 e 1940 , concluiu que a imigrao contribuiu de
forma direta (os prprios imigrantes) e de forma indireta
(seus descendentes) com 19% do aumento populacional
brasileiro, comparado com uma contribuio de 58% nocaso da Argentina, 44% no caso dos Estados Unidos, e
22% no caso do Canad, o que vale dizer, que a populao
de origem imigrante correspondia a 16%, 54%, 36% e
19% das populaes totais daqueles pases, na mesma
7Estimativas recentes dos saldos migratrios internacionais so feitas em Carvalho (1996) e Oliveira e outros (1996).
8MORTARA (1947 apud CLEVELARIO JNIOR, 1997).
Filha de colonos alemes. Londrina, PR. Acervo IBGE.
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ordem. Mortara9ainda refez seus clculos, baseado namesma metodologia para o perodo entre 1890 e 1940,
concluindo que a imigrao foi responsvel por cerca de
15% do crescimento populacional no perodo, o que
indicaria que cerca de 10% da populao brasileira em
1940 tinha origem nos imigrantes aportados no perodo e
em seus descendentes. Mesmo sendo as estimativas de
Mortara baseadas no pressuposto irrealista de que o
crescimento vegetativo das populaes nativas e imigrantes
eram idnticas e, portanto, sendo provavelmente
subestimativas (dado um suposto maior dinamismo
reprodutivo da populao imigrante), como o pressuposto
foi aplicado a todos os pases igualmente, parece ser
indiscutvel ser bem menor a relevncia da imigrao na
constituio da populao brasileira, especialmente quando
comparada com os casos da Argentina e dos Estados
Unidos10. De qualquer forma, a importncia da imigrao
na dinmica populacional uma caracterstica histrica dos
pases do Novo Mundo e da Oceania, sendo ainda hoje
muito substancial no crescimento da populao dos
Estados Unidos.
Do ponto de vista histrico, um fator que contribui
para dar verdadeiramente um carter de unicidade nossa
poca o fato de ter a mortalidade declinado a nveis
nunca antes experimentados, especialmente nos pasesdesenvolvidos. No entanto, declnios tambm espetacula-
res ocorreram mais recentemente, na segunda metade do
Sculo XX, em muitos pases em desenvolvimento, como,
por exemplo, nos pases da Amrica Latina. De fato, o
extraordinrio crescimento da populao mundial, a que j
nos referimos, pode ser atribudo ao declnio da mortalida-
de e no, como poderia se pensar, num suposto aumento
da natalidade. Embora tal aumento possa ter sido observa-
do em algumas regies de mudana recente (em particular
em alguns pases da frica tropical), este aumento respon-
de parcialmente a uma melhora nas prprias condies de
sobrevivncia das mes e no desempenha qualquer papel
mais significativo em relao ao crescimento populacional.
O vertiginoso crescimento experimentado pela populao
mundial durante o Sculo XX basicamente resultante da
queda espetacular da mortalidade aliada relativa manuten-
o dos tradicionais e elevados nveis da fecundidade nas
sociedades em desenvolvimento por longo espao de
tempo durante este perodo.
O debate em torno das causas do declnio da
mortalidade na Europa tem sido intenso, alguns apontan-
do para os avanos mdicos alcanados j no Sculo
XVIII, como, por exemplo, a inoculao e, posteriormen-
te, a vacinao antivarilica; outros sustentando como
causa provvel as mudanas em saneamento e higiene
pblica que teriam tido um significativo impacto sobre
certas causas de morte, como o tifo e o clera. No entanto,
o que a experincia dos pases em que a queda da mortali-
dade se deu mais recentemente (como os pases latino-
americanos) nos ensina que provavelmente as duas
causas esto presentes na reduo da mortalidade. O que
9MORTARA (1951 apud CLEVELARIO JNIOR, 1997).
10Um quadro evolutivo da imigrao anual para o Brasil no perodo de1900 a 1968 foi publicado em:Sries estatsticas retrospectivas (1986, v. 1, p.71, Tabela 2.2.4.1). Similarmente, um quadro para todo o perodo de1884 a 1951, segundo a nacionalidade do imigrante, encontra-se em:
Anurio Estatstico do Brasil 1953, apndice, p. 489.
