286

Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às
Page 2: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às
Page 3: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às
Page 4: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às
Page 5: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Títulooriginal:DUNKIRK

Copyright©JoshuaLevine,2017Copyright©WarnerBros.EntertainmentInc.,2017DUNKIRK,todosseuspersonagenseelementossãomarcasregistradasda©WarnerBros.EntertainmentInc.Copyrightdatradução©CasadosLivrosEditoriaLTDA.,2017

Direitos de edição da obra em língua portuguesa noBrasil adquiridos pelaCasa dosLivrosEditoraLTDA.Todososdireitosreservados.Nenhumapartedestaobrapodeserapropriadaeestocadaemsistemadebancodedadosouprocessosimilar,emqualquerformaoumeio,sejaeletrônico,defotocópia,gravaçãoetc.,semapermissãododetentordocopyright.

Contato:RuadaQuitanda,86,sala218—Centro—20091-005RiodeJaneiro—RJ—BrasilTel.:(21)3175-1030

CIP-Brasil.CatalogaçãonaPublicaçãoSindicatoNacionaldosEditoresDeLivros,RJ

L645d

Levine,JoshuaDunkirk/JoshuaLevine;traduçãoEltonMedeiros.-1.ed.-RiodeJaneiro:HarperCollins,2017.il.

Traduçãode:DunkirkISBN9788595081772

1.GuerraMundial,1939-1945.2.Europa-História,1945-.I.Medeiros,Elton.II.T ítulo.

17-42672CDD:940.5421CDU:94(100)”1939/1945”

Page 6: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

ParaLionel,quemeinspirou.

ParaPeggy,queesperoinspirar.

EparaPhilipBrown,EricRoderick,Harold“Vic”VinereCharlieSearle,comummuitoobrigado.

Page 7: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Sumário

Prefácio“Eunãoovejocomoumfilmedeguerra.Vejocomoumahistóriadesobrevivência.”:UmaentrevistaentreJoshuaLevineeodiretorChristopherNolan

1–Sobrevivência2–Exatamentecomonós3–Olongo,curtoeoalto4–Grandesesperanças5–Contra-atacando6–ParandoosPanzers7–FugaparaDunkirk8–Nenhumsinaldeummilagre9–Ummilagre10–CadêadrogadaRAF?11–UmanovaDunkirk

AgradecimentosBibliografiaselecionadaSobreoautor

Page 8: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às
Page 9: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Prefácio

Certatarde,emKew,noArquivoNacional,abriumdocumentoquecontinhaumrelatório do comandante Michael Ellwood, encarregado das comunicaçõesdurante a evacuação deDunkirk. Ele escreveu, de passagem, a respeito de umtransmissor/receptor Marconi utilizado por um período muito curto de tempoantesdepifarporter“areianogerador”.Issopareciasurpreendente.Comoaareiatinhaentradoemumequipamentotão

precioso? O Marconi TV5 era uma caixa grande, e pensar nisso me lembroumomentaneamentedeLaureleHardytocandopianoemAcaixademúsica.SeráquedoisdesajeitadostinhamdeixadooMarconicairnapraia?SeráqueocapitãoWilliam Tennant, comandante naval em Dunkirk, gritou com eles, frustrado,quandoosdoisforaminformaroquetinhamacabadodefazercomaúnicapeçade equipamento de transmissão? Ou será que ficaram quietos, esperando quealguémassumisseaculpa?Poucodepois,emmaiode2016,fuivisitaropontoondeomolhedeDunkirk

encontra a areia, muito perto de onde o capitão Tennant sediou seu quartel-general. Olhei em volta, vendo a praia apinhada de soldados— ou talvez dehomensquepareciamsoldados—,alémdenaviosdeguerraemalto-mareumnavio-hospital branco, claramente marcado com cruzes vermelhas, atracado no

Page 10: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

fimdomolhe. Fumaça preta subia, ao longe, e o horizonte estava coberto pararemoverquaisquervestígiosdofimdoséculoXX.Eraumavisãoimpressionante:Dunkirkestavaparecidacomoquedeviatersidonofimdemaiode1940.Etambémhaviaoutracoisaimpressionante:oventotinhamudado,eaareiase

espalhavaportodaparte,embaraçandoocabeloefazendoarderosolhos.Quasetodosaliusavamóculosemantinhamosrostoscobertos.Foiquandoderepenteme dei conta de queninguém tinha deixado cair o transmissor. Não houveranenhumsoldadoestabanado.Emmaiode1940,oventosoprouaareiaparadentrodogerador,assimcomoagorasopravaemtodososolhoseouvidos.Passarumtempo emDunkirkme levou a aprender coisas sobre o evento original que, deoutraforma,eutalveznuncativesseaprendido.Éporissoqueinsistoquequalquerinteressadonahistóriadaevacuaçãodeve

visitarDunkirk.Caminharpelaspraiasatéomolhe,exploraroperímetroondeastropas francesas e britânicas mantiveram os alemães à distância, visitar oexcelenteMuseudaGuerra,ocomoventecemitérioeaÉglisedeSaint-Éloi,comasparedesmarcadasporbalaseestilhaços,sãoatividadesque trazemvidaaoseventosdemaioe junhode1940.Apaisagemmantémahistória epreencheaslacunasentreaspalavras.Com este livro, tentei contar uma história diferente — ou pelo menos uma

históriamaisabrangente.EmumamaneiraanálogaacomoumavisitaaDunkirkmostraria a evacuação sob uma nova luz, este livro tenta explicar os eventoscolocando-os dentro de um contexto mais rico— não meramente militar, mastambémpolíticoesocial.Aqui, tentodarumanoçãodecomoeraavidadeumjovem soldado em 1940 e da importância da cultura jovem, em suas diversasformas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e àsvezes na ausência de combate) que levou à evacuação. Além disso, explora oefeito da evacuação até suamais recentemanifestação: o filme deChristopherNolan,em2017.Tiveasortedetrabalharcomoconsultorhistóricodasfilmagens.Foiumprazer

inenarrável—emparteporquegosteideencontrartantaspessoasinteressanteseentusiasmadas,masprincipalmenteporqueessanotávelempreitadatrouxeàvidaum pedaço subestimado da história. No último capítulo, você lerá sobre osesforçosdodiretor,doprodutoredoschefesdedepartamentoparasemanteremtão verdadeiros quanto possível em relação ao evento histórico. Com essesesforços,elespermitiramqueoespíritodaevacuaçãofosserecriadomaisvívidaeverdadeiramentedoqueeu imaginariaserpossível,eo resultadonospermite

Page 11: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

experimentar a história como realmente foi: uma luta dura e desesperada pelasobrevivência,umesforçoquemanteveomundolivre.Nada poderia ser mais importante do que isso. Peço que, enquanto assiste,

você não se esqueça que sem os verdadeiros Tommys, Georges e Alexes,viveríamosemummundomuitomaissombrio—muitosdenóssequerestaríamosvivos.

JoshuaLevineAbrilde2017

Page 12: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

“Eunãoovejocomoumfilmedeguerra.Vejocomoumahistóriadesobrevivência.”

UmaentrevistaentreJoshuaLevineeodiretorChristopherNolan

JoshuaLevine: Você é uma pessoa britânica que vive na América e passa amaior parte do seu tempo lá, então tem essa lealdade dividida. Então, quandodissequequeria transformareste temabritânicoemumfilme,oqueaspessoasdisseram?

ChristopherNolan:Eunãoconteide imediato sobreoassuntocomqueestavalidando.Naverdade,euestavabemlongejuntocomoprojeto.Eutinhaterminadooroteiroantesdedizeraalguém.Emma[Thomas—produtoradeDunkirk]sabiaporqueela tinhamedadoo livrodela [ForgottenVoicesofDunkirk] para ler.Nóstínhamosfeitoumatravessiahámuitosanoscomumamigonosso(queestárealmente no filme em um dos barcos) no espírito de reencenação daquelaviagem.Foiumadasexperiênciasmaisdifíceise,francamente,perigosasquejátive. Fiquei muito agradecido de voltar inteiro, e foi sem pessoas despejandobombassobrenós.Era literalmenteapenasocanal,oselementos,enós trêsemumbarcopequeno.

JL:Evocêfezessatravessiacomoumahomenagem?

CN:Sim.Fizemosumpoucocedodemaisnoano.EraaPáscoa,euachoqueeraabril, emvezdemaio.Estavaumpouco friodemais enós fomosparaDunkirkespecificamente,masnãocomoentusiastasinteressadosemhistória.Sabíamosahistória—tínhamoscrescidocomela,enossoamigotinhaumbarcoàvela,porisso, dissemos que íamos fazê-la. Aconteceu de ser muito, muito difícil seaventurarnocanalemumpequenobarco.Querodizer,éumacoisaconsiderávelasefazer.Opensamentodefazê-loesaberquevocêestá indoparaumazonadeguerraéimpensávelrealmente.ÉaíqueaanálisedoqueDunkirksignificacomo

Page 13: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

mitologia,oucomomitologiamoderna,oucomoquerquevocêqueirachamá-la,não pode ser considerada exagerada. Pois, realmente, ao ficar em um barco efazer essa viagem você entende a bravura das pessoas que a realizaram. Ésimplesmenteumacoisamuitocorajosa.Emmaeeuconversamossobreissoanosmaistardeecomeçamosalerrelatos

deprimeiramão.Estávamoscuriosossobreporqueninguémrealmentetinhafeitoum filme sobre isso — nos tempos modernos —, porque é uma das maioreshistóriashumanas.Émuitouniversal,euacho.Então fizvárias leituras,girandoemtornodecomoabordartudoisso,eporqueaspessoasnãotinhamfeitoissonopassado.E,finalmente,chegamosàconclusãodequearazãopelaqualaspessoasnãoofizeraméporquefoiumaderrota.Eéumfilmecaro.Égrande.Nãoimportaamaneiracomovocêaborda,essahistóriaéépica.Tentamosabordá-lodeumaformamuitoparticular,maséumépicoe,portanto,vocêprecisadosrecursosdoaparato da indústria de Hollywood por trás disso, e conseguir esses recursoscanalizados para uma história de derrota, por maior que fosse, era um poucocomplicado.Mas,naverdade,oquenoslevouàhistóriaéquenãoéumavitória,nãoéumabatalha.Éumaevacuação.Éumahistóriadesobrevivência.Então eu não vejo isso como um filme de guerra. Eu vejo isso como uma

históriade sobrevivência.Épor issoquenãovemososalemães [no filme]eéabordadodopontodevistadamecânicapuradasobrevivênciaemvezdapolíticaoudocombatecorpoacorpo.

JL: Não parece um filme de guerra. Lembro-me de ler sobre a Sala 101 deGeorgeOrwell,quecontémaspiores coisasdomundo, apartirde suaprópriaperspectivapessoal,esseinimigosemrosto,queéopesadelodesuaimaginação,éoqueoaterroriza.O filmeéquaseumfilmede terror,ouumfilmede terrorpsicológico,oualgoassim?

CN:Eudiriaumhorror.Éumfilmedesuspense,mastentamoselevar,instigarosuspensevisceralomáximopossível.Entãovocêentranalinguagemdosfilmesdeterror,definitivamente.

JL:Háquaseumcontrato implícitoque,sealguémvai fazerumfilmesobreosnazistas,temquemostrá-loscomooqueeleseram.Vocêtemsidomuitocorajosopornãofazerisso.

Page 14: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

CN:Não.Bem, quando eu estava começando a escrever— era um esboço noinício, mas ele diz o que está acontecendo —, usei a palavra nazistaconstantemente e tinha pessoas no diálogo se referindo aos nazistas. Eu querialembrarcontinuamenteaopúblicomodernocomooinimigoeramaueterríveleconduzi-los a isso. Mas, em algum momento — acho que foi nas minhasdiscussõescomMarkRylance,queprimeirosejuntouaoprojeto—,percebique,porqueeutinhatomadoadecisãodenuncarealmentemostrarosalemães,mesmosereferiraeleserainútil.Vocênãoquerestaremummeio-termo.Ouseja,vocêprecisatentaradotartodooconceitodomaledaideologianazistaeporqueelesforamaspiorespessoasdomundo,ouprecisacontorná-lacompletamente,nãoosmostrando, fazendo-os ser criaturas de algum modo subliminares, tê-los comoumaameaça forada tela.É comoo tubarãono filmeTubarão, quandodebaixod’água;talvezvejamosabarbatana,masnãootubarão.Dessaformanossamente,eatémesmonossosentidoéticodeidentificação,automaticamenteostornaapiorcoisaqueexistenomundo.

JL:Opúblicopodesoltaraimaginaçãoelevá-laparaondequiser.MasporqueestefilmeserávistopormuitosjovensquenadasabemsobreaSegundaGuerraMundial,háumaobrigaçãodesublinharquemeramosnazistas?

CN: Acho que a responsabilidade não é apresentar um retrato enganoso dosnazistas,masonazismoénotadoporsuaausênciae,seé,desdequesejanotado,achoqueestamosnocaminhocerto.VocêquerosentimentodecriseabsolutaeperigonaEuropa.Vocêquerosentimentodessessoldadosbritânicosefrancesesnochãoemummomentocrucialdahistória.Quersentircomoesseéopontodecrisetotal.Eufizisso,dopontodevistacinematográfico,nãopersonalizandonemhumanizandooinimigo,oqueamaioriadosfilmesdeguerra,deumaformaoudeoutra,tendemaquererfazeremalgummomento.DesdeoNadadenovonofront,háuma tendênciaemfilmesdeguerradequerer ser sofisticadoaohumanizaroinimigo. Mas é claro que, quando você se coloca na posição de um soldadonaquelapraia,paraagrandemaioria,oseucontatocomoinimigoéextremamentelimitadoeintermitente.Oquemaisvocêvêsãobombascaindo.Oquemaisvocêouve são tiros a alguns quilômetros de distância, que devem ter sido maisaterrorizantesdoquepodemosrealmenteimaginar,àmedidaqueseaproximavamcada vez mais. O que estamos tentando fazer com a mixagem de som agora édescobrircomocriaresseespaçodeáudio,demodoqueabatalhapareçaestara16quilômetrosdedistância,então11quilômetrosdedistânciae,emseguida,6

Page 15: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

quilômetrosdedistância,eoquãoabsolutamenteterrívelfoiparaosrapazeslánapraia.Éoquevocênão sabequeé importanteno filme.Então,nacenacommaior

exposição,esperodarapenasinformaçõeshistóricasrelevantes.Aideiaéque[ospersonagens]TommyeGibsonnãosaberiamnadasobreoqueestavaacontecendoe, então, receberiam informações inquietantes como “estamos tentando tirar 45mil pessoas da praia”, “há 400 mil pessoas na praia”, então você entende osentimentode“cadaumporsi”.Euestavainteressadonaideiadoqueaspessoasnãosabiamemvezdeexplicar tudooquesabemos.Sevocêestádentrodeumevento, especialmente na época, quando não havia alertas do smartphone doGoogle e tudo mais, é muito difícil ter qualquer perspectiva sobre o que estáacontecendo.UmadascoisasmaiscomoventessobreahistóriadeDunkirkparamim—naverdade,definitivamenteacoisamaisemocionante—éque,quandoessescaras finalmente foramresgatados,quando finalmentevoltaramparacasa,elesforamcomumsentimentodevergonha.Queelesforamparacasa,agrandemaioriadeles,pensandoqueseriamumaenormedecepçãoparaopovobritânicoao regressar e, em seguida, descobriremque erambem-vindos comoheróis foiparamimumadasmaisextraordináriasreviravoltas,emocionalmente,nahistória;e era porque não sabiam o que estava acontecendo. Então, os vemos lendo odiscursodeChurchillnojornal.ElesnãoestariamnoParlamento,nãoteriamsidocapazes de fazer o que os filmes fazem tradicionalmente, que é cortar paraWinston Churchill falando ao Gabinete ou preparando seu discurso. Eles sóteriamacessoaissoapartirdosjornais,paraqueelesentãodescobrissem,apósofato,oqueéqueelespassaram.

JL:Étãointeressanteque,sevocêlerosrelatossobreesseevento,veráquenãoháumaúnicahistória.Ahistóriadecadaumeradiferente.Mas,alémdisso,umamaneirapelaqual issosemanifestaéquealgumaspessoassabiammaisdoqueoutras. Havia todo tipo de rumores estranhos circulando, por exemplo, que osamericanostinhamentradonaguerra.Àsvezesosrumoreseramcorretos.QuandoseespalhouanotíciapelaprimeiravezqueosalemãestinhamrompidoemSedan,isso era apenas mais um boato para as pessoas. Alguns tinham uma noção domotivo de eles estarem se retirando, enquanto outros não tinham nenhuma. Aspessoas pensavam que seus próprios batalhões haviam feito algo errado eestavamsendotiradosdaslinhascomocastigo.Elasvoltavamparaaspraiassemnenhumaideiadomotivodeelesestaremlá.

Page 16: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

CN:Sim.

JL:Háalgumparalelomoderno?AspessoasvãoveresteeventocomoalgoqueaconteceuXanosatrásouvãovê-locomoalgoquepoderiaacontecerdenovo?

CN: Uma das grandes desgraças do nosso tempo, uma das coisas horríveis edesafortunadas da crise dos imigrantes na Europa, é que estamos literalmentelidandocomamecânicaeafísicadeumnúmeroavançadodepessoas tentandopegarumbarcoparadeixarumpaís e chegaraoutro. Issoéalgo significativo,creio eu. É uma ressonância horrível, mas é muito fácil em nossos tempostecnologicamenteavançadosesqueceroquantoafísicabásicaentraemjogoeéintransponível.A realidade é intransponível.Portanto, háumgrandenúmerodepessoasemumlugar,queprecisamchegaraoutrolugar,enãopodemvoar,eelastêm de entrar em barcos — superlotando as embarcações, com esse desejohumanodesobrevivência...éabsolutamentehorrívelverissoemnossasprimeiraspáginas nestes dias e tempos atuais. Mas está lá. Assim, com o que estáacontecendo no mundo hoje, não acho que seja possível ver os eventos deDunkirkcomoalgodeoutromundoououtraera.

JL:TambémnãoéinteressantecomoDunkirkestáemvogahojeemdia?Muitasvezesentrepessoasquerealmentenãosabemoqueera.DuranteoBrexit,Dunkirknuncasaiudosjornais.Pró-Brexitenfatizaramque“issoébomparanós”porquenaquela época, depois de Dunkirk, estávamos sozinhos em uma situaçãomuitoincerta, e estávamosnonossomelhor.Edepois doBrexit, estaremospor contapróprianumasituaçãoincertae,maisumavez,estaremosnonossomelhor.

CN:Bem, issoéumpoucocomoa filosofiadebater acabeçacontraaparedepara poder se sentir bem quando parar. “Vamos precipitar a crise para quepossamosserumpaísmelhor”pareceestranho.MasDunkirksemprefoiumtestedeRorschach,eesperoqueofilmetambémsejaassim,porqueopróprioeventoresiste às interpretações políticas específicas. Convida a interpretaçõesuniversais e tem um apelo universal, e essa é uma das razões pelas quais euremovialinguagemdonazismoedosalemães.Sónãonosreferimosaeles.EnãousamospalavrasquesereferemàInglaterra,nosreferimosà“casa”porqueéumconceito universal, porque o que é importante sobre a história para mim é asimilaridadeeauniversalidade.Aspessoassempreenxergamoquequerememumeventonacionalcomoeste,vãofazerparalelosouusá-loparajustificarsuas

Page 17: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

opiniõespolíticas.Osfilmes,naminhaopinião,raramentesãoeficazesseforemabertamentepolíticos.Nãoéqueelesprecisamserneutros—elesprecisamterumpontodevista.Mastêmqueseruniversaiseuniversalmenteenvolventes.Elestêmqueolharparaquaisrecursosdahistóriasãofazertodosseidentificarem,nãoagruposespecíficosdepessoascomopiniõesespecíficas.Oseventosnacionaissão obviamente muito vulneráveis à apropriação por diferentes entidadespolíticas, e isso éproblemático.Maséuma razãopara fazero filme,naminhaopinião,porquequeremosfazerofilmeparaaspessoaspoderemexperimentarasemoçõesdoevento,edepoisfaçamdeleoquequiserem.Eu tento nunca ser autoconsciente sobre a relação entre o mundo que estou

vivendoeexperimentandotodososdiaseomundoquepretendocriarnofilme.Obviamente,tudooquefaçoémaisdaminhaexperiêncianomundo,masomundomuda,entãooBrexitnãoeradeformaalgumaumarealidadeatéomeiodofilme.E isso significa que literalmente transforma o mundo na Grã-Bretanha para ofilmeque recebemos.Nãohádúvida. Issoévida.Nãohánadaquevocêpossafazersobreisso.Então,especificamenteporisso,nóssempre,nanossafilmagem—eu,meucorroteirista(euescreviesseroteiroeumesmo,masemoutrosfilmeseu tive corroteiristas), Emma e todos — tentamos ser sinceros sobre aspreocupações e crenças emedos que vão para a escrita e elaboração do filmesemfazerdeclaraçõespolíticasexplícitasouconexões.Porquetentarefazerissoraramente funciona em filme. Amídia é diferente. Documentário é diferente, atelevisãoédiferente,amúsicaédiferente.Cadameiotemsuacapacidadedesecomunicarcomaspessoas,ecomosfilmesháumahabilidademuitoespecífica.Éumpoucocomoquandovocêestá tentando fazerumsommais alto e sedeparacomumalimitaçãomuitoespecífica;quandovaimuitoalto,começaasoarmaissilencioso, o som perde seu poder; portanto, você não pode virar esse seletormuitolonge.Omesmovaleparaqualquercoisaquefaçavocêseapaixonarporumahistóriaemumahistória.Sevocêtentarserdidáticoimediatamentetorna-sesuspeitoparaaspessoas.Elesnãosentemnada.Elesnãosentemoquevocêestátentandosentir.Eurealmentequeriaestardentrodahistória.

JL:Parece-mequesetornoumaisimediatamenterelevante,nãoapenasdopontode vista da universalidade,mas de um ponto de vistamais específico. Tem-seargumentado,porexemplo,queestamosnosaproximandodeumpontodeviradasocialepolítico—ondeoinaceitávelsetornaaceitável—queésemelhanteàsituaçãoquelevouaDunkirk.

Page 18: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

CN:Éumproblemaquesurgeaofazerumfilme.Vocêcorreoriscodemúltiplasinterpretações,correoriscodeaspessoasseapropriaremdahistóriaquevocêcontou.Mascertamentealutaprimordialentreobemeomalnofilme,eaideiadopovobritânico,opovobritânicomoderno,emriscofísicodeforçasdomal,euachoqueémuitorelevante.

JL: Onde isso se encontra no seu próprio desenvolvimento? Muitos de seusfilmes tiveram protagonistas masculinos que são solitários e têm traçosidentificáveis, e omundo é visto de seu ponto de vista, mas isso é diferente?Ondeissoestá?

CN:Éumpoucocedoparaeudizer.Intelectualmente,quandocomeceioprojeto,percebi que o que liga Dunkirk com outros projetos que fiz foi a ação e osuspense—umsentimento,umespíritodeaventura,sevocêquiser,acapacidadede imersão do filme. Eu queria trazer todas essas ferramentas para darsustentação, mas é diferente do que fiz no passado. No entanto, existemsemelhanças. Se você olhar paraAmnésia, por exemplo, há uma forte conexãoentreogênerodedesconstruçãoeasambiçõesdocontadordehistórias.Existeummodomuitosubjetivodecontarhistórias,queinverteumpoucooelementodonoir, por isso é tanto um filme noir e um filme de desconstrução do noir aomesmo tempo. Este filme é ambientado na Segunda GuerraMundial, por isso,sempreserávistopormuitaspessoascomoumfilmedeguerra,masamecânicado gênero que estamos empregando é a de um thriller e o thriller modernoparticularmente. Essa relação entre o ponto de vista narrativo e o gênero, ougênerodedesconstrução, temaparecido em todososmeus filmes emmenoroumaiorextensão,por issohámuitoacontecendonofilme,domeupontodevista.Hámuitos fundamentos estruturais e temáticos que se relacionam com osmeusdemais filmes, mas as pessoas não têm consciência disso, e elas vão apenasdesfrutardaexperiênciadessesfilmes.Então,ondeissomedeixaoumeleva,émuitocedoparadizer.

JL:Então,dequaisfilmesdeguerravocêgosta?

CN: Um dosmeus favoritos— um dos filmes quemais admiro— éAlém dalinhavermelhadeTerenceMalick.Nãotemquasenenhumarelevânciaparaestefilme,mastemtidorelevânciaparamuitosdosmeusoutrosfilmes.EuachoqueaAmnésia está muito em dívida com Além da linha vermelha. Na verdade,

Page 19: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

chegamos a projetá-lo para este filme, mas não era relevante, exceto em umsentido-chavedetextura,sentidoestético,queéalgoqueéatemporal.Eleémuitoacessível e contemporâneo, ainda que seja sobre a SegundaGuerraMundial, eissoeracertamentealgoquequeríamostentaralcançarnatexturadonossofilme,mas,noquedizrespeitoaosfundamentosartísticoseàformacomoahistóriaécontada, eleébemdiferente.Nãobusqueimuitos filmesdeguerra.DemosumaolhadaemOresgate do soldadoRyan deSpielberg, que também foi instrutivoporque tem uma estética de filme de terror. Ele aborda a intensidade e asanguinolência de uma maneira tão absoluta e bem-sucedida, que você sentevontadedeirparaoutrolugar.Nãodáparacompetircomessefilme.SeriacomotentarcompetircomoCidadãoKane.Querdizer,éincomparável.Esseéohorrorda guerra bem ali. Então, nós fomos mais em uma direção de suspense. Nãoassisti amuitos filmes de guerra porque li—eu achoque está reimpresso nasnotasderodapédoBlu-RaydaCritérioEdiçãodeAlémdalinhavermelha—umtrechoescritosobrefilmesdeguerraporJamesJones,autordoromanceAlémdalinha vermelha, e é humilhante. Este é alguém que esteve em guerra e tinhaescrito sobre a guerra, e ele expõe os dispositivos, as besteiras de filmes deguerradeumaformaimpiedosaque,paraumcineastasentadoparaescreverumfilmedefinidoduranteummomentorealdahistória,foiextremamenteassustador.Umadascoisasqueelequestionaé:“Oquemais sepodedizer sobreaguerradepoisdeNadadenovono front?”EntãoeuvolteiaassistirNadadenovonofront,queeunãotinhavistoemmuitos,muitosanos.Éumfilmemuitoantigo—eu assisti à versão com som, e é incrível como é abrangente enquanto umadeclaração sobre a guerra, o quão horrível é a guerra. Mesmo que a arte docinemaestivesseaindamaisemsua infânciadoqueagora—épretoebranco,maltemsom—,éextraordinariamentebem-feito.Eemvirtudedofatodequeésobre os alemães, mas feito no sistema de Hollywood, o ponto de vistaantinacionalista é tão poderoso, tão forte. E isso é o que o eleva acima dequalquer outro filme de guerra feito: é um filme antiguerra, devo dizer. É tãoimplacávelemsuadescriçãodecomoaguerraéhorrível,étãoimparcialemsuadescrição de como mitos nacionalistas, mitos jingoístas, propagam a ideia deguerracomoglorificação.Nãoachoqueelesteriamsidoautorizadosafazerissosefosseumaobrasobreosamericanoseosbritânicos.

JL:Muitosdessesfilmesfalamdoperíodoemquesãofeitos,eNadadenovonofront foi certamente uma reação à guerra que terminaria todas as guerras.Edamesma forma, O dia mais longo dos dias foi uma reação a essas pessoas

Page 20: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

começandoaenvelhecer,foiumacelebraçãodoqueelestinhamfeito,realizadoenquantoestavamseaposentandocomseus60anos.Muitasvezes,essesfilmesdeguerra dizemmenos sobre a guerra e mais sobre o momento em que eles sãofeitos.

CN:AchoquefoiopontodeJamesJones.EleestavadizendoqueNadadenovonofrontbasicamentedizoqueprecisaserditosobreaguerra—queaguerraéumacoisaterrível.Estoutentandolembrardesuaspalavrasexatas.Éalgocomo“todososdiasaguerra tornaoshomensmaisparecidoscomanimais”,e issoétudoqueháadizersobreisso.Nãoháglórianela.Éumadeclaraçãomuito,muitoclara,extremaehorrívelsobreaguerra.

JL:Entãooseufilmeéumaespéciedesucessordisso?

CN:Não,não.Porqueeufiztalleitura,talpesquisa,efuilevadomaisnadireçãoqueeujáestavaindo,nãofazendoumfilmedeguerra,masfazendoumahistóriadesobrevivênciaporqueeraissoqueeumesentiaconfiantedefazer.Eunãoluteiemumaguerra,eelaéomeupiorpesadelo.Nãoconsigome imaginar fazendoisso.Euquerofalarporpessoasquelutamnaguerra.Eassim,paramim,torna-seuma história de sobrevivência, torna-se um thriller, torna-se um filme desuspense,eé issoqueDunkirképaramim. Issoéoqueaevacuaçãoé.Éumahistória de sobrevivência. Portanto, os termos do sucesso ou do fracasso paramim são a sobrevivência, e é por isso que o homem no final diz “tudo o quefizemos foi sobreviver”. Porque nos termos deDunkirk, isso era o necessário.Essaeraadefiniçãodesucesso.Edaíquevemo“Dentrodaderrotahávitória”doChurchill.Essa é a situaçãoparticular que eume senti confiantepara tentardizer.

JL:Alguémemsuafamílialutouemumaguerra?

CN:MeuavômorreunaSegundaGuerraMundial.EleeraumnavegadoremumLancaster.

JL:MeuDeus!Vocêsabeaquantasmissõeselesobreviveu?

CN: Ele sobreviveu a mais de quarenta. Ele estava a apenas uma missão daaposentadoria,naqualvocêentravadepoisde42missões, eelemorreuna41.

Page 21: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Iam,então,instruirnovospilotoseeleestavaalimesmo—sim,elefoienterradonaFrança,efomosvisitarseutúmuloenquantofazíamosofilme,oquefoimuitoemocionante. Ele estava na casa dos 30 quando morreu e era o velho datripulação,elesolhavamparaelecomoumafigurapaterna.Querdizer,eleseramcrianças.Tinham18,19.

JL:Vocêassisteaseusfilmes?

CN:Sim,sim.

JL:Equandoassisteaseusfilmesvocêosjulga?Comovocêassisteaumfilmequefezháváriosanos?

CN: Quando eu digo assistir ameus filmes novamente, quero dizer que acabofazendo isso por várias razões, para o lançamento de vídeo, por isso e aquilo,todootipoderazõestécnicas.Eentão,derepente,meusfilhosestãointeressadosemverOCavaleirodasTrevasouoquequerqueseja,eeuvousentareassistircomeles.Demaneirasdiferentes,elesdesaparecemaolongodotempoeparodevê-los. Faz muito tempo que eu vi Amnésia ou outro filme qualquer, e entãosurgirá alguma razão para assistir ou para ter uma exibição. Há cineastas quenunca assistem aos próprios filmes. Estou sempre interessado em assistir aosmeusporqueelesmudamaolongodotempoàmedidaquemeafastodeles—háummomentointeressanteaoqualvocêchega,queéquandovocêosvênovamentealguns anos depois, emuitas vezes o sofrimento de fazer o filme foi embora evocêpode apreciar o quevocê fez.E se você está relativamente satisfeito, emseguida,algunsanosdepoisdissovocêvaivê-loevocêsóvaiveroserros,vocêsóvaiverasfalhas,eissoémuitodesconfortável.Eentão,aindamaisalém,vocêcomeçaaapreciá-losdeumaformamaisobjetiva—oqueébom,oqueéruim—eelessetornamumpoucomaispartedotempodeles,eusuponho.

JL:Sim.

CN:Oquenãoéumpensamentofeliz,porquevocênãoquerseverenvelhecendoesendocadavezmaispartedeumdeterminadotempo,masésempreassim...

JL:Mascomovocêpoderiaserqualqueroutracoisa?

Page 22: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

CN:Sim,éoquetodosnóssomos.Portanto,suamaioraspiraçãoéfazerumfilmequesejaatemporal.

JL:VocêestápreocupadoqueahistóriadeDunkirkvaiser—certamenteporumtempo,porumageração—suahistóriadeDunkirk?

CN: Isso traz uma responsabilidade, sim, e estou consciente disso. Mas éprovavelmenteumadas razõespelasquaiso filmenão tentasercompreensível.Não lidamos com a política da situação. Não lidamos com a visão de mundomaior em torno dele, porque eu acho que seria muito assustador umaresponsabilidadedetentareseapropriardeumapartecomplexadahistóriaquevocênãopoderealmentedestilar.EstouconfortávelemapresentaraexperiênciadeDunkirketerquedefinirpor

umperíododetempo,pelospróximosanos,quaisasideiasdaspessoassobreoqueaexperiênciateriasido,porquemesintoqualificadoparafazerisso,porquepesquisamosefomoscapazesdefilmardeformacompreensível.Masemrelaçãoàsimplicaçõesmaisamplasdahistória,daprópriahistória,eunãoqueroassumirisso.Eeuachoqueofilmenãofazisso.Nãoachoqueofilmefingeisso,entãoeuachoqueéimportante.Ofilmetemumaqualidadedesimplicidadequepossibilitaimaginar muitas, muitas outras histórias interagindo. E isso é muito, muitodeliberado. Isso é parte da razão para a estrutura. Queremos possibilitar àspessoas o espaço para entender que existem muitas, muito mais experiênciasenvolvidaseestamosapenastentandodestilarcertosaspectosdelas.

JL:Issoéalgoqueescrevinolivro:

Cadaindivíduopresentenaquelapraia,nomolhe(olongodoquebra-mardeondequasetodasastropasforamevacuadas)ourecuandoporterra,montadoemalgumavaca,relataumarealidadediferente,e,ladoalado,essasrealidadesmuitasvezessecontradizem.Bastaanalisarumelementocrucialdahistória:haviaumaáreaextensadepraias,ocupadaspormilharesdepessoasemdiferentesestadosfísicosementaisdurantedezdiasintensos,comtudomudandomuitodepressa.Comoessashistóriaspoderiamnãosecontradizer?Omundointeiroestavanaquelaspraias.

Issomepareceseraessência.Vocêconcorda?

Page 23: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

CN:Sim.Achoqueofilmesebaseiamuitonessamesmaavaliaçãodanaturezailusória da experiência subjetiva individual que define a realidade objetiva.Oque,paravoltaraumaperguntaanterior,éumfiocondutorcomtodososfilmesque já fiz. Trata-se de experiências individuais, de contradições potenciais, derealidadeobjetiva,eofilmetentadeixarespaçoparaumnúmeroquaseinfinitodeexperiênciasehistóriasquesecontradizemoudialogamdemaneirasdiferentes.Contamos basicamente três histórias, que interagem em um ponto. Nóscompartilhamos o ponto em que elas se encontram, e mostramos de onde elessaemevemosquesãoexperiênciasmuito,muitodiferentes.Fiqueifascinadocoma experiência de assistir a um piloto Spitfire se livrar de outro Spitfire, pelacontradiçãomaciçadessaexperiência,queparecemuitocalmaemuitocontroladaparaquemestádefora.Pararealmenteexperimentarepassarporessavivência,como mais tarde o filme mostra, é completamente diferente da visão deexpectador de fora, e isso é, eu acho, algo que sempre me fascinou sobre aexperiênciahumana.Vocêtem400milpessoasnamesmacidade,namesmapraia,na mesma situação — estamos fazendo analogias com diferentes cidades. NaAmérica, você está olhando para uma cidade do tamanho deCleveland.Querodizer,éinimaginável.

JL: Que tipo de soldado você teria sido?Como você teria se comportado emDunkirk?

CN: Sinceramente, não faço ideia. Se você olhar para o comportamento dospersonagensnoroteiro,sãotodospersonagensficcionaisqueeuescrevi,entãoemalgumsentidotodoselessebaseiamemaspectosdaminhapersonalidade.Achoque uma das coisas que a cena no arrastão estava destinada a transmitir— eesperoqueaspessoasaencaremdessamaneira—éodesejodesobrevivência,que só conhecemos de forma primordial e instintiva somente quando testadosfisicamente.Sabemosoquegostaríamosdefazer.Sabemosoquepensamosquegostaríamos de fazer. Achamos que gostaríamos de ser corajosos e altruístas.Querendoounão,vocêsimplesmentenãopodedizeratéqueestejaenfrentandoocanodeumaarma.

JL: Fomos em uma viagem por partes da Grã-Bretanha encontrando veteranosDunkirk.Oquevocêaprendeucomisso?

Page 24: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

CN: Quando olho para isso agora percebo que consegui coisas absolutamentevitais.Maso interessante foique,emboraquandoestávamosfalandocomessaspessoas,euestavahonradoehumilde,nãoestavainspiradoouconscientenaquelemomentosobreoqueexatamenteeuiatirardaquelasconversas.Eusabiaqueeraumacoisainteligenteafazer.Precisávamosfalarcompessoasquetinhamestadorealmente lá se nós estávamos cogitando a retratar as suas experiências. É sóquandoeu realmentevolto aolharparao filmeagora...Quandoeuolhopara acena onde eles veem o cara entrar na água, eu não sei o que esse cara estáfazendo,seeleestásematandoouseeleachaquepodenadar.Masarazãoqueeunãoseiéporqueeuachoqueeumesmopergunteiaele[oveterano]“Eleestavasematando?”Eelenãoteveumaresposta.Eraumacoisadiretaqueelevira.

JL:Oprópriohomemsabiaoqueestavafazendo?

CN:Eunãosei.Exatamente.

JL: Nós gostamos de afixar uma certeza em tudo — “Isso é o que ele estáfazendo”—,quando,naverdade,namaiorpartedotemponemsequersabemosomotivoporqueestamosfazendoalgo.Eemumasituaçãocomoessa,emqueaspressõessãoinimagináveis...

CN:Oqueobtivedasconversascomessaspessoasincríveiséaconfiançadequenosso filmeestápautadoemsuasexperiências.Eusempre tiveessa imagemdepessoasdiferentesvivendoexperiênciascaóticasnomolho,aspessoasdescendoparaosbarcos—haviaosujeitotrazendoáguaparaDunkirk,oquesignificavadescerdobarcoe,emseguida,nãosercapazdevoltarnomesmobarco.Ésóessesentimento de caos.Caos organizado, suponhoque você o chamaria, ou o caosquase burocrático que era aparente nomolhe.Quando esses caras são jogadosparaforadonavio-hospitale,emseguida,sãovarridosparabaixodaestrutura.Émuito interessante ouvir as pessoas falando sobre isso. E também com aquelesujeitoque,emboranãofosseumcivil,vinhadaInglaterraparafornecerágua—umadascoisasquemefascinaéamecânica.ÉporissoqueTommyestátentandoir para o banheiro no início; esse tipo de coisa é interessante, a logística dascoisas.Deondevocêvaiconseguircomida?Água?Comovocêvai...vocêsabe.Nada nunca foi planejado, está sendo feito ad hoc, de repente, você ouve osrelatosdealguémquevoltoucomáguaeviutodososincêndios,daívocêolhaadistânciaenotaquevocêestá indopara lá.Essaéuma imagemonipresenteno

Page 25: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

filme:iremdireçãoaessesfocosdeincêndio.Estánohorizonte.Éoúltimolugarquevocêquerir.Haviatodosostiposdecoisasqueeutinhadessasconversas.Comoeudisse,elasse infiltraramao longodo tempoenãonecessariamentedeformaespecífica.Eeuachoquetambémfoimuitoinformativoperguntarqualeraa interpretaçãodeles doEspírito deDunkirk, porquehá versões tão diferentes.Trêsinterpretaçõesmuitodistintas,comoeumelembro.Paraum,eramosnaviospequenosquerepresentavamaideiadoEspíritodeDunkirk.Paraoutro,era...nãoconsigolembraraspalavrasqueeleusou,maselebasicamentedissequeeratudobesteira.E então a esposadoúltimohomemcomquemestávamos conversandorelacionouoEspíritoDunkirkcomaspessoasqueficaramparatrás.Eeramtodosos três absolutamente categóricos em suaprópria interpretação: é issoque é, éissoquesequerdizer.

JL: Com certeza. Lembro-me de alguém ter dito: “Você só estava preocupadoconsigomesmo.”

CN:Sim.Euachoqueeleeraumadaspessoasmaisinteressantesparaconversar.Oqueeleindicouparanósfoiqueelepassouporexperiênciasdasquaisnãoseorgulhava,mas sentiaque seguiamnormadaquela situaçãoparaaspessoasqueestavamlá.Percebiqueelenãoestavadizendodequalquermaneiraqueeletinhafeito algo de errado ou diferente, mas que havia coisas que não deveriam serfaladas, o que era melhor deixar lá. E para mim toda a relação entre Alex eTommyeGibsonfoiisso.Oobjetivonãoéjulgaraspessoas.Eusentiquehaviaumajanelaqueseabriunaprivacidadedaquelaexperiênciasubjetiva.

JL: Essa pessoa tinha uma história que não contaria. E eu adoraria saber quehistóriaeraessa.

CN: Bem, isso seria uma limitação. Veja, para mim, não ouvir a história erapoderoso. Conhecer as especificidades limitaria isso. Esse é o ponto. Étotalmentesubjetivoparaele.Paraele,eraalgo—eunãodiriaalgoterrível—masalgoprivado.Algodequeelenãoseorgulhava.Algoque,seelefalasse,nãoseriabomparanós.Ehá algomuitoprofundo sobreouvir issodepessoasquepassaram por uma experiência em que dizem: “Não, eu não quero colocar empalavrasparavocê.Contesuaprópriahistória.”Eusósentiqueaquelesujeito,comoriscodesermuitomelodramáticosobre

isso,pornãodizeralgumacoisa—eleveiofalarconoscoedepoisnãonosdisse

Page 26: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

—acaboudizendomuito.Eunãoachoquefoiconscientementeplanejado, foiaescolhaqueelefez.Voufalarcomvocêsobreisso,eumadascoisasquevoulhedizeréquehácoisasdasquaisnãodevemosfalar.

JL:Acho interessante que, quandovocê chega a uma certa idade, a ordemdascoisasmuitasvezesdesaparece.Ashistóriasjánãosemovemdocomeçoaofim.Otempo torna-secadavezmais irrelevante.Paramim,comoadvogadoeagoraescritor, instintivamente quero reordenar as histórias das pessoas, criar umsentido lógico delas. Mas você está vindo de uma perspectiva totalmentediferente,queeuachomuitointeressante.Vocêtratoutantoemseusfilmescomanaturezadotempoque,paravocê,haviaalgomuitohonestosobreisso.

CN:Muito.Meutrabalhoécontarumahistóriademaneiramuitodisciplinadaeordenada,sejacronológicaounão,eeunãoseriapagocomosousefossenaturalparaaspessoasemumaconversa.Porquenãoé.(Nãoestoudizendoqueeunãosoupagooqueeuvalho,porquesoumuitobempagonaverdade!)Arealidadeéquenãoédanossanaturezasercapazderelacionarnossasexperiênciasdeumamaneiratotalmentecoerente.Assim,contarhistórias,emqualquerforma,sempretemvalorna sociedadeporqueéumahabilidadeparticular.Todosnós fazemosisso até certo ponto, mas não é natural. É codificado, é colocar algo em umaforma diferente, e é por isso que o cara não contar sobre essa experiênciaespecífica cria um buraco interessante em nosso conhecimento que, na minhaopinião,émuitomaisexpressivodoqueaspalavrasseriam.Oquequerquetenhaacontecido,achoqueeleestavaciente,emalgumnível,dequeissoseriatrivialparanós,porquejurouaumoficialouapontouumaarmaparaumoficial,ouseriaverdadeiramente vergonhoso, ou não seríamos capazes de entender por que elenãopodiapermitir-seafazê-lo.Sejaoquefor,suaexperiênciasubjetiva,aosetornar uma história, seria reduzida enormemente. Acho muito poderoso einstigantepensarquenãoéumahistóriaeapenasserumpequenovazioemnossoconhecimento,dizendoquevocêvaifecharacortinasobreisso.Econfirmatudooqueapesquisasugeriu,queéquehaviaumagamaenormedeexperiência.

Page 27: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

N

Um

Sobrevivência

OINÍCIODOVERÃODE1940,AnthonyIrwin,umjovemoficialdoRegimentode Essex, tinha sua primeira experiência de guerra. Ao lado de seus

companheiros oficiais, homens que também viviam aquilo pela primeira vez,Irwin acompanhou o batalhão, que, sob a mira de armas e aeronaves epressionadopelaaproximaçãodainfantariaalemã,lutavaerecuavaemdireçãoàcostafrancesa,ocupadaporrefugiadoscivis.Era de tarde quando, sob o ataque de bombardeiros alemães, Irwin viu

cadáverespelaprimeiraveznavida.Osdoisprimeirosapenasoincomodaram,maslogoviuoutrosdoisqueofizeramvomitareapareceramemseussonhospormuitos anos. A diferença não estava no modo como haviam morrido ou nagravidade dos ferimentos, e sim na “indecência” da apresentação dos corpos:dois homens nus, humilhados, inchados e distorcidos, encarnando uma imagempiorqueamorte.Naquela noite, o batalhão foi atacado outra vez. Desesperado, um jovem

soldadocaiunochoro.Irwinpuxouogarotoparao lado,querendoafastá-lodabalbúrdia,masodesesperoparalisaraojovem,queserecusavaasemover.Irwinconcluiu que a única atitude possível seria nocauteá-lo, e ordenou que umsargentodesseumganchonoqueixodosoldado.Osargentoerrou,arrebentando

Page 28: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

os ossos da mão na parede. O soldado voltou à vida de repente e saiu emdisparada,mas Irwin o perseguiu até conseguir agarrá-lo e socá-lo na cara.Ogarotoficouinconsciente.Irwinjogouosoldadoinerteporcimadoombroeocarregouatéoporãomais

próximo.Estavaescuroládentro,eooficialgritouparaquealguémlhetrouxesseumalanterna.Narelativapazdaquelerecanto,Irwinouviuvozessurpresasdeumhomemedeumamulher, e seusolhos aospoucos se acostumaramao ambientepouco iluminado e notaramum soldado, emum canto do porão, transando comuma garçonete belga. “Quem poderia culpá-los?”, pensou. Com a morte tãopróxima,osdoisseagarravamàvida.Irwin era um entre as centenas de milhares de oficiais e homens da Força

Expedicionária Britânica batendo em retirada através da Bélgica, ao longo dacosta. Tinham navegado até a França após a declaração de guerra contra aAlemanha,em3desetembrode1939.Apósmesesdeuma“guerradearaque”,1iniciou-seaBlitzkriegalemãnoOeste,namanhãde10demaio,forçandograndepartedasforçasbritânicasabateremretiradaparaaBélgica,ondeassumiriamasposiçõespré-estabelecidasaolongodorioDyle.Lá,osbritânicoscompuseramoflancoesquerdodosAliados,aoladodoExércitofrancêseobelga,enfrentandooGrupodeExércitoBdeHitler.Maisparaosul,oflancodireitodosAliadoseraamparado pela poderosa linha Maginot, uma série de fortificações altamenteprotegidas,casamatasebunkersqueseestendiamaolongodafronteiradaFrançacomaAlemanha.Durante algunspoucosdiasdemaiode1940,osAliados eos alemães eram

praticamenteequivalentesemtermosmilitares,epareciacertoquehaveriaoutraguerrade trincheiraseconflitos.Deacordocomaexperiênciaanterior,haviaacerteza de que os alemães logo estariam sangrando até amorte no fim de umabatalhacontraasbemprotegidaslinhasdedefensadosAliados.Em vez disso, o que aconteceu foi uma dura lição em guerra moderna aos

comandantesaliados.EntreseusflancostãobemfortificadosficavaaflorestadasArdenas,umterrenosemmuitasdefesasdosfrancesesdevidoàcrençadequeerainexpugnável—apenasquatropequenasDivisõesdeCavalariaedezDivisõesdeReserva da Infantaria protegiam um front de cerca de 160 quilômetros, e osalemãestinhamplanosparaseaproveitardestafraqueza.OplanofoioriginalmenteformuladopelogeneralErichMansteinejápassara

porseteesboçosquandochegouomêsdemaiode1940.Aprincípio,seriafeitoumataqueinicialnaHolandaenonortedaBélgica,queconduziriaosAliadosauma armadilha, enquanto o principal ataque alemão ocorreria aomesmo tempo

Page 29: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

maisaosul,nopontomaisfracodofrontdasArdenas.Esseataqueprincipalserialiderado pelasDivisões Panzer, cruzando o rioMosa, avançando pela área aoredordeSedanesurgindonacostanoroeste,ondedividiriaoExércitofrancêsemdoisese juntariaaoataquevindodoNorteparacercaraForçaExpedicionáriaBritânica.O plano de Manstein era extremamente arriscado. Seria um enorme desafio

logísticoirromperpelaáreaarborizada,eostanquesPanzer,quedavamnomeàsprincipais divisões do ataque, ainda não tinham passado por muitos testes emcampo. O sucesso do plano dependia em grande parte de os ataques fossemempregadosaumavelocidadesemprecedentesaliadoaumintensoapoioaéreo,masoprincipaleraoelemento-surpresa.Casoosfrancesesdescobrissemoplanocom antecedência, a empreitada seria um fracasso. No entanto, em janeiro de1940, os belgas haviam capturado uma cópia do plano alemão anterior, quesugerialançaroataqueprincipalnaHolandaenaBélgica.EraumarepetiçãodaestratégiaalemãdaPrimeiraGuerraMundial,enãohaviaqualquerrazãoparaosAliadossuspeitaremqueosalemãesestavamconsiderandoumaalternativa.OPlanoMansteinenvolviariscosmuitograndes,rompendotãocompletamente

comomodelodepráticatradicionalquemuitosgeneraisalemãesserecusaramasegui-lo.A ideia, contudo,ganhouo importante apoiodogeneralFranzHalder,chefedoEstado-MaiordoExército,alémdoapoiocrucialdoúnicohomemcujaopiniãorealmenteimportavanaAlemanhanazista:AdolfHitler.Asordensforamdeseguircomoataque.Na ocasião, os franceses foram pegos completamente de surpresa. Forças

blindadas e mecanizadas encabeçadas pelo Corpo Panzer do general HeinzGuderian e apoiado pela devastadora Luftwaffe lançaram-se contra as linhasinimigas, abrindo um rombo enorme nas defesas francesas. Tanques alemãespercorriamaFrançasemamenor resistência.Osucessodoplanofezcomque,apenas alguns dias após terem tomado suas posições na Bélgica, os soldadosbritânicos, claramente capazes de se equiparar aos alemães numa luta,recebessemaordemderecuar.Osbatalhõesemretirada,incapazesdevislumbraro quadro geral que se formava na região, buscavam razões para aqueledeslocamento. Os alemães teriam conseguido romper o cerco em algum setorpróximo?Oueraaquelebatalhãoemparticularqueestavasendoenviadoparaaretaguardaporalgumainsubordinação?As unidades britânicas começaram recuando em etapas, avançando entre as

possíveis linhas de defensa. Às vezes, destacava-se uma divisão inteira parapreencherumalacunadistantenadefesa.Aconfusãoaumentavaconformecrescia

Page 30: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

o ritmo da retirada, e começavam a circular rumores. Um deles se provouverdadeiro:umpoderosobatalhãoromperaocercoaosuleameaçavaflanquearoExércitobritânico.Aindaassim,amaiorpartedosbatalhõessequercogitavaqueaquelamovimentação indicassequeestavambatendoem retirada, emuitosnemaomenosmencionavamDunkirk,umnomequesetornarialendário.Todasortedesoldadosestavaemmovimento,deguardasdeeliteatropasde

trabalho não treinadas. Alguns iam a pé, marchando em formação com seusbatalhões ou avançando sozinhos, aos tropeços; enquanto outros viajavam emcaminhões,acavalo,emtratoreseembicicletas—umgrupointrépidofoivistoavançandomontadoemgadoleiteiro.OshomensdoExército,sobfogoesofrendocom falta de suprimentos, estavam com o estado físico emental avariado, nosmaisdiversosestadospossíveis.Walter Osborn, do Regimento Real de Sussex, estava em uma situação

particularmente difícil. Tinha sido condenado a 42 dias de detenção pela“linguagem prejudicial à ordem e à boa conduta” depois de enviar uma cartaanônimaaoprimeiro-ministro,WinstonChurchill,pedindopor“umafolgaparaosrapazes”.Walterseviaemmeioaocombatederetiradacomseuscompanheirosderegimento,mastinhaumagrandedesvantagem:semprequealutacessava,erapreso emumceleiroouporãopróximopara continuar cumprindo a sentença, oquenão lheparecia justo.Emumadesuasqueixasaumpolicialdo regimento,Walterdeclarou:“Umhomemtemodireitodesaberondeestá!”Outrasituaçãoaindamaisincomumeraadopequenosoldadoacomodadoem

um caminhão na estrada para Tourcoing. Em seu capacete de aço e sobretudocáqui, carregando um rifle, o soldado se parecia com qualquer outro — ouniformeatépodiaestarumpoucofolgado,masissonãoeraextraordinário:nãoera esperado dos soldados que se vestissem comoErrol Flynn emA carga daBrigada Ligeira. O que havia de incomum a respeito desse soldado era seucasamentocomoutrosoldado,doRegimentodeEastSurrey.AquelesujeitopequenonaverdadeeraAugustaHersey,umajovemfrancesade

21 anos, casada havia pouco tempo com Bill Hersey, armazenista do 1oRegimento de East Surrey. Os dois tinham se conhecido no café dos pais deAugusta,quandooregimentodeHerseyestavaalocadonasproximidades.Apesarde não falarem uma palavra sequer da língua do outro, estavam apaixonados.Hersey pedira a mão de Augusta em casamento apontando para o pai dela apalavramariage emumdicionário francês-inglêse repetindo“Sua filha...” semparar.

