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Braz J vet Res anim Sci 40 (suplemento 1) 2003 Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science (2003) 40 (supl):20-25 ISSN printed: 1413-9596 ISSN on-line: 1678-4456 Efeitos do jejum alimentar prØ-cirœrgico sobre a glicemia e o período de recuperaçªo anestØsica em cªes Effects of the fasting pre-surgical on glycemia in the anesthesic recovery in dogs Lílian Cotrim NOGUEIRA 1 ; Silvia Renata Gaido CORTOPASSI 2 ; Tatiana Regina INTELIZANO 2 ; Mirian Siliane Batista de SOUZA 2 CorrespondŒncia para: SILVIA RENATA GAIDO CORTOPASSI Departamento de Cirurgia FaculdadedeMedicinaVeterinÆriaeZootecnia Universidade de Sªo Paulo CidadeUniversitÆriaArmandoSallesdeOliveira Av. Prof. Orlando Marques de Paiva, 87 05508-270 - Sªo Paulo - SP [email protected] Resumo O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito de diferentes períodos de jejum alimentar prØ-cirœrgico sobre a concentraçªo sØrica de glicose em cªes sadios, bem como sobre o período de completa recuperaçªo anestØsica destes animais. Os animais foram distribuídos em grupos, de acordo com o período de jejum alimentar: Grupo I: 6 a 8 horas; Grupo II: 12 a 14 horas e Grupo III: acima de 16 horas. Nos trŒs grupos preconizou-se jejum hídrico de no mínimo 2 horas. Todos os animais foram submetidos ao mesmo protocolo anestØsico e a procedimentos cirœrgicos eletivos. As coletas de amostra para a glicemia foram realizadas imediatamente antes da aplicaçªo da medicaçªo prØ- anestØsica e após a completa recuperaçªo anestØsica do animal. Nªo se observaram diferenças entre os grupos em relaçªo à glicemia prØ e pós-anestØsica, assim como em relaçªo ao período de recuperaçªo destes animais. Palavras-chave: Jejum. Anestesia. Glicemia. Recuperaçªo anestØsica. Cªes. Introduçªo O jejum prØ-anestØsico Ø uma prÆtica comum em medicina veterinÆria assim como em medicina humana, e tem a finalidade de garantir que o estômago esteja vazio durante a anestesia, prevenindo, assim, o refluxo de alimentos ou líquidos para o trato respiratório. Sabe-se bem que a aspiraçªo pulmonar de conteœdos gÆstricos Ø uma das principais causas anestØsicas de morbidade e mortalidade. 1 Entretanto, jejuns prolongados aumentam o risco de hipoglicemia. 2 Em geral, o jejum alimentar preconizado para cªes e gatos varia entre 8 e 12 horas 3 , podendo se estender para 12 a 16 horas em carnívoros sadios. 4 Tornam-se exceçıes a esse jejum clÆssico de 8 horas, os 1- Curso de Medicina VeterinÆria da Faculdade de Medicina VeterinÆria e Zootecnia da USP, Sªo Paulo - SP; Iniciaçªo Científica FAPESP 2- Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina VeterinÆria e Zootecnia da USP, Sªo Paulo - SP animais muito jovens, ou aqueles que tenham alguma debilidade sistŒmica, pois podem se tornar hipoglicŒmicos em poucas horas de jejum. 5 Durante a privaçªo alimentar, a energia Ø obtida dos estoques endógenos, sob a influŒncia de mudanças endócrinas. Os animais utilizam diferentes proporçıes do estoque corpóreo de carboidratos, gordura e proteína para manter os níveis glicŒmicos durante o jejum, a fim de manter as funçıes vitais pelo maior tempo possível. 6 A glicemia depende de vÆrios fatores e sua concentraçªo Ø o resultado do equilíbrio entre as taxas de entrada e de remoçªo da circulaçªo. Por isso, todos os fatores que exercem influŒncia sobre a entrada e retirada da glicose do sangue sªo importantes. Recebido para publicaçªo: 06/02/2003 Aprovado para publicaçªo: 17/09/2003