Coefficiente de Mortalidade- Anno 1907 -Fonte: Exposio Nacional de 1908, IBGE.
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tambm essa experincia recente deixa claro que ganhos
importantes na mortalidade podem ser obtidos sem
nenhuma modificao significativa na situao social
das populaes. Na verdade, muitas vezes a evoluo
temporal da mortalidade caminha em sentido contra-
ditrio com esta situao social. Os avanos na
medicina social, com todo um arsenal farmacutico e
de conhecimentos de higiene elementar, resultam em
sucessos extraordinrios a custos muito reduzidos.De for ma semelhante, melhoramentos relativamente
menores no saneamento, particularmente em reas
urbanas, resultam geralmente em ganhos substanciais
na sade das populaes. Assim, a histria recente
registra casos de pases em desenvolvimento com
baixssima renda per capita que apresentam redues
marcantes em seus nveis de mortalidade, de tal
forma que as diferenas entre pases pobres e ricos
nessa questo muito menor hoje que em algumas
dcadas passadas. Esta narrativa descreve em grande
medida a evoluo da mortalidade no Brasil durante
o Sculo XX.
O nvel de mortalidade no Brasil no final do
sculo pode ser estimado em pouco menos de sete
mortes por mil habitantes por ano11, o que o torna
comparvel mdia dos pases desenvolvidos. Histori-
camente tambm experimentamos
o mesmo processo de espetacular
declnio da mortalidade: de uma
taxa bruta superior a 30 por mil ao
ano durante a maior parte doSculo XIX, atingimos no final do
sculo passado uma taxa corres-
pondente a menos de um quarto da
registrada 100 anos antes.
Essa taxa relativamente baixa
para a populao brasileira no
pode, entretanto, ser tomada com exagerado otimismo.
Deve-se observar que comparaes internacionais utilizan-
do-se a taxa bruta de mortalidade devem ser feitas com
extrema cautela, uma vez que esse tipo de taxa reflete
parcialmente a estrutura por idade da populao. Assim,
dada uma mesma situao geral de mortalidade, uma
sociedade que tenha uma populao mais velha (ou seja,
com uma maior freqncia relativa de pessoas nos grupos
de idade mais avanados) apresentar uma taxa bruta demortalidade maior que aquela obtida para uma sociedade
com estrutura etria mais jovem, uma vez que ter um
maior nmero relativo de pessoas nas faixas de idade
onde a mortalidade maior. O Brasil, como veremos
posteriormente, possui uma populao ainda relativamen-
te jovem, o que o favorece quando comparamos sua
taxa de mortalidade com as dos pases desenvolvidos,
sociedades que, tipicamente, tm populaes velhas.
De fato, o Brasil se tivesse uma estrutura etria similar
predominante na Europa, sua taxa bruta de mortalidade
seria bem mais elevada, algo provavelmente em torno de
12 por mil habitantes ao ano. Nesse sentido, mais
indicada para comparaes internacionais (e mesmo entre
regies de um mesmo pas) a utilizao da expectativa de
vida ao nascer, ou vida mdia, medida que independe
da estrutura etria da populao.
11Cf. Anurio Estatstico do Brasil 1998,Tabela 2.13.
Quatro homens em Belo Horizonte, MG, 1925. Museu Histrico Ablio Barreto.
