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Lindolfo Anderson Martelli Escatologia e Anticomunismo nas Assembléias de Deus do Brasil na primeira metade do século XX Florianópolis, março de 2010.

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Lindolfo Anderson Martelli

Escatologia e Anticomunismo nas Assembléias de Deus do Brasil

na primeira metade do século XX

Florianópolis, março de 2010.

Lindolfo Anderson Martelli

Escatologia e Anticomunismo nas Assembléias de Deus do Brasil

na primeira metade do século XX

Dissertação apresentada para

obtenção do título de Mestre em

História do Programa de Pós-

Graduação em História da Uni-

versidade Federal de Santa Ca-

tarina – UFSC.

Orientador

Prof. Dr. Artur César Isaia

Dedico este trabalho à pessoa mais importante

da minha vida. Ela é a responsável por grande

parte do que sou hoje. Seu amor incondicional por mim supera todas as barreiras. À Tânia,

minha mãe.

5

AGRADECIMENTOS

Neste momento em que se faz necessário agradecer, trago à

lembrança pessoas muito especiais e que fizeram parte da minha trage-

tória. Nesta ocasião é que me dei conta da dificuldade de expressar o

quanto sou tributário a elas por mais esta conquista. Foi então que me

deparei com uma imenssa dificuldade, pois percebi o quanto é difícil

agradecer. Talvez por gestos e ações seja mais fácil que por palavras,

pois nem sempre somos suficientemente claros quando nos expressamos

e raramente conseguimos traduzir com a magnitude necessária a nossa

gratidão.

Esse processo de rememoração despertou lembranças de pesso-

as muito especiais que estiveram presentes no meu processo educacio-

nal. Recordo-me de quando precisei morar na casa do tio Chico e da tia

Jú. Das vezes que a tia Jú me obrigava a fazer os trabalhos escolares,

mesmo após uma exaustiva tarde vendendo doces e salgados, sem a

mínima vontade de resolver os deveres. Não posso esquecer-me das

influências religiosas que exerceram sobre mim, quando tentavam me

conduzir pelos ―caminhos do Senhor‖. Minha gratidão por tudo que

fizeram, por mim e à minha família.

Recordo que na adolescência, em uma tarde de um dia qualquer,

ao tentar vender um bilhete de loteria, jamais poderia imaginar que

quem estava sendo premiado era eu. O que eu ganhei naquela tarde foi a

amizade, o amor, o respeito e a admiração de uma pessoa que além de

confiar em mim, financiou minha educação e me considerou um ente

familiar. Quero agradecer a Nilcéia Souza por ter me permitido trilhar

caminhos que jamais havia imaginado percorrer. Mais do que isto, quero

agradecer pelo fato de ter me acompanhado por boa parte deste percuso.

Logo que passei no vestibular recebi a mão mais do que amiga,

familiar, de Clóvis e Eliete Dal Vesco. Agradeço tanto pelo apoio quan-

to pelo carinho e consideração que dispensaram a mim e a minha família

nos últimos anos. Agradeço igualmente a Cláudio Dal Vesco que sem-

pre manteve a preocupação em me apoiar e prover condições para que

eu chegasse até aqui. Tenho certeza que meu desenvolvimento intelec-tual não seria o mesmo e dificilmente teria conquistado este título sem o

seu apoio.

Agradeço especialmente o pastor Valésio Aleluia da Silva e sua

esposa Luci Jorgelina da Silva, pela acolhida em Florianópolis. Sou

6

muito grato pela afetividade familiar, pela consideração e carinho duran-

te todos estes anos. Não existem palavras para descrever o quanto devo

das minhas conquistas ao apoio que sempre me deram.

Agradeço a Natanael Sérgio Maciel e Walery Lucy da Silva

Maciel, tanto por representarem minha família durante os anos que esti-

ve em Florianópolis, quanto pela amizade que nutrimos desde então.

Sou grato a todos/as os/as amigos/as que foram cruciais em

todos os momentos da minha vida acadêmica. Minha lista de amizades é

extensa e ficaria inviável citar todos/as, portanto optei em selecionar

àqueles que estiveram mais presentes durante esta minha fase de elabo-

ração da dissertação, desta forma quero agradecer especialmente à Fabí-

ola Maciel, Elizabeth Silva, Adna da Silva, Abgail Maciel, Alexsandra

S. Pereira, Gilmara de Oliveira, Soraia C. de Mello, Brenda M. Piazza e

Giordana C. Brighenti, a Paulo de Moura Ferro, Paulo Miorin, Cassemi-

ro Partala Neto, Eduardo Paegle, Eduardo M. A. Maranhão Fo. Rangel

Medeiros e Gerson Machado. Todo/as de alguma forma representam

muito para mim.

Expresso meus agradecimentos à Universidade Federal de San-

ta Catarina e especialmente ao Programa de Pós-Graduação em Histó-ria que forneceu toda a estrutura para que este trabalho pudesse ser rea-

lizado e ao Laboratório de Religiosidades e Cultura da UFSC.

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

e Tecnológico (Cnpq), pela concessão de bolsa durante o ano de 2009

que auxiliou no processo de desenvolvimento deste trabalho.

À Igreja Assembléia de Deus em Florianópolis, em especial aos

pastores Valtair Alves de Souza e Juvenil dos Santos Pereira.

À Associação Evangélica Beneficente de Assistência Social,

extenssivo a todos/as o/as funcionários/as e associados/as pelo tempo

que fui acolhido.

À Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD) pela

acolhida enquanto colhia fontes para esta pesquisa. Meus agradecimen-

tos em especial aos pastores Claudionor Correia e ao Isael Araújo que

permitiram o acesso aos arquivos.

Ao Prof. Dr. Artur César Isaia, um agradecimento especial, pela

orientação paciente e encorajadora durante o tempo em que estive cur-

sando as disciplinas e desenvolvendo essa dissertação; pela confiança

depositada no meu trabalho, obrigado pela amizade e pelas contribui-

ções intelectuais.

Agradeço especialmente a professoa Maria Amélia Schmidt

Dickie, pois sempre esteve disposta a contribuir com meu desenvolvi-

7

mento intelectual desde o período da graduação. Estou lisongeado por

contar com sua participação em mais uma etapa da minha vida acadêmi-

ca.

Ao professor Ricardo Silva, por suas contibuições com aponta-

mentos e indicações teóricas para o desenvolvimento deste texto.

À professora Eliane Moura da Silva pelas ricas contribuições

teóricas e metodológicas.

Às professoras Joana Maria Pedro e Claudete Ulrich que duran-

te o mestrado contribuíram significativamente para o meu crescimento

intelectual.

À minha turma de mestrado e aos funcionários/as e professo-

res/as do Programa de Pós-Graduação em História. Confesso que tenho

saudades tanto dos momentos de interação e diálogo acadêmico, quanto

daqueles dias em que a turma se reunia para jogar conversa fora e comer

um petisquinho logo após as aulas.

Agradeço à minha família, que embora estivesse longe, sempre

me deu apoio, acreditou em mim e forneceu todas as condições emocio-

nais para que eu prosseguisse com os estudos. Minha mãe e meus dois

irmãos Leandro e Cléber sempre foram a razão da minha dedicação.

8

VEM O DIA

Ja se vêem uns tons claros do arrebol...

E‘ o dia que surge a limpidez do Sol.

Foram—se as trevas; loira, casta e louçã,

A terra vestiu a roupagens da manhã.

Adornada qual esposa, em festim nupcial,

Espera alegremente, tão linda vestal,

O esposo, no aurifulgente esplendor da luz;

Assim tambem a eterna esposa de Jesus,

No correr vertiginoso dos dias em fora ...

Ve no curso das prophecias a bella aurora!

Passa mais um anno, no entanto permanece

A Palavra de Deus. O mundo então fenece,

Como a meiga flor ao entardecer do dia

Mas a egreja espera a sagrada epiphania!...

Plácido Aristóteles

Boa Semente (1926)

Alguém falou do fim-do-mundo,

O fim-do-mundo já passou

Vamos começar de novo:

Um por todos, todos por um

[...]E hoje em dia, como é que se diz:

"Eu te amo."?

Vamos Fazer um Filme / Renato Russo

(1993)

9

Resumo

Esta dissertação intitulada Escatologia e Anticomunismo nas Assembléi-

as de Deus do Brasil na primeira metade do século XX procura traçar

historicamente de que maneira o comunismo foi representado pelas

Assembléias de Deus. Para esta análise foi considerada a maneira como

articularam as questões que envolviam o comunismo como um discurso

teológico escatológico. Primeiramente são traçadas algumas considera-

ções sobre a origem do pentecostalismo tanto nos Estados Unidos quan-

to no Brasil, verificando as especificidades das Assembléias em territó-

rio nacional. Em seguida o trabalho procura analisar como o comunismo

foi representado levando em consideração as crenças escatológicas dos

assembleianos.

Palavras-chave: Escatologia, Milenarismo, Anticomunismo, Pentecos-

talismo, Assembléia de Deus.

10

Abstract

This dissertation titled Eschatology and Anti-communism in

the Assembly of God in Brazil in the first half of the twentieth

century demand to trace historically how Communism was

represented by the Assemblies of God. For this analysis was

considered the way they articulated the issues involved com-

munism as an eschatological theological discourse. First

present some considerations about the origin of Pentecostalism

in both the U.S. and Brazil, considering the specifics of the

Assemblies in the country. Then the paper analyzes how com-

munism was represented taking into account the Assembly in

the eschatological beliefs.

Keywords: Eschatology, Millenarianism, Anti-communism, Pentecos-

talism, Assembly of God.

11

Sumário

AGRADECIMENTOS _________________________________ 6

Resumo __________________________________________ 10

Abstract _________________________________________ 11

INTRODUÇÃO _____________________________________ 15

CAPÍTULO I _______________________________________ 22

O PENTECOSTALISMO E SUAS ORIGENS ________________ 22

O MOVIMENTO DE AZUZA STREET __________________________ 32

A SANTIFICAÇÃO COMO UM PROCESSO ______________________ 38

A FORMAÇÃO DO GENERAL CONCIL OF THE ASSEMBLIES

OF GOD (1914) __________________________________ 40

O SENTIDO DO PENTECOSTES ______________________________ 45

O PENTECOSTALISMO NO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO

SÉCULO XX _______________________________________ 50

ASSEMBLÉIA DE DEUS ____________________________ 55

ACOMODAÇÕES DO PENTECOSTALISMO _____________________ 58

A VOCAÇÃO MISSIONÁRIA DOS SUECOS ______________________ 60

PENTECOSTALIZAÇÃO DA IGREJA BATISTA ____________________ 62

O PROGRESSO DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS ___________________ 66

A IMPRENSA NAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS _____________ 68

BOA SEMENTE (1919 -1930) _______________________________ 73

O SOM ALEGRE (1929 – 1930) ______________________________ 75

MENSAGEIRO DA PAZ (1930 – 20**) _________________________ 77

CAPÍTULO II _______________________________________ 81

IMAGINÁRIO ESCATOLÓGICO E ANTICOMUNISTA ________ 81

CONSTRUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL E O ANTICOMUNISMO _____ 87

12

ORIGENS DO ANTICOMUNISMO NO BRASIL __________ 93

OS ANTICOMUNISMOS ___________________________ 97

O POSICIONAMENTO POLÍTICO DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS _____ 101

O COMUNISMO E OS SINAIS ESCATOLÓGICOS _______ 112

IDENTIFICAÇÕES DA BESTA E DO ANTICRISTO_________________ 117

EXPECTATIVAS ESCATOLÓGICAS ___________________________ 123

O COMUNISMO E A TRIBULAÇÃO __________________________ 127

REPRESENTAÇÕES DA RÚSSIA DO ANTICRISTO E DO

COMUNISMO _________________________________ 131

IMAGINAÇÃO TERIOMÓRFICA _____________________________ 134

COMBATENDO UM INIMIGO EM COMUM __________ 136

A GUERRA CIVIL NA ESPANHA E O DISCURSO ANTICOMUNISTA __ 140

A RÚSSIA E A EVANGELIZAÇÃO DO FIM DOS TEMPOS _ 142

A AMEAÇA DE ALCANCE GLOBAL DO COMUNISMO ___ 145

SEMITISMO E ANTICOMUNISMO ___________________________ 154

OS COMUNISTAS COMO SERES BESTIALIZADOS _______________ 163

EM NOME DA FAMÍLIA ___________________________________ 164

CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________ 168

ANEXOS ________________________________________ 173

Anexo I _______________________________________________ 173

Anexo II _______________________________________________ 174

Anexo III ______________________________________________ 175

Anexo IV ______________________________________________ 176

Anexo V _______________________________________________ 177

Anexo VI ______________________________________________ 178

Anexo VII ______________________________________________ 179

BIBLIOGRAFIA ___________________________________ 180

13

14

INTRODUÇÃO

O desejo de estudar o movimento pentecostal especialmente as

Assembléias de Deus foi decorrente do envolvimento com as primeiras

publicações da instituição e da análise do discurso deste material. Desde

1999 tenho acesso aos principais veículos de comunicação da igreja.

Quando em 2002 fui presenteado com alguns jornais pentecostais muito

antigos, dentre eles o Mensageiro da Paz, logo verifiquei muitos con-

trastes na forma como o discurso se apresentava em tempos diferentes.

De posse desse material, recebi a sugestão do meu orientador para que

estivesse atento para a forma como os assembleianos construiram a

própria identidade e de que maneira representaram seus inimigos e co-

mo articuralam isso discursivamente.

O contato com as fontes permitiu constatar que nelas estavam

presentes os pontos de vista, as interpretações teológicas, a orientação

para determinados comportamentos, o estabelecimento de normas e

valores, a construção, sobretudo, de um aparato simbólico legitimador

das ações e práticas que refletem diretamente na forma como a igreja se

apresenta hoje na sociedade. Logo após verificar a consistência de al-

gumas publicações o que chamou a atenção foi a freqüência com que

elas se remetem as questões doutrinas e as suas ligações com o mundo

secular, destacando aqui a doutrina do Batismo com o Espírito Santo e

das Últimas Coisas, a pneumatologia e a escatologia respectivamente.

Juntamente com a exposição do conteúdo dogmático e teológico era

perceptível a ligação que estes faziam com questões seculares como o

desenvolvimento científico, a política, a urbanização, e principalmente o

comunismo.

Realizar um amplo estudo sobre os diversos desdobramentos

que as compreensões escatológicas e pneumatológicas tiveram com as

questões seculares é praticamente impossível, entretanto em termos

gerais e teóricos esse trabalho se propõe a estabelecer algumas conside-

rações principalmente em relação à escatológia e as questões que se

ligavam a um discurso anticomunista.

Ao delimitar o objeto de pesquisa procurarei perceber de que

forma o comunismo foi imaginado pelas Assembléias de Deus, quais

eram as imagens utilizadas para descrevê-lo, de que maneira ele era

representado. Logo foi possível perceber as ligações entre a defesa

dogmática e as questões seculares pela forma como se reportava ao co-

munismo relacionando-o às forças do ―mal‖, a ―besta‖, ao ―demônio‖. A

15

partir daí, procurarei verificar de que forma esse discurso foi articulado

e que tipo de compreensão teológica levava os assembleianos a terem

determinadas posturas com relação ao comunismo.

A proposta da dissertação foi investigar como se processou a

constituição de um imaginário anticomunista dentro das Assembléias de

Deus na primeira metade do século XX. Uma das formas de fazer isso

foi analisando como a literatura da igreja se reportava as questões esca-

tológicas e as relacionava com o comunismo. Devido ao fato de que a

produção literária estava vinculada diretamente a influências exógenas,

principalmente estadunidensse, este trabalho também se preocupou em

recuperar quais eram essas influências e qual o papel delas na constru-

ção da identidade assembleiana no Brasil.

A preocupação da Assembléia de Deus desde o princípio era

muito clara: divulgar a doutrina, alcançar o maior número de adeptos e

formar uma teologia legitimadora do pentecostalismo. A imprensa teve

um papel de destaque nessa missão, cria-se o jornal Boa Semente na

cidade de Belém do Pará em 1919, dez anos depois com o crescimento

da denominação e a migração do missionário Vingren para o Rio de

Janeiro ele dá início ao O Som Alegre. Na Primeira Convenção Geral

das Assembléias de Deus no Brasil em 1930 ocorreu a fusão dos dois

periódicos que dão origem ao jornal Mensageiro da Paz.

A imprensa foi o instrumento mais eficiente de doutrinação des-

te período. Mesmo ante uma boa parcela da população sem acesso a

leitura verifica-se pelo discurso do próprio jornal que os fiéis tinham

acesso ao seu conteúdo direto (lendo, vendo fotos) ou indiretamente

(ouvindo alguém pregar ou expor conceitos). Reconhecer no jornal suas

características, traços de interesses, as omissões (silêncios) e ênfases, a

inspiração do conteúdo, o papel das vozes autorizadas, as condições na

qual foi construído, o papel da imprensa como espaço de representação

do real1 ou seja, questionar tanto a fonte como os critérios para a sua

produção foi uma das preocupações desta dissertação.

A literatura da igreja foi analisada sob a ótica do documen-

to/monumento2 proposta por Jacques Le Goff, verificando as condições

1 CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contex-to/EDUSP, 1988, p.20. 2 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e memória. Campinas, São Paulo: 2 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e memória. Campinas, São Paulo:

Editora da Unicamp, 1996.

16

da sua produção, sob o prisma da sociologia dos textos,3 proposta por

Chartier. Ou seja, existem critérios que precisam ser avaliados extra-

materialidade do jornal e do conteúdo que nem sempre estão patentes

nas páginas dos impressos, são os bastidores4, que a medida do possível

esse trabalho procurou evidenciar.

Outra preocupação do trabalho foi verificar se houve e quais os

critérios de certo acompanhamento do discurso anticomunista assem-

bleiano ante aos demais discursos anticomunistas recorrentes no mesmo

período no Brasil. Este trabalho propõe discutir de que forma imbricam-

se os discursos anticomunistas produzidos no Brasil, as proximidades e

distanciamentos. Estudos sobre a constituição deste imaginário surgiram

nos últimos anos contribuindo para um melhor esclarecimento sobre o

tema. Como sugere Rodrigo P.S. Motta, seria melhor nos reportarmos a

anticomunismos, visto a diversidade como ele ocorre, os projetos diver-

sos de ataque compõem a heterogeneidade contra o inimigo em comum,

―o aspecto ideológico em questão é tão amplo que vai da direita para a

esquerda, reunindo reacionários, conservadores, liberais e esquerdis-

tas‖.5

A primeira onda anticomunista, como estabelece Motta, tem i-

nício nos primeiros meses de 19276 e foi evidenciada na imprensa as-

sembleiana com ataques atrozes a um inimigo que surgia no outro lado

do mundo. Embora as manifestações anticomunistas já começassem a

ocorrer modestamente logo após a Revolução Russa de 1917, a questão

social e os riscos políticos a ela ligados ainda não eram associados de

maneira predominante ao comunismo, inclusive pela evidência do mo-

vimento anarquista que acabava tendo mais visibilidade que os seguido-

res de Lênin.7 O crescimento do Partido Comunista Brasileiro, a adesão

do líder tenentista Luiz Carlos Prestes ao partido, a formação da Aliança

Nacional Libertadora e principalmente a Intentona Comunista, é que

3 CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel, Rio

de Janeiro: Bertrand, 1990, p.99 4 LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In:PINSKY, Carla Basanezi (org). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 141 5MOTTA, Rodrigo P. S. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil

(1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002, p.16 6 Para Rodrigo P. S. Motta o anticomunismo passa a ser tratado com uma questão em função da

Legalidade do PCB e a criação da ―Lei Celerada‖ na tentativa de inibir a atuação dos movi-

mentos de esquerda. 7 Ibidem, p.07-13;XXI

17

comporão definitivamente as estruturas que consolidarão a disseminação

do anticomunismo no Brasil na década de 1930.8

A presente pesquisa contribui para o estudo da história do pen-

tecostalismo no Brasil, abordando um período pouco estudado desse

movimento. O discurso anticomunista assembleiano será analisado até

meados da década de 1950, tanto porque corresponde ao primeiro des-

dobramento do anticomunismo no Brasil, ou onda anticomunista, como

porque refere-se a presença de um modelo de pentecostalismo que foi

hegemônico até esse momento. Os primeiros anos que seguem o fim da

Segunda Guerra são marcados por um ameno discurso anticomunista

sendo que se intensifica a partir da década de 1960.

O discurso escatológico assembleiano que permeará pratica-

mente todo o discurso anticomunista, foi considerado como produto de

variáveis históricas e não pautado em premissas ontológicas e dogmáti-

cas. Pensar o anticomunismo analisando a escatologia9 assembleiana

limita-se a refletir de que forma as demandas sociais e históricas molda-

ram a construção teológica e as compreensões sobre a história e a socie-

dade.

8 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit., 2002, passim. 9 Na tradição cristã, o termo ―escatologia‖ (gr. escatha, ― as últimas [coisas]‖), designa as

idéias concernentes ao fim do mundo ou aos eventos que atingirão seu termo com o Juízo Final. Associado ao termo escatologia estão as palavras ―milenarismo‖ ou ―quiliasmo‖ (deri-

vadas respectivamente do latim mille e do grego chilias, ―mil‖) remetem, em seu sentido

primeiro, à espera de um reino de mil anos sob a égide de Cristo, de volta à terra antes do Juízo Final. Em sentido mais amplo, entende-se por elas todas as esperanças, todas as aspirações de

conotações religiosas prevendo o surgimento sobre a terra de uma ordem perfeita, de certa

forma paradisíaca. O termo ―escatologia‖ foi desenvolvido por Philipp Henrich Friedlieb‘s no seu Dogmatics (1644) e seguido por Abraham Calov no seu Voluminous Systema Locorum

Theologicorum (1655-77). O teólogo luterano Johann Gerhard no seu Loci Theologici (1610-

22) compilou doutrinas que ele considerava das ―últimas coisas‖ [En. ―last things”]. O termo escatologia de acordo com Colov se aplica ao schaton ―o fim‖ que no discurso teológico deve

ocorrer após Cristo ter subjugado todos os poderes e autoridades. Compõem o “schaton” as

ultimas coisas, o último dia (s) como a consumação da história, a ressureição dos mortos, o acórdao último da consumação do mundo, a presença do inferno, a morte eterna e a vida

eterna na Comunidade de Deus. De acordo com Paul Althaus a ―escatologia‖ se apresenta

como um argumento contra a ―ciclicidade‖ do pensamento grego que inviabilizava qualquer noção da história enquanto processo no seio da cultura helênica. Cf. SAUTER, Gerhard.

Protestant Theology. In: WALLS, Jerry L. The Oxford Handbook of Eschatology. New York:

Oxford University Press. 2008, p.248. e LE GOFF, Jacques. SCHMITT, Jean-Claude. Dicio-nário Temático do Ocidente Medieval. Bauru, SP. EDUSC,2006. p.353; Paul Althaus. Die

letzten Dinge: Entwurf einer christlichen Eschatologie. Gütersloh: Bertelsmann, 1922. Refe-

rendado por Jacques Le Goff. ―Escatologia‖ In: ―Memória-História‖. Enciclopédia Einau-di.Vol.1. Lisboa: Casa da Moeda, 1984,p.425.

18

Algumas análises sociológicas permitirão refletir sobre os pro-

cessos de construção identitária. O suporte teórico para entender os

processos de nomização10

e legitimação11

são requeridos de Peter Ber-

ger. Ele parte da premissa que a legitimação religiosa pretende relacio-

nar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal,

sagrada, de maneira que as construções da atividade humana, intrinse-

camente precárias e contraditórias, recebem, assim, a aparência de defi-

nitiva segurança e permanência. Ou seja, através da sociologia de Ber-

ger será possível evidenciar como os nomoi12

humanamente construídos

ganham um status cósmico.13

Interpretar o discurso anticomunista prin-

cipalmente pelo viés escatológico ao qual ele se remete admitirá tal

arcabouço teórico.

A maneira como o pentecostalismo interpreta a escatologia, os

sinais do fim dos tempos, está intrinsecamente ligado à própria existên-

cia do movimento. O batismo com o Espírito Santo, o crescimento pen-

tecostal, o reavivamento espiritual, os dons espirituais,14

são evidências

da segunda volta de Cristo. De tal forma compõe os sinais do fim, a

ideologia bolchevique,15

o ateísmo, a falta de fé, violência, idolatria,

materialismo, progresso tecnológico e das ciências, a fome, miséria, a

destruição da moral e da familia, o divórcio, sindicalismo, revoluções,

violência, imoralidade, deturpação dos costumes e tradições, o antisemi-

tismo, ou seja, tudo que entendiam como mundanismo. Frequentemente

esses valores e comportamentos foram atribuídos aos comunistas.

Os comunistas foram representados sob a égide do mal, fre-

quentemente relacionados ao demônio, Anticristo e ao pecado. Estereo-

tipado às imagens de figuras assustadoras, ―bestas‖, animais perigosos,

agentes patológicos, associado às barbaridades e ao retrocesso civiliza-

tório, o comunismo ganhou forma e atributos desqualificantes. Toda a

linguagem usada nos jornais para interpretar os sinais dos tempos esta-

va carregada de sentidos, símbolos e imagens dotados de poder capazes

10 Compreende as estruturas que visam estabelecer uma ordem compreensiva de todos os itens que possam ser objetivados linguisticamente. 11 Por legitimação entende-se todo o saber socialmente objetivado que serve para explicar a

ordem social. 12 Gr.νομοί (nomoi), remete-se as leis, normas e padrões humanamente acordados. 13 BERGER, Peter. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. 2ed.

São Paulo: Paulus, 1985, passim. 14 Uma série de habilidades especiais que se julgam provenientes do Espírito Santo. Tais

habilidades possibilitam aos homens a capacidade de curar enfermidades, interpretar sonhos,

profetizar, falar em línguas ou interpretá-las, ter visões, exorcizar demônios entre outros. 15 Som Alegre, Maio de 1930, p.03.

19

de estruturar a própria vida e a percepção da realidade. Os assembleia-

nos identificavam nas doutrinas, crenças, profecias e revelações a res-

posta para os acontecimentos históricos.

Este trabalho será abordado sob o prisma das representações,

sendo que o conceito será utilizado de maneira abrangente, entendendo

que dele fazem parte o imaginário, as construções mentais, a formulação

de signos e imagens por meio dos quais os homens interpretam e dão

sentido à realidade. A discussão nesse sentido contará com as considera-

ções de Roger Chartier. O autor propõe que as representações dizem

respeito, as divisões e delimitações que organizam a apreensão do mun-

do social como categorias fundamentais de percepção e de apreensão do

real e que estas são sempre marcadas pelos interesses dos grupos que as

forjam.16

Chartier chama a atenção para o poder que as representações

possuem no grupo social, pois elas são capazes de produzir respeito e

submissão. Agindo como instrumentos produtores de imposições interi-

orizadas, as representações têm o poder de se impor de modo eficaz lá onde falta o possível recurso da força bruta.

17

Nessa perspectiva o discurso anticomunista assembleiano é im-

pregnado de símbolos visando direcionar os comportamentos a uma

atitude de repulsa e alteridade. Procurando entender as formas como os

signos se processam, Pierre Bourdieu reforça a idéia que, é próprio da

eficácia simbólica não poder exercer-se senão com a cumplicidade, ou

seja, a legitimidade simbólica do discurso só terá eficácia na medida em

for reconhecida. A sociologia bourdieusiana ajuda a ler criticamente o

discurso religioso, municiando-nos de armas de resistência específicas

para combater os efeitos de autoridade. Bourdieu defende que os bens

simbólicos atuam como um poder que consegue criar significações e

impô-las como legítimas. Os símbolos afirmam-se assim, como os ins-

trumentos por excelência da integração social, tornando possível a reprodução da ordem estabelecida.

18 De acordo com Bourdieu os porta

vozes que transmitem a mensagem religiosa são dotados de um poder

que os possibilita agir em nome do grupo, como se detivesse uma procu-ração para tal.

19

16 CHARTIER, Roger.1990, op.cit., p.17 17 CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietude. Porto Ale-

gre:UFRGS, 2002, p 75. 18BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução: Sérgio Miceli et al. 6.ed.

São Paulo: Perspectiva, 2005, p14. 19 BOURDIEU, Pierre. A economia das Trocas Lingüísticas: O que Falar Quer Dizer. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Ática, 2008, p. 82.

20

Na primeira parte deste trabalho as abordagens estão relaciona-

das principalmente com as questões que dizem respeito a sistematização

e compreensão de como as Assembléias de Deus se estabeleceram no

Brasil. As análises procuram demonstrar de que maneira o pentecosta-

lismo norte americano que influenciou o movimento pentecostal no

Brasil do início do século XX. Neste capítulo estão presentes algumas

considerações importantes sobre os periódicos das Assembléias de Deus

e o tipo de mensagem que veiculavam.

O último capítulo procura mostrar como um discurso anticomu-

nista gestado nos Estados Unidos chegou ao Brasil através do discurso

teológico pentecostal. A partir da análise e relações entre os periódicos

nacionais e internacionais foi possível verificar que houve uma apropri-

ação de um discurso escatológico estadunidensse que tinha objetivos

políticos bem definidos.O conceito de representação foi muito útil para

interpretar a forma como os assembleianos construíram sua própria

identidade e ao mesmo tempo desqualificaram os comunistas, represen-

tando-os como agentes do mal.

21

CAPÍTULO I

O PENTECOSTALISMO E SUAS ORIGENS

No final do século XIX, evangelistas do movimento da santida-

de [holiness] foram muito importantes no cenário protestante, decorrente

principalmente da influência do movimento Keswick, criado pelos evan-

gelistas W.E.Boardman, Robert Pearsall Smith e sua esposa Hannah

Whitall Smith. A partir de 1875 concentrações de ensino e estudo da

escrituras eram realizadas anualmente no Keswick Convention for the Promotion of Pratical Holiness, realizados em English Lake District, no

nordeste da Inglaterra. Uma das principais razões para a importância

desse movimento no cenário religioso do século XIX se deve principal-

mente ao fato de que ele representa um marco referencial teológico na

adoção do premilenarismo e na defesa que a chegada de um novo Pente-costes preconizaria o breve retorno de Cristo,

20[soon coming King]. Em

Keswick a idéia prevalecente era da proeminente volta de Jesus Cristo.

Nesses encontros anuais tanto metodistas quanto adeptos de outros gru-

pos religiosos declaravam-se entregues a uma experiência de santidade,

onde o objetivo principal era a busca pela pureza das intenções e erradi-

cação do desejo pecaminoso na espera da parousia.21

Segundo a historiadora Edith W. Blumhofer muitos preceitos ali

ensinados tambem se popularizaram nos Estados Unidos e contribuíram

para a formação de conceitos e linguagens que foram adotadas posteri-

ormente pelo movimento pentecostal.22

Nestas conferências anuais era

professado a idéia de que todos deveriam buscar uma vida superior [hi-

gher life] como uma segunda experiência na ordem da salvação. Essa

experiência marcada principalmente por evidências físicas e emocionais

era interpretada como uma preparação dos crentes para a realização de

feitos extraordinários, para o testemunho e a obra de evangelização.

Principalmente a partir de eventos que reuniam grandes concentrações

20 ANDERSON, Allan. An Introduction to Pentecostalism: Global Charismatic Christianity.

New York: Cambridge University Press. 2004, p. 30. 21 BURGESS, Stanley M. MAAS, Eduard M. Van der. (orgs). The New International Dictio-nary of Pentecostal and Charismatic Movements. Michigan, EUA: Zondervan Publishing

House, 2003.p.589 22 BLUMHOFER, Edit Waldvogel. The Assemblies of God: A Popular History. Springfield, Missouri: Gospel Publishing House, 1985,p.15.

22

de pessoas como em Keswick, a experiência de revestimento de poder

chamada de Batismo com o Espírito era muito frequente.23

Na virada do século XIX muitos grupos religiosos defendiam

que a humanidade estava literalmente vivendo os dias que antecediam o

retorno de Jesus Cristo. Muitos acreditavam que os últimos dias seriam

precedidos por bençãos especiais. Essas bênçãos ficaram conhecidas

entre os protestantes estadunidensses como latter rain revival, ou avi-

vamento da chuva serôdia24

. O conceito de salvação plena, (espírito,

alma e corpo) muito enfatizado pelos grupos ligados ao movimento da

santidade, reforçava a necessidade de ser santo em razão da proximidade

da volta de Cristo.25

Aqueles que acreditavam na chuva serôdia afirma-

vam que a volta de Cristo seria prenunciada por um avivamento muito

grande, e que inclusive os dons espirituais relatados no Novo Testamen-

to poderiam ser restaurados com a proximidade do fim dos tempos.

Alguns grupos ligados ao movimento da santidade compreendi-

am que manifestações religiosas semelhantes às relatadas no Novo Tes-

tamento, referentes ao período apostólico, estavam sendo restauradas em

decorrência da proximidade do fim dos tempos. Esses grupos ficaram

conhecidos como restauracionistas.

Muitos líderes restauracionistas defendiam que Deus havia lhes

concedido poderes tal como na era apostólica, dando-lhes a capacidade

de curar enfermidades mediante a fé e através do uso do nome de Jesus

Cristo. Os restauracionistas acreditavam que a expiação de Cristo na

cruz, promoveu a cura para o corpo da mesma maneira que a cura da

alma.26

Em oposição a essa compreensão, muitos protestantes atribuíam

as curas a uma superstição católica e afirmavam que as curas divinas

não eram mais possíveis naqueles dias.

A realização das curas geralmente era acompanhada por pala-

vras que visavam acabar com o mal, eliminar a dor e a doença. As pala-

vras possuiam uma condição de performatividade sancionadas naquela

religiosidade. Segundo Bourdieu frequentemente as religiões se valem

23 WACKER Grand. Heaven Below: early Pentecostals and American Culture. 2 ed. Cam-

bridge, Massachusetts and London, England: Harvard University Press, 2003, p.02 24 Chuva serôdia se remete a uma expressão bíblica que está relacionada as chuvas tardias. A

partir do movimento da Santidade ela passou a representar uma manifestação definitiva da

glória do Espírito Santo nos dias que antecedem o fim da história. 25 BLUMHOFER, Edith L. Restoring the faith: the Assemblies of God, pentecostalism, and

American culture. Chicago: University of Illinois Press, 1999, p.13 26 [They insisted that Christ‟s atonement on the cross provided healing for the body just as it provided healing for the soul]. Cf.WACKER Grand. 2003, op.cit., p.03.

23

de uma retórica cuja pretensão é a de agir sobre o mundo social ou agir

magicamente. Essa performatividade nada mais é que um enunciado que

comporta uma pretensão manifesta de possuir este ou aquele der.

27Compõem estes enunciados as palavras proferidas para a cura, a

repreensão dos espíritos maus, o recebimento de dons, mas também

podem ser destinadas a mudar o rumo da política, do clima, das condi-

ções sociais, entre tantas aplicações.

Segundo Grant Wacker nos Estados Unidos muitas aspirações

sectárias daqueles tempos também influenciaram o ethos evangelical em

relação às compreensões escatológicas. De forma que os protestantes

frequentemente se ajustavam a algumas aspirações escatológicas dos

adventistas, mórmons, espíritas, cientistas cristãos e testemunhas de

Jeová.28

Nesse sentido estão as afirmações de Alberto Antoniazzi ao

endossar a idéia que havia uma expectativa de grande avivamento que

marcaria a virada do século em vários grupos ―pré-pentecostais‖. Em

suas palavras:

Havia nesses grupos uma expectativa, atiçada pela

virada do século, de que o iminente fim do mundo

fosse precedido por um grande avivamento marcado

pelo fenômeno glossolálico da Igreja Primitiva. Em

meios a exemplos esporádicos de glossolalia, a sín-

tese doutrinária que permitiu o surgimento do pen-

tecostalismo como movimento distinto foi alcança-

da por volta de 1900 por um dono de escola bíblica

em Kansas chamado Charles Parham: as línguas e-

ram a evidência do batismo com o Espírito Santo.29

Uma das reinvindicações dos restauracionistas era de que toda

a cristandade deveria viver em simplicidade, tal como Jesus Cristo e a

igreja primitiva. A ênfase que colocavam em cima de uma origem co-

mum, desencadeava a busca por uma unidade e por uma identidade que

se remetia aos tempos apostólicos. Consequência disto foi que as aspira-

ções restauracionistas nutriram uma espécie de antidenominacionalismo.

Segundo Blumhofer o restauracionismo modelou o pentecostalismo, de

27 DUCROT, O. Illocutoire et Performatitf, em Linguistique et Sémiologie. 4, 1977, p.17-54, Apud. BOURDIEU, Pierre.2008, op.cit.,p.62. 28 WACKER Grand.2003, op.cit.,p.04. 29ANTONIAZZI, Alberto. (et.al) Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994, p.74

24

tal forma que as igrejas na corrida para preservar um caráter apostólico

se proclamavam ahistóricas ou afirmavam existir independemente das

correntes históricas, anelando redescobrir o evangelho puro.30

Restorationists promoted assumptions of Christian

unity and simplicity. They reminded believers of

their fundamental oneness in Christ. In focusing on

the unity of the early church, they ignored the tur-

moil and heterodoxy that had characterized Chris-

tian beginnings. Amphasis on shared origins pro-

moted hopes of renewed family harmony and opt-

mism about rediscovery of the "pure" gospel.31

Tanto os restauracionistas do movimento da santidade e poste-

riormente os pentecostais experimentaram um profundo sentimento de

perda cultural. A invasão da modernidade era um inimigo sinistro que

representava a derrocada dos valores e da teologia, deslocando os indi-

víduos de suas crenças fundamentais. A convicção de que os valores

culturais defendidos pela cultura secular eram contrarios a fé verdadeira,

denota a forma como compreendiam o mundo. Eles acreditavam que a

Bíblia oferecia todas as ferramentas para perfeita compreensão da reali-

dade, que aos outros não era possível.

O pentecostalismo emergiu como um discreto movimento reli-

gioso que defendia uma visão de mundo ajustado modelo restauracionis-

ta, avivalista e teleológico. Dentro de uma compreensão da história em

termos dispensacionalistas,32

estavam certos que viviam os dias da res-

30 BLUMHOFER, Edit L. 1993, op.cit.,p.13. 31 Os eestauracionistas promoviam pressupostos de unidade e simplicidade cristã. Estavam

preocupados em mostrar aos crentes a unidade fundamental em Cristo. Ao centrar-se sobre a

unidade da igreja primitiva, eles ignoraram a crise e heterodoxia que tinha caracterizado os primórdios do cristianismo. A ênfase sobre as origens comuns promovia esperanças de harmo-

nia familiar e renovava o otimismo da redescoberta do "evangelho puro‖. [tradução minha] Cf.

BLUMHOFER, Edit L. 1993, op.cit.,p.13. 32 O dispensacionalismo é uma interpretação teológica que possui entre seus principais formu-

ladores o teólogo irlandês John Nelson Darby (1800-82), e entre um dos seus principais é

destacada a figura de Cyrus Scofield (1843-1921), queatravés da Bíblia de Referência Scofield (1909) sistematizou e popularizou o dispensacionalismo. Para Darby o plano de salvação de

Deus estava relacionado com o momento histórico ao qual o homem teve contato com o cria-

dor. Ele defendia que Deus se relaciona com o homem obedecendo a realidade de cada época e, portanto agia de forma diferente em cada dispensação [era/época/período histórico]. Darby

defendia que uma série de profecias haviam se concretizado com Jesus e a sua crucificação,

porém outro ciclo teria início com o "Arrebatamento"32 [Rapture] dos salvos, momento em que todos os crentes irão encontrar Cristo nos ares. Scofield defendia que a história da humanidade

25

tauração, marcado por uma antecipação do retorno de Cristo. A análise

das profecias lhes dava a nítida certeza de que uma intensa fé e pureza

associada ao retorno das experiências apostólicas evidenciariam esse

momento33

. Segundo Blumhofer dentro dessa compreensão restauracio-

nista tanto os crentes ligados ao movimento da santidade, quanto os

pentecostais que mantinham essa visão tinham muito nítido em sua as-

cese que podiam cooperar com as presumíveis intenções de Deus.

Since the people whose restorationist

hopes most directly shaped American

Pentecostalis were premillennialists ar-

dently committed to the belief that theirs

were the last days, they generally expected

Gods's imminent intervention in history;

they also sought ways to cooperate with

God's presumed intentions.34

É seguindo essa compreensão restauracionista e escatológica

que em 1925 o jornal Boa Semente das Assembléias de Deus no Brasil,

cujo artigo intitulado O Segundo Advento de Christo advertia que os

crentes nesse mundo deveriam levar em consideração a esperança na

segunda vinda de Cristo, a qual compreende três passos. Eles afirmam

que em primeiro lugar era missão do cristão estar preparado, em segun-

do estar atento a todos os acontecimentos e a própria vida espiritual em

atitude de vigilância, e em terceiro afirmava que os crentes deveriam

estar preocupados em apressar a vinda do dia de Deus.35

Muitas vozes restauracionistas popularizaram a idéia de cura

através da expiação no calvário. O anseio de restauração trazia os mila-

gres da igreja primitiva para a realidade dos crentes. Na retórica daque-

les dias muitos evangélicos esperavam que as chuvas temporãs, símbolo

era composta de sete dispensações: da Inocência, da Consciência, do Governo Civil, da Pro-

messa, da Lei, da Graça, e do Reino. Além disso, o dispensacionalismo faz uma nítida distin-ção entre Israel e a Igreja, que representam essencialmente dois povos de Deus Cf. HARRIS,

Harriet A. Fundamentalism and Evangelicals. New York. Oxford University Press, 2008, p.23;

BURGESS, Stanley M. MAAS, Eduard M. Van der. (orgs). 2003. op.cit.,p.1094. 33 WACKER, Grant. F. In: HUGHES, Richard. The American Quest for the Primitive

Church.Urbana: University of Illinois Press, 1988, p. 196-219. 34 No início os restrauracionistas , principalmente os pentecostais norteamericanos foram comprometidos com a crença de eles eram parte dos últimos dias, esperavam a iminente inter-

venção divina na história mantendo-se preocupados em cooperar com as presumíveis intenções

divinas. BLUMHOFER, Edit L.1993, op.cit.,p.13. 35 Boa Semente. Julho de 1925, n.49, p.02.

26

dos sinais e maravilhas ocorridos em Atos, dessem lugar à chuva serô-

dia, uma manifestação definitiva da glória do Espírito Santo no fim da

história. Essa imagem das bençãos de Deus representada pelo ciclo de

chuvas narrados no Antigo Testamento provém das interpretações esca-

tológicas que faziam dos textos do profeta Joel.36

No jornal Mensageiro

da Paz o subtítulo do artigo intitulado A Chuva Serória é A Repetição

do Pentecostes. Nas linhas que seguem a esse subtítulo encontramos

uma associação entre a chuva seródia da narrativa bíblica como alegoria

do progresso da pregação do evangelho na igreja primitiva e da chuva

seródia que é anunciada como uma repetição do derramamento de ben-

çãos divinas para aqueles dias, considerados os derradeiros da história

humana. Assim como as chuvas temporãs e seródias foram

dadas no derramamento do Espírito Santo, ao inau-

gurar-se a obra do Evangelho, afim de determinar a

germinação da preciosa semente (Joel. 2:23), assim

também a chuva seródia há de ser dada, por ocasião

da última ação da pregação evangélica, para deter-

minar o amadurecimento da serara e a preparação

do povo de Deus, para que o mesmo possa subistir

quando Jesus vier.37

Por volta de 1900, Charles Fox Parham, um dos principais per-

sonagens relacionados ao surgimento do movimento pentecostal, viajou

para Chicago com o propósito de conferir de perto avivamentos religio-

sos que pregavam o restauracionismo. Estes grupos defendiam a possi-

bilidade de viver nos moldes da igreja primitiva. A tônica de suas men-

sagens fortalecia o senso de que era possível viver experiências espiritu-

ais semelhantes às vividas pelos apóstolos de Cristo. Certamente Pa-

rham já tinha muita familiaridade com as doutrinas restauracionistas

36 Joel 2.23;32. “...regozijai-vos e alegrai-vos no SENHOR vosso Deus, porque ele vos dará

em justa medida a chuva temporã; fará descer a chuva no primeiro mês, a temporã e a serô-dia. E as eiras se encherão de trigo, e os lagares transbordarão de mosto e de azeite. ...E

comereis abundantemente e vos fartareis, e louvareis o nome do SENHOR vosso Deus, que

procedeu para convosco maravilhosamente; e o meu povo nunca mais será envergonhado... E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, vossos filhos e vossas

filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. E também

sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito. E mostrarei prodí-gios no céu, e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a

lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR. E há de ser que todo

aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo...‖(Almeira Corrigida e Revisada, 1994). 37 Mensageiro da Paz. Maio de 1936, n.10, p.05.

27

ensinadas nas igrejas que iria visitar e não foi movido por uma inocente

curiosidade que se dirigiu até esses grupos.

No norte de Chicago Parham frequentou a comunidade liderada

por John Alexander Dowie (1847-1907), a Christian Catholic Church,

em Zion38

(Sião), Illinois. Dowie defendia que a verdadeira restauração

à era apostólica, dependia do total afastamento das pessoas de coisas

que representassem o pecado (inclusive o afastamento geográfico como

fez com sua comunidade), além da abstenção dos vícios, dos medica-

mentos, do fumo, das bebidas alcoólicas, dos tratamentos médicos, e

alimentos derivados do porco39

.

De Chicago Parham segue rumo New York, onde frequentou a

comunidade liderada por Albert Benjamin Simpson, a Christian and

Missionary Alliance. A. B. Simpson era um dos maiores líderes religio-

sos de seu tempo, ele fez do evangelho da cura o maior tema do seu

ministério, além de defender o prémilenarismo dispensacional e o Arre-

batamento da igreja seguido de sete anos de Tribulação.40

De New York seguiu para, Shiloh, Maine, onde participou de

cultos e escolas bíblicas na Holy Ghost and Us Biblie School, liderada

pelo pastor batista Frank Sandford. Durante uma escola bíblica com a

presença de Parham, a estudante Jeannie Glassey teve uma experiência

espiritual vindo a falar um dialeto africano. De acordo com o relato de

Parham tanto para a estudante quanto para os demais presentes o fenô-

meno representava um sinal claro da chamada divina para que ela reali-

zasse trabalho missionário na África. Segundo o historiador Vinson

Synan esta foi a primeira vez que Parham teve contato com aquela ma-

nifestação, todavia James Goff Jr. contesta essa versão alegando que há

fortes indícios de que Parham já tivesse conhecimento do fenômeno

glossolálico muito tempo antes. É muito provável que pelo menos dois

anos antes Parham já tivesse conhecimento desta manifestação, pois já

conhecia Sandford. 41

Retornando à Topeka, Parham se tornou um dos grandes pro-

motores da teologia restauracionista. Em dezembro de 1900, na sua

38 O nome da região foi uma iniciativa dos restauracionistas. A esperança de que Cristo retor-nasse para a bíblica Sião, fez com que Dowie batizasse a região de instalação da sua comuni-

dade com esse nome. 39 BLUMHOFER, Edit Waldvogel. 1985, op.cit., p.17 40 WACKER Grand. 2003, op.cit.,p.02 41 Cf. GOFF Jr. James R. Fields White unto Harvest: Charles F. Parhan and Missionary Ori-

gins of Pentecostalism. Fayetteville: University of Arkansas Press, 1988, p. 72-74; SYNAN, Vinson.1997, op.cit., p. 90

28

escola bíblica, Parham levou os alunos a reconhecer através do estudo

dos grandes princípios do movimento da santidade a existência da cura

divina e da necessidade do retorno aos bons anos dourados [good old days] que o cristianismo primitivo representava.

42. Ele propôs aos seus

alunos que encontrassem nas sagradas escrituras evidências do batismo

com o Espírito Santo.

No dia 31 de dezembro de 1900 após um longo estudo do livro

de Atos dos Apóstolos, cujo principal ensinamento de Parham era que o

batismo com o Espírito Santo vinha acompanhado do falar em línguas,

como no dia que os apóstolos estavam reunidos com os demais cristãos

no cenáculo em Jerusalém. Após algum tempo de estudos uma jovem

chamada Agnes N. Ozman solicitou a Parham que orasse por ela. Após

a meia noite, já no século XX, Agnes Ozman começou a falar em lín-

guas. Agnes teria falado o idioma chinês [speaking in the Chinese lan-guage] enquanto uma auréola de santidade circuncidava sua cabeça e

seu rosto [halo seemed to surroung her head and face]. 43

Nessa narrati-

va Parham representou o fenômeno através da tradicional forma de re-

presentação da santidade das iconografias do cristianismo, cuja auréola

simboliza o santo e consagrado a Deus.