Efeitos do jejum alimentar prØ-cirœrgico sobre a ... · Efeitos do jejum alimentar prØ-cirœrgico sobre a glicemia e o período de recuperaçªo ... e o sistema endócrino. O

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Braz J vet Res anim Sci 40 (suplemento 1) 2003

Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science (2003) 40 (supl):20-25ISSN printed: 1413-9596ISSN on-line: 1678-4456

Efeitos do jejum alimentar pré-cirúrgico sobre aglicemia e o período de recuperação anestésica emcãesEffects of the fasting pre-surgical on glycemia inthe anesthesic recovery in dogs

Lílian Cotrim NOGUEIRA1;Silvia Renata GaidoCORTOPASSI2;Tatiana Regina INTELIZANO2;Mirian Siliane Batista deSOUZA2

Correspondência para:SILVIA RENATA GAIDO CORTOPASSIDepartamento de CirurgiaFaculdade de Medicina Veterinária e ZootecniaUniversidade de São PauloCidade Universitária Armando Salles de OliveiraAv. Prof. Orlando Marques de Paiva, 8705508-270 - São Paulo - [email protected]

Resumo

O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito de diferentes períodosde jejum alimentar pré-cirúrgico sobre a concentração sérica de glicoseem cães sadios, bem como sobre o período de completa recuperaçãoanestésica destes animais. Os animais foram distribuídos em grupos,de acordo com o período de jejum alimentar: Grupo I: 6 a 8 horas;Grupo II: 12 a 14 horas e Grupo III: acima de 16 horas. Nos trêsgrupos preconizou-se jejum hídrico de no mínimo 2 horas. Todosos animais foram submetidos ao mesmo protocolo anestésico e aprocedimentos cirúrgicos eletivos. As coletas de amostra para a glicemiaforam realizadas imediatamente antes da aplicação da medicação pré-anestésica e após a completa recuperação anestésica do animal. Não seobservaram diferenças entre os grupos em relação à glicemia pré epós-anestésica, assim como em relação ao período de recuperaçãodestes animais.

Palavras-chave:Jejum.Anestesia.Glicemia.Recuperação anestésica.Cães.

Introdução

O jejum pré-anestésico é uma práticacomum em medicina veterinária assim comoem medicina humana, e tem a finalidade degarantir que o estômago esteja vazio durantea anestesia, prevenindo, assim, o refluxo dealimentos ou líquidos para o trato respiratório.Sabe-se bem que a aspiração pulmonar deconteúdos gástricos é uma das principaiscausas anestésicas de morbidade emortalidade.1 Entretanto, jejuns prolongadosaumentam o risco de hipoglicemia.2

Em geral, o jejum alimentarpreconizado para cães e gatos varia entre 8e 12 horas3, podendo se estender para 12 a16 horas em carnívoros sadios.4 Tornam-seexceções a esse jejum clássico de 8 horas, os

1- Curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária eZootecnia da USP, São Paulo - SP; Iniciação Científica FAPESP2- Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária eZootecnia da USP, São Paulo - SP

animais muito jovens, ou aqueles que tenhamalguma debilidade sistêmica, pois podem setornar hipoglicêmicos em poucas horas dejejum.5

Durante a privação alimentar, aenergia é obtida dos estoques endógenos,sob a influência de mudanças endócrinas. Osanimais utilizam diferentes proporções doestoque corpóreo de carboidratos, gordurae proteína para manter os níveis glicêmicosdurante o jejum, a fim de manter as funçõesvitais pelo maior tempo possível.6

A glicemia depende de vários fatorese sua concentração é o resultado do equilíbrioentre as taxas de entrada e de remoção dacirculação. Por isso, todos os fatores queexercem influência sobre a entrada e retiradada glicose do sangue são importantes.