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POPULAO E ESTATSTICAS VITAISIBGE
Adicionalmente, embora tenha havido ganhosespetaculares nas ltimas dcadas12, a situao da mortali-
dade infantil em nosso Pas ainda relativamente
preocupante: se, por um lado, observou-se um aumento
muito significativo na expectativa de vida ao nascer13,
quase que dobrando ao longo do sculo (a expectativa de
vida ao nascer para homens era de 33,4 anos em 1910 e
estimada em torno de 62,3 anos em 1990; para mulheres
os valores correspondentes eram 34,6 e 69,1 anos, respecti-
vamente), a mortalidade das crianas menores de 1 ano
ainda bastante significativa, constituindo ainda um fatorrelevante para ganhos futuros na expectativa de vida ao
nascer. Para se ter uma idia da extenso do problema,
recorramos a uma comparao internacional, cotejando-se
a expectativa de vida restante a 1 ano de idade com aquela
que se tem ao nascer. Como vimos, uma criana do sexo
masculino nascida em 1990 tinha uma expectativa de vida
estimada em 62,3 anos; o valor correspondente para
crianas do sexo feminino estimado em 69,1 anos. J as
crianas afortunadas o suficiente para sobreviverem aoprimeiro ano de vida podiam esperar viver em mdia mais
65,0 anos no caso dos homens (isto , viverem at os 66
anos de idade) e mais 71,1 anos adicionais no caso de
mulheres. Isso evidencia os tremendos riscos ainda
enfrentados pelas crianas brasileiras no primeiro ano de
vida. A situao em pases desenvolvidos bastante
diversa. Por exemplo, na Sucia dos anos de 1970, uma
criana do sexo feminino tinha uma expectativa de vida ao
nascer de 77,7 anos. Ao completar 5 anos sua expectativa
de vida adicional era de 73,5 anos, ou seja, deveria sobrevi-
ver em mdia at os 78,5 anos, o que mostra que j
naquele perodo praticamente nenhuma criana sueca
morria antes dos 5 anos de idade.
Observe-se que, comparada com a mortalidade
infantil, a mortalidade adulta apresentou ganhos relativa-
mente modestos. De fato, associado sobretudo ao aumen-
to da violncia nas cidades brasileiras, tem-se verificado
mesmo o aumento da mortalidade em algumas reas,
12Sobre os ganhos na mortalidade infantil, veja Simes (1997). Uma importante contribuio ao tema a de Ferreira e Flores (1987).
13Cf. Anurio Estatstico do Brasil 1990, Tabelas 7-9.
Grfico Evoluo da esperana de vida ao nascer - Brasil - 1940/20004 -
Fonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990; Anurio estatstico do Brasil 1998. Rio de Janeiro: IBGE, v. 58, 1999.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
Esperana
dev
ida
(em
anos)
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concentrada em jovens do sexo masculino de 15 a 29 anos.Esta , sem dvida, uma tendncia preocupante e que tem
contrariado as expectativas mais otimistas propiciadas
pelos outros indicadores14.
Quanto evoluo temporal da expectativa de vida
no Brasil ao longo das ltimas dcadas (Grfico 4), pode-se
dizer que, aps um perodo de ganhos muito substanciais
entre 1940 e 1960, quando aumentou em quase 10 anos (indo
de 42,7 em 1940 para 52,4 em 1960), os ganhos em sobrevida
praticamente se estagnaram na dcada de 1960, para retomar
um vigoroso crescimento na dcada seguinte, atingindo 61,7anos em 1980. A partir da continuam os ganhos, embora em
ritmo mais lento, atingindo um nvel estimado em 67,1 anos
de vida no ltimo ano do Sculo XX.
Um fato importante a se observar quanto expectati-
va de vida ao nascer que os diferenciais entre grupos
sociais e entre regies no Brasil eram historicamente
elevados15(Grfico 5). Em 1940 a maior esperana de vida
encontrava-se na Regio Sul (50,1 anos) enquanto a regio
com menor valor era o Nordeste (38,2 anos), com umadiferena de quase 12 anos entre elas. As demais regies se
diferenciavam mais ou menos uniformemente dentro deste
intervalo. No final do sculo, todavia, havia-se registrado
uma substancial convergncia na expectativa de vida entre as
regies: embora o maior valor continuasse a ser observado
na Regio Sul, com 68,7 anos em 1990 e, similarmente, a de
menor valor no Nordeste, com 64,3 anos naquele mesmo
ano, a diferena havia se reduzido a 4,4 anos. Ademais, as
diferenas entre as outras regies quase desapareceram,
oscilando entre 67,8 anos no Centro-Oeste e 67,4 anos na
Regio Norte. Observe-se ainda que as diferenas entre o
Nordeste e as demais regies de fato se ampliaram entre
1950 e 1970, a convergncia s ocorrendo aps esta ltima
data. A evoluo temporal da mortalidade infantil ao longo
do Sculo XX compatvel com esta descrio feita para a
expectativa de vida ao nascer, conforme esperado, dado
serem os ganhos na sobrevida durante a primeira infncia o
principal componente no prolongamento da vida mdia em
pases como o Brasil (Grficos 6 e 7).
14Veja a este respeito, por exemplo, Albuquerque e Oliveir