Page 31: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Hersey teve a sorte de seu comandante de companhia ser sentimental e terconcordado — contra todos os regulamentos — com que Augusta vestisse ouniforme do Exército e recuasse junto com o batalhão. Foi assim que o casalacabou fugindo praticamente juntos, recuando com o avanço alemão. Mas aretirada daquele regimento em especial não tinha objetivo definido até LordeGort,ocomandantebritânico,chegaràcorajosaconclusãodequeaúnicamaneiradesalvarumaporcentagemdeseushomenseraenviandoAnthonyIrwin,WalterOsborneorestantedaForçaExpedicionáriaBritânicaemdireçãoaDunkirk,oúnico porto ainda em mãos aliadas. De lá, alguns dos soldados britânicospoderiampegarumnavioàspressasparacasa.Quando os soldados chegaram a Dunkirk, foram confrontados por uma cena

inesquecível.Namanhãdodia27demaio,ocapitãoWilliamTennant,nomeadooficial naval superior deDunkirkpelo almirantado, quenavegaradeDover atéDunkirk para coordenar aOperaçãoDínamo, adentrou uma cidade em chamas,com as ruas cobertas de destroços e todas as janelas das casas quebradas. Acidadeeasdocasestavamcobertaspelafumaçadeumarefinariadepetróleoemchamas, e homens mortos e feridos estavam estirados pelas ruas. EnquantoTennant caminhava pelo local, foi confrontado por uma multidão raivosa desoldadosbritânicos,comosdentesàmostraeosriflescarregadosemriste.Eleconseguiuacalmaradifícilsituaçãooferecendoumgoledeseucantilaolíderdogrupo.Dois dias depois, outro oficial naval chegou a Dunkirk pelo mar, o que o

proporcionou uma das visões mais patéticas de sua vida. Os cerca de 16quilômetros de praia a leste do porto estavam cobertos de pontos negros, astendas de dezenas de milhares de homens à espera. Quando o oficial seaproximou,notouquemuitosalitinhamentradonaágua,fazendofilaparasubirabordo de alguns pequenos barcos em um estado digno de pena. Era uma cenadesoladora,eele seperguntoucomoalguémpoderiaacreditarquemaisdoquealgunspoucoshomensalitinhamqualqueresperançadefuga.Aindaassim,quantomaisalguémseaproximavadaspraiasepassavatempolá,

tornava-seclaroquenãohaviauma imagemnemumahistóriaúnica.Umoficialdo Regimento Real de Sussex relata ter chegado à praia e ter sido saudadoanimadamenteporumpolicialmilitar,queperguntousuaunidadedeorigemantesdeconduzi-lo, com todaa educação,parauma filaperfeitamenteordenada.Umjovemsinaleiro,poroutrolado,alegatersidorecebidoemoutrafilacomum“Dêoforadaquiantesqueagenteatire!”UmsargentodosEngenheirosReaisassistiuaumenxamedesoldadosdesesperadostentandoentraremumbarcoqueacabava

Page 32: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

dealcançaraságuasmaisrasas.Emumatentativadesesperadaderestabeleceraordemantesqueobarcovirasse,omarinheiroencarregadodaembarcaçãosacouo revólver e atirou na cabeça de um dos soldados,mas isso praticamente nãogeroureaçãoentreosoutros.“Apraiaestavaenvolvidaemumcaostãoabsolutoqueaquilonãopareciamuitoinusitado”,relatouosargento.Cadaindivíduopresentenaquelapraia,nomolhe(olongoquebra-mardeonde

quase todas as tropas foram evacuadas) ou recuando por terra, montado emalguma vaca, relata uma realidade diferente, e, lado a lado, essas realidadesmuitas vezes se contradizem. Basta analisar um elemento crucial da história:havia uma área extensa de praias, ocupadas por milhares de pessoas emdiferentesestadosfísicosementaisdurantedezdiasintensos,comtudomudandomuito depressa. Como essas histórias poderiam não se contradizer? O mundointeiroestavanaquelaspraias.E a realidade não era mais ordenada depois que os soldados estavam

embarcados, a caminho da Grã-Bretanha. Bombardeados e metralhados pelaLuftwaffe, alvejadosporbaterias costeiras e temendoapossibilidadede serematingidos por torpedos ou minas magnéticas, os homens até podiam estar acaminhodasegurança,masaindacorriamsériosriscos.Umdostrintahomensabordo de um baleeiro que estava sendo remado da praia até um destróierancorado em alto-mar, que os levaria de volta para casa, era um oficial doRegimentodeCheshire.Ohomemrelataque,enquantoobaleeiroseaproximava,odestróierderepentelevantouaâncoraerumouparaaInglaterra.Tomadopelaemoção,umcapelãodoExércitodeuumpulonomeiobaleeiroegritou:“Senhor!Senhor!Porquenosabandonaste?”Quandoelecomeçouapular,aáguacomeçouaentrarnobarco,oquefeztodososoutrosabordogritaremcomele.Segundosdepois, em resposta à oração — ou quem sabe em resposta ao barulhoincrivelmentealtovindodeapenastrintahomens—,odestróierfezavoltaeveiobuscá-los.QuasetodaaForçaExpedicionáriaBritânicavoltoudeDunkirkparacasaem

segurança. A maioria foi transportada por navios ou grandes embarcaçõesmercantes; as célebres embarcações menores (algumas tripuladas por pessoascomuns, mas a maioria por marinheiros) foram usadas principalmente paratransportarossoldadosdaságuasrasasatéosnaviosmaiores,ancoradosemalto-mar. Se aqueles soldados tivessem sidomortos ou capturados, a Grã-Bretanhacertamente teria sido forçada a fechar um acordo de paz comHitler, a históriateria tomado um rumo muito mais sombrio e nós estaríamos vivendo em ummundocompletamentediferente.

Page 33: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

IssoajudaaexplicarporqueadesastrosaderrotadeDunkirk,seguidadeumaevacuaçãodesesperada,passouaservistacomoumeventoglorioso,umavitóriaarrancada das garras de uma possível calamidade mundial. Embora o Dia doArmistício e amaioria das comemorações da guerra sejam ocasiões sombrias,voltadas para as perdas, o aniversário de Dunkirk sempre lembra mais umacelebração,compequenasembarcaçõesrecriandoasviagenspelocanal.Dunkirké,desdeoprincípio,umsímbolodeesperançaesobrevivência.Quandocomeçouaevacuação,asituaçãomilitardaGrã-Bretanhaeratãograve

que,talcomoacaixadePandora,restavaapenasaesperança.Nodomingode26de maio, foi instaurado um dia nacional de oração. Os serviços na abadia deWestminster e na catedral de São Paulo foram reproduzidos em igrejas esinagogas por toda a Grã-Bretanha, assim como na mesquita de Londres, emSouthfields.Em seu sermão, o arcebispo de Canterbury afirmou que a Grã-Bretanha

precisavaemereciaaajudadeDeus.“Somosconvocadosparatomarnossolugaremum intensoconflitoentreocertoeoerrado”,afirmouele, sugerindoqueosprincípiosmoraisdaGrã-Bretanhaestavamimbuídosdesantidade,alegandoque“defendiamavontadedeDeus”.DeusestavacomaGrã-Bretanha,esóElesabiacomoomalignoinimigoseriaderrotado.Nãoédeseadmirarqueaevacuação,queWinstonChurchillseapressouemclassificarcomomilagre, tenhaassumidouma faceta quase religiosa. Ao que parecia, o arcebispo tinha razão: a Grã-BretanhadefatofoifavorecidapeloSenhor.DunkirksóconfirmouasopiniõesdeescritorescomoRupertBrookeeRudyardKipling,ajudandoadarorigemaumconceitoquesobreviveuàsúltimassetedécadasemeia:oEspíritodeDunkirk.Esse conceito, definido como recusa à rendição ou ao desespero em um

momentodecrise,pareceterseafirmadoespontaneamente.QuandovoltaramparaaGrã-Bretanha, os soldados viam a simesmos como restosmiseráveis de umExércitopisoteado,emuitosestavamenvergonhados.Acabaramficandoconfusoscomarecepçãocalorosainesperada.“Fomoscolocadosemumtreme,ondequerque parávamos, as pessoas vinham com café e cigarros”, diz o relato de umtenente da Infantaria Ligeira de Durham, “Aquela euforia tremenda nos davaevidênciasdequeéramosheróisetínhamosconquistadoalgumavitória.Mesmoqueparanósparecesseóbvioquetínhamossidocompletamentederrotados”.Nella Last era uma dona de casa de Lancashire. No início de junho, ela

escreveuemseudiário:

Page 34: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Estamanhã,fiqueipensandoduranteocafédamanhã,lendoerelendoosrelatosdaevacuaçãodeDunkirk.Senticomose,nofundodeminhaalma,umaharpavibrasseecantasse.Esqueciqueeraumamulherdemeia-idade,quemuitasvezessecansavaesentiadoresnascostas.Ahistóriamefezsentirpartedealgoimortal.

Entretanto, a efusão não agradou a todos. O general de divisão BernardMontgomery,quecomandouda3aDivisãodurantearetirada,sentiu-seenojadoaoverossoldadosandandoporLondrescom“Dunkirk”bordadoemseusuniformes.“Eles se consideravamheróis”, escreveumais tarde, “e o público civil acaboupensandoomesmo.NinguémcompreendiaqueoExércitobritânicosofreraumaderrotaconsiderável”.Uma invasãoalemãeraesperada,eMontgomerynãoviacombonsolhosasexposiçõesdeorgulhoefalsascongratulações.Aindaassim,amaioriaacreditavaque,enquantoaGrã-Bretanhaaindativessealgumachancenalutapelasobrevivência,ossoldadosqueretornavameramheróisgloriosos.Algunscivistambémrejeitaramaquelaeuforia.Umavelhasenhoraassistiuao

desembarquedas tropas alquebradasemDover,nodia3de junho. “Quandoeueramenina”,contouela,“ossoldadoseramtodosmuitoelegantesenuncaeramvistossemluvas”.OrepórterdaMassObservationqueregistrouorelatonotouqueacidadeestavaenvoltaemumaatmosfera inexpressivae sememoçãoque,escreveu,“sópodeserdescritacomosembandeiras,semfloresesemqualquercoisaquelembreasnarrativasdaimprensa”.Apesardoquesentiaamaioria,asautoridadesestavamdispostasaencorajara

emoção e o alívio, algo que Winston Churchill compreendeu intuitivamente.Oliver Lyttelton, que veio a ser membro do Gabinete de Guerra de Churchill,alegaquegrandesliderançastêmacapacidadedeabafarafaculdaderacionalesubstituí-la pela animação. Em 1940, com uma cuidadosa avaliação dasprobabilidades, poucos teriam tomado atitudes decisivas. Apesar de não ser omaisbrilhantedoshomens,Churchill tinhaacapacidadedeanimaropaís.“Elefaziavocêsentircomosefosseumgrandeatoremalgumeventomagistral”,relataLyttelton.Na noite de 4 de junho, os ouvintes do rádio tiveram acesso o relato do

discursodoprimeiro-ministro,pronunciadomaiscedonaCâmaradosComuns.Odiscursonãotentavaignorararealidade:ChurchillfaloudasdivisõesblindadasemecanizadasalemãsvarrendoosExércitosbritânicos,francesesebelgasaonortecomoumafoice,seguidasdepertopela“puramassabruta”doExércitoalemão.Ele falou das perdas humanas e das esmagadoras perdas de armas e

Page 35: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

equipamentos.ReconheceuqueagratidãopelafugadoExércitonãodeviacegaropaís “ao fato de que o que aconteceu na França e na Bélgica foi um desastremilitarcolossal”.Contudo, Churchill também descreveu a retirada como “um milagre de

libertação, conquistado com honra, perseverança, perfeita disciplina, serviçoimpecável, recurso,habilidadeefidelidade inconquistável”.Elesugeriaque,seeraaquiloquelevavamnaderrota,tinhamquepensarnoquepoderiamconquistarcomavitória!EfaloudesuaconfiançadequeaGrã-Bretanhaseriacapazdesedefendercontraumainvasãoalemã:

Lutaremosnosmareseoceanos,lutaremoscomespíritodeconfiançaeforçacrescentes;defenderemosnossailha,nãoimportaocusto;lutaremosnaspraias,lutaremosnascabeçasdepraia,2lutaremosnoscamposenasruas,lutaremosnascolinas;nósnuncanosrenderemos...

Pormaisinspiradorasqueestaspalavraspossamtersoado(aprimeirapáginadaedição do Daily Mirror da manhã seguinte dizia NUNCA NOS RENDEREMOS),sugeriam um futuro difícil. Luta nas ruas e nas colinas implica em luta deguerrilha: o tipo que deveria ser empregada depois que os alemães tivessemconquistadoumaposiçãonaGrã-Bretanha.Alémdisso,Churchill sugeriaqueaGrã-Bretanhatinhaforçasnareserva.Emboraissopudesseservircomogarantiapara seu próprio povo, também enviava uma mensagem aos Estados Unidos.“Vamos defender o forte”, Churchill parecia dizer, “até vocês virem lutarconosco.Mas,porfavor,nãodemoremmuito...”Joan Seaman, naquela época uma adolescente em Londres, lembra-se de ter

sentido medo dos possíveis desdobramentos de Dunkirk, mas ouvir essaspalavrasteveumefeitotransformador.“QuandoaspessoascriticamChurchill,eusempredigo:‘Podeatéser,maseleacaboucomomeumedo!’”GeorgePurton,um soldado do Corpo de Serviços do Exército Real, acabara de passar pelosofrimentodoretornodeDunkirk.ElenãocompartilhavadaopiniãodeChurchilla respeito da evacuação, mas sabia reconhecer uma “esplêndida peça depropaganda”quandoouviauma.Na noite seguinte, em 5 de junho, outra transmissão da BBC impulsionou a

nação.OescritoredramaturgoJ.B.Priestleysepronuncioudepoisdonoticiário,comumafalamuitomaisintimistaqueadeChurchill,emumtomdequemtomauma bebida no bar com os amigos. Em seu sotaque de Yorkshire, Priestleyzombou do comportamento britânico típico que permeava a evacuação de

Page 36: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Dunkirk,doterrívelgolpequesofreramaoprecisaremderesgateantesquefossetardedemais.Elezomboudosalemães:podiamaténãocometermuitoserros,mastambémnãoconseguiramnenhumavitóriaépica.“Nãohánadanelesquealgumaveztenhacapturadoaimaginaçãodomundo”,declarou.Trabalhandocomaideiade que os britânicos são amáveis, paradoxais e quixotescos, Priestley falou doaspecto mais “inglês” de toda aquela empreitada: os pequenos e agradáveisbarcos a vapor, chamados para longe de seu mundo à beira-mar, povoado decastelosde areia e confeitosdehortelã, para se chocar comocenáriohorríveldasminasmagnéticasemetralhadoras.Algunsdosbarcostinhamafundado,mascomissosetornaramimortais.“Enossosbisnetos,quandoaprenderemcomoestaguerracomeçouarrebatandoaglóriadaderrotaparaentãoatingirmosavitória,tambémpoderãoaprendermuitosobrecomoospequenosbarcosavaporfizeramaexcursãoaoinfernoevoltaramvitoriosos.”Na fala dePriestley, assim como emoutras reações à evacuação, é possível

notaroorgulhopelascaracterísticasbritânicasmaisperceptíveis:amodéstia,acamaradagem,aexcentricidade,acrençana justiça,adisposiçãoparaenfrentarvalentões e a superioridade sem esforço. Afinal, ninguém quer ser visto seesforçandodemais.ComoKiplingescreveu,certavez:

Maiorafaçanha,maioranecessidadeDerirdelacomdesprezo

SejaessaamarcadaraçainglesaAtéoDiadoJulgamento!

AhistóriaquesedesenvolviaarespeitodeDunkirkestavasendomoldadaparaseadequar à noçãode identidadenacional.Quando, afinal de contas, umpequenoexércitotevequebateremretiradaemdireçãoàcostafrancesa,desesperadoparaescapar de um inimigo arrogante e muito mais poderoso, só para sair bem-sucedido contra as adversidades e abrir à força o caminho para a liberdade?DuranteaGuerradosCemAnos,éclaro,quandoosinglesesvenceramagloriosaBatalha de Agincourt — ali lutaram, segundo Shakespeare, por “poucosafortunados”,o“bandodeirmãos”.SeanoçãodeoqueéseringlêstinhanascidoemAgincourt,ahistóriadeDunkirkprecisariadepoucaadaptação.As atitudes públicas predominantes podem ser avaliadas pela reação a uma

peçaqueestreouduassemanasapósaevacuação.ThunderRock,protagonizadapor Michael Redgrave, estreou no Neighbourhood Theatre em Kensington. Oautor,RobertArdrey,descreveu-acomoumapeçaparapessoasdesesperadas,ea

Page 37: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

obrafoiumsucessoinstantâneo.HaroldHobson,críticodeteatro,recordaqueotexto teve o mesmo efeito no público que o discurso de Churchill teve napopulação geral. Tornou-se tão popular que a peça foi secretamente financiadapeloTesouroetransferidaparaoWestEnd,oqueenfatizaalinhatênueentreoespíritoespontâneoesuaimposiçãopelasautoridades.Atramagiraemtornodeumjornalista,jádesiludidocomamodernidade,que

se retira para uma vida solitária em um farol nos lagos americanos. Lá, ele évisitado pelos fantasmas de homens e mulheres que se afogaram no lago umséculo antes, quando seguiam para o oeste tentando escapar dos problemas deseusprópriostempos.Aolongodaconversaentreojornalistaeosfantasmas,osparalelos se tornam claros: os mortos deveriam ter se envolvido com osproblemas de sua época, e agora ele deve fazer omesmo.O jornalista, então,resolvedeixarofarolevoltarparaaguerra.Emummonólogodeencerramento,elerepassaasquestõestãorelevantesparaopúblicomoderno:

Temosrazõesparacrerqueasguerrasumdiacessarão,masapenassenósmesmosaspararmos.Entrarnaguerraparaentãosairdela...temosquecriarumanovaordemforadoantigocaos...umanovaordemquevaierradicaraopressão,odesemprego,afomeeasguerras,assimcomoavelhaordemerradicouapragaeaspestilências.Eéparaissoqueprecisamoslutaretrabalhar...Nadadelutarporlutar,esimparaconstruirumnovomundoapartirdovelho.

EssasambiçõessociaiselevadasrevelamcomooEspíritodeDunkirkestavasemodificando.A sensação inicial de alívio (que a derrota não era inevitável) eorgulho (num esforço épico de última hora) combinavam-se com as realidadespolíticasparasetornaralgomaiscomplexoeinteressante.SeAdolfHitlereraumsintoma,enãoumacausa,entãoavitóriatrariaummundomelhoremaisjusto.Entretanto,apesardetodasaspalavrasfaladaseescritas,talvezamanifestação

maisimpressionantedoEspíritodeDunkirkestivessenosdomíniosdaindústriabritânica. Logo após a evacuação, os trabalhadores reconheceram a intensanecessidade demaior esforço industrial. Essa rara convergência entre gestão eforça de trabalho, refletindo um interesse compartilhado pela sobrevivência,talvez tenha sido o ápice desse momento. Na fábrica de SU, em Birmingham,responsávelpelaconstruçãodecarburadoresparaoscaçasSpitfireeHurricane,aproduçãofoiduplicadanaquinzenaapósDunkirk.Ohoráriodetrabalhooficialseprolongara,indodeoitohorasdamanhãàssetedanoite,setediasporsemana

Page 38: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

—e,mesmoassim,muitostrabalhadoresficavamnasbancadasatéameia-noite,depois dormiam nas instalações da fábrica. Um estado inimaginável em quasequalqueroutraépocadoséculopassado.Quando a Blitz— a campanha de bombardeios da Luftwaffe contra a Grã-

Bretanha—dominouopaísduranteoitomesesemeio,entresetembrode1940emaio de 1941, o Espírito deDunkirk e o Espírito daBlitz fundiram-se em umúnico ânimo idealizado, com as bombas indiscriminadas enfatizando anecessidade da união. Ainda assim, a essência de ambos os espíritos era apercepçãoinstintivadequeavidarealmenteimportava.Nosanosdopós-guerra,oconceitodoEspíritodeDunkirkfoiretomadovárias

vezes, enfatizando as críticas ao suposto traço britânico de só se empenhar emtentaralgoquandosetornanecessário,masrecentementefoiusadoemseusentidomais antigo e simples. Em dezembro de 2015, por exemplo, o fotógrafoaposentadoPeterClarksonvestiuseuscalçõesefoinadaremsuacozinhadepoisqueforteschuvasinundaramsuacasa,emCumbria.“Éassimquetratamosessasinundações!”, gritou, enquanto passava pela geladeira, explicando que estavatentando “aumentar o ânimo da vizinhança com um pouco do Espírito deDunkirk”.Quando a equipe doHullCity teve uma vitória no primeiro jogo daPremierLeaguede2016-7,apesardaslesõesdosprincipaisjogadoresedafaltadeumtécnicopermanente,omeiodecampoShaunMaloneyatribuiuoresultadoaoEspíritodeDunkirkdotime.Nessas menções recentes, o espírito de Dunkirk atingiu o clímax durante a

campanha do referendo para o Brexit, em 2016, quando o país foi quasetotalmente dominado por referências ao período. Peter Hargreaves, um dosprincipaisdoadoresdacampanhaLeave,quepediaaopúblicoquevotassememfavordoBrexit,usouaanalogiaparaaúltimavezqueaInglaterrasaiudaEuropa:“VaisercomoDunkirkdenovo”,afirmava.“Vamossairdeláincrivelmentebem-sucedidos,porqueestaremosnossentindo insegurosdenovo.Ea insegurançaéfantástica.”NigelFarage, não satisfeito em invocarDunkirk, tentou reencená-lanavegando uma flotilha de pequenos navios pelo Tâmisa, carregando sloganscomoVOTEPELASAÍDA,VOTEPELORETORNODAGRANDEBRETANHA.Todavia, estas são as palavras e ações de pessoas em situações atuais, com

agendas modernas. Como os veteranos da evacuação descrevem o Espírito deDunkirk?Oqueissosignificou—eaindasignifica—paraeles?Amaiorparteorelacionacomsuasexperiênciasindividuais.RobertHalliday,

dosEngenheirosReais, chegou àFrançano início da guerra e foi evacuadodeBray Dunes no dia primeiro de junho. No que lhe diz respeito, a essência do

Page 39: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Espírito de Dunkirk estava nas unidades de soldados britânicos e franceseslutando ferozmentenosarredoresdacidadeportuária. “Oshomensqueestavammantendoosalemãeslongeedeixandoagentepassarvaliamouro!”,afirma.Eleainda se lembrados soldadosgritando enquanto elepassava: “Boa sorte, Jock,cai fora daqui!” Seus olhos brilham com as recordações desses eventos. OEspíritodeDunkirkpermanecemuitorealparaele.Foi,comodiz,“maravilhoso”.GeorgeWagner,evacuadodeLaPannenodia1odejunho,relacionaoEspíritodeDunkirk à sobrevivência. “Queríamos sobreviver como país. Foi umacontecimentocheiodecamaradagem,todosseajudando.”Nemtodosconcordam.TedOates,doCorpodeServiçosdoExércitoReal,foi

resgatadodomolhedeDunkirk.QuestionadoseoEspíritodeDunkirksignificaalgumacoisaparaele,Oatessimplesmentenegoumeneandoacabeça.E,longedeexperimentaroEspíritodeDunkirk,GeorgePurtonsentequeoExércitobritânicofoivítimadeumaverdadeiratraição.“Fomosenviadosparaalgumacoisacomaqualnãopodíamoslidar”,explicou.EleselembradeDunkirkcomoumtempodeisolamento. “Tinha muita coisa acontecendo, e as pessoas só estavampreocupadas com elas mesmas. Eu ficava pensando: ‘Como diabos vou sairdisso?’”AbatalhadeDunkirkocupaumlugarquasesagradonaconsciênciacoletivada

Grã-Bretanha, tendo gerado experiências e atitudes conflitantes. Sua memóriainspira fortesemoções,enãosóentreosveteranos,masemgentenascidaanosdepois,pormeiodememóriafolclóricadoeventoeinterpretaçõespoliticamenteconvenientes apenas. Como, então, poderia ser abordada por um cineastamoderno?Chris Nolan, um dos diretores mais respeitados da atualidade, escreveu e

dirigiu um longa-metragem sobre a evacuação. Era uma história com a qual jáestavafamiliarizado.“Achoquetodoestudanteinglêsaconhecebem”,explicou.“Estáemnossaalma/emnossosangue,masacheiqueerahoraderetomarafonteoriginal.”Reavaliando a história deDunkirk,Chris desenvolveuperguntas sobreoque

realmenteaconteceu:“Euestavapresumindo,comofazemaspessoasmodernasecínicas, que quando eu olhasse para a verdade encontraria algo decepcionante.QueamitologiadoEspíritodeDunkirkdesmoronariaequeteríamosumconteúdomaisbanal.”Mas,conformeosdetalhesforamsendorevelados,oinesperadofoiencontrado: “Percebi que as simplificações de fato expunham uma verdade.Porque a grande verdade, o espírito da coisa, é que algo absolutamenteextraordinárioaconteceuemDunkirk.Percebioquantooeventofoiheroico.”

Page 40: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Heroico, sim,mas não foi simples. “Quando vocêmergulha na vida real dahistória, pensando em como realmente teria sido estar lá, descobre que foi umeventoincrivelmentecomplicado.Ograndenúmerodepessoasenvolvidas...Eracomo uma cidade na praia. E em qualquer cidade há covardia, egoísmo eganância,mastambémhácasosdeheroísmo.”Eofatodequeoheroísmoocorreuaoladodecomportamentosnegativos,queconseguiuflorescerapesardanaturezahumanabásica,tornatudoaindamaisimpactanteepoderoso.“Issoéoverdadeiroheroísmo”, explica Chris. No entanto, apesar de todos os atos individuais, ofamosodiretorvêaevacuaçãodeDunkirkcomoumesforçoconjuntodepessoascomunsagindoparaumbemmaior.Eeleafirmaqueéissoquetornaoheroísmomaiordoqueasomadesuaspartes—eé,emúltimainstância,omotivoparaelefazeressefilme.Outro atrativo é a universalidade absoluta da história. “Todo mundo pode

entenderagrandezadoqueaconteceu,éumahistóriaprimordial,ébíblica.Sãoosisraelitaslevadosparaomarpelosegípcios.”Istoofereceumpanodefundoideal para o que ele chama de “personagens de tempo presente”, indivíduosanônimossemhistóriaspregressascomplicadas.“A ideiaéqueelespodemseranônimos e neutros, e o público pode encontrá-los e se envolver em suasdificuldadesedesafiosdeseutempopresente”,explica.Aofazerofilme,Chrisvêasimesmocomointermediárioparaopúblico.“O

queestousentindoecomoescolhogravaroqueestousentindo—ouseja,omodocomo conduzo as gravações— atiça minha imaginação sobre como montar ofilme.” Se ele tem uma reação visceral, sente que está no caminho certo.“Enquantofilmo,estousentadonocinemaassistindoaofilme”,declara.E,paraele, contar bem a história requer que ela seja filmada do ponto de vista dosparticipantes, na terra, no ar e no mar. O que significa que quase todas asfilmagensdosnaviospequenosqueacabouusandosãodoconvés,enquantoqueascenasnasaeronavestêmascâmerascuidadosamentemontadasemlocaisondeopúblicopodeveroqueopilotovê.“Aideiaéqueascoisaspareçamreais,queelassejamexperienciadas.Ocinemapuro,paramim,ésempreumaexperiênciasubjetiva.”Oinimigomalaparecenofilme.Soldadosalemãesfazemparticipaçõesmuito

breves, emesmo assim o públicomal vê seus rostos.Mas isso, como ressaltaNolan, reflete a realidade da situação, a experiência subjetiva dos homens napraia. “Olhando os relatos de primeiramão, dá para ver que o contato com oinimigofoiextremamenteesporádicoparaamaioriadossoldadosbritânicos.Euqueria colocar o público nas botas de um jovem soldado inexperiente jogado

Page 41: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

nessasituação,e,segundoessesrelatos,elesnemolharamnosolhosdosalemães.Euqueriaserfiela isso,abraçaranaturezaatemporaldahistória.Essahistóriatem sustentado gerações de interpretações e continuará a fazê-lo porque não ésobreosalemãeseosbritânicos,nãoé sobreasespecificidadesdoconflito.Ésobresobrevivência.Queriaqueofilmefosseumahistóriadesobrevivência.”Naverdade,osverdadeirosinimigosdamaioriadossoldadosbritânicos(pelo

menosaquelesquenãoestavamdefendendooperímetrodeDunkirk)eramaviões,artilharias, submarinos, minas e canhoneiras. Uma batalha contra um inimigoinvisível,quenãopodesercombatido,tocadoequequasenuncaévistoresultaemumfilmedeguerraincomum.Naverdade,aosolhosdeChris,nãoéumfilmede guerra. “É mais um filme de horror do que de guerra. É sobre horrorpsicológico, ameaças invisíveis. O pessoal nas praias tinha pouquíssimacompreensãodoqueestavaacontecendoedoqueaconteceria,eeuqueroqueopúblicoestejanamesmaposição.”Outro inimigo era o tempo. “É a corrida definitiva contra o tempo”, afirma.

“Mas,contraisso,temaduraçãodoevento,compreendendotédio,estase,coisasquenãoacontecem...Elesestãopresos,eédaíquevematensãoeaadrenalina.Otempo se torna fluido ao fazer um filme sobre pessoas em pé, enfileiradas, emumaponteparalugarnenhum.”ChrisNolanpodequererqueseupúblicosesintatãoconfusoedesinformado

quanto os rapazes enfileirados sob fogo tentando conseguir lugar em um barcoparacasa,mas,comooautordeumlivrodehistóriasobreoassunto,eunãotenhoesseobjetivo.Queropintarumretratovívidodoevento,oferecendoaosleitoresum pouco mais de clareza do que ofereceram dois soldados, ao falar com ooficialaviadorAlDeere,do54oEsquadrão,depoisqueseuaviãocaiunaspraias,em28demaio:

—Aondevocêsvão?—perguntouDeere.—Évocêquemdiz—respondeuumdossoldados.—Vocêsestãosendoevacuados,nãoé?—Nãosabemos.

Antesdeexaminaroqueaconteceu,querocolocaroeventonocontextohistórico,deformaqueéimportantesabermaissobreavidadosjovensnaAlemanha,nosEstados Unidos e na Grã-Bretanha nos anos que antecederam a guerra. Nossapróximaperguntaé:oque significava ser jovememumaerade incertezas?DeondeveioDunkirk?

Page 42: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

1 Período entre 3 de setembro de 1939 e 10 demaio de 1940, quando não houve de fato nenhum tipo decombatereal,apenasaorganizaçãoeposicionamentodetropasdeambososlados.[N.T.]2Expressãomilitarquedesignaopontodedesembarquedeumaforçamilitaranfíbia.[N.T.]

Page 43: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

A

Dois

Exatamentecomonós

HISTÓRIADEDUNKIRKÉMUITOmaisdoqueo relatodeummês frenético,envolvendosoldados,marinheiros, tanques,praias,políticosambiciosose

generaistrêmulos.Émaisatédoqueumintensodramadesobrevivênciapessoale nacional. A história de Dunkirk é o relato de todos os homens e mulheresenvolvidos,comseuspassadoseasexperiênciasqueosfizeramserquemeram.Éahistóriadasabordagensdediferentesnaçõesparasuperaramisériadadécadade 1930, de como um exército decidiu evacuar enquanto outro se mantinhadeterminadoadestruí-lo.Alémdisso,éum indicativodacrescente importânciadajuventude,tantopolíticaquantoeconômicaemilitarmente.Começaremos a história pelo viés daGrã-Bretanha, então partiremos para a

Alemanha, para acabar nos EstadosUnidos.Dessa forma, poderemos observarsemelhanças e contrastes, refletindo sobre quem poderíamos ter sido e comoteríamoslidadocomessesacontecimentos.

ReinoUnido

Page 44: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

ThomasMyers,de19anos,foiretiradodaspraiasdeDunkirkem31demaiode1940. Conversando sobre o evento, anos mais tarde, o soldado da InfantariaLigeira de Durham relaciona seu comportamento da época ao de um avestruz,sempre tentandoenterraracabeça (eoutraspartesdocorpo)naareia, sobumachuvadebombas,balaseprojéteisdeartilharia.Eleconseguiumanteracalma,aocontráriodosazaradosqueentravamempânicoesaíamcorrendosemrumo.Mas,apesardafriezanalinhadefogo,Thomasnãoeraumsoldadoexperiente.

Emumatardedesexta-feira,cincoanosantesdoocorridoecomapenas14anos,abandonouaescolanocondadodeDurhamefoiapéatéatrilhadamina,ondeencontrouogerentedaMineradoraDean&Chapier.Àstrêshorasdamanhãdasegunda-feiraseguinte,começavaseutrabalhocomomineirodecarvão.O pai de Thomas e seus dois irmãos mais velhos erammineiros. “Naquela

área, todomundo era criado para asminas”, conta. Quando perguntado se erafeliz no ofício, a resposta é um simples: “Apessoa já nascia para isso. Já eramineira,entãoiaparaamina.Nãohaviaoutraopção.”OcomeçodavidaprofissionaldeThomasfoiexatamentecomoadopai.Ele

nãorecebeunenhumtreinamento,simplesmentefoiinstruídoapegarumpôneidamina e encontrar ummeninomais velho. Seu trabalho era entrar namina paracoletarbaldesdecarvãoqueacabavamdeserenchidos,prendê-losaopôneipeloarreio e puxá-los por várias centenas demetros até um lugar onde uma esteiramecânicalevavaocarvãoàsuperfície.Ele,então,recolhiaosbaldesvazioseoslevavadevoltaparaamina.Ocicloserepetiadurantetodooturnodesetehorasetrintaminutos.Thomasaindaselembradesuaprimeiranoitenamina:“Otetoerasustentado

por suportes de madeira, mas parecia prestes a ceder. Dava para ver asrachaduras, e eu estava apavorado. E os ruídos! E quando eu ficava sozinho!Desceraminanaquelascondiçõeseraassustadordemaisparaummeninode14anos.”Poucodepois,foramconfirmadosseustemorescomasegurançadolugar:um

meninomorreuno trabalho.Umtalhadorpediraaelequecarregasseumabrocano balde vazio. Enquanto o pônei galopava, o balde escorregou para fora datrilha,lançandoabrocaparacima.Quandoaferramentacaiu,atravessouocorpodogaroto.Thomasficouhorrorizadocomanotícia.“Nãovoumaislá”,disseaoirmão, naquela noite. “Você vai voltar amanhã!”, foi a resposta. “Você temquesuperar isso!” Pouco depois, Thomas acabou encontrando outromeninomorto.“Uma cena horrível!”, relata. “Não tinha corpo. Ele tinha sido reduzido apedaços.”

Page 45: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

NoanoemqueThomascomeçouatrabalhar,morriaemmédiaquatromineirospor dia naGrã-Bretanha. Naquele tempo de paz, amineração de carvão era aocupação mais perigosa da nação. Mesmo quando um mineiro conseguia serpromovidoatalhador,otrabalhonãoficavamaisseguro.Talhadorestinhamquetrabalhar em veios minúsculos e muito estreitos, às vezes com cerca de 30centímetros de largura. Ficavam deitados de lado, cortando carvão com ocotovelo dobrado sobre o joelho. “Você faz o possível para extrair o carvão”,disse umminerador deDurham à entrevistadora Joan Littlewood, daBBC, em1938.“Seouvirotetocedendo,temquesairdocaminho.Massóvaificarasalvosedeixarocarvãoparatrás...”Avidaeratãodifícilquantoperigosa.Osmineiros,cobertosdecarvãoesuor,

voltavamparasuascasasminúsculasesembanheiros—amaioriaselavavaempequenasbaciasnacozinha.OautorW.F.Lestrangedecidiuviverumtempoemuma casa como a de Thomas, ocupada por uma família com três mineiros. Amulherdacasa,segundoescreveu,“passavaamaiorpartedotempoenvolvidaemumalutainútilcontraapoeiradecarvãoqueimpregnavaasparedes,osmóveiseopiso.Nosintervalos,ferviaáguaparaostrêsbanhossucessivos”.EavidanãoeramaisfácilnooutroladodomardaIrlanda.Politicamente,a

Irlanda do Norte era (e ainda é) parte do Reino Unido,mas, geograficamente,pertencia à Irlanda.HarryMurray,deBelfast, começoua trabalharnoestaleiroHarland & Wolff em 1937. Ele conta que “as pessoas tinham que fazer pormerecerosalário,ouentãonãoganhavamnada.E,quandonãomereciam,eramdemitidosepontofinal”.Harry trabalhouaoar livre,sobchuvaesobsol.Nãotinhacaneca,entãobebiacháemumalata,sócomumapausademeiahoraparacomer, jogar dados ou orar. E seu futuro dependia da boa vontade do capataz.“Ele sempre levava manteiga, ovos, dinheiro... Só para ajudar as pessoas acontinuarnotrabalho”,contouHarry.“Seocapataznãofossecomasuacara,eraosuficienteparavocêsermandadoembora...Eaí,desempregado,eradezvezesmaisdifícilsobreviver.”Por mais estranho que isso possa parecer para nós, Harry Murray era um

homem afortunado. O governo da Irlanda do Norte, nas palavras do primeirohomem a ocupar o cargo de primeiro-ministro, pretendia ser “um governoprotestante para um povo protestante”. E, como protestante, Harry teve acessogarantido à capacitação básica e a um trabalho com salário modesto na áreaindustrial. Um católico do Ulster não recebia a mesma garantia de segurança.DesdeoiníciodoséculoXX,Harland&Wolffnãoempregavacatólicos,quejánãoseincomodavamemprocurarempregonoestaleiro.Aindústriaportuáriase

Page 46: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

tornaraumnichodeprotestantes,comtrabalhospassadosdepaiparafilho,detioparasobrinho.Considerando isso, embora os protestantes do Ulster recebessem salários

inferioresaosequivalentes inglesese fossecomumquevivessememcasassemágua encanada ou iluminação a gás, podiam se considerar— com as devidasressalvas— privilegiados.Afinal:melhor estar na segunda do que na terceiraclasse.MesmoemLondres,o coraçãopulsantedo ImpérioBritânico, avida comum

eradifícil.Em1939,olondrinomédioviviaatéos62anos,poucosecomparadocom os 82 de hoje. Naquele ano, cerca de 2% dos londrinos frequentavam auniversidade,enquantoquehojeemdiaacifrachegaaos43%.Em1934,airmãPatricia O’Sullivan chegou ao leste de Londres, onde se estabeleceu junto àsfamílias demarinheiros. Ela se lembramuito bem da importância das lojas depenhoresparaapopulaçãolocal.Quandoumhomemiaparaomar,sabiaquenãoprecisaria do terno por um tempo, então o levava para ser penhorado.Quandoretornasse, tentaria resgatá-lo,entãopoderiapenhorar itensque tinha trazidodepartesdistantesdomundo.AirmãPatríciamobiliavalarespobrescomascoisasqueosmarinheirospenhoravamaovoltarparacasa.UmadessascasaseraadeDorisSalt.OmaridodeDorismorreraatropelado

por um motorista bêbado que conduzia um carro roubado e, devido àscircunstânciasdamorte,acabounãorecebendoodinheirodoseguro.“Tivequemevirarduranteanos”,contouela,“tivequeaprenderacozinharcomquasenada.Acabeçadeovelhaeradesprezada—ah,aspessoasnãoqueriamcomeraquilo—,mas a gente tinha que aproveitar o bicho inteiro”. FlorenceMuggridge, dosubúrbio de Poplar, conheceu umamulher cujomaridomorreu trabalhando nasdocas.Quandoouviuque tinha ficadoviúva, amulher reagiu comum: “Aqueledesgraçado! A gente ia sair hoje à noite.” Ao relatar essa reação tãosurpreendente, Florence explicou: “Ninguém esperava nada, entende? Erajustamenteisso.Aspessoastinhamquedarumjeitodelidarcomdificuldadesquehojeemdianinguémnemouvefalar.”É possível considerar a vida moderna — pelo menos de uma perspectiva

ocidental — como uma sucessão de escolhas, mas essas escolhas eram bemlimitadasparaamaioriadosjovensbritânicosdasprimeirasdécadasdoséculoXX.Elesseguiamosofíciosdeseuspais,moravampertodeondenasciamesecasavamtantoporconveniênciaquantoporamor.Apesardaperspectivadevidabem fundamentada, as instabilidades econômicas começariam a abalar asfundaçõessociaisnaGrã-Bretanhadosanos1930,assimcomonaAlemanhaenos

Page 47: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

EstadosUnidos.Asatitudeseexpectativasdosjovenscomeçaramamudar,dandoinícioaoprofundoabismoqueemergiriaentreasgerações.Paraqueamudançaocorresse,noentanto, eraprecisoumcatalisador.Como

emmuitos outros países, o daGrã-Bretanha foi a depressão econômica. Comoaponta o autor Ronald Blythe, durante os anos do período entre guerras, opanorama era de sofrimento e tédio inexoráveis, tendo como pano de fundo odesemprego.Etodoopovosofreucomisso.Trevor, um jovem de 17 anos do sul do País de Gales, queria se tornar

engenheiro. No entanto, quando o pai perdeu o emprego, ele foi forçado aabandonaraescolaparasetornarportadordeescritório.Otrabalhodeveriaserprovisório, mas o pai não conseguia encontrar outro emprego. Depois de umtempo, Trevor também acabou perdendo o trabalho, então passava os diasjogandopingue-pongueemumcentrodedesempregados.Em1933, o número de desempregados naGrã-Bretanha chegou a 3milhões,

permanecendoelevadoatéo iníciodaguerra.AlfredSmith,do suldeLondres,perdeuoempregoem1935.Trêsanosdepois,apesardeaindaestarnacasados30, foi descrito na revistaPicture Post como um sujeito de rosto enrugado ebochechas descarnadas, que andava sempre olhando para baixo — “o andartípicodohomemdesempregado”.Alfredviviacomaesposae trêsfilhospequenosemumapartamentodedois

quartos, um dos quais era dividido. Em um dia típico, a família comia pão emargarinanodesjejum,guisadooupeixecozidocombatatasepãonoalmoço,emaispãoemargarinaànoite.ErararoverfrutasoulegumesfrescosnamesadosSmith—nãoporquefossemmuitocaros,esimporquesatisfaziammenosdoquepãoebatatas.OsdesempregadosnaGrã-Bretanhaerammaispropensosasofrerdedesnutriçãodoquedefome.Em 1935, 45% dos recrutas do Exército britânico foram considerados

incapacitados para o serviço. Cinco anos mais tarde, quando trabalhava comocorrespondenteespecialcomasForçasArmadasalemãs,ojornalistaamericanoWilliamShirerfoiapresentadoaumgrupodesoldadosbritânicospresospoucoantesdaevacuaçãodeDunkirk.Shirerosdescreveucomoumbandoanimado(umaté comentou: “Sabe, você é o primeiro americano que vejo cara a cara. Quelugarengraçadoparaencontrarumdevocês,nãoacha?”),eescreveuqueoquemais o impressionou foi “a constituição física pobre”. A depressão afetou aAlemanha e os Estados Unidos com a mesma gravidade, no entanto, o jovembritânico pareciamostrar aindamais os efeitos no corpo. Shirer alegava que o

Page 48: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

treinamentomilitarnãopareciatercompensadoamáalimentaçãoeafaltadearfrescoedeexercíciofísico.George Orwell, cronista incomparável da vida da classe trabalhadora

britânica, observou que o pior mal do desemprego, além de dificuldadesfinanceiras,era“aterrívelsensaçãodeimpotênciaedesespero”.Trevor,aquelejovem de 17 anos do País de Gales, que passava seus dias jogando pingue-pongue,foiumbomexemplo.“Chegoaquitodososdiasàsdezdamanhãejogoatéahoradoalmoço”,contouaW.F.Lestrange,“etambémnãotenhooquefazeràtarde,entãoficoaquiejogosemprequeamesaestálivre.Pingue-pongue.Batererebateressasbolinhasdeceluloide.Estaéminhavida!Étudooquetenhoparafazer.Quandoeueracriança,achavaqueseria...queriaser...”Nesseponto,comosolhosmarejados,Trevorsaiucorrendodasaladeentrevista.Com a introdução do questionário socioeconômico, a vida ficou ainda mais

difícil para os desempregados. A emenda exigia que os desempregados sejustificassemregularmenteaumestranho,umfuncionáriodogoverno,queiriaàsala de estar da família para inquirir a respeito de qualquer discrepância,suspeitandoatémesmodeumsobretudocomaspectodenovo.Odesempregadonãopodiasedaraoluxodemantersegredosouopróprioorgulho.Algunstentavamburlaroquestionáriosocioeconômico.Umjovemquevivesse

comospaispodiadarumendereçofalsonatentativadejustificarorecebimentodemais um subsídio. Por outro lado, a assistência por vezes era erroneamenteretirada. Orwell escreveu sobre um homem visto alimentando as galinhas dovizinho que estava ausente; aquilo gerou um relatório de que o homem agoraestava empregado, então o subsídio foi retido. E havia pouca simpatia dosoficiais para aqueles que tentavam burlar o sistema. Quando um homem queviajavapelopaísàprocuradetrabalhofoipegoroubandodoispães,disseaojuizque a tentação era difícil de conter. “Isso é o que você diz”, respondeu omagistrado. “Vou ensinar uma lição diferente. Você vai passar dois meses naprisão,notrabalhopesado.”Apesar disso, eram as mulheres que sofriam mais. A esposa de um

desempregado ainda tinha que tentarmanter a casa.Muitas vezes, comiamuitopouco para que as crianças tivessem o suficiente, lidava com cobradores dealuguel e de dívidas e ainda precisava gerenciar a autoestima depauperada domarido.Alémdisso, comoobservouOrwell, os homens da classe trabalhadoranunca moviam um só dedo para participar do trabalho doméstico, mesmopassandoodiainteiroemcasa.Aindaassim,essasmulheresnãoestavamlivresdo tratamento condescendente. Em 1935, Sir F. G. Hopkins, presidente da

Page 49: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

SociedadeReal,proferiuumdiscursoaoscolegasdeclarandoque“oqueadonadecasa inglesanasclassesmaispobres realmenteprecisaéaprenderaartedecozinharumacomidasimpleseboa”.Comacarênciadepolíticassociaiseafaltadecompreensãoentreasclasses,

era de se esperar que os partidos políticos extremistas começassem a angariarmais apoiadores. A União Britânica de Fascistas, liderada pelo oportunistaOswald Mosley, consistia de uma maioria esmagadora de homens da classetrabalhadoracommenosde30anos,quemarchavamaosbandosparaáreasondesabiamqueprovocariamapopulaçãolocal.Emoutubrode1936,umamultidão,encabeçadapeloconfianteMosley,marchoupeloEastEnddeLondres.NaCableStreet, foram previsivelmente confrontados por uma jovem multidão deantifascistas, enfurecidos com a invasão. O confronto levou à prisão de maisantifascistas do que fascistas, o que permitiu que Mosley apresentasse seushomenscomovítimasdeagressão—eissosóresultouemnovosmembros.Nofimdamarcha,Mosleyfalouaosseusseguidores.“Ogovernoestáàmercê

da violência vermelha e da corrupção judaica”, declarou. Mas tambémacrescentouqueos fascistasnunca se renderiam. “Dentrodenós arde a chamaqueiluminaráestepaíse,depois,omundo!”Entrevistada pela rádio BBC em 1989, a viúva deMosley, Diana (uma das

excêntricas e mimadas irmãs Mitford), afirmou que o marido não era de fatoantissemita. Pelo contrário: fora provocado pelos judeus, que impediram amarchadeleedeseusseguidores.(Namesmaentrevista,ocomentáriodeDianaarespeito de Hitler foi: “Era muito interessante para conversar... Tinha tanto adizer...”)PoucoantesdoconfrontodeCableStreet, opaideDiana,LordeRedesdale,

fizeraumdiscursoàCâmaradosLordes,protestandocontraasatitudesbritânicasignorantesemrelaçãoaosnazistas.Oerromaiscomum,afirmava,eraquantoaotratamentonazistadestinadoaosjudeus.Narealidade,nenhumalemãoentrariaemconflito com os judeus enquanto eles se comportassem.E, se sentissem que osjudeus causariam problemas, os alemães deveriam ter o direito de lidar comaquelecomoachassemmelhor.SeosnazistastivessemchegadoàGrã-Bretanha,decertoteriamapoioentreasclassessuperiores,assimcomoasinferiores.Outro extremo, o comunismo, ganhava apoio entre os jovens britânicos. Um

deles, o sobrinho deWinstonChurchill,GilesRomilly, escreveu: “A juventudetemumaescolhamuitoclaraafazer.Ousealiaaosparasitaseexploradores...ouà classe trabalhadora, para esmagar o sistema capitalista e lançar as bases dasociedadesemclasses.”