De acordo com Parham, por mais três dias Agnes Ozman falava

e escrevia em caracteres chineses, sem conseguir falar em inglês. Nos

próximos dias outros alunos afirmavam terem recebido a mesma experi-

ência, porém cada um falava em línguas distintas que eles reconheciam

como sendo, francês, alemão, sueco, japonês, húngaro, russo, italiano,

espanhol, norueguês, entre outras. Pouco tempo depois o próprio Pa-

rham afirmou ter recebido a experiência. Para ele o Espírito Santo tinha

o propósito de lhes ensinar outros idiomas com intuito de facilitar a obra

missionária no exterior, acelerar a evangelização mundial e conseqüen-

temente a própria volta de Cristo.44

Após 1901, Parham fechou a Escola Bíblica Betel em Topeka e

viajou a várias regiões dos Estados Unidos como pregador itinerante.

Foi professor por muito tempo em Cincinnati, na escola Bíblia God‟s Bible School de Martin Wells Knapp e depois voltou ao Texas para a

cidade de Houston em 1903.

42 SYNAN, Vinson. The Holiness-Pentecostal traditions: Charismatic movements in the twen-tieth century. 2.ed. Gran Rapids, Michigan / Cambridge, U.K:Wm. B. Eerdmans Publishing

Co. 1997.p. 90 43 SYNAN, Vinson.1997. op.cit., p. 90-91 44 Ibidem, p.92

29

Em 1905 um jovem negro e pobre chamado William Joseph

Seymour, foi para Houston com intúito de reencontrar alguns parentes e

muito provavelmente conseguir um bom emprego. Nascido na Louisia-

na, ele era descendente de escravos e já havia residido nos estados de

Indiana, Ohio e Illinois. Em Indianápolis ele se converteu à Simpson

Chapel Methodist Episcopal Church ligada ao movimento da santidade.

Em Cincinatti, Ohio, passou a ter contato com outros grupos ligados ao

movimento da santidade com orientações restauracionistas, entre eles a

Church of God Restoration Movement, da qual fez parte. Após um surto

de varíola que acabou provocando a cegueira de um olho de Seymour,

ele se dedicou ao trabalho religioso.

Quando chegou a Houston, passou a freqüentar e pregar em

uma igreja pastoreada por uma ex-escrava chamada Lucy Farrow. Pa-

rham se tornou pastor da igreja após Farrow ir para Kansas, trabalhar na

casa da família de Parham. Voltando a Houston já batizada no Espírito

Santo em 1905, mesmo ano em que Parham também foi para lá. Parham

realizou cultos no Bryan Hall, atraindo muitas pessoas e entre elas Sey-

mour, presumidamente esse foi o primeiro contato de Seymour com a

doutrina do batismo com o Espírito Santo cuja evidência eram as lín-

guas.45

Parham deu prosseguimento às suas escolas bíblicas, e abriu

uma classe de estudos com cerca de quarenta alunos, entre eles estava

Seymour. Devido a segregação racial, o jovem acompanhava as aulas

afastado dos demais alunos. E termo baptism with the Holy Spirit era

amplamente conhecido nos grupos evangelicais e estava associado a

experiências físicas e emocionais que por muitos do movimento da san-

tidade era considerado uma segunda benção seguida da justificação.

Todavia para Parham o batismo com o Espírito Santo significava uma

terceira experiência desvinculada da segunda benção, acompanhada da

única evidência bíblica que era o falar em línguas. Segundo Parham, o

―outro batismo‖ que o movimento da santidade costumeiramente vincu-

lava à santificação era o batismo de fogo, [baptism on fire], de outra

natureza sem a evidência do falar em línguas. Para Parham era necessá-

rio as línguas como prova de evidência do recebimento do verdadeiro

batismo.46

Isso ficou bem claro para Seymour ao enfatizar no primeiro

número do seu jornal o The Apostolic Faith;

45 ROBECK Jr. Cecil M. The Azuza Street Mission and Revival: The Birth of Global Pentecos-

tal Movement. Nashville, Tennessee: Thomas Nelson Inc. 2006, p.40-52. 46 SYNAN, Vinson.1997, op.cit.,p. 92-95

30

The Baptism with the Holy Ghost is a gift of power

upon the sanctified life; so when we get it we have

the same evidence as the Disciples received on the

Day of Pentecost, in speaking in new tongues.47

Pouco tempo depois Seymour se torna amigo de Nelly Terry,

uma visitante dos cultos de Lucy Farrow. Neely Terry foi excluída da

Second Baptist Church48

e passou a pertencer a uma pequena congrega-

ção de negros adeptos do movimento da santidade, associada a Southern California Holiness Association. Quando Neely Terry volta a Los Ange-

les, em razão das suas simpatias por Saymour ela o recomendou à con-

gregação.

Seymour aceitou o convite e viajou até Los Angeles, porém a

caminho passou em Denver, Colorado, e participou dos cultos com Al-

ma White, líder da Pillar of Fire, uma pequena igreja da Santidade, cuja

ênfase era a manifestação das danças no Espírito49

[holy dance], como

evidência da santificação. Antes de Seymour expandir seu ministério

existia uma relação amistosa com White, porém os rumos que o pente-

costalismo seguirá, principalmente em razão da defesa das línguas como

evidência do batismo com o Espírito Santo e que elas representam um

dos principais sinais da restauração da igreja primitiva, promoveram

discórdia entre muitos grupos. Um exemplo disto é que alguns anos

depois, White escreve um livro chamado Demons and Tongues¸ no qual

argumenta que o pentecostalismo nada mais é que um movimento demo-

níaco.50

Finalmente Seymour chega a Los Angeles na congregação indi-

cada por Nelly Terry e pastoreada por Julia Hutchins. No terceiro dia de

congregado ele já era o pregador do culto. O texto do seu sermão estava

relacionado ao dia do Pentecostes apostólico e entre outras coisas afir-

mava que o batismo com o Espírito Santo só era possível com o sinal de

evidência das línguas. A pastora reprovou o sermão, e argumentou que o

próprio Seymour não havia vivido a experiência que ele defendia. Um

47 [O batismo com o Espírito Santo é um dom de poder sobre a vida santificada, por isso quan-

do o conseguirmos temos a mesma comprovação, tal como os discípulos receberam no Dia de

Pentecostes, falando em novas línguas] Cf..The Apostolic Faith. Setembro de 1906, n.01, p.01. 48 Era uma igreja de negros. 49 Esse é o termo pelo qual a manifestação é mais conhecida no Brasil. 50 WHITE, Alma. Demons and Tongues. Zerapath, NJ. 1949. Apud. SYNAN, Vinson. 1997, op.cit.,p. 96.

31

pequeno grupo aceitou essa mensagem e passou a realizar reuniões fa-

miliares na Bonnie Brae Street [Rua Bonnie Brae]. Alguns dias depois

Edward Lee falou em línguas após uma oração de Seymour, seguido de

outros seis participantes que no mesmo dia afirmam ter recebido a expe-

riência. Poucos dias depois o próprio Seymour falou em línguas.51

O MOVIMENTO DE AZUZA STREET

Em pouco tempo o número de pessoas que ouviam Seymour já

não podia ser comportado em uma residência, foi quando ele alugou um

edifício abandonado de uma igreja a African Methodist Episcopal Chur-

ch, localizada na Rua Azuza 312. O local servia para abrigo de animais

e precisava de muitas reformas. Seymour fez parte do edifício moradia.

Os cultos ficaram conhecidos pelas manifestações físicas dos crentes

além do fenômeno das línguas nas reuniões eram os crentres frequente-

mente dançavam, pulavam e caiam no chão devido ao poder divino.52

Um repórter do Los Angeles Times realizou uma matéria sobre a Azuza

Street Mission (Missão da Rua Azuza) e afirmou que ali se reunia uma

seita de fanáticos era um grupo com problemas mentais e acusava Sey-

mour de hipnotizar as pessoas através do seu olho cometido de ceguei-

ra.53

Após a publicação do jornal, a igreja passou a receber muitos curio-

sos que acabaram se tornando membros.

Em pouco tempo o Azuza Street Mission ficou conhecida como

Apostolic Faith Mission e se tornou a maior igreja de Los Angeles. A

igreja se tornou amplamente conhecida após a publicação do jornal The

Apostolic Faith54

. Muitos grupos com uma visão restauracionista foram

atraídos pelo modelo litúrgico e doutrinário desenvolvido em Azuza.

Centenas de visitantes de dezenas de países visitavam Azuza para ver o

51 História do Avivamento Pentecostal de Azuza Street: centenário – Los Angeles 1906-2006.

3.ed. Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2007. 11-18 e ROBECK Jr. Cecil M. 2006,

op.cit., p.60-69. 52 SYNAN, Vinson. 1997, op.cit.,p. 97 53 O jornal descreve que as pessoas clamavam, faziam barulho noite e dia, corriam, pulavam,

tremiam, gritavam muito alto, faziam rodas de dança, tombavam sobre o assoalho coberto de serragem, sacudiam, esperneavam e rolavam no chão. Muito ficavam inconscientes como

mortos, pareciam loucos, enfeitiçados. Cf. Los Angeles Daily Times. Weird of Babel Tongues.

18 de Abril de 1906. 54 Em 1908, dois anos após sua origem o periódico tinha uma tiragem de 50.000 exemplares.

32

que estava acontecendo. De acordo com Allan Anderson em menos de

dois anos Azuza já tinha disseminado a doutrina do movimento pente-

costal para vinte e cinco países, incluindo locais tão distantes como a

China, Índia, Japão, Egito, Libéria, Angola e África do Sul.55

De acordo com Allan Anderson e Walter Hollenweger o reflexo

da cultura religiosa de Azuza foi sentido em todo o pentecostalismo, e

afirma isso após tentar diagnosticar algumas correspondências entre a

liturgia de Azuza e a religiosidade africana. Segundo eles as principais

características estão impressas principalmente na liturgia oral, no mode-

lo narrativo e teológico do testemunho, na ampla participação de toda a

comunidade no culto e nas atividades religiosas, na inclusão de sonhos e

visões em cultos públicos, e uma compreensão em relação ao corpo e

mente manifestada principalmente nas orações. Para Allan Anderson e

Hollenweger, a maneira que o corpo se comporta durante a liturgia, o

ritmo das mãos, a interferência dos congregados durante as preleções, e

a mediação de Deus durante as práticas cerimoniais, são expressões

claras da hibridização da espiritualidade africana com o movimento da

santidade.56

Entretanto essa forma de interpretação não leva em conside-

ração que muitos elementos litúrgicos semelhantes aos praticados em

Azuza já eram presentes em outros grupos religiosos que não tinham

relação alguma com a religiosidade africana. Cada congregação possui

elementos que a caracterízam, todavia não se pode afirmar que esses

elementos serão reproduzidos mecanicamente em outros ambientes da

mesma forma e com a mesma configuração. Quando se afirma categori-

camente que determinados traços religiosos são provenientes de um

modelo cultural específico se nega a capacidade inventiva dos sujeitos

bem como se reitera a hegemonia e preponderância da cultura religiosa

sobre o indivíduo.

É importante lembrar que na segunda metade do século XIX se

tornou muito popular a realização dos camp meetings. Nessas reuniões

milhares de pessoas das mais variadas confissões protestantes se reuni-

am com objetivo de orar, ouvir sermões e estudar a Bíblia. A ênfase

destas palestras recaia sobre as doutrinas ligadas ao movimento da san-

55 ANDERSON, Allan. 2004, op.cit.,p.42 56 HOLLENWEGER, Walter J. The Black Roots of Pentecostalism. In. ANDERSON, Allan.

HOLLENWEGER, Walter J. (ed.) Pentecostalism after a Century: Global Perspectives a Movement in transition. Sheffield, UK: Sheffield Academic Press, 1999, p. 42-43.

33

tidade como a da segunda obra da graça [second work of grace].57

Es-

sas conferências se tornaram muito populares nos Estados Unidos atra-

indo milhares de evangelicais58

[evangelicals], duravam dias ou sema-

nas, e a princípio tinham o objetivo de reunir grupos das mais variadas

confissões para o estudo sistemático da Bíblia, participação dos sacra-

mentos e oração, porém como o tempo se tornaram evangelísticas e com

forte apelo para as manifestações emocionais.

Os pregadores se especializaram em convencer os ouvintes dos

seus pecados e apelavam a uma manifestação física e emocional como

evidência do processo de santificação. A grande ênfase emocional pro-

movida nestes acampamentos geralmente era acompanhada de choros,

desmaios e outras manifestações físicas diversas.59

Muitos cultos con-

gregacionais também possuiam características semelhantes, segundo o

evangelista Charles G. Finney metodistas adotavam comportamentos

semelhantes nos cultos, alguns davam socos nos brancos, outros oravam

em voz alta e ao mesmo tempo, desconsiderando as tradicionais forma-

lidades litúrgicas.60

No início do pentecostalismo, existiram vários problemas de

discordância em relação à liturgia de Azuza. O próprio Parham criticava

57 A segunda obra da graça também era conhecida por diferentes nomes como santificação,

perfeito amor, perfeição cristã, segunda benção, batismo com o Espírito Santo, entre outros.

Contudo, em todos os termos estava intrínseco o conceito de revestimento do poder do Espírito [endowed with power]. Cf. BLUMHOFER, Edit Waldvogel.op.cit, p.19. 58 O Movimento Evangelical ocorreu entre 1730 e 1790 na Inglaterra e compreende as reformas

religiosas das quais fizeram parte o Puritanismo, o Pietismo e o Metodismo. Nos Estados Unidos os principais líderes do evangelicalismo foi Jonathan Edwards e George Whitefield. Na

Inglaterra John Wesley foi o principal líder. Este período ficou conhecido como o ―Primeiro

Grande Despertamento‖ [First Great Awakening]. Segundo Prócoro Velasques Filho o ―Evan-gelicalismo‖ é o movimento pré-reformado que enfatiza a Bíblia como única regra de fé, já os

Evangelicais é uma ala deste movimento que enfatiza a experiência emocional da conversão

como sinônimo de conversão. Peter Berger elucida que o termo Evangelical geralmente é traduzido no Brasil como evangélico; contudo, é importante lembrar que os dois termos não se

correspondem exatamente. Apenas as igrejas fundamentalistas e conservadoras são chamadas

de Evangelical nos Estados Unidos. Entre essas se encontram a maior parte das pentecostais, mas nem todas as pentecostais são Evangelical. Já o termo evangélico no Brasil tem um senti-

do bem amplo, designando também as igrejas históricas, é na prática um sinônimo para protes-

tante. Cf. VELASQUES, Prócoro Filho. Deus Como Emoção: Origens Históricas e Teológicas do Protestantismo Evangelical. In: MENDONÇA, Antônio Gouvêa. VELASQUES Filho,

Prócoro. 1990, op.cit.,p. 82. Cf. BERGER, Peter. A DESSECULARIZAÇÃO DO MUNDO:

UMA VISÃO GLOBAL. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 21(1) 2000, p.9-24. 59 VELASQUES Filho, Prócoro.1990, op.cit.,p. 84-85. 60 Cf. ROSSEL, Garth M. DUPUIS, Richard. A. Z. (org.). Memórias originais de Charles G.

Finney: uma narrativa de avivamentos que marcaram a história. Tradução: Gordon Chown. São Paulo, Editora Vida, 2006, p.448

34

as formas adotadas para receber o Espírito Santo, pois segundo ele o

método beirava ao ridículo [brought into ridicule].61

Embora Azuza seja considerada como a mais proeminente o

movimento pentecostal mais proeminente, porém não podemos esquecer

que centenas de outros grupos religiosos também sofreram o processo

de pentecostalização, principalmente os adeptos do movimento da san-

tidade simpáticos a teologia restauracionista.

Grande parte da primeira geração de pentecostais alegava que

só os batizados com o Espírito Santo seriam Arrebatados no retorno de

Cristo. Parham acreditava que o número de salvos no Arrebatamento

seria de 144.00062

, estes pertenceriam às dez tribos perdidas de Israel a

qual seria restaurada através do batismo com o Espírito.63

Os demais

cristãos também poderiam escapar do inferno, mas não escapariam da

Tribulação iminente. Posteriormente com as interpretações de William

Durham esse modelo será questionado, pois ele defendia que todos

quantos tivessem aceitado a Cristo já estavam santificados e justificados e não precisam necessariamente do batismo com o Espírito Santo para

serem arrebatados.

De acordo com o jornal The Apostolich Faith64

, estimava-se que

cinco anos a após a experiência de Parham em Topeka existiam treze

mil pessoas falado em línguas.65

Embora esses números possam ser

questionados eles ao menos indicam que o progresso do movimento

pentecostal não estava relegado apenas a Azuza e não se deu somente

após o ano de 1906 como grande parte da historiografia defende. Leo-

nildo Silveira Campos argumenta que existe uma tendência da historio-

grafia em promover o pentecostalismo a partir de Seymour, em razão

das suas atribuições como personagem de uma história incrível de supe-

ração através da fé66

. Neste sentido sua história de vida acabou sendo

usada pelos pentecostais como um exemplo de religiosidade. Os pente-

costais enfatizavam as questões raciais que envolveram seu ministério

61 The Apostolic Faith. Outubro de 1912, p.09. 62 [E ouvi o número dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de

todas as tribos dos filhos de Israel]. Cf. Apocalipse, 7:4 63 Parham. Voice, 86-87. Apud. BLUMHOFER, Edit L. 1993, op.cit.,p.50 64 Este periódico era editado pelo movimento da Rua Azuza [Azuza Street]. Existiam ao menos

três jornais com o esse nome, o editado por Parham, editado por Seymour e o editado por

Florence Crawford em Portland, Oregon. 65 The Apostolic Faith. Setembro de 1906, p.01 66 CAMPOS, Leonildo Silveira. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro:

observações sobre uma relação ainda pouco avaliada. REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 100-115, Setembro/Novembro 2005, p.105.

35

sempre afirmando que ele era um negro, filho de ex-escravos, trabalha-

dor, pai de família, exemplo em espiritualidade e dedicação a vida mis-

sionária, entre outras atribuições. Essas entre outras características o

transformam em uma espécie de líder ideal para a origem do movimen-

to.

Segundo Campos, a história de Seymour o transformou em ce-

lebridade para os pentecostais associando sua imagem aos avivamentos

de Azuza Street. Em compensação a historiografia tende a relegar uma

subalternidade ao papel de Parham. Talvez em razão de Parham ter sido

preso por acusações de sodomia, por suas notórias inclinações racistas

(presumidas ligações com a Ku Klux Klan), pela defesa de contraditó-

rias doutrinas, como a de que os anglo-saxões seriam descendentes das

dez tribos perdidas de Israel e de que o mal não será eterno, pela oposi-

ção doutrinária aos ensinamentos de Durham, os pentecostais tenham

silenciado sobre muitos aspectos da sua vida.

De acordo com Michael Pollack a construção de uma memória

coletiva se dá em um processo de ajustamento, no qual existe um esfor-

ço consciente de definir e reforçar sentimento de pertencimento e o

passado serve, portanto, para manter a coesão dos grupos e das institui-ções.

67 Assim vemos que a construção dessa memória que na maioria

das vezes foi efetuada pelos ―historiadores da casa‖, os quais procuram

exercer um controle da memória68

, resulta no estabelecimento de com-

plementaridades e da construção de uma história que preza por uma

identidade sem nódoa.

Para que nossa memória se beneficie da dos outros,

não basta que eles nos tragam seus testemunhos: é

preciso também que ela não tenha deixado de con-

cordar com suas memórias e que haja suficientes

pontos de contato entre ela e as outras para que a

lembrança que os outros nos trazem possa ser re-

construída sobre uma base comum.69

Muitos que aderiram ao movimento pentecostal foram influen-

ciados pelos ensinamentos de Keswick. Os pregadores de Keswick de

67 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silencio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p.07 68 Ibidem, p.08 69 HALBWACHS. Maurice. La mémoire collective. Paris: PUF, 1968, p.12. Apud. POLLAK, Michael. 1989, op.cit., p.02,03.

36

maneira geral defendiam o conceito de santificação progressiva, ou

seja, ela era um processo e não um estado de santificação. Uma das

pessoas que sustentou esse conceito foi o pastor batista da Gospel Mis-sion Church mais conhecida como North Avenue Mission, Willian Du-

rham. Batizado com o Espírito Santo em 1907 ele se tornou um dos

grandes promotores do pentecostalismo. Logo depois de retornar de

Azuza, transformou sua igreja num centro de propagação das doutrinas

pentecostais.70

O modelo doutrinário de pentecostalismo defendido por Du-

rham foi disseminado por todo o mundo. Entre os principais nomes que

abraçaram seus ensinamentos estão Eldorus N. Bell, (fundador e presi-

dente das Assembléias de Deus norte americanas), Lewi Pethrus (um

dos principais líderes do movimento pentecostal na Escandinávia) Luigi

Francescon (fundador de grandes igrejas na Argentina, Itália e no Bra-

sil), Daniel Berg e Gunnar A. Vingren (fundadores das Assembléias de

Deus no Brasil), Aimee Semple McPherson (uma das maiores líderes do

movimento pentecostal nos Estados Unidos, e fundadora da Igreja do

Evangelho Quadrangular), estes são apenas alguns entre tantos outros

líderes que foram influenciados por Durham.71

As relações de Durham e Seymour eram muito amistosas até o

dia em que Durham foi convidado para pregar na Apostolic Faith Mis-sion (Azuza Street) e defendeu sua doutrina. Segundo Durham toda a

obra divina de salvação, cura e santificação, havia se consumado no

Calvário. Essa doutrina conhecida como ―obra consumada‖ [finish work] desencadeou muitos conflitos no seio do pentecostalismo. Muitos

líderes pentecostais repudiaram essa doutrina. Com essa compreensão

sobre a santidade, Durham foi o responsável pelo primeiro grande cisma

doutrinário do movimento.72

A santificação para Durham não era uma segunda benção tal

como John Wesley defendia,73

ou uma experiência de crise como ensi-

navam os perfeccionistas, tal como Asa Mahan e Charles G. Finney.

Durham discordava da idéia que existia uma experiência instantânea de santificação plena ou perfeição cristã, nessa lógica a santificação era

um estado e não um processo, sendo distinta da experiência de conver-

são. O discurso teológico que Durham refutava defendia que a santifica-

70 ANDERSON, Allan. 2004, op.cit.,p.45. 71 Ibidem, p.46. 72 ANDERSON, Allan. 2004, op.cit.,p.45,46. 73 Especialmente no seu livro Plain account of Christian Perfection (1777).

37

ção ou segunda benção era uma reparação necessária para o recebimen-

to do batismo com o Espírito Santo, considerado a terceira obra da

graça. Por volta de 1910, Durham rompe com esse conceito de santida-

de ao defender o que ele chamou de obra consumada no Calvário.

É importante destacar que muitos líderes pentecostais também defendi-

am a obra consumada no Calvário, todavia em razão da importância do

ministério de Durham, principalmente entre os imigrandes, ele foi du-

ramente criticado pelos demais líderes que pensavam diferente.

Para Durham a santificação plena e o batismo com o Espírito

Santo eram de natureza distinta. Cristo havia providenciado a santifica-

ção na sua expiação, de forma que ela é recebida no momento da con-

versão, quando se aceita a Cristo por intermédio da fé (justificação). Ou

seja, o sacrifício de Cristo era suficiente tanto para a salvação quanto

para a santificação. Para santificar-se o cristão necessitava apenas apro-

priar-se da obra consumada do Calvário, que está disponível a partir da

justificação.

A SANTIFICAÇÃO COMO UM PROCESSO

Com base nessa doutrina muitos pentecostais passaram a defen-

der a santificação como um processo gradual e não como um estado de

santidade, uma segunda obra instantânea subseqüente a conversão. Na

compreensão de Durham há uma mudança imediata no coração do ho-

mem no momento da conversão, afirmando que: Nós somos novas cria-

turas em Cristo através da regeneração, para ele o novo nascimento

significava a salvação do pecado, da morte e do inferno e o importante

era permanecer em Cristo, andar no Espírito, manter a fé, crescer na

graça e no conhecimento de Deus e de Cristo.74

Nesse entendimento, o cristianismo consiste em três obras da

graça (justificação, santificação e batismo com o Espírito Santo) e não

mais em duas obras da graça (justificação que inclui a santificação e

batismo com o Espírito Santo). Essa mudança no conceito contrariava a

maioria dos adeptos do movimento da santidade e os principais líderes

pentecostais da época, entre eles Seymour e Parham. A tese de Durham

rompeu com a santificação da tradição wesleyana, e com isso não fazia

74 BLUMHOFER, Edit L. 1993, op.cit.,p.42.

38

parte da santificação em termos de processo, as obras de piedade, as

ações misericordiosas, a busca pela perfeição.75

A controvérsia gerada por Durham desencadeou uma série de

divisões no pentecostalismo norte americano. Seus ensinamentos sobre

o evangelho pleno [full gospel] incluíam as doutrinas da justificação e

santificação (agora como um processo) a cura divina, o prémilenarismo

e o batismo com o Espírito Santo (com evidência de línguas).76

A compreensão era de que e o pentecostalismo representava o

movimento de restauração do evangelho pleno, do poder apostólico, dos

dons ministeriais de profeta, evangelista, pastor e mestre, e da prática

apostólica. O termo pentecostal adquiria um duplo significado, tanto no

aspecto dispensacional, segundo a qual a experiência do Pentecostes era

vista como a inauguração de uma nova era, e sob o aspecto da praxis,

onde o Pentecostes era tanto um evento quanto um estilo de vida para

ser repetido na experiência dos crentes.

A defesa de conceitos diferentes de santificação dividiu o pen-

tecostalismo em duas frentes. A maioria seguiu as interpretações de

Durham, que alguns anos depois se tornaram praticamente hegemônicas,

principalmente depois que as Assembleias de Deus incorpou a doutrina

da obra consumada ao seu credo religioso.

Parham não estava satisfeito com a teologia da obra consumada

no Calvário. Ele acreditava que essa doutrina era fruto de uma inspira-

ção diabólica. Parham teria profetizado que caso a doutrina de Durham

fosse herética, que Deus o matasse. Ele teria dito: ―como prova de que a doutrina deste homem é falsa, não deixe que ele viva, mas se o nosso

ensino sobre a graça definitiva da santificação for verdadeiro, que sua

vida pague com a perdição”.77

Pouco tempo depois Durham falece de

pneumonia em 1912. Parham viu nesse fato uma prova de que não esta-

va errado e Deus havia escutado suas orações. Isso não foi suficiente

para abalar a creditbilidade da obra consumada pela maioria dos pente-

costais.

Pouco tempo depois da morte de Durham, sua doutrina seria o

principal assunto da cessão de abertura da Convenção das Assembléias

75 ANDERSON, Allan. 2004, op.cit.,p.60 76 [The Latter Rain, a dispensational philosophy that believed in the restoration of the “lost”

power of the Spirit.] Cf. ANDERSON, Allan. 2004, op.cit., p.61 77 HOLLENWEGER, Walter. The Pentecostals. Peabody.MA: Hendrickson Publishers, Inc. 1988, p.24,25

39

de Deus realizada em Hot Springs, no Arizona em 1914, cujo tema era:

A Obra Consumada no Calvário.

A FORMAÇÃO DO GENERAL CONCIL OF THE

ASSEMBLIES OF GOD (1914)

Os restauracionistas almejavam a unidade nos moldes apostóli-

cos e movidos por esse senso vários pastores se concordaram nesse

propósito. Um exemplo disso foi o encontro com o tema Glory and

Unity (Glória e Unidade) no Eureka Camp Spring, no Kansas, em julho

de 1912.78

Esse encontro foi a primeira iniciativa nesse aspecto. A partir

dessa experiência Eldorus N. Bell através da sua rede de influências

comandou a organização de um Concílio cuja proposta era a promoção

da unidade. Além disso, já fazia algum tempo que vários pastores esta-

vam preocupados com a emergência de sérios erros doutrinários. Uma

variedade de interpretações contraditórias causava inquietação entre os

pentecostais. Muitos estavam certos que a falta de organização institu-

cional daria margem para que movimentos heréticos surgissem a todo o

instante. Uma das principais preocupações era que muitos utilizavam as

profecias e línguas com objetivos de atender desejos pessoais.79

Segundo Blumhofer uma das preocupações era justamente com

os missionários que vinham do exterior e que falavam dialetos e línguas

diferentes, e que podiam confundir de alguma forma quem os ouvia.

Episódios como os que envolveram denúncias de sodomia ligadas a

Parham também contribuíram para a desfragmentarão de muitos grupos

e a institucionalização seria um caminho para evitar a falta de unidade

do movimento pentecostal e a quebra da credibilidade na doutrina.80

Em

1913 muitos já estavam conscientes da necessidade de algum tipo coo-

peração mútua e 352 líderes pentecostais decidiram se mobilizar e criar

uma organização que nasceu com o nome de The Church of God in

Christ and in unity with the Apostolic Faith Movement.81

Em pouco

tempo o nome foi abreviado para Church of God in Christ. Os antide-

78 Word and Witness, 20 de Agosto de 1912, n.06, p.01, Cf. Anexo I 79 BLUMHOFER, Edit Waldvogel. 1985, op.cit.,p.34. 80Ibidem, p.31-38. 81A relação completa dos nomes dos Anciãos [―Elders‖], ministros, evangelistas, e missioná-

rios da Church of God in Christ and in unity with the Apostolic Faith Movement está no Word and Witness, 20 de Dezembro de 1913, p.04

40

nominacionalistas se opunham a esse projeto, tal como Parham, que

chegou a chamar os líderes de religiosos anarquistas.82

O grande articulador do Concílio em Hot Springs foi Bell, edi-

tor do jornal Word and Witness, em Malvern, Arizona, juntamente com

outros pentecostais. O encontro foi divulgado em vários periódicos, e

convocava os líderes dos mais variados grupos pentecostais, tanto os

que estavam conveniados a algum grupo quanto os autônomos para o

encontro. O apoio de H.G. Rogers foi fundamental, pois como líder das

igrejas pentecostais do sul conseguiu atrair para Hot Springs a maioria

dos convencionais. Não obstante a maioria dos pentecostais sulinos

serem negros, com o Concílio houve uma divisão ideológica na qual a

Church of God in Christ, de predominância negra, foi segmentada para

dar origem a Assembly of God com predominância branca.83

O evento era inspirado nos moldes do Concílio de Jerusalém.84

O convite que estava estendido aos santos de toda a parte, elencava cin-

co propostas para o encontro que podem ser sintetizadas na busca pela

unidade, estabilidade (doutrinária, institucional), efetivação da expansão

missionária, legalização do movimento e considerações sobre uma esco-

la bíblica pentecostal.85

Essa pretensão de organizar um Concílio está relacionada ao

que Peter Berger e Thomas Luckmann chamam de organização de co-munidades de vida.

86 A princípio as denominações nascem como comu-

nidades de sentidos, ou seja, que se organizam em torno de uma forma

complexa de consciência, que encontram nas experiências uma relação

freqüentemente pautada pelos mesmos referenciais.87

Os pentecostais

conscientes ou não, ao criar o Concílio e organizar um sistema burocrá-

tico o qual estabelecia a exigência de compartilhamento dos mesmos

princípios, estavam automaticamente estruturando uma denominação. O

Concílio representa a formação de uma comunidade de vida, na qual

existe ao menos um minimo de comunhão de sentido que foi comparti-

82 BLUMHOFER, Edit Waldvogel. 1985, op.cit.,p.39 83 ANTONIAZZI, Alberto. (et.al). 1994, op.cit., p.74. 84 Conselho da Igreja Primitiva em Jerusalém afim de estabelecer os critérios de relacionamen-

to e comportamento religioso, entre gentios e judeus. Atos dos Apóstolos 15 85 Word and Witness. 20 Dezembro de 1913, p.01. 86 BERGER. Peter. LUCKMANN, Thomas. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a

orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p.28-30. 87Ibidem, p.14,15

41

lhada e que a partir de agora será caracterizada por um agir que se repete

com regularidade, em relações sociais duráveis.88

A convocação de Bell provocou muita desconfiança no meio

pentecostal, principalmente em decorrência do repúdio ao denominacio-

nalismo, tão condenado no The Pentecostal Testimony, periódico de

grande prestígio no meio pentecostal que era editado por Durham. Bell

que também fora um pastor batista, recebeu a experiência do batismo

com o Espírito Santo na North Avenue Mission, pastoreada por Durham,

e provavelmente tinha receio quanto ao denominacionalismo, daí sua

preocupação em fazer uma convocação sem estabelecer um credo a ser

seguido em moldes denominacionais. Dada as necessidades de fortalecer

o movimo os pastores envolvidos na criação do Concílio usaram a retó-

rica da comunhão. 89

O uso dessa expressão era estratégico, pois confe-

ria plausibilidade à realização do evento.90

O Concílio que começou no dia 2 de abril de 1914 e se estendeu

por quatro dias.91

Neste evento os delegados firmaram um propósito de

manter uma mútua cooperação entre os grupos desde que não houvesse

choques na própria organização das comunidades. Neste encontro ficou

decidido que o nome genérico que adotariam seria Assembly of God

[Assembléia de Deus]. No seu estatuto constava no Artigo I, o título The

General Concil of the Assemblies of God, referindo-se a denominação

como pessoa jurídica. Embora o Concílio não tenha elaborado um credo

de verdades fundamentais o periódico Word and Witness afirmou que

foi unânime a decisão adotar somente a Bíblia como a única regra de fé

e prática.92

Poucos meses depois do Concílio passava de quinhentos o nú-

mero de ministérios que estavam associados às Assembléias de Deus,

entre eles estavam registrados ministros e missionários que representa-

vam pelo menos cinco grandes grupos pentecostais entre os quais o

Christian and Missionary Alliance, comunidade Zion, missionários de

88Ibidem, p.28 89 BLUMHOFER, Edit Waldvogel. 1985, op.cit.,p.31. 90 BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: Tratado de

Sociologia do Conhecimento. 19.ed. Tradução: Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis:

Vozes, 2000, p.205. 91 O anúncio de divulgação informava que a convenção seria realizada entre os dias 02 e 12 de

Abril de 1914, porém teve uma duração bem inferior ao planejado. Cf. Word and Witness. 20

de Março de 1914, p.01. 92 Word and Witness. 20, Abril, de 1915, p.01-02.

42

Chicaco, a Apostolic Faith [dos discípulos de Parham], e a comunidade

da Church of God in Christ.93

O papel da imprensa foi fundamental na organização das As-

sembléias de Deus,94

pois nesse momento foi usada não só como um

instrumento para propagação doutrinária como também para dar unidade

aos pentecostais que estavam pulverizados por toda a parte.

A frente do Concílio etava Bell, um líder considerado de grande

credibilidade boa instrução e maturidade. Por unanimidade ele foi eleito

o presidente do primeiro Concílio ao lado de Joseph Roswell Flower,

editor do Christian Evangel. Toda a diretoria, incluindo secretários,

tesoureiros, suplentes, era composta por 12 pessoas. Ficou decido tam-

bém que o jornal Word and Witness seria o órgão oficial do Concílio.

Em janeiro de 1916 tanto o Word and Witness e quanto o Christian

Evangel foram fundidos para dar lugar ao Weekly Evangel.95

Na convenção surgiu uma questão que acabou promovendo

grande cisma entre os pentecostais. Chamada de nova questão [new issue], ela diz respeito a doutrina da Trindade. Muitos alegavam que a

fórmula do batismo nas águas estava equivocada, uma vez que na igreja

primitiva não havia o batismo no nome das três pessoas da Trindade

mas somente no nome de Cristo.96

A doutrina do batismo somente em

nome de Jesus (unicismo) abalou grandemente a unidade do movimento

pentecostal. No início de 1915, Bell havia afirmado que o batismo era

trinitário, entretanto alguns meses depois para a surpresa de muitos ele

mesmo foi rebatizado no nome de Jesus.97

No terceiro Concílio Geral,

93 Combined Minutes of General Council of the Assemblies of God in the United States of

America, Canada and Foreign Lends. 1914-1917, p. 03-30. 94 O uso da imprensa no início do movimento pentecostal nos Estados Unidos foi muito inten-so, o periódico que Bell publicava, Word and Witness, tinha uma tiragem de 5.000 exemplares

mensais, a publicação de Joseph James Roswell Flower, o The Christian Evangel, uma tiragem

de 1.000 exemplares semanais, além destes outros periódicos foram muito importantes nesse momento, o Letter Rain Evangel publicado por Willian Piper, o Trust das irmãs Duncan, o

Triumphs of Faith de Carrie Judd Montgomery, e o Pentecostal Testimony de Willian Durham,

além de diversos periódicos chamados Apostolic Faith, (Parham e Seymour também escolhe-ram esse nome para seus periódicos). No Brasil o primeiro periódico das Assembléias de Deus

foi o Boa Semente de 1919, seguido do O Som Alegre de 1929 e o Mensageiro da Paz em

1930. 95 Word and Witness. Novembro, de 1915, p.03. 96 Cf. Atos 2.38 ―And Peter [said] unto them, Repent ye, and be baptized every one of you in

the name of Jesus Christ unto the remission of your sins; and ye shall receive the gift of the Holy Spirit…‖. American Standard Verson Bible, 1901. (―E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos,

e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis

o dom do Espírito Santo...‖. (Almeira Corrigida e Revisada, 1994). 97 Word and Witness. Julho de 1915, n.07, p.01-02.

43

Bell faltou a reunião e os trabalhos foram assumidos pelo secretário J.

R. Flower. Devido ao impasse gerado pela nova questão após três dias

de encontro e discussão os congregacionais decidiram que ambos os

batismos deveriam ser aceitos.

Para o a quarto Concílio Geral foi eleito como presidente J. W.

Welch, o qual tinha pela frente a responsabilidade em manter a unidade

e resolver conflitos doutrinários principalmente ligados a questão do

batismo em águas, se era trinitário ou não. Depois de muita discussão

não foi possível chegar a um consenso doutrinário que atendesse os dois

grupos tanto os que defendiam o batismo trinitário quanto os unicistas.

Mediante a necessidade de elaboração de um credo doutrinário para

estabelecer as verdades fundamentais, foi decidido que seria mantido o

antigo método batismal trinitariano. Os ministros que não aceitaram o

que foi estabelecido nas verdades fundamentais romperam com o Concí-

lio, e dos 429 membros 156 deixaram de fazer parte da organização.

Dois anos depois o número de ministros e missionários dobrou.98

A partir dos primeiros Concílios, principalmente após 1917,

quando as questões doutrinárias estavam bem orientadas, muitos grupos

metodistas, presbiterianos, batistas, congregacionais, pentecostais inde-

pendentes, entre outros, que concordavam com os princípios e funda-

mentos estabelecidos nos Concílios das Assembléias de Deus, passaram

incorporar ou substituir o nome de suas comunidades por Assembly of

God (Assembléia de Deus). Embora na retórica dos pentecostais, não

necessariamente na praxis, existisse um repúdio a institucionalização, as

demandas sociais forçaram eles a tomar iniciativas nesse sentido. Se-

gundo Berger e Luckmann uma das características das denominações é

que elas desenvolvem um corpo de especialistas que se esforçam por reescrever a história institucional à luz da corrente teológica que con-

quistou a hegemonia institucional.99

As resoluções oriundas do primeiro

Concílio, e o estabelecimento de fundamentos doutrinários, nada mais

são que a consolidação da corrente teológica que se mostrou hegemôni-

ca. A esperança escatológica proveniente da soma de interpretações

restauracionistas, dispensacionalistas, e prémilenaristas, dominou o

movimento.

98 BLUMHOFER, Edit Waldvogel. 1985, op.cit.,p.50 99 BERGER. Peter. LUCKMANN, Thomas. 2004, op.cit.,p.107.

44

O SENTIDO DO PENTECOSTES

O esquema dispensacionalista100

adotado pelo pentecostalismo

implicava em uma compreensão dramática da história. Os pentecostais

estavam certos de que o período compreendido desde o primeiro Pente-

costes101

da igreja primitiva até o presente, não significava um rompi-

mento da idade do Espírito Santo. No jornal Apostolic Faith é possível

perceber que os pentecostais procuraram justificar o batismo com o

Espírito Santo naqueles dias recorrendo a uma exegese bíblica que ado-

tava como regra interpretativa o dispensacionalismo, justificando que o

fenômero era próprio dos últimos momentos da humanidade na terra.

Eles argumentavam que tudo fazia parte do plano divino no qual a chu-

va temporã do Espírito foi oferecida aos apóstolos, e posteriormente a

chuva serôdia oferecida a todos que a buscarem, segundo os relatos

proféticos do Antigo Testamento. De acordo com o jornal o fato de não

existir testemunhos de batismo com o Espírito Santo durante o período

de quase dois mil anos que afastava o evento relatado no cenáculo em

Jerusalém e o que se iniciara no início do século XX nos Estados Uni-

dos, se justificava em razão da desobediência dos cristãos que não esta-

100 O dispensacionalismo está relacionao a uma compreensão teológica da história e do texto

bíblico. De acordo com a teologia dispensacionalista, desenvolvida por John Darby (1800-82) e posteriormente disseminada através da Bíblia de Estudos Scofield (1909), o plano de salvação

de Deus estava relacionado com o momento histórico ao qual o homem teve contato com o

criador. Darby defendia que Deus havia tratado [dealt] com o homem obedecendo a realidade de cada época e, portanto agia de forma diferente em cada dispensação [era/época/período

histórico], nas quais os meios de salvação obedeciam critérios relacionados com aquele tempo.

Darby entendia que os últimos tempos seriam marcados por sete anos de Tribulação sob o domínio do Anticristo e da Igreja Apóstata. uma dispensação (gr. oikonomia) é um período de

tempo durante o qual o homem é testado quanto à sua obediência a alguma revelação específi-

ca de Deus. Cada dispensação tem seu início, seu teste e seu término em julgamento, de acordo com o contínuo fracasso da humanidade. Scofield defendia que a história da humanidade era

composta de sete dispensações: da Inocência, da Consciência, do Governo Civil, da Promessa,

da Lei, da Graça, e do Reino. Além de fazer uma nítida distinção entre Israel e a Igreja, que representam essencialmente dois povos de Deus. Cf. BURGESS, Stanley M. MAAS, Eduard

M. Van der. (orgs). 2003. op.cit.,p.1094. Cf. BOYER, Paul. When Time Shall Be No More:

Prophecy Belief In Modern American Culture. Studies in Cultural History. Cambridge: Belk-nap Press of Harvard University Press, 1992, p. 87. 101 Pentecostes era uma festa do antigo calendário bíblico, no Antigo Testamento, celebrado

em comemoração as colheitas, era realizado cinqüenta dias após a Páscoa, (Cf. Ex 23.14-17; 34.18-23) também era conhecido como Festa da Colheita ou da Sega, Festa das Semanas ou

Dia das Primícias. Na era cristã simboliza a assunção de Cristo aos céus e a vinda do Espírito

Santo sobre os homens. O evento está registrado no capítulo 2 de Atos dos Apóstolos, quando sob a influência do Espírito muitos falaram em línguas.

45

riam aptos a vivenciar tal experiência em decorrência de seus pecados e

superstições.102

Sob uma perspectiva restauracionista, os pentecostais acredita-

vam reviver as mesmas experiências míticas e espirituais da igreja pri-

mitiva. Essa experiência era significada simbolicamente com vistas a

reprodução de uma realidade muito distante o Pentecoste primitivo rela-

tado em Atos dos Apóstolos.. No Brasil essa era uma das preocupações

dos missionários, defender que o modelo de evangelho pregado pelos

apóstolos na igreja primitiva podia ser restaurado. Na primeira publica-

ção destinada ao estudo sistemático da Bíblia, o material didático de

Escola Dominical das Assembléias de Deus no Brasil traz o seguinte

tema: Modo de vida na Egreja Primitiva.103

A escolha deste assunto está

associado a essa preocupação restauracionista. No ano seguinte em

1926, o Boa Semente alertava que a mulher cristã, ―pouco a pouco, vem perdendo a modestia do traje recomendado pelos apóstolos‖

104e ainda

―um dos sucessos do Diabo hoje é dia é convencer até mesmo os pró-prios crentes, de que os sinais pertenciam somente à era apostólica‖

105.

Este é um bom exemplo do quanto almejavam restaurar um modelo de

cristianismo apostólico.

No entendimento de Berger e Luckmann um universo simbólico

permite a localização de todos os acontecimentos coletivos numa unida-

de coerente, que inclui passado, o presente e o futuro. Os membros po-

dem com isso conceber-se como ―pertencendo a um universo que possui

um sentido, que existia antes de terem nascido e continuará a existir depois de morrerem‖.

106Seguindo essa compreensão sociológica os

grupos compreendiam que as manifestações religiosas daqueles dias

eram uma espécie de prolongamento do que aconteceu na igreja primit-

va e que perdurará até a volta de Cristo. É justamente o que os pentecos-

tais reivindicavam: a necessidade de viver as mesmas experiências que

os apóstolos viveram.

O Pentecostes representava nessa conjuntura uma herança a-

temporal, tomando a característica de um conhecimento transferido, que

poderia ser vivenciado de geração a geração e repetido fenomenologi-

camente pelos indivíduos. Segundo Berger e Luckmann a percepção

102 The Apostolic Faith. Setembro de 1906, p.04 103 Suplemento da Boa Semente: Estudos Dominicais. Abril 1925, n.04. 104 Boa Semente. Julho de 1926, n.62, 01. 105 Boa Semente. Março de 1926, n.58, p.04. 106 BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. 2000, op.cit. p.95.

46

desta realidade tem o poder de configurar o indivíduo e orientar seu

comportamento.107

Os pentecostais ao olhar para a sua própria origem, não reco-

nheciam o movimento como fruto das articulações doutrinárias huma-

nas. Eles não admitiam a idéia da existência de um fundador ou líder

(dotado de carisma), tal como Lutero na Reforma, George Fox para os

quaquers, Wesley para o Metodismo, Mary Baker Edy da Ciência Cristã

entre outros.108

A compreensão que o avivamento pentecostal foi de-

sencadeado pelo próprio Deus excluia a atribuição de que tivesse existi-

do qualquer intererferência humana nessa dinâmica religiosa. Percebe-se

que há uma preocupação em definir e defender uma originalidade do

movimento religioso, daí decorre que os pentecostais se lançaram em

defesa das doutrinas ligadas a ação do Espírito Santo sobre o fiel. Se-

gundo Bourdieu é uma prática comum nos meios religiosos apelar para a

construção de doutrinas distintivas . Inspirado no pensamento weberia-

no, ele defende que;

(...) a preocupação em definir a originalidade da

comunidade em face das doutrinas concorrentes le-

va à valorização dos signos distintivos e das doutri-

nas discriminatórias a fim de lutar contra o indife-

rentismo e dificultar a passagem à religião concor-

rente.109

Movidos por um forte senso de evangelização, principalmente

entre os anos de 1906 e 1909 orientados pela compreensão que as lín-

guas eram xenolalicas, um aprendizado sobrenatural de uma língua

terrena reconhecida, muitos se lançaram aos campos missionários. Eles

estavam convictos que no campo missionário iriam pregar o evangelho

na língua nativa dos povos. A frustração foi imediata ao perceberam que

não conseguiam falar a língua dos nativos. Em razão disto, os pentecos-

tais rapidamente ajustaram suas estratégias de evangelização nos moldes

evangelicais.110

107 Ibidem 108 POLOMA, Margaret M. Charisma and Structure in The Assemblies of God: Revisiting O‟Dea‟s Five Dilemmas. Manuscript prepared as the Assemblies of God ―Case Study‖ for the

Organizing Religious Work Project. The University of Akron. February 6, 2002, p.06. 109 BOURDIEU, Pierre. 2005, op.cit. p.69. 110ANDERSON, Allan. 2004, op.cit., p.217,218.

47

Dentro desta construção doutrinária escatológica a volta de

Cristo estava muito próxima, o evangelho pleno estava sendo restaurado

e prova disso era que o Espírito Santo havia lhes ensinado um idioma.

Era uma missão de todos apressarem a evangelização dos povos para

que a volta de Cristo ocorresse. Dada a realidade enfrentada nos campos

missionários, principalmente decorrente das dificuldades com o idioma,

muitos se ligavam a igrejas de vertentes protestantes já estabelecidas.

Frequentemente parte da membrasia sofria um processo de pentecostali-

zação.

Protestantes de várias partes do mundo, principalmente os liga-

dos ao movimento da santidade, ao receberem a informação dos fenô-

menos espirituais que aconteciam nos Estados Unidos, realizaram pere-

grinações principalmente à Chicago, e voltaram pentecostalizados. Co-

mo defende Carmelo E. Álvarez, esse contato com o movimento fez

com que houvesse uma ―multiplicação e matizes de expressões pente-

costais pelo mundo”, como um “caleidoscópio‖, sendo que na primeira

década depois de Azuza, sabia-se de experiências pentecostais na Ásia,

África, Europa e América Latina.111

No início os pentecostais sofreram forte oposição principalmen-

te dos grupos de cristãos de matiz protestante. Muitos pentecostais reta-

liavam, acusando os opositores do pentecostalismo de serem influencia-

dos pelo Diabo. O missionário pentecostal norte americano Paul G.