Recebido para publicação: 06/02/2003Aprovado para publicação: 17/09/2003

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Efeitos do jejum alimentar pré-cirúrgico sobre a glicemia e o período de recuperação anestésica em cães

Quando a capacidade de reabsorção renal deglicose é excedida, a perda pela urina torna-se um fator de influência adicional àmanutenção da glicemia.7

A glicose é fornecida pela absorçãointestinal da mesma presente na dieta ou pelaprodução hepática proveniente de seusprecursores, por exemplo, carboidratos(glicogênio, frutose, galactose) e aminoácidos(gliconeogênese). Depois da absorçãointestinal, a produção hepática é a principalfonte de entrada de glicose para amanutenção da glicemia normal. Oshormônios epinefrina e glucagonpromovem a liberação da glicose a partirdo glicogênio. Os glicocorticóidespromovem gliconeogênese sendo, portanto,sua ação contrária a da insulina.7

A remoção de glicose é feita por umavariedade de fatores, sendo que a maioriaestá relacionada com sua taxa de utilização.Todos os tecidos utilizam glicoseconstantemente, seja para energia, ou paraconversão em outros produtos (glicogênio,pentoses, lipídeos, aminoácidos). A saída deglicose do sangue ocorre o tempo todo. Apresença de insulina aumenta a taxa deutilização de glicose, por aumentar otransporte ou por aumentar a fosforilaçãodesta no fígado.7

Quando quantidades adequadas decarboidratos estão disponíveis, agliconeogênese é mínima. Entretanto emsituações de jejum, os níveis de insulinadiminuem, acentua-se a proteólise e aliberação de aminoácidos aumenta. Os ácidosgraxos também são mobilizados durante ojejum. Assim um grande suprimento deprecursores para a gliconeogênese ficadisponível.8 Nessa situação a gliconeogênesetem que ocorrer para a entrada de glicose nosangue, uma vez que a absorção intestinal nãoestá ocorrendo.7

A hipoglicemia em pacientesacordados normalmente se manifesta porsonolência, que pode progredir até coma.Em animais anestesiados, não se percebe taissinais de hipoglicemia, a não ser que essadiminuição seja detectada pela determinação

da concentração sangüínea. Por isso éimportante se detectar a hipoglicemiadurante o período pré-operatório.9

Dentre os fármacos utilizados noestudo em tela, os mesmos não interferemcom o metabolismo da glicose noorganismo. Porém, Ishizawa et al.10 aoavaliarem os efeitos da hiper e hipoglicemiana concentração alveolar mínima dohalotano observaram em ratos, que emsituações de hipoglicemia, o requerimentoanestésico é diminuído.

É importante ressaltar que qualquerestímulo que altere a homeostase doorganismo pode ser considerado um agenteestressante e as reações a esse agentecompreendem a resposta de estresse. Demaneira geral, o estresse pode serconsiderado como a luta pela sobrevivência,através de um ajuste comportamental e/oufisiológico, com a finalidade decontrabalançar as condições adversas domeio, que alteram a homeostase.

A ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal é componente da respostaao estresse. O hipotálamo age como centrocoletor das informações internas doorganismo, fazendo a integração da respostaao estresse entre o sistema nervoso central(SNC) e o sistema endócrino. O hipotálamoenvia impulsos ativando o sistema nervosoautônomo e o eixo hipofisário adrenal.11

Como resultado, há estímulo cardiovasculare aumento da secreção de vários hormônios,entre eles o CRH, prolactina, GH, ACTH,ADH, opióides endógenos, catecolaminas ecortisol.11,12 A liberação desses hormônioscausa aumento no catabolismo,disponibilizando metabólitos produtores deenergia, através de lipólise de triglicérides eaumento de ácidos graxos livres na circulação;balanço negativo de nitrogênio, causado pelaproteólise e redução da síntese protéica; ehiperglicemia, pela glicogenólise egliconeogênese.