Page 50: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Em1936e1937,milharesviajaramparaaEspanhaparalutarcontraFranco,juntoàsBrigadasInternacionais.Maisumavez,agrandemaioriaerade jovenshomens da classe trabalhadora, mas isso não era regra. Penny Fiewel, umaenfermeira, trabalhava em Hertfordshire. Ela se lembra de que uma colegaperguntouseelapretendiasevoluntariarparaoconfrontonaEspanha.”Eudisseque não sabia nada sobre o que estava acontecendo na Espanha, e não sabiamesmo.Minha amiga explicou o que eu precisava saber, entãome contou tudosobreoqueestavaacontecendonolugar,sobrecomoasfreirastinhamsealiadoaFranco.Entãoclaroqueissomecativou...euerajovememuitoemotiva.”Pennylogoseviunalinhadefrente,emumhospitaldecampo,tratandolesões

terríveiseensinandooquesabiaàsenfermeirasespanholas.Quandoasbombascaírampelaprimeiravezpertodoseucentrocirúrgico,olugarfoiinvadidoporcivis desesperados em busca de abrigo. Um homem se chocou com ela naescuridão. Quando Penny o empurrou para longe, sentiu os dedos pegajosos.Quandoasluzesvoltaram,viuquemetadedacarnedorostodohomemtinhasidoarrancada. Muito antes de Hermann Goering lançar as incursões da LuftwaffecontraLondres,emsetembrode1940,PennyFiewelconfrontavaabrutalidadedobombardeamentoaéreo.AGuerraCivilEspanhola,muitobemilustradaporPabloPicasso,ensinavaomundoatemerobombardeio.Mesesdepois,Pennyfoigravementeferidaduranteumataque.Acordouemum

celeiro, sentindo dores terríveis e nua, exceto por bandagens enroladasfirmementeaoredordopeitoedoabdômen.Enquantoserecuperavanohospital,osataquescontinuaram.“Foramdiasdepesadelo”,relatou.Os nacionalistas de Franco, com ajuda dos alemães, finalmente ganharam a

guerra.Eraumaclaraviolaçãodeumacordodenão intervençãoassinadopelaAlemanha,alémdeumaadvertênciadosperigosdeseconfiaremHitler.Masoslíderesbritânicos,quehesitavamemtomarmedidaspararecuperaraeconomia,tambémhesitaramemlidarcomoFührer.O que eramuito compreensível. A Grã-Bretanha vencera a Primeira Guerra

Mundial,massuaeconomiaficoumuitoabalada.(Surpreendentemente,noanode2017opaísaindadeveumagrandequantidadedetítulosdedívidadaPrimeiraGuerra.) A maior perda, no entanto, foi humana. Grande parte da geração dejovens homens da Grã-Bretanha acabara morta, ferida ou traumatizada, e oslíderesdanaçãoestavamdesesperadosparaconfiaraqueleperíododeguerraàhistória. Queriam acreditar em uma nova ordem mundial pacífica, baseada naLigadasNações,erelutavamemseconcentrardemaisemeventosnaAlemanha.De maneira análoga, não queriam impor os altos impostos necessários para

Page 51: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

rearmaraeconomia.Ocoletivodeliderançasachavamaisfácilpermanecercomas cabeças enfiadas na areia, onde poderiam ignorar os gritos de guerra dehomenscomoWinstonChurchill.E, embora os políticos britânicos desaprovassem os métodos de Hitler, a

princípio não os consideravam uma ameaça existencial.3 Como o futuropresidentedosEstadosUnidos,JohnF.Kennedy,explicouemseulivrode1940,WhyEnglandSlept:“Apenasomedo,ummedointensopelaprópriasegurança...Queresultaemumademandanacionalporarmamentos.”EssemedonãosurgiunaGrã-Bretanha,nãoatéserquasetardedemais.AAlemanha, pelo contrário, faziaopossívelpara aceleraroprocessode se

rearmar. E as atitudes pré-guerra das duas nações, uma conservadora eapaziguadora, outra radical e implacável, virão à tona nos acontecimentos demaioejunhode1940.Apesar de todas as dificuldades que aGrã-Bretanha enfrentou nos anos que

antecederam a guerra, havia outra história, umamais positiva. Assim como naAméricae,àsuaprópriamaneiraobscura,naAlemanha,estavaseformandoumaculturajovemdistinta.“Ajuventudetemexplodidocomoumaerupção”,afirmouumlíderdoPicturePost,no iníciode1939,alegandoque todos—jornalistas,políticos,líderesdaigreja—falavamda“juventude”.“Oqueprovocatodaestaconversasobrea‘juventude’?Parteéporqueestamosemumaeradetransição,eosidosossãomarcadospelasinstituiçõesemqueperdemosafé.Esperamosqueajuventudefaçamelhor!”Podemos identificar uma semelhança impressionante entre as três nações. A

depressão e o aparente fracasso da geração anterior permitiam que os jovensforjassemumanovaidentidade.NaGrã-Bretanha,noentanto,essaidentidadeeraexercidaporsolteirosassalariadoscomidadesentre14e24anos,todosdeumaclassecommais rendadisponíveldoquequalqueroutro setorda sociedade.Acrescenteculturajuvenildanaçãonãoteriacrescidotãodepressasenãofossetãolucrativoparaosquepromoviamsuasmanifestações.Umapesquisarealizadaem1937,emumaáreadesfavorecidadeManchester,

concluiu que as crianças trabalhadoras, mesmo das famílias mais pobres,“desfrutavam de feriados, passeios e roupas novas, embora os paisprovavelmente—easmãescomcerteza—,ficassememcasaeusassemroupasvelhas”.Éonascimentodaadolescência,eotermoaindanemexistia.Mantendouma quantidade considerável de seus ganhos para si mesmos, esses jovensconseguiamestabelecerumpadrãodevidamuitosuperioraosdosmembrosmaisvelhosdafamília.

Page 52: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Muito do dinheiro era gasto assistindo a filmes, sobretudo do cinemaamericano.Amaioria assistia apelomenosum filmepor semana, alguns aindamais.Enãoapenasassistiamaosfilmes,tambémaprendiam.Copiavammodasepenteados, sotaques e atitudes. Os rapazes usavam chapéus fedora de lado, asmeninasvestiamroupasnoestilodeScarlettO’Hara.DeacordocomodiáriodeumameninadaclassetrabalhadoradosubúrbiodeManchester,umatípicanoitede segunda-feirade1938erapassadaassistindoaumfilmedeGeorgeFormbycomumaamigaeconversandosobreofilme(etambémsobremeninoseroupas),paraentãovoltarparacasaeouvirmúsicaeconversarcomafamíliasobremaisfilmes.Muitodinheiroadolescenteeragastoemsalõesdedança.GeorgeWagner(um

sapadordoExércitoqueseriaevacuadodeLaPanneemmaiode1940)tinha16anosem1936,quandosetornoufrequentadorregulardossalõesdedança.Apesardeserummenino tímido,adançaeraseuprincipalhobby.“Erao lugarondeagente iaparaconhecerasmeninas”,explicou,“eranossoprincipalmotivoparair”.Usando terno, gravata e colete comprados por sua mãe (só passara a usar

calças compridas aos 14 anos), George andava algumas milhas até o PalaceBallroom,emErdington,acompanhadodetrêsdeseusamigosmaispróximos.AsdançaseramdirigidasporHarryPhillips,queandavapelolugarformandoparesdemeninos emeninas. Não era servido álcool, então se algum dos amigos deGeorgequisesseumabebida, teria que ir a umpub local ementir a idade.Umquintetotocavamúsicapopularamericana—Georgelembraquesuafavoritaera“Deep Purple” — enquanto homens jovens arrumavam coragem para seaproximardasjovensmulheres.SegundoGeorge:

Ocostumeerabaterumpapocomelas,versepoderiaacompanharameninaatéemcasa.Eunãotinhaumanamorada,nãonosdiasdeglória.Aindaeramuitonovo.Euacompanhavaasmeninasatéemcasaetalveztrocavaunsbeijosnoportão.Maselaserammuitoprotegidasnaquelaépoca.Ospaisàsvezesficavamolhandopelajanela,àluzdalâmpada,reclamando:“Vamos!Vocêestáatrasada!”

Entãoquaisforamasdiferençasentreosjovensassalariadosdesteperíodoeosdasgeraçõesanteriores?Osinstintosnãotinhammudado,masocomportamentosim. Estavam guardando muito mais do salário para gastar consigo mesmos etinhamseuspróprios interesseseambições.AntesdaPrimeiraGuerraMundial,

Page 53: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

havia pouquíssima diversão voltada apenas para os jovens— se é que existiaalguma.Ascasasdeespetáculoseosteatrosbaratoseramigualmentepopularesentre todas as idades. É difícil superestimar a crescente independência eimportância da juventude neste período.E, sem a depressão, é difícil imaginarcomoessecenárioteriasedesenvolvido.Mas, ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado para não atribuirmos nossas

próprias atitudes modernas aos adolescentes dos anos 1930. Podemos quererimaginar que eles eram “exatamente como a gente”, mas a verdade é maiscomplexa.Aomesmotempoqueaprendiasobregarotas,Georgeaindaeramuitoumrapazdeseutempo.Eleeosamigosadoravamacamparnointerior,pegarumpouco de carvão da estrada de ferro para uma fogueira e cozinhar o queencontrassem pelo campo. George deixava oca uma castanha de carvalho e aenfiava em um canudo, então enchia o interior com bitucas de cigarro e usavaaquilo como cachimbo. “Se minha mãe soubesse, teria me dado um puxão deorelha”, revela. As atitudes dos jovens podem ter mudado, mas a maioriapermaneciamuitoinocenteparaospadrõesatuais.E também é preciso lembrar que os jovens não estavam sozinhos na

experimentação de novos prazeres e entretenimentos.Uma cultura popular comviés totalmente britânico e acessível a todas as idades também estava sedesenvolvendo, tomandoa formade luxosbaratosediversõesalternativasparaquemnãopodiapagarpelooriginal.DeacordocomOrwell,issoeraoresultadológicodadepressão:anecessidadedofabricanteporummercadocoincidiacomanecessidadedeumapopulaçãofamintapordistraçõesbaratas:

Hojeemdia,umluxoéquasesempremaisbaratodoqueumanecessidade.Umpardesimplessapatosresistentescustatantoquantodoispareselegantes.Pelopreçodeumarefeiçãoconvencional,pode-secomprarumquilodedocesbaratos.Nãoseconseguemuitacarneportrêstostões,masdáparacomprarumbocadodepeixecombatatafrita...E,aindaporcima,temasapostas,omaisbaratodetodososluxos.Mesmoaspessoasàbeiradainaniçãopodemcompraralgunsdiasdeesperançadeganharumtostãoemalgumsorteio.

Essas tendências ainda nos acompanham nos dias de hoje, embora muitasdiversõesmais específicas tenhamdesaparecido.ALambethWalk e aChestnutTreeeramdançasbritânicasdesfrutadasportodasasidadesnofinaldadécadade1930. Uma era uma paródia da cultura londrina, a outra era baseada em umacanção de ninar. Comparadas com o perigo primordial do swing, aquela

Page 54: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

importação americana assustadora, as danças eram consideradasconfortavelmentebritânicasemsuaexcentricidade.Em Blackpool, o balneário favorito do país, as diversões eram igualmente

britânicas.Umamulher chamadaValerieArkell-Smith, de aparênciamasculina,passaraanosfingindoserumcoronelaposentadodoExército.Nessemeio-tempo,tinhasecasadocomumamulherquenãosuspeitavadenada.Apósserlibertadada prisão por falso testemunho na certidão de casamento, Arkell-Smith foicontratadaporumempresárioparaseapresentaremumespetáculodeBlackpool.Arkel-Smith interpretava uma mulher que acabara de fazer uma operação deredesignaçãosexual,eficavadeitadaemumacamadesolteiro,comumajovemdeitadaemoutracama,aolado,asduasseparadasporfaróispiscantes.Aideiaeraqueasduastinhamacabadodesecasar,masArkell-Smithfizeraumaapostade250librasdequeelaeaesposanãopoderiamsetocardurante21semanas.Osespectadorespagavamdoistostõesparaveroestranhoshowdacamasemsexo,gritandoobscenidadesao“casal”.Outro espetáculo era ainda mais estranho. Harold Davidson fora reitor da

paróquiaanglicanadeStiffkeyemNorfolk,mastinhasidodestituídodaposiçãodepoisdeum tribunaleclesiásticoconsiderá-loculpadodeconduta imoralcomdiversasmulheres.Indignadocomoveredito,Davidsonprimeirodeclarougrevede fome, na tentativa de provar que Deus não permitiria que ele morresse deinanição, depois passoumeses sentado em um barril no Passeio deBlackpool,tentandoarrecadardinheirosuficienteparadarentradaemumaapelação.Noanoseguinte,eleabandonouobarriledecidiuaparecerdentrodeumacovadeleãonoSkegnessAmusementPark.Eraofimdacarreiraeclesiásticaparaoex-vigáriodeStiffkey:oleãooatacoueodevoroudiantedopúblicopagante.É bem difundida e repetida a noção de que a década de 1950 deu origem à

culturajuvenildeinspiraçãoamericana,bemcomoaumaculturapopulardeluxobarato, mas foi claramente o período anterior à guerra que deu início a essemovimento. Assim como as economias americana e alemã se recuperavam aolongodadécadade1930,opadrãogeraldevidanaGrã-Bretanhafoimelhorandoconsideravelmente.Umparâmetroparaissoéavitalidadecrescentedecertasáreasemparticular,

naquela época, como o Soho noWest End de Londres. Restaurantes chineses,espanhóisehúngarossejuntaramaostradicionaiscaféserestaurantesfranceseseitalianos. Considerando que, em 1939, menos de 3% dos londrinos tinhamnascido no exterior (em comparação com os 37% de hoje), o Soho era umverdadeirocentrodeatividadecosmopolita.UmaediçãodoPicturePostnotoua

Page 55: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

variedade de queijos, guirlandas de salsichas, fileiras de garrafas de vinhosChianti cobertos por palha, latas de anchovas, compotas de azeitonas e frutas,pratos de doces e feijões coloridos, sem falar nas reluzentes máquinas deexpresso. “As vitrines das lojas doSoho são abarrotadas, alegres, brilhantes evívidas”,comentavam.E,oqueeraaindamaissurpreendente,aDenmarkStreet,dooutroladodaCharingCrossRoad,abrigavaumacomunidadenipônicaondeosverdadeiramentecorajosospodiamprovaracomidajaponesa.Nãoéumaimagemmuitofácildeseassociaràdécadade1930.Foi tambémnessaépocaquesurgiramempregosreconhecidamentemodernos.

Bill Taylor não sabia ler nem escrever, mas trabalhava como motorista decaminhãode longadistância.Quando recebiada firmaumanotadeentrega,eleestudavaummapaparaonomedo lugarcujagrafiamaisseassemelhavaaodanota, entãodesenhavauma linha reta entre o ponto inicial e o final e circulavacadacidadegrandenocaminho.Quandochegavaàcidade,paravaeperguntavaocaminhoatéapróxima.“Nenhumdoschefescomquemtrabalheidescobriuqueeunão sabia ler”, revelou, embora admitaque “eramais fácil no começo, comoscavalos,porquealgunssabiamparaondeestavamindo”.UmavantagemdotrabalhodeBilleramas“garotasdocaminhão”queandavam

pelos cafés. “Você levava elas de uma cidade a outra”, explica. “Às vezes, asgarotas passavam a semana toda no caminhão, dormindo com você e fazendocompanhia.” Em troca, o motorista comprava comida e cigarros para elas.“Muitoscasamentosacabavamquandoasesposasdescobriam”,revela.SamTobineravendedordeaspiradoresdepó,eiadeportaemportanonorte

de Londres. Nas manhãs de segunda-feira, antes de seguir sua jornada, ele sejuntavaaoscolegasdevendasemumacançãomotivacional:

Todaasujeira,todaaareia,Hooverpegacadapedaço,

Porqueelearrasaenquantovarreelimpa...

Sampassouaviverumalutadiáriaparaseradmitidoemcasassuburbanas,ondedemonstraria a funcionalidade do aspirador de pó em amostras de areia quecarregava consigo. “Era um desses trabalhos que acabam com a nossa alma”,comentou. “Se o tempo estivesse ruim, ou se os vendedores da Electroluxtivessem andado pelo seu território, era muito difícil conseguir umademonstração.”

Page 56: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

MastalvezotrabalhomaismodernonaGrã-Bretanhafosseoofíciorealizadoporumimigrantejudeurecém-chegadodaPolônia.JosephRotblateraumfísicoquetrabalhavacomradioatividadequechegaraàGrã-Bretanhaemabrilde1939.Noiníciodoano,RotblatlerasobreadescobertadafissãonuclearporFrischeLeitner,elheocorreuquepoderiaconseguirumapoderosaliberaçãodeenergiaaodesencadearumareaçãoemcadeianumcurtoespaçode tempo.Aprincípio,Rotblatdeixouladoaideia—aideiadeumabombaatômica—,tãopreocupadoque estava com a horrível perspectiva de criar o que agora seria chamado dearma de destruição em massa. Mas, quando chegou à Grã-Bretanha, Rotblatimaginouqueosnazistastambémdeviamestartrabalhandoemumabomba,oquetornavaseudevercompartilharseuspensamentoscomcientistasbritânicos.“Naminhaopinião,talvezeutenhasidoaprimeirapessoaadesenvolveroconceitodeintimidação nuclear”, revela. Rotblat acabou se aproximando de Sir JamesChadwick,odescobridordonêutron.ChadwickaprovouaideiaedestacoudoisassistentesparaajudarRotblat.Tinhacomeçadoasombriamarchadoprogressoatômico.Mas,paratodasasmudançasdoperíodo,amaisesperadaetemidaeraoinício

daguerra.Muitos jovenscomeçaramasevoluntariarparase juntaraoExércitobritânico, e foi introduzidoo limitede recrutamentoparaos jovensde20e21anos em abril de 1939.Na últimaguerra, os voluntários tinhamentrado para oExércitocomentusiasmo,ansiososparalutarpeloreiepelanação,paracolocarokaiseremseudevidolugar.Umquartodeséculodepois,asemoçõeserammaistímidas. No entanto, em uma análise posterior, vemos que a geração de 1939compareceu em peso, obediente, silenciosa e consciente da necessidade deenfrentaraAlemanha.Muitos entraram para o Exército sem se preocupar com a situação política,

ignorandoqualquer sentimentodedever.ThomasMyers, o jovemmineradordecarvão de Durham com quem começamos este capítulo, entrou no ExércitoTerritorialnoiníciode1939porque,segundoele,estavanamoda.“TodomundoqueriaentrarparaosTerritoriais,eraumaloucuraver tantagentesealistando.”Aindaassim,elenãotinhainteressenapolítica.“Eunãosabianemqueaguerraestavaparachegar”,revelou.“EunãosabianadasobreHitler.”Quandopressionado,eleaindaacrescentouquesealistouvisandoaoocasional

fim de semana livre e a possibilidade de sair à noite. Para os homens jovenspresospelo trabalhoepelacomunidade,oExércitoofereciaumarupturacomamonotoniaeasrestriçõessociais.Ofereciaaventura.SegundoGeorgeWagner,orefinadodançarinodeErdington:“Todomundosealistava,eraalgoparasefazer.

Page 57: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

E ainda recebia um pagamento. E, além de tudo, uma vez por ano ia para umtreinamentodequinzedias.Eraótimo.”AnthonyRhodes,umjovemoficialdosEngenheirosReais, recebeuumantigo

valete (um serviçal) do Exército. Rhodes descreve o homem como alguémprocurando um nicho, um lugar calmo onde poderia descansar em reclusãoindefinida. Em outras palavras, os soldados, nos tempos de paz, eram atraídosparaoExércitopelafaltadeaventuraoferecida.Para alguns, o Exército trazia uma solução. Thomas Lister era um jovem de

Durhamquenãoconseguiaseestabeleceremnenhumemprego.Aos14anos,foienviado pelo pai para uma entrevista com um engenheiro eletricista, mas deraapenas uma olhada no chão da oficina antes de dar meia-volta. “Parecia asmandíbulasdoinferno.”ListerentãovirouportadordaBurton’sTailors,antesdeficar“meio fartodaquilo”.Depois,passouum tempocomovendedordepeixespor atacado.Mas, sem convocação ou qualquer orientação, acabou se atraindopeladisciplinaforçadaecamaradagemdoExército,alémderesolveroproblemadeoquefariacomsuavida—aomenostemporariamente.

Alemanha

Serjovem,sobretudoderaçapura,eraomesmoqueserimportantenaAlemanhadeHitler.AosolhosdeAdolfHitler,afuturagrandiosidadedopaísdependiadeseusjovens,masnãoerasuainteligênciaouiniciativaqueelepareciaencorajar—osinteligentesefracosnãomelhorariamasituaçãodopaís.Eramosrapazesemoças determinados e saudáveis que se faziam necessários. “O fraco deve seresculpido”, declarou em 1938. “Quero homens e mulheres jovens que possamsofrerdor.Umjovemalemãodeveserrápidocomoumgalgo,resistentecomoocouroedurocomooaçodeKrupp.”Emboranuncafosseadmitidopublicamente,essesjovenstambémdeviamsersubmetidosaumalavagemcerebralparaadotara ideologia nazista. De sangue puro e despojados do livre-arbítrio, os jovensiriamtornaraAlemanhagrandeoutravez.Em 1938, mais de 80% dos jovens alemães eram membros da Juventude

Hitlerista.Paraestageração,ainfânciaacabavaaos10anoscomaadmissãoaoramo júnior da organização. A partir desse momento, as crianças tornavam-sesoldados políticos da pátria. Meninos e meninas tinham seções separadas e

Page 58: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

começavam a ser preparados para a vida como soldados, donas de casa eportadoresdavisãodemundonazista.AJuventudeHitleristaatétinhaumapolíciasecretainterna,comoumaGestapo

infantil, responsável por erradicar a deslealdade e denunciar seus membros.Walter Hess chegou a delatar o próprio pai por chamar Hitler de maníaco. Ohomem acabou em um campo de concentração, enquantoWalter foi promovidopormostrarvigilânciaadmirável.HitlereraadoradocomoumdeussecularpormeninosemeninasquerecitavamumaprecebaseadanaOraçãodoSenhor:

AdolfHitler,vocêéonossograndeFührer.Teunomefaztremeroinimigo.VenhateuTerceiroReich,apenastuavontadeéaleisobreaterra.Ouviremosdiariamentetuavozenosorganizaremosportualiderança,porqueobedeceremosatéofim,dedicandoatémesmonossasvidas.Nóstelouvamos!HeilHitler!”

MelitaMaschmanneramembrodaLigadasMeninasAlemãs,oramofemininodaJuventudeHitlerista.Aos18anos,em1938,começouatrabalharcomoassessoradeimprensaparaaorganização.Emnovembro,depoisdeassistiraumcomícioemFrankfurt, recebeuapropostadeacompanharochefedaSS.Ohomemdiziaque algo muito animador aconteceria naquela noite. Cansada, ela se mostrouindisposta. Na manhã seguinte, viu vidros quebrados e móveis destruídosespalhadospor todaparte.Melitaprocurouumpolicialeperguntouoque tinhaacontecido,earespostaeraqueaquelaeraumaáreajudaicae“aAlmaNacionaltinhafervido”.Melita estava testemunhando o rescaldo da Kristallnacht — a Noite dos

Cristais—, que levou esse nome por causa dos reluzentes estilhaços de vidroespalhadospelas ruas. Instigadospela liderançanazista,multidõesdemembrosda Tropa de Assalto e da Juventude Hitlerista destruíram sinagogas epropriedadesjudaicasemtodaaAlemanhaeemáreascontroladaspelosalemães.MichaelBruceeracorrespondentedeumjornalinglêsemBerlim.Eleseguiuumamultidão que avançava emdireção a uma sinagoga.Empouco tempo, o prédioestava emchamas, e as pessoas aplaudiramquando arrancaramasmadeiras dafachada para alimentar as chamas no interior.Amultidão seguiu para uma lojajudaica próxima. Homens e mulheres, uivando de alegria, lançaram blocos deconcretopelasportasejanelas,abrindocaminhoàforçaparasaquearoestoque.Brucenotouumavelhajudiasendoarrastadadecasaecorreuparaajudaroutrorepórter a libertá-la.Amultidão seguiu para umhospital voltado para crianças

Page 59: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

judaicas doentes, onde os líderes — a maioria de mulheres — atacaram osfuncionários do hospital enquanto os pacientes mais jovens eram forçados acorrerdescalçossobrevidroquebrado.Brucedescreveuoespetáculocomo“umadasexposiçõesmaisvisdebestialidadequejátestemunhei”.Distúrbios e ataques explodiram em escala surpreendente. Bernt Engelmann

tinha17anosemoravaemDusseldorf,estavaprestesasejuntaràLuftwaffe.Eleficoudoladodeforadopróprioprédiovendojovensarruaceirosdestruindoumapartamento de propriedade de uma família judaica ali no edifício, seperguntando se os enfrentaria. A polícia estava por perto, mas se recusava ainterferir. Por fim, Bernt correu para dentro do apartamento e tentou soarimpositivo:“Vocêestánocomandoaqui?”,gritouparaolíder.“Entãosabequejáacabou

comessepedaço,nãosabe?”“Éverdade,terminamosporaqui.”Para o alívio de Bernt, os jovens saíram. Uma menina, a filha da família,

passaraoataqueescondidadentrodoapartamento.Aliviadoemconstatarqueosjovensnão tinhamvistoamenina,Bernt foiprocurarospaisdela enquanto suaprópria mãe colocava a garota na cama com uma pílula de calmante. Quandoencontrouospaisdajovem,eleostranquilizou,assegurandoquesuafilhaestavaasalvo,eosconvenceuapassaranoitecomamigosnãojudeus.Osdoisforamacolhidossemumasópalavradeprotestoelevadosàspressasparaforadarua.QuandoBerntvoltouparacasa,viuocorpodeummédicojudeusendolevado

deumacasa.“Elelutoubem”,comentouumespectador.Enquantoabriacaminhoporvidroquebradoepertencesdescartados,Berntviupessoascarregandosacoscheios e se escondendo em becos.Não sabia dizer se eram judeus em fuga ousaqueadoresacovardados.NaSteinstrasse,encontrouduaspessoasencolhidas,umamulhereumacriança.

Dizendo-lhesparanãotermedo,levouasduasparaacasadeumnazistailustrequesecretamenteabrigavajudeusantesdeenviá-losescondidosparaoexterior.Bernt osdeixou lá e foi para casa, onde, junto comosvizinhos simpáticos aosjudeus,começoualimparabagunçanoapartamentoarrasado.CaminhandoporDusseldorfemmeioaessaanarquiadirigidapeloEstado,ele

pôdenotarasreaçõesdaspessoas:“Éumadesgraça!Apolíciaestáparadaenãofaznada!”;“Nós,alemães,pagaremoscaropeloquefoifeitoaosjudeusnanoitepassada!” E uma reação que não encontra muito firmamento nos ouvidosmodernos,mas era comum na época: “Eles não deveriam ter feito isso! Tenhocerteza de que o Führer não aprovaria!” Ainda assim, havia muito mais

Page 60: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

espectadoresquenãosepronunciavam,ocultandoomedo,aapatiaouoapoioaosistema.Por toda a Alemanha, a Áustria e os Sudetos,4 centenas de sinagogas foram

destruídas e milhares de lojas foram invadidas e saqueadas, além das casasarrasadas, dos judeus atacados e de dezenas de milhares de judeus presos eenviadosparacamposdeconcentração.Éprovávelqueváriascentenasdejudeustenhamsidoassassinados,masnuncapoderemossabercomcerteza.O governo logo anunciou que se tratava de distúrbios espontâneos — a

“fervura da Alma Nacional” observada pelo policial de Frankfurt—, e que acomunidade judaica era inteiramente culpada. Seriam, portanto, multados noequivalentea400milhõesdedólares,etodosospagamentosdesegurosseriamconfiscados.AKristallnachtmarcouoiníciodaquelaviolênciaorquestradacomointuitode

livraraAlemanhadosjudeuseabriuocaminhoparaosextermíniosemmassa.Areação esmagadoramente passiva dos cidadãos assegurou o governo de que nofuturopoderiamtomarmaisações—eaindamaisextremas.MelitaMaschmanneraumexemplodamedidadapopulaçãoalemã:quandoelapisoucautelosamentenovidroquebradoemFrankfurt,estavaperfeitamentecientedequealgoterrívelacontecera,maslogoracionalizouasituação.Sabiaqueosjudeuseraminimigosdopovoalemão.Talvezaqueleevento—oquequerquefosse—lhesensinasseumaliçãohaviamuitonecessária.Entãoafastouapreocupaçãodacabeça.Quase seis anos antes, em um dia de janeiro de 1933, quando Adolf Hitler

chegou ao poder, Melita era uma menina comum de 15 anos, sem opiniõespolíticasoupreconceitos raciais.AprópriaAlemanhaerabastantediferentedopaísfanáticoquesetornaria.Naqueledia,Melitasentou-separaconversarcomumacostureira,umamulherdequemgostavamuito,enquantoelaajustavaumdosvestidosdamãeparacaberemMelita.Acostureiraeradaclasse trabalhadora,alémdeinteressanteediferente.Tinhaascostascurvadasecaminhavamancando.Usava uma suástica de metal no casaco. Ela falava sobre esse sujeito, Hitler,sobrecomoeletornariaaAlemanhamaisjusta,comoasdiferençasdeclassenãoimportariammais,comoosservosseriamcapazesdecomernamesmamesaqueos ricos empregadores. Os olhos da costureira brilharam quando falou da“ComunidadeNacional”.Melita ficou tocada pelo que ouvia,movida pela ideia de um futuro em que

“pessoas de todas as classes viveriam juntas como irmãos e irmãs”. Pormaisestranhoquepossaparecerqueonazismo—amaisperversaeodiosaideologia

Page 61: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

política do séculoXX— tenha sido pensado para representar justiça social eproteçãoparaosfracos,eraassimqueaideologiaeraretratadaem1933.Mais tarde,naquelamesmanoite,Melitae seu irmão foramparaocentrode

Berlim, onde assistiram às celebrações da vitória do Partido Nazista. Pelasegunda vez no dia, Melita ficou emocionada, mas desta vez era pela belaprocissãode tochas.Aschamascintilantes,asbandeirasvermelhasepretas,ospés marchando como um, a proeminência de meninos e meninas como ela, amúsicaagressivamentesentimental...tudoaquilodesempenhavaseupapel.Quasedominadaporumaondadeesperançaesolidariedade,Melitaficoueufórica.E,quando um rapaz abandonou a coluna emmarcha para golpear alguém ao ladodela,ohorrorinstintivofoiabafadopeloêxtase.

Aspessoascarregandotochasestavamcantando“Pelabandeiraestamosprontosparamorrer”.Nãoeraquestãoderoupas,decomidaoudeensaiosdeescola,esimdevidaoumorte...fuidominadaporumdesejoardentedepertenceràquelegrupo,paraquemaquiloeraumaquestãodevidaoumorte.

No fim das contas, não foi nem a política nem o espetáculo que converteramMelitaaonazismo,mesmoque fossemessesosprincipais fatores.Oargumentodecisivofoisuarebeldiaadolescente.Seuspaiseramconservadores,apoiavamavelhaordemsocialetinhampouco

interesse pelos jovens ou pelos direitos dos trabalhadores. Tinham dado umacriação rígida à filha, esperando a mesma obediência que esperavam dosserviçais.Mesmoantesdaconversãopolítica,Melitaseressentiadessaatitude.O nazismo era um antídoto oportuno. Dando ênfase na juventude e nostrabalhadores e trazendo uma certeza radical em sua mensagem, aquelemovimento representava tudo o que os pais dela não eram. Para a geração deMelitanaAlemanha, a rebeliãonãoveio comElvisPresley, osBeatles,DavidBowieouPublicEnemy.VeiocomAdolfHitler.Mas havia outras razões, mais banais, para os jovens se converterem ao

nazismo com tanto entusiasmo. Eles tinham, por exemplo, pouca fé nasinstituiçõesenas formasdegoverno jáexistentes.Ademocracia,quenão tinhagrandetradiçãonaAlemanha,tinhasidoassoladaporsucessivascrises.Em1922,umafatiadepãocustava3Reichsmarks;nonovembroseguintecustava80bilhõesdeReichsmarks. Trabalhadores começaram a receber o salário duas vezes pordia,paraquetivessemrecursosparaoalmoçoeojantar.Adepressãodoinício

Page 62: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

dosanos1930deixou6milhõesdepessoasdesempregadas,comumgovernotãoineficazquefaltavamosserviçosmaisbásicos.Os nacional-socialistas, com seu líder carismático, compreensão da

propaganda emisticismo racial, forammuito bem-sucedidos em comunicar suaofertadetrabalho,pãoeestabilidadepolítica.Eraumaofertasimplese,naquelascircunstâncias,muitoatraente.Mas,aoaceitá-la,opovopermitiuqueosnazistasultrapassassem alguns limites. E, quanto mais os nazistas avançavam, mais aspessoasseenvolviam,atéchegaraopontoemquequalquercomportamentopodiaserjustificado—ou,nomínimo,tinhaqueserignorado.Na escola, a melhor amiga de Melita Maschmann, que entrou na turma na

primaverade1933, era judia.Melita se aproximoudamenina,mesmo sabendosuareligião,easduasacabaramdescobrindouminteressemútuoporliteraturaefilosofia.Apesardenãodiscutiremreligião,elascompartilhavamhistóriassobreosrespectivosgruposdejovensdesuasideologias.Aindaassim,nãodemorouacomeçaralavagemcerebraldeMelita.EmvezdeanalisaraexperiênciadaAlemanhanaPrimeiraGuerraMundialpor

suasfalhasmilitareseeconômicas,ascriançasalemãsforamensinadasqueoquecausara a derrota fora a “apunhalada pelas costas” dos judeus. O “judaísmointernacional” era culpado tanto pelo capitalismo como pelo comunismo, e,portanto, por todosos problemasdomundo.Melita participoudeuma série depalestras sobre os ensinamentos religiosos judaicos, nas quais um supostoespecialistaensinavaqueosjudeuseramresponsáveispeloassassinatoritualdecristãos.Emboraelaalegassequepercebiacomoaqueleprofessoreraabsurdo,não podia — ou não queria — se distanciar da situação o bastante parareconhecerapróprialavagemcerebral.Elariudohomemedesuaspalavras,masfalhouaoquestionaropropósitodaquelediscurso.O doutrinamento implacável finalmente deu resultado. Melita passou a

acreditarno judeubicho-papão,o judeucomoumconceito.Opovoqueeradefato culpado pelo capitalismo, pelo comunismo e por tudo omais, com sanguecorruptor e espírito traiçoeiro.AdolfHitler tinha certeza de que a doutrinaçãofuncionaria.Em1933,eledeclarou:“Quandoumoponentediz:‘Nãovouparaoseulado’,eurespondo,comtodaacalma:‘Seufilhojánospertence...’”ComoMelita se sentiaàvontadecomsuaamiga judia,nãoconseguiaaceitar

queameninaacabariasofrendoalgummal.Quandosoubequeosjudeusestavamsendo destituídos das profissões e confinados em guetos, racionalizou que sóquemestavasendoperseguidoera“ojudeu”,obicho-papão.Apesardeserumajoveminteligente,aracionalizaçãofuncionou.

Page 63: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Anegaçãodarealidadeeraummecanismodedefesacomumentreosalemães.Bernt Engelmann conhecia um médico judeu que foi visitado por um jovemsoldadoalemãodasTropasdeAssalto.“Nãohavianadadeerradocomorapaz.Só estava com a garganta um pouco inflamada, provavelmente por ter gritadotanto ‘Heil’”, explicou o médico. Na verdade, o soldado só queria conversar.Talvezquisessealiviaraculpa.Elecontouoqueandavafazendo,inclusiveofatodequepreencheramaisdequinhentascédulasparaajudaraforjaroresultadodeumaeleição.Quandoaconsultaacabou,osoldadosevirouparaele,muitosério,edisse:“Queroquesaibaquenãotenhonadacontraosenhor.”Então,comumasaudação nazista, exclamou “Heil Hitler!” e saiu. Era comoHeinrichHimmlerdeclarou, certa vez, em um discurso aos guardas do campo de concentração:“Todoalemãotemseujudeufavorito.”Depois que os nazistas assumiram o poder, foi questão de dias antes de as

liberdades começarem a desaparecer de todos os setores da vida. A Lei deHabilitação permitiu que Hitler fizesse leis sem recorrer ao Reichstag; aliberdade de expressão foi abolida; houve a introdução dos campos deconcentração;ospartidospolíticosforamproibidos,eossindicatos,destruídos;espancamentos começaram a ser administrados; e livros que refletiam um“espírito não alemão” foram queimados. Em um discurso para estudantes deBerlim,duranteumaqueimadelivros,JosephGoebbelsdeclarou:

Ofuturoalemãonãoseráapenasumhomemdoslivros,mastambémdecaráter.Éparaessefimquequeremoseducá-los.Aindajovens,éprecisoquevocêstenhamacoragemdeenfrentaroolharimpiedoso,superaromedodamorteerecuperarorespeitopelamorte—essaéatarefadajovemgeração.

Esta é a chave para as intenções nazistas.Os jovens enfrentavamum futuro deação, sacrifício, certeza e obediência, sem o menor espaço para aindividualidade. Como o líder da Frente Alemã para o Trabalho, Robert Ley,declarou: “não existe essa coisa de indivíduo em particular”. Hitler foi aindamaislonge.Emumaconversaconfidencial,descreveucomo,apartirdos10anosatéaidadeadulta,umjovemalemãoseriaenviadodeumaorganizaçãomilitaraoutra,atéquesetornasse“umcompletonacional-socialista”.Depoisdeconseguiressa transformação, Hitler declarou que “eles nunca mais serão livres, nãoenquantoviverem”.A ambição de Hitler estava tomando forma. Christabel Bielenberg, uma

britânicaqueviviaemHamburgo,sededicavaàoposiçãoaonazismo.Depoisde

Page 64: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

doisanosdegovernonacional-socialista,elareparouqueosjovensquesempreviapelasestradasruraistinhampassadoausaruniformesdaJuventudeHitleristae cortes de cabelo idênticos: cabelos curtos para osmeninos e tranças para asmeninas.Reparouqueo individualismoparecia terevaporado.Mas tambémfoiforçadaaadmitirqueaspessoaspareciammaisalegresesecomportavammaiseducadamente. O medo de uma crise financeira parecia ter passado, e umsentimentodeautoestimanacionalestavaretornando.Ootimismonãoeravisívelemtodososlugares,claro.Emabrilde1936,Bernt

Engelmannestavaemumtrem,quepassavaporDuisburg.Naépoca,as“estradasAdolf Hitler” de longa distância ainda estavam sendo construídas, e dois dostrabalhadoresdaconstruçãoestavamsentadosna frentedele, conversandoentresi,reclamandosobreoprojeto.UmajovemmembrodaLigaNacionalSocialistadeMulheresentrounaquelevagão tãovariadoecumprimentoua todoscomum“HeilHitler!”antesdesesentar.Elapassouumtempolendoojornal,enquantooshomens continuavam reclamando. “Vocês precisam mesmo reclamar tanto?”,perguntouamulher,derepente.“Deveriamagradecerportertrabalho,sergratosaoFührerporselivrardodesemprego!”Oshomensaencararamporumtempoantesdeumdelesresponder,explicando

queestavamnoserviçoobrigatório,comapenasdezdiasdefériasporano,quedormiam em um colchão de palha dentro de um barracão de madeira, que acomidaerapéssimaeosalário,jábaixo,sempresofriareduções.Ohomemdisseque,naverdade,ganhavaaindamenosdoqueantesdeosnazistaschegaremaopoderequenemsequerpodiarealizaroofícioqueadotaraparaavida.A jovem ficou um tempo em silêncio. Quando ela finalmente falou, foi um

protestodeque aAlemanha tinha recuperado a força, dequeHitler conseguiraoperarmilagres,equeopovotinhaesperançarenovada.“VocêprecisaterfénoFührer!”,completou.Já analisamos a qualidade quase religiosa da evacuação de Dunkirk, mas o

evento não se compara à santidade secular doTerceiroReich, ondeHitler e apátria representavamDeus e oCéu.A jovem invocavaHitler como um cristãoinvoca Jesus e um muçulmano, Alá. Dois anos mais tarde, pouco antes daKristallnacht, Melita Maschmann tinha outra de suas experiências eufóricas equase religiosas, desta vez em uma reunião de líderes da Liga das MeninasAlemãs.Asensaçãodeserjovem,depertencimento,deestarentregentequeamauns aos outros, de partilhar uma tarefa comum — recuperar a grandeza daAlemanha—aenchiadealegria.

Page 65: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Mas a maior alegria intoxicante de Melita viria depois do fatídico 1o desetembro de 1939, quando a guerra começou com a invasão da Polônia.Anunciada naAlemanha como uma ação legítima para libertar os alemães queviviamem territóriosocupados,Melita foi enviadaparaatuarna invasãocomooficialemumacidadenafronteirapolonesa.Aochegarde trem,elafoi tomadapor uma sensação de invulnerabilidade.Todomedodesapareceu quando ela sesentiupartedealgomaiordoqueelamesma.CumprindooidealdeRobertLey,Melitanãoeramaisumindivíduo:tornara-seaprópriaAlemanha.MasnãofoisóomedoqueMelitaperdeu,depoisqueaguerracomeçou.Em

1940, a jovem foi enviada paraWartheland, uma área anexada onde havia umgrandenúmerodejudeusepoloneseseapenasumapequenaminoriadealemães.O carro ficou atolado quando ela fazia a travessia do rioWarta junto com umlíderdaJuventudeHitlerista.Osdoisficarampresos,comaságuassubindo,eocarrodemorouaserrebocado,levadoparasegurançaporumaequipedehomensmagros e barbudos locais.Acabaram descobrindo que eram judeus, forçados aviver juntosaosmoldesdeumcortiço.Depoisqueocarrochegouemterra,osjudeus trabalharamarduamente para limpar a lama e o lodo.AssimqueMelitaestava prestes a embarcar, um dos homens a deteve: tinha encontradomais umpequenopedaçodesujeiraquequeriaremover.Quando o sujeito terminou, Melita e o líder da Juventude Hitlerista se

afastaramsemdizerumapalavraàquelesjudeusquetinhamsaídodeseucaminhopara ajudá-los. Ela sequer os olhou nos olhos. Desprezava aquelas pessoassimplesmente por serem judeus e por quererem ajudar aqueles que osdesprezavam, mas também estava envergonhada. Sabia que deveria teragradecido.Mas como poderia reconhecer a humanidade deles?Não eram indivíduos. E

muitomenosela.MelitahaviasetornadoaprópriaAlemanha.

OsEstadosUnidos

Os alemães, é claro, não foram os únicos ocidentais a sofrerem dificuldadeseconômicas entre as duas guerras.Os EstadosUnidos tinham passado por umagrande queda do mercado de ações, em 1929, que ocasionou uma terríveldepressãoduranteosanosposteriores.Quasetodososníveisdasociedadeforam

Page 66: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

afetados, mas o maior sofrimento coube aos mais pobres, com os saláriosdiminuindoeotrabalhoficandomaisescasso.Com o “novo acordo para o povo americano”, o NewDeal de Franklin D.

Roosevelt, e especificamente com a introdução da Administração Nacional daJuventude, finalmente surgiua esperançapara aquelaspessoasemdificuldades.Os jovens foram amparados com subsídios em troca de empregos de meioperíodo,oque lhespermitiapermanecernoensinomédioenafaculdade.Alémdisso, escritórios locais da Administração da Juventude os colocava emprogramasdetreinamentooutrabalhosemtempointegral.AAdministraçãoNacional da Juventude era um programa federal de grande

escala que alguns achavam que não pareciamuito americano, já que promoviaassistência social. Na verdade, as iniciativas de Roosevelt até pareciamextraordinariamente semelhantes às de Adolf Hitler: organizações juvenis,campos de trabalho para os jovens, projetos de conservação enfatizando aimportância da aptidão física e da vida ao ar livre, uma miríade de novasagênciaseregulamentos.Decerto,essesdoislíderesherdarameconomiasdevastadas,eambostentavam

restaurar a autoestima — e as finanças — de suas nações. E também davamgrande importância a seus jovens, que eram os portadores do ressurgimentonacional,entãorecebiamtratamentoespecial.Mas é aí que as semelhanças terminam. Na Alemanha de Hitler, o Estado

queriaeliminaraindividualidadedeseusjovens.Osalemãesteriamumfuturodeserviçoeobediênciaàpátria,cujasnecessidadeserammaisimportantesdoquesuaspróprias.AsiniciativasdeRooseveltpodemtersidocoletivas,maselenãotinhadesejoalgumdefazerlavagemcerebralnajuventudedosEstadosUnidos.ONew Deal oferecia um crescimento individual ao lado do nacional. E comopoderia ter sido diferente nos Estados Unidos, um país construído sobreautossuficiênciaeexpressãoprópria?Hoje em dia, estamos muito acostumados com a cultura jovem despontando

primeironaAméricadoNorte antesde se espalharpelomundo.Foi no fimdadécadade1930,comasmedidasdeRooseveltobtendocadavezmaissucessoeadepressãodiminuindo,queaverdadeiraculturajovemfoivistapelaprimeiravez.Emboraojazzfossepopularjáhaviaalgumtempo,estefoioperíodoemqueeleexplodiunoswingeseespalhoupor todososníveisdasociedade.Eemboraapalavra “adolescente” (“teen-ager”) só fosse ser utilizada dali alguns anos eaindafaltasseumadécadaemeiaparaorock‘n’roll,amúsicacerta,asroupas

Page 67: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

certaseasatitudescertasadquiriramnovaimportânciaentreosamericanosteens(essa,sim,umapalavraemuso).Emgrandeparte, issofoigraçasaoNewDeal.Trêsquartosdos jovensentre

14 e 18 anos passaram a permanecer no ensino médio, uma proporção muitomaior do que antes. Já não tão influenciados pelos pais ou pelos colegas detrabalhomaisvelhos, elescomeçaramacriaruma identidadedistintadentrodesuabolhaadolescente.OsociólogoAugustHollingsheadconseguiuespiardentrodabolhaquandoconduziuumestudodos jovensemumacidadedoMeio-Oeste(querecebeuaalcunhadeElmtown,paradisfarçarsuaidentidade).Umamenina,uma adolescente mal compreendida, anos antes desse tipo ser identificado,declarousobreseuspais:“Àsvezesparecequeelessimplesmentenãoentendemoqueosjovensqueremfazer.Aíachamquetemosquefazeroqueelesfaziamhávinteanos.”Outros assuntos referiam-se à roupa e ao estilo. “Janet émuito criançona. E

tambémnãosevestedireito”,comentouum.“Por issoqueelanãoéaceita.”Apressãodospareseraintensa,esóerapossívelsevestiradequadamenteporqueosestudantesdoensinomédiotinhamrendadisponível.Elesmoravamemcasa,muitas vezes recebiam dinheiro dos pais e quase sempre tinham empregos demeio período. Sem aluguel ou contas a pagar, não havia desculpa para não sevestir “na estica”, como colocou umamenina deElmtown.Emesmoos jovenssemdinheiro,vivendodaspequenasquantiaspagaspelaAdministraçãoNacionalda Juventude, estavam dispostos a gastar o que tinham para parecer bem. Omaterialismoamericanotemumalongahistória,afinal.O estudo de Elmtown aponta fatos interessantes em relação ao sexo e ao

casamento, revelando que entre muitos rapazes era uma questão de honra sersexualmente ativo. “Umgarotoque todos sabemouacreditamservirgemnão émuito respeitado”, escreve Hollingshead, descrevendo um pequeno grupo demeninosdeclassebaixaautonomeado“TheFiveF’s”—umquaseacrônimo,cujatraduçãosignificava“encontrar,alimentar,apalpar,fodereesquecer”.5Asmeninas, por outro lado, tinham que trilhar uma linha perigosamente fina

entrea“diversão”eser“fácil”.“Mary”contouaHollingsheadsobreumadançacomcertorapaz.Nobaile,eladecidiuqueomenino“poderiaseguiremfrente”,masteriaqueficarbêbadaparairatéofim,entãoocasaldirigiuatéumbar,ondeMary tomouumbourbonduplo e trêswhiskies duplos.Depois disso, dirigiramparaumlugarisolado.“Ah,foimaravilhoso!”,contouMary.Nosmesesseguintes,elaseenvolveucomoutroscincohomens,saindopelomenosemquatroencontroscomcadaumantesde“setornaremíntimos”.Maryeramuitoenfáticaaodizerque

Page 68: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

nenhumdosrapazessabiadeantemãoque“elajásabiatudoaquilomuitobem”.Então,aos18anos,elasecasoucomumoperáriode20anos.Eraofimdesuasbreves—porémintensas—aventuras.Ainda assim, como emqualquermudança social, foi amúsica que realmente

marcouanovaculturadajuventude.Oswingtinhaumritmoextraordinariamenterápidoepareciaaterrorizanteparaosouvintesbrancosmaisvelhos.Incentivavauma dança selvagem, fora de controle, ou até mesmo a dançar sozinho semparceiro.Músicascomo“SingSingSing”,deBennyGoodman,tinhamumtoquedebateria forteebrutal.A turminhadosdescolados,os“hepcats”,conversavaporumcódigodegíriaschamado“jive”.Elesvestiam“drapes”,roupasiradas,epassavam as noites, as “hard blacks”, se divertindo no “Apple”, o conhecidobairro do Harlem. Apesar de— e por causa de— seu passado marginal decultura da rua, o swing tornou-se extremamente popular entre o público brancojovem.Nanoitede16dejaneirode1938,oswingchegouaocenárioartísticooficial

emumaapresentaçãodeBennyGoodmanesuaorquestranoCarnegieHall,asaladeconcertosmaisprestigiadadacidadedeNovaYork.Quandoperguntadosobreo tempo do intervalo, Goodman respondeu: “Não sei. Quanto tempo temToscanini?”Equando,váriosmesesdepois,100milpessoasde todasas raçascompareceram a um show de Swing Jamboree, em Chicago, a música pareciaestarerguendoanação.“Oswingéavozdajuventude,queseesforçaparaserouvidanestemundoquemudatãodepressa”,relatouoTheNewYorkTimes.Eraavozdaesperança,daAméricaquefinalmenteemergiadadepressão.Masseriaumerropensarqueos jovens tinhamultrapassadoesuperadoseus

pais.Umapesquisaconduzidapelo InstitutoAmericanodeOpiniãoPública,em1940,perguntouaos jovensde todoopaís:“Vocêsprefeririammudarparaumaformadiferentedegoverno,seissolhestrouxessemaistrabalho?”Oitentaeoitopor cento dos consultados responderam que não. “Temos a única formaconsistentedegovernopossível”,disseumentrevistado,falandopelamaioria.Os jovens americanos podiam ter ficadomais otimistas durante a década de

1930, terdesenvolvidosuaprópriacultura,masestavamfelizesempermaneceramericanos. E, de certa forma, foram o ponto de referência pelo qual a novaEuropa se mediu. Sua cultura foi adorada e copiada na Grã-Bretanha,vilipendiada e proibida na Alemanha. Mas, mesmo se definindo com tantodesprendimento, os jovens não poderiam, em última instância, escapar dastensõesquese formavamnaEuropa.Onovomundoaindanão tinhasuperadoovelho.