Aenis destaca em um artigo do Boa Semente que muitas pessoas mesmo

após o terem visto o derramamento do Espírito Santo, não foram capa-

zes de reconhecer que ele era divino. pois um espírito maligno tinha se

introduzido na mente deles.112

De acordo com Harvey Cox o pentecostalismo representou uma

remodelação [reshaping] da religião protestante a qual está centrado na

busca pela espiritualidade primordial. Nesse discurso as línguas repre-

sentam uma linguagem primordial. Segundo Cox a manutenção de uma

piedade primordial emerge no ressurgimento do: transe, nas visões,

curas, sonhos, danças e outras expressões. E finalmente em uma espe-rança primordial que consiste na própria compreensão do pentecosta-

111 ÁLVAREZ, Carmelo E. Panorama histórico do pentecostalismo latino-americano e caribe-nho. In: GUTIERREZ, Benjamim F. CAMPOS, Leonildo S. Na Força do Espírito: Os pente-

costais na América Latina: um desafio às igrejas históricas. Tradução: Júlio Paulo Tavares

Zabatiero. São Paulo, Pendão Real 1996. p.94. 112 Boa Semente. Março/Abril de 1923, n.24 e 25, p.04.

48

lismo no plano divino escatológico, sob a égide restauracionista.113

A

partir das imagens que estabeleceram dos tempos apostólicos os pente-

costais procuraram desenvolver uma religião pautada no texto bíblico

considerado plenamente inspirado, se empenharam em recriar o modelo

religioso da igreja primitiva e consideraram os princípios éticos neotes-

tamentários como essenciais na vida cristã.114

No discusso dos primeiros

pentecostais a palavra união era muito utilizada e defender o evangelho

pleno pressupunha a eliminação de conflitos e divisões. Em 1906 o jor-

nal Apostolic Faith afirmou que Deus não reconhecia nenhum credo

humano, doutrina ou classe de pessoas, e que não deveria existir separa-

ção entre os cristãos.115

Muitos acreditavam que seria possível recriar o

modelo de igreja primitiva na qual os cristãos partilhavam de tudo em

comum de forma planificada. O Concílio das Assembléias de Deus re-

presenta certamente uma das tentativas de levar a cabo essa idéia basea-

da na noção de unidade cristã.

Segundo Wacker os pentecostais não tinham dúvidas de que e-

les estavam pregando o evangelho pleno. Eles reconheciam que o fe-

nômeno das línguas era um dos sinais de que o fim dos tempos se apro-

ximava. Outros acontecimentos e fatos históricos também eram vistos

como provas irrefutáveis de que a história se encaminhava para o fim.

Os pentecostais consideravam que muitos sinais estavam relacionados

ao retorno dos judeus à Palestina, a apostasia que dominava as religiões,

a ascensão política do ―bolchevismo‖, a crescente desobediência aos

pais, as calamidades naturais (o terremoto de São Francisco em 1906 era

muito citado como exemplo), e inclusive estranhos sinais nos céus visí-

veis a olho nú.116

113 COX, Harvey. Fire from Heaven: The Rise of Pentecostal Spirituality and Reshaping of

Religion in the Twenty-first Century. Londres : Cassel, 1996, p. 81-88, 91-92. 114 BLUMHOFER, Edith. SPITTLER, Russel. WACKER, Grant.(ed). Pentecostal currents in American Protestantism. Illinois: Board of Trustees of the University of Illinois. 1999, p. 241-

242. 115 [“God is going to work wonders in this place. He recognizes no man-made creeds, doc-trines, nor classes of people, but “the willing and obedient shall eat the good of the land”]

Cf.The Apostolic Faith. Setembro de 1906, p.03. 116 Alguns exemplos de sinais nos céus incluiam arco-iris, nuvens com formas demoníacas, o próprio demônio em forma de serpente aterrorizando os crentes. Estes relatos podem ser en-

contrados nos periódicos, Weekly Evangel. 19 de Janeiro de 1918, p.13; Glad Tidings. [São

Francisco]. Agosto 1927, p.02,11. Mensageiro da Paz. Julho de 1937, n.14, p.02; Mensageiro da Paz. Setembro de 1938, n.18, p.04.

49

O PENTECOSTALISMO NO BRASIL NA PRIMEIRA METADE

DO SÉCULO XX

O crescimento do movimento pentecostal no Brasil tem

despertado muito interesse da academia nas últimas décadas. O

crescente número de adeptos, a evidência na mídia, a força política que

possuem, entre outros fatores, despertou um grande interesse pela

pesquisa envolvendo o pentecostalismo. Na opinião de alguns

especialistas a rápida expansão do pentecostalismo é provavelmente o

fenômeno mais importante no cenário religioso do Brasil e talvez de

toda a América Latina117

no século XX. O pentecostalismo promoveu

transformações grandiosas na sociedade e no imaginário social,

construiu significados próprios para a realidade e construiu

representações sui generis. Segundo Leonildo S. Campos não há

indícios na sociedade brasileira de que o pentecostalismo esteja

definhando, pelo contrário, ―percebe-se nele um fôlego e vontade de se

tornar uma força religiosa e política hegemônica‖.118

O desenvolvimento histórico do protestantismo nos Estados

Unidos e as distintas linhas teológicas ali presentes refletem diretamente

na diversidade de grupos protestantes em todo o mundo. Sob um aspecto

macro-tipológico, as igrejas evangélicas no Brasil podem ser divididas

em quatro grandes correntes, que se remetem ao protestantismo

estadunidense. O protestantismo histórico, o fundamentalismo, o

pentecostalismo e o neopentecostalismo. Embora seja uma tipologia

abrangente ela permite tanto a delimitação temporal quanto a

diferenciação de questões teológicas específicas em cada grupo.

Embora as tipologias sejam importantes, como uma forma de

estabelecer critérios mais ou menos reconhecíveis na delimitação de

características identitárias, teológicas, históricas entre outras, é muito

importante reconhecer que um movimento não se sobrepõe ao outro de

forma a anulá-lo.

Frequentemente as tipologias são insuficientemente seguras.

Todavia é preciso estar atento ao que Berger e Luckmann chamam de

comunidade de sentidos, ou seja, existe uma forma complexa de

117 VALLE, Rogério. “O risco das Comparações Apressadas”. In: ANTONIAZZI, Alberto.

1994, op. cit., p.07 118 CAMPOS, Leonildo S. Protestantismo histórico e pentecostalismo no Brasil: aproximações e conflitos. In: GUTIERREZ, Benjamim. CAMPOS, Leonildo Silveira. 1996, op.cit., p.94.

50

consciência, que permeia os grupos. Essa comunidade de sentidos não

possui caráter ontológico, de forma que o sentido é a consciência que

existe uma relação entre as experiências.119

Embora as diferenças no

protestantismo sejam reconhecidas, principalmente quanto aos conceitos

teológicos e a liturgia empregada, isso não elimina a existência de uma

comunidade de sentidos no meio protestante.

Uma das preocupações deste trabalho consiste em compreender

o pentecostalismo das Assembléias de Deus, reconhecendo suas origens

nos Estados Unidos e sua presença no Brasil, respeitando as

acomodações que ocorreram em uma realidade cultural diversa. Afirmar

categoricamente que a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã são

as representantes de um pentecostalismo tipologizado como clássico

resultaria em anular as acomodações culturais que são comuns nos

movimentos religiosos ou estabelecer um senso de legitimidade maior a

um determinado grupo religioso em detrimento de outros. O termo

pentecostalismo clássico compreende uma relação doutrinária e histórica

baseada principalmente no modelo restauracionista, fundamentalista e

avivalista que se deu no início do século XX. O termo frequentemente

tem sido utilizado sem levar em conta as transformações que as

denominações sofreram. Esse termo foi utilizado primeiramente nos

Estados Unidos na década de 1960 para distinguir as primeiras igrejas

pentecostais dos emergentes grupos neopentecostais e carismáticos

(ligados à igreja Católica).120

Todavia atualmente muitos elementos

litúrgicos, teológicos, filosóficos das igrejas que são denominadas

pertencentes ao pentecostalismo clássico, ou originárias dele, são

dinamicamente mais próximas das igrejas neopentecostais que daquele

modelo religioso que caracterizava o pentecostalismo nas primeiras

décadas do século passado.

No Brasil tanto a Congregação do Brasil (1910) quanto as

Assembléia de Deus (1911) permaneceram como representantes

hegemônicas do pentecostalismo até a primeira metade do século XX,

quando a estrutura do pentecostalismo sofre mudanças significativas,

frente às dissidências e entrada de novas denominações. Empiricamente

as mudanças que estas denominações sofreram são tributárias do que

Berger e Luckmann chamam de desgaste temporal. As instituições são

119 BERGER. Peter. LUCKMANN, Thomas. 2004, op.cit.,p.15 120 ARAÚJO, Isael. 2007, op.cit., p.568

51

volúveis no tempo na medida em que mudam as exigências humanas

sobre as quais elas se baseiam.121

Tanto a Assembléias de Deus quanto a Congregação Cristã do

Brasil são oriundas da mesma vertente pentecostal nos Estados Unidos,

ligadas ao ministério do pastor Durham. Mesmo com uma origem em

comum no Brasil elas ganharam contornos bem diferentes. Suas

distinções estão principalmente nas orientações teológico-doutrinárias,

enquanto as Assembléias de Deus possuem uma orientação

predominantemente arminiana nas Congregações Cristãs predomínam as

exegeses calvinistas. Além das questões dogmáticas e doutrinárias

existem as diferenças litúrgicas, nos métodos de evangelização, no uso

da mídia, no apoio a lideranças políticas, entre tantas outras questões.

Embora as diferenças sejam muito grandes ambas utilizam uma

linguagem simbólica muito semelhante. Adotaram signos distintivos

presentes na indumentária, no templo, no uso da linguagem, entre

outros. Ambas possuem uma postura sectária, defendem um núcleo doutrinário

122 comum (salvação, batismo com o Espírito Santo, cura

divina e segunda Volta de Cristo), obedeçam a rígidas hierarquias, entre

tantas outras questões que podem ser relacionadas.123

Nas questões

doutrinárias elas compartilham da mesma compreensão prémilenarista,

compreendem a história em termos dispensacionais e defendem a

doutrina da obra consumada no Calvário como dogma. O

pentecostalismo da primeira metade do século XX no Brasil partilha

muitos vínculos que não se resumem à simples relação histórica ligada

às suas origens temporais.

Como forma de organizar e definir de uma maneira criteriosa o

campo religioso protestante alguns autores formularam tipologias mais

detalhadas124

que permitem classificar as denominações e grupos

121 BERGER, Peter L. 1985, op.cit., p.49 122 NOVAES Regina C. Reyes. 1980, op.cit., p.80 123 CORRÊA, Manoel Luiz G. As Vozes Prementes. 2.ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989, p.13-29. 124 As tipologias mais utilizadas se valem de três critérios principais, o histórico dividindo em

migração, missão, pentecostalismo e neopentecostalismo; o teológico, dividindo em sacramen-tal, da reta doutrina e do espírito; e ideológico, nomeando protestantismo liberal, conserva-

dor, evangélico. Os principais teóricos sobre as tipologias pentecostais são: José Bitencourt

Filho em Matriz religiosa brasileira; Martin N. Dreher em Protestantismo brasileiro: um mundo em mudança; Rubem Alves em Protestantismo e repressão; José Míguez Bonino em

Rostros del protestantismo latinoamericanos, Antônio Gouvêa Mendonça em Panorama atual

e perspectivas do protestantismo; Ricardo Mariano em Neopentecostais, Santely M Burgess, Gary B. McBee em Dictionary of pentecostal and charismatic movements, Paul Freston em

52

religiosos no Brasil. Estas tipologias são baseadas em critérios como o

histórico, ou teológico, ideológico, sendo que estes podem também se

misturar a outros como o litúrgico. Nessa perspectiva é possível

classificar as denominações com parâmetros diferentes. Como salienta

Adilson Schultz as tipologias não podem desconsiderar o empirismo

das religiões, pois ele não obedece rigorosamente os enunciados

teológicos previamente estabelecidos, mas aderem uma flexibilidade

baseada no empirismo.125

Os pentecostais acreditavam que deveriam agir para que o fim

dos tempos se desse no menor espaço de tempo possível, e tanto o

financiamento das missões quanto a atuação no campo missionário eram

duas maneiras de cooperar para a volta de Cristo ocorresse. A crença de

que o fim dos tempos deveria acontecer depois que o evangelho

chegasse a toda humanidade permeava os discursos. Este era um

pensamento ganhou força a partir da crença que as línguas eram idiomas

ensinados pelo Espírito para facilitar a evangelização de outros povos

(xenolalia). Muitos estavam convencidos que o próprio Deus havia lhes

capacitado com um novo idioma com o propósito de que fossem

enviados aos campos missionários. Entre os anos de 1906 e 1909

existem muitos relatos de envios de missionários em função do idioma

que acreditavam ter recebido do Espírito Santo. A expectativa do fim

dos tempos que se vinculou a própria identidade do movimento acelerou

ainda mais a agressiva corrida pela evangelização mundial. Uma das

consequencias foi que poucos meses depois de se tornar uma realidade,

como experiência vinculada a uma fundamentação teológica, o

pentecostalismo foi centrifugado para muitos lugares.

A compreensão do tempo histórico em termos dispensacionais

foi muito bem aceita dentro do pentecostalismo. Essa doutrina não era

compreendida como uma construção teológica dotada de algum grau de

historicidade e sim entendida como um projeto divino para a humanida-

de. O principal propagador do dispensacionalismo foi Cyrius Scofield, o

editor da Bíblia de Referência Scofield [Scofield Reference Bible] a

Protestantes e política no Brasil – tese de dourorado em sociologia :UNICAMP; Francisco Cartaxo Rolim em Pentecostais no Brasil: Uma interpretação sócio-religiosa; David Martin

em The Dilemmas of Contemporary Religion. Cf. SCHULTZ, Adilson. Tipologias do Protes-

tantismo Brasileiro. In: SCHULTZ, Adilson. Deus está presente o diabo está no meio. O protestantismo e as estruturas teológicas do imaginário religioso brasileiro. 2005. 405 fl. Tese.

(Doutorado em teologia) – Escola Superior de Teologia, Instituto Ecumênico de Pós-

Graduação em Teologia. São Leopoldo. RS, p. 94-109. 125SCHULTZ, Adilson. 2005, op.cit., p.95.

53

partir de 1909. Ele comentou o texto bíblico e para sua análise exegética

utilizou o dispensacionalismo com uma chave interpretativa da Bíblia e

da história. Para Scofield tanto a história quanto o texto bíblico são uma

espécie de mosaico no qual todas as partes tem o seu lugar designado e

previsível. Ele afirma que na Bíblia tudo tem seu lugar designado, exis-

tem sete sinais que comprovam sua unidade, existem distinções entre o

judeu, o gentio e a Igreja de Deus, são sete dispensações, dois adventos,

duas ressurreições, ou seja, toda a história pode ser ordenada e reconhe-

cida mediante o texto sagrado.126

O movimento fundamentalista nos Estados Unidos era um

grande promotor da Bíblia de Scofield. O ensinamento dispensacional

do tipo scofieldiano negava a possibilidade de uma experiência pente-

costal e afirmava que os dons do Espírito estavam limitados à era apos-

tólica. O dispensacionalismo scofieldiano é cessacionista, enquanto o

pentecostalismo é restauracionista. Essa ambigüidade, não impediu que

muitas notas explicativas de Scofield fossem usadas como justificativas

para dar suporte à compreensão soteriológica, escatológica, e histórica

dos pentecostais.

Na visão cessacionista de Scofield, todos que julgam praticar os

dons relatados no neotestamento estavam errados e deveriam ser proibi-

dos, porque Deus não concedia mais esses dons. Entretanto os pentecos-

tais vêm o sistema dispensacional como um apoio útil para enfatizar a

separação entre gentios e judeus, a segunda Vinda de Cristo pré-

milenial, o Arrebatamento da igreja, os sete anos da Grande Tribulação,

o Julgamento Final, e o avivamento que precederia os últimos dias.

Dentro das compreensões pentecostais, as manifestações espirituais

acompanhadas das línguas indicavam claramente que o avivamento que

antecede o retorno de Cristo era uma realidade. Com base no dispensa-

cionalismo os pentecostais sustentaram um discurso separatista, dividi-

ram o plano da salvação com critérios específicos para gentios e judeus

e se colocaram no centro do projeto divino de salvação.

O amplo uso da Bíblia de Estudos Scofield como modelo exe-

gético facilitou a adoção por parte dos pentecostais de posturas seme-

lhantes às defendidas pelo movimento fundamentalista nos Estados

Unidos. Além do conteúdo doutrinário, adotaram uma linguagem seme-

lhante, principalmente em relação aos teólogos liberais, o mundo, o

sistema político, os pecados e a modernidade. O dispensacionalismo é

126 Bíblia de Referência Scofield, p. VII – IX.

54

um método de organização das histórias bíblicas que visa encaixar todo

o conjunto de escritos proféticos como se fossem um complicado que-

bra-cabeças, dando assim unidade a todo o texto bíblico.

Os pentecostais acreditavam que o mundo se encontrava em um

estado permanente de degradação. O Arrebatamento127

da igreja seria

precedido pelo princípio das dores,128

tempo de caos e destruição. Tal

condição não pode ser alterada pela vontade humana, deveria ser aceita.

A humanidade deveria simplesmente aceitar a história projetada por

Deus em sua plena onisciência. Como observa o teólogo Heinrich

Shäefer, no pentecostalismo quanto pior a situação da humanidade mai-

ores seriam os indícios de que a volta de Cristo estava próxima. 129

Esse

modelo de interpretação sugere um posicionamento social mais passivo

e menos disposto à atuação política, visto estar alinhado a uma concep-

ção de história fatalista. Nessa lógica o único progresso que deveria

existir é de ordem espiritual e está associado a santificação. A crença

que a situação mundial deveria piorar cada vez mais refletiu diretamente

na preocupação em agir para melhorar as condições sociais do mundo.

A escatologia premilenarista se converteu na expressão de legitimação

do fatalismo

ASSEMBLÉIA DE DEUS

No Brasil os primeiros pentecostais deram origem às igrejas

Congregação Cristã do Brasil130

em 1910 com Luigi Francescon e a

Assembléia de Deus fundada pelos missionários suecos Daniel Berg e

Gunnar Adolf Vingren em 1911. Até meados da década de 1950 elas

eram praticamente exclusivas em termos de pentecostalismo no Brasil.

Ambas contribuíram com grande parte das bases doutrinárias, filosóficas

127 Arrebatamento ou Rapto é um conceito teológico utilizado para se referir ao translado dos

salvos no momento em que Jesus voltar. 128 Cf. Evangelho de Mateus 24:8 129 SHÄEFER, Heinrich. Protestantismo y crisis social en América Central. 1.ed. San Jose,

Costa Rica. Editorial DEI, 1992..,p.184 130A Congregação Crista do Brasil é possivelmente a igreja pentecostal que apresenta as maio-

res barreiras em relação a pesquisa. Eles são relutantes em escrever sua própria história e

devido seu sectarismo não enchergam com para pesquisas ligadas às ciências humanas. Seus preceitos teológicos orientam os fiéis a afastarem-se de pesquisas e não julgam necessário

registrar a sua própria história, desta forma não possuímos fontes que permitam reconstruir

uma narrativa histórica consistente da igreja. Um recurso muito usado pelos historiadores para recompor sua história é adotar a história oral como metodologia para a reconstrução histórica.

55

e comportamentais de muitas outras vertentes do pentecostalismo brasi-

leiro. O sociólogo Paul Freston destaca que os primeiros quarenta anos

de pentecostalismo no Brasil estas duas denominações representaram

hegemonicamente o pentecostalismo. Freston identifica que ocorreram

pequenos cismas no movimento pentecostal brasileiro, todavia as tími-

das iniciativas que se tem conhecimento são oriundas da interferência ou

estabelecimento de grupos vindos do exterior com a mensagem pente-

costal, porém não alteraram significativamente o pentecostalismo, eram

inexpressivos no cenário religioso. 131

De acordo com o jornal das Assembléias de Deus, o Mensagei-

ro da Paz no ano de 1933 um missionário pentecostal liderava a igreja

Metodista em São Paulo e nessa igreja havia a pregação sobre o batismo

com o Espírito Santo acompanhado da evidência das línguas. O jornal

elogiosamente afirma:

Os movimentos collectivos que, agora se esboçam e

se realizam fora das Assembleas de Deus, acerca do

baptismo do Espírito Santto, são outra demonstra-

ção de que o fogo do ceo continua acceso, ardendo

no coração de muitos.132

Principalmente em razão das disparidades teológicas existentes

entre as Assembléias de Deus e as Congregações Cristãs não existiu

entre elas iniciativas de união ou cooperação denominacional, pelo con-

trário a relação entre elas foi marcada por hostilidades, principalmente

depois da década de 1930. Nessa década o pentecostalismo já havia se

propagado a praticamente todo território nacional. Ambas espandiram

geograficamente e acabaram disputando o mesmo mercado religioso.

Na viagem que Vingren fez em 1923 para o sul, acabou passan-

do em São Paulo e pregando em uma Congregação Cristã, ocasião que

ficou amigo de Emílio Conde. No sul pregou em uma igreja Batista.

Essas duas situações ilustram que embora existissem divergências, os

protestantes partilhavam de uma comunidade de sentidos que permitia

algumas aproximações. Os conflitos estavam muito ligados ao domínio

legítimo da ―verdade‖, com discursos diferentes a consequência direta

era a perda de fiéis.

131 Paul Freston cita a Igreja de Deus, vinda do exterior e a Igreja de Cristo, um cisma da

Assembléia de Deus. Cf. ANTONIAZZI, Alberto, et.al. 1994, op.cit., p.70. 132 Mensageiro da Paz. Julho de 1933, n.13, p.04.

56

Ambas adotavam uma visão restauracionista. A compreensão de

que a ―unidade‖ nos moldes da igreja primitiva deveria ser buscada não

foi suficientemente forte para romper com as distâncias teológicas, po-

rém promoveu um senso de união intradenominacional. Nesse sentido,

qualquer esforço contrário a coesão do grupo dentro da denominação

representava um desvio dos princípios pentecostais. Essa é uma das

razões que permitiram que estas instituições se mantivessem guindadas

acima das insatisfações ou interesses separatistas. Segundo Peter Berger

as principais ameaças das instituições são os estragos do tempo, ou seja,

a impresivibilidade dos acontecimentos históricos. Outro dispositivo de

ruptura com a instituição são os conflitos e discrepâncias entre os grupos

cujas atividades elas pretendem regular133

. Uma vez que os conflitos e

discrepâncias foram regulados por um eficiente discurso de unidade isso

permitiu que por mais de quatro décadas permanecessem blindadas de

grandes separatismos.

Em larga medida a síntese doutrinária adotada pelos pentecos-

tais neste período é constituída em parte pela audição das preleções de

W. H. Durham e pelo periódico que editava o The Pentecostal Testi-

mony. É difícil diagnosticar com clareza as influências doutrinárias que

fizeram parte do pentecostalismo no Brasil, porém não se pode negar

que a tragetória dos missionários revele muito sobre a orientação doutri-

nária que adotavam. Vingren mesmo com pouco dinheiro, dias antes de

vir para o Brasil, registra no seu diário que ofertou a Durham todo seu

dinheiro com intúito de contribuir com a impressão do The Pentecostal Testimony

.134

Embora Vingren, Berg e Francescon tenham sido influenciados

por Durham suas tragetórias pré-pentecostais também refletem na forma

como deram sentido ao pentecostlaismo. Tanto a Assembléia de Deus

quanto a Congregação Cristã foram conduzidas de formas diferentes.

Francescon era presbiteriano de orientação teológica calvinista, enquan-

to os suecos eram batistas e arminianos. Através das referências biográ-

ficas dos missionários é possível recortar e caracterizar um modo dis-

cursivo que refletiu diretamente na própria identidade das denominações

que deram origem.

133 BEGER, Peter. 1985, op.cit. p.49. 134 VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren: o diário de um pioneiro. Rio de Janeiro: Casa Publica-dora das Assembléias de Deus. 2004, p.29.

57

ACOMODAÇÕES DO PENTECOSTALISMO

Mesmo que os crentes estivessem conveniados a uma determi-

nada denominação religiosa isso não elimina o fato de conhecerem e até

mesmo simpatizarem com doutrinas diversas. No início do século XX a

imprensa era um dos veículos de comunicação mais poderosos e eficien-

tes, existia uma vasta oferta de periódicos em circulação entre os protes-

tantes, com orientações doutrinárias e teológicas diversas. Como vere-

mos a seguir, embora os assembleianos no Brasil estivessem ligados à

Assembléia de Deus norte-americana, muitos artigos que compunham os

periódicos publicados pelos assembleianos no Brasil são provenientes

principalmente do movimento pentecostal estadunidense e sueco além

de artigos ligados ao movimento da santidade e fundamentalista.

Na Suécia a igreja oficial, Luterana, era subordinada ao Estado,

e quem pertencia à igreja Batista não era visto com bons olhos dentro da

cultura religiosa da nação. Mesmo que a pratica religiosa se restringisse

a uma minoria da população, excetuando-se os ritos de passagem e a

adesão formal, apenas uma singela parcela podia ser considerada prati-

cante de atividades religiosas.135

O Catolicismo não tinha significativa

atuação, e a pluralidade religiosa se dava basicamente nas relações in-

ternas, pietistas. Segundo Freston a religião se mantinha muito mais

como um sentimento cultural, que uma experiência empírica.136

Todavia

os missionários mantiveram um ascetismo que refletiu profundamente

na forma que conduziram a evangelização no Brasil.

A influência da organização social, cultural e religiosa da Sué-

cia sobre os missionários certamente contribuiu para a formação de um

modo de perceber a religião e o seu envolvimento com a vida social. Na

Suécia as dissidências religiosas eram quase que impraticáveis. Em

decorrência destas relações sociais, Freston argumenta que no seu ethos,

os missionários eram portadores de um religião leiga e contracultural,

resistentes à erudição teológica e modesta nas aspirações sociais.137

A

postura dos missionários era de desprezo a teologia liberal predominante

no seu país de origem. Em muitos aspectos eles possuíam uma postura

bem diferente dos missionários americanos que chegaram logo em se-

135 Algo em torno de 5% da população era ativa em algum sistema religioso. Cf.

ANTONIAZZI, Alberto.(et.al). 1994, op.cit., p.77. 136 Ibidem 137 Ibidem, p. 78

58

guida no Brasil, principalmente no que se refere a preocupação de as-

censão social e apego a erudição teológica.

De acordo com Freston, estas características da sensibilidade

dos missionários frente a sociedade e a religião, contribuíram para que a

Assembléia de Deus se desenvolvesse com maior liberdade em terras

brasileiras. A própria condição econômica dos missionários em seu país

de origem, a estrutura social a qual estavam inseridos foram importantes

para o sucesso das missões no Brasil. Os missionários permaneceram

ligados a setores menos favorecidos da sociedade. Freston enfatiza que

forçosamente suas vidas foram marcadas pela simplicidade, pouco preo-

cupados com a ascensão econômica.138

Outros fatores contribuíram para

o crescimento do movimento pentecostal, como a facilidade de adesão, a

simplicidade organizacional do culto, a experiência de possuir poder,139

a teologia conversionista, a liturgia livre nas primeiras décadas. Estas e

outras características fornecem algumas pistas que ajudam explicar so-

ciologicamente as origens do movimento pentecostal no Brasil

Doutrinariamente podemos resumir que o pentecostalismo pro-

pagado pelos missionários era caracterizado principalmente pela mani-

festação da glossolalia140

a cura divina e o forte apelo escatológico.

Nessas afirmações doutrinárias é perceptível uma interpretação bíblica

fundamentalista e uma moral puritana de origem marginal, visto que foi

trazida por imigrantes pobres oriundos de um ambiente social predomi-

nantemente de negros e de classes menos favorecidas. No Brasil a clien-

138 Ibidem, p.79 139 Cecilia Mariz propõe que a senssação de sentir poder sobrenatural ocorria mais frequente-mente entre aqueles que não tinham nenhum poder material. Um dos fatores para o grande

êxito do pentecostalismo estaria em fatores psicológicos ligados a auto-estima e a motivação,

na ênfase nos dons espirituais em oposição à riqueza material. Cf. ANTONIAZZI, Alber-to.(et.al). 1994. op.cit., p 85,87 140 Gr. γλώσσα [falar] λαλώ [língua], é o fenômeno onde o indivíduo expressa sonoramente

uma língua desconhecida. Os linguistas afirmam que a glossolalia não é uma lingua real. Especificamente a glossolalia não revela nenhuma gramática ou sintaxe, não acomoda tempos

passados, presentes ou futuros. A análise que os linguistas fazem desse fenômeno indica que

não existem distinções que possam especificar o singular ou o plural, a distinção entre verbos e substantivos ou qualquer outro valor semântico. Em outras palavras, as unidades de som da

fala glossolálica não têm qualquer relação previsível ao seu contexto natural ou social. Porém a

glossolalia previlegia os demais componentes da fala ligados ao timbre, a elocução com ênfa-ses, variações na tonalidade. Cf. WACKER Grand. 2003. op.cit.,p.51,52

59

tela alvo se constituiu nos primeiros anos basicamente pelas camadas

periféricas da sociedade.141

A VOCAÇÃO MISSIONÁRIA DOS SUECOS

A própria justificativa para a vinda dos missionários ao Brasil

está permeada por uma mística religiosa interessante. Foi mediante uma

visão sobrenatural de Adolf Ulldin que os suecos decidiram vir ao Bra-

sil. Esse pode ser definido como o mito fundador da igreja no Brasil. Em

uma reunião de oração na casa de Ulldin o missionário Vingren regis-

trou em seu diário que aconteceram várias manifestações do Espírito

Santo. Entre estas manifestações esta registrado que duas pessoas tive-

ram um arrebatamento profético e outras cairam ao chão, muitas falaram

línguas e o próprio Ulldin profetizou. Vingren registrou que nesse dia

várias coisas sobre o seu futuro foram reveladas. A profecia de Ulldin

foi proferida em português e afirmava que Vingren deveria seguir ao

Pará, onde aturaria como missionário em meio a um povo muito sim-

ples. Segundo Vingren a profecia dava detalhes sobre o tipo de alimento

que ele encontraria no campo missionário além de indicar que seu casa-

mento seria com uma moça chamada Strandberg.142

O registro em seu

diário ocorreu muito tempo depois dos episódios relatados e embora

tenha atuado como missionário no Brasil o romance com sua esposa

cujo sobrenome de solteira é Strandberg aconteceu na Suécia.

Segundo o diário de Vingren o encontro dele com Daniel Berg

ocorreu em uma convenção de igrejas Batistas reavivadas de Chicago

em 1909. Logo após o início da amizade, Berg sentiu-se orientado por

Deus a seguir para South Bend, Indiana, onde Vingren era pastor de uma

igreja batista. Desse encontro os dois descobriram afinidades no ideal

missionário e passaram a freqüentar ambientes de oração em comum.

Vingren convidou Berg para ir até a residência de Ulldin, na qual era

hóspede. Na cozinha da casa, Ulldin foi arrebatado em espírito e em

seguida revela-lhes uma profecia. Ele reiterou a mensagem que havia

proferido dias antes a Vingren e afirmou que Berg também deveria a-

141 ALENCAR, Gideon F. Todo o poder ao pastor, todo o trabalho ao povo, todo louvor a

Deus: Assembléia de Deus: origem, implantação e militância 1911-1946). Mestrado. São

Bernardo do Campo: UMESP, 2000. p.11 142 VINGREN, Ivar. 2004, op.cit. p.27

60

companhar o amigo nas missões. A viagem deveria ocorrer em um na-

vio rumo a uma cidade chamada Pará no dia 05 de novembro de

1910.143

Os missionários afirmavam não sabiam onde ficava essa região

e seguiram até a biblioteca pública para encontrar um atlas geográfico

que lhes indicasse.

De acordo com Freston é provável que o nome ―Pará‖ já tivesse

aparecido em relatos enviados pelo pastor da igreja Batista que implan-

tara missões no Brasil.144

A missão Batista estava na região desde 1897 e

era dirigida por um pastor sueco que viveu nos Estados Unidos, Erik

Nilsson, (ou Eurico Nelson). Ele trabalhou com a implantação de igrejas

em toda a região amazônica e recebia suporte financeiro para desenvol-

ver o trabalho no Brasil. Essa região também era muito conhecida devi-

do às ligações comerciais que o Brasil tinha com os Estados Unidos

principalmente através da exportação de látex. De acordo com a memó-

ria de Daniel Berg:

Certo dia, o dono da casa onde Gunnar Vingren se

hospedava recebeu de Deus uma revelação e profe-

tizou para nós que iríamos para o Pará. Esse nome

era uma orientação para nós, apesar de nunca o ter-

mos ouvido antes. Acrescentou que tinha a impres-

são que esse nome era de uma cidade em algum lu-

gar... Descobrimos que o Pará ficava no Norte do

Brasil. Visto no mapa, ele ficava tão longe que pen-

samos não ser essa a direção divina.145

Os missionários decidiram vir ao Brasil sem o apoio de qual-

quer igreja ou amparo financeiro, chegando em Belém no dia 19 de

novembro de 1910, no navio Clement. Partiram na data indicada na

profecia, 5 de novembro de 1910. Por falta de recursos compraram uma

passagem de terceira classe. Assim que desembarcaram do navio procu-

raram informações sobre as missões que já estavam agindo no Brasil e

logo encontrram a comunidade Batista. Ao que tudo indica foram muito

bem recebidos pelo pastor local que lhes abriu as portas da igreja para

congregar e morar, visto que alugaram o porão da igreja para morar.

143 Ibidem, p.27, 28. 144 ANTONIAZZI, Alberto, et.al. 1994, op.cit., p. 81 145 BERG, David. Daniel Berg – enviado por Deus. Versão ampliada. Rio de Janeiro, CPAD, 1995. p. 32.

61

Durante sete meses moraram na própria igreja. Logo que começaram a

dominar a língua portuguesa e iniciaram o processo de propagação das

idéias pentecostais precisaram encontrar outro lugar para residir, pois

decorrente dos conflitos doutrinários, foram excluídos da comunidade.

PENTECOSTALIZAÇÃO DA IGREJA BATISTA

Os dois jovens chegaram ao Pará justamente no momento em

que a economia declinava, pois a produção de borracha estava em baixa,

devido a concorrência com os mercados asiáticos.146

Analisando a histó-

ria de implantação das Assembléias de Deus por estado da federação,

fica nítido que o deslocamento de pessoas do norte para outras regiões

do país, foi motivado principalmente por questões econômicas, de forma

que essa migração destaca-se como propulsora da propagação do pente-

costalismo no Brasil.

No Brasil a intenção desde o princípio era propagar o evangelho

e, sobretudo, o batismo com o Espírito Santo. Seguindo um projeto de

sucesso entre muitas igrejas nos Estados Unidos, os pentecostais geral-

mente inseriam na comunidade a que pertenciam a doutrina do batismo

com o Espírito Santo com evidência das línguas, promovendo a pente-

costalização da comunidade. No Brasil essa investida resultou na divi-

são da igreja batista no Pará.

Vingren já havia enfrentado uma experiência de separação

compulsória da igreja batista nos Estados Unidos, quando pastoreava a

igreja de Menominee em Michigan. Após ter passado pela experiência

do batismo com o Espírito Santo em uma conferência da Primeira Igreja

Batista Sueca de Chicago. Convicto da experiência do batismo com o

Espírito Santo e a evidência das línguas, procurou repassar essa doutrina

para a sua igreja local. Após algumas investidas nesse sentido a grande

maioria dos membros de Menominee o rejeitam como pastor. Na impos-

sibilidade de continuar seu trabalho migrou para outra igreja batista

sueca, em South Bend.147

146 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12 ed. (Didática, 1). São Paulo: Edusp. 2006, p.293 147 CÉSAR, Elben M. Lenz. História da evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecos-tais. 2.ed. Viçosa:Ultimato, 2000, p.118.

62

Conscientes ou não, os missionários comprovaram ao chegar

ao Brasil que não receberam a xenolália e sim a glossolália, portanto

deveriam estudar o idioma para evangelizar. Isso não os impediu de

acreditar que Deus concedia línguas de vários povos, sem o prévio estu-

do deste idioma. Em 1911 Vingren relata em seu diário que Jesus tinha

batizado uma mulher com o Espírito Santo que falou tanto em latim

como em árabe, seguido de uma interpretação na língua portuguesa.148

Tanto as dificuldades com o idioma, quanto a falta de uma or-

ganização que os tivesse enviado como missionários e a inexistência de

suporte financeiro formal são indícios que pretendiam levar a cabo um

projeto de conscientização dos protestantes que já atuavam no Brasil à

realidade das doutrinas pentecostais.

Vingren registra no seu diário que logo que chegou em Belém,

as quatro igrejas protestantes da cidade estavam ansiosas para ouvi-los.

Ao participarem de um culto em uma destas igrejas os missionários

cantaram um hino em inglês e o poder de Deus ―caiu‖ sobre eles. Vin-

gren explica que o culto foi diferente pelo fato de que o próprio Espírito

Santo estava cantando o hino com eles.149

Logo em seguida os missioná-

rios passaram a explicar sobre o Espírito Santo aos demais protestantes.

Depois da atuação no primeiro culto Vingren registrou no seu

diário que três crentes tinham se interessado pelo evangelho que eles

pregavam. Essa foi uma oportunidade para que testificassem sobre o

batismo com o Espírito Santo.150

Outra iniciativa se deu com o missio-

nário sueco que fora enviado dos Estados Unidos, Erik Nilsson, o qual

ouviu os missionários e os alertou que deveriam parar de falar sobre o

batismo com o Espírito Santo. A rejeição de Nilsson foi interpretada

pelos missionários como uma cilada muito astuta do Diabo para desviá-

los da vontade de Deus.151

Ao que tudo indica Nilsson enquanto morava

nos Estados Unidos teve contato com a doutrina do batismo com o Espí-

rito Santo tal como defendido pelo movimento da Santidade e não nos

moldes pentecostais com a evidência das línguas, pois Vingren registra

que Nilsson tinha buscado o batismo e o poder do Espírito Santo... po-

rém, ―quando começou a sentir o poder de Deus, sua mulher ficou com

medo e o impediu de continuar‖. 152

.

148VINGREN, Ivar. 2004, op.cit., p.51 149 Ibidem, p.37 150 Ibidem 151 Ibidem, p.39 152 Ibidem

63

A maioria dos protestantes que chegaram ao Brasil foram pos-

teriores aos avivamentos ocorridos nos Estados Unidos , portanto, esta-

vam permeados da mentalidade evangelical, sua teologia e ideologia.

Intencional ou não, após sete meses no Brasil, os missionários provocam

um cisma na comunidade batista. Até esse momento não há indícios que

tenham sido bem sucedidos na evangelização de pessoas de outros cre-

dos.

Ao que tudo indica o grupo que rompeu com igreja Batista foi

motivado pela experiência de Celina de Albuquerque que admitiu ter

recebido o batismo com o Espírito Santo com evidência das línguas.153

No dia seguinte, Maria de Nazaré, inspirada pela experiência de Celina,

afirma também ter experenciado a mesma manifestação espiritual. A

mensagem dos missionários e os testemunhos das experiências de Celi-

na e Maria de Nazaré impulsionaram outros membros a crerem no dis-

curso dos missionários. Esse é o caso de um dos diáconos, Manoel Ma-

ria Rodrigues, que diz ter acreditado no fenômeno mesmo sem vivenciá-

lo.154

Dois dias após a experiência de Celina, dezoito pessoas 155

que

simpatizaram com a mensagem pentecostal foram excluídas da igreja

Batista, no dia 10 de junho de 1911, em um culto dirigido pelo diácono

Raimundo Nobre.156

Logo após o testemunho de Celina e a exclusão de todos que

reconheceram publicamente a legitimidade do batismo com o Espírito

Santo com a evidência das línguas, Celina cedeu sua casa para a realiza-

ção dos primeiros cultos. Em sua residência nasceu a ―Missão da Fé Apostólica‖, o primeiro nome que adotaram para a igreja. É interessante

notar que os suecos decidiram usar o mesmo nome da primeira denomi-

nação pentecostal dirigida por Seymour, Apostolic Faith Mission, uma

153 Conde descreve: ―... uma hora da manhã do dia 8 de Julho de 1911, em sua residência na

Rua Siqueira Mendes, 79 (atual 161). Celina de Albuquerque foi batizada com o Espírito Santo. Estava confirmada a verdade pregada pelos missionários, que anunciavam um novo

batismo‖. Cf. CONDE, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. 4.ed. Rio de

Janeiro: CPAD, 2005, p.26 154 Ibidem. 155 Há discordância quanto a quantidade de pessoas, Freston e Campos sustentam que são

dezenoves dissidentes enquanto Cezar admite dezoito, Vingren afima que foram 18. Conde registra 17 excluídos, mas relaciona 20 nomes. A explicação provável está no próprio Conde

quando diz que ―dessa lista, 17 eram membros e outros menores‖ . Cf. CONDE, Emílio.

Op.cit.p.26 156 Raimundo Nobre havia acolhido os dois missionários no porão da sua casa e permitiu a

participação deles nos cultos, o que redundou na divisão da igreja. Aborrecido com a dissidên-

cia ele escreveu um folheto com 27 páginas contra a pregação de Berg e Vingren e publica vinte mil exemplares que são distribuídos para as igrejas evangélicas de todo o Brasil.

64

referência clara não só a ligação que tinham com a teologia gestada nos

Estados Unidos como com a visão restauracionista intrínseca nessa no-

meação.

Gunnar A. Vingren tinha pastoreando igrejas nos Estados Uni-

dos e assume a liderança como pastor da nova denominação, colocando

em prática sua experiência. Entretanto seu companheiro Daniel Berg,

nunca esteve a frente de qualquer igreja, obteve cargo ou exerceu qual-

quer atividade ligada a hierarquia. Nos periódicos oficiais das Assem-

bléia de Deus só há dois artigos assinados por ele e até seu trabalho

como missionário em Portugal anos mais tarde, não é registrado naquele

país.157

O próprio Berg admite que não tinha pretenções em assumir

qualquer atividade de liderança na igreja. Segundo Berg sua chamada

missionária estava relegada a servir o Senhor com sua força física.158

No

Brasil ele trabalhou na Companhia Port of Pará, para sustentar seu ami-

go Vingren. O principal articulador do projeto missionário foi Vigren

que logo procurou estudar a língua e construir um bom relacionamento

com os demais fiéis da igreja Batista. A principal atividade de Berg

como missionário consistia na evangelização das regiões ribeirinhas do

alto Amazonas e no trabalho de colportagem.

Contudo Vingren e sua esposa exerceram desde os primórdios

da denominação uma influência grandiosa tanto nos hábitos instituídos,

como no conteúdo doutrinário e estruturação da instituição. Ele possuía

formação no Seminário Teológico Batista Sueco de Chicago (1904 a

1909), estudou com afinco a língua portuguesa no Brasil, e produziu um

grande número de textos apologéticos da doutrina que defendia.

O primeiro templo com o nome de Assembléia de Deus foi

inaugurado na cidade de Belém (PA), em 08 de novembro de 1914. A

decisão em aderir ao mesmo nome surgido nos Estados Unidos por in-

fluência do Concílio das igrejas pentecostais que adotaram esse nome,

foi uma decisão local e não uma imposição externa. Certo é que mesmo

antes do reconhecimento jurídico os membros já admitiam esse nome,

mas a igreja reconhecidamente como Assembléia de Deus só é oficial

em 1918, segundo o diário de Gunnar A. Vingren.

O ano de 1918 foi de suma importância para a continuação do

movimento pentecostal no grande país. O trabalho já contava com al-

guns anos. Agora chegou o tempo de registrar a igreja oficialmente, nos

157 ALENCAR, Gedeon Freire. 2000, op.cit., p.50 158 BERG, David. 1995. op.cit.,p. 16

65

trâmites de pessoa jurídica. Isso aconteceu no dia 11 de janeiro de 1918,

quando oficialmente foi registrada como Assembléia de Deus. 159

O PROGRESSO DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

O jornalista assembleiano Emílio Conde registra que os três

primeiros anos foram os mais difíceis para a igreja no Pará, pois as per-

seguições160

sofridas pelo pequeno grupo de pentecostais eram intensas.

Além da expulsão da igreja Batista, ainda ocorreram perseguições de

católicos e outros protestantes metodistas, anglicanos e presbiterianos.161

Entretanto a situação da igreja começou a melhorar com a chegada de

missionários suecos e o investimento destes nas missões no Brasil. É

importante lembrar que nesse momento as manifestações religiosas não

católicas de um modo geral eram extremamente perseguidas, principal-

mente as ligadas aos cultos afros e espíritas.

No ano de 1921, antes mesmo da explosão da chegada dos mis-

sionários suecos, os Estados Unidos já tinha enviado doze missioná-

rios.162

Havia mais missionários americanos e suecos que pastores na-

cionais nesse momento. Nesta leva de missionários, entretanto, somente

um homem se faz presente as demais são mulheres que por sua vez não

têm participação hierárquica semelhante a dos homens na igreja. Embo-

ra os suecos exercessem maior influência política no Brasil são os norte

americanos que contribuirão significativamente para os grandes traços

característicos do pentecostalismo. As concepções políticas e teológicas

defendidas nos Estados Unidos foram muito relevantes na construção da

identidade das Assembléias de Deus, seu discurso e suas práticas.

Berg era amigo de infância do um grande líder pentecostal na

Suécia, Lewi Pethrus. Foi inclusive por influência de Pethrus que Berg

159 VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren,o diário de um pioneiro. Rio de Janeiro:CPAD, 1973,

p.57 160 ―Depois do primeiro batismo, nas águas do rio Guamá, foram realizados centenas deles, através de Berg e Vingren. (...) ‗Os primeiros batismos no Pará era feitos em segredo, geral-

mente as 11 horas da noite, pois não havia tanques batismais‘. Nessas ocasiões, a perseguição

era intensa. Certa vez, dezenas de pessoas apareceram armadas de facas e laços, querendo impedir a realização daquele ato. Apesar das ameaças, no entanto, com a ajuda de Deus, o

batismo foi efetuado e nada aconteceu‖. Cf. CONDE, Emílio. 2005, op.cit., p.26 161 SCHULTZ, Adilson. 2005, op.cit., p.148. 162 CONDE, Emílio. 2005, op.cit., p.45

66

ao visitar a Suécia no ano de 1908, quando retorna para os Estados Uni-

dos no caminho, recebeu a experiência do batismo com o Espírito Santo.

Em 1910 Pethrus assumiu o pastorado de uma igreja batista em Esto-

colmo. Pouco tempo depois foi excluído da denominação e com o rom-

pimento abriu-se a possibilidade da igreja apoiar financeiramente o inci-

piente trabalho do amigo Berg no Brasil.163

A década de 1930 é marcada pela intensa presença de suecos.

Cerca de vinte famílias compunham o quadro missionário da igreja de

Estocolmo. As Assembléias de Deus se desenvolvem no Brasil de forma

autônoma, sem interferências quanto a sua estrutura organizacional pro-

venientes do exterior. As grandes influências para o pentecostalismo

residem no discurso teológico e na fundamentação doutrinária. A igreja

sueca embora enviasse e sustentasse os missionários teve poucas interfe-

rências políticas na missão brasileira. Uma das características das mis-

sões suecas consistia em preservar a autonomia das igrejas locais. Um

exemplo da atuação política da igreja sueca no Brasil ocorreu na primei-

ra Convenção das Assembléias de Deus no Brasil em 1930 quando o

pastor Lewi Pethrus atuou de forma significativa. O jornal Mensageiro

da Paz destaca que a atuação do líder sueco foi muito importante.