A anestesia, acompanhada ou não decirurgia, produz uma típica resposta aoestresse, com importantes alteraçõesendócrinas e metabólicas tanto no homem

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Nogueira, L. C. et al.

como nos animais domésticos.4,5,12,13 Osanestésicos inalatórios são os principaisresponsáveis pela resposta ao estresse, porcausarem, potencialmente, depressãocardiovascular e respiratória. Já o propofolcausa diminuição da concentração plasmáticade cortisol em cães anestesiados comhalotano.14

A recuperação da anestesia é umprocesso dinâmico que se inicia na sala decirurgia e o tempo decorrido até a regressãocompleta está na dependência da técnica edos fármacos anestésicos utilizados.15

A medicação pré-anestésica tambéminterfere no tempo e na qualidade darecuperação, razão pela qual se tem dado cadavez mais preferência aos fármacos de meia-vida curta.15

O tempo de recuperação de umaanestesia inalatória é função direta dasolubilidade sangue/gás, da concentração e dotempo de administração do agente, e guardarelação inversa com a ventilação alveolar15. Ataxa de saída dos anestésicos voláteis do SNCé alta, devido à alta solubilidade deste e à grandeirrigação cerebral.16

Em relação à alta anestésica, opaciente deve apresentar-se estável do pontode vista cardiovascular e respiratório, semoxigenioterapia por um período superior a20 minutos, estar consciente, orientado eapto para deambular.15

Aldrete e Kroulik elaboraram umaescala de parâmetros objetivos (Quadro 1) coma finalidade de normatizar os critérios de altada recuperação pós-anestésica (RPA). Atravésdessa escala, são avaliados: atividade motora,respiração, circulação, nível de consciência e

Quadro 1Escala de Aldrete modificada

RECUPERAÇÃO DA ANESTESIA

Consciência Sistema Respiratório Via Aérea Sistema Circulatório Coloraçãode Mucosas

2 � Alerta 2 � FR>10 mpm 2 � PAS > 120mmHg 2 � róseas1 � Responsivo aos 1 � FR<10 mpm 1 � Ausência 1 � 80 <PAS < 120mmHg 1 � Pálidas

estímulos externos de secreção0 � Não responsivo 0 � Dispnéico 0 � Presença 0 � PAS < 80 mmHg 0 - Cianóticas

de secreçãoFR � freqüência respiratória, PAS � pressão arterial sistólica

Materiais e Métodos

Foram utilizados 31 cães, machos efêmeas, de raças variadas, com idade variandoentre seis meses e 5 anos e que apresentavambom estado geral (categoria de risco 1 ou 2).Os animais foram distribuídos em trêsgrupos, de acordo com o tempo de jejumalimentar: Grupo I (n=11): 6 a 8 horas dejejum alimentar; Grupo II (n=10): 12 a 14horas de jejum alimentar e Grupo III (n=10):acima de 16 horas de jejum alimentar. Nostrês grupos se preconizou jejum hídrico deno mínimo 2 horas. Realizou-se exame pré-anestésico através da avaliação da auscultaçãocardíaca e respiratória, observação do graude hidratação, coloração de mucosas, tempode preenchimento capilar e temperatura retal.Em seguida uma amostra de sangue foicoletada para a avaliação da glicemia. Oprocedimento anestésico estabelecido foi oseguinte: na medicação pré-anestésica foramutilizados acepromazina (0,1 mg/kg) emeperidina (2,0 mg/kg) ambos pela via

coloração da pele, atribuindo-se notas de 0 a 2de acordo como grau de recuperação funcional,estando aptos para a alta, os pacientes queobtiverem no mínimo a nota 8.15

Tendo em vista a ausência deinformações relacionadas ao tempo de jejumalimentar adequado, objetivou-se avaliar seo tempo de jejum alimentar pré-anestésicoem cães que foram submetidos aprocedimentos cirúrgicos interfere com otempo de recuperação anestésica, bem comocorrelacionar diferentes períodos de jejumcom valores glicêmicos pré e pós-anestésicos.

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Efeitos do jejum alimentar pré-cirúrgico sobre a glicemia e o período de recuperação anestésica em cães

intramuscular; após 15 minutos foi realizadaa indução da anestesia com propofol (5,0mg/kg) através da via intravenosa. Amanutenção foi realizada com halotano emoxigênio a 100% em concentração suficientepara manter o animal em plano anestésico.Durante o preparo e no decorrer da cirurgia,administrou-se solução de Ringer com lactatono volume aproximado de 5,0 a 10,0 ml/kg/hora, através de veia previamentecanulada. A monitoração do animal foirealizada com auxílio de monitoreletrocardiográfico e de pressão não-invasiva.