Page 69: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

3Termoutilizadoemrelaçõesinternacionaisediscussõespolíticasparasereferiraumaameaçaàexistência.[N.E.]4Regiãodonorte,sudoesteeoestedaatualRepúblicaTchecacommaioriapopulacionalalemã,anexadapelaAlemanhaemoutubrode1938.[N.T.]5Nooriginal:TheFiveFs:“Find’em,feed’em,feel’em,fuck’em,forget’em”.[N.T.]

Page 70: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

E

Três

Olongo,ocurtoeoalto

M 3 DE SETEMBRO DE 1939, o primeiro-ministro britânico NevilleChamberlain anunciou que a Grã-Bretanha estava em guerra contra a

AlemanhaequeaForçaAéreaRealjáenviaraumpequenogrupoavançadoparaaFrança.Nodiaseguinte,outrosgruposavançadospartiramdePortsmouth.Dalia uma semana, homens de quatro divisões chegavam aos portos franceses —exatamentecomoseuspaisetios,poucomaisdeumquartodeséculoantes.No entanto, prontidão não indica preparo. O general de divisão Bernard

Montgomery,comandanteda3aDivisão, escreveuqueoExércitobritânico“eratotalmente incapaz de travar umaguerra de primeira no continente europeu”.AGrã-Bretanha era justificadamente célebre pela Marinha Real, que muitocontribuíraparaodesenvolvimentodaguerraaérea,masoExércitoqueavançavaemdireçãoàFrança,emsetembrode1939,estavapoucopreparadoeequipado.Aindaemabrilde1938,ogovernohaviadeterminadoquearespostadaGrã-

BretanhaaumaguerraeuropeiasedariasobretudoemforçasnavaleaéreaequeasforçasterrestresnãoseriamenviadasparaaEuropa,ficariamparaadefesadaGrã-Bretanha e seu ainda extenso império. No início da guerra, ocorreu umareavaliação desesperada, somada a uma explosão frenética de rearmamento e

Page 71: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

treinamento de tropas, com a introdução do recrutamento. Havia muito o queresolver.Os soldados daGrã-Bretanha estavam prestes a se envolver em uma guerra

moderna, lutandocontradivisõesblindadas,masaindausavam rifles antitanqueque logoseprovariam inúteis,abatendomaisombrosbritânicosdoque tanquesalemães.Embora oExército britânico tenha sido o primeiro a usar tanques, noSomme em 1916, a 1a Divisão Blindada não estava pronta para passar tantosmesesdooutroladodocanal.DuranteoperíodoatéaevacuaçãodeDunkirk,osbritânicossofriamumaescassezdetanqueseficazes—sóoMatildaMarkII,comcanhãodecalibrede2libras(ou40milímetros),develocidadeimpressionanteearmadura espessa, rivalizava com os melhores tanques franceses e alemães.Montgomery, comandante de divisão, escreveu que não viu um único tanquebritânicodurantetodooinverno.Emsuma,aForçaExpedicionáriaBritânicanãoestavaprontaparairàguerraquandonavegouparaaFrança.Apesar disso, emnovembrode1939,LordeGort, comandante-chefedaBEF

(Força Expedicionária Britânica), disse ao jornalista James Lansdale Hodson:“Nuncativeamenordúvidasobreoresultadodestaguerra.”Gorteraumhomemanimadoeestavafazendoomelhorparaimpulsionaropaís,mas,alémdoestadodo Exército, tinha outro grande problema pela frente: como chefe da ForçaExpedicionária, era o responsável para tratar com o comandante local francês,generalGeorges,queporsuavezestavasobasordensdocomandantesupremofrancês, generalGamelin.À primeira vista, isso era aceitável, dado o tamanhorelativo das forças, mas na prática significava que a BEF poderia ser tratadacomo subordinada. Os últimos planos e relatórios poderiam ser retidos, econselhos e opiniões poderiam ser ignorados.Gort tinha a responsabilidadedevigiarseualiadodeperto.AForçaExpedicionáriaBritânica, comovimos, eracompostaprincipalmente

por jovens cujo caráter se formara durante a depressão, homens influenciadospelacrescenteculturajuvenilequesealistaramporrazõesquevãodesdeabuscade emoção até a fuga do desemprego.Mas aBEF era uma igreja ampla.CyrilRoberts,primeiro-sargentodoRegimentoReal,erafilhodepainegrodeTrinidade Tobago e mãe branca de Lancashire, repudiada pela família pelo casamentointer-racial. Em uma época em que aproximadamente apenas 0,0003% dapopulaçãobritânicaeranegraoumiscigenada,CyrilnãoeraincomumapenasnaBEF,masnasociedadecomoumtodo.Cyrileseu irmão,Victor,criadosnosuldeLondres,aprenderamrápidoase

defender. “Quandovocê era o único garoto negro da classe, tinha que erguer a

Page 72: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

cabeça e seguir em frente”, relata a filha de Cyril, Lorraine.Mas os meninostinhamummodeloaseguir:seupai,George,serviranoRegimentodeMiddlesex,naPrimeiraGuerraMundial, e se tornara conhecido como “OBombardeiro deCocos”,porsuahabilidadedelançargranadas—habilidadequeeledesenvolveuporacaso(rezaalenda)emTrinidad,derrubandococosdopé.Cyril,queantesdaguerraeraaprendizdeengenheirotelefônico,seguiuopai

no Exército, ingressando antes da idade e sendo promovido acima de homensmaisvelhoseexperientes.“Eleeramuitocalmoeorganizado”,contaLorraine.“Tinhaalgumacoisadiferente.Podiaassumirocomando,easpessoasfaziamoqueelemandava.”ObatalhãodeCyrilpartiudeSouthampton,chegandoaLeHavrebemcedona

manhãseguinte.Eraaprimeiravezqueaquelesjovens—comotantosoutros—viajavamparaoestrangeiro.Oquedeviamesperar?ComoseriaaFrança?Seriadiferente?O segundo-tenente Peter Hadley, do Regimento Real de Sussex, notou uma

animaçãonãodisfarçadaentre seushomensquandoatravessaramocanal.Eramcomo crianças em uma excursão da escola. Mas, depois de pouco tempo naFrança,Hadleycomeçoua ler as reclamaçõesnascartasqueenviavamparaospaiseasnamoradas,expressandoadecepçãoquesentiramaoverqueaspessoasecasaserammuitoparecidascomasdaInglaterra.O batalhão deCyrilRoberts teve uma experiência semelhante.No início, os

soldadosseaglomeravamnas janelasdacomposiçãodurantea travessiapeloonorte daFrança,mas logo ficaramentediados e se afastarampara jogar cartas.Quando chegaram ao destino — Abancourt, no Pas-de-Calais —, os homensforamdesignados a trabalhar na construçãode linhas ferroviárias.Era trabalhofísicoduro,realizadocompáepicaretaesemqualquerassistênciamecânica.Eisso,noque lhesdizia respeito, seriaaextensãode seupapel:não tinhamsidotreinadosparalutar.Pouco antes do início da guerra, amaioria das pessoas naGrã-Bretanha era

declaradamente a favor do confronto. Depois que tudo começou, a maioriaacreditavaqueoblefedeHitlerforadesafiado.JávimosadeclaraçãodeLordeGortaumjornalista,emnovembrode1939.Avitóriaeracerta,etodos,desdeocomandante-chefe até o cidadão médio, pensavam assim. É claro que muitasdessaspessoastambémacreditavamqueaúltimabatalhaterminarianoNatal.Alémdisso,aguerra tambémfoibem-vindaporrazõespessoais.FredCarter

era concretador, mas estava desempregado antes de ingressar nos EngenheirosReais.Eleviaaguerracomoumaoportunidadederetornaraoantigoofício,ou

Page 73: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

pelomenosaumtrabalhomuitoparecido.JohnWilliams,daInfantariaLigeiradeDurham, sentia-se muito triste pelos “pobres idiotas” que não estavam noExército, condenados a seus trabalhos ordinários, enquanto ele e seuscompanheirosrecebiamaglóriaeasgarotas.Ouvindo o pronunciamento de Chamberlain em seu refeitório, em Surrey,

Jimmy Langley, um subalterno da Guarda de Coldstream, admite que quaseesperavaqueumpardealemãesarmadosirrompessepelaporta.E,parapoucosbritânicos,aaçãodefatocomeçourápido.WinifredPax-Walkereraumalondrinade18anosqueaspiravaseratrizdecinema.ElaestavaviajandocomamãeparaMontrealnotransatlânticoAthenia,dacompanhiaAnchor-Donaldson.Naquela noite, com o navio a mais de 300 quilômetros a oeste da Irlanda,

postaram um informe anunciando que a guerra fora declarada. No jantar, umhomemque soavacomoautoridade, jáque foravítimadegásnaúltimaguerra,disseaWinifredesuamãequeoAtheniaestariaasalvodoataque.ExplicouqueosalemãesnãoatacariamatéqueonaviovoltassedaAméricadoNortecheiodearmamentos e, como estavamviajando para longe daGrã-Bretanha, não tinhamcom que se preocupar. Assim que o homem terminou de falar, o Athenia foiatingidopeloprimeirodedoistorpedosalemães.Hitlerderaordensparaquenenhumnaviodepassageiros fosseatacado,mas

parece que o comandante doU-30, um submarino alemão, confundiu oAtheniacomumcruzadorauxiliar (nomedadoaosnaviosmercantesarmados), jáqueotransatlântico estava ziguezagueando e com todas as luzes apagadas. Temerosodas consequências para um acordo de paz, o ministro alemão da Propaganda,JosefGoebbels,logonegouqualquerresponsabilidade.Winifred e suamãe achavamque iam escapar da guerra,mas o confronto as

encontrouempoucashoras.QuandooAtheniacomeçouaafundar,primeiropelapopa, o bote salva-vidas não baixou direito, e ninguém conseguiu encontrar oplugueparaoorifício.Depoisderesolvidosaquelesproblemas,ospassageiroscomeçaramadescerdoisdecadavez,quebrandoaescadadobarcosalva-vidas,eosmarinheirostiveramquepescaraspessoasparaforadaáguacomganchos.AmãedeWinifredfoiapanhadadoconvésdonavioporummarinheiroejogadanobarco.Winifredfezseuprópriocaminhoparabaixo.No escuro, o bote salva-vidas encontrou um cargueiro norueguês, o Knut

Nelson, e os passageiros foram levados a bordo. Enquanto navegavam paraGalway,naIrlanda,ocapitãodocargueirodisseaWinifred:“Vocêsbritânicos!Estãosempreemguerra!SejamcomoaNoruega!Fiquemdeforadissotudo!”Umpoucomaistarde,quandooencarregadopelotransporteseaproximoudoportode

Page 74: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Galway,Winifredouviuduassenhorasinglesasdemeia-idadeconversandocomose estivessem em uma reunião do Instituto dasMulheres. “Mas é claro, minhaquerida”,iadizendouma,“temquecobrirobolocomoglacêrosa...”Cento e doze passageiros do Athenia foram mortos no ataque. Como

consequência,poucosnaviosdepassageiroscontinuaramaatravessaroAtlântico.HárelatosdequeospassageirosamericanosabordodotransatlânticoAquitania,da Cunard, oraram fervorosamente para que a travessia terminasse em paz,enquanto os passageiros britânicos ficavam sentados no Palladium Lounge,envolvidosemumaconversadeterminadaarespeitodoclima.Até27desetembro,152.031soldados(e60miltoneladasdecarnecongelada)

haviam chegado em segurança à França. JohnWilliams ficou surpreso em vertantas luzes brilhantes nas cidades francesas, completamente diferente dascondições de blecaute na Inglaterra. “Todos aqueles bares e bordéis com luzesacesas!”, lembra. William Harding ficou tocado pela recepção calorosa daArtilhariaReal.MarchandopelasruasdeCherbourg,ossoldadosreceberamumachuvadefloresdepessoastãoinclinadasnasjanelasquepareciamprestesacair.E,quandochegaramaodestino,a lestedeLille,no lado francêsda fronteira

comaBélgica,oshomens começarama cavar e a fortificar casas e casamatas.Elessecomportaramcomoseestivessemseassentando,emboranãotivessemaintençãodepermanecer.Depois que começasseo esperado ataque alemão, iamavançar75milhasa lesteparaassumirnovasposiçõesnorioDyle,naBélgica.Haviaumasériederazõesparaisso:osfrancesesqueriammanteralutalongedesuasáreasindustriais,osbritânicosnãoqueriamosalemãesestabelecendopistasde pouso dentro de uma distância de ataque ao sul da Inglaterra, e ambas asnações queriam a Bélgica como parceira. Mas, como a Bélgica declarouneutralidade, os franceses e britânicos não foram autorizados a entrar em seuterritórioatéoiníciodoataque,entãoconstruíramdefesasinúteis.ParaWinstonChurchill,aposiçãodaBélgicaeraumafontedefrustração.Em

janeiro de 1940, ele comparou a neutralidade diante da ameaça alemã com aalimentação de um crocodilo. Cada país neutro esperava que alimentar ocrocodilobastasseparagarantirque fossedevoradoporúltimo.Aindaassim,édifícilnãosimpatizarcomaBélgica:seelativesseentradonaguerra,osalemãesteriamusado issocomopretextoparaa invasão.ComoOliverHarvey,ministrobritânico em Paris, observou em janeiro de 1940: “A Alemanha vai invadir aBélgicaseacharconveniente,nãoimportaoqueaBélgicafizer.”Por causa disso, as tropas britânicas construíram a inútil linha Gort. As

trincheirasdoinvernoestavamtãomolhadas,eoníveldaáguaeratãoalto,que

Page 75: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

os soldados de infantaria acabaram cavando barricadas praticamente nus dacintura para baixo, com lona enrolada em torno dos pés. Richard Annand, umoficialdaInfantariaLigeiradeDurham,descobriuqueseushomenstrabalhavamcommaisempenhoquandoeletambémparticipavadaescavação.Seugeneraldebrigadalogoordenouqueelesaíssedatrincheira,alegandoqueseutrabalhoerasupervisionar os homens, e não se tornar um deles. Ao cruzar certos limites,Annand estava arruinando a hierarquia para os membros de sua classe. Aindaassim, voltou para a trincheira e continuou a semisturar comos subordinados.Por fim,ogeneraldebrigadavoltou,murmurandocomraivaaocoronel: “Vejoquetemsoldadosbemrefinadosnoseubatalhão.”O inverno de 1939 foi particularmente frio, e as condições de vida dos

soldadoseramprecárias.Depoisdeencontrarseualojamentonoceleiroinvadidopor ratos,oshomensdoRealCorpodeSinaleiros tiveramqueconstruir camasusando os materiais disponíveis, como madeira e cabos telefônicos. ColinAshfordlembra-sedeselavarebarbearemumlagocongeladoecheiodealgas,com gado bebendo das águas. Percy Beaton, dos Engenheiros Reais, teve quelimpar um alojamento que os soldados franceses estavam usando. “Tinhaexcrementosportodoolugar”,contou.“Osfrancesesobviamentetinhamlimpadoostraseiroscomamãoedepoisaesfregadonaparede.”Depois que os soldados britânicos começaram a usar uniforme de batalha,

substituindo o traje de serviço mais formal, anterior, a disciplina diminuiu.UniformesdebatalhanãotinhambotõesreluzenteseJohnWilliamsafirmouque,emboraasbotasaindaprecisassemdepolimento,ecintasdealgodão,deblanco,6os soldados não erammais “aquele pessoal elegante, combotões brilhantes domêsanterior”.Para alguns, era difícil até parecer apresentável. “Meu uniforme era muito

desconfortável”, relatou FredCarter, dosEngenheirosReais.Nos depósitos dointendente,tinharecebidoumuniformemuitomaiordoqueoseutamanho,entãotentou fazer ele mesmo as alterações necessárias. Infelizmente, Carter não eraalfaiate.Ouniformeconsistiadeumatúnicamarrom-esverdeadaecalçasdelãdesarja,

o mesmo para oficiais e soldados— embora os oficiais usassem o colarinhoabertocomgravata.Naquelafaseinicialdaguerra,aindahaviapoucasmarcasouinsígniasdeidentificaçãonotecido.Oficialmente,asúnicasinsígniaspermitidaseramostítulosremovíveisnoombro(comonomedoregimentoemletraspretassobrepanocáqui),umadivisadepostodetecidosimpleseumainsígniadearmasde tecido liso.Para refletir seu statusde elite, os regimentosdeguardas foram

Page 76: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

autorizadosausartítulosdeombroscoloridos.Jáoscapacetespodiamserusadoscomousemcapasdecamuflagemdejuta.A padronização do uniforme servia para oferecer omenor número de pistas

possívelauminimigocurioso—aúnicaevidênciadeidentidadepessoaleramasetiquetasde identificaçãoverdesevermelhasusadasaoredordopescoço,comnome, número e religiãodo soldado.Contudo, era oExército, e as regras logoforampostasàprova.Algunsregimentoscontinuaramausartítulosdeombrodemetal no estilo antigo, alguns usavam títulos de ombros coloridos, e outrosusavam modelos removíveis em padrões e cores diferentes. Assim, embora amaioria dos soldados britânicos em Dunkirk devesse ter uma aparência deuniformidadeespartana(aindamaisconsiderandoosobretudosimplesepesado),deviahavermuitasexceções.Uma dessas foi o Cameron Highlanders, o único regimento da Força

ExpedicionáriaBritânicaausarokiltnaFrança,apesardaproibiçãooficial.Otartan era conhecido como Cameron de Erracht, embora fosse frequentementeconfundidopor“aventaisdekilt”,cobertasdekiltsimples,amarradasnacintura.Com suas proeminentes bolsas frontais, faziam o portador parecer um cangurucáqui.A comida do Exército quase nunca era agradável. Não havia Corpo de

Refeições do Exército até 1941, e, de acordo com George Wagner, sempredestacavam o sujeito mais estúpido para fazer a comida. O cozinheiro dacompanhiadeWagner,conhecidocomo“JackLouco”,erafamosopelagororobaindigesta. “Qualquer um que se voluntariasse poderia se tornar cozinheiro”,contou Norman Prior, dos Fuzileiros de Lancashire, que ainda se lembra dosvoluntáriospoucoanimadosquedistribuíamporçõesdeguisadodeMaconochies,oodiadoenlatadodasguerrasanteriores.7Existia uma alternativa. Soldados britânicos, criados com dietas simples,

estavam agora emumpaís onde o alimento era saboreado e celebrado, e ondeanimais incomuns eram comidos commolhos requintados. Ainda assim, JamesLansdaleHodsonafirmouqueosbritânicosnãoestavamdispostosaexperimentarnenhumanovidade:“Alguns...Mesmotendoaoportunidadedeumalmoçocomosopa,sardinha,vitelaecafé,preferiamovosebatatasfritas.Nãogostavammuitodeomeletes...ossoldadosqueriamovosfritos,nãomexidos.”O suboficial escocês, Alexander Frederick, pagava 5 francos a noite pela

mesmarefeição:umpratodeovosebatatasfritas,umatigeladecafécomleiteeumpedaçodepão.JohnWilliams,quepassavaamaiorpartedotempolivrenaNormandiaemumcafétocadoporumaviúva, tinhaapenasumaqueixa:elanão

Page 77: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

sabiafritarovos.“Atéqueumdiafuiàcozinhaepergunteisepodiamostrarcomosefazia.”Nem todos concordavam com o estereótipo. Colin Ashford gostava de

experimentarcomidasnovasemLilleeafirmavaqueosboloslocaiserammuitomelhores do que qualquer coisa que tivesse comido em casa. Além disso, eleexperimentoucarnedecavaloebatatasfritas.“Eratudobom...”Tambémhaviabebidasdesconhecidasàdisposição.Estaminetseramcafésque

serviamálcool, onde algunshomens aprenderamabebervinho e cerveja lager,enquanto outros permaneceram com a habitual cerveja escura. Era quaseafeminadobeber a cerveja claraoua lager, recordou JohnWilliams. “Hoje emdia,vejoosMarkseSpencer8 cheiosdevinhos,edou risadasódepensarnosdiasemqueovinhoeraentãoalgoestranhotípicodosfranceses.”EnquantoWilliamsafirmaqueossoldadosbritânicosnuncacausaramqualquer

problema,sabemosquealgumasvezescausaram,sim.Emdezembrode1939,umpolicial militar de 23 anos, o anspeçada9 Rowson Goulding, foi acusado deassassinatoapósumabrigaemumestaminet.Umestudodatranscriçãodacortemarcial revela alguns fatos incontestáveis: Goulding e quatro colegas estavambebendojuntosnoCafédelaMairie,emDrocourt,quandoseenvolveramemumabriga com os habitantes locais. Cadeiras e garrafas foram arremessadas, e,minutosmaistarde,ouviram-sedisparosnarua.Umhomemlocal,FernandBince,foimorto.As testemunhas francesas alegaram que os soldados estavammuito bêbados:

tinhamcomeçadoa servir aprópriabebida, quebrar copos epegar charutosdetrás do balcão. Os franceses relataram que, quando pediram que os inglesespagassem,elesresistiramecomeçaramumabriga.Todosacabaramexpulsosdoestaminet, mas não antes de alguns dos locais— incluindo Fernand Bince—teremseferido.Ossoldados,poroutrolado,negaramestarbêbados.Alegaramqueumdeseus

colegas saíra ferido quando um local os atacou sem motivos, o que causou abriga. Disseram que tinham ajudado a levar o colega ferido para fora, e queGouldingestavaparticularmenteirritadocomoincidente.Qualquer que seja a versão verdadeira — se houver uma —, parece que

Gouldingcorreudevoltaparaoalojamentoepegouumrevólverdeumcolega,entãovoltouparaocafé.Bince tambémpode terarranjadoumaarma,mascomcerteza voltou ao café. Não houve testemunhas dos eventos subsequentes, masváriostirosforamouvidos,eGouldingfoivistoarrastandoBincepelaruapelos

Page 78: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

tornozelos.O francêsmorreu pouco depois, em um postomédico de campanhabritânico.Tinhasidobaleadoumaveznopeito.AcortemarcialjulgouGouldingculpadodoassassinatoeosentenciouàmorte,

mas duas cartas de clemência constam no arquivo do tribunal. A primeira foiditadapelamãedeBinceetraduzidaparaoinglês,expressandoamaiorsimpatiapor Goulding e pedindo às autoridades para lhe mostrar misericórdia. “Nãogostariaqueamãedelechorasseporseufilhocomoeuchoropelomeu.”Asegundacarta,doprefeitolocal,tambémpedeumabrandamentodesentença.

As palavras tocantes, em um inglês falho, afirmam: “Decerto não é porque umhomem tenha cometido um erro grave que deixaremos de amar o Exércitobritânico. O amor será ainda mais difundido se levarem meu pedido emconsideração, e é por isso que peço, com todo o respeito, que sejam o maisclementepossívelcomestepobrecabo.”Nocaso,Gouldingfoisalvo:asentençafoicomutadaparaprisãoperpétua.E

essas cartas revelam um período em que os franceses perdoavam muito aosbritânicos.ComodizGeorgeWagner:“Elesolhavamparanóscomosefôssemosseussalvadores.”Mas essa atitude não era universal. Quando o subalterno Anthony Irwin se

ofereceu para reparar o telhado de um fazendeiro, depois da queda de umestilhaço de granada antiaérea, foi recompensado pela consideração com umaacusaçãohistéricadaesposadofazendeiro.Culpandoosbritânicospelaguerra,amulherjogouumacanecadeestanhonacabeçadeIrwin.Omesmooficialnãotevemuitasdúvidassobreadisposiçãodosfrancesesem

relação aos alemães. Tendo sido alojado perto de Lille, com um vendedor devinhosesuafamília,ouviudeumadasfilhasdohomem,umamulherdecercade30 anos, um relato irritado de suas experiências na última guerra, quando doisoficiais alemães foram alojados com eles. Sempre que os alemães estavaminsatisfeitos comacomidaouovinho, agarravam-nae forçavam-naa se sentardentro da caldeira de lavagem, então ameaçavamqueimá-la se não recebessemalgomelhor.Elasofreuessetratamentopordoisanos.JohnWilliams,entretanto,ficou alojado com duas irmãs idosas que administravam uma agência doscorreios. Elas também tinham hospedado um oficial alemão durante a últimaguerra,umhomemquebebiacomregularidadeevomitavanasescadas.Quandoumadasirmãsochamaradeporcobêbado,foiarrastadaatéocomandanteepresaporváriassemanas.Amulhercontaquesuairmãfoiàcadeia todososdias lheentregarpão,quepassavaporentreasgrades.

Page 79: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Aindaassim,mesmocomtodasashistóriasdebrutalidadealemã,ésabidoquealgumas tropas britânicas também se comportaram mal, particularmente as doCorpoAuxiliardePioneirosMilitares.Emdezembrode1939,ogeneraladjuntobritânico observou que o comportamento dos pioneiros estava causando umdesgastenas relaçõesbritânicas comos franceses.Oshomensdaunidadeeramvelhos(comidademédiadequase50anos),careciamdedisciplina(tinhammaiscortesmarciais do que qualquer outra unidade na França), eram liderados poroficiaisde segundacategoria, e atuavamcomo trabalhadoresbraçais.Nogeral,possuíamumareputaçãosinistra.PercyBeaton,umEngenheiroRealquetrabalhouaoladodeumacompanhiade

pioneiros, foi tantoprotegidoquanto intimidadopor aqueles homens. “Eles nosolhavam como soldados jovens e inexperientes”, relatou, “e costumavam nosapadrinhar”. Depois de testemunhar o tratamento dispensado a um sargentoimpopular,quefoijogadoparaforadeumestaminetearrastadocomorostoparabaixoaolongodeumaruadeparalelepípedos,Beatontomoumuitocuidadoparanãoirritarospioneiros.Eleafirmaqueosargentoficouirreconhecível,com“sóduasfendaseumpoucodeboca”.Mesesmaistarde,duranteosúltimosestágiosdaretirada,JohnWilliamsparou

uma companhia de pioneiros que avançava em disparada em direção à costa.Aqueles soldados estavam fugindo quando deveriam estar lutando, e ele disseisso para o sargento-mor na liderança. Sem nenhuma surpresa, o sargento-mordiscordou:“Podetercertezadequeestamosdandooforadaqui!”“Vocêdeveriaestarenvergonhado!”,retrucouWilliams.“Vocêéumsargento-

mor do Exército britânico e está falando em fugir na presença de todos esseshomens?”Vários pioneiros apontaram os rifles paraWilliams, ameaçando atirar nele.

Tremendodemedo, ele ergueuopróprio rifle,dizendo: “Oprimeiroqueatirarnãovaiconseguirme impedirdedisparar issoaqui!Agora,qualdevocêsquermorrer?”Ospioneirosrecuaram,hesitantes,etomarampartenadefesa.Umpoucomaistarde,Williamsviuosargento-mordeitadoemumamaca,com

metadedanádegafaltando.“Vocênãodissequeeupodiatercertezadequevocêestavasaindodaqui,sargento-mor”,perguntou.“Bem,ficofelizemverquevocêestámesmosaindodaqui!”Noentanto,apesardetodososproblemasqueenfrentariamnofuturo,dápara

deduzirumacoisaapartirdosrelatosdossoldadossobreaguerradearaque:era

Page 80: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

uma espécie de férias. “Ninguém achava que havia uma guerra”, revelouWilliams.OsregistrosdisciplinaresdaForçaExpedicionáriaBritânicarevelamíndices

muitobaixosdedeserçãoaolongodesseperíodo.Defato,depoisqueumalertafoi emitido que os baderneiros seriam enviados para casa, na Inglaterra, ocomportamentodoRegimentodeMiddlesexmelhorouvisivelmente.Para Anthony Rhodes, um oficial com a 253a Companhia de Campo dos

Engenheiros Reais, um indivíduo discreto, a guerra de araque era “divertida einteressante”, mas ele se lembra de um médico, um homem mais velho quetrabalhava duro na vida civil, para quem o período veio como grande alívio.Simplificouavidadele,queagoraconsistiaprincipalmenteem“comer,bebereoqueosujeitochamavade‘verdadescarnais’”.JimmyLangley se lembra da alegria de seu pelotão, em uma tarde de sexta-

feira,aoreceberopagamentoantesdosoutrospelotões.Poucotempodepois,foiabordadoporseucoronel,queexpressousurpresapor tervistoa3aCompanhiaemumacorridadetreinamentoatravésdocampo.Langleyficouquieto,porqueoqueocoronelrealmentetinhavistoeraacompanhiacorrendoparaobordelmaispróximo—e com seu próprio pelotão na liderança.Uma corrida que ninguémqueriaperder.DavidElliott, doCorpoMédico doExércitoReal, lembra daRueABC, em

Lille, comouma ruadeparalelepípedos cheiadebordéis enfileiradosdosdoislados.Asportaseramcortadasaomeio,comoportasdeceleiro,eficavamcomametade inferior fechada.Aventurando-sedentrodeumdesses estabelecimentos,Elliottencontrouumsalãodedançaebar,ondemeninasdefio-dentalbebiamcomsoldados antes de levá-los para o andar de cima. “Era tudo uma surpresa paramim”, contou David, “e ver duas mulheres juntas! Porque, embora eu tivessequase21anos,achoquenuncatinhaouvidofalaremlesbianismo...”“Comanaturezahumanasendooqueé,nãohaviamuitaescapatória”,contouo

artilheiro da Artilharia Real, William Harding. Ele deu 10 francos para umamulheraofimdaescada(duasvezesopreçodeumpratodeovosebatatasfritas)eachouaexperiênciadecepcionante.“Nãohaviacalorhumano.”“Eunãoqueroparecervulgarouqualquercoisaassim”,acrescentouHarding,

“masantesdevocêentrarasgarotascostumavamsairdoquarto,abriraspernaseselimparcomumpedaçodepano.Entãojogavaotrapodelado,entreoscarasesperandoparasubir.Ehaveriaumabrigaporaquelepedaçodepano”.Claramente,haviaboasrazõesparaficarlongedebordéis—acimadetudo,o

perigodedoençasvenéreas.AlexanderFrederickjátinhasidoadvertidoporseu

Page 81: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

paieoutrosveteranosdaúltimaguerraparatercuidadoao“usarasinstalações”,mas, quando um oficial médico lhe mostrou imagens de genitais masculinosinfectados,seuentusiasmopelasinstalaçõespareceudesaparecercompletamente.UmheróiimprovávelnalutacontraadoençavenéreafoiogeneraldaDivisão

deMontgomery,quepublicouummemorandocontroverso. “Seumhomemquerterumamulher,deixequeofaça,nãoimportamosmeios”,escreveuMonty,“maseledeveusarseubomsensoetomarasprecauçõesnecessáriascontraainfecção,caso contrário se tornará uma vítima da própria negligência, e isto só ajuda oinimigo”. Monty sentiu que o trabalho do Exército era ajudar os soldados apermanecerem livres de doenças, disponibilizando venda de camisinhas,fornecendo“salasdeprofilaxia”ondeoshomenspudessemselimpardepoisdeumencontro e ensinandoo suficientede francêspara comprarpreservativosdeum farmacêutico e pedir instruçõespara umbordel licenciado.Seumemorandofoidescritocomoobscenopelocomandantedo2oCorpodeExército,ogeneralAlanBrooke,masnãofoiretirado,oqueeramuitosignificativo.“Eurecebiumabela reprimendadeBrooke”, escreveuMonty,mais tarde,mas “consegui oquequeria,jáqueasdoençasvenéreasacabaram”.Muitos jovens ficaram chocados com toda a atividade sexual— tolerada e

tacitamente encorajada — na França. Antes da guerra, Colin Ashford tinhaestudadobelas-artesedesigngráficonaprestigiadaEscoladeArtedeGlasgow.Elecontouque,aovirarsoldadodaInfantariaLevedasHighlands,cercadoporpessoas que praguejavam sem parar e cujos únicos interesses eram beber etransar, ficou impressionado: “Nunca tinha percebido que havia tantos homenscom tão pouca inteligência. Eume lembro de um sargento-mor em especial—quando você conversava com ele, quase dava para ver o cérebro pensando.”Ashford e alguns amigos com ideias semelhantes começaram a usar palavraslongasparaconfundirosargento-mor.“Eledeviaterqueandarcomumacoroadefloresnacabeça”,sugeriraumamigo,“paraaspessoassaberemqueseucérebroestavamorto”.Alémdosencontrossexuaisfugazes,tambémhaviarelacionamentosestáveise

flertes inocentes. Percy Beaton passou um tempo “saindo” com uma meninafrancesa,acompanhando-aondequerquefosse.WilliamHardingseapaixonou-seperdidamenteporumagarotadeNantes,masarelaçãochegouaofimquandoseubatalhãofoideslocadosemavisoprévio.Diasdepois,Hardingfoiinformadodeque tinha visita. Ficou muito animado, esperando que fosse a menina, e seapressou para ver quem era, mas recebeu uma surpresa. “Era a mãe dela!”,contou. “Amulher passou os braços aomeu redor e fez um estardalhaço, com

Page 82: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

lágrimasescorrendopelorosto.”ElarepreendeuHardingporteridoemboraderepenteedisseoquantoafilhasentiasuafalta.Enquantoacenasedesenrolava,os colegas deHarding observavam animadamente. “Os rapazes foram terríveiscomigoduranteumbom tempo”,contouele.“Diziamqueeuestavadividindoacamaentreamãeeafilha.Ah,ascoisasqueinventavam!”A guerra de araque oferecia oportunidades inesperadas aos soldados

britânicos,mastambémtinhaumaressonânciasimbólica.Aquelesjovensestavamvivendo e,mais tarde, avançando e recuando por áreas onde a última geraçãotinha lutadoemorrido. “Meupai tinha sidogravemente feridocomestilhaços”,contouColinAshford,“eeuestavadevoltanamesmapartedaFrança”.Eleselembra de ter visto as antigas trincheiras e visitado cemitérios britânicos,franceses e alemães. Assim como os visitantes de hoje são afetados pelaarquiteturaetamanhodoscemitérios,Ashfordeseusamigosficaramsurpresoseemocionados. A diferença, claro, é que os visitantes de hoje não esperam omesmodestino.EnquantoavançavapelaBélgica,TedOatespassoupeloPortalMenin,gravado

comosnomesdosmortosdaGrandeGuerra.Nasproximidades,viuumcarrinhode sorvete. Estava em uma missão de reconhecimento com seu sargentointendente,Richardson,umveteranodaantigaguerra,eosdoisdecidirampegarumsorvetenocaminhodevolta.Mas,quandovoltaram,ocarrotinhaidoembora,assustado por uma incursão alemã. O sargento Richardson nuncamais voltariaparaaInglaterra;seunomeestágravadonomemorialdeDunkirk—umhomemsemsepultura.OssoldadosnãoeramosúnicosmilitaresnaFrança,éclaro.AForçaAérea

Real,umfelizamálgamadeExércitoeMarinha,poupadodadisciplinaourigidezde ambas, também estava lá. Quatro esquadrões de caças Hurricane, soberbasplataformasaéreasdearmas,foramenviadosparadarapoio.RolandBeamontfoidestacadoparaLille juntocomo87oEsquadrão.Elecontouqueaatividadedoesquadrãoconsistiade“patrulhasintermináveisquebuscavamavistaroinimigo,maseramuitoraroteralgumavistamento”.Uma Força de Ataque Aéreo Avançada também foi criada e colocada sob

comando francês. Consistia de mais dois Esquadrões Hurricane e onzeesquadrõesdebombardeirosmédiose leves—umpessoalqueviumuitomaisação.BillyDrake,quevoavaemumHurricanecomo1oEsquadrão,sedeparoucom um Messerschmitt Bf 109 se aproximando. Apesar de ser seu primeiroencontrocomoinimigo,eleconseguiuvirarojogoelogoestavaperseguindoo109emfuga:

Page 83: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Elesabiaoqueestavafazendo:estavameconduzindoparaumaarmadilha,tentandomefazervoarporcimadealgunscabosdealtatensãoacimadorio.Eparouparaverseeutinhacaído,maseunãotinha.Foioerrodele.Euconseguiaalcançaro109,atacandoderepente.Entãodeiomeumelhoreoforceiaatingirosolo.

Comsaláriogenerosoeuniformearrojado,aForçaAéreatinhaclarasvantagenssociaissobreoExército,entãoatraíaumavariedadedepersonalidades.Emabrilde1940,VivianSnellmudou-separaaFrançacomo98oEsquadrão.PassouasnoitesemReims,ondepediuumagrandequantidadedechampanheaumafraçãodopreçodeLondres.FreddieSnelleraumgrandeamigoseu,osdoisnãotinhamparentesco,mascompartilhavamosobrenome,eeleadorava“gritar”issoparaomundo.Vivian Snell lembra de quando Freddie passou um fim de semana cheio de

eventosemumhoteldeReims,ondeaportada frenteera trancadaàs11horastodasasnoites.Freddienãogostavamuitodessaregraeavisouaopessoal:“Setrancaremaporta,vouabrirnamarra.”Naquelanoite,eleacabouabrindoaportacom o revólver. No dia seguinte, quando o pianista do salão tocou por tempodemais, Freddie alojou duas balas em seu piano. Mesmo com tudo isso, seugrandegestoaindaestavaporvir.Freddiedevia ter regressadoaoesquadrãonasegunda-feirademanhã.Horas

depois,oajudantedoesquadrãoapareceu, tentandoatraí-lodevoltaparacasa.“Vamos,Freddie!Vocêsabequedeveriatervoltadohojedemanhã!”“Não tenho como voltar! Não está vendo que estou dançando?”, retrucou

Freddie,queestavaenvolvidocomváriasgarotasaomesmotempo.“Porquenãodança com a gente?” E, puxando o revólver, ele atirou no chão ao redor doajudante,quedefatocomeçouadançar.Freddie Snell foi levado à corte marcial. A Força Aérea Britânica era

conhecidapelatolerância,mastinhaseuslimites,ehaviaumnúmeroenormedecrimesocorrendoemoutrolugar—começaramquasenoinstanteemqueaForçaExpedicionáriaBritânicadesembarcounaFrança.Aconteceudetudo:umquebra-quebra, um saque a uma joalheria e até o roubo do único carro de polícia deRennes — os membros mais desonestos da BEF não tinham demorado paraencontrar o que fazer. O crime mais comum, no entanto, era o roubo desuprimentos do Exército. Uma rede organizada tinha se estabelecido: os benseram roubados dos depósitos britânicos, dos portos de ambos os lados, dosnaviosdeabastecimento,dosdepósitosfranceses,doscomboios,doscaminhões

Page 84: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

edosdestinatáriosfinais.Quasenãohaviamomentoseguronavidadequalqueritemdesuprimento,eomercadonegrodeambosos ladosdocanalestavabemabastecido.Emsetembrode1939,quandooquartel-generaldo1oCorpodesembarcouem

Cherbourg,estavamdesaparecendotantossuprimentosqueoscarrosdoEstado-Maior precisaram ser removidos das docas e mantidos sob guarda. Nada eragrandeoupequenodemaisparaserroubado.Oinspetor-chefeGeorgeHatherill,da ScotlandYard, foi enviado para a França, e seu relatório foi condenatório:“Eraamesmahistóriaemquasetodososportos,estradasdeferroedepósitosquevisitei: grandes quantidades de todos os tipos de mercadorias descartáveisestavam desaparecendo, quase sempre logo depois de serem desembarcadas.”Como solução imediata, quinhentos voluntários do Exército com experiênciapolicialforamretiradosdasunidadesparafazerescoltadesuprimentos.HatherilltambémrecomendouacriaçãodeumServiçodeInvestigaçõesEspeciais(SIB)nointerior da Polícia Militar, assim como na Marinha e na Força Aérea. Comoresultado, 58 oficiais e suboficiais foram recrutados da Scotland Yard paratrabalharcomodetetivesmilitares.OSIBse tornariaumaorganizaçãograndeeeficaz.ÉprecisoressaltarqueorouboeraummododevidanoExércitodesdetempos

imemoriais. “Arrancariam o leite do chá de um cego”, comentou um sinaleiro,lembrando-sede comoa faca e seuboné foram tomados, o quenão lhedeixououtraopçãoanãoserpegarosdeoutro.Alémdoroubogeneralizado(eapesardos melhores esforços do Corpo Auxiliar de Pioneiros Militares), parece terhavido relativamente poucos crimes graves cometidos pela BEF na França.Analisando dados das cortes marciais por um período aleatório no início demarçode1940,aofensamaiscomumeraaembriaguez, seguidapelaviolênciacontra um superior, então roubo. A prevalência de embriaguez não parecesurpreendente,jáquecerveja,vinhoebebidasdestiladaserambaratos,sobretudocomaforçadalibracontraofranco(1libraesterlinavalia176,5francos).Emboranãocostumassesergrave,aembriaguezpodialevaraofensaspiores,e

provavelmentedesempenhouumpapel importante no assassinato cometidopeloanspeçadaGoulding.Essetipodecrimemaisgravepoderiaagravarasrelaçõesentreossoldadoseapopulação localecomprometeracapacidadedoExércitode fazerseu trabalho.Umcomandantedecompanhiado regimentodeYorkshireOrientalestavatãobêbadonanoitede9maiode1940quefoiconsideradoinaptoparaoserviçonodiaemqueaBEFfinalmenteavançouparaaBélgica.Supõe-sequeocapitãonãotenhasidooúnicoqueperdeusuaentradaem10demaio,mas

Page 85: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

esse comportamento era coisa de soldado, e a punição era completamentediferenteparaumoficial.Era esperado que oficiais do Exército britânico soubessem se comportar.

Tinham padrões claros a manter e responsabilidades a cumprir, em troca dasquais lhes tinha sido concedido poder sobre os outros e uma vida maisconfortável.Isso,pelomenos,eraateoria.OnovelistaAnthonyPowell,segundo-tenente no Regimento Galês, escreveu sobre comandar um pelotão: “Trintahomens são meramente uma responsabilidade, sem o menor sentimentocompensatório de poder. Eles precisam de atenção eterna.” Podia até ser,masnemtodososoficiaiscumpriamcomsuasresponsabilidades.Alguns eram vingativos. Quando um promissor jovem Gordon Highlander

recusouachancedesetornaroordenançadeummajor,explicandoqueprefeririaficar com seus amigos, ele foi imediatamente condenado a sete dias deconfinamento no alojamento. O major ofendido o acusara de estar vestido demaneira imprópria, já que uma ponta de cadarço podia ser vista debaixo daperneira.Outrosforamnegligentes.Emfevereirode1940,quatrooficiaisdoRegimento

RealdeWarwickshireforamcondenadospormotimeausêncianãoautorizada.Ojulgamentona cortemarcial deliberou a respeitodo afogamentodeum soldadoduranteumexercíciodeassaltoanfíbio,eosquatrooficiaisreceberamsentençabem indulgentes: os dois majores receberam reprimendas severas, e os doissegundos-tenentesforamrepreendidos.Ocomandantedobatalhão,entretanto,foidispensado da posição. Estes quatro oficiais, junto com o comandante, tinhamfalhadoemsuasresponsabilidades.Nãotinhamcuidadodeseushomens.Considerandoahistóriaquecostumasercontadaa respeitodaevacuaçãode

Dunkirk, pode parecer que todo o Exército britânico estava na França. Isto,naturalmente,nãoeraocaso:haviaconscritosevoluntáriosnaGrã-Bretanha,eaMassObservation10estavadispostaamonitorarseuspensamentoseatitudes.Umrecruta recente da Força Aérea Real informava regularmente à organização erevelouque,emboraseuscolegasnãoestivessem“profundamenteapaixonados”pela RAF, preferiam aquela vida ao Exército. Ele revelou que os soldadoscostumavamserreconhecidosporteremaspioresvidas.Etambémobservouqueoscolegaserammuitomenospropensosasubestimar

osalemãesdoqueamaioriadoscivis,queaindapensavamqueavitóriaviriarápido. “Todos compreendem que temos uma noz bem dura para quebrar”,explicou. Apesar de Hitler ser descrito como bastardo, ele não ouvia muitasexpressões de ódio contra os alemães, e era raro haver discussões políticas,

Page 86: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

mesmoque—outalvezporque—houvessecomunistas,socialistaseex-fascistasentre os recrutas. Ele observou que “todos gostam de democracia, mas sabemmuito bem que só estamos lutando pelo capital britânico”. Esse cinismo éinteressante, considerando que o governante favorito dos recrutas eraWinstonChurchill, um político que considerou a guerra uma luta pela liberdade edemocracia.As atitudes das pessoas em relação aos opositores conscienciosos estavam

divididas. Alguns os consideravam “antinaturais e queriam ir atrás deles parafuzilar todos”, enquanto umnúmero surpreendentemente grande concordava que“é precisomuita coragem para ser um opositor consciencioso e nós acabamosescolhendoasaídamaisfácil,seguindoamultidão”.Alguns opositores conscienciosos nunca poderiam ser acusados de tomar o

caminhomaisfácil.R.J.Porcas,deNorbury,nosuldeLondres,eraumpacifistaconvicto que considerava o recrutamento um treinamento para o assassinato deseussemelhantes.Noentanto,eleserecusouaseregistrarcomoopositor,comoargumento de que nenhum tribunal tinha o direito moral de julgá-lo por umaquestãodeconsciência.Acreditavaqueasituaçãoerasemelhanteàsinquisiçõesmedievais,julgandoumhomemporsuascrençasreligiosas.Osr.Porcasestavacientedaspossíveisconsequênciasdesuaação.Emuma

carta ao ministro do Trabalho, ele escreveu que estava preparado para “serentregueàsautoridadesmilitares,paraquepossamverseconseguemmedobrar”.Em última análise, no entanto, Porcas não teve que desempenhar o papel demártir: foi reconhecido como opositor consciencioso sem ter que comparecerperante o tribunal ou mesmo se registrar. Uma decisão tão esclarecida (e oesforço por alcançá-la) reflete o abismo entre a Primeira e a Segunda GuerraMundialemrelaçãoàobjeçãomoral.Apesardeváriospacifistasdealtonível(comoA.A.Milne,autordeUrsinho

Pooh)teremmodificadoseuspontosdevistaepassadoaapoiaraguerra,outrospermaneceramobstinadamente comprometidos com a paz unilateral. PerguntadoporummembrodaaudiênciaemumareuniãopúblicaseconcordavacomHitler,odeputado trabalhistaRhys JohnDavies respondeuqueodiavaHitler—equeopovo alemão também sentia omesmo. Ele continuou argumentando que seria aúltima guerra em que a Grã-Bretanha lutaria como grande potência. No futuro,afirmou,“seremosumaespéciedeestadovassalodaAmérica”.Apesardeterumjulgamento falho do presente, Davies tinha uma compreensão surpreendente dofuturo.