Todos os assumptos foram discutidos com inteira

liberdade, tanto pelos trabalhadores brasileiros, co-

mo pelos missionários, fazendo-se ouvir sempre, o

Pastor Lewi Pethrus, da Suécia.164

Nos primeiros anos a expansão da igreja no territórico nacional

ocorreu de forma desordenada, sem planejamento ou interesse prévio

em estabelecer locais e estratégias de evangelização. Como fora visto, a

queda na produção de látex e a migração dos seringueiros foi um dos

fatores responsáveis pela expansão da igreja. Os líderes não têm pleno

domínio sobre a expansão da igreja que rapidamente se espalhou por

todos os Estados. Muitos homens e mulheres, frequentemente sem qual-

quer ordenação formal se lançaram como missionários autônomo/as sem

qualquer vínculo financeiro, constituindo igrejas sem pastor. Vingren

nos seus diários relata vários testemunhos de implantação de igrejas por

agentes até então anônimos, leigos/as, sem hierarquia institucional, que

muitas vezes acabaram estabelecendo uma comunidade de fiéis após

163 ANTONIAZZI, Alberto, et.al. 1994, op.cit., p.80 164 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1930, n.01.p.01

67

uma visita a parentes ou em razão da migração destes. A compreensão

de que as demais igrejas protestantes não tinham o Espírito Santo na sua

plenitude, fez com que muitos se lançassem na evangelização dos pró-

prios protestantes.

A divulgação do evangelho era um dever do crente, a medida

que havia um número significativo de membros, uma casa era cedida ou

alugada e os cultos ganhavam contornos litúrgicos congregacionais.

Frequentemente os pastores só eram chamados no momento em que

havia uma quantidade de convertidos que passariam pelo batismo em

águas ou para ministrar a Santa Ceia.165

O alvo de todos era ganhar o

máximo possível de almas para o Senhor antes do Arrebatamento da

igreja. Todos se esforçavam o máximo possível e os resultados não tar-

daram, surgia uma igreja após a outra.

No Rio de Janeiro a igreja é igualmente implantada de forma

imprevisível. Alguns fiéis vindos do Pará em busca de trabalho, funcio-

nários públicos transferidos pelo governo e outros que visitavam paren-

tes, iniciaram os primeiros processos de evangelização no Estado.

Quando Vingren visita o Rio de Janeiro pela primeira vez ele já encon-

trou um grupo assembleiano organizado.166

Na casa de Eduardo de Sou-

za Brito já eram realizados os cultos. Vingren atendendo aos interesses

dessa comunidade e reconhecendo a importância geográfica do Rio de

Janeiro, abandona o pastorado em Belém e deixa a igreja sob a supervi-

são de Samuel Nyström. Com essa atitude se desvincula do norte e o

sudeste aos poucos se transforma no centro administrativo da igreja. Em

abril de 1924 Vingren despede-se de Belém.

A IMPRENSA NAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

A imprensa foi uma grande aliada do pentecostalismo. Os regis-

tros indicam que uma das primeiras iniciativas dos missionários nos

campos de evangelização era a produção e importação de literatura pen-

tecostal. No Brasil isso demorou um pouco para acontecer. No início os

missionários importavam Bíblias e novos testamentos em língua portu-

guesa. Os missionários reconheciam a necessidade de aproximação dos

crentes à Bíblia, embora no Brasil grande parte dos neófitos sequer sou-

besse ler.

165 ALENCAR, Gedeon Freire. 2000, op.cit., p.64 166 CONDE, Emílio. 2005, op.cit., p.199

68

A primeira iniciativa se deu com a criação do jornal Voz da

Verdade em novembro de 1917, cujos redatores eram José Manoel Ca-

valcante de Almeida Sobrinho e João Trigueiro da Silva, ambos brasilei-

ros.167

Os primeiros jornais valorizavam o restauracionismo tão enfati-

zado pelos pentecostais. No jornal Voz da Verdade, consta a seguinte

observação ―Orgam devotado a pregar a Fé Apostólica‖.168

Segundo

Conde essa foi a mesma motivação teológica presente no jornal Boa

Semente, ele afirma que ―todos eram unânimes em reconhecer a neces-sidade da criação de um jornal que divulgasse as doutrinas apostóli-

cas‖, e conclui que ―foi assim que apareceu o Boa Semente”. 169

Embora o jornal Voz da Verdade tenha sido extinto na segunda

edição é importante reconhecer que os missionários não faziam parte da

primeira orientação literária pentecostal e ao que tudo indica eles não

aprovaram a iniciativa. Nos dez anos que compõem os diários de Vin-

gren, não há menção do jornal, ou esta informação fora omitida quando

redigido por Ivar Vingren, seu filho. Conde afirma que o conteúdo era

relativo a horários de culto, notícias missionárias, notas sociais e defesa

dos fundamentos pentecostais. A primeira matéria do periódico era -

Jesus é quem batiza com o Espírito Santo e com fogo. As reais razões da

extinção do jornal permanecem uma incógnita, mas podemos presumir

que os suecos não tenham simpatizado com a iniciativa dos pastores

brasileiros.170

Dentre os que foram separados com a função pastoral até

esse período, nenhum deles estava a frente do Voz da Verdade.

De acordo com Vingren, após quatro anos de implantação do

pentecostalismo, a igreja havia batizado 384 pessoas nas águas e destas

276 no Espírito171

. Esses números associados ao alto índice de analfa-

betismo e dificultades tanto de produção como distribuição, representam

um tímido mercado para um editorial.

A literatura antes de 1919 era toda importada, Bíblias e os no-

vos testamentos freqüentemente eram vendidos ou ofertados, inclusive a

muitos crentes analfabetos. Um dos grandes responsáveis pela distribui-

ção de Bíblias em língua portuguesa foi o missionário Daniel Berg, que

167 Mensageiro da Paz. Março de 1980, n.1115, p.11 168 Voz da Verdade, Novembro de 1917, n.01, p.01. 169 CONDE, Emílio. 2005, op.cit., p.41. 170 Até o ano de 1917 sabe-se da existência de cinco pastores brasileiros (Absalão Piano, Isido-ro Filho, Crispiano de Melo, Pedro Trajano e Adriano Nobre), quatro missionários suecos

(Daniel Berg, Gunnar Vingren, Otto Nelson, Samuel Nyströn. Cf. CONDE, Emílio.2005,

op.cit., p. 36-40 171 VINGREN, Ivar. 2004, op.cit. p. 71

69

durante os primeiros anos no Brasil vivia da atividade de copoltor.172

Outras literaturas como jornais, revistas, hinários e livros eram em in-

glês ou sueco e estavam sob o domínio dos missionários. Nos primeiros

anos o pentecostalismo privilegiou o uso da oralidade, da leitura da

Bíblia e de alguns folhetos com mensagens conversionistas.

O primeiro periódico oficial das Assembléias de Deus foi o

jornal O Boa Semente, foi editado pela primeira vez em 18 de janeiro de

1919, em Belém do Pará. A frente da edição estava Vingren e seus prin-

cipais redatores eram os missionários suecos Samuel Nyström e Nels

Nelson e o brasileiro Plácido Aristóteles Tavares do Canto. A atuação

de Plácido foi crucial tanto porque os missionários precisavam de uma

pessoa com conhecimentos técnicos em tipografia como pelo domínio

da língua portuguesa.

Em decorrência do deslocamento de Vingren e sua família para

o Rio de Janeiro, ele entregou a direção do jornal Boa Semente para

Nyström. Nesse momento o jornal já contava com toda a estrutura de

máquinas de impressão próprias. Na capital federal Vingren deu início a

publicação de outro jornal O Som Alegre em novembro de 1929. O

jornal teve uma vida muito curta, pois no ano seguinte devido as resolu-

ções da primeira Convenção Geral das Assembléias de Deus, fora deci-

dido que tanto o Boa Semente como O Som Alegre seriam extintos para

dar lugar ao jornal Mensageiro da Paz.173

No Brasil quem tem o domínio sobre o acervo é a Casa Publi-

cadora das Assembléias de Deus (CPAD), que recentemente digitalizou

boa parte de suas obras mantendo assim a integridade dos materiais,

facilitando a conservação e o acesso.174

As lições bíblicas, folhetos, foto-

grafias, livros, jornais e revistas estão acondicionados em uma biblioteca

bem organizada sob a responsabilidade de profissionais. Mesmo diante

da preocupação de preservar a memória editorial, não foi possível agru-

par todos os números das edições publicadas. Frequentemente há falta

de edições ou de páginas de algumas edições, principalmente nos perió-

dicos mais antigos como os jornais Boa Semente, O Som Alegre e o

Mensageiro da Paz.

172 BERG, David. 1995, op.cit. p. 68 173 Algumas versões apresentam Mensageiro de Paz e outras Mensageiro da Paz, prevalecendo a partir do segundo ano do jornal a grafia Mensageiro da Paz. 174 A CPAD digitalizou a maioria dos jornais e revistas publicados, entre eles estão os jornais

Boa Semente e o Mensageiro da Paz e as revistas A Seara, Círculo de Oração, Jovem Cristão, Nosso Lar e O Obreiro.

70

O mais bem organizado e maior acervo é o das Assembléias de

Deus (Assembly of God) nos Estados Unidos. Praticamente todos os

jornais, folhetos, revistas, minutas convencionais (atas), sermões, esbo-

ços, cartas, manuscritos, anotações, fotos, audio-visuais, entre outros,

que fazem parte do seu acervo material, estão digitalizados e disponíveis

para a pesquisa. O acervo pode ser consultado gratuitamente pela inter-

net175

ou adquirido mediante download, com pagamento eletrônico ou

mediante a compra de DVDs com parte dos arquivos. O acervo não se

restringe a produções estadunidensses, é possível acessar on line materi-

ais em dezenas de idiomas e nacionalidades.176

O olhar sobre esses documentos exige a compreensão de que

não servem apenas como instrumentos enunciativos, que não devem ser

considerados somente pelas informações que fornecem. O próprio do-

cumento é um objeto de estudo, na forma como organiza seu discurso,

que faz agir seus agentes produtores, na maneira como se estabelecem

as condições de sua produção, suas utilizações estratégicas, enfim preci-

sam ser tratados sob o prisma da sociologia dos textos proposta por

Chartier177

sem esquecer que o discurso, seja qual for sua forma é sem-

pre uma narrativa que deve se preocupar em construir temporalidades e

concepções de causalidade. 178

O papel da imprensa no meio religioso é

mais que um mecanismo de orientação espiritual, ela dita normas, valo-

res, condutas, padrões de comportamento.

Os jornais assembleianos se caracterizavam por serem extre-

mamente apologéticos e doutrinários, primavam pelo texto, sem recur-

sos iconográficos, propagandas ou assuntos que não fossem relaciona-

dos à organização da igreja, a doutrina, a fé. Seu discurso sempre visava

orientar as condutas dos fiéis, valorizando o testemunho e focalizando o

discurso nas práticas cotidianas e no combate aos perigos sociais. As

poucas imagens iconográficas que aparecem são alusivas a templos,

líderes e obras sociais da igreja. Esta tendência segue até a década de

1950 quando os periódicos assembleianos começam a inserir propagan-

175 http://www.ifphc.org/index.Cf.m?fuseaction=search.archiveAdvancedSearch (acesso em

Fevereiro de 2010) 176 Os periódicos da Assembléia de Deus mais antigos do acervo são do jornal Mensageiro da

Paz (15/10/1972) ; (30/10/1972) ; (15/01/1973) e algumas edições de 1977, 1978, 1979, 1983

e 1997, e edições da revista A Seara de Março 1977; Setembro de 1977; Novembro 1977; Setembro de 1978; Dezembro de 1978; Maio de 1979; Julho de 1979, Setembro de 1979 e

Janeiro de 1997. 177 CHARTIER, Roger. 1990, op.cit. pg.13. 178 Ibidem, p.85

71

das de produtos para um público evangélico, imagens de pessoas não

ligadas a igreja, de cidades, gravuras.

Um artigo escrito por um dos redatores do Mensageiro da Paz,

Sílvio Brito, mostra claramente a demarcação de um espaço e uma iden-

tidade distinta ao adotar esse modelo de diagração, ele apresenta as ra-

zões:

O Mensageiro da Paz, único periódico que tem pro-

curado cumprir a meta que propôs seguir. Tenho

encontrado vários críticos que me apontam faltas,

aos tais faço esta pergunta: que notamos hoje, em

muitas colunas evangélicas? Anúncios de remédios,

de consultórios médicos, de venda de sementes, as-

suntos políticos etc. semelhante a uma atalaia fiel,

permanece no seu posto, trazendo-nos, quinzenal-

mente, mensagens de paz, poder e alegria!179

Quase não há trabalhos falando sobre os primeiros anos do pen-

tecostalismo no Brasil. A Academia concentrou as pesquisas principal-

mente no período posterior a década de 1950. Presumidamente porque

nesse momento outros grupos surgiram e os questionamentos sobre as

relações entre eles se mostravam mais interessantes. No caso das As-

sembléias de Deus um dos únicos pesquisadores que se propôs a analisar

aspectos ligados a origem do pentecostalismo no Brasil foi Gideon A-

lencar.180

O pesquisador teve acesso às primeiras publicações sobre as

Assembléias e contou com uma série de depoimentos de membros da

igreja ligados a primeira e segunda geração de pentecostais181

.

Segundo Alencar, um dos fatores primordiais para o progresso

das Assembléias no Brasil é decorrente da aguda preocupação com o

estudo bíblico. Essa atividade garantiu a ―uniformidade doutriná-ria‖,

182da denominação. Para ele a extinção do Voz da Verdade e a cen-

tralização da produção dos períódicos nas mãos dos suecos é um forte

179 Mensageiro da Paz. Junho de 1937, n.11, p.02. 180 A dissertação de mestrado de Gideon Alencar foi defendia em 2000 e tem como título: Todo o poder ao pastor, todo o trabalho ao povo, todo louvor a Deus: Assembléia de Deus: origem,

implantação e militância (1911-1946) procura compreender como se deram as relações de

poder dentro da formação e crescimento das Assembléias nos primeiros trinta anos da igreja no Brasil. 181 O trabalho de Gideon não deixa claro quem foram os entrevistados e não apresenta o roteiro

das entrevistas. 182 ALENCAR, Gideon Freire. 2000, op.cit., p.133.

72

indício de que os missionários não queriam perder o controle sobre sua

obra.183

Na primeira edição do Boa Semente, os artigos são produzidos

pela tríade sueca, Gunnar A. Vingren, Otto Nelson e Daniel Berg. Inte-

ressante notar que Berg não atuava como um importante produtor literá-

rio da igreja, ele escreveu apenas na primeira edição do jornal um artigo

intitulado - O Senhor é o nosso médico - e uma poesia em edição poste-

rior. Sua produção jornalística é irrisória e sua atuação na instituição

tem sido reconstruída historicamente visando dar evidência ao persona-

gem. Os missionários e sua chamada considerada pelos fiéis como so-

brenatural são amplamente rememorados a partir da década de 1960 em

razão das comemorações do cinqüentenário da igreja. Em 1939 o pastor

Emílio Conde já declarava:

[...] não somos uma denominação, não obedecemos

a um sistema que provenha da orientação de um

movimento que os homens hajam organizado (...)

Se vos perguntarem quem é o fundador das Assem-

bléias de Deus (o termo ecclésia, é uma palavra

grega, que traduzida quer dizer assembléia), pode-

reis responder que foi Jesus o seu fundador. Se vos

perguntarem quem dirige as Assembléias, responde-

rei que não temos outros chefes a não ser o Pai, o

Filho e o Espírito Santo.184

Mendonça adverte que o processo de conservação da memória

religiosa é marcado pelo reconhecimento da tradição, e que toda a reli-

gião desenvolve sempre um corpo de especialistas que administram o

sagrado, é o reconhecimento destes especialistas e da tradição que con-

tribuirão para a formação de uma identidade185

, daí a necessidade de se

reconhecimento de fundador, missionário, evangelizador, pioneiro etc.,

mesmo diante da sua inexpressiva atuação institucional.

BOA SEMENTE (1919 -1930)

183 Ibidem: p.73 184 CONDE, Emilio. O Testemunho dos Séculos: História e Doutrina. Rio de Janeiro, CPAD,

195?, p.12,13. 185 MENDONÇA, Antônio G. Religiosidade no Brasil: imaginário, pós modernidade e formas de expressão. Estudos da Religião 15. São Paulo: UMESP 1998, p.59.

73

O jornal Boa Semente foi sem dúvida o veículo de doutrinação

assembleiano mais importante antes do Mensageiro da Paz. Tanto pelo

alcance geográfico, atingindo várias capitais do Brasil186

como pelo pa-

pel que representava. Financiado por doações tanto de particulares quan-

to de igrejas, ao que tudo indica sua distribuição era gratuita. Ele foi o

primeiro modelo de Lição Bíblica para escola dominical adotado pela

instituição.

Encontramos nas edições de 1925 e em 1928 um editorial cha-

mado de Suplemento da Boa Semente ou Suplemento para a Escola

Bíblica Dominical. Esses suplementos eram anexos incorporados nas

edições do Boa Semente. Eles eram textos específicos para serem estu-

dados nas manhãs de domingo. Lembram as atuais Líções Bíblicas,

tanto por sua diagramação quanto pela forma como o conteúdo é apre-

sentado, com tema principal, texto áureo, introdução, sub-tópicos temá-

ticos, texto bíblico de referência e comentários do redator. Nestas edi-

ções prevalecem os temas normatizadores de conduta, abordavam prin-

cipalmente temas que enfatizavam o comportamento submisso da mu-

lher, o testemunho cristão diante da sociedade, o comportamento do fiel

no templo e na vida civil, assim como os deveres do cristão diante dos

governos constituídos e da sociedade.

Na primeira edição Vingren inaugura o jornal falando dos moti-

vos que levaram os missionários a produzir uma literatura cujo conteúdo

enfatizasse as doutrinas pentecostais. Nas palavras de Vingren o princi-

pal objetivo do jornal era divultar o batismo com o Espírito Santo tendo

o falar em línguas como evidência, ressaltando a importância do fenô-

meno como um sinal convincente. Logo na primeira página o artigo - O

Baptismo no Espírito Santo - inaugura a literatura oficial da igreja, re-

pleto de textos bíblicos e experiências legitimadoras do fenômeno.

Nesse período o apelo apologético é grandemente ressaltado. Os

missionários ressaltavam principalmente os testemunhos. Esta era uma

forma de mostrar que as doutrinas têm uma relação direta com a vida

das pessoas. O testemunho conferia unidade ao grupo a medida que

estes se reconheciam nas falas. O jornal reforçava o discurso militante

na medida em que, pessoas de todas as partes do país estão recebendo as

mesmas curas, revelações, perseguições e batismos no Espírito Santo e

estão relatando no jornal umas as outras.187

186 Os testemunhos, avisos, comunicados referindo-se a todas as regiões do Brasil permitem

diagnosticar que era enviado para os fiéis de grande parte do território brasileiro. 187 ALENCAR, Gedeon Freire. 2000, passim.

74

O SOM ALEGRE (1929 – 1930)

As dificuldades na distribuição do Boa Semente, bem como a

necessidade de estabelecer uma comunicação mais regional e presumi-

damente certa autonomia intelectual, instigaram Vingren a organizar um

jornal no Rio de Janeiro. Da sua iniciativa surgiu o jornal O Som Ale-

gre.188

Este seria o segundo periódico do movimento em um país com

grande maioria analfabeta. O conteúdo dos dois exemplares pesquisa-

dos189

não parece indicar que havia interesse em disputar território com

o Boa Semente. Os articulistas escrevem em ambos os jornais e não há

evidências de que existesse conflitos entre os periódicos ou desvaloriza-

ção do trabalho realizado em outras regiões. Ao que tudo indica não

existia a pretensão que o Som Alegre viesse a substituir o Boa Semente

e sim que se tornasse mais um reforço para a evangelização. Enquanto o

Boa Semente é denominado como o Órgão das Assembléias de Deus, O

Som Alegre intitula-se como o Jornal das Assembléias de Deus para Avivamento Espiritual. O jornalista Emílio Conde tece grandes elogios a

ambos e enfatiza o caráter evangélico dos dois. Sobre o Som Alegre

menciona o seguinte comentário:

Este jornal, colocado nas mãos de um homem sem

Deus, podia tornar-se um instrumento para a salva-

ção, como de fato aconteceu. Todos os membros se

muniam de certa quantidade de jornais e saíam pe-

las ruas e praças evangelizando as pessoas, e os re-

sultados eram surpreendentes.190

O Som Alegre foi um dos jornais que permaneceram por muito

tempo no esquecimento da história da igreja, Conde menciona a existên-

cia do jornal e trechos nele contidos na primeira versão da história das

Assembléias de Deus em 1960. Até bem pouco tempo não havia cópia

de exemplares na Casa Publicadora, sendo que somente em 2004 a Casa

recebeu fotocópias de alguns exemplares enviadas por um membro da

igreja.191

O periódico durou pouco menos de um ano, sua primeira edi-

188 A inspiração para o nome do jornal vem do versículo ―Bem aventurado o povo que conhece

o som alegre. Andará ó Senhor na luz da tua face‖. Cf. Salmo 89:15 189 Som Alegre. Dezembro de 1929 e Som Alegre, Maio de 1930. 190 CONDE, Emílio.2005, op.cit., p.209 191 Informação recebida em 2005 em conversa informal com os responsáveis pelo setor de arquivos da CPAD.

75

ção foi em dezembro de 1929192

e foi extinto em outubro de 1930. Na

pesquisa realizada por Alencar, nenhum dos pastores que ele entrevistou

estava ciente da existência do O Som Alegre.193

Presume-se que se tives-

se um alcance geográfico maior, ou interesses separatistas, certamente

comporia a lembrança dos líderes que fizeram parte da construção da

história das Assembléias no Brasil.

Na primeira edição Vingren afirma que o jornal tem o propósito

de ―ser útil para a conversão dos peccadores e edificação dos crentes‖,

sugere assim que pessoas não ligadas a igreja tinham fácil acesso ao

jornal em razão de sua utilidade como instrumento evangelístico.

Seu conteúdo e a disposição dos artigos assemelha-se ao Boa

Semente. Há escritores tanto brasileiros quanto suecos e não há menções

de sublevação ante ao trabalho realizado em outras regiões, pelo contrá-

rio, ao final de cada edição havia o endereço e horários de cultos dos

principais templos do país. Os escritores que enviavam artigos para o

Boa Semente também o fazem com o Som Alegre. O jornal carioca fora

lançado com uma tiragem bem representativa , de 2.000 exemplares.

Posteriormente o Mensageiro da Paz que unificará a imprensa assem-

bleiana terá sua primeira edição com 2.200 exemplares, somente 200

exemplares a mais que a tiragem mensal do Som Alegre.

Um personagem muito importante para a história e a imprensa

assembleiana foi o jornalista Emílio Conde194

. Ele compunha a equipe

de redatores do jornal Boa Semente, e foi o primeiro sistematizador de

uma história das Assembléias de Deus no Brasil.

A principal obra de Conde é o livro História das Assembléias de

Deus no Brasil, reconhecido por muitos anos como a história oficial da

instituição. O livro de Conde estabelece o padrão historiográfico as-sembleiano,

195 pois todos os demais livros posteriores repetem seu esti-

lo: a história dos missionários, como as Assembléias de Deus foram

implantadas nas cidades e Estados, as perseguições, os batismos, a inau-

192 Conde afirma que foi em Novembro. Cf. CONDE, Emílio.2005, op.cit., p.209 193 ALENCAR, Gideon Freire. 2000. Op.cit.p.19. 194 Emílio Conde trabalhou com exportação e em hotéis no Rio de Janeiro. Homem culto, poliglota e responsável por dezenas de artigos nos jornais e livros – O testemunho dos séculos,

Asas do Ideal, Igrejas sem brilho, O Homem, Pentecoste para todos, Nos domínios da fé,

Caminhos do mundo, Flores do meu jardim, Tesouros de conhecimentos bíblicos, Estudos da palavra e a (primeira) História das Assembléias de Deus. Era celibatário, e não deixou descen-

dente. Recusou a ordenação ministerial. Converteu-se na Congregação Cristã do Brasil e

representou a Assembléia de Deus do Brasil em várias Conferências Mundiais. 195 ALENCAR, Gedeon Freire. 2000, op.cit., p.19.

76

guração dos templos entre outros. De certa forma sua obra aglutinou o

que já fora publicado nos jornais em um só volume, onde são acrescen-

tadas informações inéditas que compunham a lembrança de pastores e

do próprio autor. A preocupação de Conde é apresentar fatos e enaltecer

a denominação. Ele emprega um método que valoriza o testemunho e

acentua as conquistas e o progresso minimizando os desgastes institu-

cionais.

MENSAGEIRO DA PAZ (1930 – 20**)

Na primeira Convenção Geral das Assembléias de Deus do

Brasil em 1930 os pastores e missionários decidiram que os jornais Boa

Semente e Som Alegre não seriam mais publicados, porém seria criado

um novo jornal o Mensageiro da Paz. A proposta de tornar o periódico

o Órgão Oficial das Assembléias de Deus, feita por Gunnar A. Vingren,

teve aceitação unânime entre todos os pastores, e assim o jornal teria

amplitude nacional, com a redação no Rio de Janeiro. Com a extinção

do jornal Boa Semente, o Mensageiro da Paz ficou estabelecido como o

Órgão Oficial de todas as Assembléias de Deus do país. Ao analisar a

estrutura do jornal, o conteúdo dos artigos, percebe-se que o jornal so-

freu alterações pouco significativas no seu editorial, destacando assim o

aspecto muito mais organizacional que ideológico para a criação de um

novo periódico.

Como prova de união e cooperação, foi resolvido

que os dois jornais, A Boa Semente e O Som Alegre

do Rio de Janeiro, se unirão num só jornal que será

então o Órgão das Assembléias de Deus no Brasil.

Será o mesmo redigido no Rio de Janeiro, sob a di-

retoria dos abaixo assinados, e sairá quinzenalmen-

te.196

196 Ata da CGADB de 1930. Apud. DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assem-

bléias de Deus no Brasil: Os Principais líderes e resoluções do órgão que modificou a fase do

movimento pentecostal brasileiro. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus. 2004, p.33

77

Ao contrário da educação teológica, que não teve apoio formal

até meados da década de cinqüenta, quando surge o Instituto Bíblico de

Pindamonhangaba, por uma iniciativa de missionários americanos, o

jornalismo foi amplamente incentivado pelos pentecostais. A partir da

década de 1920 ele significou um dos instrumentos mais eficientes de

propagação da doutrina pentecostal, aliado a folhetos e ao evangelismo

pessoal, alem de promover a unidade doutrinária e a centralização do

poder.

A responsabilidade da direção do Mensageiro da Paz, logo após

sua oficialização na primeira Convenção Geral, ficou a encargo dos

missionários suecos Lars Erik Samuel Nyström197

e Gunnar Adolf Vin-

gren. O jornal logo na sua primeira tiragem atingiu 2.2 mil exemplares

com aumento progressivo no número de edições a medida que os anos

seguiam e a igreja aumentava.

Após a fundação da Casa Publicadora, organizada em 1937, pa-

ra atender uma exigência de lei, a produção e distribuição dos periódicos

foi ampliada resultando no aumento significativo de edições. O auge do

crescimento da Casa Publicadora, que acompanhou o próprio crescimen-

to do movimento pentecostal no Brasil, foi entre 1964 e 1974. A co-

memoração do progresso assembleiano foi realizado na 22º Convenção

Geral.198

Tal crescimento se fez notório na produção dos jornais, que

chegou neste período a uma tiragem de 300.000 exemplares mensais,

além das revistas de Escola Dominical, hinários e livros. O Mensageiro

da Paz era vendido em banca, e podia ser comprado por qualquer pesso-

a, não sendo restrido somente aos pentecostais assembleianos.199

Embora nos primeiros anos a produção fosse muito modesta em

relação aos próximos trinta anos da igreja, desde o início algumas carac-

terísticas são constantes. Ao folhear o jornal é perceptível a preocupação

dos editores em exaltar o crescimento do trabalho realizado por todo o

Brasil, apresentando fotos de batismos, de igrejas inauguradas em todos

os cantos do país, sejam pequenas congregações, seja o lançamento da

pedra fundamental de um grande templo. Outra preocupação destacada

no jornal é a de evidenciar os testemunhos, vindos de todo o país, prin-

cipalmente no que concerne à cura divina e ao batismo com o Espírito

Santo.

197 Conhecido vulgarmente como Samuel Nyström 198DANIEL, Silas. 2004, op.cit.,p. 442 199ANTONIAZZI, Alberto, et.al. 1994, op.cit., p.92

78

O interesse em formar uma teologia enfatizando principalmente

a experiência pentecostal é evidente. Adeptos de uma compreensão de

mundo guiada pelo empirismo os assembleianos repudiavam qualquer

modelo teológico cujo aprendizado tenha como critério o pensamento

crítico, o acompanhamento de professores, a argumentação e o uso de

outros textos que não fosse a Bíblia. Para os pentecostais a Bíblia era

acima de tudo a própria palavra de Deus, inerrante e infalível, não con-

tinha idéias humanas era plenamente inspirada pelo Espírito Santo. O

estudo da Bíblia, acompanhado da oração e orientado Espírito era a

tônica do pentecostalismo. O jornal Boa Semente apresenta no poema

chamado A Bíblia a visão dos pentecostais sobre esse livro:

Este livro contem – O pensamento de Deus, o esta-

do do homem, o caminho da salvação, a condemna-

ção dos peccadores e a felicidade dos crentes. Suas

doutrinas são sanctas, seus preceitos são obrigató-

rios, suas histórias são verdadeiras e suas decisões

são immutaveis. Lede-o para serdes sabio, crê-de-o

para serders salvo e praticae para serdes sancto. Elle

contem luz para vos dirigir, alimento para vos sus-

tentar e conforto para vos consolar. É o mappa do

viajante, o bastão do peregrino, a bussuloa do pilo-

to, a espada do soldado e a carta regia do Christão.

Christo, seu grande objectivo, nosso bem e se de-

signo e a gloria de Deus seu fim.200

Baseados na compreensão de muitos textos sagrados o movi-

mento pentecostal adotou uma linguagem sui generis. E seguindo as

orientações de Peter Berger é esta linguagem a responsável na constru-

ção de um ―imponente edifício se símbolos que permeiam todos os as-pectos da vida‖.

201 Os artigos procuram demonstrar a necessidade de o

crente, converter-se, receber o Batismo com o Espírito Santo, e viver

seguindo outros padrões de conduta, não ―mundanos‖, que não sejam

promíscuos, e sim voltados à pureza espiritual, e ao arrependimento dos

pecados, aguardando a todo o instante o adventismo do Senhor. Na lin-

guagem que permeia estas questões estavam postos os valores simbóli-

cos que acabavam orientando o comportamento do indivíduo.

200 Boa Semente. Janeiro/Fevereiro 1923, n.22 e 23, p.06. 201 BERGER, Peter L.1985, op.cit.,p.19

79

A priori o objetivo dos editores é escrever visando edificação

espiritual dos crentes, portanto, relatam acontecimentos extraordinários,

excepcionais, tencionando-se ao heroísmo dos personagens. Desta forma

as entrelinhas precisam ser analisadas, pois o normal e o corriqueiro que

garantem à história algumas ricas problematizações, não são destacados. 202

A criação dos jornais tem esse objetivo de expor a teologia da igreja,

estabelecer comportamentos e servir como um órgão de coesão ideoló-

gica nos vários pontos do país. O Som Alegre na primeira página do

primeiro exemplar expõe os motivos pelo qual foi criado. A intenção do

jornal era abordar de forma totalizante todos os aspectos da vida dos

fiéis, e segundo o missionáro Gunnar A. Vingren:

Pelo <<O Som Alegre>> annunciaremos as promes-

sas gloriosas incluídas no Evangelho de Nosso Se-

nhor Jesus Christo, como sejam: A salvação com-

pleta e perfeita de todos os peccados, e também tu-

do que pertence a nova vida do christão. O baptismo

no Espírito Santo, os dons espirituaes, e a próxima e

gloriosa vinda do Senhor.203

202 ANTONIAZZI, Alberto, et.al. 1994, op.cit., p.70 203 Som Alegre. Dezembro de 1929, n. 01, p.01

80

CAPÍTULO II

IMAGINÁRIO ESCATOLÓGICO E ANTICOMUNISTA

Sabemos que a literatura foi de grande importância no estabele-

cimento e implantação do pentecostalismo no Brasil. Ela condicionou

formas de pensar, serviu como porta-voz de uma pretensa verdade e

garantiu parte do sucesso das Assembléias de Deus no Brasil. Qual era o

contexto religioso que os missionários encontraram no Brasil? De que

forma a mensagem foi assimilada e interpretada? Como ela ajustou-se a

concepção de realidade que os brasileiros possuíam de maneira geral?

Estas são questões que certamente nunca terão uma resposta

definitiva, no entanto isso não exclui que algumas considerações sejam

feitas com objetivo de refletir sobre as correspondências entre o pente-

costalismo e os demais grupos sociais.

Entendemos que o imaginário social é algo construído e está in-

timamente imbricado com as relações de poder, visto que o poder não

pode ser deduzido de um princípio universal. Nesse sentido o responsá-

vel pela legitimação dos poderes é o próprio imaginário social.

Como enfatiza Bronislaw Baczko, os imaginários sociais atuam

fornecendo um sistema de orientações expressivas e afetivas que cor-

respondem a tantos outros estereótipos oferecidos aos agentes sociais,

ele tem um poder unificador responsável por assegurar a fusão entre

verdade e normatividade, informações e valores, operados por um sis-

tema simbólico.204

O imaginário social informa acerca da realidade,

realidade que é flexível no tempo. Ele ao mesmo tempo em que informa,

constitui um apelo à ação, um apelo a ―comportar-se de determinada maneira‖ obedecendo a sistemas que são definidos pelos próprios agen-

tes sociais. Baczko defende que um imaginário coletivo é capaz de in-

tervir no exercício do poder, de forma que por meio da apropriação dos

símbolos é possível garantir a obediência pela ―conjugação das relações

de sentido e poderio‖ e assim pelo uso do imaginário que permite refor-

204 BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985, p.311

81

çar a dominação. Ele afirma que o dispositivo imaginário suscita a ade-

são a um sistema de valores e intervém eficazmente nos processos da

sua interiorização pelos indivíduos.205

Segundo Berger, a sociedade está para o homem como factici-

dade externa, é experimentada como dada lá fora, estranha a consciência

objetiva e não controlável, como uma força coercitiva, de tal maneira

que a realidade é apreendida como algo exterior ao indivíduo e, portan-

to opaca ao seu entendimento.206

Tentando ajudar na compreensão des-

tas questões, Mendonça destaca que a presença deste imaginário, subja-

cente na sociedade, é fator preponderante para que uma crença religiosa

tenha sucesso ou descrédito.

Ao que tudo indica a doutrina pentecostal encontra no início do

século na sociedade brasileira, um fértil campo imagético social prepa-

rado para absorver os conceitos pelos quais se dá o êxito da nova religi-

ão, e da nova compreensão de mundo. Segundo Mendonça o imaginário

religioso brasileiro do início do século XX, estava permeado por:

[...] um certo realismo fatalista, um misto de espera

messiânica, mesmo que mal definida e expressa na

crença de que as coisas vão melhorar, e um senso

místico de que o mundo é controlado por forças

desconhecidas mas que podem ser manejadas, espe-

cialmente por pessoas qualificadas para isso (profe-

tas, pastores, xamãs de toda a espécie, etc.), e até

mesmo pela fé individual. Parece haver um universo

mágico que perpassa a sociedade em que espíritos

benéficos ou maléficos são exorcizados por heróis

construídos pela mídia nas classes privilegiadas e

por lideranças religiosas nas camadas periféricas da

sociedade.207

Quando o pentecostalismo adentra no campo religioso brasileiro

ele encontra muitas condições sociais favoráveis pelo seu crescimento.

A ênfase na cura divina vinha de encontro a uma grande demanda do

mercado religioso no Brasil. Os protestantes que aderiram o pentecosta-

lismo encontram uma espiritualidade que consideraram superior, onde o

sagrado não está só no texto, está nas palavras, nas visões, na família, ou

205BACZKO, Bronislaw. 1985, passim. 206 BERGER, Peter L. 1985, op.cit., p.24 207 MENDONÇA, Antônio G.1998, op.cit., p.50.

82

seja, o sagrado está mais próximo e as experiências relatadas na Bíblia

mais vivas e presentes no dia a dia. O pentecostalismo veio como uma

resposta àqueles que acreditavam no progresso espiritual, pois se apre-

sentava como o modelo legítimo de religiosidade seguida pelos apósto-

los. Em outras palavras, se apresentava como um prolongamento da era

apostólica e, portanto dotado de uma espiritualidade superior.

O discurso teológico pentecostal no início do século explorava

as representações daquele momento com grande eficiência, ao mesmo

tempo em que se ajustava a realidade social dos indivíduos. Os primei-

ros pentecostais autóctones eram ligados as camadas mais baixas da

população, com grandes índices de analfabetismo, com frequentes pro-

blemas de saúde e geralmente detentores de uma religiosidade sem

compromisso formal com alguma instituição religiosa. O pentecostalis-

mo com ênfase na oralidade, com forte apelo à cura divina, mantendo

um discurso de que o progresso está na religião e não fora dela, conse-

guiu adequar-se a essas condições. Para Alencar o pentecostalismo ca-

racterístico da Assembléias de Deus do início do século pouco lembra o

contemporâneo, ―este pentecostalismo está bem distante do moderno

quando a ênfase é riqueza, poder e saúde – a tríade da teologia da prosperidade‖.

208 Nos primeiros anos a identidade do pentecostalismo

estava ao discurso cuja ênfase estava no batismo com o Espírito Santo

com evidência das línguas, a cura divina e a escatologia. O pentecosta-

lismo no início do século era caracterizado por uma interpretação bíblica

que podia ser mediada pelo Espírito Santo inclusive a própria Bíblia era

considerada plenamente divina, adotava uma religiosidade que oferecia

às pessoas condições de serem tanto agentes como agenciadores da sal-

vação e defendiam uma moral puritana sem anseios de ascenção social.

Todas as interpretações pentecostais estavam arguidas por uma

profunda mentalidade escatológica. Estas compreensões dizem respeito

tanto às relações sociais, os fenômenos mundiais, quanto às aspirações

religiosas e as próprias experiências individuais. O substantivo mentali-

dade segundo o conceito de Jacques Le Goff agrupa as noções, crenças,

práticas, sistemas de valores, de comportamentos, de atitudes, de idéias,

de costumes, de pensares, de sentimentos.209

A mentalidade é, portanto,

208 ALENCAR, Gideon Freire. 2000.op.cit, p.11. 209LE GOFF, Jacques. As mentalidades: uma história ambígua. In:LE GOFF, Jacques &

NORA, Pierre (orgs). História: novos objetos. 4 ed. Tradução: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1995, passim, p.68-83.

83

justamente o que um ―indivíduo tem de comum com outros homens de

seu tempo‖, ou ainda:

[...] o nível da história das mentalidades é aquele do

cotidiano e do automático, é o que escapa aos sujei-

tos individuais da história, porque é revelador do

conteúdo impessoal de seu pensamento, é o que Cé-

sar e o último soldado de suas legiões [...] têm em

comum.210

Desta forma a mentalidade seria composta por uma série de

condicionamentos inconscientes e interiorizados que são socialmente

compartilhados. Esses conteúdos mesmo que não sejam enunciados

sobre o modo individual estão imbricados com uma ampla gama de

significados partilhados socialmente. Mesmo que não se apresente de

forma explícita, é através das mentalidades que são partilhados um ―sis-

tema de representações e um sistema de valores‖.211

Podemos dizer que

quando essa mentalidade assume um caráter escatológico, a vida presen-

te se aliena ao devir. Outro ponto de acordo com essa concepção é que a

mentalidade engloba o que é ―concebido e sentido, o campo da inteli-gência e do afetivo‖.

212

Quanto a escatologia, nas palavras de Jürgen Moltmann , ela

nada mais é que a ―doutrina da esperança cristã, que abrange tudo aquilo que se espera, como ato de esperar, suscitado por esse obje-

to‖.213

Não podemos afirmar que o pentecostalismo é mais escatológico

que as demais religiões, mas podemos afirmar que entre as religiões

cristãs ele está entre os grupos que mais se prende a um discurso escato-

lógico. O próprio movimento pentecostal construiu sua identidade usan-

do a escatologia como um dos pilares do seu discurso, as línguas foram

compreendidas como um sinal claro de que a igreja estava sendo restau-

rada para a volta de Cristo.

Seguindo nessa direção Robson Franco Guimarães ao analisar a

construção do imaginário do fim dos tempos no meio pentecostal escla-

rece que a mentalidade escatológica pode ser definida como uma ―preo-

210 LE GOFF, Jacques. Referendado por CHARTIER, Roger. 1990, op.cit., p.71. 211 Idem, p.35 212 MANDROU, Robert.‖L‘histoire des mentalités‖. In. Encyclopedia Universalis, vol. VIII,

968, p.436-438. Apud. CHARTIER, Roger. 1990, op.cit., p.35. . 213 MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança: estudos sobre os fundamentos e as conse-qüências de uma escatologia cristã. São Paulo: Teológica, 2003, p.22

84

cupação com o porvir vivenciada pelo fiel no presente, que envolve suas

crenças, sentimentos e anseios e que se traduz numa linguagem‖. 214

Nos jornais existia uma preocupação tanto com a vida presente

como com a vida futura. Para o tempo presente ao cristão se exigia que

fosse um bom cidadão, entregasse a ―César o que é de César e a Deus o

que é de Deus215

, cumprisse suas obrigações civis e religiosas distinta-

mente, estabelecesse uma família nuclear, desse bom testemunho em

todos os ambientes que frequentasse. Essas ações não estavam alheias a

uma preocupação milenarista, pelo contrário, era assumida uma forma

de conceber a realidade objetiva atrelada a um imaginário escatológico.

O modelo discursivo do pentecostalismo conseguiu fornecer

―estruturas de plausibilidade‖ muito coerentes para os indivíduos. Se-

gundo Berger e Luckmann é por meio dessas estruturas que o indivíduo

sofre o processo que eles chamam de alternação, que nada mais é que

uma mudança na forma como a realidade é percebida e vivida.216

Medi-

ante o processo de alternação o indivíduo pode mudar radicalmente a

forma como interpreta a realidade. Esse processo permite que os aconte-

cimentos objetivos sejam reconhecidos como dotados de determinados

sentidos e assim passam a ser subjetivamente significativos para estes

indivíduos.217

Nessa direção os pentecostais procuram colocar tudo que

acontecia objetivamente no mundo dentro de uma ordem coerente e

inquestionável, fornecendo ―estruturas de plausibilidade‖ tanto para as

esferças materiais quanto espirituais.

Ao mesmo tempo em que conferiam um sentido para a tranqüi-

lidade terrena, para o progresso do evangelho, também conferiam um

sentido para as crises, as desigualdades as injustiças, para os desafios da

modernidade. O discurso religioso confere essa coerência ao mundo

quando relega as causas sociais às causas divinas. Nessa lógica, nada

escapa do plano divino, se algo acontece é por conivência ou vontade do

sobrenatural. Desta forma o discurso religioso adquire o poder de legi-

timar a secularidade do mundo.

Estas estruturas de plausibilidade permitem que os pentecostais

definissem e elaborassem uma imagem do mundo natural, no qual se

encontra um sentido para a as causas que se apresentam. Esse sentido

214 GUIMARÃES, Robson F. Os últimos dias: os pentecostais e o imaginário do fim dos tem-pos. Revista de Estudos da Religião REVER nº 1/2005, p.34 215 Cf. Evangelho de Mateus 21.21. 216 BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. 2000, op.cit., p.205 217 Ibidem, p.174

85

dependerá de significações imaginárias que visam conferir respostas a

esse mundo que precisa ser ordenado. A religião tem um papel impor-

tante nesse impreendimento, a medida que oferece respostas que nem a

realidade nem a racionalidade podem fornecer. Para Michel Mafessoli o

imaginário, mesmo que seja difícil definir é composto tanto por um

elemento racional, ou razoável, como por outros parâmetros tais como o

―onírico, o lúdico, a fantasia o imaginativo, o afetivo, o não racional, o

irracional, os sonhos, enfim, todas as construções mentais potencializa-doras das chamadas práticas‖.

218

Para Pierre Bourdieu esse tipo de discurso propõe conferir coe-

rência ao mundo sendo capaz de ultrapassar as fronteiras da simples

enunciação, penetrando no campo da criação de realidade. É o que ele

chama de efeito de teoria, onde temos uma mensagem imaginária, gui-

ando a realidade objetiva da sociedade na medida em que impõe uma

maneira mais ou menos autorizada de ver o mundo social.219

Essa manei-

ra de ver o mundo contribui para fazer a realidade desse mundo.

Uma das formas dos pentecostais fornecerem determinadas es-

truturas de plausibilidade para o mundo e conferir a ele um sentido foi

através do discurso escatológico, a medida que a história é compreendi-

da em termos teleológicos e a realidade como um processo estabelecido

sob uma égide escatológica. Em outras palavras, nesse discurso a histó-

ria não é fruto do homem, é um plano divino. Todavia, uma vez que o

indivíduo se depare com dúvidas a respeito da realidade em questão, ele

passa a questionar os sentidos que atribuiu a realidade objetiva e conse-

qüentemente as estruturas de plausibilidade são abaladas.220

A eficiência

do discurso se dá quando os indivíduos se mantêm coesos às estruturas

de plausibilidade oferecidas.

No discurso pentecostal, a realidade não se desvincula do pen-

samento escatológico. Ele era o referencial que contribuia como o ins-

trumental interpretativo da história. Assemelhando-se ao judaísmo que

entende a história como uma projeção linear cujo fim é o Juízo e o fim

da história. Daí a tendência de explicar os fatos que ocorriam no mundo

material sempre fazendo alusão a profecias e sinais, como se tudo já

estivesse previsto pela vontade divina e relatado nas escrituras.

218 MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. Revista FAMECOS. Porto Alegre,

nº 15, agosto 2001, p.76 219 BOURDIEU, Pierre.2008, op.cit, p.82 220 BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. 2000, op.cit., p.206

86

Toda a linguagem usada nos jornais para interpretar os sinais

dos tempos estava carregada de sentidos, de significados e imagens com

um poder de estruturar a própria vida. Nesse aspecto à palavra era au-

torgado um poder estruturante. Segundo Bourdieu no discurso religioso

existe uma capacidade das palavras de prescrever sob a aparência de

descrever, ou de denunciar sob a aparência de enunciar.221

Essa perfor-

matividade do discurso permite que a própria forma como se descreve

uma sociedade represente que se exerça influência sobre ela. A própria

análise da sociedade pode se traduzir na própria determinação de como

deve ser esta sociedade. Nesse sentido o conteúdo das mensagens pente-

costais foi um veículo eficiente de codificação da realidade objetiva dos

fiéis.

CONSTRUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL E O ANTICOMUNISMO

Mas que relação há entre as compreensões escatológicas e o

comunismo? Nas Assembléias de Deus pode-se dizer que estão agluti-

nados. Nas primeiras décadas as ações dos comunistas, as transforma-

ções políticas e todo o sistema soviético são interpretados como sinais

escatológicos, embora nem sempre que houvesse menção a eventos

ligados a este imaginário, como as pestes, terremotos, enchentes, violên-

cia, fome entre outros o comunismo obrigatoriamente estivesse presente.

Os assembleianos quando analisavam a humanidade e as suas

relações sociais, sempre relacionavam os fatos com a esfera espiritual,

não fazendo uma clara separação do transcendente e do material, argu-

mentava-se que não se lutava contra carne nem sangue, mais sim contra

as hostes espirituais. 222

Este é um exemplo de como a realidade subjeti-

va é objetivada à medida que se mostra importante para estabelecer as

devidas correspondências com a realidade social empírica.

De que forma os pentecostais interpretavam, vivenciavam e di-

agnosticam a realidade? Certamente precisamos entrar no campo teoló-

gico e sociológico para lançar luzes nestas questões. Analisar o imaginá-

rio pentecostal é uma tarefa difícil, principalmente por sua característica

221 BOURDIEU, Pierre. 2008, op.cit., p.118 222 Cf. Efésios 6.2

87

de sofrer mutações diante do tempo, pela flexibilidade doutrinária e

maleabilidade que se tornaram características da doutrina pentecostal.

Para os pentecostais era muito clara a certeza de que habitavam

um mundo corruptível, mas que poderia se transformar num mundo

incorruptível a qualquer momento do tempo e do espaço com o advento

de Cristo. A esperança como objeto da fé, não estava em sentido hipoté-

tico e sim pertencencia à espera, ao telos a parousia.223

Na mentalidade assembleiana permanecia latente a sensação de

―não pertencimento‖ ao mundo material, como pode ser identificado em

um editorial do jornal Boa Semente. O cristão tinha a obrigação de se-

guir as leis dos homens, servir a pátria, aderir a língua oficial, obedecer

as instituições civis. A postura do cristão no mundo deveria ser a de

―habitar no seu próprio pais como forasteiros, participar de todas as

coisas como cidadãos, porém, sofrer tudo como se fosse estrangeiro‖.224

Que espécie de estrangeiro é esse de que fala o Boa Semente?