Após o procedimento cirúrgico, osanimais foram observados até a completarecuperação, avaliada através da escala deAldrete modificada, onde era necessária aobtenção do escore nove (Quadro 1). Nessemomento, outra amostra de sangue foicoletada para avaliação da glicemia.

As amostras de sangue, de no mínimo2 ml, foram acondicionadas em tubo decoleta para sangue Vacuteiner® com gelativador, onde posteriormente foramcentrifugadas; o soro foi retirado do tubo ecolocado em analisador bioquímicoautomático (RA-100 Clinical Analiser,Technicon®, New York) para a determinaçãoda concentração de glicose da amostra.

Os resultados obtidos foramconfrontados estatisticamente através deprovas paramétricas, empregando-se análisede variância para medidas repetidas seguidado teste de Tukey para a comparação dasvariáveis entre os três grupos. Para acomparação de um mesmo parâmetro entreos momentos inicial e final de um mesmogrupo foi utilizado o teste T de student. Ograu de significância estabelecido foi de 5%

Tabela 1Valores médios e respectivos desvios-padrão da duraçãodo jejum alimentar e hídrico (em minutos) nos trêsgrupos estudados

Tabela 3Valores médios e desvios-padrão de glicemia nos períodospré e pós-anestesia nos diferentes grupos estudados.

Grupos Glicemia Glicemia

pré-anestesia(min) pós-anestesia(min)

G I 71,0 ± 21,30 115,6 ± 36,59G II 71,4 ± 24,50 127,20 ± 65,47G III 86,3 ± 29,15 104,9 ± 23,17

Grupos Jejum alimentar Jejum hídrico

(min) (min)

G I 373,73 ± 34,74 144,55 ± 39,27G II 738,00 ± 33,60 155,50 ± 82,95G III 1254,00 ± 83,43 390,00 ± 189,74

Tabela 2Valores médios e desvios-padrão da duração de anestesiae do período de recuperação nos três grupos estudados

Grupos Duração da Período de

anestesia (min) Recuperação(min)

G I 70,46 ± 11,93 36,36 ± 12,06G II 76,50 ± 32,49 51,00 ± 18,97G III 59,00 ± 29,89 48,00 ± 15,85

Resultados

Os grupos analisados foramestatisticamente similares com relação ao peso,sendo que as médias e desvios-padrão de cadagrupo foram: Grupo I : 12,63±4,86 kg; GrupoII: 10,61±3,46 kg; Grupo III: 17,65±13,65 kg.

Os procedimentos cirúrgicos realizadosnos animais de cada grupo foram: Grupo I: 10ceratoplastias e uma ovario-salpingo-histerectomia(OSH) ; Grupo II: oito ceratoplastias e duas ovario-salpingo-histerectomias (OSH); Grupo III: trêsceratoplastias, quatro orquiectomias e três ovario-salpingo-histerectomias (OSH).

Quanto ao sexo, a distribuição ocorreu daseguinte forma: Grupo I - cinco fêmeas e seismachos; Grupo II - seis fêmeas e quatro machos;Grupo III - cinco fêmeas e cinco machos.

Os valores médios e respectivos desvios-padrão do período de jejum alimentar e hídricoforam calculados para cada um dos três gruposestudados e estão presentes na tabela 1.

Não houve diferença estatística entre osperíodos de duração da anestesia, assim como entreos períodos de recuperação nos diferentes gruposestudados (Tabela 2).

Glicemia

A partir da análise estatística, foi possível

(p<0,05). O teste estatístico foi realizadoatravés de programa de computador12.

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Discussão

O estudo em questão apresentou umgrupo de animais bastante semelhante no quediz respeito à idade (seis meses a cinco anos -animais jovens a adultos), ao peso, distribuiçãodo sexo, e procedimento cirúrgico eletivo ouexperimental, onde os animais não apresentavamnenhuma alteração orgânica prévia.