Page 87: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Nãoeraprecisoserumpacifistaparaevitarorecrutamentoduranteaguerradearaque, também havia os clinicamente impróprios para o serviço — ou quefingiam ser. JackBrack, um jovem londrino que sofria de doença cardíaca, foirejeitadoporumconselhomédicoemoutubrode1939.Poucodepois,tornou-seafigura central de uma fraude organizada, começando quando Maurice Kravis,gerentedeumsalãodesinucadeBrickLane,ofereceu-lhedinheiroparasepassarporelenoexamemédico.Conformeocombinado,BrackapareceualegandoserKraviseconseguiuumadispensa.Haviamuitaspessoasinteressadasemevitaroserviço, e Brack logo passou a se submeter a exames regulares sob diferentesnomes. Tomava cuidado para não aparecer duas vezes perante a mesma juntamédica,masdepoisqueseurostosetornouconhecido,ogolpeestavacondenado.Elefoipreso,juntocomtodosporquetinhasepassado.ConsideradoculpadodeconspirarparaderrotarasdisposiçõesdaLeideServiçoNacional,foicondenadoatrêsanosdeprisão.Enquanto isso,emBurton-on-Trent,RaymondGould,de26anos, foienviado

paraaprisãopornãose inscreverparaoserviçonacional.Arazão,deacordocomsuamãe,eraqueeleerapreguiçosodemaisparasealistar.Comoevidênciadocaso,uminspetordoMinistériodoTrabalhoalegouquetinhasidoforçadoaesperar vinte minutos para falar com Gould, enquanto a mãe e a irmã opersuadiramasairdacama.Aolongodojulgamento,Gouldrecusou-seafalar—masotribunalacabouinformadodequeelepodiafalar,jáquerecentementetinhasidocondenadoporusarlinguagemindecentenoTribunaldePolíciadeDerby.Apesardehavergenteevitandooserviçopormuitasrazões,houvepelomenos

um homem quebrando a lei em uma tentativa desesperada de ingressar noExército.Umlondrinodaregiãonortede21anos,SamuelMartin,foiacusado,noOldBailey,desabotagemnafábricaondefaziapeçasdesubmarinos.SamuelestavadesesperadoparadeixarafábricaeentrarparaoExército,mas

seuschefesserecusavamadeixá-lopartir.Nodiaseguinte,orapazmontouumapistola (um dispositivo elétrico que controla a detonação de um torpedo)incorretamenteedisseaocapatazquehaviaperdidoointeressenotrabalho.Nodia seguinte,montouumapistolacomumapartecrucial ausente.Entãocometeuumerroque,deacordocomumperito,nãopoderiatersidoacidente.Quandofoiconsiderado culpado, correndo o risco de receber uma sentença severa(sabotagemnãoestavamuitolongedetraição),ojuizapenasolibertouparaqueelepudessesealistar.Com o passar dos meses, o povo da Grã-Bretanha, que desde o outono

esperava um ataque dos Aliados, começava a se perguntar por que nada

Page 88: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

aconteceraainda.DeacordocomumrelatóriodaMassObservationcompiladopoucoantesdaofensivaalemãde10demaio,oitomesesemeiodeinatividadecomeçaram a desmoralizar o povo britânico. A confiança tinha diminuído,substituídapordiversospensamentosarespeitodeHitler,derespeitorelutanteaoódiocontraaquela“espéciededemônioultra-humano,nascidoparaamaldiçoarnossosdias”.Depois que os alemães atacaram, o sucesso inimigo reforçou aqueles

pensamentosegerounovos:Hitlereraumgêniomilitar,esuamáquinadeguerraerainvencível.Apesardissotudo,averdadeeraqueosAliadostinham1milhãodehomensamaisdoqueosalemães,eosfrancesessozinhostinhammaistanquese aviões de linha de frente do que o exército inimigo. As lendárias divisõesblindadas,aquelascaravanasdeinvencibilidadenazista,constituíamumapequenaporcentagem da força total do Exército e continham principalmente tanquesinferiores para treinamento e tanques tchecos capturados. Quanto à crença nogênio de Hitler, ninguém era mais convicto a respeito disso do que o próprioHitler,oquegerouconsequênciasdesastrosasparasuasForçasArmadas.A força da Alemanha logo se tornaria um fato aceito na Grã-Bretanha, e o

mesmo aconteceria com a fraqueza da linha Maginot francesa e a tolice daestratégiadaFrança.“Elessesentaramemsuasposições,muitoconfortáveis,eesperaramquealgoacontecesse”,contouPeterBarclay,umoficialdoRegimentodeNorfolk.Barclayvisitoualinha,saiudelácriticandoseuefeitonadisposiçãodas tropaspara lutar.Percebeuquea linhaMaginotos tornavademasiadamentedefensivos.Outrossoldadosbritânicosquevisitaramalinhadescreveram-na—emretrospectiva—comoumerroeumelefantebranco.Na verdade, a linhaMaginot serviumuito bem a seu propósito, e nunca foi

violada. Considerando os acontecimentos subsequentes, a miríade de oficiaisbritânicos e homens que relataram, em entrevistas e memórias, avaliaçõesexasperantesarespeitodoExércitofrancêsparecemuitomaissignificativa.Muitas dessasmemórias podem, é claro, parecer sóumaboa ideia tiradada

observação tardia, mas algumas soam verdadeiras. Enquanto participava demanobras,em1939,ocapitãoHenryFaureWalkerobservouafaltadedisciplinae treinamento entre os soldados franceses. Ele se lembra de um grupo dereservistasrecém-chegadosque,chamadosàatençãoporumoficial,começaramagritar, xingar e sacudir os punhos. O oficial (um comandante de batalhão)simplesmente se virou para Walker e deu de ombros. Walker manteve umrelacionamento amigável com os oficiais franceses durante toda a guerra dearaque.Naprimaverade1940, ouviudeumque amoral de seushomens tinha

Page 89: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

caído tanto que provavelmente não lutariammais.O homemdisse que estavamtodosbem-dispostosem1939,masopagamentoruim,otédioeadesilusãoportantotempoostornara“militarmenteinúteis”.LordeGortenfrentouumatarefadifícil,considerandoqueosoficiaisestavam

nervosossobreopossíveldesempenhodoExércitofrancês,eeleprovavelmentenão receberia um informe completo dos preparativos pela liderança francesa.Gortprecisavaorganizarsuasprópriasforçasdaformamaiseficientepossívelemantercontatoregularesignificativocomosfranceses.Casocontrário,operigooaguardava.Os alemães atacaram em 10 demaio.Os cidadãos estupefatos dominúsculo

estadodeLuxemburgoobservavamascolunasdeartilharia,veículosblindados,carros e tanques que se dirigiam depressa para a fronteira belga. Um jovemalemãooficialdetanques,ocapitãoCarganico,fezbonsprogressosatéchegaraumaáreaminadaemBodange,naBélgica,ondeeleeorestantedacolunativeramqueesperar atéumcaminho ser aberto.Nodia seguinte, a fileiraprosseguiu,ooficial impressionado pelo contraste entre os luxemburgueses, ricos e bemalimentados,eosbelgas,pobresemiseráveis.Depoisdeumtempo,recebeuumamensagemderádioalertandosobreminase

tropas inimigas de motociclistas à frente. A coluna parou outra vez, até ocomandantedopelotãolíderdecidirdispararemumnúmerodeminasvisíveisnasuperfíciedaestrada.Carganicoouviuumasériedeexplosões,e logodepoisacolunavoltouasemovimentardenovo.Ostanquespreferiamevitarascidades,então,algunsquilômetrosmaisadiante,

acolunacontornouoslimitesdeNeufchateau.Aochegaraotopodeumacrista,CarganicoviaaaldeiadePetitvoirnovaleabaixo,ascasasbrancasebrilhantesreluzindoaosol.Ouviualgunsdisparos,primeirodaaldeia,depoisdeumbosqueàesquerda.Amboscessaram.DavaparaverosartilheirosbelgasnaencostaalémdePetitvoir,tentandocolocaraartilhariaemação,masforamatingidosporfogodemetralhadora.Alguns caíram, outros fugiram.Durante todo esse tempo, umadensacolunadesoldadospodiaservistaàdistância,movendo-separaooeste,tentandoescapardoavançodosalemães.Carganicocomunicou-seporrádiocomabrigada,pedindocombustível,então

faloucomas tropasparaassegurarosflancosdo território jácapturado,depoisseguiu em frente. De repente, ouviu o oficial comandante gritar: “Alto!” Omotoristafreou,eCarganicopercebeuqueotanqueestavaacentímetrosdecairemumpoçodequase10metrosdeprofundidade,asbordascobertasdefolhagem.

Page 90: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Depoisdeliteralmenteevitaraarmadilha,eleseapressouemespalharveículosblindadoslevespelocaminho.Poucoantesdopôrdosol,acolunaatingiuaaldeiadeRochehautecomeçoua

procurarumaponteparaatravessarorioSemois.Logocedo,namanhãseguinte,amargemdorioparaosulfoiexplorada,mastropasinimigasnoaltodamargemopostaabriramfogocomumametralhadora,entãofoidecididoqueiriamparaonorte,tentaratravessaremMouzaive.Acolunaavançousobofogodaartilharia,maschegou ilesaaumaseçãosegurado rio.Oscanhõesantiaéreosdispararamcontra aviões franceses, enquanto os motociclistas atravessavam uma ponteestreita. Naquele ponto, o rio tinha apenas pouco mais de 60 centímetros deprofundidade,eostanquesconseguiramatravessar.A coluna avançou outra vez para o sul, para Ban d’Alle, e logo entrou na

floresta supostamente impenetrável das Ardenas. Passando por equipamentoabandonadoeveículosimobilizados,pareciaclaroque,comaaproximaçãodosalemães, as tropas inimigas tinham corrido aterrorizadas para a vegetaçãorasteira. Seguindopor uma estrada sinuosa, a coluna aproximou-se da fronteirafrancesa.Tinhamcobertocercade200quilômetrosdesdequesaíradaAlemanha,e agora chegavama umaplaca indicandoo caminhoparaSedan—o primeirogrande objetivo alemão estava próximo, e Carganico e seus colegas estavamconfiantes.Eraofimdaguerradearaqueparaastropasbritânicas.ComoJohnWilliams

disse,maistarde:

Aguerradearaqueeraumtempodesonho.Nãoseioqueesperávamos.Vivíamosnum/umestadodeinocência.Fazíamosoquemandavam,tínhamosnossosoficiais,conhecíamostodososrapazeseachávamosquetudoestavacertocomomundo.Quandoolhoparatrás,atéestremeço.Tenhoquefazerumesforçoparanãomedebulharemlágrimas.

6ProdutousadopeloExércitobritânicodesdede1880paralimparedarcoraoequipamentomilitar.[N.T.]7Maconochieeraumguisadodenabosfatiados,cenourasebatatasemumasoparala,nomeadoapartirdaCompanhia Aberdeen Maconochie que o produziu. Foi uma ração alimentar amplamente utilizada para ossoldadosbritânicosemcampoduranteaGuerradosBôereseduranteaPrimeiraGuerraMundial.[N.T.]8Rededesupermercadosbritânicos.[N.T.]9SoldadodePrimeiraClasse.[N.T.]10AMassObservation foi uma organização de pesquisas sociais criada em 1937, com observadores quemantinhamdiáriosequestionáriosabertoscomoobjetivoderegistraravidacotidiananaGrã-Bretanha.

Page 91: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

W

Quatro

Grandesesperanças

ILLIAM L. SHIRER, CORRESPONDENTE AMERICANO em Berlim, era umobservador do funcionamento cotidiano da Alemanha nazista. Nos dias

quelevaramàBlitzkrieg,eleouviuumatransmissãoderádiodeBernardRust,oministrodaEducaçãodaAlemanhanazista,preparandoestudantesalemãesparaopróximoataque:“OpovoalemãosobocomandodeHitlernão tomouasarmasparainvadirterrasestrangeirasefazeroutraspessoasdeservos—foiforçadoatomarasarmasporEstadosquebloqueavamocaminhoparaopãoeaunião.”Ascriançasalemãsnãoforamensinadasaacreditaremummundodetolerância

e aceitação.De acordo comRust, “Deus criou omundo comoum lugar para otrabalho e a batalha. Quem não entender as leis das batalhas da vida seráeliminado,assimcomonoringuedeboxe.Todasascoisasboasnesta terrasãotroféus.Osfortesosconquistam;osfracososperdem.”Essamentalidadeeraaessênciadestiladadonazismo.Shirerescreveusobre

issoemseudiárionavésperadaBlitzkrieg,descrevendooassuntocomoomaiorproblema da Europa. Um correspondente de guerra americano, Webb Miller,morreuemumacidenteferroviário,eaimprensaalemãestavacheiadehistóriasdequeele tinha sidomortopelo serviço secretobritânico. “Oqueaconteceaotecidointeriorqueuneumpovoquandoaspessoassãoalimentadasdiariamente

Page 92: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

commentiras como esta?”, escreveuShirer.É umaquestão tão importante hojecomoquandofoicolocada,em9demaiode1940.No dia seguinte, Shirer recebeu ummemorando de Joachim vonRibbentrop,

ministrodoExteriordoReich,anunciandoqueaGrã-BretanhaeaFrançaestavamprestes a avançar pelos Países Baixos para atacar a Alemanha e que aquelagrande nação, desesperada para salvaguardar sua neutralidade, não tinha outraopçãoquenãoenviarsuastropasparaaBélgicaeHolanda,“Eleestabeleceumnovo recorde para o cinismo e amais completa impudência”, escreveu Shirer.NãofoisurpresaqueacensuraalemãnãotenhapermitidoqueShirerdescrevesseoataquealemãocomo“invasão”,emboraeletivessepermissãoparaanunciaraosamericanos que os alemães tinham “marchado” para aBélgica eHolanda. “Dequalquermaneira,aAméricasoubedainvasão,quandoelaaconteceu”,escreveuShirer.Durantetodoesseperíodo,Hitlerestavadesesperadoparalançarseuataque,e

sósedetinhapelasprevisõesmeteorológicas.Finalmente,ameteorologiadeuosinalpositivonanoitede9demaio.HeinzGuderian,autordeumlivrointituladoAchtung!Panzer!eoprincipaldefensordaguerramóvel,ao ladodeManstein,estavanocomandodo19oCorpoPanzer,compostoporquase60milhomense22mil veículos. Conhecido como schneller Heinz (o rápido Heinz), elesupervisionou três divisões de tanques Panzer, inclusive uma que avançava àspressasemdireçãoaSedan,em10demaio.Maistarde,Guderianexplicariasuacrençadequeum“ataquedeterminado e forçosamente conduzido”porSedan eAmiensemdireçãoàcosta,atingindoasforçasAliadasqueavançavamnoflanco,tinha“grandeschancesdesucesso”.AtacandoaolongodorioMeuse,emSedan,apoiadoporataquescontínuosde

bombardeiros e bombardeiros demergulho (ao invés de ataques concentrados,que davam aos defensores chance de se reagrupar), Guderian queria refutar acrençadosAliadosdequeosfrancesestinhamoequipamentoeoshomensparalidarcomqualqueresforçoalemãodecontornaralinhaMaginot.À primeira vista, o plano era incrivelmente ambicioso.Guderian queria que

suas três divisões Panzer atravessassem uma área de pouco menos de 5quilômetros de largura entre as aldeias deDonchery eWadelincourt,mas seustanques e tropas decerto não poderiam forçar caminho por um gargalo tãoapertado,não?Sobretudoporqueosdefensoresfrancesestinhamtrêsvezesmaisartilharia.Defato,osataquesaéreosdaLuftwaffeseprovaramofatordecisivo.Nos90

minutos antes do cruzamento do rio, na manhã de 13 de maio, 750 aviões, a

Page 93: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

maioriabombardeirosdemergulhoJunkersJu87,despejarambombascontraosdefensores. Conhecidos como Stukas, os bombardeiros de mergulho eramaeronaves interessantes: intrinsecamente lentos e com um alcance limitado,desempenhariam um papel muito pequeno na Batalha da Grã-Bretanha, já queeramtãovulneráveisaoataquedoscaças.Mas,naquelafasedaguerra,atuandocomoapoiodeforçasterrestreseencontrandopoucosoponentes,eramumaarmaformidáveleaterrorizante.O modo de ataque do Stuka fazia dele um bombardeiro preciso. Com suas

característicasasasdobradas,aaeronavepoderiamergulharquaseverticalmenteaumavelocidadedequase600quilômetrosporhoradeumaaltitudede15milpés(4.500metros).UmaaladeStukaspoderiaserevezarmergulhandonoalvo,atacando umde cada vez, como gaivotas zangadas, e deixando cair a bomba a1.500 pés (450metros) antes de subir depressa em ângulo agudo,metralhandotudo enquanto se afastavam.Um botão na coluna de controle do piloto puxavaautomaticamenteoStukadomergulho,umacaracterísticacrucialdaaeronave,jáqueopiloto(eseuartilheiro,viradoparatrás)estavamexpostosaforçasde6Ga7Gqueinduziamdesmaios.OsStukascarregavamumabombacentralde250quilosequatrode50quilos,

duassobcadaasa.AlgunsStukas foramequipadoscom“TrombetasdeJericó”,sirenesdealarmeoperadasporpequenashélices,ajustadasaotremdepouso,quesoavammaisaltocomavelocidade;masabombacentraltinhasirenesdepapelãomontadas nas barbatanas, cada uma afinada em um tom diferente. Os uivosinfernais gerados pelas sirenes eram— aindamais do que os danos causadospelasbombas—amaior armadosStukas,gerando terror intensoa soldados ecivis.AssimcomoomedodostanquesPanzeràsvezesfaziaastropasentraremempânicoeabandonaremsuasposiçõessemqueostanquessequerprecisassemestarpresentes,osomdeumStukamuitasvezeseliminavaumbatalhão inimigosem necessidade de um ataque iminente ou direto. Como escreveu um oficialfrancês:“Obarulhodasirenedoaviãodemergulhoperfuraoouvidoearrebentaosnervos.Apessoasentecomosequisessegritareurrar.”Ooficial britânicoAnthony Irwin, doRegimentodeEssex, foi levadoauma

exaustãoaindamaisbrutaldepoisdeseratacadoporseisStukaspertodeLens.“Os bastardos passavam disparados sobre minha cabeça, e eu conseguia verclaramenteumdospilotos,acabeçaabaixadapelaforçaG,osolhosfechados,abocaaberta...Elepareciaestarrindodemim”,relatou.DepoisquetodososseisStukas avançaram, Anthony ficou onde estava, arrebatado e pleno, como se

Page 94: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

estivesseserecuperandodeumaexperiênciasexualintensa.“Eusuavaembicas,masqueriamais”,contou.Podeparecersurpreendente,masmuitasunidadesJu87játinhamremovidoas

sirenesemmaiode1940. Isto teveumasériederazões:assirenesatrasavamaaeronave em voos nivelados, alertavam o inimigo de sua presença quando opilotonãoconseguiarealizarolançamento,eatripulaçãoficavaloucatendoqueescutá-las por longos períodos. No entanto, é muito raro ler um relato debombardeiodemergulhoalemãoporumsoldado(oucivil)britânico,francêsoubelga que não inclua uma descrição das sirenes. Talvez a reputação do Stukafossetãograndequesoldadosecivisimaginassemasirenemesmoquandoestavaausente,outalvezumaviãomergulhandoquaseverticalmentea600quilômetrosporhoragerasseumsomagudoparecidocomumasirene.Apoiadosporaeronaves,ostanquesdeGuderiantinhamumagrandevantagem,

masumexameminuciosodocélebreavançoalemãooferecealgumassurpresas.A1a Divisão Panzer, liderada pelo 1o Regimento de Rifles e o RegimentoGrossdeutschland, constituiu o impulso central do ataque. O RegimentoGrossdeutschland tentaria cruzar o rio na margem norte de Sedan, através daponte de Pont Neuf. As ordens eram simples: “O 2o Batalhão encabeçará atravessiadoMeusepeloregimento,romperáaLinhaMaginoteocuparáoPonto247.”Duranteduashorasdesuorepalavrões,as6ae7aCompanhiasmarcharam10

quilômetrosemterradeninguématéorio,carregandomunições,metralhadorasemorteiros.MarcharampelacidadedeFloing,destruídaevazia,salvoporgatosecães,e,alémdacidade,encontraramoMosa.Foramchamadosbarcosdeassalto,e armas antiaéreas silenciaram os franceses, que começaram a disparar dosbunkers.Apósumtempo,oprimeiropelotãoda6aCompanhiacruzouorionosbarcos

deassalto.Seguiu-seumaequipedemetralhadoras.Orestantedacompanhiadavacobertura aosdoispelotõesnamargemdo rio, contraos rifles emetralhadorasfrancesasqueabriramfogodeumaposiçãoanteriormente invisível.Osalemãessemoveramparaumadistânciadeataque,lançaramgranadasdemãoe,gritando,invadiram a posição. Os defensores franceses foram feitos prisioneiros. Deacordocomseuscaptores,estavamfelizesporterescapadocomsuasvidas.Depoisqueamaioriadacompanhiachegoudooutro ladodorio,osalemães

avançaram em direção ao objetivo, a Colina 247, um pedaço estrategicamenteimportante de terreno elevado. Os soldados passaram por uma propriedadesuburbana, lutandodecasaemcasae levandoprisioneiros,queforamenviados

Page 95: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

paraaretaguarda.Tirosforamdisparadosdeumafábricadestruída,eumafumaçaacresaíadesuasjanelas.Maisprisioneirosforamlevados.Acompanhiacruzoua linhaferroviáriaentreSedaneDoncheryparaooeste.

Lá, confrontaram setores da 7a Companhia e descobriram que vários grandesbunkersdedefensoresfrancesesimpediamseuprogresso.Umarápidaconferêncialevouaumadecisão:a6aCompanhiaatacariaosbunkers.Osataquescomeçaramimediatamente.Ocorpoprincipaldacompanhiacorreuparaaprimeiracasamata,avançandoporumpomar,enquantoumsargentoedoishomenssearrastaramparaaesquerdaporentreumpequenobosque,tomandoosocupantesdesurpresa.Umagranadademãofoijogadanacasamata,eosfrancesesserenderam.Quandoacompanhiaseaproximoudosegundobunker,aresistênciacomeçoua

aumentar. Fogo de metralhadora partiu da aldeia de Frenois, e o ataque daartilharia parecia estar se intensificando. Uma arma antitanque disparava semparar,emboranãodesseparasabermuitobemdeonde.Homenscaíamegritavamporajudamédica.Ummorreu,deixandoumaúltimamensagemparasuamãecomopelotão.Finalmente,conseguiramverqueostirosvinhamdeumceleirosobreumabaseverdesuspeita,quenaverdadeeraumpostodearmas.Olugarlogofoicolocado fora de ação, e, quando o segundo bunker foi tomado, encontraramdezenasdegarrafasdeágualádentro,oquesaciouasedevorazdossoldados.Juntando-se (poracaso)comumgrupodemetralhadoresdo1oRegimentode

Rifles,avançandoparaadireita,acompanhiaentrounaúltimafasedeseuataquenasencostasdaColina247,ondeosdefensoresfrancesesesperavamporeles.Àmedida que se aproximavam, os alemães disparavam morteiros leves emetralhadoras.Osfrancesesresponderam,evárioshomenscaíram.Osalemãesseaproximaram lançando granadas de mão e tentando ignorar o fogo francês.Finalmente, quandoosprimeiros alemães chegaramàposição, correramparaocombate corpo a corpo, e o caos da batalha tomou o controle. “Todos fomosempurradosparaafrenteemumagrandeonda”,contouoOberleutnant(primeiro-tenente) von Courbiere, comandante da 6a Companhia. Foi ele quem deu oanúncio:“Ponto247estáemnossasmãos!Ocaminhoparaosulestáaberto!”AteoriadaBlitzkrieg,comopropostaporMansteineGuderian,foiformulada

em torno da velocidade e mobilidade das divisões Panzer. Em retrospecto, asabedoria adquirida há muitos anos indica que os tanques Panzer forçaram oextraordinárioavançoparaSedan,oque levouaoseventosdemaioe junhode1940.Quandoocenárioéexaminadodeperto,ficaclaroqueosucessoinicialfoialcançadoporpequenasequipesdeassalto,queatravessaramoriocomaajuda

Page 96: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

de engenheiros e apoio aéreo, e não pelos tão celebrados tanques. Aconteceuenquantoostanquesaindaestavamsobmanutenção,antesdeentrarememcena.Ostanquesda1aDivisãoPanzercomeçaramaatravessarorioem14demaio,

porumaponteconstruídaduranteanoite.Guderianlogooslançounadireçãodacosta do canal, deixando a infantaria muito para trás. No entanto, embora aimagemdosPanzerssurgindonacostasejamaisfamiliardoqueadeumpequenonúmerodetropasabrindocaminhopelorio,ofatoéqueorompimentoinicialfoifeitocomaperdadepoucomaisdecemhomens.QuandocomparadoaoSomme,24anosantes,quandodezenasdemilharesdehomensforamperdidosnabuscadeumarupturadaslinhasinimigas,edadaasprecauçõesqueaFrançatinhatomadopara manter os alemães longe de seu território, parecia uma conquistaextraordinária.Paraumobservador,avelocidadeeosucessodoataqueblindadopoderiater

parecidoumtriunfoabsoluto,masalgunspreviamproblemas.Em15demaio,osuperior deGuderian, Paul vonKleist, ordenou o fim do avanço imediato dostanques.GuderianficoufuriosoetelefonouparaKleist—asvozesseexaltaram.Kleistrecuoueconcordouqueoavançodeveriacontinuar.Noentanto,nodiaseguinte,16demaio,ficouclaroquetantoogeneralGerd

von Rundstedt, comandante do Grupo de Exército A, quanto o próprio HitlercompartilhavamdaspreocupaçõesdeKleist.LogoqueosAliadoscomeçaramasentiraderrotaiminente,cresceramostemoresdequeosfranceses,atacandodoSul, pudessem superar os Panzers. Rundstedt acreditava que as divisõesmotorizadas deviam ser paradas até que um “colar de pérolas” de divisões deinfantariaasalcançasseparaprotegerosflancos.Hitlerlogoconfirmouaordem.FranzHalder, chefe deEstado-Maior doAlto-Comando doExército alemão,

nãoviaesseperigo.EleconcordoucomGuderianqueoavançodeveriacontinuartão vigorosamente quanto possível. Sobre Hitler, ele escreveu: “O Führer estámuito nervoso. Assustado com o próprio sucesso, ele tem medo de correrqualquerrisco,entãoprefeririapuxarnossasrédeas.Eaindadáadesculpadequetudosedeveàpreocupaçãodelecomoflancoesquerdo!”Esta foi apenasaprimeiradasordensdeparadaa serconfirmadaporHitler

nos próximos dias. Halder provavelmente estava certo: Hitler esperava evitarumarepetiçãododesgastedaúltimaguerra,enviandoasdivisõesblindadaspelasArdenas,masnãotinhaprevistoumapassagemtãofácil.Olíderdestemidoestavaassustadocomoprópriosucesso.Nodiaseguinte,noentanto,Hitler já tinhamudadode ideiaepermitiuqueo

ataquecontinuasse.ComonotouWalterWarlimont(emcontatodiáriocomHitler,

Page 97: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

na época), o Führer havia concedido o poder total a si mesmo, e estavadeterminado a exercê-lo, mas não tinha conhecimento ou experiência, e seusestadosdeânimoeemoçõesoinfluenciavamdeumextremoaoutro.Osalemãeslutandosobumlídercaprichoso,masosbritânicostinhamacabado

de adquirir seu próprio líder. Em 7 de maio, quando o Parlamento britânicodebateuarecentecampanhadaNoruega,olíderdopaíseraNevilleChamberlain.AmaioriadosmembrosdoParlamentoentendeuqueodebateseriaapaixonado,talvez destemperado, mas poucos esperavam que terminasse com um novoprimeiro-ministro—menos ainda esperavam que esse novo primeiro-ministroseriaovelhoaventureiroproblemáticoWinstonChurchill.No caso, o debate passou de uma discussão sobre a Noruega para uma

avaliaçãododesempenhogeraldaadministração,suarelaçãocomoscidadãosesuacapacidadedelutaraguerra.UmadaspartesinteressadasnagaleriapúblicaeraoembaixadordosEstadosUnidos, JosephKennedy,queacabaradedizeraLordeHalifax,osecretáriodeRelaçõesExteriores,queestavaindignadocomodesempenhobritânico.Kennedy tinha certezadeque aGrã-Bretanhaperderia aguerra.Chamberlainabriuodebatecomumafracadefesadodesempenhodogoverno

na Noruega e foi confrontado dos bancos de trás da Câmara dos Comuns eforçado a uma justificação embaraçosa de sua sugestão, feita logono início deabril,dequeHitlertinha“perdidooembalo”.Oprimeirodiscursoparaatrairaatençãofoidoalmirante(emembroconservadorporPortsmouthNorte)SirRogerKeyes, que se levantou, em uniforme completo e commedalhas, para falar emnome de “alguns oficiais e homens da Marinha combatente que andam muitoinfelizes”.E explicou que os homens estavam infelizes por causa das ações do

Almirantado e do Gabinete de Guerra, que provocaram o fiasco da Noruega.Contudo, ele dispensou da crítica o Primeiro Lorde do Almirantado, WinstonChurchill.ACasaescutouatentamenteenquantoKeyesexpressavaseu“carinhoeadmiração”porChurchill,acrescentandoquedesejava“verousoapropriadodesuasgrandeshabilidades”.Naquela noite, o rei JorgeVI tentou interferir em nome de seu velho amigo,

Chamberlain,11oferecendo-separatelefonarparaClementAttlee,líderdoPartidoTrabalhista, para encorajar a ele a seus colegas socialistas a “fazer valer seupeso” e se juntarem a um governo de união nacional sob Chamberlain. Oprimeiro-ministro recusou a oferta do rei, pois não achava que precisasse deassistência. Mas, enquanto estava no Palácio de Buckingham, Leo Amery, o

Page 98: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

membro conservador por Birmingham Sparkbrook, começou a falar na Câmarados Comuns. Amery era anti-Chamberlain e pró-Churchill, e seu discursoconstituiuumgritodeguerraparaoutrosquesentiamomesmo.Eleterminoudeformaespetacular, lançandoparaChamberlain aspalavrasdeOliverCromwell(ouumaaproximaçãodelas),originalmentepronunciadas287anosantes:“Vocêficouaquimaistempodoquevalequalquerbemquetenhafeito.Digoqueparta,enospermitasuperarvocê.EmnomedeDeus,vá!”Natardeseguinte,odebateprosseguiucomumdiscursodeHerbertMorrison,

membro por Hackney South, um dos mais respeitados nomes do PartidoTrabalhista.No decorrer de seu discurso,Morrison pediu uma divisão— issoequivalia,naverdade,aumvotodeconfiançanogoverno.Oqueseadequavaaosconservadores rebeldes, comoAmery, que podiam assistir a outros cortarem agargantadeseulíderenquantoapreciavamaperformance.O clímax de um debate já surpreendente foi um discurso de Churchill, que

defendiavigorosamenteogoverno(easimesmo),emboraplenamenteconscientede que sua única chance de finalmente se tornar primeiro-ministro dependia deuma derrota do governo (e dele mesmo). De fato, houve uma discussãocontundente quando Churchill aceitou que devia assumir sua parte daresponsabilidadepelacampanhadaNoruega.“Ohonorávelparlamentarnãodevesepermitirserconvertidoemumabrigoantiaéreoparaimpedirqueosestilhaçosatinjam seus colegas”, disse o ex-primeiro-ministro David Lloyd George. SeoutrosestavampreparadosparadefenderChurchilldesimesmo,eleaindatinhacondiçõesdesetornarprimeiro-ministro.Ovotoparlamentaré,comosemprefoi,umteatro.Osmembrosandamporum

corredor(conhecidocomolobby)àesquerdaouàdireitadacâmara,dependendodecomoestãovotando.Nanoitede8demaio,osdoisgruposgritaraminsultosinfantisumparaooutro.“Ratos!”,gritavaumdoslados,“Puxa-saco!”,berravaooutro.Muitosconservadores,algunsoficiaisnaativauniformizados,juntaram-seaos grupos de oposição no lobby “não”. Um dos rebeldes, antigo defensor deChamberlain,entrounolobbyemlágrimas.Ainda assim, o resultadonão foi conclusivo.Ogovernoobteve281votos, a

oposição 200, e Chamberlain acreditou que isto fosse suficiente para quepermanecesse como primeiro-ministro. No dia seguinte, suas esperanças forambrevemente reavivadas, já que os conservadores rebeldes anunciaram que oapoiariamenquanto seugabinete incluísseministros trabalhistas e liberais,massuas esperanças logo foramdesfeitas quando o PartidoTrabalhista decidiu que

Page 99: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

seus ministros não serviriam em seu gabinete. Ele não teve escolha senãorenunciar.Mas quem assumiria? Havia dois candidatos: Churchill e o Secretário de

RelaçõesExteriores,LordeHalifax.Churchill tinha inimigos.MuitosnoPartidoConservador desaprovavam sua liderança e seu círculo se amizades políticasdevido a uma suposta falta de decência. “A vida pública perdera todas asqualidades que lutamos para manter”, declarou Nancy Dugdale, sobre umpossívelgovernoChurchill.ChamberlainpreferiaHalifax, eo rei também,masHalifaxseretiroudacorrida,dizendoaChamberlaineChurchillqueofatodeserumlorde,umpardoreino,tornariaotrabalhoimpossível.A verdade é que era pouco provável que sua nobreza atrapalhasse, já que

algumas exceções constitucionais decerto seriam feitas durante esse períododecrise. Talvez Halifax estivesse intimidado pelo peso do trabalho e apossibilidadede fracasso.Ou talvezpreferisse ficar no fundo, estabilizandoosexcessosdeChurchill,prontopararecolheroscacoscasoelefalhasse—eeleprovavelmente esperava que Churchill falhasse: “Acho queWSC não será umbomPM”,escreveuaLadyAlexandraMetcalfe,em13demaio.Mas,sejaqualfosseomotivo,Halifaxrecusouoposto.A invasão nazista dos PaísesBaixos começou em 10 demaio.O instinto de

Chamberlain,emvistadaexpansãodacrise,eradepermanecercomoprimeiro-ministro, mas o amigo íntimo, KingsleyWood, discordou, dizendo-lhe que eranecessário um governo nacional para enfrentar a nova situação. Chamberlainaceitouoconselhoeofereceusuarenúnciaaorei.Dois pequenos eventos naquele dia fatídico dão uma noção das atitudes

britânicascontemporâneas.JeffreyQuilleraopilotochefedetestesdeSpitfire,trabalhandoparaaVickersSupermarine.Logocedo,namanhãde10demaio,eletelefonou para um casal de idosos, velhos amigos de seus pais, e comentou,casualmente: “Eunão ficaria surpreso se o velhoChurchill entrasse nopoder.”“MeuDeus,euesperoquenão!”,exclamouomarido.“Aquilomefezperceberoquanto sua geração de ingleses desconfiava deChurchill”, revelouQuill. “Aosolhos deles, Churchill era um homem politicamente selvagem.” Mais tarde,naquelemesmodia,depoisqueopúblicobritânico soubedoavançoalemão,opolítico conservador Henry “Chips” Channon, um americano com um polidosotaque britânico, escreveu em seu diário ácido: “Outro dos golpesbrilhantemente concebidos por Hitler, e claro que ele aproveitou o momentopsicológico da Inglaterra politicamente dividida e a casta governante cheia dedissensões e raiva...” Era colocada a visão de Churchill como um entrave, e

Page 100: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Hitler como o gênio ultra-humano, o feiticeiro prevendo a fraqueza da Grã-Bretanhaàdistância.Com a renúncia de Chamberlain, o caminho estava aberto para Churchill.

QuandoelechegouaoPaláciodeBuckingham,maistarde,nomesmodia,houveumabrincadeiraentreoreieseunovoprimeiro-ministro.“Suponhoquevocênãosaibaporquemandeichamá-lo”,disseorei.“Senhor,simplesmentenãoconseguiaimaginarporquê.”Oreiriu,dizendoquequeriaqueChurchilformasseonovogoverno.Houve menos humor em uma conversa entre Churchill e seu guarda-costas,

WalterThompson,enquantosaíamdopalácio.“Sódesejoqueaposiçãotivessechegado em temposmelhores, pois agora você temmuito trabalhopela frente”,disseThompson.AslágrimasbrotaramnosolhosdeChurchill.“SóDeussabequantotrabalho”,

respondeu. “Espero que não seja tarde demais.Tenhomuitomedode que seja.Nóssópodemosfazeromelhor...”A responsabilidade acabou caindo sobre os soldados britânicos, então na

França, mas prestes a mudar para posições pré-estabelecidas na Bélgica. Namanhã de 10 de maio, como de costume, o subalterno Jimmy Langley, dosGuardas de Coldstream, estacionado perto de Lille, foi acordado por seuordenança conversador, que lhe entregou o chá, informou-lhe sobre o clima,anunciouqueseubanhoestavaprontoemencionou,depassagem,queosalemãestinhaminvadidoaFrança,aBélgicaeaHolanda.Mais a oeste, em Bailleul-lès-Pernes, o segundo-tenente Peter Hadley, do

RegimentoRealdeSussex,começouaouvir rumoresvagosmaspersistentesdeque os alemães tinham invadido.Quando descobriu que era verdade, sentiu aomesmo tempoalívioe insegurança:oque, afinal, o futuro reservava?Mas seushomens tinham recebido um senso de propósito, e logo estavam cantarolando,animados,emexpectativa.O avanço da BEF na Bélgica foi liderado pelos carros blindados do 12o

RegimentodeLanceiros.Alcançaramo rioDyle em11demaio, emilharesdehomenscomeçaramacavarnovasposiçõesnas22milhasdeterraentreLouvaineWavre.Precisavamdefendero terrenoparamantera frentegeral curtaeusaromínimo de divisões possível. O Segundo Corpo de Exército do general AlanBrookemanteve-seàesquerdadalinha,coma3aDivisãonafrenteea4aDivisãoemreserva,enquantooPrimeiroCorpodeExércitodogeneralBarkermanteve-seàdireita,coma1ae2aDivisõesnalinhadefrenteea48aDivisãoemreserva.Os

Page 101: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

belgasestavamàesquerdados,eosfranceses,àdireita,mantendoumalinhadeWavreaNamureaolongodorioMeuse,passandopelafatídicacidadedeSedan.OoficialdosEngenheirosReais,AnthonyRhodes,aindaselembravadasboas-

vindas dos civis belgas enquanto aBEF avançava.Como oficial emembro doExército britânico, sua passagem foi festejada. Dentro de um café, foirecepcionado por umamultidão aplaudindo, oferecendo-lhe charutos e pagandobebidas. “Os bons e velhos Tommies!”, gritou alguém. “Eles vão ganhar aguerra!”OmédicodaunidadedeRhodes,emoutrolugardocafé,estavasendotratado

aindamelhor.Um rapazmandava uma jovembeijá-lo, dizendo que ela deveriaestarfelizembeijarumdossalvadoresdeseupaís.Finalmente,amulhercedeu,entãoojoveminsistiuemqueelapassasseanoitecomomédico,assegurandoaobritânico que ele ia gostar da jovem e que tinha muita autoridade para dizeraquilo,poiseraomaridodela.Omédicoestavamuito interessadoemaceitaraoferta. Afinal, poderia ser considerado rude desprezar tamanha hospitalidade,masRhodesoafastou.Haviaumaguerraparalutar.Poucodepois,omesmomédicoacreditouterapanhadoumespião—umbelga

daquintacoluna12quesecretamentedefendiaosalemães.Umvendedordejornaisque conseguiu se apossar de cópias doDailyMail comentou que tinha vividodoisanosemLincoln.Omédico,umhomemdeLincolnshire,ficoudesconfiadoeperguntouaovendedor sobredeterminada rua, eohomemrespondeuquenuncaouvirafalardela.Comumardetriunfo,omédicoanunciouqueovendedorestavamentindo,quedeviaserumespião.OsujeitopoderiatersidoentregueàPolíciadeSegurançadeCampoparaaveriguaçõessenãotivessesidodescobertoqueeleestava dizendo a verdade. O homem tinha morado em Lincoln — Lincoln,Nebraska.Na verdade, a paranoia de espionagem era tão intensa na BEF quanto se

tornarianaGrã-Bretanhanosmesesqueseseguiriam.RhodesparticipoudeumaaveriguaçãodesupostosespiõespelaPolíciadeSegurançadeCampodadivisão,eumoficial edezoficiaisnãocomissionados tiveramo trabalhodeentrevistarcentenasdesuspeitos.OprimeirofoiumdesertordoExércitobelga.Umavelhadisse que o vira entrar em uma casa com uma caixa contendo um aparelho derádioportátilsemfio.Ohomemnegou,alegandoqueacaixacontinhacomidaeque, inclusive, a velha comera um pouco (sem dúvida inúmeros rancoresparticularesvieramàtonaduranteesteperíodo).Emvezdeliberarohomem,ooficial deSegurançadoCampoordenouque ele fosse entregue àpolícia local,

Page 102: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

quelhedariaalgunsminutosparaprovarquenãoeraumespiãoantesdeexecutá-lo.NãofoiapenasaaladeSegurançadeCampoquetratoudesupostosespiões.A

alaProvost,aPolíciaMilitar,tambémlidoucomoproblema.Rhodeslembra-sedeterouvidofalardeumjantarentreseuajudanteeooficialProvostdadivisão,oqueodeixouperturbadoetranquilizado:—Vocêatiramesmonosespiões?—perguntouoajudante.—Éclaro—respondeuooficial.—Evocêfazissosozinho?Querdizer,ojulgamentoetudoomais?—Claro.—Masvocêdevetomarbastantecuidadoparaquerealmente sejamespiões,

nãoé?Querdizer,éumpoderabsoluto,nãoé?—Éabsoluto,realmente—respondeuooficial,sorrindo.Os espiões eram presos sob as evidências mais frágeis. Leon Wilson era

membro de um regimento francês de artilharia pesada.Quando estava perto deArmentières, viu um homem arando um campo em uma direção particular econcluiu que flechas estavam sendo desenhadas “paramostrar aos Stukas ondeestávamos”,eohomemacaboupresoelevadoembora.E a justiça poderia ser ainda mais sumária. O soldado Edgar Rabbets, do

Regimento de Northamptonshire, relatou: “Se eu notasse que alguém estavaarando errado, a pessoa levava um tiro. Atirei em dois homens que estavamfazendoisso.Elessabiamoqueestavamfazendo,eeusabiaoqueelesestavamfazendo,entãonãohavianecessidadedediscussão.”Claroqueerrosforamcometidos.Doisespiõesvestidosdesacerdotesjesuítas

estavam prestes a ser fuzilados por artilheiros britânicos quando o padreregimental interveio.Ele questionou os espiões em latim e descobriu que erammesmosacerdotes.Enão foramapenasaspessoas locaisque ficaramsob falsasuspeita.Em23demaio,umpilotodaRAFquetinhaabandonadoaaeronavefoicapturadoefuziladoporsoldadosfranceses,declaradocomoespião.Namaiorparte,achegadabritânicanoDylefoisuave.A3aDivisãoencontrou

aposiçãopropostajáocupadaporumadivisãobelga,ehouveumimpasseentreogeneral de divisão Bernard Montgomery e seu equivalente belga, até quecomeçaram os bombardeios alemães e as tropas deMonty foram autorizadas aassumir.Em14demaio,umdiaensolaradodeprimavera,astropasbritânicasfizeram

seuprimeirocontatocomoinimigo.Nosetorda3aDivisão,ocapitãoHumphreyBredin,comandantedecompanhiadoRegimentoRealdeRiflesdoUlster,estava

Page 103: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

sentado no outro lado do rio lendo um jornal.Umcoronel de cavalaria passoucomanotíciadequeosalemãesseaproximavamedesejouboasorteaBredin,queagradeceuecontinuoualerojornal.Umpoucomais tarde,oordenançadeBredinperguntou:“Osenhorconsegue

ver? Acho que tem alguém vindo!” Através dos binóculos, Bredin viu umamotocicletacomsidecaralemãsubindoaestrada.Eleesperoualgunsmomentosantesdedarvozdecomandoaoordenançaeaoutrosoldadoparaabrirfogo.Ostrês cruzaram o rio para a posição de seu pelotão, onde Bredin disse a umsuboficialdosEngenheirosReaisparaexplodiraponte.Osalemãespassaramtrêsdias tentandoquebrara linha.Bradinafirmavaque

pareciam bem treinados, mas eram previsíveis. Os alemães queriam tomar umedifício de quatro andares à direita, na parte frontal da posição dos Rifles, acercade100metrosdedistância,masparachegar lácomeçaramaavançarporterrenoaberto,pontilhadoscomgalpõesdemadeira.OshomensdeBredineramperitosatiradoresetinhamacabadoderecebermetralhadorasBren,entãotiverampouca dificuldade de acertar os alemães de capacetes polidos, que corriamsozinhoseaosparesparaoedifício.Algunsserefugiaramatrásdosgalpões,mastábuasdemadeiranãoparavambalas.303,eosalemãessofreramgrandesbaixas.Os homens de Bredin também estavam sofrendo. Os alemães usavam uma

metralhadorapesadaquefaziaumruídoalarmantedeg’doonkg’doonkg’doonkquando disparada. Soldados inimigos começaram a chegar à casa de quatroandares, e franco-atiradores tomaram posição no telhado, com visão clara dosRifles.Depoisqueosalemãesconsolidaramsuaposição,váriosatiradoresforamatingidos,incluindooordenançadeBredin,quemorreucomumtironacabeça.No dia seguinte, os alemãesmontaram um ataque que foi quase inteiramente

repelidoporumúnicocabodisparandocarregadorapóscarregadordebalasdemetralhadora Bren. Todavia, o ataque foi apenas um prelúdio: os alemãesestavamsepreparandoparaumgrandeassalto.AposiçãodeBredinestavaligadaaoquartel-general da divisão por cabo, e ele telefonoupara pedir: “Por favor,mandeumuncletargetparaumlocalacercade100metrosdanossaposição.”“Uncletarget”eraumachamadadeemergênciaparaquetodososcanhõesda

divisão disparassememumúnico ponto durante dois ou trêsminutos, eBredinestavadandoordenadasparaqueatingissemacasa.Elepercebeuquealgunsdosprojéteis provavelmente ficariam fora de alcance, mas afirmou que“consideramos melhor sermos mortos por nossas próprias granadas do quesermosderrotadospeloinimigo”.Nocaso,umpardedisparosficaramaquém,e

Page 104: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

nenhumaatingiu aposiçãodosRifles.Acasa foiobliteradaeodia acabouemcalmaria.No dia seguinte, os alemães tentaram explorar uma brecha que acreditavam

existirentreosRifleseumaposiçãodosGuardasdosGranadeiros,àdireita,masos Guardas os forçaram de volta. Então, apesar de ter conseguido resistir aosavançosalemães,Bredinrecebeuasurpreendenteordemderetirada.OsubalternoAnthonyIrwin,do2oBatalhãodoRegimentoEssex,retornavade

suafolgaquandoosalemãesatacaram.Elepassouváriosdiastentandoalcançaroresto do batalhão junto comumde seus sargentos.Enquanto o par dirigia paraBruxelas, Irwin e seu sargento notaram o grande número de civis e soldadosbelgasmovendo-separaooutrolado.“Olhesóparaeles”,comentouosargento,“issonãoestácerto!”Aproximando-sedacidadeatrásdeseubatalhão,Irwinparouemumcentrode

controle do Exército. Decerto algum oficial lá dentro teria a última ordem debatalha—eelerealmentepôdeveraúltimaposiçãodobatalhão,queumcapitãoamigável e solícito mostrou em um mapa. Irwin agradeceu o homem antes desacar a pistola e perguntar se ele preferia ser baleado ou verificar suascredenciais. “Sinto muitíssimo, meu caro rapaz”, respondeu o capitão,reconhecendoquão“bobo”pareceriaseIrwinserevelasseumespiãoalemão.Depois de mais uma hora dirigindo, Irwin chegou à pequena aldeia onde o

batalhão estava alojado e encontrou seu comandante da Companhia “C”. Obatalhão,segundoele,deviadefenderpontesaolongodocanalCharleroi,emumsubúrbio de Bruxelas pouco atrás do Dyle. Foi informado, de forma um tantotétrica,queaquelaspontesnãopodiamserperdidas—deveriamserdefendidasatéoúltimohomem.Irwin encontrou o pelotão bebendo emumbar local. Ficou feliz emver que

elesestavamconcentradosnacerveja,evitandooDubonneteoanis.Noentanto,não tentavam evitar a jovemmulher que anunciou que cederia o corpo para osbravos Tommies britânicos lutando em defesa de sua terra. Três membros dopelotão a aceitaram. Naquela noite, quase toda a aldeia pôde ver o batalhãoavançandoparaocanaleparaaspontesqueiriadefender.Tão logo chegaram, as pontes foram preparadas para demolição por

engenheiros franceses— Irwin assistiu à demolição, fascinado.A explosão daponte também causou problemas: era uma estrutura grande, que permitia apassagemdequatrolinhasferroviáriasparaooutroladodocanal,eseriaprecisotrês toneladas de explosivos na base de seus dois suportes principais, mas osengenheiros tinham apenas cabos o suficiente para 13 metros entre a carga

Page 105: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

explosivaeodetonador.Osapadorfrancêsàcargodadetonaçãodeviasaberquenão sobreviveria à explosão a uma distância daquelas, mas apertou o botão,mesmoassim,obedientemente,acabandocomaponteecomaprópriavida.Naquele momento, Irwin estava a 450 metros de distância, e viu as linhas

ferroviáriasseelevaremnoar,lentaesilenciosamente,antesdeouviraexplosão.A fumaça cobriu tudo, choveu pedras e metais ao seu redor, os edifíciostremeram,eovidroseestilhaçou.Irwinsejogounochão,enterrando-seomaisprofundamentequepôde.Eleentãoassistiuàpróximapontesendoimplodida,destavezporengenheiros

britânicos. A carga acidentalmente foi detonada enquanto a ponte ainda estavasendousadaporrefugiadosbelgasacaminhodaFrança.Aimagemdeumhomemcompletamentesemroupas,aindapedalandoabicicleta,mesmo40pésacimadaterra,ficouimpressaemsuamente.Mais tarde, naquelamesmanoite, Irwin liderouumapatrulha atéo centrode

Bruxelas,masconseguiuvoltaràposiçãobematempo.Apesardenãotervistoumsóumalemão,chegaramasordensdecomeçararetiradaenquantoeleestavafora.Humphrey Bredin e Anthony Irwin ficaram surpresos com aquilo. Dois dias

antes, em 14 de maio, Winston Churchill ficara igualmente surpreso com otelefonema do primeiro-ministro francês, PaulReynaud, informando-o da causadessasretiradas—oavançoalemão.OgeneralHenryPownall,chefedepessoalda BEF, fala sobre isso em seu diário. Ele escreveu: “Os alemães,inexplicavelmente, atravessaram o Meuse.” A palavra-chave é“inexplicavelmente”. Pownall e seu comandante-chefe, Lorde Gort, nãoconseguiam explicar o avanço e não sabiam muito bem como estava sendoenfrentado.FoiestaaconsequênciaalarmantedostatussubordinadodaBEFnaguerradearaqueedesuaincapacidadedemonitoraraforçaaliada.Namanhãseguinte,Churchill foiacordadoporoutro telefonemadeReynaud,

destavezempânico.OlíderfrancêsdiziaqueaestradaparaParisestavaabertaequeabatalhatinhasidoperdida,entãoFrançateriaqueserender.Churchilltentouacalmá-lo,mas aHolanda acabou tambémse rendendonomesmodia, comseuExército dominado, e quasemilmortos emum intenso ataquede apenas algunsminutos da Luftwaffe sobre Roterdã. “Não esperávamos que a Holanda fosseresistirpormuitotempo,mascincodiaséexagero”,escreveuPownall.Em 16 de maio, o comandante do 1o Grupo de Exército, o general Gaston

Billotte(que,emteoria,eraresponsávelporassegurarqueaBEFfossemantidainformada dos acontecimentos), ordenou que as forças francesas, britânicas e

Page 106: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

belgas se retirassem, evitando serem flanqueadas pela vanguarda Panzer emSedan.Foram justamente as ordens que surpreenderamBredin e Irwin.QuandoChurchill foi informado, ficou infeliz, sem conseguir entender por que umacentena de tanques alemães atravessando a linha em Sedan deveria forçar osbritânicosaumaretirada.AquilocertamenteexporiaaBEFaumgranderisco.ChurchilldecidiuviajarparaPariscomseuchefedeEstado-Maior,ogeneral

HastingsIsmay,eovice-chefedoEstado-MaiorImperial,ogeneralSirJohnDill.Eles voaram de Hendon para Le Bourget em aviões Flamingo, então foramlevados primeiro para a embaixada britânica, depois para o Ministério dasRelaçõesExterioresfrancês,noQuaid’Orsay.Lá,ChurchillconheceuogeneralMaurice Gamelin, comandante-chefe dos Aliados, além de Édouard Daladier,ministrodaDefesa,edeReynaud.Gamelincomeçouareuniãoexplicandoasituação,paradodiantedeummapa

daslinhasaliadasapoiadoemumcavalete.Acaracterísticamaisclaranomapaeraumapequenaprotuberânciacheiaderabiscospretos,representandooavançoalemão. Quando Gamelin terminou de falar, Churchill perguntou: “Où est lamasse demanœuvre?” (Onde está a reserva estratégica?). Gamelin balançou acabeça,deudeombroserespondeu:“Aucune”(Nãohánenhuma.).Churchillficouestupefato.OndeestavaorestodopoderosoExércitofrancês?