Este estrangeiro é utilizado como metáfora para se referir ao posiciona-

mento dos fiéis no mundo, ele era o crente, um ser ―celestial‖, um filho

de Deus, não pertencia às coisas terrenas ou mundanas. O céu é aqui

considerado outra pátria, governado pelo Senhor. Neste discurso, este

céu imaginado tal como uma nação, é destinado aos salvos. Este lugar é

destinado somente aos que aceitaram o evangelho de Cristo como uma

verdade, e a estes fiéis já estava garantido, mesmo que a posteriori um

espaço nas moradas celestes. O jargão clássico muito comum no movi-

mento pentecostal era: ―estar no mundo mas não pertencer a ele‖.225

A

demonização do mundo gerava comportamentos ora de crítica ferrenha,

ora de descaso. Para Schultz, tal concepção faz com que as estruturas

sociais sejam abandonadas em nome da consciência individual: quem

muda o mundo é o indivíduo, sobretudo seu mundo. A relação com

Deus está geralmente restrita ao plano individual, e a cultura raramente

manifesta aspectos divinos.226

Todavia Freston salienta que embora os

223 Telos (τέλοσ) - designa a noção de 'finalidade' em grego, mas não se trata da finalidade como é comumente entendida, e sim aquilo que estava presente desde o início, forjando e

conduzindo a realidade para vir a ser o que ela é. Ressalta-se a nesse sentido a tendência natu-

ral da própria coisa, como o seu destino, de forma que na noção de destino está implícita na noção de télos. Parousia (παρουσια) designa a presença como o Retorno de Cristo em Evange-

lho de Mateus 24:3. 224 Boa Semente. Abril de 1925, n.47, p.01 225 MINA, Andréia M.S. Nós e o mundo. A construção do “outro”: alteridade e pertencimento

no material de divulgação brasileiro da Igreja Assembléia de Deus e Igreja Universal do Reino

de Deus na década de 1990. Mestrado. Florianópolis, UFSC, 2004, passim, p. 69-105. 226 SCHULTZ, Adilson. 2005, op.cit., p.127

88

pentecostais desprezem o mundo, muitas vezes aceitam as opiniões

mundanas a seu respeito, quando estas opiniões são favoráveis.227

Nessa relação de demonização do mundo e de compreensão dos

tempos em termos premileniais e dispensacionais, veremos como um

imaginário com grande ênfase escatológica se remeterá ao comunismo.

Muitas imagens relacionadas à guerra, a luta espiritual vão se vincular a

ele, com relações diretas a um plano que Deus estabeleceu para a histó-

ria. Em um artigo do Mensageiro da Paz intitulado - O Bolchevismo

Batalhando contra o Cristianismo228

- é clara a imagem de uma guerra

cósmica, travada entre as forças sobrenaturais do bem e do mal. Nesse

discurso o comunismo era ligado as forças do demônio e precisaria re-

cuar diante da força do bem. Os fiéis eram verdadeiros soldados ao obe-

decer as ordens de Cristo, representado como um general. Assim a guer-

ra contra esse inimigo foi relatada da seguinte maneira: ―O nosso Gene-ral Jesus nos tem dado ordem de marchar; vamos então obedecê-lo, e o

nosso inimigo Satanaz fugirá como a água do mar Vermelho (...) mar-chai soldados de Cristo Jesus‖.

229

Quando o Mensageiro da Paz afirmava que ―a situação do

mundo é tão confusa e enganosa, descrita no evangelho de Lucas como angústia das nações‖,

230 endossava a idéia de que tudo o que se passava

naquele momento histórico era fruto do que já havia sido escrito no livro

sagrado. A realidade presente já estava prescrita e mais uma vez a atem-

porabilidade bíblica estava legitimada. Ao mesmo tempo em que a cha-

mada angústia das nações representava um sinal claro e evidente de que

o Arrebatamento da igreja estaria prestes a acontecer.

Para podermos lançar luzes sobre o imaginário anticomunista

assembleiano não podemos desvincular o discurso da própria construção

da realidade. De que forma a realidade pentecostal era percebida? Que

ameaças o comunismo representava dentro desta compreensão de reali-

dade? Como a linguagem era significada nessa construção do real? En-

fim, a forma como a percepção do real foi tratada contribui para enten-

der a força que o discurso anticomunista adquiriu no meio assembleiano.

227 FRESTON, Paul. Entre o Pentecostalismo e o Declínio do Denominacionalismo: O Futuro

das Igrejas Históricas no Brasil. In: GUTIERREZ, Benjamim. CAMPOS, Leonildo Silveira. 1996, op.cit., p.257 228 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1935, n.04, p.01 229 Ibidem, p.02 230 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1937, n.01, p.05

89

Como bem enuncia Berger e Luckkmann há a necessidade da

simplificação no conceito de realidade e conhecimento. Os termos so-

frem significações diferentes, pois os agentes que os interpretam são

distintos, o homem da rua e o filósofo. 231

Perante tal dificuldade em

definir critérios específicos para uma abordagem tanto do homem da rua

quanto do filósofo sobre esses conceitos, os autores consideram perti-

nente entender a realidade como uma qualidade pertencente a fenôme-

nos que reconhecemos terem existencia independente da nossa volição

(não podemos desejar que não existam), e definir conhecimento como a

certeza de que os fenômenos são reais e possuem características especí-

ficas. 232

Nessa proposta conseguimos perceber que tais conceitos podem

ter significações diferentes dependendo dos agentes que os pensam. A

própria realidade passa a ser relativizada socialmente. Portanto, a socio-

logia do conhecimento terá de tratar não somente da multiplicidade

empírica do conhecimento nas sociedades humanas, mas também dos

processos pelos quais o corpo do conhecimento chega a ser socialmente

estabelecido como realidade.233

Nilda Teves ao abordar o tema da reali-

dade social propõe que cada realidade social é dotada de uma inteligibi-

lidade própria, de forma que:

Realidade social pressupõe contar com um conjunto

coordenado de representações, uma estrutura de

sentidos, de significados que circulam entre seus

membros, mediante diferentes formas de lingua-

gem: esse conjunto é o imaginário social, como o

quadro cultural que matricia a produção imaginativa

do grupo. De certa forma o imaginário social regula

os comportamentos recíprocos dos indivíduos.

Quando se fala imagina-se, pressupõe-se que o Ou-

tro está nos entendendo, mais ainda, esperam-se de-

le certas respostas.234

231 O homem da rua habita um mundo que é ―real‖ para ele, e em graus diferentes ―conhece‖, com graus variáveis de certeza que esse mundo possui tais ou quais características. O filósofo

por sua vez, levantará questões de caráter ontológico e epistemológico sobre essas questões. 232 BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. 200, op.cit., 11 233 Ibidem, p.14 234TEVES, Nilda. O imaginário na configuração da realidade social. In: ___. (Coord.). Imagi-

nário social e educação. Rio de Janeiro: Gryphus; Faculdade de Educação da UFRJ, 1992, p.17-18.

90

Portanto de posse dos conceitos acima enunciados, tentar-se-á

elucidar de que forma a realidade foi interpretada e significada pelos

assembleianos e quais são as características desta interpretação quando

relacionadas ao comunismo. Veremos como alguns artigos interpreta-

vam a realidade objetiva como o cumprimento literal de profecias anun-

ciadas centenas de anos antes. O dispensacionalismo conferia ao tempo

um sentido, uma direção, caberia aos homens e mulheres tanto a passi-

vidade da espera quanto a cooperação com a efetiva consolidação desses

sentidos ao cumprir o seu papel no plano divino. Os acontecimentos do

mundo real endossavam as profecias, ou melhor, na visão pentecostal

são as profecias que estabeleciam o que era o mundo real. Nesse senti-

do para o pentecostalismo o mundo moderno, as tecnologias, a seculari-

zação, o fortalecimento do capitalismo as transformações na cidade, no

campo, as mudanças em todas as esferas sociais representavam evidên-

cias proféticas. Esse tipo de interpretação da realidade confere à confi-

guração fenomenológica dos fatos um caráter espiritual.

O missionário sueco Samuel Nyström desde que chegou ao

Brasil foi um dos principais defensores do dispensacionalismo. Ele rea-

lizou muitas viagens a todo território nacional para ensinar a doutrina

tanto nos cultos quanto em estudos bíblicos para obreiros. Ao que tudo

indica o dispensacionalismo permeava todo discurso pentecostal. Nos

jornais até 1950 não há nenhum estudo detalhado sobre o dispensaciona-

lismo, entretanto a forma como os temas são abordados indicam que os

leitores dos jornais já conheciam do que se tratava. Eni Orlandi chama a

atenção para as ―condições de produção‖ do discurso. Nem sempre o

jornal precisava produzir determinados discursos, pois eles já pertenci-

am a ordem do interdiscurso, ou seja, as palavras traziam nelas outras

palavras, ―aquilo que fala antes, em outro lugar... o saber discursivo

que torna possível todo dizer‖.235

Nesse caso entendemos que os discur-

sos dos testemunhos, das pregações, dos cânticos, dos folhetos, das es-

colas bíblicas e dos próprios jornais já haviam conferido sentido ao

dispensacionalismo.

A proposta do pentecostalismo era construir uma realidade na

qual o fiel deveria reinterpretar o mundo social sob um olhar que não era

seu. Uma vez que os crentes julgavam ser orientados pelo Espírito San-

235 ORLANDI, Eni. Análise de discurso. Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes Edito-

res, 2005, p. 31; BARRETO, Raquel Goulart. ANÁLISE DE DISCURSO:CONVERSA COM ENI ORLANDI. TEIAS: Rio de Janeiro, ano 7, nº 13-14, jan/dez 2006, p.05.

91

to, a própria forma como a realidade era interpretada era transpassada

pela compreensão que tinham do sagrado. A igreja, seus fiéis, os salvos,

de todas as partes do mundo, no imaginário pentecostal eram represen-

tados por símbolos de pureza, de incorruptibilidade. A imagem de uma

noiva era freqüentemente utilizada como símbolo da própria identidade.

Semelhante a esta a comunidade dos salvos era alva, casta e esperava o

seu futuro esposo, Cristo, com quem se uniria eternamente no plano

espiritual. Longe de ser uma organização humana a comunidade dos

salvos era considerada divina, daí as afirmações que ―a noiva de Christo

é fechada, sellada e separada do mundo, mas aberta para Deus‖.236

Não

havia mácula ou nódoa na igreja de Cristo e os esforços para que se

mantivesse pura deveriam ser constantes. De que forma a igreja se man-

teria assim? Como o comunismo afetaria a noiva de Cristo? As tentati-

vas de permanecer fiel a este princípio se constituíram um dos principais

mecanismos de combate aos seus inimigos.

A literatura assembleiana era dotada de sentidos e particular-

mente reconhecíveis por aquela comunidade de leitores. De acordo com

Chartier, a leitura não consiste somente em uma operação abstrata de

intelecção é necessário que o historiador esteja preocupado em recons-truir as maneiras de ler próprias de determinada comunidade de leito-

res, nesse caso dos pentecostais.237

Chartier sugere que é preciso reco-

nhecer que nem as inteligências, nem as idéias são desencarnadas de

forma que as próprias categorias dadas como invariantes, sejam filosófi-

cas ou fenomenológicas, devem ser construídas nas descontinuidades das trajetórias históricas.

238

A compreensão sobre o caráter do texto e sobre os fatores espi-

rituais que conduzem a leitura são muito importantes para entender a

forma como os pentecostais liam seus textos. Para os assembleianos a

leitura não era um mero reconhecimento de determinados sentidos ex-

pressos no texto. Consistia em uma relação que dependia tanto do pró-

prio texto, quanto do sentido conferido a ele (sagrado, profano), quanto

da própria crença na atuação do Espírito Santo orientando o leitor para

uma correta interpretação das palavras.

Ainda relacionado à reconstrução das maneiras de ler próprias

de determinada comunidade, vemos que um no pentecostalismo existe

um léxico de palavras que adquirem um sentido próprio à comunidade.

236 Som Alegre. Dezembro de 1929, p.03 237 CHARTIER, Roger. 1990, op.cit., p.70 238 Ibidem, op.cit., p.68

92

Palavras como mundo (referindo-se a um espaço teológico), vaso, ins-

trumento, ungido, profeta (referindo-se a pessoa humana), noiva, eleita,

Rebeca (referindo-se a igreja), amado das nações, Isaque, cordeiro de

Deus, juiz, primogênito dos mortos (referindo-se a Jesus) entre outros,

são costumeiramente expressas e inteligíveis, obedecendo a significa-

ções próprias dentro daquela comunidade de sentidos. Não são simples

jargões, são conceitos definidos, estabelecem signos próprios, compõem

uma linguagem que tem finalidades específicas dentro da comunidade.

ORIGENS DO ANTICOMUNISMO NO BRASIL

O Brasil da década de 1930 vive um momento especialmente

delicado no que se refere a um imaginário anticomunista. Nesta ocasião

vários organismos se posicionaram contra um inimigo em comum. Esse

inimigo representava principalmente uma ameaçava a ordem da nação

que se construía e se impôs como projeto no Estado Novo. Esse estudo

dedicado à análise do anticomunismo compreende o que Carla Luciana

Silva chama de um fenômeno nacional.239

A autora apresenta o antico-

munismo não como um projeto político isolado, mas como um compo-

nente integrante da sociedade brasileira. Esse discurso não foi criado

somente pelas elites políticas dos anos 1930, mas conforme afirma Silva

ele se remete a uma lógica autoritária anterior a esse período.240

Durante

décadas grande parte do mundo ocidental, inclusive o Brasil, viveu o

que se chamou de perigo vermelho, perigo este, que na maioria dos

discursos representava a derrocada dos valores morais e religiosos esta-

belecidos.

No Brasil a ameaça representada pelos comunistas foi muito

denunciada e combatida principalmente pelos meios jornalísticos, sejam

eles laicos ou não. Embora existissem focos de resistências, de forma

geral permeava na sociedade brasileira certo consenso sobre o comu-

nismo e o que ele representava. Os veículos que apresentavam essa

questão, principalmente a impressa jornalística, o discurso dos partidos

políticos e o posicionamento das instituições religiosas, eram massifi-

camente endossados como legítimos. Uma série de discursos visando a

239 SILVA, Carla Luciana. Onda vermelha: Imaginários anticomunistas brasileiros (1931-

1934). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p.17. 240 Ibidem, p.15

93

condenação do comunismo se ancorava na construção de identidades

que o rejeitassem.

Embora a identidade seja inconclusiva em razão da sua condi-

ção, pois ela é criada e recriada a todo instante, ou melhor, segundo

Zygmunt Bauman ela é inventada de acordo com objetivos ou propósi-

tos.241

É mediante essa invenção da identidade que se estabelecerá um

discurso que contemple a construção da imagem do outro e por sua vez

do próprio inimigo. O processo de construção de identidades e de con-

denação ao comunismo no Brasil se deu de forma viva e eloqüente que

possibilitou a formação de bases sólidas para a manutenção de uma

tradição anticomunista.

A historiadora Carla Simone Rodeghero entende que dois pon-

tos são fundamentais para a construção de uma identidade, um externo:

que possa servir de parâmetro para o estabelecimento das diferenças, e

outro interno, composto por elementos comuns, que possam identificar

algo, seja um grupo, uma determinada forma de agir ou uma cultura.242

Lembrando que há vários tipos de identidades, construídos por diferen-

tes agentes sociais.

Os imaginários sociais nessa perspectiva são os responsáveis

em designar a identidade de uma coletividade, pois esta atua elaborando

uma representação de si mesma. Sobre essa relação entre imaginário

social e identidade Baczko afirma que:

Através dos seus imaginários sociais, uma coletivi-

dade designa a sua identidade; elabora uma certa

representação de si; estabelece a distribuição dos

papeis e das posições sociais; exprime e imprime

crenças comuns; constrói uma espécie de código de

―bom comportamento (...) assim é produzida uma

representação global e totalizante da sociedade co-

mo uma ―ordem‖ em que cada elemento encontra o

seu ―lugar‖ e sua identidade e a sua razão de ser.

Porém designar a identidade coletiva corresponde,

do mesmo passo, a delimitar o seu ―território‖ e as

suas relações com o meio ambiente e, designada-

mente, com os ―outros‖; e corresponde ainda a for-

241 BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2005, p. 21,22. 242 RODEGHERO, Carla S. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). 2.ed. Passo Fundo: UFP, 2003, p.30.

94

mar as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e

aliados, etc.243

Portanto os imaginários sociais estão vinculados a própria cons-

trução da identidade e as formas como as representações se apresenta-

ram, tanto em relação a si quanto em relação aos outros. Mais do que

isso essa construção identitária delimita espaços, estabelece os critérios

para que os vínculos entre os agentes se estabeleçam ou não. Muitos

autores sugerem que no Brasil, foi mobilizado um esforço muito grande

para construir uma identidade nacional cujos valores não tivessem cor-

respondência com o comunismo. Vários setores da sociedade se lança-

ram nesse empreendimento.

Quanto as origens do anticomunismo no Brasil, Rodrigo Patto

Sá Motta aponta a ele é diretamente relacionado à da Revolução Russa

de 1917. Na sua percepção os responsáveis pela disseminação desse

imaginário no país foram realmente as elites. Preocupados em defender

o capital, os países capitalistas investiram maciçamente em propaganda

anticomunista. Segundo Motta a elite brasileira teria importado essas

idéias dos países centrais. Ele identifica que nos anos de 1920 a1930 a

fonte de inspiração provinha da Europa Ocidental, especialmente da

França.244

A influência estadunidense como fornecedores de um modelo

anticomunista vai aumentando na medida em que o capitalismo revigo-

rava após a década de 1930. Os norteamericanos teriam transformado os

Estados Unidos numa espécie de fortaleza do anticomunismo e mobili-

zaram forças intensas, imensos recursos e considerável energia na des-

truição da ameaça vermelha. Para Motta, considerando as circunstâncias

era natural que tenham assumido a posição dos europeus no papel de

irradiadores dos projetos anticomunistas.245

O autor defende que o

combate ao comunismo foi marcado por influências internacionais,

todavia o Brasil teria combatido o comunismo com uma dinâmica pró-

pria e elaborações originais nos campos de representações. 246

Ou seja,

nada mais lógico que em realidades e condições sociais diferentes os

discursos tenham sido permeados por outras representações.

243 BACZKO, Bronislaw.1984, op.cit.,p.309 244 MOTTA, Rodrigo P. S. Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no

Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 02 245 Ibidem, p.02 246 Ibidem, p.04

95

Segundo o autor entre os anos de 1917 e 1930, o comunismo foi

encarado como uma ameaça remota, que tinha mais a ver com o velho

mundo que com o continente americano. No Brasil a imprensa secular

enfatizava os horrores atribuídos aos bolchevistas de forma que ―o co-

munismo tão execrado era uma desgraça que se abatera sobre o povo

das longínquas terras dos sovietes, pouco afetando os brasilei-ros‖,

247não havia quase nada a dizer sobre a atividade dos comunistas no

país.

Embora as manifestações anticomunistas já começassem a ocor-

rer modestamente logo após a Revolução Russa de 1917. A questão

social e os riscos políticos associados à Revolução de Russa, não eram

vinculados de maneira preponderante ao comunismo. O maior repúdio

era contra o movimento anarquista, que acabava tendo mais visibilidade

que os seguidores de Lênin. 248

Possivelmente em decorrência destas mesmas percepções que

envolviam os discursos antianarquistas é que os assembleianos em um

primeiro momento comparam o comunismo russo com anarquismo. Um

artigo no ano de 1927 do jornal Boa procura explicar o que é o comu-

nismo e vale da compreensão disseminada na sociedade sobre o anar-

quismo e o relaciona ao comunismo como sinônimos.

COMMUNISMO – Que quer dizer BOLCHEWIKI

e que será a sua origem? Em 1916, na Rússia, du-

rante a revolução, muitos anarchistas se reuniram

em KUAKILLA para elaborarem o programa políti-

co. A maioria pugnava pelo programma anarchista

que a Rússia segue hoje. A minoria desejava uma

forma attenuada. A palavra ―maioria‖ em russo é

BOLCHENSTWO e a palavra ―minoria‖ é

MIENCHSTWO. O partido anarchista

BOLCHEWIKI foi o que venceu.249

O crescimento do Partido Comunista Brasileiro, a adesão do lí-

der tenentista Luiz Carlos Prestes ao partido, a formação da Aliança

Nacional Libertadora e principalmente chamada Intentona Comunista, é

que compuseram definitivamente as estruturas que consolidaram a dis-

seminação do anticomunismo no Brasil na década de 1930. Como ve-

247 Ibidem, p.06 248 Ibidem, p. XXI 249 Boa Semente. Agosto de 1927, n.75, p.06

96

remos o anticomunismo nas Assembléias de Deus obedeceu a uma di-

nâmica própria. Os vínculos da igreja com o movimento pentecostal na

Suécia e com o protestantismo estadunidensse afetaram significativa-

mente as formas como ela se posicionou em relação ao comunismo.

Esse era um dos principais motivos pelo qual não existiu um ajuste sin-

crônico entre o anticomunismo assembleiano e os demais anticomunis-

mos no Brasil. Não houve um acompanhamento preciso à tendência das

ondas anticomunistas250

proposta por Motta, mas perceberemos que exis-

te certa coincidência entre os períodos em que houve um silêncio sobre

o assunto.

OS ANTICOMUNISMOS

Ao analisar o discurso anticomunista assembleiano verifica-se

que nem sempre existia uma relação de acompanhamento histórico ajus-

tado aos demais discursos anticomunistas no Brasil. A princípio as As-

sembléias participam do que Motta chama de primeira onda251

antico-

munista no Brasil que tem início nos primeiros meses de 1927 com a

legalidade do Partido Comunista Brasileiro.252

Os assembleianos na busca pelos sinais dos fins dos tempos já

faziam alusão aos regimes autoritários que se fortaleciam no cenário

político mundial, e frequentemente se reportavam a questões envolven-

do os russos como sinais escatológicos. Nos anos que antecedem a cha-

mada primeira onda anticomunista, verificamos que existe um posicio-

namento muito mais antifacista do que anticomunista entre os assem-

bleianos. Porém é a partir do artigo - O Despertamento na Rússia e o

clamor a Deus253

- em abril de 1927 que os assembleianos vão se posi-

cionar nomeadamente contra o comunismo através do seu periódico. De

acordo com Motta, em relação a primeira metade do século passado, os

250 O anticomunismo no Brasil é um tema discutido desde a Revolução Russa de 1917, tratado como com uma questão ―remota‖. A partir de 1927 o anticomunismo ganha corpo e expressi-

vidade, os momentos agudos de combate ao comunismo são a partir de 1935. Os anos de 1935

a 1937 o anticomunismo torna-se intenso impulsionado pela ―Intentona Comunista‖, depois de 1946 a 1950 no início da Guerra Fria e a partir de 1964, período do golpe militar. MOTTA,

Rodrigo P. S. 2002, op.cit, passim. 251 MOTTA, Rodrigo P. S. 2002, op.cit.,7-13. 252 O PCB, fundado em 1922 só entra na legalidade em Janeiro de 1927, quando elege Azevedo

Lima para a Câmara dos Deputados, sob a presidência de Washington Luís, em Agosto do

mesmo ano volta para a ilegalidade. 253 Boa Semente. Abril de 1927, n.71, p.02 ; Boa Semente. Maio de 1927, n.72, p.02.

97

momentos de maior intensidade no combate ao comunismo no Brasil

ocorreram entre os anos de 1935 a 1937 e depois de 1946 até

1950.254

Nas Assembléias são particularmente importantes os anos de

1927, de 1930 a 1933 e entre 1937 e 1939, havendo uma ―trégua‖ nesse

combate nos anos referentes à Segunda Guerra e uma retomada do dis-

curso anticomunista a partir de 1946. Entre os anos de 1940 e 1945 os

discursos anticomunistas são tímidos tanto nos periódicos assembleianos

no Brasil como nos periódicos assembleianos dos Estados Unidos.255

Em novembro 1935 o Brasil viveu a chamada Intentona Comu-

nista. Esse episódio foi marcado pela tentativa de golpe contra o gover-

no Vargas. Estavam envolvidos nessa conspiração contra o governo o

Partido Comunista Brasileiro e a Aliança Nacional Libertadora. Estas

duas organizações mobilizaram forças visando tomar o poder, liderados

por Luis Carlos Prestes e apoiados pela Internacional Comunista. O

Estado reagiou rapidamente e reprimiu os opositores. Muitos setores da

sociedade, principalmente ligados a burguesia e a classe média vincula-

dos a igreja Católica também se colocaram contra o movimento. Esse

episódio desencadeou uma ampla mobilização de vários setores da soci-

edade com o mesmo objetivo: combater o comunismo em todo o territó-

rio nacional.

Os assembleianos também se colocaram ao lado do governo,

porém não de forma assumidamente aberta. Esse episódio não foi men-

cionado de forma clara e objetiva nem nas Lições Bíblicas de Escola

Dominical, nem no Mensageiro da Paz, as duas produções literárias da

igreja nesse período. Embora não seja declaradamente contra a Intento-

na Comunista, presumidamente o artigo escrito pelo pastor Antonio

Torres Galvão fez alusão ao episódio:

Até mesmo nas terras livres da América, neste Bra-

sil onde tudo é imenso, e onde não se conhece a cri-

se, no verdadeiro sentido do termo, mercê dos re-

cursos naturais com que nos dotou a dadivosa mão

do Criador – espíritos antipatrióticos procuram per-

turbar a ordem e a paz da família brasileira, ensan-

güentando o solo pátrio, levando o luto, a orfanida-

de e a viuvez a milhares de lares, até então, felizes e

254 MOTTA, Rodrigo P. S. 2002, op.cit., p. 01-13; 179-214. . 255 O Mensageiro da Paz (Brasil) e o The Pentecostal Evangel (Estados Unidos) foram usados como referência nesse período.

98

sorridentes. Tudo isso é resultado do pecado, da de-

sobediência aos postulados do Altíssimo.256

Essas questões que agora faziam parte da nação brasileira eram

indícios claros da ameaça mundial do comunismo e do seu poder global.

Galvão não reconhecia que o Brasil tinha vivido crises políticas e a paz

da qual se referia estava sendo ameaçada pelo que denominou ―espíritos

antipatriócos‖. Segundo Galvão, os agitadores não só promoviam a

destruição dos lares, mas também eram assassinos e promoviam muito

sofrimento. Referências claras de que não estavam ao lado do bem.

Nos primeiros meses do mandato de Washington Luís entrou

em vigor a Lei Celerada,257

que restringia as atividades sindicais e polí-

ticas de esquerda, de forma que mesmo na legalidade o Partido Comu-

nista Brasileiro enfrentaria a oposição do Estado. A lei autorizava o

governo a fechar centros, sindicatos e entidades que praticassem atos

considerados subversivos a ordem, moralidade e segurança pública.

Diante da tramitação da lei vários órgãos da imprensa foram instigados a

posicionar-se contra uma suposta conspiração comunista no país. Em

maio de 1927 vários jornais privilegiados com informações policiais

sobre uma suposta conspiração revolucionária comunista se lançam na

publicação de artigos sobre o Partido Comunista Brasileiro e sua ligação

com o governo soviético. Motta destaca o caráter crítico da imprensa

perante o perfil autoritário da lei, embora após a sua oficialização a ile-

galidade do Partido Comunista Brasileiro tenha sido tema em vários

jornais.258

Ao que tudo indica o discurso anticomunista manifesto no jor-

nal Boa Semente não estabelecia referências diretas aos acontecimentos

políticos no Brasil daquele período. No periódico não havia qualquer

referência a estes episódios mencionados. A maioria dos artigos antico-

munistas eram na realidade traduções literias de periódicos pentecostais

estadunidensses ligados às Assembléias de Deus norteamericanas. Fre-

quentemente os discursos eram mais relacionados à dinâmica anticomu-

nista daquele país do que do Brasil. Embora se reconheça que os artigos

publicados no Brasil não eram plenamente alheios a realidade política e

social do país.

256 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1936, n.03, p.02. 257 Lei proposta no Congresso pelo Deputado Aníbal de Toledo. 258 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit., p.07-08

99

Em 1927 foram publicadas três grandes matérias de caráter ex-

plicitamente anticomunista259

, todas com o mesmo título - O Desperta-

mento na Rússia e o Clamor a Deus.260

Os artigos não se remetiam ao

Partido Comunista Brasileiro, ao Estado brasileiro, Lei Celerada, infor-

mação policial, ou outra referência aos episódios daqueles dias. Na

realidade eles eram traduções de uma série de sermões proferidos pelo

pastor norte americano Paul Petterson em janeiro de 1927 na Stone

Church, em Chicago. Repleto de imagens e representações sobre o

comunismo este artigo estava preocupado com a descrição de como era

a realidade soviética. As informações sobre essa realidade eram basea-

das no testemunho de vida de Petterson, sua experiência e impressões

como missionário na Rússia.

É importante ressaltar que o Brasil sofreu não apenas uma espé-

cie de anticomunismo. Embora a expressão seja sempre usada no singu-

lar Motta destaca que seria mais adequado falar em anticomunismos.261

O objetivo em comum acabava sendo o combate ao comunismo, porém

a diversidade como ele ocorria, os projetos diversos de ataque compu-

nham a heterogeneidade contra o inimigo em comum. Segundo o autor

―o aspecto ideológico em questão é tão amplo que vai da direita para a esquerda, reunindo reacionários, conservadores, liberais e esquerdis-

tas‖.262

As notícias que os editores do órgão oficial das Assembléias de

Deus têm dos acontecimentos políticos mundiais eram frequentemente

extraídas de outros jornais geralmente traduzidos do inglês. Boa parte do

que se sabia e imaginava sobre o comunismo nas Assembléias de Deus

advinha de fontes exógenas. O jornal era um canal de codificação destas

mensagens, de extração do que se julgava importante para um leitor

pentecostal. Embora os jornais norteamericanos consistissem na maior

fonte de informação sobre o comunismo, outros jornais publicados no

Brasil também eram apresentados pelos jornais assembleianos. Desta

forma é perceptível que o discurso anticomunista das Assembléias de

Deus era permeado por influências exógenas e endógenas sendo que

259 Cf. Boa Semente. Abril de 1927, n.71, p.02; Boa Semente. Maio de 1927, n.72, p.02; Boa Semente. Junho de 1927, n. 73, p.06,07 260 O título original dos artigos era: ―Might moving of the Spirit in Russia, Poland and Latvia‖e

foi traduzida das seguintes edições: The Pentecostal Evangel, 01 de Maio de 1927, p.01; The Pentecostal Evangel, 28 de Maio de 1927, p.02; The Pentecostal Evangel, 04 de Junho de

1927, p.08. 261 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit.,16 262 Ibidem: p.16

100

estas influências foram muitas vezes ressignificadas e transformaram-se

em argumentos teológicos para o combater o comunismo.

Constata-se que os redatores dos jornais assembleianos frequen-

temente reproduziam esse discurso anticomunista exógeno sem averi-

guar a autenticidade das informações. Nessa condição o que se conside-

rava mais importante era o seu efeito como mobilizador de ações e não

necessariamente a comprovação da veracidade das informações. A auto-

ridade da fonte garantia que as informações fossem aceitas e compreen-

didas como legítimas.

O POSICIONAMENTO POLÍTICO DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS

O temor de uma revolução mundial significava o esfacelamento

de uma ideologia burguesa. Carla Luciana Silva entende que o Brasil na

década de 1930 combatia o comunismo alicerçado em uma burguesia

hegemônica que necessitava de uma mentalidade conservadora, e de

imaginários legitimadores.263

Daí a necessidade da imprenssa como um

veículo importante nesse empreendimento. Os jornais ao posicio-

narem-se contra o comunismo definiam um espaço político. Esse veícu-

lo de comunicação possibilitava formar e divulgar ideais que transfor-

mavam o imaginário social.264

Embora houvesse uma preocupação nos

jornais assembleianos em afastar-se dos temas políticos, o posiciona-

mento que adota diante dos comunistas já estabelece claramente de que

lado os assembleianos estavam.

Os periódicos assembleianos mantinham um caráter conserva-

dor. Em todas as épocas demonstraram simpatias com o governo consti-

tuído civilmente no Brasil. Qualquer pretensão de oposição às autorida-

des era visto como uma desobediência, um ato subversivo a própria

vontade divina. Os jornais assembleianos insistiam em defender que o

poder civil era estabelecido e constituído não por vontade dos homens,

mas por vontade divina. Um exemplo deste discurso esta no artigo: De-

veres Christãos Para com as Autoricdades Constituidas. Neste artigo é

possível diagnosticar qual deveria ser o comportamento do cristão como

cidadão diante dos seus representantes eleitos democraticamente.

263 SILVA, Carla Luciana. 2001, op.cit. p.18 264 Ibidem: p.19.

101

Toda a alma esteja sujeita as potestades... – Vemos

neste verso as obrigações de cada pessoa sem dis-

tincção, para com o Estado e suas auctoridades. Po-

demos ver que toda potestade vem de Deus e são

ordenadas por Elle (...) Por isso quem resiste a auc-

toridade resiste a ordenação de Deus(...) O verda-

deiro christão deve ser patriota piedoso, não ceden-

do às paixões políticas [...].265

Nesse sentido, analisando a forma como sistemas religiosos

significam o poder político Berger esclarece que a autoridade política é

frequentemente legitimada pelo sagrado, ―o poder humano, o governo e

o castigo se tornam, fenômenos sacramentais, isto é, canais pelos quais forças divinas são aplicadas à vida dos homens para influenciá-los‖.

266

Desta forma, ao lado de outros grupos cristãos com posturas anticomu-

nistas, as Assembléias de Deus em certa medida corrobou com o perfil

do Estado autoritário que se erigia no Brasil. Como salienta Alcir Le-

nharo, o agudo anticomunismo que atendia aos interesses religiosos

cristãos no período do Estado Novo, serviu de ―eficiente instrumento para denunciar, isolar, desmoralizar o adversário, e fornecer ao Estado

uma legitimidade especial, para suas práticas repressivas‖.267

Nos periódicos desse período encontramos vários textos alusi-

vos a posturas políticas bem definidas por parte dos assembleianos.

Quando os periódicos teciam louvores ao presidente Vargas268

, apregoa-

vam que os crentes deveriam se sujeitar às autoridades,269

e que acima

de tudo deveriam ser patriotas, pois argumentavam que o que o espírito

é no corpo, são os cristãos na pátria. 270

Estas são seguramente manifes-

tações que demonstram grandes simpatias pelo Estado Novo. Em 1935,

o redator do Mensageiro da Paz, Antônio Torres Galvão afirmava que o

patriotismo é ―justificável e louvável‖, sua visão era que:

265 Boa Semente, Novembro de 1928, p.13 266 BERGER, Peter L. 1985, op.cit., p.47. 267 LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. 2.ed. São Paulo: Papirus, 1986, p190. 268 Mensageiro da Paz. Junho de 1938, n.12, p.03 269 Boa Semente, Abril de 1925, n.47, p. 01 270 Boa Semente, Março de 1925, n.46, p.01

102

[...]cada pessoa tem o dever de amar o seu país,

concorrer para o seu desenvolvimento, acatar as su-

as leis e cumprir os seus deveres para com o Estado,

visto que não pode ser um bom cristão, sem que se

seja um bom cidadão, um elemento útil à família e a

pátria.271

Para Freston, a experiência dos primeiros missionários suecos,

com o sistema de governo de seu país, onde a igreja e o Estado andavam

de mãos dadas responde ao comportamento de repulsa à política por

parte dos suecos. Era considerada uma virtude no passado assembleiano

o seu ―apoliticismo‖.272

Todavia seja evidente que todo e qualquer posi-

cionamento não é despretencioso ou desprovido de algum engajamento

político. Segundo Freston o interesse dos assembleianos pelo envolvi-

mento da política secular com a igreja é recente, isto se sucedeu princi-

palmente após a reestruturação da Convenção Geral em 1979, em mol-

des mais burocráticos, permitindo que o projeto de candidaturas coorde-

nadas à Constituinte tivesse um grande sucesso.273

Todavia percebemos

que nunca houve de fato uma desvinculação entre política e religião,

mesmo que discursivamente ou partidariamente não tenha ocorrido.

É importante lembrar que o Brasil na década de 1930 foi trans-

passada por um dos mais fortes períodos de autoritarismos da história da

nação. Eliana de Freitas Dutra sugere que mecanismos de controle fo-

ram acionados na sociedade, dispositivos mentais e materiais postos em

prática na retórica do perigo comunista, de forma que contribuíram para

o projeto totalitário do Estado na década de 1930. Entendendo que nes-

se período estava implícita na sociedade uma disposição totalitária, uma

espécie de ―monoteísmo dos valores e dos desejos‖.274

Como lembra Lenharo a política do período pós-Primeira Guer-

ra era profundamente marcada por transformações nos Estados. É nesse

momento que emergiam formas de governar pautadas na formulação de

um Estado todo poderoso e onipresente.275

A difusão da idéia de todo

nacional, buscava unificar os interesses de grupos e classes de forma

que qualquer fragmentação passava a representar o grande inimigo do

271 Mensageiro da Paz. Outubro de 1935, n.19, p.05. 272 ANTONIAZZI, Alberto, et.al. 1994, op.cit., p.93 273 Ibidem 274 DUTRA, Eliana F. O Ardil Totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Rio de

Janeiro: UFRJ, Belo Horizonte: UFMG, 1997, p.16-25. 275 LENHARO, Alcir.1986, op.cit., p.160.

103

país.276

Foi nesse espaço que os imaginários anticomunistas foram cria-

dos e fortalecidos, amparados, sobretudo pela idéia de que o Estado era

a ―poderosa voz que fala em nome de todos os brasileiros‖.277

Logo após serem estabelecidos alguns critérios que fazem com

que determinado grupo reconheça determinada identidade, existe o pro-

cesso não só de reconhecimento, mas de legitimação identitária. Todo

processo de legitimação envolve uma questão de poder, que compõe o

imaginário social. Para que cumpra sua finalidade esse poder precisa se

impor de forma reconhecida e aceita pelos agentes sociais. Nessa pers-

pectiva a teologia foi o instrumento legitimador por excelência da iden-

tidade assembleiana, ela contribuiu para a orientação e construção dos

sistemas de alteridade. A teologia forneceu um vasto edifício de símbo-

los que foram utilizados discursivamente para representar os amigos e

os inimigos.

De maneira geral nas religiões cristãs o cosmos é dividido entre

os que pertencem à salvação e aos que pertencem à perdição. Entre os

pentecostais prevalece essa percepção maniqueísta da realidade, segun-

do a qual o mundo estaria vivendo uma luta irreconciliável entre forças

divergentes, neste caso fé versus ateísmo, cristianismo versus comunis-

mo, bem versus mal, etc.

Nessa perspectiva os assembleianos se esforçaram para se afas-

tar de tudo o que representava o mundanismo. Ligados ao ―mundo‖

estavam todos os seus inimigos, materiais e imateriais. Entre estes ini-

migos estavam as ameaças da modernidade, do liberalismo teológico,

das forças comunistas, dos governos humanos, dos poderes do Diabo e

suas influências. Entre as influências mais maléficas do demônio na

sociedade estava a sua ligação direta com os pecados dos prazeres da

carne, dos vícios, dos jogos, da idolatria, entre outros. O Som alegre

advertia:

Mas onde acharemos homens e mulheres com cora-

ções tocados por Deus? Sim, nós não os acharemos

nos prazeres deste mundo. Os homens querem ser

tocados por todas as coisas aqui neste mundo, mas

não por Deus. Elles querem chorar, rir e brincar e se

deixar levar por toda qualidade de loucura. Querem

ver e ouvir uma coisa empolgante e dramática, mas

276 LENHARO, Alcir.1986, op.cit., p.165 277 Ibidem, p. 34

104

não querem ser dirigidos por Aquelle que tem olhos

como chammas de fogo. Tanto mais que deixarmos

as coisas terrestres, tanto mais alcançaremos as ce-

lestes. Aquelle que somente procura as coisas desta

vida se torna inimigo de Christo. 278

A compreensão dos pentecostais dava conta de que todas as coi-

sas estavam arranjadas cosmicamente por Deus e a realidade deveria ser

considerada em relação a esta ordenação. Nesse aspecto os estudos de

Berger permitem mostrar que os pentecostais pretenderam relacionar a

realidade humana definida com a realidade última, universal e sagrada,

ou seja, ―as construções da atividade humana, intrinsecamente precá-rias e contraditórias, recebem, assim a aparência de definitiva seguran-

ça e permanência, os nomoi humanamente construídos ganham um

status cósmico.‖279

Em correspondência com esse entendimento Andréa

de Souza Mina esclarece que mundo no imaginário assembleiano refere-

se a um espaço teológico, é o local impregnado de impureza, maldade,

desavença, imoralidade, é o lugar do pecado. Tudo que não estiver de

acordo com os preceitos bíblicos, fazia parte das coisas mundanas, ou

seja, referia-se ao lugar de não aceitação das leis divinas.280

Os assembleianos procuraram construir uma identidade recor-

rendo a uma série de representações, as quais foram elaboradas em rela-

ção a si e aos outros. Nesse sentido Baczko concebe que:

[...]designar a identidade coletiva corresponde, do

mesmo passo, a delimitar o seu território e as suas

relações com o meio ambiente e, designadamente

com os outros; e corresponde ainda a formar as i-

magens dos amigos e dos inimigos, rivais e aliados

etc.281

Ao delimitar seus inimigos, estabelecer os pontos de divergên-

cia, a historiadora Carla Luciana Silva defende que nos movimentos

anticomunistas, a categorização e definição de um outro, visava configu-

rar o comunismo como um inimigo social, ou seja, articulava-se formas

278 Som Alegre. Dezembro de 1929, p.04. 279 BERGER, Peter L. 1985, op.cit., p. 49 280 MINA, Andréia Mendes de Souza. 1990, op.cit., p.13. 281 BACZKO, Bronislaw. 1984, op.cit., p.309

105

de coesão dos mais diferentes setores sociais empenhados em combater

o inimigo de toda a sociedade ocidental.282

Os assembleianos não se afastaram dessa premissa. Combater o

comunismo configurava-se dentro dessa lógica como um critério para

preservar a cristandade. O comunismo contribuia com o que chamavam

de ―mundanismo‖. Ele era o agente de proliferação de vários pecados

que pertencem ao mundo. O comunismo era entendido como um peri-

go, um agente causador da crise social. As imagens que serão criadas

para descrever as práticas mundanas dos comunistas estão inseridas

dentro de uma perspectiva de autodefesa, é a defesa do cristianismo.

Desta forma é que Baczko elucida que em momentos onde se intensifica

a ―produção de imaginários sociais concorrentes e antagonistas‖ em

que se procura dar legitimidade a representações, essas iniciativas são

caracterizados por um mecanismo de autodefesa. Nesse mesmo sentido

todos os ―dispositivos imaginários são empregados de forma a mobili-

zar as energias dos seus membros para uma ação‖.283

As representações de acordo com Chartier permitem articular

três registros de realidade, a que corresponde às representações coleti-

vas:

[...] incorporam nos indivíduos as divisões do mun-

do social e organizam os esquemas de percepção a

partir dos quais eles classificam, julgam e agem; e

por outro, as formas de exibição e de estilização da

identidade que pretendem ver reconhecida; enfim, a

delegação a representantes (indivíduos particulares,

instituições, instâncias abstratas) da coerência e es-

tabilidade desta identidade assim afirmada [...] as

propriedades objetivas fruto dessas representações

são comuns a seus membros em uma pertença per-

cebida, mostrada, reconhecida (ou negada).284

De que forma os assembleianos produzirão imagens e represen-

tações do comunismo? A ação de defesa dos assembleianos foi disposta

de forma discursiva nas preleções, nos editoriais, nas escolas domini-

cais, os inimigos e heresias são ao mesmo tempo produzidos e desquali-

ficados em todas as manifestações discursivas.

282 SILVA, Carla Luciana. 2001, op.cit., p.13 283 BACZKO, Bronislaw. 1984, op.cit., p.310 284 CHARTIER, Roger. 1990, op.cit., p.11.

106

O PODER SIMBÓLICO AS REPRESENTAÇÕES E

LEGITIMAÇÕES

Para entender a dinâmica do anticomunismo é necessário estar

atento para as relações simbólicas que estão presentes nos imaginários

que foram criados com esse objetivo. Segundo Bronislaw Baczko é

mediante ao valor atribuido aos símbolos que permitem eles exercerem

poder sobre as pessoas e as conduzir para uma ação, para praticas e

comportamentos.285

Em outras palavras os símbolos são capazes de ins-

tigar o homem a agir decorrente do valor que a eles são atribuidos. A

partir destas questões é que se reconhece a importância de entender

como o discurso religioso trabalha com as questões simbólicas e como

esse discurso é capaz de orientar diferentes posicionamentos, definindo

tanto as ações da vida coletiva quanto demarcando quem são os amigos

e os inimigos. De acordo com Bourdieu;

O poder simbólico como poder de constituir o dado

pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de con-

firmar ou de transformar a visão do mundo e, deste

modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo;

poder quase mágico que permite obter o equivalente

daquilo que é obtido pela força (física ou econômi-

ca), graças ao efeito específico de mobilização, só

se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado

como arbitrário.286

Na constituição do imaginário, percebe-se a necessidade de le-

gitimação do poder através dos símbolos, uma vez que um saber seja

objetivado e interiorizado nos indivíduos definindo a realidade objetiva,

a legitimação está garantida. A medida que um grupo adere e comparti-

lha os mesmos códigos, pode ser constatado tanto a eficácia do discurso

quanto o poder legitimador dos símbolos. Ou seja, se um grupo compar-

tilha dos mesmos códigos é porque a legitimação foi eficaz. Acerca da

legitimação religiosa Berger afirma:

Toda a legitimação mantém a realidade socialmente

definida. A religião legitima de modo tão eficaz

285 BACZKO, Bronislaw. 1984, op.cit.,p.311 286 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 14

107

porque relaciona com a realidade suprema as precá-

rias construções de realidade erguidas pelas socie-

dades empíricas. As tênues realidades do mundo so-

cial fundam no sagrado realissimum, que por defi-

nição está além das contingências dos sentidos hu-

manos e da atividade humana.287

A partir do momento em que a Bíblia é considerada como divi-

namente inspirada devemos considera-la como pertencente a categoria

de instrumento legitimante por natureza. Ela pode ser classificada dentro

do que Berger chama de legitimação por facticidade objetiva.288

A legi-

timação depende de uma relação de ajuste entre a apropriação dos bens

simbólicos da Bíblia e a devida correspondência com um objeto. Nesta

perspectiva encontrava-se o comunismo, que uma vez relacionado a

símbolos de caráter religioso, e legitimados por argumentos considera-

dos válidos acabavam sendo referendados significativamente pelo grupo

por representar justamente a visão destes.

A forma como a religião passa a tratar assuntos seculares, como

ela explica-os, interage com eles, acompanha uma lógica social que não

é necessariamente em todos os aspectos religiosa. Segundo Berger aci-

ma de tudo existe uma relação de mercado, na qual se estabelecem com-

petições com rivais sociológicos que fornecem sistemas explicativos de

mundo igualmente poderosos.

Como resultado da secularização, os grupos religio-

sos também são levados a competir com vários ri-

vais não religiosos na tarefa de definir o mundo

[...]A situação pluralista é acima de tudo, uma situ-

ação de mercado. Nela, as instituições religiosas

tornam-se agências de mercado e as tradições reli-

giosas tornam-se comodidades de consumo.289

Os assembleianos na busca pelos sinais escatológicos provomo-

veram um imaginário escatológico que representou os conflitos, as guer-

ras, a violência, como evidências claras de que as forças de Satanás

estavam operando e manipulando homens. Em 1925, segundo o jornal

Boa Semente, a humanidade estaria revivendo o que se sucedeu nos dias

287 BERGER, Peter L. 1985, op.cit., p.45. 288 Ibidem, p. 43 289 Ibidem, p.149

108

de Noé.290

Ou seja, essa comparação entre a sociedade contemporânea e

a patriarcal era uma referência clara à aniquilação do mundo, semelhan-

te com o que se passou quando Deus teria enviado o dilúvio e extermi-

nado todos os habitantes da terra deixando somente a família do patriar-

ca livre da condenação. No artigo do Boa Semente intitulado - Como

aconteceu nos dias de Noé...291

- o redator procurou estabelecer corres-

pondências entre o dilúvio e o Arrebatamento, fazendo clara alusão ao

segundo grande julgamento divino da humanidade, o Juízo Final.