Ainda em relação ao procedimentocirúrgico, sabe-se que fatores estressantes como,por exemplo, a dor, pode levar a liberação dehormônios, que, dentre outros, promovem agliconeogênese e a glicogenólise, levando aoaumento nos valores de glicemia tanto noanimal como no homem. Dessa forma,optou-se por procedimentos eletivos, uma vezque o animal hígido não apresentaria nenhumtipo de estresse em relação a apresentarqualquer desconforto no período pré-operatório. Assim, pode-se considerar que osvalores glicêmicos no pré-cirúrgico nãosofreram interferência do estresse, e que,portanto, são valores confiáveis.

Em média, os valores glicêmicos noperíodo pré-anestésico permaneceram dentrodo que se considera normal para um cão (de65 mg/dl a 180 mg/dl), a despeito do jejumalimentar. Isso era esperado, uma vez que,estando os animais hígidos, o fígado seria capazde regular a glicemia do animal, através dequebra de glicogênio nele armazenado, emsituações de jejum.9 Não há evidências de queos fármacos utilizados neste estudo(acepromazina, meperidina, propofol e

Abstract

The objective of this study was to evaluate the effects of differenttimes of pre-operative fast on serum concentration of glucose inhealthy dogs, as well as on the complete anesthesia recovery of these

Nogueira, L. C. et al.

observar que não houve diferença nos valores deglicemia nos períodos pré e pós-anestesia entre osdiferentes grupos. Na avaliação entre os momentospré e pós-operatório de um mesmo grupo, houvediferença significativa no grupo I (p=0,0022) e nogrupo II (p=0,0212) (Tabela 3).

halotano) produzam alteração direta na glicemiados animais e do homem. Porém alguns estudosmostraram que a anestesia acompanhada ounão de cirurgia produz uma típica resposta aoestresse, com importantes alterações endócrinase metabólicas tanto no homem como nosanimais domésticos, incluindo elevação dosvalores glicêmicos13,17,18. Os anestésicosinalatórios são os principais responsáveis pelaresposta ao estresse por causarem,potencialmente, depressão cardiovascular erespiratória. Isto poderia justificar o fato dosvalores de glicemia terem aumentado noperíodo pós-anestésico, em relação ao períodopré-anestésico nos grupos I e II.

Segundo Cardoso15, o tempo derecuperação de uma anestesia inalatória é funçãodireta da solubilidade sangue/gás do agenteem questão, da concentração e do tempo deadministração do agente. Como o protocoloanestésico adotado e o tempo de anestesiaforam considerados sem diferença estatísticaentre os três grupos estabelecidos, uma possívelinterferência da glicemia que poderia afetar otempo de recuperação anestésica seriafacilmente observada. Cabe ressaltar que apesarde não haver diferença estatística, os animaisdo grupo I apresentaram recuperação maisprecoce que os demais grupos, embora osvalores de glicemia tenham sido inferiores aosanimais do grupo II. De qualquer forma, nãoé possível inferir ou correlacionar a recuperaçãomais precoce em relação aos níveis de glicemiauma vez que os valores foram similares.

A partir dos resultados obtidos é possívelconcluir que os diferentes tempos de jejumalimentar propostos, associados à idade juvenila adulta, aos procedimentos eletivos, aos temposcirúrgicos entre 50 e 80 min, não apresentamdiferença em relação aos valores glicêmicosobtidos nos momentos prévios e posteriores àanestesia nem alteram o período de recuperação.

Key-words:Fasting.Anesthesia.Glycemia.Anesthesic recovery.Dogs.

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animals. The animals had been divided in to groups, according to thefast period: Group I: 6 to 8 hours of starvation; Group II: 12 to 14hours of starvation; Group III: more than 16 hours of starvation.Water was withheld for 2 hours before anesthesia. All the animalshad been submitted to the same anesthesic procedure and electivesurgery procedures. Blood samples for the glycemia test werewithdrawn immediately before the pre-anesthesia and after the animalcomplete recovery. No differences were observed amone the threegroups considering the glycemia value before and after anesthesia, aswell as relationship the complete recovery period.