Comooscomandantespoderiamdeixardecriaruma reservaatrásdeumpontovulnerávelnalinhadefrente?“Asituação”,escreveuele,depoisdaguerra,“eraincomparavelmentepiordoque imaginávamos”.Era tão ruimque ele concedeuumpedidofrancêsdeseisoutrosesquadrõesdecaçadaRAF,apesardeacreditarque sua perda comprometeria gravemente a defesa daGrã-Bretanha.Após estareunião,Churchillvooudevoltaparacasa,reconhecendoanecessidadedaBEFseretirarparamanterumalinhacontínua.Naverdade,nodiaseguinte,elepediuaChamberlain, que permaneceu em seu Gabinete de Guerra, que estudasse aviabilidade de retirar completamente a BEF da França, possivelmente “pelosportosbelgasedocanal”.Em17demaio,jáhaviaconjecturashesitantessobreumapossívelevacuação.A retirada teve inícionanoitede16demaioe sóacabounanoitede18de

maio,comadefesadeumalinhaaolongodorioEscalda.Oprocessotodosedeubrigada por brigada. Quase todos os soldados não viam razão para recuar—algunsseperguntavamsesuaunidadeestavasendoenviadapararetaguardacomopunição por algum delito menor, enquanto outros especulavam que o inimigofizeraavanços localizados,causandoumreajustena linhadedefesa.Sóquandoosrumorescomeçaramacircularéquehouvesuspeitadequeosalemãesestavam

Page 107: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

muito perto de flanquear todo o Exército britânico e cortar as linhas deabastecimento.Algumasunidadesbritânicasentraramemdesordemna retirada,umaamostra

precocedoqueestavaporvir.EnquantoavançavapelaflorestadeSoignes,umaunidadedeartilhariaseseparou,chegandoàsposiçõesdo2oRegimentodeEastYorkshire“emestadodechoqueealarme”.Os belgas, que tinham recebido os britânicos como hóspedes honrados,

estavam amargamente desapontados em ver seus convidados recuando tãodepressa.“ComoéqueesperamqueosExércitosfrancesesdoSulmantenhamaposição se os ingleses estão se retirando desse jeito?”, perguntou AnthonyRhodes. Ele falou com a dona do bordel local, que disse que isso seriamuitofácil de superar. “Os alemães são clientes ótimos.Osmelhores”, explicou ela.“Sei muito bem, eu estava aqui na última guerra.” Quando o 1o Batalhão doRegimentodoSuldeLancashirerecuouparapertodeBruxelas,foialvejadoporuma unidade belga, que os confundiu com alemães. Houve tiroteio intenso,resultandoemmuitomaisbaixasbelgasdoquebritânicas.“Foilamentável,masficamos bastante satisfeitos”, contou um soldado de South Lancs. “Foi nossaprimeiraaçãoàqueima-roupa,enossaímosmuitobem.”Quase todos os soldados britânicos ficaram espantados com as hordas de

refugiadosbelgasseafastandodafronteiraalemã,horaapóshora,diaapósdia.Peter Hadley, que estava perto de Antuérpia, comparou a cena à estrada queconduz ao estádio de Wembley dez minutos depois que acaba uma final decampeonato. Alguns iam em carros ou carroças puxadas por cavalos e debicicleta,masamaioriasedeslocavaapé,comfardosnosombrosemalasnasmãos.UmdessesrefugiadoseraLouisVanLeemput,de13anos.Elefoiacordado,em

10demaio,quandoestavaemsuacasapertodeAntuérpia,pelosomdeaviõesalemãesvoandobaixo.Orádiologoinformouoqueestavaacontecendo,eopaide Louis, que trabalhava para o Arsenal Militar Belga, teve que sairimediatamente.Orestantedafamília—Louis,suamãeeseuirmãode7anos—sededicouaembalaralgumasposses,trancaraportadafrenteepartirparaYpresjuntocomosvizinhos.Comotodososoutrosnaestrada,elesestavamfugindodosalemães, carregando seus parcos pertences emum carrinho puxado por umdosvizinhospelasestradasdeparalelepípedos,enquantooutrosempurravamportrás.“A caminhada até Ypres foi péssima”, contou Louis. A viagem levou uma

semana.Precisavamencontrar alimento todososdias, e geralmente compravamde fazendeiros.Louiscontouqueos refugiadosestavamassustados,entãohavia

Page 108: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

pouca conversa — só trocavam frivolidades sobre de onde eram. Não viaproblemanaquilo,masacreditavaque,setivessemqueficarnaestradapormuitomais tempo, teriamprovavelmente perecido já que comida e água eram artigosescassos.Hortense Daman era uma jovem belga cuja família viria a trabalhar para a

Resistência. Traída por um informante, em 1944, Hortense seria enviada aocampo de concentração de Ravensbrück para se tornar objeto de experimentosmédicosnazistas.Porém,elaaindaselembravadever,em10demaiode1940,umaviãoalemãocaindodocéu.Enquantoaaeronavezuniaemdireçãoaosolo,seus amigos aplaudiam a destruição iminente — até que o avião soltou umabombae subiudevolta.EraumStuka.Foi quandoumhomemapareceu, pegouHortense em um braço e sua irmã no outro e saiu correndo. Tudo era caos, emetadedaruafoiarrasadaporbombas.“Todosachavamqueaguerranãodurariamuitoederrotaríamososalemães”,

contouHortense.AssimcomoafamíliadeLouisLeemput,ela,amãe,opai,oavôeduastiassaíramdecasanaquelediaecomeçaramacaminhadaparalongedafronteiracomaAlemanha.Depoisdeumtempo,alguémcomentouquenãotinhamlevadonada,nenhumacomida,roupaoucobertor,entãoseupaieseuavôforampara casa buscar as coisas enquanto as mulheres esperavam em um campo.Quando os homens retornaram, repararam que tinham esquecido de pegardinheiro.Suamãeficoufuriosa.Hortense ainda podia lembrar dos confrontos nas estradas. “O pânico era

intenso”, contou. “O pânico, as brigas, os gritos! Não dava para acreditar nosnossosprópriosolhos!”Elaaindapôdeselembrardevacasgritandonoscampose da avó parando para ordenhá-las, para aliviar a dor. E se lembrava de umjovemcomuniformebritânicosendoespancadodepoisquealguémgritouqueeleeraespião.Apolícialevouosujeitoembora,masHortenseaindaachavaqueeleeraumsoldadodeverdade,vítimadahisteria.LouisvanLeemput temmemóriasamargasdosataquesaéreosalemães.Cada

vez que um avião aparecia, seu grupo mergulhava em uma vala ao lado daestrada.Eleselembradosomdetuck,tuck,tuckdasbalasnosparalelepípedos.Todasasnoites,ogrupodeLouisencontravaumafazendaondepodiamdormir,em camas improvisadas de palha ou feno. Uma noite, foram acossados porsoldados belgas igualmente cansados, e tiveram que andar até o amanhecer.“Naqueledia,euestavatãoexausto,quecaíao ladodaestradae tivequeficardeitadoumpoucoali”,revelouLouis.“Eunãotinhamaisforças.”

Page 109: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Por fim, se estabeleceram por uma semana em uma fazenda perto deYpres,junto com outros refugiados. Um dia, Louis estava do lado de fora da casaprincipal, na latrina, quando viu umbando de pássaros se aproximando.Vendoqueospássarosaumentavam,elepercebeuqueeramStukas.Entãoselevantoudeum salto, puxou as calças e correu para o celeiro, gritando “Stukas!” A essaaltura, no entanto, as aeronaves já estavam mergulhando: “Só o som já é obastante para fazer você morrer de medo, então vem o barulho das bombasrugindo, e as pessoas começam a gritar. E tivemos tanta sorte... as bombaserraram a fazenda e explodiramno terreno ao lado.Assim que deu, enrolamosnossascoisasevoltamosàestradacomacarroça.”Oscivisbritânicosestavamenfrentandoumaguerradiferente.Umrelatóriodo

MassObservation,compiladoem14demaio,observou“umgrandeaumentodainquietação”, particularmente acentuado emLondres,mas observado em toda aGrã-Bretanha. As atitudes variavam. Iam de: “Ele [Hitler] está dando umtrabalhão,nãoé?Seconseguirmossegurá-loporumtempo,vaificartudobem.Seele não conseguir passar, estará acabado.” Até: “Ninguém consegue imaginarnada tão ruim. Minha opinião é que isso é a pior coisa que já aconteceu nahistória.”Noentanto,oaumentoda inquietação teveumcoroláriopositivo:umtsunami

devoluntariadovarreuanação.Aspessoascomeçaramadoartempoeenergia,emumdesejocomumdeaumentaracapacidadedaGrã-Bretanhadesedefendereseorganizar.Teve inícioumamiríadedeorganizações, entreelaso InstitutodaMulher,comasuaconfecçãodegeleiasecoletadefrutosderoseira;oServiçoVoluntário Feminino, com as cantinas móveis e assistência de evacuação; e aAgênciadeAconselhamentodosCidadãos,comorientaçõesdebem-estar.Porém,em14demaio,osecretáriodeEstadoparaaGuerra,AnthonyEden,anunciouaformação de uma organização voluntária de homens entre 17 e 65 anos, osVoluntáriosdeDefesaLocal—entidadequeserviriacomoExércitoCivilpararesistiraqualquerfuturainvasãoalemã.O nome “Voluntários de Defesa Local” não durou muito tempo. Em julho,

Churchill insistiuque fossemudadoparaomais inspirador“GuardaNacional”.Apesar das mudanças de nome, a organização cumpriu uma série de papéisimportantes,esuapopularidadeinstantânea—250milhomensinscritosaindanaprimeirasemana—refletiaodesejopopulardeseunirpararesistiraoinimigonazista.Dois dos primeiros voluntários já nos dão uma noção da diversidade

excêntrica dos VDL. O soldado Standish Vereker era irmão de Lorde Gort,

Page 110: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

comandante-chefedaBEF.O soldadoGebuzaMungu, por suavez, era filhodeUmundelaMungu,comandantezulunabatalhadeRorke’sDrift.Mungutinhasidodomadordeleõesdecircoduranteoitoanos,antesdesemudarparaosuldoPaísdeGalesepassaratrabalharnaindústriadoaço.Apesardeseus63anos,nuncafaltouaumdesfiledosVDL(ealegavaaestranha“distinção”deterumavezsidochicoteadopelopaidogeneralSmuts).Nesta fase inicial,opapelmilitardosVDLera insignificante.Osvoluntários

usavambraçadeiras,nãouniformes,etudoseminsígniasoudivisas.Alémdisso,treinavamcomcabosdevassouraecumpriamumagrandequantidadededeveresespúrios de guarda, com resultados mistos. Quando um oficial contestou umsoldadoarespeitododeverdeguarda,elestravaramoseguintediálogo:

—Qualéoseutrabalho?—Nãoseinão,senhor.—Queméoseusargentodepelotão?—Nãoseinão,senhor.—Queméseuoficialdepelotão?—Nãoseinão,senhor.—Queméocomandantedasuacompanhia?—Nãoseinão,senhor.—Quemsoueu?—Nãoseinão,senhor.—Háquantotempovocêestánacompanhia?—Trêsmeses.—Quantasvezesvocêdesfila?—Cinconoitesporsemana,senhor.

Osoldadofoiposteriormenteexoneradodocargopordeficiênciamental.Ainda assim, apesar de todas as limitações militares iniciais, os VDL

desempenhavam um importante papel de propaganda. Além de fazerem oscidadãossesentiremúteis,tambémacalmavamocrescentemedodeumainvasãoaérea. Quase todo o discurso de Anthony Eden se concentrava nas tropasparaquedistas alemãs e no papel que a nova organização poderia desempenharpara combatê-las. “Viemos pedir a ajuda de vocês”, pediu Eden ao público,antecipandoJohnF.Kennedy—emuminglêspolido—pormaisdevinteanos.Durante os meses e anos vindouros, os VDL (e a Guarda Nacional) se

tornariam mais profissionais, mais bem organizados e muito mais bem

Page 111: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

financiados, mas começaram como uma organização caseira, cujosdesenvolvimentosvinhammajoritariamentedosmembros,enãodasautoridades.Antiguidades (incluindo um canhão de bronze chinês) foram removidas dosmuseus para complementar o arsenal, e muitas unidades fizeram seus próprioscoquetéisMolotov. Os VDL de Bexley recolhiam garrafas antigas de uísque erefrigerante(asgarrafasdecervejaeramconsideradasmuitogrossas)paraenchercom uma mistura de alcatrão e gasolina— aquecida com todo o cuidado, deformaqueosingredientessemisturassem—,easdeixavamemsuportesdelonafeitos especialmente para isso. Com isso, cada membro poderia defender afronteiradeKentarmadocomdozecoquetéisMolotov.UmaunidadedeVDLquemaissedestacouduranteestesprimeirosdiasfoia

PatrulhadoAltoTâmisa,queoperavanaságuasdorioTâmisanãoafetadaspelamaré entre Teddington e Lechlade, um trecho de aproximadamente 200quilômetros. A patrulha consistia em proprietários de lanchas motorasencarregadas de proteger o rio, as margens, pontes, comportas e eclusas desabotagem. Em caso de invasão, a patrulha seria responsável por explodir aspontes. Três de seus barcos, Constant Nymph, Surrey e Bobell, viriamdesempenharumpapelsignificativonaevacuaçãodeDunkirk.Outraunidadenotável(emboranãotenhasidoformadaatéoiníciodejulho)foi

oPrimeiroEsquadrãoMotorizadoAmericano,formadoporcidadãosdosEstadosUnidosvivendonaGrã-Bretanha,sobretudoprofissionaisehomensdenegócios.Oesquadrão foi criadoporCharlesSweeny,umfinancista ricoe socialite,queligouparaopaiaindamaisrico,nosEstadosUnidos,paratratardanecessidadede armas e munições— com isso, cem Tommy Guns e 100 mil cartuchos demuniçãoforamprontamenteentregues.Comdezenasdemembrosbemconectados,carrosamericanosdamodapintadosemcoresmilitareseumgeneraldebrigadaqueservirasobogeneralPershingnaúltimaguerra,oesquadrãoeraumaunidadeexcepcionalmentebemequipadaeorganizada,capazdedesenvolverasprópriasmanobrasdiantedasunidadesdeelitedoExércitobritânico.Churchill,empenhadoematrairosEstadosUnidosparaaguerra,demonstrou

interesse especial no esquadrão. Já Joseph Kennedy, embaixador dos EstadosUnidos, desaprovava abertamente a formação. Isto confirma, contudo, que aomenosalgunsamericanosestavamcomprometidoscomoesforçodeguerramuitoantesdedezembrode1941.OentusiasmodosVoluntáriosdaDefesaLocaleograndenúmerodehomens

angariadosemtãopoucotemposãoindicativosdequeovoluntariadobritânico,

Page 112: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

emmuitos aspectos,mantinha a nação ocupada e envolvida— uma ferramentacrucialnalutadogovernocontraacomplacênciacivileainsatisfação.Enquanto isso,dooutro ladodocanal,a retiradadaBEFparaa linhadorio

Escaldafoicompletadananoitede19demaio.LordeGort,porém,percebeuoperigo crescente de serem flanqueados naquela posição, então fundiu unidadespré-existentes, criando forças de emergência para ocupar áreas vulneráveis. AMacforce,compostaprincipalmentepela127aBrigadadeInfantaria,foienviadaparavigiaroflancosuldaBEF,aolongodorioScarpeentreRâcheeSt.Amand.Com efeito, a Macforce foi uma salvaguarda contra o colapso do 1o ExércitoFrancês do general Blanchard, uma perspectiva que agora parecia eminente epossível. A Petreforce, por sua vez, consistia principalmente de batalhões deescavadores sem treinamento (bem como um batalhão de elite dos GuardasGaleses),posicionadosparadefenderArras.AcondutaemcampanhadeGortrecebeumuitascríticasaolongodosanos,e

algumasdasmaiscontundentesvieramdeMontgomery—aindaquepolvilhadascom fracos elogios. Monty descreveu Gort como uma pessoa fantástica e umamigocaloroso,masnãomuitoespertooupreocupadocomaadministração,alémdealguémquenuncadeveriaterrecebidoocargo,paracomeçodeconversa.“Elesabiatudooquehaviaparasabersobreossoldados,sobreseuuniformeesuasbotas”,escreveuMonty,mas“otrabalhoestavaacimadesuacompetência”.A maior queixa de Monty dizia respeito ao estado de confusão no quartel-

generaldeGort.“Eradifícilsaberondealguémestava”,escreveu.EsseproblemaeracausadopelodesejodeGortdeestarpertodaação,oqueolevavaadividiraorganização do quartel-general em três escalões, em vez dos dois habituais.Oresultadofoiumcolapsoexasperantenascomunicações.“Ascomunicaçõeseramestabelecidas apenas para descobrir que o oficial ou a organização militarreceptoradamensagemestavamemoutroslugares”,escreveuummembrodostaffdo1oCorpo.Emseupapelnão sócomocomandante-chefedaBEF,mas tambémcomoum

comandante do Exército responsável perante diversos níveis de autoridadesfrancesas,otrabalhodeGorteraenormeecomplexo,ecomunicaçõeseficienteseramcruciaistantoparaodesempenhodaBEFcomoparamonitorarasaçõeseintençõesfrancesas.Apesardisso,Gortdemonstrousuadisposiçãoparareagiràssituaçõesquandocriouforçasimprovisadas.OmovimentodetropasdoSulseriaimportante nos próximos dias. Durante as discussões com Pownall, em 19 demaio,surgiuumaideiacujasconsequênciaspermanecemconoscoatéhoje.

Page 113: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

ComoGortviu, aBEF tinha trêsopções:poderia tomarparte emumcontra-ataquelançadosimultaneamentedonorteedosul,cortandooavançodosalemãesemantendo uma linha de defensa; poderia tentar se retirar para a linha do rioSomme,mantendoabertasaslinhasdesuprimentos;oupodiaescolheraterceiraopção,aparentementemaisdrástica,masprovavelmenteaúnicasensata—irparanoroeste,protegidapelocanalepelaslinhasderio,atéDunkirk,ondeseriafácilmontarumaevacuaçãodevoltaparaaGrã-Bretanha.Ummovimentotãoaudaciosocomoestequasecertamentesignificariadeixara

maior parte das armas e equipamentos da BEF na França, e poderia ser vistocomo traição pelos aliados franceses e belgas. Além disso, provavelmenteencontraria resistência por aqueles em casa, que não compreendiam a terrívelsituaçãodaBEF.Comoconfirmação,quandoPownalltelefonouparaoMinistériodaGuerra para informar acerca do plano ao diretor deOperaçõesMilitares, arespostaqueelerecebeufoiqueaquiloeraumplano“estúpidoeinútil”.Mesmoassim,suadeterminaçãodeprotegeraGrã-Bretanhaaqualquercusto,

somada às deficiências administrativas de sua força e à falta de confiança nosfranceses para resistir às divisões blindadas, levaram Gort e sua equipe acomeçaraplanejarumaretiradaparaDunkirk.

11GeorgeVIeChamberlaineramamigostãoíntimosqueoreideraaChamberlainumachaveparaosJardinsdoPaláciodeBuckingham,de formaqueoprimeiro-ministro tinhaumatalhoentre suacasadeBelgraviaeWestminster.12 A expressão “quinta coluna” foi provavelmente cunhada pelo general Mola durante a Guerra CivilEspanhola.QuandoosnacionalistasatacaramMadricomquatrocolunasdetropas,Molaafirmouqueexistiauma “quinta coluna” dentro da cidade, composta pelos partidários nacionalistas que esperavam para agirquandochegasseahora.[N.T.]

Page 114: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

O

Cinco

Contra-atacando

MÉDICO DE WINSTON CHURCHILL, LORDE Moran, escreveu certa vez, arespeito de seu paciente, que “sem essa habilidade com as palavras, ele

teriaconquistadomuitopouconavida”.Podeatéser,masacapacidadeinstintivadeChurchilldeentusiasmarmentesangustiadaseramuitonecessáriaquandoelefezsuaprimeiratransmissãocomoprimeiro-ministro,dirigindo-seàtodaanação,em19demaio:

OspovosbritânicoefrancêstêmtrabalhadopararesgatarnãoapenasaEuropa,mastodaahumanidade,datiraniamaisassustadoraedestruidoradealmasquejáobscureceuemanchouaspáginasdahistória.Atrásdeles,atrásdenós,portrásdosexércitosedasfrotasdaGrã-BretanhaedaFrança,reúne-seumgrupode Estados alquebrados e raças brutalizadas: os tchecos, os poloneses, osnoruegueses, os dinamarqueses, os holandeses, os belgas. Uma noite debarbarismodescerásobreessespovos,inquebrantávelmesmoporumaestreladeesperança,amenosquetriunfemos.Comodevemostriunfar—comoiremostriunfar.

Page 115: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Arespostafoipositiva.“Vocênuncafeznada tãobomoutãogrande”,escreveuAnthonyEden.“Obrigado,eagradeçoaDeusporvocê.”Entretanto, nos bastidores, Churchill não podia se permitir tamanha

autoconfiança ou serenidade. Mais tarde, naquela mesma noite, ele enviou umtelegramaparaFranklinRoosevelt,opresidentedosEstadosUnidos,fazendoumaameaçavelada:seaAméricanãoajudasseaGrã-Bretanha,e issoresultassenarendição forçada de seu povo, aMarinhaReal passaria paramãos alemãs.Aspossíveis consequências disso ficaram a cargo na imaginação de Roosevelt, eChurchillfinalizoucomaspalavras:“umavezmais,agradeçosuaboavontade.”Naquela noite, os Pompadours de Anthony Irwin chegaram à aldeia de

Belleghem, atrás do rio Escalda. Os dias anteriores consistiram de marchasintermináveis e sem repouso, pontuadas por incidentes oníricos. AlgumasmetralhadorasabriramfogocontraelesaosuldeBruxelas.Combalas traçantespassando por sobre suas cabeças, Irwin e seus homens se jogaram no chão eabriramfogocomasBrens.“Cessarfogo!”,gritouumavoz,finalmente,ealguémchegouanunciandoqueo“inimigo”naverdadeeraumpelotãodemetralhadoresdoRegimento deMiddlesex.Até aquelemomento, dois Pompadours, um delessargento-mordacompanhia,haviamsidoferidos.Pouco depois, a companhia de Irwin acabou dispersa nos arredores de um

pomar,quandoseusmembrosficaramemocionalmenteenvolvidosemumabatalhaaéreaunilateralentreumúnicoLysanderdaRAF13 (comvelocidademáximadecercade340quilômetrosporhora)eseisMesserschmittBf109(comvelocidademáximadecercade560quilômetrosporhora).Acompanhiaassistiuaos109serevezando em mergulhar contra o Lysander e arremetendo para atacá-lonovamente enquanto ascendiam. Cada vez que isso acontecia, o Lysanderdesaceleravaeesquivava,e todosos109operdiamdevista.Quandooataquefinalerrouoalvo,umsoldadoqueobservavaocombateirrompeuemlágrimas.Quando os 109 mudaram as táticas e passaram a atacar simultaneamente dedireções diferentes, oLysander se lançou emuma espiral descendente antes deaprumar, voando baixo sobre a companhia. Entretanto, os 109 não estavamdesistindo:perseguiramaaeronaveinimiga,mascomovoavambaixo,próximosdacompanhiadeIrwin,cadaumadasBrenabriufogo.Oprimeiro109 colidiu como solo emchamas, e os outros cincopararame

voaramparalonge,maslogoretornaramemformação,buscandovingançacontraacompanhiaesuasmetralhadoras.Naquelemomento,noentanto,trêsHurricanesda RAF apareceram e perseguiram os 109. Durante todo o tempo, o Lysandervoavaserenamente.

Page 116: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Um incidente um pouco mais ordinário ocorreu pouco depois: Irwin e umoficial ebomamigo seuameaçaram-seumaooutrocompistolas,brigandoporseuspelotões,quetentavamassumiramesmaposição.Ambosestavamcansadosdemais para pensar em se mudar para outro lugar. No fim das contas, Irwinperdeuaposiçãoaoapostarnocaraoucoroa.PoucoantesdechegaraBelleghem,opelotãodeIrwinpassouporumafábrica

depãodegengibre.Algumastropasjátinhamentradolá,eoshomensdeIrwin—a maioria sem comer há alguns dias — as seguiram. Logo estavam todoscompartilhando caixotes de bolos de gengibre. Uma hora depois, estavamagachadosaoladodaestrada,compartilhandoasdoresdadiarreia.Em Belleghem, além do Escalda, o batalhão estava esperando para montar

guarda,mas teve que se retirar na tarde de 20 demaio.Desta vez, no entanto,entendiam muito bem por quê— as notícias do avanço dos Panzer já tinhamchegadoatéeles.A cerca de 32 quilômetros dali, na aldeia de Froidmont, o 2o Batalhão do

RegimentoRealdeNorfolkestavasepreparandoparapercorreracurtadistânciaaté o rio Escalda.Naquela noite, o batalhão semudou para um local perto deCalonne,onderendeuoRegimentoRealdeBerkshire.Acompanhia“A”tomouaposiçãocentral, seu frontseestendendoporquase700metros,oquedeixouoshomensdesconfortavelmentedistantesunsdosoutros.Noentanto,ocomandantedacompanhia,ocapitãoPeterBarclay,passouanoitecertificando-sedequecadahomemtinhaumasólidaposiçãodefensiva.Oriotinha18metrosdelargura,dandoalgumaproteçãopreliminar.Aolongo

dofrontdacompanhiahaviaalgumasedificações.Umaseçãoseinstalouemumaadega;outra,atrásdeumaparededejardim;eumaterceira,àextremaesquerda,emumaantigafábricadecimento.OsoldadoErnieLeggetteseuscamaradassecolocaramnoandardecimadeumprédio,emaisparaadireitaficavaoquartel-general da companhia, comBarclay, o sargento-morGeorgeGristock e outros.Todasascompanhiastinhamquelidarcomoproblemadeumbosquecompridoefino no outro lado, que oferecia alguma camuflagem ao inimigo, ainda que nãototal.Comoamanhecerenenhumalemãoàvista,Barclay,membrodeumafamíliade

banqueiros,14 decidiu tirar uma pequena folga. Seu ordenança tinha avistadocoelhosno terrenovizinhoaoChâteauCarbonelle edescobertogalgos e furõestrancados nos estábulos do castelo. Durante uma hora e meia, Barclay e seuscompanheiros oficiais fingiram ser cavalheiros do campo, até que os alemães

Page 117: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

começaramadispararprojéteisdeartilharia.Então,segundoBarclay,elepensouqueseriamelhor“lidarcomoprobleminha”.Durante algum tempo, todos permaneceram razoavelmente quietos, até que

algunsalemãesapareceramnooutroladodorio.Barclayinstruiuseushomensanão atirar até que tivesse soprado a corneta de caça que levava consigo. Osalemães vagaram pela floresta e começaram a cortar árvores — iam tentarconstruirumapontesimplesusandoosblocosdeconcreto jáassentadosnorio.Enquanto isso, os Norfolks permaneceram calados. Conforme os minutospassavam,maissoldadoschegavamàmargemoposta,incluindoumhomemdaSScomcapacetenegro.Descontraídos,semsaberqueestavamsendovigiados,elescomeçaram amontar a ponte e a cruzar para o lado dos Norfolks. Não houveabsolutamentenenhumasensaçãodeurgênciaatéBarclaysoprarsuacorneta,eosNorfolks abrirem fogo. Todos os alemães, em ambos os lados do rio, forammortos.A seção de Ernie Leggett instalara-se no piso superior de uma fábrica de

cimento, a partir de onde podiam vigiar o bosque, então avistaram o inimigocomeçaraavançarcomtanqueslevesacercade140metrosdedistância.Logocomeçouumferozfogocruzado,eLeggettatiravaincessantementecomsuaBren.Osalemãesconseguiramchegaràmargemantesde recuar.Elesvoltaram,destavezavançandosobreosprópriosmortos.Foramderrotadosduasvezesmais,masLeggett e seus companheiros também estavam sob fogo de morteiro, com seucaracterísticosomdebombeamento,seguidodeumabrevemasagonizanteesperaporumaexplosão.Mais adiante, o quartel-general também estava sob fogo de morteiros e

artilharia.VendoocapitãoBarclayferidonoestômago,nobraçoenascostas,ecomtodasasmacasjáemuso,oordenançaimprovisouumamacaarrancandoumaportadasdobradiças.Barclaytentouimpedir—efalhou—queseuordenançaoamarrasseàporta.QuatrohomenscarregaramamacaimprovisadadeumladoaoutroenquantoBarclaydavaasordens.ProblemassedesenvolveramparaoladodireitodeBarclay.Noflancodireito

imediato, os alemães tinham capturado uma boa posição, enquanto na outramargemumametralhadorainimigatinhasidoposicionada.Barclaydelegouaseusargento-mor,GeorgeGristock,acapturadeambasasposições,comaassistênciadeumgrupoheterogêneo,incluindoumescrituráriodacompanhiaeumoperadorderádio.Segundos depois, Ernie Leggett olhou para fora da posição, na fábrica à

esquerda,eviuGristockrastejandodejoelhosecotovelos,avançandoemdireção

Page 118: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

aumabrigodemetralhadoraalemãnoladodorioqueosNorfolks,atéentão,nãotinhamconseguidoavistar.De repente, uma metralhadora oculta, posicionada no flanco de Gristock,

disparou, atingindo suas pernas e destruindo os joelhos. Mas ele continuouavançando até chegar a cerca de 20 metros da primeira posição inimiga. Lá,Gristock se inclinou para trás e começou a lançar granadas, antes de virar edispararaTommy.Eleseasseguroudequeosquatroalemãesestivessemmortosantesdesearrastardevoltaparaseulugardeorigem.Foi quando Barclay desmaiou. Ao acordar algum tempo depois, no castelo

transformado emumpostomédicodo regimento, ele se viu deitado ao ladodeGristock.Leggett permanecia em seuposto.Dos25membrosde sua seçãoquecomeçaramamanhãnafábrica,restavamapenasquatro.Nãohaviaferidos:todosos outros estavammortos. Quando Leggett cruzou o andar, preparando-se paraolharparaaesquerdaembuscadealemães,levouumsusto:

Apróximacoisaquemelembroédenotarquetinhamatingidooteto,entãoouviumestrondo.EUvimabaixo,caindonochão,epercebiquetinhasidoatingido.Eraumdaquelesmorteirosde76milímetros,eeutinhasidoatingido.Minhapernaesquerdaestavadormente,minhascostasestavamdormentesdacinturaparabaixo,eunãoconseguiamoveraspernas,esóviasanguenochão.Doishomensviramcorrendoatémim,eumdelesgritou:“Masquediabos,Ernie!Vocêfoiatingido!

Leggett foimeio carregado, escada abaixo, até ser deixado deitado ao lado deuma linha ferroviária de 15 centímetros de altura.Desnudo, exceto pela cueca,começouasearrastaragonizantementeaolongodalinhaferroviária,abrigadodotiroteio,cobertodeterralançadapeloimpactodeprojéteisdeartilharia,comasmãos sangrando pelo esforço. Centenas de metros mais tarde, ele chegou aoquartel-generaldacompanhia,ondefoicolocadoemumamaca.Leggetlembravadeestardentrodeumcaminhãoeveruma freira comumvéu florido inclinadasobre ele, além de um oficial médico dizendo: “Vai ser só uma picada, meuchapa.”Apesar do combate intenso e de dois avanços alemães repelidos, o batalhão

manteve a posição.Naquela noite, ordens de retirada foram enviadas primeiroparaBachy,depoisparaosetordeBethune,quepassoupormaishorrores.Umpoucomaistarde,emumhospitalnaInglaterra,ErnieLeggettfoiinformado

de que ia ficar bem, apesar dos vários ferimentos, incluindo um estilhaço de

Page 119: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

bombaqueraspouaartériafemoralantesdesairpelavirilha.Naenfermariaaolado estava George Gristock, cujas pernas tinham sido amputadas desde oquadril.Todososdias,Leggettera levadoparaver seusargento-mor,que tinhapermissão de beber tanta cerveja quanto quisesse. “Maravilha!”, exclamavaGristock,tomandoabebidacamufladaemumbuledechá.Leggett disse aGristock que tinha visto o que acontecera comele. “Aqueles

bastardos”,disseGeorge.“Masacabeicomeles!”Falavamtodososdiassobreosvelhostemposnoregimentoeosprimeirosmesesdaguerra.“Eentãochegouaquelamanhãhorrívelquandonãovierammebuscar”,contouErnie.“Eeudisseàenfermeira: ‘Leve-me para ver meu sargento-mor’, mas ela respondeu: ‘Não.Sintomuito’.Gristocktinhamorrido.”GeorgeGristock foi condecorado com a Cruz deVitória por suas ações em

batalha, ahonraria está emexposiçãopúblicanoMuseudoRegimentoRealdeNorfolkemNorwich.Em20 demaio, o anspeçadaCyrilRoberts estava emVauchelles, ao sul do

Somme.Suaunidade, a2aCompanhiado7oBatalhãodoRegimentoReal, tinhasidolevadaparaaFrançapararealizartarefasdetrabalho,passandoaprimeirametadedemaiooperandosobadireçãodeengenheirosfrancesesemAbancourt,entreAmienseDieppe.Nãoestavamesperandoseenvolvernosconfrontos,entãotinham recebido o mínimo de treinamento na Inglaterra, durante o inverno, enenhumnaFrança.Estavammalequipados,comapenastrêsmetralhadorasBrenpara todoobatalhãoenemumúnicomorteiroou transportador, apenas catorzecaminhões e um carro. E estavam quase desprovidos de equipamentos decomunicaçãoesinaleirostreinados.Maseramsoldados,e,comaBEFemcrise,receberamordensdeavançar.Em18demaio,foramenviadosaAbbévilleedeláparaLens,ondeseutrem

foibombardeadoemetralhadoporataqueaéreo.Oitohomensdeoutrobatalhãoforamferidos,masnenhumcompanheirodeRoberts foiatingido.Poucodepois,porém,perceberamqueumerrohaviasidocometido:obatalhãodeviaterficadoemAbbéville.Todosembarcaramemoutrotremevoltaram—foiaíque,em20demaio,oshomenschegaramaumapequenavilapróximachamadaVauchelles,comasdivisõesPanzervarrendo tudoemsuadireção.AsvacilaçõesdeHitleraindanãotinhamafetadosignificativamenteoprogressoalemão,e,comacoleirasoltamaisumavez,ostanquesavançaram.ObatalhãodeCyrilestavanoolhodatempestade,eoresultadofoiocaos.AsordensdeHeinzGuderianeramparaquea2aDivisãoPanzermantivessea

posição entre Abbéville e Flixécourt, eliminando a resistência britânica e

Page 120: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

francesadosetor.A1aDivisãoPanzer tomariaaáreaentreFlixécourteorioalestedeAmiens,enquantoa10aDivisãoPanzermanteriao terrenomaisa lesteatéPeronne.Em20demaio,depoisquea1aDivisãoPanzer tomouAmiens,Guderianfez

umacaminhadapela cidade.Achoua catedral linda,masnãopodia ficarmuitotempo.Movendo-separaoleste,passouàfrentedesuascolunasqueavançavameavistou um número de veículos britânicos nomeio delas, tentando semisturar,esperando uma chance de fugir para o Sul. “Foi assim que eu capturei quinzeingleses”,escreveu.Naquela manhã, o primeiro-tenente Dietz, da 2a Divisão Panzer, partira da

aldeiadeSorrellaoalvorecer.SeuGrupodeBatalhainteiroestavaavançando:abrigadadetanques,osdoisbatalhõesdeinfantaria,osdestruidoresdetanqueseos pioneiros blindados (engenheiros em veículos de combate). Iam paraAbbévilleeomareencontrarampoucaresistêncianocaminho.A19quilômetrosdacidade,agigantescaserpenteenroladaparou.Aoredorestavamoscarrinhosedetritos dos refugiados, amaioria belgas.Dietz achou que homens,mulheres ecriançastinhamsidoexpulsosdesuascasaspelosfranceseseabandonadosaseupróprio destino. Não podia aceitar nem imaginar qualquer tipo deresponsabilidadealemãpelasituaçãodaquelaspessoas.Os tanques permaneceram um tempo onde estavam, já que finalmente tinham

ficado sem combustível. A infantaria dirigiu-se para capturar as defesasocidentaisdeAbbéville.Os soldados lutaramdecasa emcasa, apoiadospelosveículos blindados dos pioneiros. A cidade, como outras antes, explodiu emchamas, e logo caiu sob controle alemão. A corrida para a costa pareciacompleta,atéquechegouumamensagemdequeaLuftwaffeordenaraumataquedeStukascontraaspontesdeAbbéville.Paraaequipedoquartel-generaldoGrupodeBatalha,issoparecialoucura.As

pontes jáhaviamsidogarantidasaalgumcusto;nãohavianecessidadedeoutraação. Além disso, uma retirada reabriria a cidade ao inimigo. Mas, quandochegouumamensagemadicionaldequeosStukasestavamacaminho,vieramasordens para retirar depressa todos os homens e máquinas da cidade a umadistânciadeváriosquilômetros.Ordenanças e mensageiros correram por Abbéville gritando a ordem de

evacuação para o campo. Os tanques que tinham conseguido chegar à cidadevoltaram à vida, e seus sons eram ampliados nos estreitos limites urbanos.Aocontrário dos britânicos no rioDyle, os soldados alemães, que tinhampassadodezdiasconcentradosemalcançaracostadocanal,estavamsendoinstruídosase

Page 121: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

retirar.Masnemtodomundoiaembora:aspontespermaneceriamocupadaspelastropasalemãs,eopessoaldoquartel-general ficariaondeestava.Acidadenãoseriasimplesmentedevolvidaaoinimigo,nãoimportavaocustoemvidas.Os oficiais do quartel-general tentaram dormir sabendo de seu destino

iminente, mas os Stukas nunca vieram. O ataque foi cancelado sem qualquermensagemparaoGrupodeBatalha.Àssetehorasdamanhãseguinte,amaioriadas posições da cidade fora retomada. Durante aquele dia, váriosmilhares deprisioneiros,sobretudobritânicos,foramreunidoseenviadosparaaretaguarda.AfasedecisivadoPlanoManstein—atravessiadorioMosa,cruzandopela

área ao redor de Sedan e avançando para a costa pelo Noroeste — estavaconcluída.OExércitobritânico,obelgaeo1oe7oExércitosfrancesesestavampresosemumbolsãodecercade200quilômetrosdeprofundidadepor125delargura,todosisoladosdorestantedoExércitofrancês,aoSul.Embreveestariamenfrentandoataquesdetodasasdireções.Aúnicagarantiaparaosbritânicoseraque os alemães ainda não haviam tomado os portos do canal. Até que issoacontecesse e os britânicos tivessem sido capturados, a luta não teria sidoperdida.Namanhãde20demaio,umpelotãodobatalhãodeCyrilRobertsestavade

serviço guardando pontes em Abbéville. Quando os refugiados entraram nacidade,opelotãopartiuparasereunircomorestantedobatalhão.Oprogressoparalestefoilento,atéqueogrupofoiforçadoaparar,interrompidopelaqueimade destroços dos ataques aéreos. Eles recuaram, tentando encontrar outrocaminho.Passando por uma fazenda, notaramque os refugiados reagiam a algo, e, um

momentodepois,umametralhadoraabriufogo.Algunsdogrupopularamemumavala, enquanto outros ficaram na estrada. Os homens na vala, achando que ametralhadoraestavanafazenda,começaramadisparar.Nesteponto,umacolunablindada alemã subiu a estrada, conduzida por um tanque. Um dos homens navala, o soldado Jakeman, observou seus companheiros na estrada sendo feitosprisioneiros.Enquantoisso,outroveículoblindadoapareciaatrásdeleedeseuscolegas escondidos. Quando os alemães começaram a sair, com revólveres emetralhadoras,Jakemaneseusamigoslevantaramasmãoseserenderam.Ogrupo foiobrigadoaandarpelaestrada.Não foramescoltados,mashavia

veículos alemães motorizados e sentinelas estavam estacionados em intervalosfrequentes para evitar a fuga. Depois de cerca de 1.600 metros, a estradaadentravaumafloresta,eJakeman,percebendoaausênciamomentâneadecarrose sentinelas, esquivou-se para trás de uma árvore, escalou uma cerca e correu

Page 122: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

paraafloresta.Elecontinuoucorrendopelocampo,parandoquandoalcançouumbosqueespesso.Durante todo aquele dia, permaneceu escondido. Ouvia a bateria antiaérea

alemãdisparandoaonorteeumagrandequantidadedeoutrosdisparosaoredor.Naquela noite, seguiu para sudeste até alcançar as colinas acima do Somme.Desceu-as,nadoupelorioeatravessouumpântano,umaestradaeumaferrovia.Chegouaseralvodetiros,oqueofezseapressaretrombarcomalgunsveículosalemães estacionados. Enquanto fugia, o alvorecer começava a despontar. Eleencontrououtrafloresta,eseescondeualiduranteumdiamolhadoemiserável.Naquelanoite,bateunaportadeumacasadefazendaemBettencourt.Afamília

permitiuqueelepassasseanoiteecontouqueosalemães tinhampassadopelaaldeiarecentemente.Nodiaseguinte,elesoadvertiramquetinhamcomeçadoasbuscas de porta em porta por soldadosAliados, e a única direção segura paraviajar era a sul. Jakeman partiu, evitando cidades e aldeias, até chegar aSelincourt, onde civis o informaramque os franceses aindamantinhamHarnoy,algunsquilômetrosadiante.EmHarnoy,foiinterrogadoporoficiaisfrancesesemuma barreira rodoviária. Passou pelo escrutínio e foi levado para um veículobritânico, antesde, finalmente, ser transferidoparaoComandoBritânicoNorteemRouen.OsoldadoJakemanpodenãotersidolevadoparaocativeiro,masamaioria

dosoutrosdeseubatalhão, incluindoCyrilRoberts,não foram tãoafortunados.ComoaumentodosataquesaéreosalemãescontraAbbéville,namanhãde20demaio, o batalhão sofreu intensos bombardeios. Estavam em campo aberto, comquase nenhuma arma antitanque ou metralhadoras Bren, e o comandante deu aordemdeseretiraremparaÉpagne-ÉpagnetteeooutroladodoSomme—queriacolocar o rio entre seus homens e a 2a Divisão Panzer. Embora essas ordenstenham sido entregues ao quartel-general da companhia e parte da Companhia“D”,nuncachegaramàsoutras.OmajorAdams, doquartel-general da companhia, conseguiuguiar umgrupo

(queconsistiadedoisoficiaisecercadesessentahomens)atravésdorioSommeaté Blangy. A partir daí, conseguiu chegar ao quartel-general da brigada e,finalmente, ao Comando do Norte em Rouen. Entretanto, o comandante dobatalhão, o tenente-coronel Girling, liderou um grupo durante quase três dias,partindo dos arredores de Abbéville, passando pela aldeia abandonada deHamicourtepelorioBresleatéSt.Pierre-en-Val.Ogruposeseparousobataquedemetralhadora,mastodososmembrosfinalmentechegaramaRouen.

Page 123: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Amaior parte do restante do batalhão, no entanto, incluindo Cyril Roberts,permaneceu emposição emVauchelles.Nenhumaordem tinha sido recebida, e,quando dois oficiais partiram para coletar informações e não retornaram, aconfusãoreinou.Noiníciodamanhãdodia21demaio,umagrandeformaçãodetanques alemães chegou à posição exposta. De um golpe, várias centenas dehomens da 2a Companhia do 7o Batalhão do Regimento Real foram feitosprisioneiros.Quando os Panzers chegaram a Abbéville, o general Edmund “Pequeno”

Ironside, chefe do Estado-Maior Imperial, chegava ao quartel-general de GortcomaordemdequeaBEFatacassepelosudoestedorioSommeparasejuntaraos franceses no sul. Pownall ficou furioso coma sugestão, sentindo amãodeChurchillpor trásdela—“umacoisaescandalosa(istoé,winstoniana)afazer,algo,defato,impossívelderealizar”,escreveuemseudiário.Gort explicou pacientemente a Ironside que, primeiro, não tinha tropas para

aquilo(aaçãoenvolveriaoremanejamentodesetedivisõesqueestavamlutandoporsuasvidasnoEscalda),e,segundo,osalemãesestavammantendoalinhadoSomme. Em suma, o ataque deixaria as sete divisões britânicas em açõesdesesperadasderetaguarda,aomesmotempoqueentravamembatalhacomfortesformaçõesPanzer—issotudoenquantotentavamguardarosflancos.Apesardeaquiloserumaimpossibilidadeóbvia,Gortofereceuumaalternativa

aIronside.Poderiamontarumataquelimitadoemdireçãoaosul,realizadopelas5a e 50a Divisões, suas únicas de reserva. Ironside transmitiu a informação aosecretário deGuerraAnthonyEden, cujo relatório foi devidamente lido para oGabinete deGuerra em Londres. No entanto, o otimismo habitual de Churchillpermaneceu: o primeiro-ministro continuava acreditando na viabilidade de umataquemaciço ao sul (embora a realidade estivesse claramente o atingindo emalgumnível:namesmareunião,ChurchilldisseaoGabinetedeGuerraquehaviapedido aos chefes de Estado-Maior que preparassem um estudo de possíveisoperaçõescaso“setornassenecessárioretiraraForçaExpedicionáriaBritânicadaFrança”).Mais tarde, naquele mesmo dia, Ironside e Pownall se encontraram com

Blanchard e Billotte. O último estava tremendo e nervoso, gritando que suainfantaria não poderia resistir a qualquer ataque. Ironside, cujo apelido“Pequeno” era referência irônica à sua enorme presença física, não suportavaaquela autocomiseração.Ele agarrouBillottepelo colarinhoeo sacudiu,oquepareceusurtirefeito:Billotteacalmou-seeconcordoucomosgeneraisbritânicos,

Page 124: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

prontificando-se a montar um ataque contra Cambrai e contribuir com duasdivisõesaoataquebritânico.MesmoqueoataquesugeridoporChurchillnãofosseviável,oscomandantes

britânicosentenderamquealgumaformadeaçãodeviasermontada.Osalemães—inclusiveHitler—temiamumataquedosAliadosjáhaviaalgunsdias,ecomboa razão: quanto mais os Panzer avançavam para a costa, mais longos evulneráveis se tornavam seus flancos. Com a infantaria atrasada por trás dasformações motorizadas, o impulso alemão poderia ser comparado, comoChurchillescreveu,aumatartarugacujacabeçaseesticaraparalongedemaisdeseu casco. Se os Aliados não montassem um ataque substancial em breve, acabeçaseriarecuadaparadentro,eocascopermaneceriaimpenetrável.Havia, entretanto, um novo comandante supremo francês; o general Maxime

WeygandassumiraopostodeGamelin,eeleassegurouàIronsidequeosalemãespoderiamserparadosporataquessimultâneosdoNorteedoSul(essaideia—oPlano Weygand — era substancialmente idêntica ao plano já existente). MasIronside tornara-se particularmente desiludido com seu aliado. “Deus ajude aBEF”, escreveu em seu diário, “que se encontra neste estado devido àincompetênciadocomandofrancês”.Nomesmodia,odesapontamentocomeçouaemergir publicamente quando Gort, em geral de uma cortesia impecável,questionouooficialde ligaçãofrancêssobreaqualidadedeseuExércitoeseudesejode lutar.Gortameaçavaque, seos francesesnão lutassem,osbritânicosteriamqueevacuar.Apesar das garantias de Billotte, o ataque britânico seguinte teria que

prosseguir sem as duas divisões prometidas. O comandante do corpo francêsinformouquesuastropassimplesmenteserecusaramaparticipar—aindaassim,umadivisãofrancesamecanizadaleveacabouchegandoparadarsuporteàforçabritânica.OataqueseconcentrarianaúnicacausaatualdeesperançaparaaBEF:aposse

contínuadacidadedeArras.Oplanoerareforçaraguarniçãodacidade,manteralinhadorioScarpe,etomaraáreaaosul,cortandoosPanzersdesuaslinhasdecomunicações.Aforçaatacanteseriadivididaemduascolunasmóveis,cadaumacomumbatalhãode infantaria, umacompanhiademotocicletas, umabateriadecanhões antitanque, uma bateria de artilharia de campanha e um batalhão detanques.Dos88tanquesbritânicosdisponíveis,58seriamMatildaMarkI(lentosearmadosapenascommetralhadoras),16seriamMarkII(muitomaisrápidosearmadoscomcanhõesde2libras[40milímetros])e14seriamtanquesleves.