A análise prémilenarista ancorada no exemplo veterotestamen-

tário afirmava que maldade no coração do homem estava se multipli-

cando nos últimos dias, percepetível pelo aumento na imoralidade e da

violência. Segundo o artigo, os sinais de que o fim do mundo se aproxi-

mava podiam ser diagnosticados nos relacionamentos entre pessoas de

credos diferentes (intercommunhões ilícitas) no progresso da arte, da

indústria, da imprensa, da política, na diversidade religiosa, no divórcio,

no aumento da infidelidade matrimonial, no intelectualismo, no sindica-

lismo, no aumento dos pecados da vaidade, luxúria, sensualidade, ego-

ísmo, presunção, soberba, avareza, desobediência, orgulho, hedonismo,

preguiça, homossexualismo, mentira, corrupção, além do avanço cientí-

fico e tecnológico, no avanço da medicina, nas relações entre política e

religião, na emergência de religiões como o espiritismo e adventismo do

sétimo dia, no liberalismo teológico entre outros. Esse seria o cenário

que compreenderiam sinais do fim dos tempos, eram evidências da a-

postasia e portanto deveriam receber o juízo divino como nos dias de

Noé.292

Utilizando uma série de imagens os assembleianos visavam

desqualificar seus inimigos. Estamos perto da meia noite, afirmava o

jornal. A meia noite é o símbolo da volta de Cristo, tal como no discurso

de Jesus, interpretado como referência a sua segunda vinda, na parábola

em que dez virgens esperam o noivo que deveria chegar exatamente no

horário marcado: a meia noite.293

A narrativa continua com alegorias

sobre o fim dos tempos com afirmações como: ―é perto da meia noite

290 ―Noé recebeu a incumbência divina de construir uma arca que abrigaria todas as pessoas e

animais que entrassem nela, somente sua família e um casal de animal de casa espécie entrou

na arca, sobreveio portanto um dilúvio sobre a terra e destruiu toda a humanidade‖. Cf. Gênesis 6. 291 Boa Semente. Março de 1925, n.46, p.01. 292 Boa Semente. Março de 1925, n.46, p.01. 293 Cf. Evangelho de Mateus 25

109

que as sombras caem‖, 294

ou seja, à medida que se aproxima a volta de

Cristo, as coisas deveriam piorar. O discurso pessimista com relação aos

acontecimentos no mundo é muito forte dentro dessa compreensão pré-

milenarista da história. Esse pessimismo pode ser traduzido na forma

como compreendiam todas as questões sociais e políticas.

Seria loucura pensarmos que tudo é natural ou está

na ordem cosmica das coisas. Não; há algo de mys-

terioso, o desencadear dos factos, a intensidade fe-

bril das correntes políticas internacionaes, o despo-

dor que caracteriza os meios sociaes... Sabemos que

todo o cataclysmo se pronuncia pela desordem soci-

al tal qualmente aconteceu com Sodoma e Gomor-

ra.295

Segundo o Mensageiro da Paz os crentes precisavam estar vigi-

lantes para que o ―sono da meia noite que já pode ser sentido não venha sobre os que sairão ao encontro do Noivo‖

296. Visando fortalecer a

força da evangelização, da obediência aos ensinos, da busca a Deus, o

jornal utiliza a imagem do sono para propor que os crentes se mante-

nham acordados, vigilantes na espera do Salvador. A angústia muitas

vezes enfatizada nos discursos escatológicos representa um estado de

apreensão, que aflige e causa mal estar. Em 1938 o redator do Mensa-

geiro da Paz, Antônio Torres Galvão, identificava que a angústia daque-

les dias era causada pela ―rejeição dos sublimes ensinos de Cristo e a adoção de teorias informadas de materialismo histórico – criação de

falsos líderes da humanidade tais como Marx e Lenine‖.297

Desta forma

posiciona o comunismo como a causa das mazelas que o mundo viven-

ciava, nomeando os responsáveis por aquele estado de tensões.

O fim dos tempos para os assembleianos estava em simbiose

com o contexto sócio-político mundial. A repressão ao comunismo no

Brasil e o fortalecimento do Estado na década de 1930 não afastava o

medo e a sensação de que o comunismo irá se generalizar. No jornal um

versículo afirmava, ―quando disserem paz e segurança, então lhes virá

repentina destruição e de modo algum escaparão‖298

, logo em seguida

294 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01, p.02 295 Boa Semente. Fevereiro de 1927, n. 69, p.03 296 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01, p.0 297 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1938, n.01, p.02 298 Cf. Tessalonicenses 5.3

110

evidencia, o ―horror do bolchevismo está ficando forte não só na Rús-

sia, mas em todo o resto do mundo‖.299

A preocupação com a Rússia

como centro propagador do ateísmo pelo mundo estava manifesto no

Mensageiro da Paz e se estendia por toda a década de 1930. O jornal

destacava que a Rússia era um local perigoso principalmente devido seu

poder de expandir o comunismo que adotava, o jornal anunciava: ―Rús-sia um centro de agitações e intranqüilidades para todas as nações,

cuja religião official é o atheísmo‖.300

Em 1930 a situação política do país, longe de conflitos declara-

dos, de guerras civis levou aos assembleianos interpretarem que a pró-

pria sensação de paz, fazia parte da evidência do fim, ou seja, em guerra

ou em paz, o fim está próximo. A aparente paz da nação não era motivo

para deixar de se preocupar com as guerras, com os conflitos, o forte

nacionalismo de alguns países, e todos os sinais que se entendiam como

evidência do fim.

Nessa época esteve em exercício o governo do presidente Wa-

shington Luís [1926 – 1930 (deposto)], Boris Fausto defende que foi

relativamente tranqüilo seu mandato.301

Ele libertou presos políticos, não

há registro de perseguição contra operários,302

não prorrogou o estado de

sítio que caracterizou o quadriênio anterior de Artur Bernardes, enfim,

embora tenha sido deposto pelos ministros militares em outubro, e Getú-

lio Vargas tenha assumido o cargo em novembro, o Brasil enfrentava

certa tranqüilidade interna nesse momento. Todavia Motta destaca que

em razão da Lei Celerada e forma como o Partido Comunista se articu-

lava naqueles dias, estava latente na sociedade um estado repressivo. A

Lei Celerada representava uma ameaça muito grande a qualquer ação

subversiva.303

A sensação de paz e tranqüilidade defendida pelos assem-

bleianos em dezembro de 1930, pretendia expressar o contexto histórico

vivenciado pelo país, negligenciando que existia no Estado um poder

repressor que estava voltado para qualquer ação esquerdista. Daí que o

jornal afirma que nem mesmo a senssação de paz deveria ser motivo

299 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01. p.02. 300 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1932, p? 301 FAUSTO, Boris. 2006, op.cit., p.319 302 Embora tenha sido atribuído a ele, caluniosamente, enquanto presidente de São Paulo a

frase: " Questão social é questão de polícia", quando a frase verdadeira foi "A agitação operá-ria é uma questão que interessa mais à ordem pública do que à ordem social, representa o

estado de espírito de alguns operários, mas não de toda a sociedade". Cf. FAUSTO, Boris.

2006, op.cit., p.319 303 MOTTA, Rodrigo. P. S. op.cit. p.07,08.

111

para tranqüilidade. A análise da realidade social e política conduzia a

seguinte afirmação: ―quando tudo estiver tranqüilo sobrevirá repentina

destruição‖.304

O COMUNISMO E OS SINAIS ESCATOLÓGICOS

No pentecostalismo, particularmente as interpretações escatoló-

gicas adquirem uma conotação especial por esta estar atrelada a sua

própria identidade dentro do sistema teológico dispensacionalista, como

um movimento que precede o fim dos tempos. Tanto o pentecostalismo

representava uma evidência do fim quanto o comunismo. Ambos esta-

vam associados aos sinais escatológicos. Mas quais sinais eram relacio-

nados ao comunismo? Eram os sinais apresentados principalmente pelos

livros apocalípticos do profeta Daniel no antigo testamento e Revelação,

também conhecido como Apocalipse de São João, ou simplesmente

Apocalipse no novo testamento.

Os pentecostais ao interpretar o Apocalipse segundo a teologia

dispensacionalista compreendiam que o sinal da Besta representado pelo

número 666 iria acompanhar o governo maligno que surgiria imediata-

mente após o Arrebatamento. A preocupação com o comunismo como

um sistema de governo representante da Besta era muito grande em

1930. Os assembleianos anunciavam nesse momento: ―O governo dos

Soviets, na Rússia, decretou ultimamente uma lei que prohibe os crentes

de comprar e vender. É necessário aceitar um signal para se poder viver. Esta lei está funccionando desde o mês de Novembro deste an-

no‖.305

Os assembleianos defendiam quem todos os que possuíssem o

número da Besta, estavam condenados ao Juízo e ao inferno, logo essa

associação entre o texto apocaliptico e a afirmação que a Rússia havia

implantado um sinal nas pessoas não era desproposital.

As características do discurso bíblico sobre a Besta e o seu si-

nal, a articulação da mensagem no jornal só corroborava com a cabal

afirmativa de que os comunistas eram os representantes do governo

diabólico do Anticristo e da Besta. Após essa afirmação o jornal convo-

cava os leitores a conferir no capítulo treze do Apocalipse a narrativa correspondente. Essa prática muito comum no discurso pentecostal se

304 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01, p.02 305 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01, p,02

112

reveste do que Bourdieu chama de discurso de autoridade o qual não

basta que seja compreendido é preciso que seja reconhecido enquanto

tal.306

Daí a necessidade do locutor se remeter à palavra oficial, ortodo-

xa, legítima,307

que nesse caso está ancorada na crença da infalibilidade

bíblica. Para Orlandi essa é uma característica fundamental do discurso

teológico o apelo a intertextualidade, ou seja, esse discurso se funda-

menta em relação a outros discursos, nesse caso o discurso bíblico. Or-

landi reitera que esse é um discurso fechado, pois ―não há autonomia do representante em relação a voz que fala nele‖.

308

Segundo os assembleianos em 1930 o plano político da Besta já

estária agindo na Rússia e as evidências apontavam para isto. Restava a

consolidação dos projetos de dominação mundial. A adoção deste sinal

pelos comunistas não era apenas um passaporte para a morte, mas tam-

bém a antítese da fé, da religião cristã, do evangelho. É o sinal da adora-

ção da Besta, é a marca da destruição e devoção ao demônio. O anúncio

de que o sinal estava em uso há pouco menos de um mês, denota o cará-

ter emergencial da divulgação da palavra, da tentativa de livrar o máxi-

mo possível de pessoas do poder da Besta. Ao mesmo tempo esse tipo

de afirmação dentro da compreensão escatológica assembleiana reforça-

va a sensação de que o Arrebatamento poderia ocorrer a qualquer instan-

te. Os assembleianos interpretavam que o Antricristo era uma autoridade

humana que governaria as nações, coadunado com a Besta, este animal

que surgiria do centro da terra, com chifres e voz de dragão. No imagi-

nário cristão estas já eram figuras laragamente reconhecidas e estereoti-

padas pelo catolicismo.

Os assembleianos acreditavam que tanto a Besta quanto o Anti-

cristo representavam a encarnação do próprio demônio. O aparecimento

desses personagens representaria a maior manifestação diabólica de

todos os tempos. Contra a Besta é que Jesus Cristo, o messias, deve lutar

quando voltar pela segunda vez. Nesse conflito o bem deve vencer o

tanto a Besta quando o Anticristo e os seus seguidores deveriam ser

punidos. Para os assembleianos essas figuras apocalípticas não eram

alegorias, representavam seres reais. Os assembleianos fizeram uso de

uma vasta gama de antíteses entre o Anticristo e Cristo para denunciar

as características do mal.

306 BOURDIEU, Pierre. 2008, op.cit.,p.91 307 Ibidem, p.87 308 ORLANDI, Eni. 1987, op.cit., p.259,260.

113

[...]Christo foi o Homem-Deus, o Anti-Christo será

o Satanaz-Homem...o amor, a compaixão, a mansi-

dão, a paciência, a fé e a santidade viveram em C-

hristo; o dolo, a malignidade, a crueldade, a astúcia,

e a maldade moram no Anti-Christo... elle será um

instrumento de Satanáz, imitando Christo, e, ao

mesmo tempo, oppondo-se a Deus, elle subirá da

perdição tal como Christo desceu dos céos; elle re-

ceberá actoridade de Satanaz assim como Christo

recebeu autoricdade do Pae; seu verdadeiro reinado

de injustiça e tyramnia, durará 3 anos e meio, tempo

igual ao do ministério público de Jesus; elle será um

rei falso, enquanto Christo é o Rei verdadeiro; elle

se orgulhará e ostentará grandeza, emquanto Christo

se humilhou e negou-se a si mesmo; elle violará to-

das as leis, porém, Jesus veio cumpri-las; elle con-

trolará todas as riquezas deste mundo; Christo, po-

rém, fez-se pobre para que nós fossemos ricos, elle

será ―generalissimo‖, tem todas as guerras; Christo

veio como Príncipe da Paz; ele será um dos da trin-

dade satanica – Satanaz, Besta e Falso propheta, as-

sim como Christo é um da Trindade Santissima –

Pae, Filho e Espírito Santo. Finalmente, elle será

desthronado e Christo será exaltado para sempre309

.

Dentro destas condições percebemos que os pares antitéticos

constituem uma força mobilizadora de comportamentos. As sombras e a

claridade, a meia noite ante o início do dia, as trevas e a luz, os escolhi-

dos e os desprezados, remetem-se a uma ordem totalitária e ao mesmo

tempo legitimam estruturas de poder, nesse sentido Mafessoli reitera:

Os pares antitéticos de Deus bom e Deus mau, cria-

dor e destruidor, claridade e sombra, Deus e Satã,

impregnam mitologias e exprimem sempre uma fas-

cinação de dupla face. E é precisamente esta sidera-

ção ambígua que (...) permite ao poder legitimar o

seu exercício310

.

309 Mensageiro da Paz. Outubro de 1933, n.20, p.01, p.02 310 MAFFESOLI, Michel. A Violência Totalitária: Ensaio de antropologia política. Rio de Janeiro: Zahar. 1981, p. 197.

114

As imagens do Diabo possuem uma força simbólica muito

grande que contrastam com as imagens de Cristo. No cristianismo os

pares antitéticos se manifestam na assimetria de identidades, de um lado

se constrói a imagem do bem, de outro o opositor, o mal, num jogo de

antíteses maniqueístas, com valores hierárquicos bem definidos. Para

Tania N. Swain essas representações que estão presentes no imaginário

dos indivíduos tem como critério o uso de antíteses ou conceitos assimé-

tricos e possuem uma dupla função:

O imaginário – entendido como uma representação

global ou um conjunto orgânico de representações –

também assume esta dupla função: interfere nas pra-

ticas dos indivíduos ou instituições; forja sentidos,

identidades; define comportamentos; inculca valo-

res; atibui méritos; corrobora ou condena atitudes,

dele deriva uma poderosa força de instauração ou de

legitimação do social. Além disso, o imaginário

propõe estereótipos e paradigmas que são apresen-

tados como verdades, definindo-se alguns papéis

como naturais e desqualificando-se outros como in-

concebíveis311

.

Desta maneira é a partir dos conceitos utilizados para si que de-

correm as denominações usadas para o outro, onde o seu oposto é con-

trário, porém de maneira desigual. O resultado desta assimetria das iden-

tidades impregna o discurso teológico assembleiano de uma série de

referências discriminatórias e juízos negativos a todos quantos forem

considerados adversários.

Nessa mesma direção os assembleianos apontavam que todas as

questões que se remetiam ao mal, ao perverso, ao pecado, ao mundo,

estariam em ação no planeta como os princípios do Anticristo.312

Seu

aparecimento e o surgimento da Besta seria só uma questão de tempo,

pouco tempo. Os assembleianos entendiam que faziam parte dos princí-

pios do Anticristo, uma vasta lista de pecados e ações que geralmente se

remetiam a atitudes comunistas. Frequentemente os assembleianos usa-

vam a expressão princípios do Anticristo como sinônimo para ideologia

ou orientação política. A expressão não se referia especificamente a um

311 SWAIN, Tânia Navarro. Você disse imaginário?In: -(Org). História no plural. Brasília:

Unb, 1994. Apud. RODEGUERO, Carla Simone. 2003, op.cit., p.29. 312 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01, p.02

115

líder ou grupo de pessoas, mas era uma especie de aura que dominava a

todos, exceto os que eram guiados pelo Espírito Santo. Este princípio do

Anticristo também é chamado de espírito do Anticristo ou espírito anti-

cristão. Para os assembleianos este espírito já estava em atividade no

mundo, agindo como uma força coercitiva sobre os homens mediante

poderes que teriam a capacidade de manipular as pessoas.

A vigilância na oração e a dependencia de Deus, são

coisas necessárias para que o crente possa ver e, co-

rajosamente, resistir ao espirito antichristão, que

domina os homens neste mundo, para que não fique

preso por uma ideologia terrena, seja racismo, hitle-

rismo, ou communismo, ou, ainda, por outro ismo

que apparece.313

Os assembleianos, porém, admitiam que existia uma maneira de

se ver livre dessa influência.314

Só a conversão, enfatizam, seria capaz

de tirar a pessoa das trevas e trazê-la para a luz, da morte para a vida, do

poder de Satanáz para o poder de Deus.315

O papel da revelação e da profecia no pentecostalismo fortale-

cia um discurso escatológico. Discursivamente os profetas do passado

bíblico ressurgiam na contemporaneidade nos pastores, obreiros, pesso-

as simples e desprovidas de bens materiais, no crente. Qualquer fiel

poderia reivindicar a inspiração divina para a interpretação de um texto

bíblico, ou até mesmo ter recebido uma mensagem sobrenatural que

pudesse revelar o futuro. O jornal Mensageiro da Paz relata que no ano

de 1938 um fiel assembleiano chamado Gabriel Mansur recebeu duas

revelações que se complementavam. A primeira foi uma visão na qual

Jesus Cristo estava com as mãos em cima de uma mesa diante de um

cálice. No dia seguinte Mansur teria sonhado com um anjo gigantesco

de posse de uma trobeta que estava prestes a ser tocada. No testemunho

ele afirma ter escutado uma voz que dizia: ―quando o anjo tocar a trom-beta os tempos serão mudados‖. Para Mansur a revelação significava

que ―o som da quarta trombeta é a mudança completa dos tempos e a vinda duma nova fase‖.

316

313 MP. Set. de 1933, n.17, p.08. 314 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01 p.03 315 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1932. 01, p.02 316 Mensageiro da Paz. Junho de 1938, n.12, p.06.

116

Esse testemunho evidencia a preocupação do Mensageiro da

Paz em alertar os assembleianos sobre a eminencia do fim dos tempos.

A abrupta passagem de uma dispensação a outra, representada no som

da trobeta angelical, reforçava o caráter urgente da evangelização, con-

firmava a interpretação dos sinais e encaminhava as pessoas a propósi-

tos comuns. Nesse caso o testemunho adquire um poder de reforçar a

identidade do grupo, de forma que quando disposto de maneira autori-

zada, o testemunho pessoal se funde em uma mesma pertença identitária

com os demais.

Os pentecostais assumiram uma retórica de guerra. A compre-

ensão que tinham é que deveriam lutar contra tudo que se opunha às

revelações, a Bíblia, as profecias, e a natureza humana.317

Essa luta seria

guiada pelo Espírito Santo ou por Jesus Cristo representado na figura de

um General, cujos soldados eram os crentes. A missão dos crentes era se

colocar a postos para a batalha conta Satanás, cujo lema esta expresso na

seguinte ordem: ―marchai soldados de Jesus Cristo‖.318

Nessa retóri-

ca de guerra Jesus Cristo era o General que havia dado ordens aos seus

santos para marchar. O uso da imagem de um exército se remete direta-

mente a todas as suas atribuições que envolvem tanto o combate, a dis-

ciplina, a ordem as estratégias de guerra, e principalmente seu objetivo

final, a vitória.

IDENTIFICAÇÕES DA BESTA E DO ANTICRISTO

Entre os pentecostais a busca pelas evidências dos reais repre-

sentantes do Anticristo na terra se transformou em uma questão de posi-

cionamento no mundo. A partir do diagnóstico das evidências ou sinais

de que a Besta ou o Anticristo estavam prestes a agirem, os prémilena-

ristas se colocavam em estado de alerta, pois o Arrebatamento poderia

acontecer a qualquer momento e para esse evento era muito importante

estar preparado espiritualmente, longe dos pecados e próximos de Deus.

317 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01, p.02. 318 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1935, n. 04, p.02.

117

Na realidade essa busca por evidências e sinais foi muito recor-

rente no final do século XIX e início do século XX entre protestantes do

movimento da Santidade, vindo a se intenssificar com o movimento

fundamentalista e com o pentecostalismo. A primeira edição do Mensa-

geiro da Paz já anunciava: ―como signaes dos tempos figuram entre

outros, guerras e revoluções‖. Que revolução se referia o jornal se não

da Revolução Russa de 1917? Fica nítida a relação ao mencionar no

mesmo artigo a Rússia como o local onde o horror do bolchevismo es-

tava ficando cada vez mais forte e que os povos estavam cada vez mais

se afastando de Deus para receber o Anticristo. 319

Os pentecostais nutriram uma preocupação intensa em identifi-

car de onde o mal viria. A frenética ansia pela busca dos sinais bíblicos

promovia uma verdadeira corrida teológica afim de que algum crente

recebesse a plena inspiração e apontasse seguramente pela Bíblia quem

era o Anticristo, a Besta e os seus governos correspondentes. Por volta

de 1927 o comunismo passou a ser apresentado, com todas as letras,

como o real representante do Anticristo.

Nos Estados Unidos muitos encontros foram promovidos com

intuito de detectar de forma mais precisa quem e onde estavam operando

as forças malignas do Anticristo. No periódico The Pentecostal Evangel,

órgão oficial do Concílio das Assembléias de Deus norteamericanas, o

editor Artur W. Frodsham, membro da Sociedade Prémilenarista em Los

Angeles, afirmou que participava de encontros nessa sociedade para

discutir questões escatológicas. Em uma destas reuniões ele destacou

que a grande questão teológica levantada pelos estudiosos do premilena-

rismo era se Mussolini era ou tinha ligações com o Anticristo.320

Esse artigo foi traduzido no jornal Boa Semente com o título -

Quem é o Anti-Christo?- em maio de 1926.321

A tradução para o portu-

guês preza pela literalidade. O artigo mostra que segundo Frodsham até

o fim da Primeira Guerra a grande maioria dos prémilenaristas defendia

que o Kaiser alemão era o Anticristo, porém com o fim do conflito ou-

tros prognósticos se estabeleceram. Na reunião em Los Angeles prova-

velmente realizada em 1925, estavam presentes muitos estudantes con-

siderados entendidos de profecia bíblica.322

Um deles D.M. Panton,323

319 Mensageiro da Paz. Dezembro de 1930, n.01. p,02. 320 The Pentecostal Evangel, 30 de Janeiro de 1926, p.04. 321 O título original do artigo é IS MUSSOLINI THE ANTICHRIST? Cf. The Pentecostal Evan-

gel, 30 de Janeiro de 1926, p.04. 322 Boa Semente. Maio de 1926, n.60, p.02.

118

levantou a questão sobre Mussolini, justificando que ele era o ―prepara-

dor notável do sétimo império que ainda virá‖.324

Para os prémilenaris-

tas uma idéia era clara e se remetia a compreensão teológica premilena-

rista das visões do profeta Daniel, segundo a qual o Anticristo estava

associado ao último império, o Império Romano.

Para Frodsham estava muito claro que a intenção de Mussolini

era o reavivamento do Império Romano.325

Segundo ele, o líder fascista

teria pronunciado: ―Nós desejamos fazer Roma grande, como foi na sua edade de oiro... Eu nesse momento entraria em aliança com o próprio

Diabo, com o Anti-christo, se isto desse tranquilidade a esse paiz‖.326

Ao que tudo indica as considerações resultantes desse encontro

de prémilenaristas foram de que Mussolini teria um sistema de governo

que é compatível com a do Anticristo, ele era o sétimo imperador que

deveria governar Roma nos últimos dias. Segundo Frodsham, os núme-

ros da Besta estavam associados a ele. As interpretações dos teólogos

indicavam que nem mesmo a morte de Mussolini representaria o seu

fim, pois mesmo que ele fosse ferido de morta seria milagrosamente

curado e ressucitaria diante de todos como uma forma de encantar o

mundo.327

Esta era uma referência clara aos poderes sobrenaturais apoca-

lípticos onde o Diabo concede poderes sobrenaturais para o Anticristo.

Para Frodshan estava muito claro que Mussolini tinha relações

com os russos, ele era ―devedor dos russos‖ enfatizava no seu artigo. O

teólogo concluia seu artigo afirmando: ―se Mussolini tornar-se o sétimo

imperador, é bem claro que um „oitavo‟ que é descrito como a Besta surgirá‖.

328 O líder assembleiano ao fazer esta afirmação referendava

profetivamente o cenário político que se desenrolava naqueles dias. As

conquistas de Mussolini e o fortalecimento do fascismo eram uma prova

clara que o mal estava ao seu lado. Tanto o comunismo quanto o fas-

cismo estariam desta forma coadunados na grande batalha do Armage-

dom. A crença de que o Império Romano tinha um papel importante

323 Presumidamente esse personagem é David Morrieson Panton (1870-1955), pastor da Chapel

Norwich em Norfolk na Inglaterra e diretor da Dawn Magazine entre 1924 e 1955, um periódi-

co fundamentalista. Em Junho de 1938 o Mensageiro da Paz faz referências ao periódico. Cf. Mensageiro da Paz. Junho de 1938, n.11, p.03 e

http://en.wikipedia.org/wiki/David_Morrieson_Panton (acesso Fevereiro de 2010). 324 The Pentecostal Evangel. 30 de Janeiro de 1926, p.04. 325 Boa Semente. Maio de 1926, n.60, p.02. 326 Ibidem 327 Boa Semente. Maio de 1926, n.60, p.02. 328 Ibidem

119

dentro das profecias, baseada no mito das quatro idades do mundo, foi

resignificado e ajustado às interpretações prémilenaristas, que defendi-

am a restauração do Império.

Todos os acontecimentos ligados ao mal já estariam sob a égide

de um plano maligno mobilizado pelo Diabo e outros demônios. Muitos

pentecostais acreditavam que eram detentores de uma capacidade espiri-

tual de diagnosticar a realidade mediante a leitura da Bíblia. As questões

que envolviam o mundo e se relacionam com a vida presente estariam

profeticamente descritas na Bíblia e por intermédio do Espírito Santo

seriam facilmente reconhecidas. Ao falar sobre a situação na Rússia no

jornal o Som Alegre, o missionário Vingren entendia que nesse país

estava manifesto o chamado espírito do Anticristo. Portanto, o comu-

nismo seria um prelúdio das idéias e das ações desse personagem que se

oporia a toda a religião cristã.

Nós que conhecemos alguma cousa das prophecias,

sabemos que essas cousas hão de vir. No Bolche-

vismo está manifesto o verdadeiro espírito do Anti-

Christo. E o ―Anti-Christo‖, certamente não tarde

em apparecer; portanto, o que se está passando na

Rússia, é para nós, crentes, motivo de levantarmos

as nossas cabeças – e esperar a nossa próxima re-

dempção.329

A afirmação ―nós que conhecemos‖, remete-se a uma revelação

exclusiva. Já havia sido profetizado, e como intérpretes guiados pelo

Espírito Santo, estão conscientes que tudo está dentro dos planos divi-

nos. A redenção estaria próxima, a volta do salvador Jesus era iminente,

pois os sinais da sua segunda vinda estavam se cumprindo e manifestos

no comunismo. A atitude dos crentes diante dessa situação era de espe-

rança, levantar a cabeça, ou seja, metaforicamente olhar para os céus,

olhar para o local que vem a salvação.

Disto tudo presume-se que quanto maior a intensidade do dis-

curso anticomunista maior o apelo à espera da vinda de Cristo. Em

outras palavras à medida que o comunismo representa uma ameaça cada

vez mais evidente da manifestação do Anticristo menor será o horizonte

de expectativa em relação ao futuro. Esse tipo de enunciação se vale de

um capital simbólico acumulado pelo grupo no qual as forças do mal

329 Som Alegre, Maio de 1930, n.06. p,03.

120

podiam ser reconhecidas facilmente. As descrições ou afirmações em

relação ao comunismo eram rapidamente assimiladas pelo grupo, prin-

cipalmente porque esse discursso provinha dos jornais oficiais da igre-

ja.330

Baseados nas notas da bíblia de estudos Scofield,331

os prémile-

naristas acreditavam que Deus viria contra os poderes que vinham do

norte. Nas anotações de Scofield esta era uma clara referência a Rússia,

como a grande nação lider da guerra do Armagedom. Esse tipo de análi-

se escatológica conferia plausibilidade tanto para o mito das Idades do

mundo, quanto para a realidade política que se passava naqueles dias.

Em 1926 não estava muito claro em que espaço geográfico o

Anticristo estava localizado. Nesse período a grande preocupação era

com o chamado espírito do Anticristo, uma espécie de ações reconhecí-

veis que faziam parte de vários modelos de governos autoritários que

facilmente os pentecostais traduziam como a ameaça do fim. Para o

articulista do jornal Boa Semente o assembleiano Affonso de Oliveira

esse espírito era caracterizado como uma força latente àqueles dias. No

seu artigo intitulado - O Espírito do Antichristo operando já no mundo -

ele afirmava:

O Antichristo está no mundo, como força latente,

aguardando a sua manifestação de outro modo, qual

seja o apparecimento de um ser que de facto encar-

ne todos os attributos descriptos na Palavra de Deus

e que realmente congregue em torno de si elementos

poderosos, com os quaes possa enfim realizar o seu

desiderato. Romano ou judeu, atheu ou theista, o

que é certo é que há de apparecer tal homem, que

será destruido com o assopro da boca do bendicto

Salvador.332

O missionário Samuel Nyström falando sobre um culto realiza-

do em Belém cujo pregador foi o missionário Rice, no dia 09 de outubro

de 1927, descreve o sermão nas páginas do Boa Semente. Uma das

questões que chama a atenção é que na mensagem de Rice fica muito

claro o quanto os pentecostais estavam convictos que pertenciam a últi-

330 BOURDIEU, Pierre. 2008, op.cit., p.89 331 Cf. Scofield Bible Reference: Ez.38:02; Joel1:15; Ap. 19:19. 332 Boa Semente. Novembro e Dezembro de 1926, n. 66-67, p.10

121

ma geração da raça humana sobre a terra. Ele dirigiu ao público as se-

guintes palavras:

Muitos estudantes, prezados, irmãos, creem que o

reino do Antichristo inaugurar-se-á durante a nossa

vida. Cada dia devemos luctar contra esse espíri-

to...Tanto mais se aproxima o dia da vinda de Chris-

to, quanto deve ser clara a divisão entre o crente e o

mundo.333

Algum tempo depois em 1932, o sermão A Marca da Besta334

de Nathan Cohen Beskin foi traduzido para o Mensageiro da Paz.335

Neste artigo Beskin procura por intermédio de uma série de combina-

ções numerológicas identificar a quem se refere o número da Besta.

Utilizando um complicado cálculo que relaciona números a letras tanto

em hebraico quanto em grego, ele chegou a conclusão que o nome do

papa da Igreja Católica, Pio XI e o seu reinado latino eram correspon-

dentes ao número 666. Tal número seria o código que representa a Bes-

ta. No discurso teológico do jornal, a origem latina e a simpatia de Mus-

solini com a Igreja Católica coloca-o como um possível aliado, segui-

dor, ou até mesmo a própria Besta. Embora o jornal sugira, não defende

objetivamente quem é a Besta, mas lança a questão eliminando os líde-

res que não o são: ―não pode ser Emil Pasha na Turquia, porque elle não está usando-se do papa para os seus desígnios, não pode ser Stalin

da Rússia porque combate o papa. Quem será então?‖.336

Mais do que esclarecer quem é a Besta a proposta do jornal é

posicionar-se contra outros inimigos, o fascismo italiano, acusando

Mussolini e a própria Igreja Católica. Se em 1930 a Besta parecia estar

no território russo, agora não mais. É perceptível que tanto a Besta

quanto o Anticristo estavam volúveis no discurso teológico, à medida

que admitiam papéis que não eram estáticos. As imagens da Besta e do

Anticristo assumiam certas funções, corporificando ações que mudavam

de uma época para outra. As representações de um inimigo a ser comba-

tido, conferiam a este inimigo características identitárias conforme exi-

gências discursivas e teológicas próprias de cada época. Se em um mo-

333 Boa Semente. Outubro de 1927, n.77, p.01-02 334 Título orignial do artigo é: The Mark of the Beast. Cf. The Pentecostal Evangel, 4 de Julho

de 1931, p.01;08. 335 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1932, n.03-04, p.06 336 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1932, n.03-04, p.06

122

mento o Anticristo combate o fascismo, em outro ele é descrito como

amigo da igreja Católica.

Cabe lembrar que na década de 1930 o catolicismo se fortalecia

consideravelmente no Brasil e representava uma ameaça muito forte a

todos os outros grupos religiosos. Nesse período grandes forças como a

do Estado sob o governo do presidente Getúlio Vargas quanto o próprio

Papa Pio XI fortaleceram o papel institucional da Igreja no país. Marco

simbólico disso é o decreto do papa Pio XI em 16 de julho de 1930, que

proclamou a imagem de Maria, a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira

do Brasil e a inauguração da estátua do Cristo Redentor em 12 de outu-

bro de 193. Estes dois eventos contaram com a celebração do presidente

Vargas.337

EXPECTATIVAS ESCATOLÓGICAS

Em 1938 uma das espectativas escatológicas estava relacionada

à crença de que o Império Romano seria restaurado como cumprimento

das profecias bíblicas. Para os assembleianos tanto a Guerra Civil Espa-

nhola quanto a conquista da Abissínia pela Itália representava que parte

do Império Romano tinha sido restaurada.338

As interpretações que du-

rante a Segunda Guerra associavam a Rússia com Gog, o grande líder

dos exécitos do Anticristo, permitiram os assembleianos afirmar a partir

de 1945 que era durante o Armagedom que o Império Romano seria

restaurado plenamente.339

No discurso assembleiano o comunismo era uma obra do de-

mônio que tinha características já conhecidas e outras inéditas. Ele era

uma influência do mesmo mal que estava presente quando se manifestou

o pecado original, ou quando tentou Jesus no deserto, mas também se

caracterizava entre outras coisas pela subversão política, pelo materia-

lismo, o ateísmo, a destruição da família da propriedade privada e da

pátria.

Embora a crença na existência de agentes do mal seja anterior

ao cristianismo, Motta destaca que a religião cristã sistematizou o arqué-

tipo e colocou o demônio em posição de destaque, como fonte originária

337 FAUSTO, Boris . 2006, op.cit., p. 332 338 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1938, n.01, 01 339 Mensageiro da Paz. Agosto de 1945, n.15, p.02

123

de todo o mal. Este é um recurso usado pelas instituições cristãs que

quando ameaçadas enxergam nos adversários o dedo oculto do malig-

no.340

No discurso assembleiano o demônio tinha sua identidade agluti-

nada com outros agentes como a Besta e o Anticristo. Daí a afirmação

do Mensageiro da Paz:

Assim como o Christo foi o Homem-Deus, o Anti-

Christo será o Satanaz-Homem: sabemos que elle

será um homem, embora não sabíamos agora que o

seja. (...) Filho da perdição‖, ―Homem do peccado‖

e ―Besta‖, são as palavras com que as Escripturas

conhecem o Anti-Christo.341

Como fora visto a Besta e o Anticristo até meados de 1931 pa-

reciam estar sem solo definido. O Diabo estava solto no mundo, mas

não havia certeza claramente em que espaço geográfico ele se manifes-

taria em termos apocalípticos. A busca pelos sinais e evidências do seu

posicionamento saturava a retórica assembleiana. Agentes como Musso-

lini representavam até esse momento um inimigo em potencial.

O que fica muito claro é que à medida que os jornais pentecos-

tais nos Estados Unidos intenssificavam o discurso anticomunista e

antifascista, no Brasil ocorria um acompanhamento desse discurso. O

grande combate ao comunismo a partir de 1930 nos Estados Unidos

modificou a própria compreensão escatológica, associando cada vez

mais o Anticristo ao comunismo. O próprio Mussolini que fora até bem

pouco tempo reconhecido como o Anticristo passou a ser interpretado

como um amigo da Bíblia. No jornal The Pentecostal Evangel a partir

de 1931 vários artigos reconsideraram a visão que tinham sobre Musso-

lini e passaram a mostrá-lo com outra imagem, representando-o de outra

forma.342

Essa postura era reflexo direto da política internacional adota-

da pelos Estados Unidos em relação aos países europeus em especial a

Itália. No Brasil um artigo traduzido do Australia Missionary Tidings

publicado em junho de 1932, afirmava que Mussolini realizou uma

340 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit.,p.49 341 Mensageiro da Paz. Outubro de 1933, n.20, p.01,02 342 Muitos periódicos a partir de 1931 nos Estados Unidos desvincularam a imagem de Musso-lini com a do Anticristo. Cf. The Pentecostal Evangel, 09 de Abril de 1932, p.14; The Pente-

costal Evangel, 09 de Julho de 1932, p.04, The Pentecostal Evangel, 22 de Outubro de 1932,

p.14, The Latter Rain Evangel, vol.23, n.06, Março de 1931, p.02,03. The Latter Rain Evan-gel, 01 de Janeiro de 1933, p.22.

124

grande reunião e ―erguendo um exemplar das Escripturas, perante mui-

tos ouvintes, disse: é o melhor livro do mundo‖. Segundo o artigo, este

era um dos motivos pelos quais Mussolini iria ―introduzir o estudo da Bíblia nas escolas‖, e por esse motivo conquistou a simpatia de muitos

protestantes.343

Em 1933 fica nítido que o mal estava se posicionando geografi-

camente e já estava com território estabelecido. O articulista do Mensa-

geiro da Paz, Emílio Conde, fala que por intermédio de um jornal ale-

mão ficou sabendo de notícias terríveis provenientes da Rússia. Conde

afirma que naquele mesmo ano a Rússia punha em prática um ―plano

quinquinal atheista e diabólico‖, que estava sendo executado pelos or-

ganizadores satânicos com o objetivo de ―acabar com o sentimento

religioso naquele paiz‖.344

Embora não cite o Anticristo, todas as refe-

rências mostram que para Conde é na Rússia que o Diabo está levando a

cabo seus planos.

Outro artigo traduzido do The Pentecostal Evangel para o Men-

sageiro da Paz foi - O Bolchevismo batalhando contra o Cristianismo.345

Este artigo escrito por Herbert Schmidt representa o Anticristo como o

líder de um grande exército que se lança contra os cristãos. Na estrutura

do artigo é disposto no centro da página um versículo emoldurado por

uma caixa de texto no qual está escrito um versículo do profeta Habacu-

que que serviria para orientar toda a compreensão do texto restante.

Nesse quadro o texto de Habacuque se remete a imagem de um exército

que é simbolizado pelos caldeus. No velho testamento os caldeus eram

um povo mesopotâmico que se estabeleceu na Babilônia e agia contra a

nação de Israel. O texto do enfatiza a mortandade que acometeria Israel

ao deparar-se com esse povo. O jornal apropria-se da imagem bíblica

dos caldeus e remete-se aos comunistas como símbolos deste povo.

Vejamos a seguir como os representam:

Porque eis que suscito os caldeus, nação amarga e

apressada, que marcha sobre a largura da terra, para

possuir moradas não suas. Horrível e terrível é: de-

la mesmo sairá o seu juízo e a sua grandeza. Eles

todos virão, com violência: os seus rostos buscarão

o oriente, e eles congregarão os cativos, como areia.

343 Mensageiro da Paz. Maio de 1933, n.09, p.06. 344 Mensageiro da Paz. Maio de 1933, n.10, p.02. 345 O artigo original intitulado ―Battling Against Christianity‖ foi escrito por Herbert Schmidt e publicado no The Pentecostal Evangel, 04 de Agosto de 1934, p.03.

125

E escarnecerão dos reis e dos príncipes farão zom-

baria: eles rirão de todas as fortalezas, porque, a-

montoando terra, as tomarão. Então passará como

vento, e pisará e se fará culpada, pois o seu próprio

poder é seu Deus. (versão sueca) Hab.1:6,7.9-11.346

Nestas palavras estava evidente para os assembleianos que o

comunismo, tal como os caldeus, representavam uma ameaça para o

povo de Deus. Se no antigo testamento esse povo era Israel, no novo

testamento corresponde a todos que passarem pelo processo de verda-

deira conversão ao cristianismo, a igreja de Jesus Cristo.

O texto fazia alusão aos comunistas como uma gente amarga,

sem sensibilidade, que como um exército marcha sobre a terra em toda a

sua largura, ou seja, aqui fora enfatizado o caráter global do comunismo.

Representados como violentos, conseguiriam dominar todos os habitan-

tes da terra, fazendo-os cativos, tal como os babilônicos fizeram com o

povo de Israel. O poder dos comunistas era tal que dominariam as auto-

ridades da terra, representadas no artigo por reis e príncipes. A referên-

cia ao Oriente era alusiva a Rússia, local para onde levariam todos os

seus dominados, mas chegaria um momento em que se dariam conta da

necessidade da religião e então se sentiriam culpados por não cultuar a

Deus e sim cultuar o seu próprio poder.

Igualmente a Babilônia bíblica passava a representar a atividade

do governo comunista. Esse império que dominou Israel e proibiu que

esse povo adorasse o seu Deus é aqui representado pelo despotismo

russo. Anos mais tarde a imagem da Babilônia representada pela Rússia

reaparece. No Mensageiro da Paz de abril de 1938, o redator Emílio

Conde classificava como satânica as atividades de homens como Stálin,

e alertava que todos deveriam estar preocupados em ―sair da Babilônia, rejeitar seus costumes estigmatizar os seus feios pecados, resistir a toda

a obra má e condenar as inovações criminosas‖.347

O exemplar do Mensageiro da Paz de fevereiro de 1935, que

trazia a tradução do artigo de Schmidt, foi apreendido pelo Deops348

e

indexado ao prontuário do pastor Samuel Hedlund. Segundo as autori-

dades que apreenderam o jornal o material possuía um ―conteúdo nocivo

346 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1935, n.04, p.01 347 Mensageiro da Paz. Abril de 1938, n.08, p.02. 348 O Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) foi um órgão que atuava em

São Paulo desde 1924 cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais. Durante o Estado Novo foi incorporado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

126

ao governo Vargas e sob a máscara da religião poderia esconder algum

gesto político‖. No prontuário de número 456 está relatado que Hedlund

poderia senssibilizar os camponeses de Gramadinho (SP), ―pessoas sem mentalidade alguma... com manifestações religiosas de caráter ridículo

e até certo ponto perturbador da ordem‖.349

Tudo indica que a apreensão

do jornal ocorreu de forma isolada, pois os responsáveis diretos pela

publicação, os editores Carlos Brito e Nils Kastberg, ou o tradutor Julius

Schalch, não são mencionados no Deops. Em abril de 1935, Hedlund

retorna com sua família para a Suécia, dois meses após ter sido ficha-

do.350

O COMUNISMO E A TRIBULAÇÃO

Baseados na análise fenomenológica das questões que se desen-

rolavam no mundo, tanto relacionados às esferas religiosas quanto secu-

lares, os pentecostais faziam prognósticos quanto ao desencadeamento

da história. Esse modelo especulativo inferia sentidos para os tempos.

Nessa perspectiva a Rússia se encontrava como um dos locais onde se

manifestavam os indícios de que a Tribulação era real e breve ocorreria.

Para os assembleianos as evidências dessa fase na história da humanida-

de eram que os russos adotavam práticas cruéis como métodos para

enlouquecer as pessoas, o cerco aos ministros do evangelho, os fuzila-

mentos, prisões perpétuas, a condenação qualquer manifestação religio-

sa.351

Essas interpretações de que a Tribulação já tinha iniciado ou es-

tava prestes a iniciar, se remetem a um horizonte de expectativa em

relação ao futuro que praticamente ignorava o tempo futuro como algo a

ser vivenciado e colocava o tempo presente como o centro das preocu-

pações. Nesse sentido o Mensageiro da Paz ilustra bem o quanto o hori-

zonte de expectativa dos assembleianos estava vinculado ao presente:

349 CARNEIRO, Maria Luiza T. KOSSOY, Boris. (orgs.) A imprensa confiscada pelo Deops-

1924-1954. São Paulo: Ateliê/Imprensa Oficial, 2003, p. 164. 350 ARAÚJO, Isael. 2007, op.cit., p.345 351 Mensageiro da Paz, Fevereiro de 1932, n.03-04, p.06.

127

Não desperdices o presente, para que não venhas a

sentir remorso de não haveres aproveitado o tempo

para fazer alguma coisa que alegre a ida e satisfaça

a Deus. O passado não se recuperou, o presente é a

nossa oportunidade de servir a Deus. O futuro não

te pertence, como pois fazer projetos para os dias

vindouros e adiar para mais tarde as necessidades

inadiáveis de hoje? Não, o futuro não é teu; não está

na tua mão. Não contes com o futuro; o passado já

se foi, só o presente é o tempo de ação, mas ação

para Deus.352

De acordo com as interpretações escatológicas dispensacionalis-

tas, o período que antecede a volta de Cristo seria marcado pela Tribula-

ção. Esse período da história deveria ser entendido como a penúltima

fase da humanidade na terra, precedente a volta de Cristo e posterior-

mente seguida do Milênio. A crença de que os salvos escapariam da

Tribulação pode ser reconhecida nas palavras do missionário Samuel

Nyström:

Todos nós que lemos as Escripturas sabemos que

depois da dispensação da egreja virá afflicção e

grande aperto sobre a terra, antes que comece o rie-

no millenial do qual as Escripturas fallam. Sabemos

também pela Palavra de Deus, que antes que venha

esta aflicção – a vingança de nosso Deus – o Senhor

tirará o seu povo da terra.353

Essa compreensão da história estava alinhada aos ensinos de

Durham e da maioria dos prémilenaristas. Qualquer conflito ou desor-

dem da sociedade poderia significar um imediato início da Tribulação e

um sinal claro de que Cristo voltaria para buscar os santos. Os que fos-

sem arrebatados por Cristo, seriam libertos desse período da história.

Em 1936 o missionário Algot Sweenson declarou no Mensageiro da Paz

que em alguns lugares na terra o diabo já estava atuando e provavelmen-

te a Tribulação já havia começado.354

O início da Segunda Guerra é interpretado sob as orientações

das notas da bíblia de estudos Scofield e com base nelas muitos defendi-

352 Mensageiro da Paz. Junho de 1946, n.11, p.03. 353 Boa Semente. Julho 1923, n.26, p.01 354 Mensageiro da Paz. Outubro de 1936, n.20, p.01,02.

128

am que a região bíblica de Gog se referia literalmente a Rússia. O Men-

sageiro da Paz no iníco de 1940, afirmava que as estratégias de guerra

da Rússia nada mais eram do que Gog tomando posição. O ―despertar do gigante moscovita... e a sua ameaça aos pequenos Estados limítrofes,

indica que Gog está tomando posição‖. Segundo Emílio Conde este era

um prenúncio de que o ―Armagedom é uma coisa real‖.355

Em agosto de

1940, no artigo intitulado - Começo do Fim - os assembleianos fazem

um prognóstico de que assim que a Rússia (Gog) se fortalecer, ela vai

dominar uma confederação e chefiará as forças que vão guerrear com

Deus.356

Para os assembleianos tudo que se passava no mundo represen-

tava o pleno cumprimento das profecias e do próprio Apocalipse. Ao

que tudo indica estavam certos que um dos quatro cavalos do Apocalip-

se já estava no mundo. Era o Cavalo Vermelho, cuja cor se remete dire-

tamente às insignias do comunismo. Bastava tão somente esperar o Ar-

rebatamento, quando o Cavalo Branco, simbolizado aqui por Cristo,

viria buscar a igreja. Em 1940 vemos no Mensageiro da Paz como a

realidade era interpretada a guisa das profecias.

O Cavalo Vermelho do Apocalipse está no mundo,

trazendo morte e destruição, reinando em grande

parte dele a anarquia e a confusão. Felizmente o

profético Livro do Apocalipse não termina com este

quadro tétrico, mas, aponta-nos aquele que, mostra-

do em um Cavalo Branco, e também todo vestido de

branco, tem por nome A PALAVRA DE DEUS.357

Alguns meses depois dessa afirmação o Mensageiro da Paz traz

outro artigo intutulado -O Cavalo Branco da Revelação. De acordo com

o editorial ocorreu um equivoco ao terem afirmado que o Cavalo Branco

representava Cristo, isto porque as características do texto apocalíptico

que não condizem com a identidade divina. Desta forma o artigo con-

cluia que ―o segundo cavalo [branco] não desceu à terra pois ainda não

houve aqui paz para que ele viesse tirar‖.358

Para o jornal essa paz se

referia a qualquer sinal de armistício. Esta interpretação foi uma forma

de estabelecer um sentido para o comunismo dentro do plano escatoló-

355 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1940, n.02, p.01. 356 Mensageiro da Paz. Agosto de 1940, n.16, p.05. 357 Mensageiro da Paz. Maio de 1940, n.09, p.05 358 Mensageiro da Paz. Agosto de 1941, n.16, p.04.