Page 125: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Apesardeessaforçabritânicanãosertãorobusta,aansiedadedaantecipaçãodosalemãesoslevavaatratá-lacomoalgomaiordoqueera.Aindaassim,seosalemães estavam superestimando os britânicos, os britânicos — totalmenteignorantesdapresençanosetorda7aDivisãoPanzerdogeneraldedivisãoErwinRommel—estavamsubestimandoosalemães.As colunas britânicas partiram à esquerda e à direita. À esquerda, os

motociclistasdo4oBatalhãodosFuzileirosReaisdeNorthumberlandavançaramaoladodeumpelotãodebatedoresemcarrosDaimlerDingo.Atrásestavamostanquesdo4oBatalhãodoRegimentoReal deTanques—umdeles, um tanqueleve,levavaosegundo-tenentePeterVaux,oficialdereconhecimentodobatalhão.Atrásdelesestavamossoldadosdo6oBatalhãodaInfantariaLigeiradeDurham.A coordenação dos esquadrões de tanques era extremamente difícil sem a

comunicaçãosemfio,eas tripulações tinhamsidoordenadasamantersilêncio.Haviapoucacoordenaçãoentreostanqueseainfantaria,eumaquasetotalfaltadeordenseinformaçõesavançadas.Assim,quandootanquedeVauxchegouaotopo de uma elevação em Dainville, nos subúrbios ao sul de Arras, ficouespantadoaoencontrarosflancosda7aDivisãoPanzerdeRommeledaDivisãoTotenkopf da SS. Nem os alemães nem os britânicos tinham qualquerconhecimentodapresençaumdooutro,masoRegimentoRealdeTanquestinhavantagemestratégica.Ostanquesbritânicosabriramfogocontraasmotocicletas,caminhões e semilagartas que rebocavam canhões antitanque, e as máquinasalemãs explodiram em chamas. Um motociclista na frente de Vaux tentavadesesperadamente ligar a ignição,mas não conseguiu. “Meu artilheiro ria tantoquenãoconseguiaatirar”,dizVaux.“Atéqueoalemão jogouamotocicletaemumavalaefugiu.Nãotínhamosdisparadonenhumtirocontraele!”O sucesso fácil desta seção do avanço foi extremamente significativo. O

quartel-general da 7a Divisão Panzer começou a receber mensagens de rádioaterrorizadas—“ForteataquedetanquesinimigosemArras.Socorro,socorro!”Os artilheiros alemães foram incapazes de penetrar a blindagem de qualquerMatilda, e os tanques começaram a ganhar reputação para si próprios, para adivisãoeatémesmoparaaBEF.Oavançodos tanquescontinuou.Vaux logochegouaumaencruzilhada,onde

notou um caminhão com um grande “G” pintado na porta. Enquanto suamentetentava explorar as possibilidades de significado (imaginava que o “G”representando“Alemão”15),omotoristadocaminhão,numuniformeinimigo,deuumsaltoderepente.“Atire!”,gritouVaux,voltandoàrealidade,eseuartilheirodisparoucontraocaminhão.Omotoristaaterrorizadocorreupelarua,oartilheiro

Page 126: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

aindadisparando, asbalas zunindoaopassarpor ele.Ohomempulouparaumjardim e conseguiu fugir. Umamulher, que esperava pacientemente que aquelacomoçãochegasseaofim,saiudesuacasacomtodaacalmaeesvaziouumbaldeemumalixeira.Umpoucomaistarde,otanquedeVauxfoiatingidopor“algumaarmapequena

maldita”quenãoacertouaeleeaseuartilheiroporcentímetrosefezumburacodeumladoaoutronasuatorre.Semdizerumapalavra,oartilheiroenfiouamãonamochilaepegouumpardemeias,enfiandoumaemcadaburaco.“Ficouumpoucomelhor”,comentouVaux.EntreBeaurainseMercatel,obatalhãofoiemboscadoporváriasbaterias,mas

disparava imediatamente. Vinte tanques foram destruídos. Entre os mortos,estavam o comandante do batalhão, o tenente-coronel Fitzmaurice, e umcomandante de esquadrão, omajorGeraldHedderwick, de 47 anos, que lutaracontra os alemães no mesmo terreno, 23 anos antes. Pouco depois, Vauxatravessou aquele vale de morte sem perceber que os tanques haviam sidodestruídos. Só quando se aproximou é que notou homens deitados ao lado dasmáquinas e pendurados nas torres. Vaux se levantou na cadeira, gritandoinstruções para o motorista e artilheiro, sem notar o soldado alemão no solo,próximoaotanque,alinhandoumtiroemsuacabeça.Suavidafoisalvaporseuajudante,ocapitãoRobertCracroft,queavistouohomemeomatou.Poucodepois,tendoobtidoalgumavingançanasbateriaspróximas,ostanques

se dirigiram para Achincourt. Havia boas razões para isso: a infantaria aindaestavamuitodistante,easunidadesda5aDivisãoPanzercomeçavamachegar.Os tanques se retirarampara atuar como retaguarda ao ladodasmotocicletas eDaimlerDingosdosFuzileirosReaisdeNorthumberland.John Brown guardava uma encruzilhada em seu Dingo quando um tanque

apareceu na estrada.Alguns companheiros seus abriram fogo com asBren, atéqueoutroscomeçaramagritar—otanque,afinal,erabritânico,eoshomensseagacharam antes de causar qualquer dano. Quando outro tanque o seguiu, oshomensabriramfogooutravez.Houvemaisgritos,eofogoparoudenovo.Destavez,noentanto,o tanqueeraalemão—elepartiunaencruzilhadaeabriufogo.“O primeiro tiro atingiumeu companheiro”, contou Brown. “Ele simplesmenteexplodiu.”Em outra encruzilhada próxima, Peter Vaux, Robert Cracroft e todos os

membrossobreviventesdobatalhãosereuniram.UmMatildaMarkII tinhasidoavariado um pouco à frente, e agora podiam ouvi-lo semovendo ruidosamentepela escuridão.Cracroft caminhou atéoMatilda e chacoalhou algunsmapasna

Page 127: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

frente da viseira do motorista. A escotilha se abriu, e cabeças inimigasapareceram.Eraoutrotanquealemão.Cracroftgritouumavisoecorreucerca230metros de volta para seu próprio tanque, bem na hora em que vários tanquesalemães se alinharam ao longo da estrada e começaram a disparar. Depois dequase 10 minutos de fogo pesado e fútil por ambos os lados, os alemães seretiraram.Duranteatrocadetiros,Vauxficousemmuniçãoeseretirou.Comeleestavam

seumotorista,ocaboBurroughs,eomajorStuartFernie(comandantedobatalhãoapósamortedotenente-coronelFitzmaurice),quetinhasubstituídoseuartilheiro.EnquantoVauxdirigia,passouporumacenadeconfusãoespetacular:britânicosportandoBrensemotociclistasalemãesmisturadosnaestrada,semamenorideiade onde estavam indoouo que deviam fazer.Ele se desvioupara uma estradadesconhecidae logoseviupassandoporumfluxoconstantede tráfegoalemão,masninguémoreconheceu.Vauxfinalmenteficousemgasolinaemumapequenaaldeia,acercade60quilômetrosaoestedeArras.Vaux,BurroughseFernielogoencontraramumacasavazia,ondepassaramanoiteeodiaseguinte.Apesar da natureza atabalhoada do avanço do 4o Batalhão, ele conseguira

perturbarastropasalemãs,quetinhampoucaexperiênciadeguerrablindada.Ostanques do 7o Batalhão do Regimento Real de Tanques, à direita, estavamcausando omesmo efeito, apesar de o avanço ser aindamais caótico. Eles seperderamváriasvezes,primeiroindomuitoparaoeste,depoismuitoparaleste,contornando Warlus, um de seus objetivos, onde teriam encontrado o 25oRegimento Panzer, uma das unidades de Rommel.16 Em vez disso, os doisregimentosvaguearamemtrêsdireçõesdistintas.Dois dos grupos majoritariamente compostos por tanques Matilda Mark I

começaramasedeslocarparaaaldeiadeWaillypeloNorteepeloOeste.Waillyera fortementedefendidapelos tanquesda25aDivisãoPanzer, quenomomentoestavamrealizandoumataqueemoutrolugar.Issodeixouaviladefendidaapenaspor alguns pelotões de infantaria e poucas armas antitanques e antiaéreas.TomCraig, avançandoemseuMatildaMark II, foi alvejadoporumcarroblindado,mas o projétil não causou impacto. Quando ele disparou de volta, o carroexplodiuemchamas.Com os tanques britânicos prestes a tomar sua posição e comprometer sua

reputaçãocrescente,Rommelassumiupessoalmenteocontroledadefesaapartirdeumacolinapróxima.Elechamoutodososcanhõesantitanqueseantiaéreosàação, dando a cada arma um alvo e ordens para disparar o mais rapidamentepossível. Comandantes de canhões que se queixavam de que o alcance era

Page 128: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

demasiado curto foram dispensados, e ele elaborou uma linha secundária decanhõespesadosapartirdoquartel-generaldadivisão.Rommelconseguiumanteraposição,apesardequasetersidomortoduasvezes

—umadelasquandoseuassistente,otenenteMost,foimortoatirosaseulado;outraquandoele e seu telegrafista foramencurraladosporum tanquebritânico,apenasparaatripulaçãoseentregaremvezdeatirarneleoulevá-loprisioneiro.Evaleconsideraroquepoderia teracontecidoseaposiçãonãotivessesido

salva.ArupturadostanquesemArraspoderiatersejuntadoàrupturaemSedancomo os pontos gêmeos de virada na campanha. Com os Aliados escapandoatravés de uma brecha na linha alemã, Guderian e suas forças teriam ficadopresos em um bolsão junto ao mar, orando por uma evacuação. Neste mundoparalelo, no entanto, é difícil ver de onde a frota de evacuação alemã terianavegado.Entretanto,nãofoiissoqueaconteceu,apesardeoutrosatosheroicosdedois

MatildaMark II comandadospelomajor JohnKingepelo sargentoBenDoyle.Operando inteiramente por conta própria em Mercatel, eles passaram peloterritórioinimigodisparandocontraqualquercoisaquesemovesse.Enquantoatacavam,eramalvejadosportrêsouquatrocanhõesantitanque.Em

vezdecontra-atacar,simplesmentedirigiramporcimadoscanhões.Durantedezminutos,metralhadoras surgiram e dispararam contra eles,mas cada uma delasacabousilenciada.Quandodoistanquesalemãesgiraramseuscanhõesparaatirarneles, os projéteis ricochetearam, mas eles conseguiram destruir os tanquesalemães.Dirigindo bem para dentro do território inimigo, rompendo barreiras

rodoviárias,encontraramumcomboiodetanquesecolocarampelomenoscincoforadeação(perderamacontagem).MesmoquandootanquedeKingpegoufogo,ele continuou por mais uma hora. “Simplesmente continuamos deixando quetentassem”,contouDoyle.Finalmente,comotantosoutrosmembrosdosbatalhõesdetanques,eleeKingforamfeitosprisioneiros.Tinhamsidoparadosporcanhõesde88milímetros.Orestantedo7oBatalhãodoRegimentoRealdeTanques,assimcomoorestantedo4oBatalhão,foiordenadoaseretirar.AmboshaviamperdidoumgrandenúmerodetanquesMatildaMarkIetodos,menosdois,dosMarkII.Simplificando,ocontra-ataquedeArras foiumfracassobritânico.Umbravo

fracasso,decerto,dadoqueaforçaatacanteestavaenfrentandocincovezesmaissoldadosdeinfantariaedezvezesmaistanques,masmesmoassimumfracasso.Nenhum dos objetivos foi atingido. Os atacantes terminaram o dia exatamenteondetinhamcomeçado,eosalemãesnãotiveramascomunicaçõescortadas.A7a

Page 129: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Divisão Panzer de Rommel sofreu grandes baixas, mas a BEF também, e amáquina de guerra alemã poderia substituir suas perdas com muito maisfacilidade.Dopontodevistabritânico,essasperdaspuseramfimàperspectivadeoutroataquesubstancial.Noentanto,osalemães,geralmentetãopropensosemreivindicaravitória,não

estavam tratando Arras como uma derrota britânica. Um estudo de diários deguerraalemãespara21demaiocompõeumaleiturainteressante.Odiárioda6aDivisãoPanzerregistrauma“forteforçainimiga”fazendoum“avançoblindadode Arras a Doullens”, enquanto o 19o Corpo Panzer de Guderian observa que“Foram recebidos numerosos relatórios individuais sobre a descoberta dostanquesingleses,oqueaparentementecausounervosismoaolongodetodaaáreadoGrupodeKleist”.Kleist ficou tão nervoso que ordenou às 6a e 8a Divisões Panzer que se

deslocassem para o leste para combater o perigo de um rompimento britânico,mesmomuitodepoisdequalquerperigoterpassado.E,nodia22demaio,odiaseguinteaocontra-ataque,Rundstedtprometeu lidar coma“situaçãoemArras”antes de permitir que os Panzers deGuderian se dirigissem para os portos docanal.EmsuasevidênciasapresentadasapósaguerranoTribunaldeNuremberg,Rundstedt admitiu termedo “dequenossas divisões blindadas fossemcortadasantes que as divisões de infantaria pudessem subir para apoiá-las”. Mesmodepoisqueocontra-ataqueterminou,oscomandantesalemãesaindatemiamqueissofrustrasseaBlitzkrieg.Ocontra-ataquedecertodeu aos alemães seuprimeiro susto.Se tivesse sido

maisbemorganizado,commaisdivisõesemaistanques,poderiaterrompidoaslinhasalemãs.Comoaconteceu,adivisãodeRommelsofreumaisdequatrocentasbaixas, e a divisão de elite Totenkopf da SS perdeu centenas de homens comoprisioneiros,masnão foi tãobem-sucedidoquantoacreditavamoscomandantesalemães.Entãoporqueasreaçõesforamtãoextremas?Emparte,porqueoavançoalemãocriaraumbraçoextensoevulnerávelqueos

Aliados poderiam ter tido a possibilidade de perfurar. Quanto mais o braçocrescia,maisvulnerávelsetornava,emaisapreensivososgenerais—eHitler—ficavam. E, como Halder notou, Hitler estava cada vez mais ansioso com oprópriosucesso.Mashaviaoutrarazão.Emseusrelatossobreoscombates,Rommelexageroua

forçaeosnúmerosbritânicos.Segundoele,oataquefoifeitoporcincodivisõesecentenas de tanques. Além de reforçar sua reputação, o exagero de Rommeltambém serviu para confirmar os temores dos generais seniores sobre a

Page 130: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

vulnerabilidadedaBlitzkrieg.Nãoédeseadmirar,dadasascircunstâncias,queoataque aos portos do canal da Mancha tenha sido adiado, que a 10a DivisãoPanzerdeGuderiannãotenhasidoautorizadaaavançarsobreDunkirk(umerrodejulgamentocrucial)equeosetordeArrastenhasidofortementereforçadoportropasquepoderiamtersidomaisbemempregadasemoutroslugares.Aderrotafoi,emúltimainstância,umabênçãoparaaBEF.Seuscomandantes

játinhamperdidoaféemsuascontrapartesfrancesas,etiveramacertezadequenão poderiam lutar por uma saída daquela difícil situação. Tinham forçasinsuficientes para empreender um avanço para o sul. Só havia uma alternativarealistaantesdarendição:aevacuação.Paraconseguirisso,precisariamdemaistempo—efoigraçasaocontra-ataqueemArrasqueconseguiram.

13Dos175aviõesLysander empregadosnaFrança enaBélgica, 118 foramperdidos.Esse episódio talvezexpliqueporquê.[N.T.]14DonodeumafamosarededebancosnoReinoUnido.[N.T.]15“German”eminglês.[N.T.]16 Foram os desafortunadosDaimlerDingos, dos FuzileirosReais deNorthumberland, que encontraram osPanzers.Maisdametadedosdozeveículosbatedoresdopelotãoforamdestruídosemação.[N.T.]

Page 131: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

E

Seis

ParandoosPanzers

M21DEMAIO,OMinistériodeGuerraemitiuummemorandosobreapossívelevacuaçãode emergência “de forçasmuitograndes” através do canal.Ele

elaborouumalistadebalsasenaviosdetransportedisponíveisparanavegaremcurto prazo e observou que os navios menores — as barcas do Tâmisa e osschoots holandeses (navios costeiros) — estavam sendo coletados peloMinistériodaNavegação.Omemorandocalculavaque30milsoldadospoderiamserevacuadosemum

períodode24horasdetrêsportosfranceses,presumivelmenteCalais,BoulogneeDunkirk.Nenhumamenção foi feita acerca de possíveis evacuações a partir depraias, mas foi proposto que os navios menores poderiam ser usados paratransportarsoldadosaosnaviosmaioresancoradosforadosportos.“Pode-seperceber”, advertiaomemorando,“queestasobservaçõespreveem

umaemergênciaquesópodesurgiremdeterminadascircunstâncias”.Noentanto,mesmoestafoiumamudançasignificativadetomapartirdeumaobservaçãofeitanodiaanterior,queconsiderou“improvável”umaevacuaçãoemgrandeescala.Começavaasurgiraideiadequeumaevacuaçãopoderiaserdefatonecessária.No mesmo dia, o general Weygand convocou uma reunião de comandantes

aliadosnaprefeituradeYpresparadiscutirseuplano,umataqueaosulportodas

Page 132: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

asforçasbritânicasefrancesasdisponíveis,enquantoasforçasfrancesasnoSulatacariam simultaneamente para o norte. Infelizmente, Gort, vítima dasdificuldades organizacionais habituais, não compareceu ao começo da reunião,queteveiníciosemumparticipantecrucial.SódepoisdapartidadeWeygandéqueGortfinalmentechegou.Na reunião, foi acordado que os britânicos recuariamdo rioEscalda para a

mesmalinhanafronteirafranco-belgaquetinhamocupadoantesde10demaio.Era uma necessidade prática: os três comandantes dos corpos britânicosconcordavam que uma linha de frentemais curta liberaria divisões para seremusadasquandonecessário.Aliestariam,emteoria,disponíveisparaparticipardoataque deWeygand.No entanto, apesar da crença de que a estratégia não teriasucesso,Gortnãodivulgousuasopiniões,simplesmente indicouqueaBEFnãopoderia contribuir com suas formações de combate mais eficazes. Se tivessetomado uma posturamais firme e vetado o ataque nestemomento, a evacuaçãopoderiatercomeçadomaiscedo.Como esperado, Churchill retornou à França no dia seguinte. Tinha se

encontrado comWeygand, que lhe assegurou que a investida ocorreria no diaseguinte,comoitodivisões.EmseuretornoaLondres,Churchillestavadebomhumor ao passar esta notícia para oGabinete deGuerra. Afinal, se um ataquetinha sido montado, a vitória parecia possível. Sem aquilo, ele sentia que aderrotaseriaumacerteza.Entretanto, o clima estava longe de ser animado no quartel-general deGort.

Pownallescreveuemseudiário:

VejoosplanosdeWinstonoutravez...Comoeleachaquevamosarranjaroitodivisõeseatacardeacordocomasugestão?Acasonãotemosumfrontparamanter(quesecedessedeixariaentrarainundação)?Elenãodeveteramenorideiadanossasituaçãoecondição...Ohomemestálouco.

Em 22 de maio, ficou claro que os alemães tinham cortado as linhas decomunicaçãodaBEF,oquesignificavaqueossuprimentosteriamdesertrazidosdosportosdocanal.Confiantedequeoavançoalemãosemoveriaaolongodacosta,Gort reorganizousuas forças.OnovofrontdaBEFao longoda fronteirafranco-belgaeradefendidoporquatrodivisões(a42a,a1a,a3aea4a).AáreaaonortedeArras,aolongodalinhadocanalatéLaBassée,foiprotegidaporoutrasduas (a 2a e a 48a). E a área ao norte, além de todo o trajeto até o mar, foidefendida por quatro forças mistas, colagens de unidades menores, geralmente

Page 133: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

semtreinamento.Issoteveduasconsequênciassignificativas.Primeiro,asforçasbritânicasmaisfracasacabaramconfrontadascomasdivisõesblindadasalemãs,enquantoasmaisfortessótiveramqueenfrentarainfantaria.E,segundo,Gortfoiextremamente pressionado a reservar unidades para o ataque deWeygand, umaoperaçãocomaqualdiscordavafervorosamente.Enquantoisso,novedivisõesPanzeravançavamparaposiçõesameaçadorasna

linhadocanaldeLaBassée.AnthonyIrwin,doRegimentodeEssex,estavadooutroladodalinha.Eleselembrade“tersidodespejadoemumapequenaaldeiaaoladodeumcanal”.AaldeiasechamavaPontàVendin,nosuldeLaBassée,efoi ali que sua companhia recebeu o encargo da defesa de três pontes em umafrente de 2.300metros. Enquanto os Pompadour estavam cavando, Irwin gritouparaumsoldadofrancêsnamargemopostadocanal,perguntandoquemeleera.Osoldadocuspiudesafiadoramenteemresposta,antesdejogarorifleeasbolsasdemuniçãonocanal.Quandoosujeitocomeçouagritarinsultos,Irwinordenouaumsargentoqueomatasseatiros.Aessaaltura,obatalhãodeIrwinestavadesesperadocomafaltadeprovisões.

Osegundo-tenentePatrickBarrasslembra-sedeseuintendenteatacandolixeirasabandonadasecantinasdosNAAFI17paramanteroshomensalimentados.Irwinrecordaquedoispoliciaisencontraramgalinhasdesabe-se-lá-onde,enquantoumcolegaconseguiupegarumbarrilde82litrosdecervejadeumbarpróximo.Pormaisdifíceisquefossemascondiçõesparaossoldados,eramaindapioresparaosrefugiadosbelgas,queatravessavamocanalembandos.QuandoIrwinpegouumpunhadodedocesparadaraumacriançarefugiada,foicercadoporadultosquerendoumpouco.Foram dadas ordens ao batalhão para destruir as barcaças do outro lado do

canal, que poderiam ser usadas pelas tropas inimigas (e estavam sendo usadaspelos refugiados). Muitas barcaças foram queimadas; outras, afundadas pelaabertura de suas válvulas de inundação; e algumas acabaram atingidas por umobuseiro à queima-roupa. Então, certa tarde, três carros blindados nãoidentificadosdirigiramatéoladomaisdistantedocanal,nosetordeIrwin.Doisoficiais saíramegritaram: “Olá, seusbastardos, venhamenosdeemumamão,tivemosumbocadodeproblemas!”Ocomandantedaseçãoavançouparaajudar,até que alguém notou a cruz preta na lateral de um dos carros. Os alemãesestavamfazendoreconhecimentoesepassandoporsoldadosbritânicos,tentandoatrair Irwineseushomensaumaarmadilha.Umferoz tiroteio irrompeuatravésdocanal.Umdosalemãesfoiabatidonamargemantesqueoscarrosblindadosconseguissemfugir.

Page 134: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Enquanto eles partiam, um homem caiu de um dos carros, levantou-se ecomeçouacorrerdevoltaparaocanal.AlvejadoporumdossoldadosdeIrwin,elecaiudenovo,atéqueselevantouecorreuparamaisperto.Aoqueparecia,eraumCameronHighlandercapturadopelosalemãesemantidonocarroblindadodurante três dias. Apesar de ter sido baleado duas vezes, seus ferimentos nãoeramsérioseelefoienviadoparaaretaguarda,depoisdecontarondeosalemãesestacionavam seus carros todas as noites e como dormiam em casas locais,preferencialmentecomjovensfrancesas.Nodiaseguinte,aspontesforamexplodidas—paraalíviodeIrwin—,jáque

ameaçavamafunilarumExércitoPanzerinteirodiretamentecontraseushomens.Eforam explodidas bem a tempo, porque os alemães voltaram pouco depois. Aprincípio, avançavam várias combinações de motos. A primeira foi destruída,semsobreviventesda tripulaçãode trêshomens;outra foiposta foradeação;eumaterceiraparoueatripulaçãopulouparamontarumametralhadora.Asbalasatingiram a parede atrás da cabeça de Irwin. Um segundo depois, um projétilantitanquebritânicoremoveuacabeçadometralhador.Irwinpediuvoluntários.Doissoldadossemanifestaram.DeacordocomIrwin,

eram ambos homens com fichas criminais sujas e corações de leões. Os trêsPompadours remaram pelo canal. Um agarrou a metralhadora, enquanto Irwincorria para a motocicleta, onde encontrou dois mapas alemães. Sob fogo, oshomensvoltarampara seu ladodo rioantesdeum tanque rolaremsuadireçãoempurrandoparafrenteumaarmaantitanquetripuladaporumartilheiro.Projéteise balas britânicos e alemães foram trocados — um projétil alemão atingiu aparede entre Irwin e seu cabo, e umabala britânicamatouo artilheiro alemão.Fogo demetralhadora dilacerou o rosto domotorista do tanque através de seuvisor estreito. No momento em que o tanque parou, os homens de Irwinconseguiramatirarsemparar,abatendo-o.Nofimdaação,umtanque,umcanhão,duas motocicletas e vários soldados alemães tinham sido “resolvidos” dediversasformas,masosbritânicosnãosofrerambaixas.IrwinganhouumaCruzMilitarporsuapartenaação.Não tinhasidoumesforçosériodosalemãesparaatravessarocanal,apenas

um reconhecimentode flancoenquantoasdivisões semoviamparaa costa.Naverdade,osalemãesnãoiriamfazernenhumesforçoparacruzaralinhadocanal,mesmoquea tentativa, feitanestafasepordivisõescombinadas,pudessecortarquasetodaaBEFdacosta.Mas Heinz Guderian, cujo corpo Panzer estava na vanguarda do avanço

alemão, não estavamuito interessado nessas ações. Como conta em seu diário

Page 135: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

oficial de 23 de maio, “o essencial para o Corpo parece ser pressionar emdireção a Dunkirk, o último grande porto. Com a queda dele, o cerco estariacompleto.”DunkirkeraoobjetivocintilanteparaosgeneraisPanzer,eestavaaoseualcance,nãomaisdoqueaumpassodasunidadesalemãsmaisavançadas.Ao tomar a cidade, e assumindo que pudessem mantê-la, a guerra estariaefetivamente terminada. O Exército britânico seria capturado, ou morreriatentando resistir, e os alemãespoderiamatacar os franceses desmoralizados aosuldoSomme.Em 23 de maio, os comandantes-chefes do Exército alemão e do Grupo de

Exército,KlugeeRundstedt,reuniram-separadiscutirsuaspreocupaçõesacercadeumpossívelataquealiadonoSomme.Apesardejáestaremmuitoalarmadospelo contra-ataque de Arras e seu aparente sucesso contra o grupo Panzer deKleist, estavam preocupados com um possível ataque Aliado enquanto asdivisões Panzer permaneciam posicionadas. Acreditava-se que uma paradatemporáriapermitiriaquea infantariaatrasadaseaproximasse,concentrandoasformaçõesefortalecendoosflancos.Afinal,oavançomuitorápidoparaoMarne,em1914,custaraaosalemãesumavitóriarápida.DopontodevistadeRundstedt,umaparada tambémfazia sentidoporoutras

razões.KleistrelatouquemaisdametadedostanquesdoseugrupoPanzerestavaforadeação, eumaparada lhedaria aoportunidadede renovar a forçapara apróximalutacontraoaindasubstancialExércitofrancêsaosuldoSomme.Lutaremsolopantanosoecruzadoporcanaisparalogoemseguidaenfrentarcombatedentro dos limites de Dunkirk colocaria os Panzers em risco e os deixariavulneráveisaosimpressionantesMatildasMarkIIbritânicos.Porquearriscarasdivisõesblindadasnestascircunstâncias,contrauminimigojáabatido,quandoumdesafiomuitomaisprementepermaneciaaosul?Paris,afinal,aindatinhaquesertomada.Para Franz Halder, chefe de Estado-Maior do Alto-Comando do Exército

Alemão, esta decisão não fazia sentido. Os tanques do Grupo de Exército AestavamapontodecercaraBEFeencontravampoucaresistência.Aindaassim,estavamrecebendoordensdeparar—enquantoainfantariadoGrupodeExércitoB,defrontadacomresistênciamuitomaior,recebiaordensdeseguiremfrenteelevaraBEFàsubmissão.Em24demaio,Hitlerconfirmouaordempré-existentedeRundstedt,mascom

motivaçãodiferente.QuandoHermannGoering,ocomandante-chefedaLuftwaffe,soubequeasforçasbritânicasestavamquasecercadas,sentiuqueerachegadaaoportunidade de ganhar glórias para sua força aérea e para simesmo.Goering

Page 136: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

telefonouparaHitler,implorandopermissãoparaqueaLuftwaffeacabassecomaBEF.Goering era próximo deHitler, um aliado dos primeiros dias do PartidoNazista. Ele sabia que o Führer desconfiava da maioria de seus generais —homensconservadores,enãonazistasleais.Goeringadvertiuque,seosgeneraisalcançassemavitória finalsobreosbritânicos,seusucesso lhesdariaprestígiocomopovoalemão,oqueameaçariaaposiçãodeHitler.Se,poroutro lado,alealLuftwaffedeGoeringobtivesseavitória,seriaumtriunfoparaoFührereoNacionalSocialismo.Hitlerestavareceptivo,particularmentequando,aovisitaroquartel-generalde

Rundstedt na manhã seguinte, descobriu que o Alto-Comando do Exército(compostopelosprópriosgeneraisdequemdesconfiava),acabaradeordenarqueasdivisõesPanzerfossemremovidasdocontroledeRundstedt.Eleestavafuriosoquando reverteu a ordem e confirmou parada orquestrada por Rundstedt. Nãopermitiria que sua autoridade e a confiança de Rundstedt fossem minadas porhomens invejosos e de lealdade duvidosa. Não tinha autorizado a Blitzkrieg,quandoseusgeneraishaviaminsistidocontraisso?Agorairiapararenquantoelesesperneavamnacoleira.Esta não é a história toda. Hitler concordou comRundstedt que as divisões

blindadasdeveriamseaproximarequeostanquesdeveriamserconservadosparaa batalha contra os franceses.Ele havia se tornado, comonotaraFranzHalder,temeroso de seu próprio sucesso, mas também sentia que seus generaisprecisavamaprenderumalição—aordemdeparadaserviria.Ao longo dos anos, tem-se argumentado que a principalmotivação deHitler

paradeterosPanzerseraforneceràBEFuma“pontedourada”pararetornaremsegurançaparaa Inglaterra.Que,emoutraspalavras,eleestava interessadoemdeixar a BEF escapar. Ninguém discutiu isso com mais insistência do que opróprioHitler,depoisqueamaioriadosbritânicosjátinhaescapado.Ochefedegabinete de Rundstedt também fez essa afirmação depois da guerra. Ambostiveramsuasrazões;Hitlerpara justificarseuerrodejulgamento,oassessordeRundstedtparaisentarasieaseuchefe.Não havia ponte dourada. A teoria é falsa e é um insulto aos soldados que

escaparameàquelesqueostrouxeramparacasa.Aexplicaçãomaisouvidaédeque Hitler tinha grande respeito pelos britânicos, que os via como iguais nummundo de raças inferiores e que não tinha nenhuma ambição em relação a seuimpério.Ele não queria ter que derrotá-los, só pretendia assinar um tratadodepaz. Embora haja alguma verdade nisso, não significa que ele iria conceder aliberdadeàBEF.

Page 137: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Emprimeirolugar,aDiretrizdoFührerno13,emitidaporHitlera24demaio,afirma:“Opróximoobjetivodenossasoperaçõeséaniquilarasforçasfrancesas,britânicasebelgas.”Poroutro lado,algunsPanzersdefatoforamautorizadosaignoraraordemdeparada—ostanquesda1ae2aDivisõesPanzercontinuaramase deslocar em direção a Boulogne e Calais, a fim de cortar os suprimentosbritânicos. E, dos cerca de novecentos navios e embarcações envolvidos naevacuaçãofinal,maisdeumterçoforamafundadosoudanificadosporbombas,minas, torpedos ou projéteis. Além disso, cerca de 3.500 soldados britânicos,marinheirosecivisforammortosnomarounaspraiasentre26demaioe4dejunho.MuitosmaisforammortosnoperímetrodeDunkirkpelastropasdeHitler,que atacaram ferozmente. Afinal, que maneira melhor para forçar a mesa denegociações do que destruir um exército? Nenhum desses fatores sugere aexistênciadeumapontedourada.Foi na tarde de 26 de maio que Hitler finalmente permitiu que as divisões

Panzervoltassemasemover,emboranãofossemavançaratéamanhãseguinte.Masjáeratardedemaisparaumagrandevitóriaalemã.ABEFjátinhasemovidoparaonorte,operímetroemtornodeDunkirkestavasedesenvolvendo,umafrotade salvamento estava se formando, e as evacuações já tinham começado. ComumacombinaçãodomedoedoorgulhodeHitler,da timidezdeRundstedtedaambiçãodeGoering,aBEFteveumachancedesobrevivência.Noentanto,essachanceeraextremamente tênue.Quandoa2aDivisãoPanzer

moveu-se para Boulogne, dois batalhões de guardas irlandeses e galeses seprepararam para defender um perímetro de cerca de 9milmetros ao redor dacidade. O diário de guerra do 19o Corpo relata que seu ataque à cidade e àcidadela estava encontrando resistência violenta dos defensores britânicos,acrescentando que o apoio da Luftwaffe era inadequado e que o ataque estavaprogredindo lentamente. No caso, os alemães levaram três dias para capturarBoulogne, e a maioria dos guardas conseguiu escapar de volta para a Grã-BretanhadepoisdeumfimdesemanaexcepcionalmentedifícilnaFrança.Na tarde de 23 de maio, oficiais e homens da Brigada dos Rifles e do

RegimentoRealdosRiflesentraramnocaisdeCalaisparasejuntaraosmembrosdoRegimentoRealdeTanquesedosRifles,quehaviamchegadoanteriormente.Juntos, eles serviriam como a guarnição de Calais sob o general de brigadaClaude Nicholson. Seu trabalho era defender a cidade contra a 10a DivisãoPanzer,comandadapelogeneralFerdinandSchaal.DeacordocomomajorBillReeves,doRegimentoRealdeTanques,Calais

era um lugar lúgubre e sinistro. Casas haviam sido derrubadas, ruas estavam

Page 138: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

cheias de escombros, e os poucos civis restantes estavam bêbados de vinhosaqueado. Considerando a cidade difícil de manter, Nicholson enviou umapatrulhadequatrotanques,conduzidapelomajorReevesemseutanquecruzador,aDunkirkparaverificarseocaminhoestavalivre.Depois de avançar por uma barreira, a patrulha passou por uma unidade

Panzer,queparouaoladodaestradaduranteanoite.ConfundindoosPanzercomtanquesfranceses,umoficialseinclinouparaforadatorreecomeçouafalarcomosalemãesemfrancês.Reevesmaisdoquedepressasedirigiuparaohomemaoseuladoeofezsecalar:“PeloamordeDeus,sósigaemfrenteomaisrápidoqueder!” A patrulha avançou por mais 1 quilômetro, passando uma procissão dealemães em ambos os lados da estrada. Tentando evitar suspeitas, acenavamocasionalmente.Depois deum tempo, umordenançaveiopor trás deReeves eacendeu uma lanterna na placa de identificação, antes de se afastar novamente.Eles agora esperavam um ataque pela retaguarda, mas não veio nenhum, eseguiramemfrente.QuandoseaproximaramdeumcanalemMarck,Reevesviuminasaolongoda

ponte.Apatrulhaestavapresa,eumsargentoseofereceuparaprenderacordadereboquedeseutanqueàsminas,earrastá-laslentaecuidadosamenteparaoladodaestrada.Esteatocorajosopermitiuqueostanquescomeçassemaatravessaraponte,masencontraramaoutraextremidadeabarrotadadearameantitanquequeprecisavasercortado,oqueosforçouaestacionar,vulneráveis,pormeiahora.Finalmente,avançaramatéGravelines,nasproximidadesdeDunkirk.Lá,ocomandantefrancêspediuaReevesqueajudassenapróximabatalhacom

os Panzers alemães. Reeves concordou, assumindo uma posição que cobria aponte principal sobre o rio Aa, enquanto o restante de seus tanques cobria asoutraspontes.Quandoumcarroblindadoalemãoapareceu,acercade260metrosdo outro lado do rio, Reeves abriu fogo com seu canhão de 2 libras (40milímetros)eexplodiuoveículo.Vendoatripulaçãoescaparparaumacasamata,Reeves disparou outra vez e pôs a construção abaixo.Enquanto ficava sentadoesperando, mais dois tanques apareceram, e Reeves acertou tiros diretos emambos.Elelogoestariasobfogodemorteiroedeprojéteisdeartilharia,entãoseretirou para um lugar na cidade onde tinha visão angularmais clara damesmaponte.De lá, atirou emmais dois veículos blindados emais cinco tanques quetentavamatravessar.Aomeio-dia,nenhumtanquealemãoconseguiraatravessaraponte,emborao

tanque de Reeves tivesse sido vítima de fogo amigo, disparado por uma armabritânicaantitanque.Ànoite,tudoestavaemsilêncio.Aordemdeparadaalemã

Page 139: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

tinha entrado em vigor, e não haveria mais ataques durante três dias, mas aaventuradeReevesdemonstraoquãopertoosalemãeschegaramatomarDunkirkequão importante foiaordemdeparada.De fato, seapatrulhadeReevesnãotivessesidoenviadadeCalais,osalemãespoderiamterentradoemDunkirkantesqueaordemtivessesidoemitida.De volta a Calais, entretanto, o general de brigada Nicholson recebeu um

telegrama do Gabinete de Guerra informando-o de que a cidade devia serevacuada.Comoestavacercadoporuminimigomuitomaisforteedefendendoumenorme perímetro com recursos limitados, a notícia o deixou aliviado. Horasdepois,outrotelegramadoMinistériodaGuerraanunciouqueaevacuaçãoseriaadiada por pelomenos um dia. QuandoNicholson se concentrou na defesa decurto prazo da cidade, o comandante francês anulou seus planos, reclamando aseus superiores sobre a intenção britânica de evacuar. Como resultado, outrotelegrama do Ministério da Guerra, recebido naquela noite, declarou que aevacuação fora cancelada. Nicholson recebeu a informação de que ocancelamentosedavaporcausadasolidariedadealiada.Eledeveriaescolheramelhorposiçãoelutar.Assim,namanhãseguinte,quandoogeneralSchaalenviouo prefeito (judeu) deCalais para perguntar aNicholson se ele se renderia, elerespondeuquenão. “Digaaosalemãesque, sequiseremCalais, terãoque lutarporela.”Noentanto,enquantoNicholsondiziaessaspalavras,opessoalnavalfrancêsjá

desabilitara seuscanhõeseevacuaraosprópriosnavios, e ele tambémrecebeupouco apoiomoral de Londres. Infelizmente, subestimando o poder das forçasalemãssitiandoCalais,WinstonChurchillenviouumasucessãodemensagensaoseuchefedegabinete,perguntandoporqueaguarniçãoestavafalhandoematacaros alemães. “Se um lado luta e o outro não, a guerra fica umpouco desigual”,comentouele.Atéomomento,aguarniçãocombateraferozmenteduranteumdiainteiro,ea

luta continuou, igualmente intensa, ao longo do dia seguinte, com os ataquesalemães apoiados por artilharia e incursões de Stuka. Mais uma vez, ocomandantealemãopediuaNicholsonparaserender,eelerecusou.“ÉdeverdoExércitobritânicolutar”,escreveu,emumamensagementregueaSchaal,“assimcomoodoalemão”.Nointeriordacidade,osegundo-tenentePhilipPardoe,doRegimentoRealdos

Rifles,nãopensouemse render.“Asperspectivaseramdequedeveríamosserreforçados para romper através das linhas alemãs, ou, na pior das hipóteses,sermosevacuados”,revelou.

Page 140: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

OcabodeesquadraEdwardDoe,domesmoregimento,serecordadetersidolevadodevoltaaocanalquandoosalemãescomeçaramapressionarportodososlados.EledisparouseurifleantitanqueBoyspelaprimeiravezemumtanquea45metrosdedistância,quecruzavaumapontedocanal.Oprojétilatingiuotanqueefezpoucomaisdoqueriscarsuapintura.“Sóricocheteou”,contouele,“fazendoumbarulhocomoodeumaboladepingue-pongue”.WilliamHarding,oartilheiroquetinhaseapaixonadoporumafrancesaemNantesduranteaguerradearaque,testemunhou cenas que nunca esqueceria, como a do soldado soluçando e searrastandopeloscotovelos,deixandoduas trilhasvermelhasatrásdesi—seuspéshaviamsidoarrancados.OcorneteiroEdwardWatson,doRegimentoRealdeRifles, se recordavade

umsargentoquegritavaaumhomemcomumburacograndeemsuascostas.Ohomemestavanochão,chorando,enquantoosargentogritavaparaeleselevantar.E, para espanto de Watson, foi exatamente o que ele fez. “Achei que aquelesargento-moreraumidiota,maselerealmentefezosujeitosemexer!”Juntocomumpequenogrupodeatiradores,PhilipPardoeentrouemumapraça,

ondeencontrouumgrandegrupodealemãescomveículosblindados.Ambososgrupos se avistaram ao mesmo tempo, e os atiradores correram por uma ruaenquantoosalemãespulavamemseusveículos.Maisdoquedepressa,Pardoeeseus homens mergulharam no porão de uma casa, mas, em vez de ficar ali,subiram até o primeiro andar e se deitaramnumquarto. “Nãome pergunte porque”,dissePardoe, “apenas fizemos isso”.Momentosdepois,Pardoeouviuumdos veículos alemães descendo a estrada.O carro parou em cada casa e abriufogocommetralhadoras.QuandochegounadePardoe,oporão foimetralhado,depois o térreo. Pardoe, no andar de cima, esperou a sua vez, mas nadaaconteceu.Oveículoseguiuparaapróximacasaecomeçouadisparar.EdwardWatsonestavanoporãodeumacasa,emalgumoutrolugar,tendosua

primeira experiência com vinho. Não gostava muito da bebida, achava muitoamarga, entãonão sepreocupoumuitoquando seuoficialdisse: “Podebeberoquantoquiser,masvoumatarvocêseficarbêbado!”QuandoWatsonprecisouirao banheiro, as coisas ficaram complicadas. Ele tentou se segurar, já queprecisaria ir para fora, e estavam caindo granadas demorteiro. Depois de umtempo,quandoochamadodanaturezafaloumaisalto,elecorreuomaisrápidoquepôdeparaobanheirodo ladode fora.Mas,aoabriraporta,encontrouumfrancês morto sentado na privada. Então correu para dentro e fez suasnecessidadesnocantodeumquarto.

Page 141: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Depois de algum tempo, o grupo deWatson notou uma equipe de alemães acercade90metrosdedistância.Estavamvirandoumaesquina,carregandoumaarmaantitanque.Watsonobservouatentamenteenquantoosalemãesmontavamaarmaecomeçavamadisparar,semsaberqueeramobservados.—Oquefaremos?—perguntou.—Esteéoseutrabalho—respondeuooficial.—Masatireparamatar!Não

podeerrar.Seerrar,elesvãosaberdeondeestãovindoostiros.Watsonpousouoriflenoparapeitodajanela,emumaalturaconvenientepara

umaboamira.Aprincípioestavaassustado,masrelaxouecomeçouasedivertir.“Depois de um tempo, ficou muito divertido apenas matá-los”, contou. Três,quatro,cincohomenscaírammortos,eeleselembravividamentedosolharesnosrostos dos vivos que não conseguiam descobrir de onde saíam os tiros, mastemiamserospróximos.Porfim,osalemãesderamavoltanaesquinadaruaparaforadavisãodeWatson.Entretanto,eleslogocomeçaramacorrerpelaruaemgrupos,eooficialdeua

ordemdequeeracadaumporsi—excetoaWatson,quedeveriaacompanhá-lo.—Não—retrucouWatson.—Queroirsozinho!—Vocêvemcomigo!—insistiuooficial.Juntos, saíram correndo pela porta dos fundos enquanto os atiradores

disparavamcontraeles.Entraramemoutracasaeviramumatiradoralemãoemuma janela, de costas para eles. O oficial atirou imediatamente. “Nunca tinhavistoissoantesemlugarestãopróximos”,contouWatson.“Nãohouveperguntas.Nenhum‘Oquevocêestáfazendo?’ErasóBANG!”Nanoitede25demaio,houveumareuniãodoComitêdeDefesadoGabinete

deGuerraemLondresparadiscutirsedeveriamtentarumaevacuaçãodeúltimahoraouordenarqueastropassemantivessematodocusto,entendendoqueissosignificaria a perda de toda a guarnição.Acabaram se decidindo pela segundaopção: as tropas manteriam Calais até o fim. “Se tentássemos retirar nossaguarnição de Calais”, concluíam as minutas da reunião, “as tropas alemãsmarchariamimediatamenteparaDunkirk”.Foi uma decisão que encontrou respaldo em Churchill. Mais cedo, naquele

mesmodia,aoreceberotelegramadoGabinetedeGuerrainformandoaogeneraldebrigadaNicholsonsobreaevacuaçãoiminente,Churchillreagiufuriosamente.“Estanãoéaformaadequadadeencorajaroshomensalutaratéofim!”,escreveuele,aAnthonyEden,acrescentando:“TemcertezadequenãotemosderrotistasnoEstado-Maior?”

Page 142: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

No dia seguinte, à medida que a defesa da guarnição continuava, Guderian,comandante do19oCorpoPanzer, ficou impaciente comSchaal, comandante desua 10a divisão, perguntando se Calais deveria ser deixada para a Luftwaffe.Schaal argumentou que isso seria contraproducente, dizendo que bombas nãoseriam eficazes contra as grossas paredes e a terraplenagem das fortificaçõesmedievais,eumataqueaéreoexigiriaa retiradadas tropasalemãsdeposiçõesavançadas, que teriam que ser retomadas. Guderian aceitou os argumentos e,naquelamesmatarde,aguarniçãofinalmenteserendeu.Quase4milprisioneirosbritânicosforamlevados.Osegundo-tenentePhilipPardoeeraumdosprisioneiros.Elee seushomens

ficaram sentados no quarto durantemeia hora, esperando a escuridão antes desair,mas,antesquepudessemsemover,ouviamgritosalemãeseperceberamqueumgrupoinimigoestavavasculhandoacasaaolado.“Foiapiordecisãoquejátivequetomarnavida”,contou.Poderiamatarolíderquandoeleentrou,masquebem aquilo faria?Valeria a pena sacrificar a vida de seus três homens—quefariamoqueelelhesdissesse—sóparamatarumalemãooudois?Nofim,disseaseushomensparaguardaremasarmase,quandoosalemãesabriramaportadafrente, desceu as escadas com as mãos para cima. Seus homens o seguiram.“Aquelefoi,paramim,omomentomaisvergonhosodaminhavida.”EdwardWatsontambémfoilevadocomoprisioneiroparadentrodeumacasa.

Soldados alemães estavam na rua gritando e atirando granadas. “Ei, Tommy, aguerraacabouparavocê”,gritavam,brincandocomumestereótipo.“Devemtersidoensinadosadizerisso”,cogitouWatson.ValeapenaperguntarsePhilipPardoe,EdwardWatsonetantosoutrosforam

sacrificados para algumpropósito.WinstonChurchill estava convicto de que osacrifíciovaleriaapena.Eleveioaescreverque:

Calaisfoiopontocrucial.MuitasoutrascausaspoderiamterevitadoalibertaçãodeDunkirk,masécertoqueostrêsdiasganhospeladefesadeCalaispossibilitaramquealinhadeGravelinesfossemantida.Semisso,mesmoapesardasvacilaçõesdeHitlereasordensdeRundstedt,tudoseriadesperdiçado.