129

gico, representado pelo vermelho do primeiro cavalo, e de justificar o

final do conflito mediante o uso simbólico do branco como insignia da

paz.

A credibilidade que os assembleianos conferiram à Bíblia, co-

mo uma espécie de manual de instruções que prescreve tanto como agir

como o que sucederá na história, forneceu uma série de elementos que

resultaram em paradigmas teológicos. Nos estudos bíblicos realizados

pelo missionário Samuel Nyström sobre o capítulo 38 de Ezequiel, ele

procurou fornecer um sentido para a realidade história. Para o missioná-

rio estava muito claro que não era a Alemanha quem chefiaria a confe-

deração do mal que combaterá no Armagedom, e sim a Rússia. Ele de-

fendia que isto estava muito claro pelas profecias. Algumas acomoda-

ções foram feitas no texto com objetivo de que o sentido fosse justamen-

te aquele o qual se esperava.

Nyström afirmava que os nomes descritos nas profecias signifi-

cam respectivamente, Rosh (Rússia); Mesech (Moscou); Tubal (To-

bolsk) [capital da Sibéria] Gomer (Germânia) e Magog (China). Desta

forma o missionário procurava legitimar suas impressões sobre a reali-

dade com base no texto bíblico, procurando as verossimilhanças entre o

texto e a realidade.359

A medida que esses prognósticos não se concreti-

zavam, os versiculos bíblicos sofreram adaptações exegéticas com intui-

to de acomodar tanto o texto quanto a realidade dentro de uma compre-

ensão teológica orientada pelo dispensacionalismo prémilenarista. Nesse

sentido logo que chegou ao fim a Segunda Guerra novos prognósticos

proféticos surgiram prevendo uma Terceira Guerra.360

O mundo polari-

zado entre capitalismo e socialismo passou a ser reconhecido como

símbolo profético dos pés da estátua da profecia de Daniel.361

As deci-

sões da Organização das Nações Unidas em relação a Israel foram inter-

pretadas como o desfecho de uma das últimas ações de Deus antes da

volta de Cristo.362

359 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1942, n.03, p.03 360 Mensageiro da Paz. Julho de 1948, n.13, p.03. 361 Mensageiro da Paz. Outubro de 1949, n.19, p.03. 362 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1950, n.01, p.03; Mensageiro da Paz. Março de 1950, n.06,

p.05; Mensageiro da Paz. Setembro de 1950, n.17, 04; Mensageiro da Paz. Setembro de 1950, n.18, 04; Mensageiro da Paz. Março de 1951, n.05, 02.

130

REPRESENTAÇÕES DA RÚSSIA DO ANTICRISTO E DO

COMUNISMO

Em uma pequena parábola o jornal Mensageiro da Paz utilizou

a imagem de um lenheiro para descrever a ação do Anticristo. Nessa

imagem fora apelado para o caráter destrutivo do lenhador. A humani-

dade foi representada como uma grande árvore que seria derrubada por

ele. Esta alegoria ilustrava o objetivo do Anticristo, que era formar um

sistema de governo globalizante, capaz de controlar todas as atividades

sociais e promover a união dos homens sob um plano maligno.

Certo homem estava ao lado de uma arvore e quan-

do olhava para esta sorria sem parar. Alguns per-

guntaram de que elle estava rindo, e elle disse: eu

estava pensando que se todas as árvores fossem uma

só arvore, e todos os lenheiros fossem um só lenhei-

ro, e todos os machados um só machado, e todos os

rios um só rio, e derrubando-se a árvore, haveria

uma grande queda (...) Apparecerá o grande lenhei-

ro, que há de absorver todas as egrejas, todos os

bancos, todas as mercearias e todas as fábricas. Ele

será um grande homem – o Antichristo, e quando

for revelado, então, virá a tribulação. Tribulação tal

que o mundo nunca viu. Fico arrepiado em pen-

sar.363

Essa parábola demonstrava o poder do Anticristo, bem como

seu mecanismo de atuação. As observações sobre os acontecimentos

sociais levavam a crer que em pouco tempo o governo deste inimigo

seria estabelecido. A constatação do jornal que ―todos os reinos estão

ficando um reino, e todas as egrejas estão ficando uma só egreja‖,364

a-

temorizava os fiéis, reafirmando a idéia de que um governo universal

não tardaria. Em 1933 há uma retomada desta imagem que associava o

período da Tribulação com a de um único Estado totalitário. A crença de

que um Estado onipotente seria a expressão máxima do estabelecimento

da dispensação Tribulacionista foi associada ao comunismo. Para os

assembleianos estava evidente que a Rússia tinha uma responsabilidade muito grande no estabelecimento deste Estado.

363 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1932, n.03-04, p.06 364 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1932, n.03-04, p.05

131

O que faz a questão tornar-se mais crítica, no tempo

presente, é o facto de que, em toda a parte as nações

estão avançando para o Estado Omnicompetente.

Na Rússia e na Itália, esse ideal já foi attingido, e

está em plena operação... Em logar do direito divino

dos Reis, temos doutrinas do direito divino do Esta-

do; a diferença entre ambos é que o Estado poderá

excercer uma pressão cem vezes maior do que fora

possível a um rei. Tal regime poderá apresentar um

desafio direto ao christão, com a exigência de obe-

dece-lo.365

O medo do Anticristo estava permeado dos mistérios que en-

volveriam suas ações. Os pentecostais julgavam-se capazes de desven-

dar os ―mistérios‖ bíblicos inclusive os relacionaos ao próprio Anticris-

to. Segundo o Boa Semente em 1925 operava no mundo o ―mistério da

iniquidade‖ que nada mais era que o próprio comunismo. Eles afirma-

vam que sob a atuação de Satanás este mistério seria revelado. Embora

não tenham utilizado a palavra comunismo, a retórica ligada a eles era

muito clara. O Boa Semente declarou que o ―atheismo actual é como a

semente de que há de se germinar, de brotar, essa arvore do mal, em

cuja sombra se accomodarão todos os principios que já agora negam a divindade‖.

366 Segundo os assembleianos esse mistério da iniquidade

estava contido, esperando o tempo de se manifestar, mas certamente

estava presente no mundo. A imagem da planta da semente que cresce e

se transforma em árvore sevia para ilustrar a expectativa que possuiam

de que o comunismo avançasse. Tal como o Reino de Deus ilustrado

como uma semente que germina e cresce, os assembleianos adotam essa

mesma imagem para se referir ao comunismo.

Visando descrever alguns métodos de tortura que o Anticristo

poderia adotar o jornal relata atrocidades cruéis empregadas pelo gover-

no na Rússia e as compara com as punições aplicadas pela Inquisição

Católica. Entre os métodos de tortura e punição praticados na Rússia

estariam as mutilações de membros do corpo, o uso de cadeias para

prender o pescoço, a dilaceração da carne com tenazes aquecidas no

365 Mensageiro da Paz. Setembro de 1933, n.17, p.08 366 Boa Semente. Setembro de 1925, n.52, p.04.

132

fogo, fuzilamentos e prisões perpétuas.367

A própria Inquisição foi utili-

zada como exemplo das atrocidades que se passavam na Rússia:

Descrever as scenas que se passam com os christãos

na Russia seria reviver a inquisição; pensamos que

com palavras, não se explica o que temos ouvido de

algumas victimas que Deus permitiu escaparem

com vida.368

Quem orientava e direcionava os homens comunistas a agirem

daquela maneira? A resposta para os assembleianos era muito clara: as

forças espirituais, especificamente a influência de Satanás. O demônio

seria responsável por todas as ações dos comunistas. Os jornais enfati-

zavam que era na mente do demônio que surgiam os planos, os projetos

políticos, as estratégias para levar as pessoas para o inferno. Os assem-

bleianos classificavam os comunistas como instrumentos do demônio.

Como verdadeiros objetos nas mãos do demônio os comunistas eram

manipuláveis, tal como marionetes guiados pelo poder satânico. A von-

tade destes homens era submissa à vontade do demônio, o mal é quem

os coordenava. Segundo os assembleianos era na mente de Satanás que

todas as ações comunistas eram pensadas. Na sessão do Mensageiro da

Paz chamada Atualidades, no artigo intitulado - O que se passa na Rús-

sia - os jornal afirmava que a ―imaginação de Satanás e seus instrumen-

tos ,os homens do peccado, é muito profunda e muito vasta‖369

. Tal

possessão maligna os levaria a um estado de demência e loucura, a falta

de juízo e da racionalidade, o artigo complementava ―Ó loucos, até onde

vos levará o desvario?‖.370

Portanto o diabo teria o poder de agir tanto na

consciência quanto na racionalidade humana, e a imagem do louco é

uma forma de ilustrar o desvario deles.

Os assembleianos identificavam que dentre os planos demonía-

cos estavam aqueles relacionados à destruição da moral e dos bons cos-

tumes. Os russos representavam o retrocesso civilizatório, a demência

humana, que poderia levar as pessoas a perder o controle de si mesmas a

ponto de desprezarem os valores morais cristãos. Toda a sociedade co-

munista estaria envolta nesse intento, pois como um todo estaria sob a

367 Mensageiro da Paz, Fevereiro de 1932, n.03-04, p.05 368 Mensageiro da Paz. Novembro de 1933, n. 22, p.04 369 Ibidem 370 Mensageiro da Paz. Novembro de 1933, n. 22, p.04.

133

ação do demônio, de crianças a velhos todos estariam sob a ação do

maligno, ―o Diabo não escolhe a idade das pessoas‖ afirmava o jor-

nal.371

IMAGINAÇÃO TERIOMÓRFICA

O comunismo foi associado à imagem de muitas criaturas. Ge-

ralmente essas criaturas tinham presença marcante no imaginário popu-

lar, que os classificava como bichos traiçoeiros. Motta explica que as

características de determinados animais compõem um verdadeiro bestiá-

rio sobre o comunismo no Brasil, animais peçonhentos, bichos assusta-

dores, serpentes, lobos, ursos, abutres entre outros foram largamente

usados na criação de imagens sobre o comunismo.372

Para Gilbert Du-

rand o processo de representação de valores, temores e anseios utilizan-

do o simbolismo animal configura-se no que ele chama de imaginação

teriomórfica.373

Seguindo essa mesma linha de representações, o missionário

Samuel Nyström representou o comunismo como um urso traiçoeiro.

Uma suposta proposta da Rússia com objetivo de reduzir seus armamen-

tos seria na realidade um plano comunista visando destruir outras na-

ções. Desta forma sobre essa proposta o jornal faz a seguinte colocação:

O leão suggestionou a águia, para que esta dispen-

sasse as garras. A águia appelou para o touro, que

acabasse com os seus chifres. O touro appelou para

o tigre, para abandonar as suas unhas. Por fim, o ur-

so suggeriu a todos, que se deviam desarmar, com-

pletamente, unindo-se a elle, num abraço univer-

sal.374

371 Ibidem 372 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit., p.51. 373 DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martin Fontes,

1997, p.69. 374 Mensageiro da Paz. Abril de 1933, n.07, p.05.

134

A suposta docilidade do urso esconderia sua agressividade e

desejo de destruir com um gesto aparentemente amigável seus oposito-

res. No artigo estava clara a presença de outros animais, porém a astúcia

do urso simbolizando a Rússia esconderia um propósito muito claro, o

domínio sobre outras nações. A proposta russa de reduzir suas ―grandes

reservas de material de guerra (...) foi recolhida com descrédito‖,375

o

caráter mentiroso do comunista foi evidenciado na imagem do urso.

A imagem do urso foi novamente empregada quando o Mensa-

geiro da Paz descreveu um animal apocalíptico. Em 1938 um artigo

escrito por José Teixeira Rego, afirmava que o monstro apocalíptico

visto pelo evangelista São João, estava pronto para entrar em ação. Em

que consistia o monstro? O animal teria a cabeça de leão, o corpo de

leopardo e as patas de um urso, de forma que cada animal representaria

uma nação poderosa e ao mesmo tempo um único animal hibrido. De

acordo com Rego, ―o animal teratológico tem a cabeça na Abissínia, o

tronco na Inglaterra e as patas do urso moscovita‖376

. Esse monstro era

um devorador, motivado por um desejo infernal de um regime cruel. Tal

monstro pretenderia reinar com uma selvageria jamais vista. O articulis-

ta adverte:

E o monstro devorador [...] animado pelo desejo in-

fernal de um regimen de crueldade, sem controle,

pretende reinar, com um terror jamais visto, com

uma selvageria jamais registrada [...]Reflitamos, ir-

mãos, e unimo-nos contra um inimigo comum. Esta

guerra que se esboça, é uma luta de idéias. Vai ser

travado o mais formidável combate, entre o bem e o

mal, entre a verdade e o erro, entre a civilização e a

animalidade (...) E escolhamos, ou nós devoramos o

monstro ou ele nos devorará [...] Identifiquemo-nos

em um sentimento único: resistir ao domínio do

monstro, salvando as conquistas grandiosas do gê-

nero humano, das garras do leão, da ambição do le-

opardo e da ferocidade do urso.377

O Mensageiro da Paz apresentou uma entrevista realizada a

James Innes, secretário da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. No

375 Ibidem 376 Mensageiro da Paz. Outubro de 1938, n.19, p.02. 377 Ibidem

135

depoimento de Innes, ele se refere a presença dos comunistas na Guerra

Civil Espanhola como cães da guerra.378

Os comunistas foram descritos

como ―animais ferozes que estão soltos, com instintos naturais sangui-nolentos‖.

379 Para Innes os comunistas eram os em colocar em risco os

copoltores da Sociedade Bíblica, os responsáveis em levar o ―Livro da

Vida‖ aos espanhóis. Os comunistas foram representados como cães

sanguinários que impossibilitavam a divulgação do evangelho nessa

Espanha.

COMBATENDO UM INIMIGO EM COMUM

Para as instituições religiosas cristãs o comunismo questionava

os fundamentos básicos do cristianismo. Os assembleianos interpreta-

ram o comunismo como um sistema de crenças que concorreria com a

religião à medida que se propusesse fornecer sentido ao mundo e aos

valores humanos. Esse posicionamento também era mantido pela Igreja

Católica, a instituição não estatal que mais combateu o comunismo no

Ocidente.

Nessa lógica, tanto o capitalismo, quanto a religião eram consi-

derados pares antitéticos em relação ao comunismo e o ateísmo. O dis-

curso anticomunista assembleiano, apelava frequentemente para uma

retórica que procurava defender as instituições cristãs e o mundo oci-

dental com todos os seus valores. Em 1930, o jornal O Som Alegre ar-

gumentava que na Rússia, indistintamente do credo, todos os religiosos

eram indignos de viver e por isso o governo russo estava promovendo

um ―assassínio systemático às multidões de pessoas‖. Esse projeto de

genocídio teria como algo todos os religiosos e defensores do capitalis-

mo.380

Para muitos católicos o comunismo representava uma ameaça a

toda e qualquer religião cristã. O bispo católico Dom João Becker enfa-

tizava que a filosofia comunista opunha-se a qualquer princípio cristão e

representava uma derrocada dos postulados básicos da cristandade; ―ne-

gando a existência de Deus e consequentemente as doutrinas e dogmas religiosos, defendendo suas próprias doutrinas baseadas no ateísmo e

378 Mensageiro da Paz. Julho de 1937, n.14, p.03. 379 Ibidem 380 Som Alegre. Maio de 1930, p.03.

136

no materialismo‖.381

Em sentido semelhante , para os assembleianos o

comunismo representava não apenas como uma luta entre o bem e o

mal, e sim entre a religião e o ateísmo, como podemos constatar:

[...]vemos que o governo dos Soviets, tem levantado

uma peseguição forte e sistemática contra toda a re-

ligião, afim de extinguir e expulsar, qualquer forma

de religião existente naquele paiz [...] Futuramente

obrigarão em todas as escolas, a instrução ―anti-

religiosa.382

Encontramos nesse discurso a defesa do cristianismo como um

sistema mais amplo, independente das matizes religiosas as quais por

incongruências na pertença simbólica acabam sendo rivais (Igreja Cató-

lica, Batista, Presbiteriana, Adventista etc). Ocorre nesse momento o

que Baczko chama de representar solidariedade,383

ou seja, o imaginário

que é abordado nesse momento, sai em defesa da religião, do monoteís-

mo, dos valores que se estabelecem como comuns, na diferença comba-

te-se o que é mais diferente. Em exemplo disso é que, descrevendo a

perseguição contra o cristianismo, os pentecostais se solidarizaram com

a igreja Ortodoxa Grega; ―Da igreja cathólica grega, foram mortos 26

bispos, 6.755 padres e grande número de christãos de outras egrejas‖.

No mesmo artigo havia a menção referência aos pentecostais: ―conforme notícias recém chegadas da Rússia, também evangelistas pentecostaes

são presos e só Deus sabe qual tem sido a sua sorte‖.384

Muitos assembleianos por intermédio de catecismos (de uma

herança católica), sermões, leituras da história do cristianismo, da bíblia,

estavam saturados de imagens sobre as atrocidades cruéis cometidas em

Roma contra os primeiros cristãos, os apóstolos e ao próprio Cristo.

Consciente disto e da imagem que os fiéis possuiam dos castigos execu-

tados contra o ―povo de Deus‖, é que a Rússia foi comparada ao próprio

Império Romano que nos primeiros séculos executou um incontável

número de cristãos. É importante ressaltar que frequentemente o inimigo

é imaginado na sua forma mais mítica, quando isso ocorre (o que pode

381 BECKER, (Dom) João. O Communismo Russo e a Civilização Christã. (19ª Carta Pastoral). Porto Alegre: Centro da Boa Imprensa, 1930, p.07. Apud. MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit., p.20 382 Som Alegre. Maio de 1930, p.03 383 BACZKO, Bronislaw. 1984, op.cit.,p.316 384 Ibidem

137

ser nesse caso) o perigo que ele representa é tanto maior quanto o seu

nome designa, apenas pelo desconhecido, o nunca visto.385

Poucos têm verdadeiramente comprehendido, que o

que se desenrola na Rússia, é a perseguição mais

cruel e temível contra o Christianismo e que jamais

teve logar desde o Império Romano até os nossos

dias.386

A historiadora Carla Rodeghero, estudando o imaginário anti-

comunista católico no Rio Grande do Sul identificou que o comunismo

adquiriu formas no imaginário católico brasileiro que permitiu ser con-

siderado o ―inimigo mais poderoso de todos os tempos da cristandade, o

demônio mais aterrorizante e maldoso‖.387

Fica claro que as caracterís-

ticas dos grupos que não se enquadrem na mesma forma de conceber e

explicar o mundo e a realidade, logo eram repudiados. Desta forma,

avalia-se as características dos comunistas e dos anticomunistas, os

cristãos, afirma a historiadora.388

Um telegrama extraído do Diário de Notícia do Rio de Janeiro

de 20 de outubro de 1932 foi publicado no Mensageiro da Paz. Refere-

se a um telegrama que segundo o jornal provava que as perseguições na

Rússia comunista, nada mais eram do que um sistema bem definido de

exterminar toda a religião. O telegrama afirmava:

Renasce na Rússia, a Campanha Contra a Religião-

Londres -19 de outubro. Acaba de ser promulgado

em Moscou, um decreto, que se refere a um plano

qüinqüenal atheu, isto é, que cogita de extirpação

completa, no espaço de 5 annos, da religião e da i-

greja, na União Soviética.389

O Mensageiro da Paz afirmava que o diário norte americano

Times explicava como se darria o ―sensacional plano soviético‖. No

primeiro ano todas as igrejas e capelas seriam fechadas, no segundo ano

as capelas e oratórios familiares ao mesmo tempo as pessoas que manti-

385 BACZKO, Bronislaw. 1984, op.cit.,p.319. 386 Som Alegre. Dezembro de 1929, p.03 387 RODEGHERO, Carla S. 2003, op.cit. p.25 388 Ibidem, p.16 389 Mensageiro da Paz. Novembro de 1932, n.21, p.01.

138

vessem a crença católica seriam demitidas, e o terceiro ano seria desti-

nado à propaganda comunista.390

Tal como era a urgência de evangeli-

zação o comunismo apresentaria uma urgência em exterminar a religião.

Um ano de forte discurso anticomunista nas Assembléias de

Deus foi o de 1933. Naquele momento os assembleianos acreditavam

que o Anticristo governaria o mundo sob um Estado onipotente que

tomaria proporções universais se não fosse contido. Durante toda a dé-

cada de 1920 as interpretações escatológicas procuravam colocar o papa

e o governo do Anticristo como unidos pela mesma causa. Entretanto,

em razão do erijecimento do anticomunismo e as novas interpretações

sobre o papel de Mussolini e da igreja Católica naqueles dias o rumo das

interpretações tomou outra direção. O Mensageiro da Paz enfatizou o

discurso anticomunista do Papa Pio XI como uma forma de reforçar o

seu próprio discurso. Neste pronunciamento é possível perceber nitidade

que tanto católicos quanto assembleianos estavam engajados na luta

contra um inimigo em comum.

O papa Pio XI disse, no Universe de 10-03-33; ―Es-

tamos confrontando uma ideologia que, claramente,

se resume em uma adoração realmente paga, do Es-

tado-estadolatria, que é um contraste dos direitos

naturaes da familia, e sobrenaturaes da egreja‖. Eis

ahi um testemunho claro, da epoca presente, ainda

que vindo de uma fonte contrária as nossas convic-

ções.391

Para os assembleianos em decorrência das oposições que a igre-

ja Católica estabeleceu com o comunismo e devido ao fato de que não

representava mais uma aliança com o possível Anticristo, que neste

momento estava relacionado com a Rússia, o comunismo e o catolicis-

mo passaram a ser representados como sistemas antagônicos. Se a igreja

Católica se opõe ao comunismo e ao mesmo tempo possui um papel

dentro das compreensões escatológicas dos assembleianos, qual foi a

designação atribuída a ela no cenário que compunha o fim dos tempos?

Para os assembleianos a igreja Católica era a prostituta do Apocalipse, a

grande adúltera do apocalipse e seria julgada pela Rússia. Os assemblei-

anos representavam os comunistas como uma emeaça maior do que

390 Ibidem 391 Mensageiro da Paz. Setembro de 1933, n.17, p.08.

139

qualquer religião, acima da igreja Católica e a igreja Ortodoxa. Nestas

interpretações ambas mereciam punição, pois haviam se corrompido e

perdido suas qualidades espirituais. Elas teriam deixado de ser sal da

terra.392

Esta imagem do sal provém das palavras de Jesus, ao afirmar

que os discipulos eram sal da terra e luz do mundo e de nada valeriam se

fossem insípidos.393

O sal no cristianismo se converteu em símbolo de

conservação da pureza e do verdadeiro evangelho.

A GUERRA CIVIL NA ESPANHA E O DISCURSO

ANTICOMUNISTA

O contexto da Guerra Civil Espanhola representou uma grande

ameaça para a Igreja Católica, pois o alvo das perseguições anticlericais

desta vez era uma nação católica e não a Rússia ortodoxa. Motta destaca

que a partir do início desse conflito, em meados de 1936 houve uma

campanha mundial promovido pela Igreja Católica de denúncia às atro-

cidades comunistas cometidas na Espanha.394

Um editorial do Mensageiro da Paz trazia a seguinte pergunta:

Que acontecerá durante o ano de 1937?395

A resposta estabelecia um

prognóstico pessimista. O jornal afirmava que aquele ano seria marcado

por muitos problemas e dificuldades, pois a Guerra Civil Espanhola

produziria um ano sombrio. Segundo o jornal este acontecimento já fora

predito por Jesus quando afirmou que na angústia das nações onde as

virtudes do céu seriam abaladas contemplariam tempos semelhantes

aqueles vividos no contexto da Guerra Civil Espanhola. O missionário

Nils Katsberg avaliava que aqueles dias eram de grande aflição mundial em que a Guerra Civil Espanhola estava abrindo ainda mais ―o caminho

para o Anti-Cristo‖.396

Para o pastor Antônio Torres Galvão na Espanha estava em

ação a sabedoria dos comunistas, que era terrena, animal e diabólica e

podia ser reconhecida pelos seus frutos. A imagem de um fruto é recor-

rente do início ao fim da Bíblia, seja no Jardim do Éden com o fruto da

392 Mensageiro da Paz. Setembro de 1933, n.17, p.08. 393 Cf. Evangelho de Mateus 5:13. 394 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit., p. 21-22 395 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1937, n.01, p.05 396 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1938, n.01, p.01

140

árvore do conhecimento do bem e do mal, seja com os profetas compa-

rando Israel com frutos, seja nos sermões de Jesus comparando frutos a

comportamentos e sensibilidades humanas. Os frutos ligados ao comu-

nismo diziam respeito a sua atuação política no mundo, especialmente a

manifestação desta política na Espanha.

A política atual, a que alguém, com justiça, chamou

―a jurisprudência dos tanques e canhões‖, é toda

inspirada na sabedoria terrena, animal e diabólica de

que falou São Tiago, seus frutos apodrecidos, frutos

de ódio, de vingança de sangue, de ambição e de

terror, já se manifestam nos acontecimentos que se

desenrolam na Espanha, e seu cheiro pútrido amea-

ça contaminar todo o continente europeu, e, quiçá, o

mundo inteiro.397

Os assembleianos consideravam o conflito o inimigo de toda a

cristandade. Eles argumentavam que a guerra na Espanha não se tratava

de uma questão nacional e sim internacional. Para o missionário Nils

Katsberg a guerra civil na Espanha tenta arrastar o mundo para uma

nova conflagração.398

Ao acentuar as evidências de que o mundo a qual-

quer momento poderia sofrer a interferência de algum sistema político

global, contribuia para referendar sua postura prémilenarista associada a

um governo liderado pelo Anticristo.

O que podemos perceber é que todos os discursos tanto o cató-

lico quanto o assembleiano estavam permeados de interdiscursividade.

Em relação ao comunismo os discursos foram construidos socialmente

levando em consideração uma série de outros discursos, mas que não

estavam colocados necessariamente de forma explicita ou tacitamente

enunciados. A interdiscursividade que ajudou a compor o discurso anto-

comunista assembleiano compreende uma série de outros discursos que

foram construidos socialmente e que estavam dispostos naqueles dias.

Os discursos dos testemunhos, dos jornais seculares, da experiência com

a democracia, das experiências passadas, dos discursos teológicos, das

fontes exógenas (literatura estadunidensse, sueca, etc) entre tantos ou-

397 Mensageiro da Paz. Julho de 1937, n.13, p.02 . 398 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1937, n.01, p.05

141

tros. Segundo Orlandi, para que as palavras tivessem sentido era neces-

sário que elas já fizessem sentido.399

A RÚSSIA E A EVANGELIZAÇÃO DO FIM DOS

TEMPOS

Um desafio muito claro estava colocado para os pentecostais: se

a volta de Cristo era iminente e precedida pela evangelização mundial,

como atingir esse objetivo sem promover o evangelho na Rússia? Essa

preocupação é muito evidente no artigo traduzido por Samuel Nyström:

O despertamento na Rússia e o clamor a Deus: A grande fome é um

precursor de avivamento.400

Este artigo é na realidade um sermão que

fora originalmente proferido pelo sueco Paul Peterson, em janeiro de

1927 na igreja pentecostal The Stone Church em Chicago e publicado

no The Latter Rain Evangel no mês seguinte.401

Peterson iniciou o ser-

mão com um versículo da carta aos romanos que dizia: ―Como invoca-

rão aquelle em quem não teem crido? E como crerão naquelle de quem

não teem ouvido falar? E como ouvirão sem pregador?‖ Neste sermão,

todas as mazelas enfrentadas pela Rússia eram interpretadas como um

juízo divino. Peterson considerou a guerra, a fome e a peste como puni-

ções para esse povo, ele afirmou: ―Pouco depois da revolução veio fome

terrível: Na Bíblia encontramos commumente estes três males – guerra

– fome – peste. Tivemos a guerra; depois a aquella gripe terrível e ain-da mais adeante a fome: a Rússia sofreu tudo isso (...) Deus está trac-

tando402

com os russos.‖ A imagem de um povo com fome foi contras-

tada com a fome da palavra, ―há uma fome da Palavra de Deus e os missionários são poucos‖. Para o pregador estava claro que os russos

passavam por aqueles problemas pois o sofrimento os levaria para o

Evangelho. 403

Petterson conduz o sermão relatando o sofrimento dos crentes

russos para realizar cultos. Segundo ele os cultos eram ao ar livre e fre-

qüentados por um número expressivo de pessoas, ―em algumas cidades

399 ORLANDI, Eni. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes Edito-

res, 1999, p. 33-34. 400 Boa Semente. Abril de 1927, n.71.p.02 401 O título original do artigo é Russia‟s Awekening and Cry after God: The Great Famine a

Forerunner of the Revival. Cf. The Latter Rain Evangel. Fevereiro de 1927, p.02-05. 402 ―Tratando‖ foi usado como sinônimo para ―punição‖. 403 Boa Semente, Maio de 1927, n.76, p.02

142

excedia a mil participantes por reunião, sempre atentos e com Bíblias

em punho‖ afirmava. A causa para o despertamento, título da matéria,

seria motivado pelas perseguições que os cristãos estavam enfrentando.

Petterson menciona que cristãos que tentaram fugir do regime bolche-

vista foram capturados, ―enviados acorrentados para a Sibéria, afim de

alli morrerem, somente porque adoravam a Deus e leram a Bíblia para os seus irmãos illetrados‖.

404 O sermão explorava a idéia de que a popu-

lação não aceitava o sistema de governo, que viviam sob um jugo autori-

tário cerceados de qualquer liberdade e se pudessem optar pelo cristia-

nismo, o fariam.

No sermão o pregador enfatizava que naqueles dias dois mi-

lhões e quinhentos mil refugiados de guerra russos foram repatriados e

levaram consigo a mensagem cristã apreendida nas prisões da Áustria,

Hungria e Alemanha. Esse discurso em certa medida satisfazia as expec-

tativas pentecostais no sentido de que o evangelho estava progredindo

inclusive nas regiões onde não era possível o envio de missionários.

Desta forma o discurso de Peterson foi acomodado às expectativas esca-

tológicas pentecostais, uma vez que a evangelização mundial resultaria

no retorno de Cristo.

O discurso de conversão destes indivíduos nos longínquos cam-

pos de concentração e que voltam à Rússia como missionários autôno-

mos, representava que o pentecostes era um fenômeno mundial, que o

avivamento espiritual não seria barrado nem mesmo pelos países comu-

nistas e que as profecias divinas estavam se cumprindo. O pentecostes

como sinal escatológico deveria abranger a todas as culturas, línguas e

nações até a chegada do fim dos tempos. Dentro da compreensão dis-

pensacionalista e prémilenarista da história os russos não escarpariam do

evangelho pregado a toda criatura.405

Esta era uma prerrogrativa teológi-

ca para o Arrebatamento.

Doravante as perseguições e oposição as instituições religiosas

em alguns momentos os assembleianos demonstraram muito otimismo

em relação a evangelização russa. O Boa Semente falando sobre as con-

versões na Rússia dizia que o número de convertidos poderia chegar a

dois milhões sendo que muitos estimavam que chegava a quatro milhões

de convertidos.406

Essa era uma forma de mostrar que Deus tinha o con-

404 Ibidem 405 Cf. Evangelho de Marcos 16:14-18. 406 Boa Semente. Maio de 1927, n.72, p.03

143

trole de tudo que o Arrebatamento não seria adiado, nem mesmo diante

da impossibilidade de evangelização dos russos.

Um dos principais argumentos contra o comunismo recaia jus-

tamente na afirmação de que a após a Revolução de 1917 o ateísmo

havia se generalizado. Para os assembleianos o progresso do ateísmo

estava relacionado ao fracasso da igreja Ortodoxa, que iludiu o povo

com mentiras. A justificativa para se opor ao comunismo era que exis-

tindo a verdadeira religião naquele país, a religião que não engana, e se

o povo tivesse acesso aos verdadeiros ensinamentos de Cristo, certa-

mente mediante o esclarecimento abandonariam as práticas diabólicas.

Quando um alto official da egreja ou sacerdote mor-

ria, o seu corpo era collocado em algum logar sanc-

to que elles tinham para este fim, o povo fora ensi-

nado que estes corpos nunca viriam corrupção, mas

sempre permaneceriam no estado em que estavam.

Desde modo o povo adorava taes ―sanctos incorrup-

tíveis‖; mas quando os bolchevistas chegaram ao

poder uma das primeiras coisas que elles fizeram,

foi despojar estes ―sanctos incorruptíveis‖ que nada

eram senão couros e sacos cheios de palha e serra-

gem de madeira, e os expor a vista do povo. Quando

o povo ignorante viu esta decepção, fora de um ex-

tremo ao outro. Conhecendo isto em que sempre a-

creditaram, era uma mentira, muitos perderam a fé

em Deus.407

O jornal O Som Alegre destacou a mensagem profética de um

crente, identificado como missionário Simpson. Pouco se sabe sobre

esse personagem, todavia presume-se que se tratasse do grande líder

pentecostal estadunidensse Albert B. Simpson. Na pesquisa aos periódi-

cos pentecostais assembleianos estadunidensses deste período este so-

brenome é muito comum e aparece em vários artigos. Embora não se

saiba com clareza quem é o missionário citado, ele é o mencionado pelo

O Som Alegre como um portador das mensagens celestiais. Segundo o

jornal Simpson teve uma visão profética que revelava parte dos aconte-

cimentos dos últimos dias. Seu discurso foi aceito, endossado, reconhe-

cido como fiel e verdadeiro e inspirado pelo próprio Deus. No artigo

intitulado - A Situação na Rússia – lemos:

407 Boa Semente. Abril de 1927, p.02.

144

Verdadeiramente, está se cumprindo o que o mis-

sionário Simpson, viu acerca dos últimos aconteci-

mentos. Elle teve a revelação da grande guerra

mundial, e, após esta, viu rebentar na Rússia, uma

grande revivificação, que depois se estendeu por to-

dos os paízes. Está escrito: ―O Senhor fará alguma

cousa sem primeiro revelar aos seus servos, os pro-

phetas? ―Portanto, não devemos estranhar isto, ain-

da mais por vermos o cumprimento, diante dos nos-

sos olhos, do que elle previra.408

Essa profecia se referia a própria The American Assemblies of

God, uma missão da Assembléias de Deus estadunidense na Rússia. A

profecia refere-se a Rússia como um centro irradiador do pentecostalis-

mo, pois erra recorrente entre os primeiros assembleianos a idéia que

quanto maior a perseguição, as calamidades e crises, maiores serão os

progressos na pregação do evangelho.O jornal enfatiza que: ―não há para admirar que se levante perseguições aonde o poder de Deus se

manifesta‖.409

A AMEAÇA DE ALCANCE GLOBAL DO COMUNISMO

Em meados do ano de 1927 os assembleianos consideravam o

comunismo o responsável pela regressão histórica da humanidade. Ele

representava a destruição das instituições como a família, a pátria, a

religião, a propriedade privada, etc. O jornal enfatizava que embora a

ciência tivesse se desenvolvido, melhorado a saúde das pessoas, ela não

era suficiente para acabar com a mortandade mundial, e isto ficava mui-

to claro ao verificar que as ―cartas demográficas accusam expantoso obituário‖. Quem seria responsável pela regressão histórica e pelos altos

índices de mortes? O jornal Boa Semente acusava o comunismo. O jor-

nal não só identificava a causa, mas propusera a solução. A solução

destes problemas e do mundo comunista estva em aceitar o Evangelho

de Cristo, a causa disso tudo estava na ―criminosa rejeição do Evange-lho‖.

410

408 Som Alegre. Dezembro de 1929, p.03 409 Ibidem 410 Boa Semente, Maio de 1927, n.76, p.02

145

O comunismo foi representado como uma doença maligna, que

necessitava de cura. Em alteridade a doença estava a fé, apresentada

como o remédio para todos os males. A fé seria a responsável em ―rege-nerar, purificar e salvar‖. A crença em Deus e nas doutrinas pentecos-

tais seriam responsáveis pela cura da humanidade. Como um agente

patológico o artigo enfatiza que o comunismo ameaçava generalizar-

se,411

semelhante a uma doença que atinge várias partes do corpo.

Essa ameaça de generalização do comunismo foi apresentada na

edição de setembro de 1927, quando ocorreu a primeira referência dos

assembleianos ao comunismo como um perigo global. Antes tratado

como uma ameaça remota, neste momento ele foi considerado um agen-

te patológico, maligno que precisava ser detido. O temor que o comu-

nismo transpassasse o Atlântico e chegasse no continente americano

preocupava os assembleianos.

A Rússia continua no sistema de depuração fuzilan-

do os seus próprios generais que ousam discordar da

brutalidade de Stalin, e procurando implantar a de-

sordem nos outros países, não somente na Europa,

como na própria América. 412

A própria reação dos comunistas contra os evangélicos foi colo-

cada como um projeto global. Em 1929 os assembleianos afirmaram que

tinha sido publicado um decreto na imprensa mundial restringindo rigi-

damente a obra de ministros das igrejas evangélicas. Entre os comunis-

tas os missionários deveriam obedecer a ordem que: ―nenhum ministro

pode pregar mais do que numa egreja [...] não pode ter classes organi-zadas para o ensino religioso, ainda, que essas classes se reunissem

dentro da egreja.‖413

Através de um jogo de antíteses a Revolução Russa foi repre-

sentada como o mal, já a Revolução de 1930 no Brasil é representada

como a verdadeira Revolução. Para os assembleianos Vargas foi o gran-

de responsável pela ordem da nação. Em 1938 no discurso do Mensagei-

ro da Paz, Vargas teria evitado a ―funesta iminencia da guerra civil‖ que

estava para sobrevir ao Brasil. Enquanto a Revolução Russa representa-

va uma revolução vermelha, feita por baixo, pelo povo, os asembleianos

411 Boa Semente. Setembro de 1927, n.76, p.02 412 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1938, n.03, p.06 413 Boa Semente, Fevereiro de 1930.

146

elogiavam o fato de que ―somente o Brasil conseguiu fazer uma revolu-

ção branca, revolução de cima para baixo, graças a argúcia do estadis-

ta que, há sete anos nos governa‖.414

No início da década de 1930 é em defesa do Estado que os as-

sembleianos se pronunciaram contra o comunismo. Como se deu essa

defesa? Primeiramente incorporando ao discurso político o discurso

religioso. O comunismo passou a representar o agente responsável em

transformar o Estado em uma entidade defensora do ateísmo. As ―insti-tuições vigentes‖

415 estavam ameaçadas argumentavam os assembleia-

nos, para eles a grande preocupação era que a ideologia comunista fosse

adotada pelo Estado brasileiro. No artigo intitulado - O Estabelecimento

dum Estado Atheístico -, foi enfatizado que na ideologia comunista ha-

via uma pretensão de acabar com a religião, e que os soviets haviam

proclamado que o ateísmo do partido comunista era a prova mais cabal

de que os funcionários do Estado defendiam o ateísmo. 416

De que forma esse ―Estado ateístico‖ poderia ultrapassar as

fronteiras da Rússia? O artigo em análise também é traduzido, fora es-

crito para o periódico, Christian World nos Estados Unidos pelo editor

Paul Hitchinson. O autor afirmava que o comunismo estava se precipi-

tando na Europa, e outrora ―nunca fora visto um Estado ateístico em tão

grande escala‖. É portando um governo que se expandia e tinha preten-

ções globais. Para Hitchinson a causa desta expansão estava no caráter

militante do comunismo, que sem medir esforços buscava adeptos em

todos os lugares. 417

Os assembleianos denunciavam que este era um

―Estado com tal dimensão que nunca fora visto na história mundial‖.418

O medo do desconhecido, da proporção e grandeza do inimigo, logo se

tornava evidente nessas palavras. O posicionamento do autor só corro-

borava com a imagem da proporção de tal Estado, ele era um cidadão

americano, presidente de um periódico muito influente, dotado de auto-

ridade sacral, testemunhando sobre sua experiência na Europa. A argu-

mentação tinha credibilidade ainda maior por ter sido acompanhada in

loco.

Tenho estado na Rússia percorrendo praticamente a

porção européa, desde o Báltico até o mar Cáspio.

414 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1938, n.03, p.06 415 Boa Semente. Setembro de 1927, n.76, p.02. 416 Boa Semente, Fevereiro de 1930, n. 105, p.03 417 Ibidem 418 Boa Semente, Fevereiro de 1930. n.105.p.03

147

Tenho procurado conhecer quanto um espectador

possa a respeito do que está acontecendo em ques-

tões religiosas.Eu duvidára dos rumores. A minha

reportagem é que os rumores estão baseados em

factos. Há perseguição religiosa de caracter o mais

brutal e posta agora em actividade na Rússia. E esta

perseguição está crescendo em escopo e intensida-

de.419

Uma das grandes preocupações do discurso anticomunista as-

sembleiano era reforçar a idéia que a liberdade era uma dádiva do cristi-

anismo. Para os assembleianos a grande ameaça do comunismo era que

ele significava uma coerção da liberdade. A proibição do exercício da

religião e a perda dos direitos civis eram iniciativas comunistas. O Boa

Semente enfatizava que a intenção original do comunismo era acabar

com toda e qualquer liberdade em especial a liberdade religiosa. Nesse

discurso o comunismo era o responsável pela mumificação da Igreja

Ortodoxa, retirando dos fiéis todos os seus direitos civís.420

O jornal denunciava que todos os que professaram algum tipo

de fé, logo receberam algum tipo de punição. O periódico relata a expe-

riência de um jovem que por afirmar: ―algum dia o direito duma fé vital

deverá existir nesse país‖, em seguida o jovem foi ―sentenciado a qua-tro anos de trabalhos forçados na Sibéria‖.

421 Nesse trecho é importante

destacar o valor da fé, ela é considerada vital, está na ordem da sobrevi-

vência, mas não uma sobrevivência no sentido físico, mas sobrenatural.

Os pentecostais que viviam na Rússia eram representados como

verdadeiros heróis da propagação do evangelho e do cristianismo. Eles

seriam os detentores da luz do evangelho, essa imagem logo se remete

às trevas que será dissipada na presença da claridade. Os ouvintes por

sua vez estavam sedentos. A palavra de Deus era representada como a

água que saciava a sede. A religião era caracterizada como vital, é uma

questão de sobrevivência. Quando afirmavam que ―o povo está sedento

da Palavra de Deus (...) cidades, povoações e aldeias inteiras têm rece-bido a luz do evangelho‖, ou ―por meio da pregação e devoção pessoal

possam fazer arder o fogo de uma religião vital‖.422

Havia a intenciona-

lidade de afirmar que só o pentecostalismo ofercia as respostas às neces-

419 Boa Semente, Fevereiro de 1930. n.105.p.03 420 Boa Semente, Fevereiro de 1930. n.105.p.03 421 Ibidem, p.04 422 Som Alegre. Maio 1930, n.06, p.03

148

sidades comunistas. Fogo e água foram usados como símbolos que se

coadunam remetendo à necessidades pentecostais do Espirito e da pala-

vra, que são capazes de promove pureza e ao mesmo tempo saciedade

espiritual.

Quando os pentecostais utilizavam a imagem do fogo, conferiam a essa

imagem um sentido de poder espiritual, de ligação e presença do Espíri-

to Santo com os dons divinos. Mais do que isso a imagem do fogo se

remete ao próprio caráter do pentecostalismo que reclamava suas ori-

gens na esperiência da igreja primitiva, quando o fogo veio do céu e

teria inaugurado a dispensação do Espírito.423

Os assembleianos preocupados com o mundanismo, o pecado,

se voltaram para o repúdio dos prazeres terrestes, e por isso frequente-

mente relacionavam o comunismo ao hedonismo. As igrejas na Rússia

estariam sendo fechadas para dar lugar a ―theatros, clubs e cinemas‖424

,

locais de diversão e prazer. Os comunistas estavam preocupados em

felicidades consideradas terrenas. Para os assembleianos a verdadeira

alegria e felicidade não deveriam ser buscadas nesta vida, pois usufruir

dos prazeres na terra significava trazer para o mundo dos homens as

questões que são de ordem divina ou negligenciado-as, os comunistas

estavam profanando o mundo425

.

O jornal Som Alegre enfatiza a ―criação de dez mil clubs anti-religiosos‖.

426 A igreja não só repudiava nesse momento a participação

em tais ambientes, como usava uma vasta gama de imagens para rela-

cioná-los ao pecado e os prazeres os quais os comunistas estavam en-

volvidos.

Para o pentecostalismo o batismo em águas representa mais que

um ritual é um mandamento de Cristo, um dogma. Muitos dogmas cató-

licos foram desprezados pelas vertentes da Reforma Protestante, contu-

do dois subsistiram, o batismo e a eucaristia (santa ceia). Dada as espe-

cificidades litúrgicas e conceituais que adquiriram em matizes religiosas

cristãs diversas. O batismo como um rito de passagem representa para

os assembleianos um processo muito importante da conversão, do com-

423 ―Cumprindo-se o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa onde

estavam assentados. E viram línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre

cada um deles. Todos foram cheios do Espírito Santo.‖ Cf. Atos dos Apóstolos, 2:1-4 424 Som Alegre. Maio de 1930, n.06. p,03. 425 AGAMBEM, Giorgio. Profanações. Trad. Selvino José Assmann. São Paulo:Boitempo,

2007, p.66. 426 Som Alegre, Maio de 1930, n.06. p,03.

149

promisso com Deus, de uma nova perspectiva de vida. A celebração do

casamento representa o início da família, a prova do amor, o laço mais

forte de um relacionamento. Ele é considerado um direito natural sendo

que seu fim principal está expresso na ordem de Deus, ―crescei e multi-

plicai-vos‖. Como atenta Rodeghero, neste caso a ―sociedade doméstica

é entendida como anterior à sociedade civil‖.427

O domingo era para os assembleianos um dia de caráter simbó-

lico muito significativo. Eles argumentavam que em um domingo que

Jesus ressurgiu e foi em um domingo que cumpriu a promessa do Ba-

tismo com o Espírito Santo, que inaugurou uma nova dispensa-

ção.Quando os assembleianos afirmavam que na Rússia, ―batismos e casamentos, celebrados pelos crentes são prohibidos. Não mais se

guarda o domingo‖,428

estavam automaticamente colocando em evidên-

cia a derrocada de instituições e ritos simbolicamente importantes. Dis-

curso semelhante foi adotado para a defesa da santa ceia, considerada

uma prática inalheável do crente, logo após o batismo é dever do crente

participar deste ato simbólico. Ao afirmar que os comunistas não permi-

tiam nem que se lesse a Bíblia, nem que se pregasse a palavra ou que se

realize a santa ceia e o batismo, automaticamente estavam conenando-o

por se oporem aos ritos sagrados que compõem a religiosidade pente-

costal. O jornal enfatizava que o cristão na Rússia ―vive mês após o outro, sem ouvir uma palavra, a nenhuma reunião espiritual assiste:

não há comunhão – santa ceia: não há‖.429

A propriedade privada também era amplamente defendida pelos

assembleianos. A apropriação estatal dos bens das pessoas era conside-

rada uma ação desprovida de amor, era um ato ―sem misericórdia‖.430

A

forma como a notícia foi repassada pelos assembleianos, reforçava a

idéia que o governo se apropriva dos bens alheios sem oferecer nada em

troca. Neste discurso o jornal Mensageiro da Paz afirmava que a retribu-

ição do governo ao povo era oferecer alimento (putrído), e muito traba-

lho em empresa estatal sem qualquer remuneração431

. Para os crentes

não havia benefício algum aderir ao comunismo. Neste discurso tanto

capitalismo quanto a religião são considerados pares antitéticos do co-

427 RODEGHERO, Carla S. 2003, op.cit. p.32. 428 Som Alegre, Maio de 1930, n.06. p,03 429 Mensageiro da Paz, Fevereiro de 1935, n.04, p.01. 430 Som Alegre. Maio 1930, n.06, p.03. 431 Boa Semente. Maio de 1927, n.72, p.02.

150

munismo e do ateísmo. O jornal Som Alegre narrava a situação dos

crentes na Rússia:

Crentes são confiscados em seus bens e proprieda-

des. Sem misericórdia famílias inteiras são lançadas

a miséria. O pão e o chá se vendem por ―cartões‖.

Somente 70% do povo de Moscou recebe esses car-

tões; o resto da população é considerada capitalistas

e religiosos que não são dignos de viver [...] isto

significa, na realidade um attentado de assassínio

systemático às multidões de pessoas. É mesmo la-

mentável que tendo-se dinheiro, morra-se de fo-

me.432

Segundo Motta esse modelo de anticomunismo é compreendido

como um anticomunismo liberal,433

pois está grandemente preocupado

com a defesa da propriedade. O argumento central confera a propriedade

um status de direito individual e inalienável adquirindo inclusive um

caráter sagrado. Defender a propriedade não significa posicionar-se

acriticamente em relação ao capitalismo, muitas vezes o capitalismo é

criticado, mas a propriedade privada será sempre defendida.

As punições revelariam o caráter e a intolerância dos comunis-

tas. A todos que desobedecessem ou transgredissem a disciplina, a puni-

ção era o castigo e a morte. Uma história pode ilustrar a crueldade que

os comunistas tinham ao deparar-se com religiosos. O jornal relata que

camponeses russos estavam ajoelhados em oração quando foram surpre-

endidos por guardas soviéticos que ―covardamente os abateram com metralhadoras‖. Tal atitude seria motivada ao perceberem ―a fé, a cora-

gem e a dedicação dos servos de Cristo‖.434

Para os assembleianos no

comunista não existia virtude, só ódio, rancor, covardia, brutalidade,

intolerância entre outros adjetivos desqualificadores. Ao mesmo tempo

em que desqualificam os comunistas, reforçam sua própria identidade

como servos dedicados a Cristo, sob qualquer circunstância.

Chartier chama a atenção para a capacidade que estas imagens

têm de seduzir e convencer. Essa capacidade se dá a medida que partilha

de convenções que ―possibilitam ela ser compreendia, recebida e deci-

432 Ibidem 433 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit., p.41. 434 Som Alegre. Maio de 1930, n.04, p.03

151

frável.435

Esta assertiva ajuda a comprender como muitas imagens rela-

tadas no jornal podem ser analisadas. Quando os assembleianos se reme-

tiam a imagens como a do inferno, de imediato acionavam uma vasta

rede de significados que permitiam a transmissão de certas mensagens,

como o perigo da condenação, o sofrimento, o castigo. Nesse sentido

quando os soviets foram comparados ao inferno os assembleianos esta-

vam acionando essa ampla rede de significados as quais a imagem do

inferno se remetia. No discurso assembleiano a imagem do inferno foi

muito associada a regiões geográficas. Expressões como ―no inferno dos

soviets‖ ou o ―Solavky Island – este inferno‖, denotavam um lugar de

tristeza, de dor, pranto, ou seja, era naquela região que estavam os ―pri-sioneiros abandonados‖

436.Apelar para o medo do inferno constituia um

eficiente recurso didático para frear os comportamentos pecaminosos

das pessoas.437

No imaginário assembleiano as noções de pudor e a vergonha

eram consideradas inerentes à humanidade. Elas teriam surgido na que-

da de Adão e Eva quando eles comeram do fruto do conhecimento do

bem e do mal e a partir de então passaram a sentir vergonha da nu-

dez.438

No imaginário cristão esse episódio definia o momento em que

toda a humanidade teria adquirido o senso da vergonha. Negar isto seria

defender o pecado e ir contra a essência humana e a vontade de Deus.

No texto bíblico o próprio Deus teria confeccionado vestimentas para

Adão e Eva. Os assembleianos ao afirmar que na Rússia as pessoas

organizaram manifestações com objetivo de banir o senso de vergonha

entre o povo estavam frizando que os valores morais inerentes ao ser

humano estavam sendo ignorados.

A última invenção dos homens ímpios da Rússia

(talvez seja a ultima) é a maior afronta a civilização,

e só os que perderam o senso e o controle de si

mesmos, podem pensar em tal coisa; trata-se da

propaganda contra a vergonha. Grupos compostos

de pessoas, de todas as edades, percorreram as ruas

das cidades, levantando cartazes com dizeres: ―a-

baixo a vergonha! Vamos acabar com a vergonha‖.

435 CHARTIER, Roger. Imagens. In: BURGUIÈRE, André (Org).Dicionário de ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993.p.407 436 Som Alegre, Maio de 1930, p. 04 437 RODEGHERO, Carla S. 2003, op.cit. p.31 438 Cf. Gênesis 3:7-11

152

Que elles não possuíam o que agora querem banir,

nós já o sabemos há muito tempo; estranhamos é

que elles confundam pudor com vergonha. Coisas

peores virão!439

Entre os protestantes de uma maneira geral a idolatria sob as

suas mais variadas manifestações, seja no culto a vivos, mortos ou a

imagens é extremamente condenada. Estabelecer que os comunistas

fossem idólatras seria credenciá-los a condenação divina a veneração de

um deus que não é o Deus da Bíblia. A própria ideologia foi considerada

uma forma de crença e, portanto de religião idólatra. Em 1933 encon-

tramos no discurso do Mensageiro da Paz uma forte oposição ao fascis-

mo e ao comunismo, referindo-se a eles como idólatras, pagãos e adep-

tos de uma ideologia transformada em uma religião sem Deus.

Elles levam a ideologia até o ponto de torna-la uma

religião e uma idolatria para o povo. Uma religião

sem Christo, sem a sancção de Deus; é um paga-

nismo moderno; onde impera tal religião o Christia-

nismo é suprimido (...) os acontecimentos recentes

fazem entender melhor o facto de que o conflicto

entre o fascismo e o socialismo, é uma guerra reli-

giosa.440

Em condenação a idolatria os assembleianos lançam várias

críticas ao culto da figura de Lênin. Para enfatizar a idolatria dos russos

o Mensageiro da Paz compara a estátua que o rei Nabucodonozor441

le-

vantou na Babilônia com uma suposta estátua de Lenin em Moscou. Os

assembleianos baseados nas informações de um periódico chamado The Dawn, afirmavam no artigo intitulado - Cumpre-se o Apocalipse - que

em Moscou erigiu-se uma estátua de Lênin medindo 18 metros a mais

que a Estátua da Liberdade. Segundo o jornal esse método de ―atrair infelizes súditos‖ através da veneração de uma gigantesca estátua seria

utilizado pela própria Besta. Segundo o jornal a estátua da Bestá seria

439 Mensageiro da Paz. Novembro de 1933, n. 22, p.04. 440 Mensageiro da Paz. Setembro de 1933, n.17, p.08. 441 Refere-se ao rei Nabucodonosor II, que governou o I Império Neo-babilônico, entre 604 a

562 a.C. Conquistou o reino de Judá e destruiu o templo de Jerusalém em 587 a.C. Dentre suas obras destaca-se a construção dos Jardins Suspensos da Babilônia.

153

uma imagem de destaque no mundo todo, pois teria poderes sobrenatu-

rais e a maioria da humanidade ―se achará no ponto de adorá-la e de

receber a sua marca conforme o Apocalípse 13:15‖. 442

A imagem do Diabo ou seus correlatos, demônios, Besta, Anti-

cristo, foi muito associada ao comunismo no discurso assembleiano.

Motta afirma que havia a demonização do comunismo na imprensa bra-

sileira, entretanto, fora dos meios católicos, raramente ocorria a demoni-

zação explícita dos comunistas e a afirmação de que eram agentes de

Satã.443

Este estudo desmistifica essa afirmação, mostrando o quanto os

evangélicos pentecostais insistiam em associar o comunismo ao demô-

nio. A apresentação de determinados símbolos em contextos diferentes,

épocas históricas díspares, em locais diferentes, com sentidos recriados,

dão significados mais precisos a certos referentes, como é o caso da

imagem do Diabo

SEMITISMO E ANTICOMUNISMO

Os assembleianos repúdiava ao comunismo não é somente pelo

seu caráter anticristão, e sim pelo seu posicionamento antireligioso.

Todavia os assembleianos recorriam à defesa dos grupos que em maior

ou menor grau partilhassem de um mínimo de sentidos comuns, teológi-

cos e morais. Desta forma é que os assembleianos se mostraram defen-

sores do movimento judaico e da causa sionista. Por razões históricas a

Assembléia de Deus vai autorgar ao o judaísmo à noção de povo eleito

de Deus. Para os pentecostais, a continuidade das promessas messiâni-

cas e de eleição divina, desde a chamada de Abraão no livro de Gênesis

só irá findar para os judeus após a chamada ―Consumação dos Séculos‖,

a total separação entre o bem e o mal, na concepção assembleiana. O

papel relegado aos judeus nas notas da bíblia de estudo Scofield, e a

afirmativa que eles possuem um papel específico dentro das dispensa-

ções bíblicas, conferiram aos judeus um lugar especial no plano escato-

lógico. Para os assembleianos eles representavam um dos sinais que

indicavam a proximidade da volta de Cristo.

442 Mensageiro da Paz. Junho de 1938, n.12, p.03. 443 MOTTA, Rodrigo P. S, op.cit.,p.50.

154

O sermão de despedida do pastor Samuel Nyström em Stocol-

mo na Suécia em janeiro de 1923 enfatizava o quanto ele estava feliz

por saber que a dispensação do Espírito estava chegando ao seu fim. O

motivo para compreender que isto estava acontecendo era que os judeus

estavam voltando à Palestina e isso representava nitidamente o cumpri-

mento das profecias. Em seu depoimento:

[...]vi nos jornaes os telegrammas de Londres acerca

do povo judaico, que recebeu nova affirmação de

que haviam de continuar na posse da Palestina en-

cheu-se o meu coração de jubilo e de alegria, por-

que vi nisto um signal de que em breve esta dispen-

sação há de findar e uma outra há de come-

çar.[...]Deus começou a contar sobre o seu povo em

tempos propheticos, podemos dizer : o relógio deste

povo começou a andar.444

O jornal Boa Semente no artigo - O Segundo Advento de Cris-

to - anuncia que ―outro signal da aproximação do dia do Senhor é o

despertamento do povo judaico e as evoluções sionistas entre

le‖.445

Com argumentações em várias passagens bíblicas referindo-se ao

povo de Israel os pentecostais interpretaram que a migração judaica do

século passado e a conquista das terras orientais representavam uma

confirmação sagrada dos anúncios proféticos e do poder de Deus como

motor da história. Nesse sentido, o movimento sionista passou a repre-

sentar a o cumprimento das profecias, pois ―se há um testemunho vivo

que prova a veracidade da bíblica é o judeu‖,446

afirmava o jornal. O

agrupamento judaico foi representado pelos assembleianos com ossos

secos que ganham vida e se revestem de carne, saindo da morte para a

vida, tal como descrito nas profecias de Ezequiel.447

Ou seja, o movi-

mento sionista era antes de tudo um cumprimento da profecia bíblica,

ossos que adquirem carne e vida foram utilizados como imagens que

denotavam a restauração da pátria e da identidade cultural. Não raro

encontrar afirmações nos jornais de que os judeus na realidade acredita-

vam em Jesus com o seu Cristo,448

como parte deste cumprimento profé-

444 Boa Semente. Julho 1923, n.26, p.01 445 Boa Semente. Maio de 1925, p.011 446 Boa Semente. Fevereiro de 1926, p.02 447 Cf. Ezequiel 37:7. 448 Boa Semente. Setembro de 1926, n.64, p.03

155

tico. É em defesa da causa judaica que os assembleianos expuseram

no jornal a perseguição do judaísmo e da causa sionista na Rússia. No

sermão intitulado - A marca da Besta449

- de Nathan Cohen Beskin ,

traduzido pelo Mensageiro da Paz, são claras as referências de apoio a

causa sionista. Se levarmos em consideração a origem do nome do pas-

tor, podemos constatar que se trata de um nome de origem judaica, o

que nos fornece pistas para compreender as razões deste tipo de discur-

so.

Os assembleianos endossaram o posicionamento de Beskin e se

lançaram em defesa dos judeus na Rússia. No sermão de Beskin, ele

explora a idéia que na Rússia as crianças eram coagidas a delatar seus

próprios pais, caso os vissem praticando qualquer ritual ligado ao juda-

ísmo como comer pão sem fermento ou realizar orações em casa. A

consequência de qualquer manifestação religiosa de origem judaica seria

a prisão imediata. Beskin testemunha que essas informações eram ver-

dadeiras e foram lidas em um jornal russo de sua propriedade.450

Este

exemplo de mensagem ilustra a preocupação dos russos com o extermí-

nio dos judeus. Qualquer rito religioso que pudesse denotar uma ativi-

dade religosa deveria ser reconhecido, a fim de receber a devida punião

todos que o praticassem.

Além da oposição a qualquer antisemitismo, vemos que este é

um exemplo de como os assembleianos se apropriaram de informações

provenientes do movimento pentecostal nos Estados Unidos e montaram

seus conceitos, símbolos, discursos, construiram imagens e significaram

o mundo baseados em informações exógenas. Foi principalmente atra-

vés de jornais editados nos Estados Unidos que os assembleianos cons-

truiram um discurso anticomunista.

Um artigo traduzido intitulado - A Figueira está brotando451

- do

periódico New Palestine, referia-se a Israel representando-o através da

imagem de uma figueira. Para os pentecostais a figueira passou a ser um

símbolo que se remete ao povo judaico. Os assembleianos representa-

vam o retorno dos judeus à Terra Prometida, frequentemente os associa-

449 Sermão proferido em Evanston, Illinois em 08 de Fevereiro de 1931, cujo título era The mark of the Beast. Este sermão foi redigino no The Latter Rain Evangel, vol 23, n.06. Março

de 1931, p.12. 450 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1932, n.03-04, p.05 451 Vários artigos tinham esse mesmo título e se remetem sempre a assuntos escatológicos

referentes a Israel. Cf. Boa Semente. Setembro de 1925, n.52, p.01; Boa Semente. Outubro de

1925, n. 53, p.05, Boa Semente. Setembro de 1926, n.64, p.04, Mensageiro da Paz. Maio de 1936, n. 09, p.02; Mensageiro da Paz. Dezembro de 1937, n.23, p.02.

156

do à imagem de uma figueira em flor. Nos jornais assembleianos o go-

verno soviético é descrito como um sistema opressor do judaísmo, e

suas ações consistiam principalmente na proibição dos cultos, da litera-

tura e do comércio, no uso da força e da repressão contra toda e qual-

quer expressão religiosa judaica. Os assembleianos afirmavam que na

Rússia, qualquer manifestação a favor da migração de judeus para a

Palestina, seria punida com prisão e sofrimentos. O Boa Semente reitera

―é tão perigoso ser sionista na Rússia como ser monarchista ou men-chevista‖.

452

Ao descrever os últimos dias de Lenin, o Mensageiro da Paz

afirmava que mesmo estando à beira da morte, em um estado de loucura

e demência Lenin se colocou contra os judeus. O jornal representou

Lenin como um animal sem qualquer grau de sã consciência.

Lenine andou engatinhando como um animal, em

redor de seu quarto trancado. Fazendo a apologia

ante as mobílias, pelos seus feitos, à memória da-

queles que estavam prerseguindo o seu cérebro

desmiolado, elle gritava: ―Deus, salva a Russia e

mata os Judeus‖!453

Em uma crítica aos teólogos liberais Nyström falava que o a

linha teológica defendida pelo alto criticismo bíblico não reconhecia a

veracidade das profecias do livro de Daniel. Para Nyström entender as

setenta semanas de Daniel sob o aspecto dispensacional consistia em

compreender qual era o papel dos judeus dentro das profecias bíblicas.

Estas profecias indicariam perfeitamente qual era o momento em que se

daria a plenitude dos judeus que coincidiria justamente com plenitude

dos tempos. Para Nyström nesse tempo seriam ―congregadas todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos

céus, como as que estão na terra‖.454

A partir do ano de 1937 entrou em evidência no discurso as-

sembleiano um ―novo inimigo‖, o nazismo. Desta forma os três gigantes

a serem combatidos pelos assembleianos eram o nazismo o fascismo e o

comunismo. A primeira referência ao nazismo ocorreu em outubro de

1937, quando ao lado do comunismo foram respectivamente representa-

452 Boa Semente. Outubro de 1925. n.53,p.05 453 Mensageiro da Paz. Setembro de 1933, n.18, p.18. 454 Boa Semente. Setembro de 1923, n. 28, p.02.

157

dos pelos personagens bíblicos de Pilatos e Herodes. A referência aos

dois tem uma direção: afirmar que tinham como objetivos comuns: ―ex-

terminar a doutrina do meigo Nazareno‖.455

Dentro das compreensões dispensacionalistas, os judeus tinham

um lugar de destaque no plano escatológico. Alguns grupos ligados ao

movimento da Santidade, assim como os fundamentalistas e os pente-

costais compreendiam que as profecias davam conta que os judeus eram

o povo escolhido para viver na Terra Prometida. A emergência do regi-

me nazista na Alemanha e os projetos de eugenia cujo foco era o exter-

mínio da ―raça judaica‖, motivaram uma onda de combate ao nazismo

entre muitos pentecostais.

Em 1940 o sofrimento dos judeus na Europa foi interpretado em

termos proféticos, como uma condenação de Deus sobre o povo que

desprezou o Messias. Israel continuava com a mesma posição dentro das

interpretações dispensacionalistas, porém essa era uma maneira de Deus

punir o que fizeram no passado a Cristo, tal como iria punir todos os

gentíos que haveriam de enfrentar a Tribulação por terem desprezado o

evangelho. Em 1940 o Mensageiro da Paz foi enfático: ―Israel sofre por

haver rejeitado o Messias‖.456

ANTICOMUNISMO E O ANTIINTELECTUALISMO

Muitos conflitos envolveram teólogos liberais e conservadores.

Na Suécia a igreja luterana de caráter liberal representava uma ameaça

às demais igrejas e naquele cenário religioso, os primeiros missionários

que chegaram ao Brasil representavam uma ala super conservadora do

protestantismo suéco. Uma das características mais fortes deste conser-

vadorismo era a postura que tinham em relação ao conhecimento cientí-

fico. Os primeiros missionários suecos que vieram ao Brasil tinham

muita aversão a educação e instrução formal. Essa postura é facilmente

encontrada nos periódicos assembleianos, que com frequencia desquali-

ficavam a educação secularizada. A postura dos missionários nesse sen-

tido mostrava forte contrariedade à erudição ao conhecimento científico.

Eles consideravam que as ciências eram humanas e diabólicas. Nos

primeiros anos da igreja o interesse pelo antiintelectualismo se faz per-

ceber nitidamente.

455 Mensageiro da Paz. Outubro de 1937, n.19, p.06. 456 Mensageiro da Paz. Maio de 1940, n.09, p.04.

158

Os missionários Daniel Berg e Gunnar A. Vingren chegaram

aos Estados Unidos justamente em um momento de grande emergência

do fundamentalismo e das oposições ao liberalismo teológico. O funda-

mentalismo protestante do início do século passado atacava a teologia

liberal, principalmente de orientação alemã, que se expandia rapidamen-

te naqueles dias na esteira da secularização. Como nas primeiras déca-

das de pentecostalismo no Brasil só existiam duas, o temor que qualquer

estudo sistemático das escrituras promovesse discussões e ―desvios dou-trinários‖ semelhantes aos que estavam ocorrendo nos Estados Unidos,

fortaleceu ainda mais o senso dos suecos que deveriam se manter afas-

tados de qualquer iniciativa intelectual.

Nos Estados Unidos o pentecostalismo adquiriu formas muito

mais complexas e plurais que no Brasil, e muitos grupos criaram institu-

tos bíblicos e promoveram estudos sistemáticos das escrituras. A

produção teológica ou qualquer mecanismo de tentar entender o mundo,

a realidade e as questões espirituais baseadas na argumentação e na

racionalidade era reprimido pelos mais conservadores. Ao que tudo

indica esse foi o posicionamento dos suecos em relação ao conhecimen-

to científico. O Som Alegre manifestou seu posicionamento em relação

a educação teológica no artigo chamado - O mundo tem entrado nas

igrejas - classificando os teólogos como mundanos, cujos títulos e hon-

ras que não poderiam ser atribuídos a um verdadeiro cristão.

Títulos, honras etc, que se attribuem aos homens

<<espirituaes>> são coisas pertencentes ao mun-

do...Como não é honrado um theologo bem sábio.

Se elle diz que a criação do mundo é um <<my-

tho>> naturalmente é assim. E se elle não crêr assim

tambem – elle é muito sabio. Há pouca diferença

entre o mundo e a igreja. São companheiros os dois

na universidade, no mercado, na vida social, em ca-

sa e na igreja.457

O modelo sueco rejeitava a ênfase no aprendizado formal, bus-

cando sempre uma aproximação muito envolvente com a Bíblia. Esse

comportamento antiintelectualista afetou a educação teológica nos pri-

meiros anos da igreja, desta forma a experiência mística era supervalori-

zada e a livre interpretação da Bíblia foi uma característica marcante na

457 Som Alegre. Dezembro de 1929, p.07.

159

vida dos primeiros crentes. Entre os pentecostais, o ensino muitas vezes

era relegado ao próprio Espírito Santo, como um poder inspirador da

verdadeira sabedoria, ―Elle é o ensinador‖, afirmava o Som Alegre, e a

―direção do Espírito Santo prevalece acima de pensamentos e opini-

ões‖. .458

Essas noções são fundamentais para entender a forma que os

assembleianos construiram a imagem dos comunistas em relação ao

conhecimento.

Se para os assembleianos era o Espírito Santo quem poderia en-

sinar. Em contrapartida eles afirmavam que era no governo dos Soviets

que se encontrava um sistema de ensino que enfatizava o ateísmo, a

religião sem a Trindade, cujos ensinamentos eram orientados pelos prin-

cípios humanos e racionais. O Som Alegre referindo-se à educação na

Rússia afirmava que esta nação investia na educação como uma forma

de propagar uma ideologia anti religião, de tal maneira que ―futuramente obrigarão em todas as escolas, a instrução anti-religiosa. O Atheismo,

será ensinado com as sciencias naturaes, a astronomina, a sociologia e a psycologia‖,

459afirmava o jornal. A sabedoria humana estava em alte-

ridade à uma sabedoria divina. No discurso assembleiano, enquanto a

sabedoria divina vem do alto, a sabedoria humana é adquirida nos ban-

cos escolares, na meditação e experimentação. No artigo - A sabedoria

divina e a terrena - o jornal afirmava que a sabedoria ―que vem do alto é pura, mansa, pacífica, moderada, tratável, misericordiosa, cheia de

bons frutos, sem parcialidade e sem hipocrisia, e a outra é terrena ani-

mal e diabólica‖. 460

Frida Vingren esposa do missionário Gunnar A. Vingren relata

um episódio ocorrido na igreja de Belém. Segundo ela uma mensagem

transcendental vinda diretamente do próprio Deus, afirmava que os Seus

filhos não precisavam do esclarecimento que não fosse religioso. A

mensagem foi colocada como testemunho em um dos seus artigos no

jornal, a fim de servir de aconselhamento aos crentes para priorizarem a

busca pelo poder de Deus e os dons espirituais. Ela relatou:

A sabedoria e a inteligência humanas são boas no

seu logar, e o logar dellas é em cima do altar... Não

pensaremos que o nosso ―Boa Semente‖ irá subir os

458 Som Alegre. Dezembro de 1929, p.03 459 Ibidem p.06 460 Mensageiro da Paz. Julho de 1937. N.13, p.02.

160

degraus da mundanidade, de tal maneira que fique

em actualidades entre os ―doutores de letras‖ e sá-

bios deste mundo. Não é em vão que Jesus diz:

―Graças te dou Pae, porque escondeste estas coisas

aos sábios e entendidos, a as revelaste aos pequeni-

nos‖. ―Porventura não escolheu Deus os pobres des-

te mundo...‖461

Lembremo-nos que a letra mata mas

o Espírito vivifica. Nunca me esqueço de uma men-

sagem dada pelo Senhor, na igreja em Belém, aos

trabalhadores, no fim da escola bíblica: Não bus-

queis sabedoria, busque em mim, quem busca em

mim achará pão para o faminto, paz para a sua al-

ma. Oh; devemos estar cheios do Espírito Sancto,

cheios do amor de Jesus.462

Os questionamentos, indagações e reflexões representavam um

perigo na manifestação dos chamados doutores de letras. Frequente-

mente estes estavam relacionados aos protestantes norteamericanos

ligados ao liberalismo teológico ou também chamados pelos pentecos-

tais de alta crítica. Mesmo após muitos anos de estabelecimento da igre-

ja no Brasil ainda permanecia uma aversão ao pensamento considerado

humanístico. Os primeiros centros de ensino teológicos463

demoraram

quase meio século para serem implantados na igreja e só foram possí-

veis devido a iniciativa de americanos, quando os suecos já não dirigiam

mais a Assembléia de Deus. Nesse contexto quando os missionários

acusavam o comunismo de financiar sistemas de ensino, estava colo-

cando-os na esfera da mundanidade, dos saberes deste mundo.

No discurso dos periódicos assembleianos tanto as dúvidas

quanto os questionamentos deveriam ser repudiados, uma vez a palavra

foi dita, ou lida, deveria ser aceita. Um dos redatores do Boa Semente

alertava: ―Basta de philosophias... urge encarar a gravidade dos tempos que correm, estudando o curso da História à luz das prophecias‖.

464A

oração e a Bíblia seriam os veículos adotados pelos assembleianos para

461 Cf. Tiago 2,5. 462 Boa Semente. Maio de 1926. 463 Destaque para a criação do IBAD - Instituto Bíblico das Assembléias de Deus, fundado em

1958 pelo pastor brasileiro, descendente de alemães, João Kolenda Lemos. Sua esposa, Ruth Doris Lemos, pastora assembleiana, é americana. Por muito tempo eles foram tratatos como

―desviados e rebeldes‖ por muitos assembleianos. Embora no Brasil, o casal permaneceu

filiado à Assembléia de Deus nos Estados Unidos. 464 Boa Semente. Fevereiro de 1927, n. 69, p.03

161

adquirir uma sabedoria que fosse sobrenatural e não humana e terrena.

Em 1937 o texto do Mensageiro da Paz, intitulado - ―O teologismo

humano e a simplicidade cristã‖ - nos fornece um exemplo de como o o

texto bíblico deveria ser considerado:

Há um caminho falso, por onde muito se têm enve-

redado, e em cuja margem me achava eu. É a vereda

do teorismo bíblico, do estudo das letras sagradas,

sob as irreverentes exigências so compasso e da ré-

gua da teologia-teorica, seguido de imediato, inevi-

tável e conseqüente descuido da principal parte da

nossa vida, que é a espiritual [...] Os teólogos são

espiritualmente secos. Curiosos, esmiuçadores da

história, e dos fatos religiosos, em geral, perdem-se,

ordinariamente em pesquisas, quando, na maioria

absoluta dos casos, as dúvidas devem ser excluídas

dos nossos corações, unicamente, pela mão do autor

das Sagradas Escrituras. Enquanto esses teoristas

escavam e encontram papeis, o crente simples, nas

suas escavações (de joelhos dobrados) encontra á-

gua-viva, com abundância.465

Para os assembleianos um grande problema do comunismo seria

a intenção de esconder a existência de Deus das crianças, ensinando-as

desde pequenas que ―não há Deus e que a religião é por si supersti-ção‖.

466 A ingenuidade e falta de conhecimento dos pequenos permitiria

que os comunistas dessem prosseguimento às suas ideologias. Os pro-

fessores teriam adotado uma postura antireligiosa, e seriam os responsá-

veis em esconder a informação da existência de Deus, assim como o

governo estaria exigindo das escolas que instruíssem que Deus não exis-

te. A criação de faculdades para o estudo do atheísmo também é enfati-

zado pelo Mensageiro da Paz, segundo o jornal lá se formariam doutores

responsáveis em disseminar as doutrinas contra Deus, depois de dois

anos de estudos os jovens sairiam ―formados na faculdade de atheis-

mo‖.467

Em contrapartida, os seminários evangélicos estariam sendo

fechados e os alunos presos pelo governo. Escolas criadas com o propó-

465 Mensageiro da Paz. Agosto de 1937,n.15, p.02 466 Boa Semente. Fevereiro de 1930, n.105 p.03. 467 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1932, n.01, 02.p.01.

162

sito de divulgar o ateísmo onde a juventude era instruída para a ―para a

propaganda ateísta‖468

, também eram ressaltadas pelo jornal.

OS COMUNISTAS COMO SERES BESTIALIZADOS

A ―bestialização‖ dos seres humanos também foi um recurso

imagético usado. Os assembleianos defendiam que: ―O regime comunis-

ta leva as pessoas a viverem como animais‖.469

Segundo o Boa Semente

a fome obrigou os russos a comerem cadáveres de bois e cavalos, os

esforços em assegurar a sobrevivência, levou as pessoas a um estado

degradante em busca de alimento. Segundo o Mensageiro da Paz o go-

verno bolchevista oferecia à população de Leningrado, ―batata podre e

peixe cheio de vermes, ao povo que enfrenta horas na fila para receber alimento‖.

470 A imagem destes alimentos cuja dieta inclúi vermes é

explorada. Seja no campo comendo cadáveres seja nas cidades assistido

pelo governo que fornecia ao povo alimento putreficado, a imagem de

alimentos nojentos causava espanto em qualquer leitor.

Para os assembleianos a própria natureza humana estava sendo

modificada pelo regime bolchevista. Segundo o Boa Semente, os ho-

mens movidos pela fome, começaram a devorar uns aos outros como se

fossem bichos. Segundo o jornal as famílias eram desfeitas, as relações

humanas eram destruídas, tudo em nome da sobrevivência e do regime

enfatiza o jornal. Quando o Boa Semente evidencia que: ―Os bolchevis-tas finalmente permitiram o povo entrar nos necrotérios e nos hospitaes

e retira-los para a comida‖,471

estava não somente se reportando a fome

do povo, mas sim ao caráter antropofágico dos homens russos. O corpo

reconhecido pelos pentecostais como o ―templo do Espírito Santo‖ esta-

va desta forma sendo profanado.

A imagem do assasino, também foi relegada aos comunistas. O

jornal Som Alegre relata a história de prisioneiros evangélicos que fo-

ram condenados à morte. O critério para o extermínio é que chama a

atenção: a completa falta de misericórdia. Segundo os religiosos este era

o motivo pelo qual agiam. O relato colocava os prisioneiros evangélicos

468 Mensageiro da Paz. Outubro de 1937, n.19, p,02. 469 Boa Semente. Maio de 1927, n.72.p.02 470 Ibidem 471 Ibidem

163

com o alvo das atrocidades dos carcereiros, pois os algozes ficavam

encomodados com a atitude dos crentes que, por seu comportamento de

calma e resignação, acabou irritando profundamente o chefe dos guar-

das. Foi esse o motivo pelo qual todos foram condenandos a morte.472

A

crueldade sob a sua forma mais brutal foi enfatizada, pois não havia

nenhuma justificativa plausível para tal ato de violência. Segundo o

jornal, logo após ter sido decretada a condenação, os prisioneiros foram

―obrigados a fazer a sua própria sepultura. Depois, cortaram-lhe as pernas, e os braços e lançaram-nos vivos na cova, onde morreram dian-

te dos olhos dos seus algozes assassinos‖.473

Tal discurso é ao mesmo

tempo didático e apelativo, visava descrever, mas ao mesmo tempo

denunciar.

Em antítese aos horrores do comunismo, Vingren relatava a sa-

tisfação de morar no Brasil e poder professar com liberdade a fé no Se-

nhor, ressaltando com a expressão ―ainda‖, que essa liberdade poderia

durar pouco, pois em breve poderia sobrevir uma perseguição religiosa.

Assim ele se posiciou:

Notável é que os próprios bolcheviques dizem e

mantém a esperança de que essa perseguição ou

campanha anti-religiosa há de ser estender por todo

o mundo. Devemos dar graças a Deus, pela liberda-

de que ainda temos, em nosso paiz de servir ao Se-

nhor e proclamar o Seu evangelho.474

EM NOME DA FAMÍLIA

De acordo com os assembleianos uma das características dos

comunistas é que eles prezariam pelo esfacelamento dos lares e dos

valores familiares. A família nuclear cristã encontrava-se desta forma

ameaçada. Um dos objetivos do governo russo seria separar os membros

da família e desta forma causar dor e sofrimento a todo/as. Tal separa-

ção se daria inclusive na morte, negando que os familiares tivessem

contato com os seus entes queridos. Quando um crente morria, ele era

472 Som Alegre. Maio de 1930, n.04, p.03 473 Som Alegre. Maio de 1930, n.04, p.03. 474 Ibidem

164

sepultado sem qualquer cerimônia fúnebre, nem mesmo os parentes

podiam participar do ato, pois o Estado se encarregada de mantê-los

distanciados denunciava o Mensageiro da Paz. 475

O Mensageiro da Paz narra um episódio em que a polícia entrou

no lar e imediatamente deu ordens ao pai de família para seguir com

eles, ―é um triste adeus‖, lamentava o narrador, ―pois naturalmente ele verá a sua esposa e seus filhos pela última vez. Há muito pranto na

casa‖.476

Este discurso evidencia a figura do pai, e remetia a uma ima-

gem de um homem que acima de tudo era o responsável pela manuten-

ção familiar, pelo sustento da casa. No episódio narrado o pai teve que

deixar o seu lar por imposição do Estado, e pelo fato de não voltar, pre-

sumidamente teria seus dias contados. No artigo do intitulado - O Cris-

tão em Sua Casa -, 477

a imagem do pai é evidenciada. Neste artigo a

imagem do pai foi destacada como a personagem central da família, ele

aparece como o único responsável na instrução dos filhos e no direcio-

namento da crença destes. No enrredo desta narrativa, a figura do pai

foi construída enfatizando a responsabilidade que recaia sobre ele na

transmissão dos valores e das crenças aos filhos. O jornal destacava que

se um jovem se tornasse ateu seu pai tinha grande responsabilidade por

isso, e concluía; ―o mau espírito reinante num lar, põe esses alicerces no

caráter dos filhos, por isso de muitos lares cristãos sai uma mocidade

mundana‖.478

A imagem do comunista comedor de criancinha foi explorada

explorada pelos assembleianos quando o Boa Semente relatou que;

―Sorte fora lançada entre as creanças na família, e a creança sobre a

qual a sorte cahira, foi morta e comida pelo resto da família‖.479

Pode-

mos perceber que no discurso assembleiano, a família tão valorizada na

cultura cristã foi sobrepujada pelo senso de sobrevivência, sem piedade

e afeto, movidos pelo instinto, a família se lançou sob a criança se pôs a

devorá-la sem compaixão. A criança por todas as características que

tomou na sociedade ocidental, como símbolo de pureza, fragilidade e

esperança, é aqui explorada.

Em outras publicações anticomunistas no Brasil o tema da in-

fância comunista foi intensamente explorada. A imagem de crianças

475 Mensageiro da Paz. Fevereiro de 1935, n.04, p.01 476 Ibidem 477 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1935, n.02, p.02 478 Mensageiro da Paz. Janeiro de 1935, n.01, p.02 479 Boa Semente Maio de 1927, n.72, p.01

165

morrendo de fome, nuas, desamparadas pela sociedade e pela família foi

empregada pelos assembleianos com vistas à senssibilizar, chocar, cau-

sar repúdio e aversão ao comunismo. O objetivo de utilizar a imagem de

criança era de tocar em um dos pontos mais fortes da sensibilidade hu-

mana, o amor e o carinho pelos pequenos. No testemunho de um mis-

sionário protestante relatado no Boa Semente, o que mais chamava a

atenção é o relato onde ele afirmava ter encontrado na Rússia, quando se

dirigia para o seu veículo ―uma creança nua, a qual tinha só ossos e pelle‖. Esta criança estava abandonada e sem ninguém para acolhê-la.

Ao narrar essa cena, certamente muitos construiram a idéia de que os

comunistas abandonavam suas crianças a própria sorte.480

As crianças de famílias cristãs comporiam o alvo predileto dos

comunistas que com crueldade procuravam exterminar esses seres ino-

centes. Na narrativa do Mensageiro da Paz os comunistas aparecem

tirando as crianças do convívio familiar para logo em seguida extermi-

nar esses pequenos indivíduos. O caráter religioso das ações é valoriza-

do, visto que havia um objetivo em eliminar as crianças. Que objetivo

seria esse? Convencer por meio do sofrimento que a fé dos cristãos po-

deria ser afetada.

Não julgávamos que a crueldade dessas ―feras‖

chegasse ao ponto de exterminar crianças innocen-

tes, apenas, porque são filhos de christãos. Acham,

então, que, possuindo esses innocentezinhos a fé de

seus paes devem, por isso, ser exterminados, sem

misericórdia.481

Essas perseguições não são raras excepções, mas, as

prisões superlotadas, e as multidões deportadas para

as terras gélidas do norte da Europa e da Sibéria,

onde velhos de setenta annos, juntamente com me-

ninos de tenra edade, vão soffrer as mais terríveis

privações, são vozes dilacerantes que cortam nossos

corações.482

As imagens do velho e da criança, como seres fragilizados e

desamparados foram empregadas para denotar o desprezo da sociedade

480 Boa Semente Maio de 1927, n.72, p.01 481 Mensageiro da Paz. Novembro de 1933, n. 22, p.04 482 Mensageiro da Paz. Novembro de 1932, n.21, p.01

166

por estes personagens. Os maltrates dos comunistas ganharam mais

intensidade na narrativa, por tratar-se de pessoas com certa debilitação.

Os comunistas eram frequentemente representados pelos assembleianos

como feras, uma clara imagem que se remete a irracionalidade a anima-

lidade e tudo que os instintos animais representam. Se os comunistas

eram seres capazes de maltratar as crianças e os velhos quem poderia

duvidar que se tratasse de uma gente má?

167

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Escrever é uma tarefa que exige muita dedicação e compromis-

so com as palavras. Interpretar idéias alheias, dispor as palavras no texto

de forma coerente tanto com o sentido do autor quanto com o sentido

que se pretende enfatizar, focar em determinados assuntos em detrimen-

to de outros compreendem sempre escolhas difíceis e geralmente com-

prometedoras. A medida que as palavras surgem no texto e que os temas

são apresentados é revelado não somente uma parte da história que se

pretende narrar, mas a personalidade do autor, seus desejos, seus ansei-

os, seus medos, até porque tudo acaba mas o que se escreve continua.

Essa pesquisa percorreu caminhos que não estavam planejados

no projeto inicial. A medida que foi se revelando uma forma de constru-

ir as compreensões escatológicas, fui percebendo a necessidade de per-

correr um caminho mais longo, deslumbrando o fascinante trajeto que as

fontes vão nos apresentando para percorrer.

Esta dissertação procurou compreender de que forma o comu-

nismo foi representado nos principais periódicos das Assembléias de

Deus no Brasil. A medida que a pesquisa evoluiu, se fez necessário

recorrer aos periódicos publicados pelo pentecostalismo nos Estados

Unidos, e a partir da análise dos materiais diagnosticar em que medida

eles dialogavam. O que se percebeu de imediado foi que a grande maio-

ria dos artigos que se remetiam a questões escatológicas nos Estados

Unidos estavam repletos de acusações ao comunismo. Verificamos a

partir de então que o discurso anticomunista foi extremamente associado

a um discurso escatológico que legitimou um posicionamento político

bem definido nas Assembléias de Deus. A própria tragetória histórica

dos missionários que chegaram ao Brasil permitiu diagnosticar o quanto

eles estavam envolvidos com o discurso teológico e político construido

pelo pentecostalismo nos Estados Unidos, a ponto de utilizarem nos

principais jornais institucionais das Assembléias de Deus do Brasil uma

grande gama de artigos escritos para a realidade estadunidensse. Os

principais artigos de caráter político ou teológico dos jornais Boa Se-

mente, O Som Alegre e o Mensageiro da Paz eram na realidade tradu-

ções de periódicos estrangeiros.

Em alguns momentos é extremamente perceptível a distância

que separa a narrativa criada para circular nos Estados Unidos da narra-

tiva encontrada nos jornais no Brasil, visto que os textos são os mesmos

porém dipostos em realidades diferentes, com especifidades históricas

168

próprias. Embora os contextos sejam diferentes o propósito das publica-

ções permanecia o mesmo: legitimar a teologia pentecostal ao mesmo

tempo em que a utilizava com objetivos políticos.

A partir da análise destes materiais foi se tornou cada vez mais

nítido o quanto uma mentalidade escatológica proveniente principal-

mente dos Estados Unidos forneceu elementos para a construção de uma

mentalidade escatológica no Brasil.

Esta dissertação, tal como todos os textos históricos, é uma

narrativa, construida com pretenções de captar as subjetividades do seu

objeto, mas também permeadas pelas subjetividades dos próprio autor.

Esse texto que trata de um imaginário religioso não pretende determinar

juízo de valor sobre esse imaginário, as pretenççoes deste trabalho se

limitam em refletir sobre as construções culturais que envolvem os dis-

cursos religiosos e ao mesmo tempo convidar o leitor a um envolvimen-

to reflexivo e análitico sobre as dinâmicas da religião em relação a com-

preensão de mundo e de sociedade. Esse trabalho procurou estudar o

pentecostalismo como parte da cutura humana. Como afirma Eliane

Moura Silva, essa perspectiva significa ―apreender um fator identificá-

vel da experiência humana, que se apresenta como imagens que passa-ram através de milhares de pessoas, ao longo de diferentes tradi-

ções‖.483

Estudar a religião presumidamente exige tanto de quem lê quan-

to de quem escreve certo contentamento com a parcialidade. Certa cons-

ciência que o texto não consegue abarcar toda a dimensão que envolve

as crenças e a ação destas sobre o social.

Embora se trate de uma narrativa e de uma interpretação, sem-

pre há uma preocupação impícita de não estar sendo suficientemente

coerente com o que a religião veicula ou agencia para quem está envol-

vido com ela. Colocar as palavras de forma que contemple a todos, que

consiga traduzir a dimenssão subjetiva de toda uma coletividade é uma

tarefa impossível.

Estou certo que tal como toda a narrativa histórica, não conse-

guimos construir uma história tal como ocorreu, resta-nos uma versão.

Diante disto, o que nos cabe é tantar interpretar segundo as fontes, esta-

belecendo uma tênue ligação entre os sentidos afastados no tempo, rela-

ções, aproximações e distanciamentos. Uma das formas de conseguir

isso é mediante a acuidade no trato com o material, no compromisso

483 SILVA, Eliane Moura. Religião, Diversidade e Valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de Estudos da Religião Nº 2 / 2004 / p.05.

169

com a observação teórica e numa relação de abertura espistemológica

que procure decifrar cada questão sem pressupostos de que exista qual-

quer critério ontológico na história, ou inerrente a cultura humana.

Pessoalmente, este trabalho revela a cada leitura que nem todas

as coisas podem ser captadas pelo pesquisador. Trabalhar com a teologia

como discurso revela uma dimensão muito difícil de ser conciliada.

Enquanto o campo do saber humano se preocupa em analisar quais as

questões que levam o homem a se relacionar com o sagrado e quais as

implicações desta relação na sociedade, a teologia interpreta o imaginá-

rio religioso e as religiões como os lugares onde o ser humano tem o

contato com um sagrado em relação de dependência e submissão. Tra-

duzir conceitos teológicos e colocá-los em um enrredo narrativo históri-

co preocupado com a dimenssão cultural da sociedade, não é uma tarefa

fácil embora seja um projeto desafiador.

Muitos estudos trabalham seus temas sem levar em considera-

ção a forma como essa crença é compreendida teologicamente. A perti-

nência teológica geralmente é pouco considerada no conjunto dos estu-

dos da religião. Entretanto esse trabalho procurou estar atendo para a

forma como a teologia foi construida e quais as implicações das suas

interpretações tanto em relação a sua própria formulação como em rela-

ção ao seu espaço na sociedade.

Essa pesquisa se substanciou de outros trabalhos abordando o

anticomunismo no Brasil484

. A medida que as fontes ligadas às Assem-

bléias de Deus foram indagadas, foi ficando nítido o quanto os assem-

bleianos construiram um discurso anticomunista sui generis, dadas as

relações que manteve com o discurso teológico e anticomunista constru-

ido nos Estados Unidos. Estes trabalhos contribuiram de forma signifi-

cativa na orientação do olhar, nas informações que permitem equipara-

ções, aproximações ou distanciamentos e orientações metodológicas.

Embora durante a Guerra Fria o anticomunismo tenha ganhado

outros contornos e o discurso escatológico outras perspectivas, entre os

assembleianos permanece a insistência de que o fim está próximo. Atu-

almente o discurso escatológico enfatiza as catástrofes naturais (especi-

484 Dentre os trabalhos mais significativos sobre o anticomunismo encontram-se: Em Guarda

contra o Perigo Vermelho (2002) de Rodrigo P.S Motta – O diabo é vermelho: Imaginário

anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul -1945-1964 (2003) de Carla Simone Rodeguero – O Ardil Totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30 (1997) de Eliana de

Freitas Dutra – Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros -1931-1934 (2001) de

Carla Luciana Silva. – O anticomunismo na imprensa goiana 1935-1964 (2003) de Maria Isabel de Moura Almeida.

170

almente os terremotos), os problemas climáticos, sociais e econômicas,

as questões consideradas imorais ou não ―naturais‖, o anti/semitismo, a

política internacional de alianças como o Mercosul, o G8, ou a Comuni-

dade Européia, ou a eleição de líderes de grande expressividade política.

As sombras desse passado anticomunista podem ser constatadas nas

publicações mais recentes das Assembléias de Deus, posteriores a pró-

pria queda do Muro de Berlin. Não porque o comunismo seja uma ame-

aça real, mas por que muitas questões que ele representava no passado

permanecem como ameaças nos dias atuais.

Um dos maiores teólogos das Assembléias de Deus, Abraão de

Almeida, defendeu até bem pouco tempo e presumidamente defende,

que um dos perigos da igreja na atualidade é o comunismo visto que é

―totalitarista, evolucionista, materialista e ateísta‖. Para ele os princí-

pios pregados pelo comunismo ainda são altamente perigosos para o

cristianismo. Em um livro recente ele afirmou: ―nos últimos tempos de

todos os inimigos da igreja o marxismo está em primeiro lugar‖. Ele

enfatizou que por toda a parte aonde esse sistema ateísta tem ido, seu

propósito tem sido ―desarraigar por completo o Cristianismo – seja por

investida direta seja por subversão‖.485

Nessa mesma direção percebemos que o comunismo embora

não represente mais uma ameaça forte como movimento político, ainda

permanece nas balizas da construção teológica assembleiana e como

recurso imagético confere poder e legitimidade a uma teologia extre-

mamente pautada no devir.

Os livros de teologia sistemática que são adotados oficialmente

pela igreja constituem a base doutrinária da fé pentecostal, eles ditam as

normas doutrinárias que os fiéis devem seguir e orientam os líderes a

manter a verdadeira doutrina pentecostal. A versão mais popular de

teologia sistemática assembleiana, que serve de base doutrinária às de-

mais publicações da instituição é a Teologia Sistemática de Stanley

Horton. Nesse compêndio de doutrinas podemos verificar que resquícios

anticomunistas ainda compõem e ajudam a estruturar a teologia escato-

lógica da igreja. Ao mencionar os pensamentos que compõem a era do

fim dos tempos Horton se pronuncia assim: ―Muitos daqueles que se voltam contra a Bíblia hoje, abraçam vãs esperanças no progresso

485 ALMEIDA, Abraão. Teologia Contemporânea: Influência das correntes filosóficas e teoló-

gicas da igreja. 4. Ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus. 2002. p. 316.

171

evolucionário ou nos sonhos comunistas‖.486

O que se percebe é que

muito mais do que um discurso anticomunista o que permanece no pen-

tecostalismo atualmente é um modelo teológico que procura compreen-

der a religião, a sociedade e o futuro.

486 HORTON, Stanley M. As últimas coisas. In: HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática.

Uma perspectiva Pentecostal. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus.1996, p.610.

172

ANEXOS

Anexo I

Artigo sobre o Campmeeting de Eureka Springs (1912)- encontro pre-

cursor do Concílio Geral das Assembléias

de Deus (1914). Word and Witness, 20 de Agosto de 1912.

173

Anexo II

Artigo Restauracionista do The Weekly Evangel, 01 de Janeiro de 1916

174

Anexo III

Jornal Boa Semente, Abril de 1927 – Primeiro artigo que representa a

Rússia como uma aliada do Anticristo.

175

Anexo IV

Divulgação da Bíblia de Referência Scofield. The King‘s Business.

Janeiro de 1913, p.49

176

Anexo V

Mapa das dispensações bíblicas publicado no periódico fundamentalista

King‟s Business em. Janeiro de 1913, p.93.

177

Anexo VI

O Plano Divino Através dos Séculos – Casa Publicadora das Assembléis

de Deus. Mapa das dispensações.

178

Anexo VII

Periódico apreendido pelo Deops e indexado ao prontuário do pastor

indexado ao prontuário 456 do pastor Samuel Hedlund em Fevereiro de

1935.

179

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