Talvez o apego sentimental de Churchill aos acontecimentos históricos o tenhalevadoaatribuirmaisimportânciaaCalaisdoqueasituaçãomerecia.Afinal,eraaúltimapossessãoda InglaterranaFrança,perdidaem1558,cujonomeestavagravado no coração de Maria I, e não está completamente claro por que a

Page 143: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

guarnição do general de brigada Nicholson teve que ser sacrificada paraconseguirfreara10aDivisãoPanzer.Setivessesidoevacuadananoitede25a26demaio,suainfluênciasobreoseventossubsequentesdificilmenteteriasidodiminuída.HeinzGuderiannãoconcordoucomaanálisedeChurchillechegouaescrever que, embora considerasse a defesa deCalais um ato heroico, ela nãoinfluenciouoprogressodosacontecimentosdeDunkirk.Essaafirmaçãoparece lógica, afinal,Guderianpretendia atacarDunkirkcom

umadivisãodiferentedaqueatacavaCalais.Noentanto, tivesse a10a DivisãoPanzer alcançado uma vitória rápida em Calais, decerto poderia ter semovimentadomaisdepressaaolongodacosta,indoajudara1aDivisãoPanzer,oqueteriaumainfluênciaconsiderávelsobre“eventosquelevaramaDunkirk”.No final, dado que os Panzers deGuderian já estavam às portas deDunkirk

quando foram parados por Rundstedt e Hitler, a ordem de parada parece terexercidouma influênciamaior sobrea salvaçãodoExércitobritânicodoqueadefesadeCalais.Mesmoassim,Guderianpodenãoestarcorretoquandoescrevequeadefesanãoteveinfluênciaalgumanoseventos.Háumpós-escritotristeparaahistóriadeCalais.Em26dejunhode1943,o

general de brigadaClaudeNicholson suicidou-se no campo de prisioneiros deguerra, em Rotenberg. Parece que ele sofria havia muito tempo de depressão,intensificada por um sentimento de responsabilidade pela perda de Calais. Noentanto,sejaláoqueogeneraldebrigadaNicholsondisseasimesmoemseusmomentos mais sombrios, para nós é muito claro que ele se comportouhonrosamente emanteve a coragem em toda a defesa. Ele é um dos heróis danossahistória.Entretanto, o sentimento público na Grã-Bretanha, como medido pelaMass

Observationem25demaio,eradeconfusãoepessimismocrescente.Mesmoosotimistasmaisempedernidos(geralmentehomensdaclassetrabalhadora)estavamcomeçandoademonstrardúvidassobreo futuro.Aconfusãoeraprincipalmenteexpressa como uma incapacidade de entender por que os alemães estavamavançando tão implacavelmente, e os britânicos, recuando. Talvez, esperavamalguns,fossepartedealgumaestratégiabritânica.Opessimismo sedeu,principalmente, na formadeum fatalismo, como se as

pessoasestivessemcadavezmaispreparadasparaqualquermánotícia.“Todaaestrutura da crença nacional parece estar se balançando de leve”, observa orelatório diário doMass Observation. Mas nem todos se sentiam assim. Nasáreasrurais,osentimentoeramaisleve.UmjardineiroemEastSussexquehaviasidosoldadonaúltimaguerrafoiregistradodizendo:“UmcamaradadeLondres

Page 144: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

esteveaquinasemanapassadaemeperguntousenãoestávamoscommedodeserinvadidos.EudissequeissoerauminsultoàMarinhaBritânica!”Um tema frequentemente discutido foi um discurso dado pelo rei GeorgeVI

paramarcar oDia do Império. “A luta decisiva paira sobre nós”, disse a seussúditos, acrescentando que o inimigo buscava “a completa derrocada desteImpérioedetudooqueelerepresenta,entãoaconquistadomundo”.Orei,comaajudadeseuterapeutadafala,LionelLogue,passoudiasensaiandoaspalavras,eficousatisfeitocomoseudesempenho.Opovobritânicopareceuterconcordado,muitoscomentavamsobreamelhoraemsuaoratória.Noentanto,ficarammenosimpressionados com o conteúdo da fala — soava muito como um sermão,alegavamalguns,enquantooutrossequeixavamdequenãodizianadaquejánãosoubessem.UmaperspectivainteressantevemdofotógrafoefigurinistaCecilBeaton.Ele

deviapartirdaGrã-Bretanhaem22demaioparacumprirumcontratodetrabalhonos Estados Unidos, mas sentia-se relutante em partir. Acreditava que seriaerradotrocarumaGrã-BretanhaangustiadaporumtranquiloNovoMundo.Pediuconselhoaumamigo,oviscondeCranborne.“Bem,asnotíciassão ‘howíveis’,mas... Seria melhor ir, já que quando você voltar as notícias continuarão‘howíveis’,meuamigo”,respondeuCranborne.Entãoelefoi.Já em Nova York, Beaton achou perturbadora a diferença entre o luxo

descontraídodaFifthAvenueeasnotíciassombriasquevinhamdaEuropa.“Nãose encontrava consolo daquelamelancolia intensa em lugar nenhum”, escreveu.“Nossos piores temores eram confirmados a cada hora por um amigo ou umboletimdenotícias.”QuandochegouahoradeBeatonretornaràGrã-Bretanha,algunsdeseusamigosnorte-americanosbem-intencionadostentarampersuadi-loaficar.“Oquevocêesperaencontrarlá,sevoltar?”,perguntavam.Maseleestavaimpacienteparaveroutravezadesesperada“Blighty”.18Quandoseu transatlânticopartiudeNovaYork,passouporumnaviode luxo

tripulado por alemães, todos sorrindo alegremente e mostrando os polegaresapontadosparabaixoparaospassageirosdotransatlântico.Beatondiziaquesuaalma ansiava pelo retorno à casa emWiltshire. “O futuro pode ser horrível”,escreveu,“masestaremmeioaesseturbilhãoaindaeramenosdolorosodoqueouvirasnotíciasdelonge”.Nodia25demaio,nomeiodo turbilhão,osbritânicos tiveramumgolpede

sorte. Em uma aldeia ao longo do rio Lys, um sargento do Regimento deMiddlesex abriu fogo contra um grande carro azul que levava dois oficiaisalemães.UmdeleseraEberhardKinzel,quefugiu,deixandoparatrásumapasta

Page 145: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

comdoisdocumentoseumtira-bota.Osdocumentos,analisadosporumoficialdeinteligência sênior do 2o Corpo de Exército, revelavam detalhes da ordem debatalhaalemãeosplanosparaumataqueiminenteaofrontdeYpres-Comines.Aprincípio,ogeneralAlanBrooke tevemedoquepapéis fossemuma farsa,

uma tentativa de enganar aBEF, criando a expectativa de umataquequenuncachegaria.Noentanto,eleacabouconcluindoqueosplanoseramgenuínos(parecequefoiapresençadotira-botaincongruentequeacabouconvencendoogeneral).Infelizmente, apenas uma brigada estava alocada na defesa do canal deYpres-Comines,epareciaqueestavaseabrindoumalacunaàesquerdadaBEF,ondeoExércitobelgaperdiaacoesão.Tudoissoindicavaque,seoataquealemãofossebem-sucedido,aBEFficariaseparadadomar.ForamessesfatosquefinalmentelevaramLordeGortadesconsiderarqualquer

chance de sensatez do Plano Weygand. O próprio Weygand, por sua vez, nãodesistiu: dois dias depois, ainda enviavamensagens pedindo forte participaçãobritânica em seu próximo ataque. Ao retirar seu exército do plano, Gort pôdeenviar a 5a Divisão — antes reservada para o ataque de Weygard — paradefender a frente deYpres-Comines, e destacar a 50a Divisão para defender aárea em torno da cidade de Ypres. Na manhã seguinte, Gort visitou o generalGeorgesBlanchard em seu quartel-general.Blanchard passara a comandar o 1oExércitoFrancêsdepoisqueBillottemorreraemumacidenterodoviário.Gorteeleconcordaramquelançarumataqueparaosulseriaimpossível.Emvezdisso,precisavampersistirnaretirada.Gort e Blanchard podiam até parecer estar de acordo, mas na verdade

pensavam de formas completamente diferentes. Para Blanchard, uma retiradasignificavaumrecuoparaumaposiçãomaissegura;mas,paraGort,representavaoiníciodeumaevacuação.SemaaprovaçãodospolíticosdeLondresoudeseusaliadosfrancesesebelgas,GortdecidiuiniciararetiradaparaDunkirk,oúnicoportodocanalaindaemmãosaliadas,naesperançadeconseguir levaromaiornúmero possível de tropas para aGrã-Bretanha. Talvez ele de fato tivesse umestilo de liderança desorganizado. Talvez a evacuação pudesse ter começadomais cedo. E talvez os planetas tivessem se alinhado para garantir que osbritânicosaindativessemumarotadefuga.Foiem25demaiode1940queLordeGort tomou uma decisão excepcionalmente corajosa, com consequências queperduramatéhoje.Porser1oBatalhão,aInfantariaLigeiradeOxfordshireeBuckinghamshirefoi

destacadaparaadefesada linhaYpres-Comines,masobatalhãoprecisou lidarcom“umengarrafamento intenso”para chegar a seudestino.O anspeçada John

Page 146: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Lintontinhamarchadoquase100quilômetrosnasemanaanterioreestavaexausto.Suaúltimaposiçãodefensivatinhasidoumcanalsecoquenãopareciadifícildecruzar.Lá,elemandouoshomenssedeitaremescondidosdecadaladodalinhaferroviária,esperandooinimigoparaatacar.EnquantooanspeçadaLintoneseuscompanheiros seesforçavamparabloquearoGrupodeExércitoB,que tentavaforçar o caminho até Ypres e de lá para Dunkirk, omajor Bill Reeves e seushomens tinham que conter oGrupo de ExércitoA, que avançava paraDunkirkvindodoOeste.Linton estava cansado, faminto e com a barba por fazer. Naquele dia, tinha

comidoapenasalgunspedaçosdefrutassecas.Alémdisso,eleeseuscamaradaseramresponsáveispormanteralinhadedefesaenquantodezenasdemilharesdesoldadoscorriamparaacosta.Oproblemaeraquesuareservademuniçãoestavaemestadocrítico:eletinhaapenasseisbalasnorifle.“Oquevamosfazerquandoosalemãesvierem?”,perguntou-se.“Mordê-los?”Osalemãesatéestavamganhandovantagememoutrapartedofront,masa50a

Divisão estava finalmente chegando para assumir a posição ao norte, nosarredoresdeYpres.Amanhecia, eLinton jáouvia abatalha se aproximando.Ovale foi ficandomais calmo e, depois de algum tempo, ele notou uma pequenapatrulhaalemãavançandolentamenteemsuadireção,semiocultapelagramaalta.Linton tinha sido informado que esperavam que sua companhia lutasse até oúltimo homem, mas não podia se dar ao luxo de desperdiçar munição, entãoesperou para fazer o disparo. De repente, a artilharia alemã abriu fogo. Osprojéteissimplesmenteexplodiramnaretaguarda,masLintonsentiuumaondadechoqueatravessarseucorpo—tinhasidoatingidoporumestilhaço.A próxima coisa de que se lembra é de estar sendo carregado por dois

soldadosemdireçãoaopostomédicodoregimento.Lá,umoficialordenouaossoldadosqueodeixassemalievoltassemparasuasposições.Aoqueparecia,abrigada estava sendo flanqueada pelo inimigo, e homens feridos não eramumaprioridade.Enquantoisso,BrookevisitavaogeneralAlexandernasededa1aDivisão.O

encontroresultouemumreforçodetrêsbatalhões,umregimentodecavaleirosediversos tanques, que foram todos colocados para reforçar a linha do canal erecuperarterrenoperdidoparaoinimigo.Comisso,aajudatinhachegadoparaa5aDivisãodeInfantaria—masnãoparaoanspeçadaLinton.UmdessesbatalhõeseraaantigaunidadedosGranadeirosdaGuardadeLorde

Gort.Oshomensmarcharam16quilômetrosparaoresgateepassaramumanoiteeumdialutandocorajosamente,emumatentativaderecuperarterreno.Nofimda

Page 147: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

noitede27demaio,elesmontaramumataque.Aresistênciafoisuavenaprimeirameiahora,masfoificandocadavezmaisforte,atéqueosguardaschegaramaoobjetivo:ocanal.Lá,osalemãesofereceramumaresistênciaferoz,conseguindoempurrar os guardas de volta, até que o comandante da companhia, o capitãoStantonStarkey,elaborouumplano.Ao abrir uma das últimas caixas demunição do batalhão, o capitão Starkey

ficou arrasado: a caixa não continha balas, e sim cartuchos de sinalizadores,culpade algumerrodedistribuição.Noentanto, emvezde lamentar a sorte, ocapitãoStarkey foi criativo: percebeu que o fogo demorteiromuito efetivo doinimigo era sempre sinalizado por um padrão luminoso vermelho-branco-vermelho, que depois era substituído por um padrão branco-vermelho-branco,sinalizandoocessarofogodemorteiroeoataquedainfantaria.OcapitãoStarkey,comseuenormeestoquedesinalizadorescoloridos,esperou

queainfantariaalemãavançasseantesdedispararumpadrãovermelho-branco-vermelhosobresuascabeças.Osmorteirosalemãesabriramfogo,atingindoseuspróprios homens, que não hesitaram em disparar uma configuração branco-vermelho-brancoparacorrigirasituação.Osmorteirospararam,eossoldadosdeinfantariasobreviventesavançaram.OcapitãoStarkeyesperouummomentoantesde enviar outro padrão vermelho-branco-vermelho. Os morteiros abriram fogooutra vez, bombardeando novamente os soldados de sua própria infantaria. Ocaos foi crescendo até os tiros de morteiros cessarem e a infantaria parar deavançar.Aastúciatinhasuperadoaforça.Naquelaaltura,haviaintensosconfrontosportodoofronte,chegandoareduzir

as duas brigadas da 5a Divisão a uma fração de sua força de combate. Aindaassim,alinhaYpres-Cominesfoimantidaatéanoitede28demaio,protegendoinúmerossoldadosqueseretiravamparaonorteemdireçãoaDunkirk.Oqueaindarestavada5aDivisãoconseguiufinalmenteseretiraratéalinhado

rioYser,aoestedafronteirafranco-belga.Enquantoisso,Brooketinhaordenadoà3aDivisão,comandadaporMontgomery,querealizasseummovimentonoturnoextremamente difícil, na tentativa de preencher uma lacuna a norte do canal.Partindo da área em torno deRoubaix, a 3aDivisão cruzou o rio Lys perto deArmentières,avançouparaonorteatravésdePloegsteertechegoudiscretamenteàposiçãoanortedeYpresantesdoamanhecer.Mesmocomtodaaformaçãosemovendo a poucos milhares de metros de uma frente de batalha, os alemãessequer suspeitaram de que eles estivessem ali. “A divisão era uma armamaravilhosa”,escreveuMonty,que tinhagrandeorgulhodeseushomens.Ainda

Page 148: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

acrescentou que, se algum aluno da academia militar tivesse sugerido aquelemovimento,seriaconsideradolouco.Aretiradaencorajavaaimprovisação.Omovimentoda3aDivisãosurgiudanecessidadedesuprirasdificuldadesem

queasforçasbelgasseencontravam,queacaboulevando,nanoitede27demaio,à rendição da nação (ou à “capitulação”, termo pejorativo usado na Grã-Bretanha).Hojeemdia,malse lembradahistóriadarendiçãoforadaBélgica,masdentrodopaísaindaéumtemacontroverso—sobretudoentreaquelesqueacreditam que o rei belga, Leopoldo III, foi vítima de “umamentira enorme eabsurda” perpetrada por Winston Churchill. Esta estranha história é muitointeressantedeserexplorada,principalmentecomoumestudosobrerelaçãoentrepolíticaeguerraeexemplodecomoécriadaumaversãodahistória.ABélgicaéumpaísdividido,comumahistóriacurtaeconturbada.Criadaem

1830 a partir de duas comunidades distintas e desconfiadas uma da outra (osValões, de língua francesa, e os Flamengos, de língua holandesa), durante aPrimeira Guerra Mundial acabou transformada em campo de batalha para osvizinhos estrangeiros. “Nós sofremos tanto”, disse Louis van Leemput, “e osalemãeserambrutais.Foiumdesastre.Opaísficoucobertoderuínas.”Porteremvivido esse horror havia tão pouco tempo, os belgas acabaram inusitadamenteunidosnodesejodeevitarumarepetição.Mesmoassim,entendiamarealidade.Isso levou o rei Leopoldo e seu governo a escolher uma postura de

“neutralidadearmada”.ApesardeChurchillteracusadoaBélgicadealimentarocrocodiloalemãonaesperançadesercomidaporúltimo,eraóbvioqueosbelgasenfrentavamumdilema.EmboranãotivessemdúvidasdequeaAlemanhaeraoagressorprincipal,aliar-seàFrançaeàGrã-Bretanhaseriaumconviteàinvasãoalemã. Com a neutralidade, haveria ao menos uma pequena possibilidade deevitar uma repetição da destruição do país. Por conseguinte, os belgasconcordaramempartilhar informaçõesmilitares comosAliados, para que elesnãoentrassemnopaísatéumaeventualinvasão.QuandocomeçouoavançodaAlemanha,em10demaio,aBélgicasetornou

um aliado daGrã-Bretanha e da França. “Na última hora, quando aBélgica jáestavainvadida,oreiLeopoldoclamoupornossaajuda.E,mesmochamadosemcimadahora,nósajudamos”,escreveuChurchill.EmboraasrelaçõesentreLeopoldoeseusaliadosfossemnebulosas,arelação

entre Leopoldo e seu próprio governo parecia cada vez mais fria e distante.Quando os alemães avançaram e os aliados começaram a recuar, o primeiro-ministrobelga,HubertPierlot,exortouLeopoldoadeixaropaís—eissotantoparaescapardacapturaquantoparaliderararesistênciabelgadoexterior.Mas

Page 149: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Leopoldo não queria fugir. Ele anunciou que pretendia ficar na Bélgica ecompartilharomesmodestinodesuastropas.Em uma reunião decisiva com seus ministros, Leopoldo declarou que a

situação militar estava desesperadora — a Bélgica teria que se render. Osministros, frustradospelo aparentedesrespeitodo rei à constituição, apontaramquearendiçãonãoeradecisãoapenasdomonarca.Elesmaisumavezpediramaoreiparadeixaropaís,eLeopoldoserecusou.Leopoldotinhamuitasrazõesparaagirdaquelamaneira.Porumlado,alémde

seromonarca,eletambémeraocomandante-chefedasForçasArmadasbelgaseachava que um comandante honrado não abandonava suas tropas. Além disso,acreditavaqueosinteressesdaBélgicaeramsupremoseque,umavezperdidaabatalha,nenhumaobrigaçãomoralpermaneciaparacomosAliadossimplesmentepor terem vindo em seu socorro.Mas, omais importante, Leopoldo sentia queficaraoladodeseupovoeraacoisacertaafazer.Eleconfiavamaisnoprópriosensodejustiçadoquenalei.Portanto,oreiconfirmouaseusministrosquepretendiapermanecernaBélgica

e que não pretendia criar um novo governo para conquistar vantagens emnegociações com a Alemanha — não tinha o menor desejo de se tornar umfantochenazista.Masera justamenteissoquePierloteseusministros temiam,etodos deixaram claro que consideravam as ações do rei deploráveis. E nãoestavamsozinhosemtentardissuadirLeopoldo.SirRogerKeyes,velhoamigodoreiealmirantequetinhatomadooladodeChurchillduranteodebatedaNoruega,tendo sido um fator decisivo nas negociações, se tornara oficial de ligaçãobritânico com Leopoldo. Ele sugeriu que o rei se refugiasse na Grã-Bretanha,ideiaquetambémfoirepudiada.Em 25 de maio, dia em que o governo belga foi para a França, Leopoldo

escreveu ao rei George VI confirmando que a rendição era inevitável e queficariacomseupovo.Acrescentouque todooseuexércitoestavaempenhadoeque “quaisquer que sejam os julgamentos que a Bélgica venha a enfrentar nofuturo,estouconvencidodequesirvomelhorameupovopermanecendoaoladodele, em vez de tentar agir de fora, sobretudo com relação aos horrores daocupaçãodeumexércitoestrangeiro,àameaçadetrabalhoforçadooudeportaçãoeàdificuldadedeabastecimentoalimentar”.Emsuaresposta,GeorgeVIdiscordavadadecisãodeLeopoldo,dizendoque

nenhummonarcadeveriacairnasmãosdosnazistas:

Page 150: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Comestadecisão,VossaMajestadetalvezestejanegligenciandoaextremaimportânciadeestabelecerumgovernobelgaunidoecomplenaautoridadeforadoterritórioocupadopeloinimigo...Ameuver,VossaMajestadedeveriaconsiderarapossibilidade—oumelhor,aprobabilidade—deserfeitoprisioneiro,quiçálevadoparaaAlemanha,masquasecertamenteprivadodetodacomunicaçãocomomundoexterior.

Entre24e27demaio,oExércitobelgalutavadesesperadamentenosarredoresdo rio Lys. O país perdeu milhares de homens para os alemães, que por fimconseguiram fazer a travessia, emais de 1milhão de refugiados vagava pelasaldeiasecidades.Aomeio-diaemeiadodia27demaio,SirRogerKeyes,queestavacomLeopoldo,enviouumtelegramaaGortinformando-odequechegavaomomentoemque,depoisdelutarininterruptamentedurantequatrodias,oExércitobelga não poderia mais continuar. “[Leopoldo] gostaria que você entendesse”,escreveuKeyes,“queeleseráobrigadoaserender”.Duashorasmaistarde,asautoridades francesas receberam uma mensagem semelhante anunciando que aresistênciachegaraaofimdesuasforças.Àsdezessetehoras,Leopoldomandouummensageiroaosalemãessolicitandoostermosparaumcessar-fogo.Umahoradepois,otenente-coronelGeorgeDavy,representantedoGabinetede

Guerranoquartel-generaldoExércitobelga, relatouopedidodecessar-fogoaGort—amensagem,noentanto,nãofoirecebida.ClaroqueChurchilldescobriusobre o acontecido, já que, às dezenove horas, em uma reunião do comitê dedefesa, ele comentouque circulavam“notíciasperturbadoras” sobreumpedidode armistício dos belgas. Meia hora depois, um emissário belga foi recebidopelos alemães, e uma rendição incondicional entrou em vigor naquela mesmanoite.Enquanto isso, Louis Van Leemput, de 13 anos, se abrigava na casa de

estranhos, perto de Ypres, com amãe e o irmão. Ele se lembra de, na manhãseguinte, ter sido acordado cedo pelo choro das pessoas na rua: “Os alemãesestãoaqui!”,gritavam.LouiségratoaLeopoldoporterterminadoaguerra.“Elesalvouminhavidaeasvidasdeminhamãeemeuirmão.”Naqueledia,SirRogerKeyeschegouaLondresparatratarcomoGabinetede

Guerra. Estava fortemente a favor de Leopoldo, relatando que “só apersonalidadedoreiéquemantiveraoExércitobelgaunidoduranteosúltimosquatro dias”. Depois que Keyes foi embora, Churchill já estava relativamentetranquilo em relação ao rei, declarando que a história sem dúvida criticariaLeopoldoporterenvolvidoaGrã-BretanhaeaFrançanaruínadaBélgica,“mas

Page 151: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

não cabia a eles julgá-lo”. Pouco depois, o tenente-coronel Davy se juntou àreuniãocomumrelatosobreabravuradastropasbelgas.Maistarde,noentanto,osânimosdorestantedomundocomeçaramasevoltar

contra Leopoldo. Já começava a se difundir um discurso que o pintava comoderrotistaetraidordosAliados.Oprimeiro-ministrofrancês,PaulReynaud,fezuma transmissão de rádio descrevendo a rendição belga como secreta etraiçoeira:“Nomeiodabatalha,semqualquerconsideraçãoeavisoaosaliadosbritânicos e franceses, o rei Leopoldo III, dos belgas, baixou as armas.” OdiscursodeReynaudfoi seguidopelodoprimeiro-ministrobelgaPierlot,agorano exílio, anunciando que as ações do rei não tinham “validade legal” e oacusandode“negociaçõessecretascomoinimigo”.A ferocidade dessas palavras pode ser explicada por um telegrama de Sir

RonaldCampbell,oembaixadorbritâniconaFrança, enviadoem29demaioaWinstonChurchill, advertindo que oministro francês da Informação fizera umarequisição urgente a Campbell, pedindo que ele fizesse “todo o possível paraevitarodestaquequeaimprensaeorádiobritânicoestavamdandoaoclamordoalmirante Keyes para que evitassem julgamentos ao rei Leopoldo, inclusiveomitindoqualquerreferênciaemtransmissõesdenotíciasdaBBCemfrancês”.Arazãoparaistoéreveladanodecorrerdamensagem.SearendiçãodeLeopoldofosse tolerada, poderia encorajar o derrotismo francês “justamente em ummomentoemquearaivadespertavanaopiniãofrancesa(trazendo,inclusive,umaumentodamoral),comdesgostopelaaparentetraição...”Nomesmodia,ooficialdeligaçãodoMinistériodeGuerrafrancês,ogeneral

Edward Spears, enviava uma mensagem similar, que dizia: “É grande apreocupaçãoquetemosporaquicomaatitudemuitosuavequeestásendotomadaemLondresemrelaçãoaoreibelga...Muitodamoraldestepovoestáligadoaotrabalhodefazerdeleovilãoquecertamentepareceser.”Emoutraspalavras,osfrancesesprecisavamdeumbodeexpiatóriopara impedirseumoraldeafundarainda mais e desviar a culpa dos comandantes e do Exército francês. E o reiLeopoldoapareceunomomentomaiscerto(ouerrado).19E,comisso,foicriadaumaversãodahistória.Em4dejunho,Churchilldisseà

CâmaradosComuns:“Derepente,semconsultapréviaecomomínimodeavisopossível, semoconselhodeseusministroseporcontaprópria,ele [Leopoldo]enviouumplenipotenciárioaocomandoalemão,rendendoseuexército,expondotodoonossoflancoequaisquermeiosderetirada.”Oprimeiro-ministrobritânicoestava desesperado para manter a França na guerra, e a reputação do reiLeopoldoIIIdaBélgicaeraumpequenosacrifícioaserfeito.Apiorpartetalvez

Page 152: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

seja o fato de que os valentes esforços do Exército belga para resistir aosalemãesforamcompletamenteofuscados—emuitasvezesaténegados—pelasmanobraspolíticasnofimdemaioeiníciodejunhode1940—eanosmaistardeseriamofuscadasdenovo,quandoLeopoldofezumbreveretornoaotronoantesdeser forçadoaabdicar.Umasériede fatores—desdeaordemdeparadaaocontra-ataque deArras à decisão deGort de 25 demaio— tornou possível aevacuaçãobritânica,eaindaanalisaremosmaisalguns,masaatuaçãodoExércitobelgafoiumfatordecisivoequenãodevemaisserignorado.Claro que é possível argumentar queLeopoldo dificultou os preparativos de

guerradosAliadoscomsuapolíticadeneutralidadearmada.Podemoscriticá-lopelapresunção,pelasatitudesinconstitucionaisemrelaçãoàrealezaepelafaltadegratidãoaosaliados,masarendiçãodaBélgicaeramilitarmenteinevitável.Orei Leopoldo não a impôs ou fabricou, e vimos evidências de que ele tomoumedidas para manter os britânicos e franceses informados da situação de seuexércitoedeseudestinoinevitável.Naverdade,sealgumainformaçãofoiretidaem27demaio,eraadequeosbritânicostinhamcomeçadoaevacuação—coisaqueestavasendomantidaemsegredodeseusAliados.Em março de 2017, os Arquivos Nacionais em Kew liberaram um arquivo

lacradohaviamuitasdécadasdoMinistériodeRelaçõesExterioresarespeitodarendiçãobelga.Escondidonomeiodoarquivo,entreumamiríadededocumentossobre a rendição e suas consequências para aBélgica no pós-guerra, está umapequena nota escrita em 1949 por um diplomata júnior chamado John Russell(maistardeSirJohnRussell,embaixadorbritâniconoBrasilenaEspanha).Eleescreve:

Depoisdecercadedezoitomesesdeterrívelintimidadecomessesarquivos,tenhoaimpressãodequearendiçãoerainevitáveldopontodevistamilitaresequerfoiumasurpresaparanós.Noentanto,nãohánenhumsentidoemiratrásdequemestavacertoeerradonestahistóriaconturbada,econcordoplenamentecom[outrodiplomata]quenãodevemos,emcasoalgum,nospermitirserlevadosaumadiscussãopública.

A nota, muito despretensiosa, resume essa história infeliz. A rendição erainevitável,eosbritânicossabiamqueestavaperto.Noentanto,nenhumadessascoisaspodiaseradmitida:haviasensibilidadesdemaisnocaminho.

Page 153: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

17NAAFI—Navy,Army andAir Force Institutes—organização criada pelo governo britânico em1921paraprovidenciarestabelecimentosrecreativosparaasForçasArmadasevendermercadoriasaossoldadosesuasfamílias.[N.T.]18GíriaparasereferiràGrã-Bretanha,emespecialàInglaterra.[N.T.]19 Também parecia desejável um bode expiatório para que os franceses não acusassem os britânicos detraição,tendoemvistaqueaevacuaçãodastropasbritânicasdeDunkirkjátinhacomeçado,aindaquesemoconhecimentofrancês.[N.T.]

Page 154: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Cadernodefotos

Alex(interpretadoporHarryStyles),Gibson(AneurinBarnard)eTommy(FionnWhitehead)napraia,cenadofilme.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

OstrêsSpitfiresdofilmeemformação.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Page 155: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

DestróieresbritânicosnavegandodevoltaparaaInglaterracomumaescoltadaRAF.(©Popperfoto/GettyImages)

Nofilme,umSpitfireéperseguidoporumMesserschmitt109enquantosobrevoaumarepresentaçãodoHMSKeith.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Page 156: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Tropasemfilaslongaseesperançosas,aguardandoporpequenasembarcaçõesparalevá-lasaténaviosmaiores,emalto-mar.(©HultonDeutsch/CorbisHistoricalviaGettyImages)

Umacenadofilme:tropassealinhandoemfileirasparachegaraospequenosnaviosenquantosãoretiradasasbaixas.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Page 157: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

OdiretorChristopherNolancomFionnWhitehead,queinterpretaTommy.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Tropasaliadasaguardamoresgate.(©UllsteinBild/GettyImages)

Page 158: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Grandepartedomolhe,projetadocomoquebra-marparapreveniraareiadebloquearoporto,foireconstruídaparaofilme.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Tropascaminhandopelomolhe.(©Popperfoto/GettyImages)

Page 159: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

UmafotografiatiradapelosubtenenteJohnCrosbyabordodovapordeClyde,movidoporpásOriole.(©TimeLifePictures/TheLIFEPictureCollectionviaGettyImages)

Page 160: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

UmpíerdecaminhõesrecriadopeloprodutordedesignNathanCrowleyesuaequipe.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Algunsdospequenosbarcos,todossobrecarregadoscomsoldadosevacuados.(©HultonArchive/StringerviaGettyImages)

Page 161: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Nofilme,ossoldadosabordodeumdospequenosbarcosquesobreviveramàguerra,oNewBritannic.(©WarnerBros.EntertainmentInc.)

Vistadomolhe,nosdiasdehoje,duranteamarébaixa.Apenasalgumasdaspilhasentrecruzadasoriginaispermanecemvisíveis.(©JoshuaLevine)

Page 162: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

OcapitãoWilliamTennant,maistardealmiranteSirWilliamTennant.(©Popper/foto/GettyImages)

Page 163: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

GeorgeWagner,fotografadoemcasa,emLichfield,emnovembrode2016.(©JoshuaLevine)

Page 164: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

OautorposaaoladodeumadasarmasdoCrestedEagle,napraiapertodeBrayDunes.(©PaulReed)

Page 165: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

E

Sete

AfugaparaDunkirk

M28DEMAIO,OSbelgasjáeramcoisadopassadoparaosquecontinuaramalutarcontraosalemães.AprincipalconsequênciadarendiçãodeLeopoldo

foi uma lacuna de cerca de 30 quilômetros entre a esquerda da 3a Divisão deMontgomeryeacidadecosteiradeNieuport—que,porsuavez,ficavaaapenascercade30quilômetrosalestedeDunkirk.AreaçãodeMontyfoiconvocaro12oRegimentodeLanceirosReais,umadmirávelregimentodecavalaria.Equipando-os com carros blindadosMorrisCS9, ele lhes deu ordens de demolir todas aspontessobreoCanalYser,doflancodadivisãoatéomar.Foiumaintervençãomuitooportuna.Apenasdezminutosdepoisdadestruição

da crucial ponte viária Dixmude-Furnes, chegou o primeiro grupo demotociclistas inimigos, seguido da infantaria, transportada em caminhões. Osalemães ficaramsurpresosemveraponteexplodidaemaisaindaaodescobrirque os carros blindados do 12o Regimento de Lanceiros estavam à espreita.Todos os motociclistas e muitos dos soldados forammortos ou feridos. Se osLanceiros tivessem chegado mais tarde, os alemães teriam varrido a linha docanalemdireçãoaDunkirk.Porém,nomomentodoataqueinimigoaNieuport,apenasumapontedaregião

haviasidodestruída—aoutrapermaneciaintacta.OEsquadrãoBdosLanceiros

Page 166: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

lutouodiainteiroparamanterosalemãesforadacidade,semencontrarnenhumengenheiroparaexplodiraponterestante.Quandoaescuridãocaiu,umoficialedois sargentos tentaram destruí-la com granadas de mão, rastejando tão pertoquantoditavasuaprópriacoragem.Nomomentoemqueestavamprestesalançarasgranadas,osalemães lançaramumsinalizador,eos trêsficaramvisíveisaosatacantes alemães. Eles conseguiram atirar as granadas, mas não causaram omenordanoàponte,eumdossargentosfoimortoenquantoosoutrosdoishomenscorriamporsuasvidas.Empoucotempo,acidadefoiincendiada,eosLanceirosforamobrigadosaseretirar.OpontomaispreocupanteeraocaminhoabertoparaosalemãesavançaremaolongodacostaemDunkirk.A12aBrigadadeInfantariafoienviadaimediatamenteaNieuport,natentativa

debloquearoavançodosalemães—noentanto,houveconfusãonaorganizaçãodo transporte, e eles levaram algumas horas para chegar. Duas companhias decampodosEngenheirosReaisforamenviadasàspressasparadestruiraspontesremanescentes. As companhias conseguirammanter os alemães afastados até achegadada12aBrigadadeInfantaria,ealinhadedefesanãofoirompidaalestedeDunkirk.Asudoeste,a2aDivisãodeInfantariaseocupavaemmanterosalemãeslonge

deumtrechode25quilômetrosaolongodocanaldeLaBassée.Eraumatarefacrucial e muito difícil. As principais forças britânicas estavam em retiradadiretamente atrás do canal, e uma surpreendente variedade de forças alemãstentava romper a linha de defesa, incluindo as 3a, 4a e 7a Divisões Panzer e aDivisão SS Totenkopf. Com a suspensão da ordem de parada, as DivisõesPanzerssemostraramansiosasparacompensarotempoperdido.Namanhãde27demaio,anorteda linhadocanal,os tanquesea infantaria

alemãatacaramacidadedeSt.Venant,mantidapelosFuzileirosReaisGalesesepela InfantariaLigeiradeDurham.Osbatalhõesbritânicos conseguiram resistirdurante amaior parte do dia,mas tiveram amaioria de seus homensmorta oucapturada antes do cair da noite. Um batalhão de metralhadoras de Argyll eSutherlandHighlanders20falhounatentativadechegaraMerville.Maisaosul,nadireção de Bethune, o 2o Batalhão do Regimento Real de Norfolk (com quemPeterBarclay,ErnieLeggetteGeorgeGristockhaviamlutadobravamentenorioEscalda)seguravaalinhacontraumferozataquedeStukasePanzers.RobertBrownerasoldadonoRegimentoRealdeNorfolkII.Namanhãde27

demaio,eleestavavigiandoosarredoresdeumafazendaquandonotou,atrásdesi, uma metralhadora sobre um esquadrão alemão de motos. Mais do quedepressa,elevoltouaoquartel-generaldobatalhãocomaindesejávelnotíciade

Page 167: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

queoinimigoseesgueiravalogoatrás.Duranteamaiorpartedodia,eleeoutrosoldadotomaramposiçãoemumbanheiroexterno,derrubandotijolosparacriarbrechas.Outrosmembros do batalhão exaurido fizeramomesmo em estábulos,currais e celeiros próximos. O batalhão conseguiu criar uma defesa genéricasólidaepassouamaiorpartedodiaemcombate.No fim da tarde, o comandante veio pedir algumas opiniões: deveriam

continuar, ou seria melhor se renderem? Alguns votaram pela rendição, masBrown optou por continuar. “A moral estava tão alta que eu nem cogitava apossibilidade de ser feito prisioneiro ou de acabar morto ou ferido. A gentesimplesmente atirava. E até fazia piada”, contou. Porém, no fim das contas, ooficialordenouqueparassem—mesmoassim,anunciouquequemjulgassequepoderiaescapartinhaodireitodetentar.Brownedoisamigostinhamnotadoumacolunade fumaça flutuavaacimadeumaestrada,entãosaíramnaqueladireção,querendousara fumaçaparaevitarseremvistos.Sóque logoforamforçadosaentraremumavalanaestrada,ondeforamavistadosporsoldadosalemães,quegritaramparaeleslevantaremasmãos.Brown parou e ergueu os braços. Quando os alemães chegaram, ele ficou

impressionadocomsuaaparênciachocante—osraiosSS,osemblemasdemortena cabeça e os rifles automáticos. “Mas eles nos trataram com tanta decênciaquanto se trataria qualquer inimigo”, contou. “Só a brutalidade costumeira, osgritos e empurrões de sempre.” O restante de seu batalhão tinha sido feitoprisioneiroemoutrolugar,ondeotratamentoseriamuitodiferente.Quando cessaramos combates noCanalLaBassée, restava apenas cerca de

10%daforçadaDivisão—aindaassim,tinhamconseguidoprotegeroExércitobritânicoemsuaretirada.Comoresultado,nanoitede27demaio,amaiorpartedaBEFjáestavaseguraaonortedorioLys.Relatos alemães contemporâneosda luta rendemuma leitura interessante.No

diário de guerra da 41a Divisão Panzer, o relato de 27 de maio descreve uminimigo que ofereceu “resistência tenaz e permaneceu no posto até o últimohomem”. Na verdade, esse inimigo era tão resistente que “a divisão nãoconseguiuganhar terrenodignodemençãopara lesteounordeste”.Odiárioda39aDivisãoregistradoisdetalhesimportantes.Primeiro,observaqueosalemães“sofreram consideráveis baixas ao atacar a obstinada defesa do Canal LaBassée”, e, segundo,que “o fluxode tropas anglo-francesas rumoao canalnãopoderiamaisserinterceptadoatempoecomefeitosuficiente”.É o tipo de relatório que se esperaria depois de uma derrota alemã, mas a

verdadeéqueosalemãesdestruíramumadivisãobritânicapraticamenteinteira.

Page 168: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Setivessemconcentradoumataquenosflancos,osalemãespoderiamterrompidoalinhadedefesaeterminadoaguerra.Aindaassim,mesmosemorompimentodadefesa por um ataque concentrado, grande parte do 1o Exército Francês estavapresanosul,sobataquesimultâneodelesteeoeste,incapazdealcançaroLys.Apósaresistênciaheroicada2aDivisão,ospoucosquerestavamsejuntaram

aoêxodobritâniconoNorte,vivendoparalutar(eevacuar)maisumdia,masamaioriadoscapturadosfoidesviada.Paraosmembrossobreviventesdobatalhãode Robert Brown, capturado pela Divisão SS Totenkopf, o dia terminaria deformahorrorosa.Emumaaldeiacomonome irônicodeLeParadis,oshomensforamdespidosatéacinturaecolocadosparamarcharemumprado,alinhadoscontraumceleiroemetralhados.Sobreviveramapenasdoisdos99,ossinaleirosBillO’CallaghaneAlbertPooley.O’Callaghanfoibaleadonobraço,ePooley,naperna,eambosficaramdeitados,imóveis,cobertospeloscorposdilaceradosdeseus companheiros, enquanto homens da SS andavam ao redor, eliminandoqualquerumqueaindasemovesseougemesse.O’Callaghan e Pooley sobreviveram à guerra e, em 1948, foram chamados

como testemunhas no julgamento de crimes de guerra de Fritz Knoechlein,comandantedacompanhia.Asexplicaçõesdadasparajustificarocomportamentode seus homens iam da suposta crença de que os britânicos tinham usado asilegais balas dum-dum até a raiva por a companhia ter sofrido grandes baixasduranteumembatecomoRegimentoRealdeEscoceses—noentanto,nadaseriasuficiente para justificar aquela chacina. Os homens de Knoechlein foramresponsáveispeloassassinatoasanguefriodosprisioneirosdeguerra.EntreosváriosoficiaisdaSSpresentes,apenasumsemanifestouemprotestocontraessesassassinatos e suapreocupação foi desconsiderada sobo argumentodeque eledeviaestar“muitoapavorado”.Knoechleinfoiconsideradoculpadoeexecutadoemjaneirode1949.E isso não foi um incidente isolado.EmWormhoudt, no dia seguinte, vários

homens do Regimento Real de Warwickshire e de Cheshire, além de váriossoldadosdaartilhariaeinfantariafrancesas,foramassassinadospormembrosdoLeibstandarte SS Adolf Hitler. Apesar disso, o comandante responsável pelacompanhia,WilhelmMohnke,nuncafoi levadoà justiçaemorreuem2001,aos90anos.Embora não possamos culpar o Exército alemão por essas atrocidades (as

unidadesSSeramorganizaçõesdoPartidoNazista),aWehrmachtfoiresponsávelporpelomenosummassacre.AconteceuemVinkt,pertodeGhent:entre26e28de maio, o 337o Regimento de Infantaria assassinou quase cem civis. Alguns

Page 169: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

(incluindoumhomemde89anos) forammortosa tirosenquanto seusamigosefamiliareseramobrigadosaassistir.Outros foramusadoscomoescudohumanoquandoosalemãesatravessaramumaponte,depoisforamexecutadossemordemoumotivoespecífico.Alémdisso,mesmodepoisdarendiçãodoExércitobelga,algunshomensforammortosatirosaoterminaremdecumpriraordemdecavarasprópriascovas.Eram tempos de terror para a BEF, que recuava sob uma pressão extrema,

vendo seus aliados fragmentados e se rendendo — cada hora só trouxe maisdificuldadeemásnotícias.Acanção“Vamospendurarparasecara lavagemnalinhadeSiegfried”,queanteseracantadacomesperança,agoraeraentoadacomironia tétrica.No entanto, àmedidaqueos dias se passavam, amanutençãodecertospontosfortesimportantes,comoLaBassée,significavaqueocorredordosAliados era suficientemente forte para que as tropas britânicas conseguissematravessar o território controlado pela Alemanha— uma improbabilidade tãogrande quanto a travessia dos israelitas pelo Mar Vermelho. E alguns dessespontosestavamsefortalecendoaindamais.Gravelines,acidadebloqueadaaosalemães em 24 de maio por Bill Reeves, do Regimento Real de Tank, estavasendomaiscompletamentedefendidapela68aDivisãofrancesa.Outro ponto forte foi a cidade de Cassel. Membros do 2o Batalhão do

RegimentodeGloucestershireedo4oBatalhãodosRegimentosdeOxfordshireeBuckinghamshire receberam ordens de manter a cidade — que era um pontoestratégico elevado na estrada de Dunkirk — contra a 6a Divisão Panzer.Companhias de ambos os batalhões estavam espalhadas por toda Cassel,defendendopontos-chave,eváriospelotõesficaramestacionadosforadacidade.Em 27 de maio, oito pelotões da Companhia Glosters A, comandada pelo

segundo-tenente Roy Cresswell, se mudaram para uma blocausse de concretoinacabadononortedacidade.Oquarteljácontinharefugiadosbelgasefranceses,e o pelotão levava alguns biscoitos, uma lata quase cheia de pasta de carne eovos.Pelorestododia,ossoldadostransformaramoblocausseemumaposiçãodefensável, bloqueando portas com sacos de areia e criando fendas de disparoparaarmasBreneriflesantitanque.Naquelanoite,os alemães foramvistos avançandoa cercade600metrosde

distância,eopelotãoabriufogo.Váriossoldadosinimigosforamvistoscaindo.Maistarde,aindanaquelanoite,oinimigovoltouemmaiornúmero.Umabombaexplodiu de repente dentro do quartel, ferindo um anspeçada na cabeça e nagarganta.Umatacante chegouperto o suficiente para bater à porta antes de sermortoporumagranadademão.Porfim,obatalhãodeataquefoiforçadoarecuar

Page 170: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

— ainda por cima, dando uma vantagem aos Glosters: as balas incendiáriasalemãstinhamatingindoumpalheiro,quequeimavaintensamente,oquepermitiuqueopelotãomantivesseumavigilânciamaisatentadurantetodaanoite.Na manhã de 28 de maio, o inimigo voltou a atacar. O assalto também foi

resistido,mas havia cada vezmais baixas, e amaioria tinha sido atingida porfragmentos de metal e de concreto batido das paredes, lançados por balasricochete.Alémdisso,acomidaestavaacabando,e,semnovasrações,opelotãose mantinha à base de rum e água (exceto pelos feridos, que não recebiam abebidaalcóolica).Na manhã seguinte, os alemães levaram um prisioneiro britânico usando o

uniformedaArtilhariaRealatéoblocausseparapersuadiropelotãoaserender.Oprisioneiro,ocapitãoDerickLorraine,quehaviasidoferidodoisdiasantes,fora enviado emumaambulânciaparaumaestaçãode compensaçãodevítimasjunto com outros três feridos. No caminho, a ambulância foi capturada pelosalemães, e omotorista foi levado.Os quatro feridos foramdeixados dentro doveículodurantedoisdias eduasnoites, semcomidaou tratamento.No terceirodia,soldadosalemãesmandaramocapitãoLorrainesairdaambulância,levaram-no para o quartel dos Glosters e mandaram que ele caminhasse em volta dafortificação para persuadir os ocupantes a se renderem. O capitão Lorraineprotestou, alegando que a perna machucada tornava impossível caminhar. Osalemães, em resposta,brandiramumaarmadiantede seu rosto,deixandomuitoclarooqueaconteceriaseeleserecusasseacumprirasordens.E,assim,umDerickLorraineferidoefamintocomeçouacoxearlentamenteao

redor da fortificação, amparado apenas por uma bengala, gritando: “Oficialbritânico ferido!” Cresswell fez menção de responder, mas Lorraine ointerrompeu imediatamente e falou “Não responda” com a voz baixa, antes deolharparaumalemãomortoedizer:“Aquitambémtemmuitosinglesesealemãesnomesmoestado.”Nomeiodafrase,eleergueuosolhos,obviamenteindicandootelhado.Cresswell compreendeu o que Lorraine estava tentando dizer. Os alemães

tinham subido no telhado do quartel. Depois que Lorraine se afastou, aindacoxeando, houve uma súbita explosão, e o interior da fortificação encheu defumaçaacre.Osalemãesnotelhadotinhamabertoumafrestanosbloqueiosdeumburaco de observação e o encheram de palha, entulho e gasolina, depoisacenderamamisturacomgranadasdemão,na tentativadeencheroedifíciodefumaça. Cresswell e seus homens tinham máscaras de gás; não demoraram a

Page 171: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

colocá-las ebloquearamabrechano telhadocomumacolchamolhada.O fogoqueimounoiteadentro,masafumaçaficoupraticamentemantidasobcontrole.Nodia seguinte, cientesdequeosocupantesdoblocaussenão iriamdesistir

tãofácil,osalemãesaumentaramaescaladosataques.Quandootiroteioficoutãointenso que as balas começaram a passar pelas pequenas fendas para armas,CresswellanunciouaseushomensqueiriamtentarescaparatéDunkirkassimqueescurecesse.Porém,porvoltadascincoemeiadatarde,ficouclaroqueoquartelestavamuitobemcercadoenãohaveriacomoabrircaminho.Depoisdepassartrêsdiassemcomidaeajudamédica,comapenasumpoucoderum,masquasesemágua e aindapor cimadentrodeumblocausse cheiode fumaça, opelotãofinalmenteserendeu.NacidadedeCassel,entretanto,aguarniçãoconseguiraaguentaratérecebera

ordemdesejuntaràretiradaparaDunkirk.Homensferidos,acompanhadosdeumpadioleiroqueseofereceuparaficarcomeles,foramdeixadosemcasaslocaiscom algum alimento e a esperança de que os alemães iriam tratá-los bem. Osegundo-tenenteJulianFanefoiumdosváriosGlostersquesejuntaramàretirada.Emdeterminadoponto,suacompanhiafoiavistadapelosalemães,quegritaram:“Hitlerestáganhandoaguerra,vocêsestãoacabados!Saiamlogoouvamosjogarbombas!”Fane, que tinha ouvido histórias dosmassacres daSS, contou a seushomens sobre o tratamento que provavelmente receberiam. Não foi nenhumasurpresaquandoopelotãooptoupornãoserender.Emvezdisso,elesesperaramatéahoracerta,parasaircorrendode repente,emcampoaberto,emdireçãoauma floresta. Durante a fuga, muitos foram mortos e feridos por tiros demetralhadora.Depois de quatro noites de retiro, o grupo de Fane, reduzido a apenas nove

homensalémdocomandante,chegouaDunkirk.Fanetinhaassistidoaumoficialmorrer engasgado no próprio sangue, tinha visto um NCO explodir quando oscartuchosemsuacartucheiraforamacesosporbalasincendiárias.Tinhacomidomuitopouco,sofriacomumadoragonizanteprovocadapelasbotaseestavacomumferimentonobraço.Inclusive,atéforapedirorientaçõesaumsoldadoalemão,achandoqueeleerafrancês.Apesardetudo,tinhasobrevivido.Ocorredorsemantinha,eaprocissãodamultidãoseguia.OsargentoLeonard

Howard,dosEngenheirosReais, lembra-sedeandarecorrerdurantedezesseishoras. Seu grupo pequeno e desgrenhado só parava quando era atacado porStukas, bombas,metralhadoras ou armas de pequeno calibre. “A sobrevivênciaeraoobjetivoprincipalde todos ali”, comentou.Ele se lembradeumsoldadoexperiente, um oficial de autorização, andando pela estrada, com lágrimas

Page 172: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

escorrendopelorosto,exclamando:“NuncaacheiqueveriaoExércitobritâniconesseestado!”OsoldadoFredClapham,daInfantariadeDurham,lembra-sedeumproblema

aindamaiscomum.Enquantoavançavapelocorredor,ocalordoiníciodoverãofaziasuasceroulasdelãroçaremseusgenitais.Oficiaisehomensmarchavamdepernasabertaseomaisafastadaspossível.“Devetersidocômico”,comentou.Enquanto isso, os alemãesdeixavampanfletosdepropagandaentre as tropas

aliadas,encorajando-osaserenderem.Omaiscomummostravaummapaprecisodas forças britânicas cercadas, com alguns comentários em inglês e francês.Aparte em inglês dizia: “Soldados britânicos! Olhem para este mapa: é a suaverdadeirasituação!Astropasestãocercadas.Paredelutar!Abaixemasarmas!”Os panfletos foram tão amplamente divulgados que a maioria dos soldados

britânicos se lembrava de vê-los. Eram lançados em grandes cilindros presoscom longas faixas de aço, cada um carregando 12.500 unidades. A tripulaçãoaéreadaLuftwaffejogavaoscilindrosebombardeavamaentradadabaiacomose fossem bombas de verdade. Em uma altitude pré-determinada, a aeronavesoltavaoscilindros,jápresosafusíveisprogramadosparaexplodiracertaalturaequebrarasfaixasdeaço.Osfolhetosentãoseespalhavam,separadosporcercade40ou50pés,espalhando-seporumaáreade2ou3quilômetrosquadrados,emboraàsvezescaíssemmaispróximosunsdosoutros.OssoldadosbritânicosmuitasvezesosusavamcomopapelhigiênicooucomomapasparaDunkirk,naausênciaquasetotaldemapasoficiais.Osalemães,entretanto,estavambemcientesdatentativadefugadosbritânicos.

Já no dia 26 de maio, apenas um dia depois de Lorde Gort ter tomado suacorajosa decisão, o diário de guerra do 19o Corpo falava da “evacuação dastropasinglesas”,notandoque“estavamtentandoescaparnadireçãodeDunkirk,oquedeveserevitado”.Pormaisextraordinárioquepareça,osfrancesessabiammenos da evacuação iminente do que os alemães. O general Blanchard,comandantedo1oExércitoFrancês,não foi informadooficialmenteda intençãobritânicadeevacuarseuexércitoaté28demaio.21No entanto, as últimas pessoas a descobrir sobre a evacuação foram os

própriossoldadosbritânicos.Atémuitotarde,algunsnãotinhamideiadeporqueestavamrecuando—talvezfossealgumapuniçãoporumdelitomenor,ouquemsabe a unidade estivesse recebendo uma folga. Mesmo quando diziam queestavam a caminho de Dunkirk, muitos soldados não tinham ideia do que issosignificava. Alguns, particularmente confusos, achavam que Dunkirk ficava naEscócia.

Page 173: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Nodia27demaio,AnthonyRhodes,dosEngenheirosReais,ficousurpresoaosaber de seu coronel que sua unidade evacuaria a partir de Dunkirk. “Vamostentaralgoessencialmentebritânico”,anunciouocoronel.“Eudiriaquesónossopovoseatreveriaatentarumesquematãotolo.”Elenãoinspiroumuitaconfiançaemseushomens,explicandoqueosplanosparaaevacuaçãoaindanãoestavamconcluídosequeiamterqueimprovisar.Oquemuitosacharamconfusoeoutrostantosconsideraramdesanimadorfoia

instrução de abandonar e destruir os veículos e equipamentos. A cerca de 5milhas de Dunkirk, Fred Carter e seu grupo de Engenheiros Reais foraminstruídosadeixaros caminhõespara trás e explodi-los comgranadasdemão.QuandoPeterHadley, doRegimentoReal de Sussex, se retirou de Poperinghe,passou por uma linha ininterrupta de veículos destroçados. Mesmocompreendendoporqueosveículoshaviamsidodestruídos(nãopodiampermitirquecaíssemnasmãosdosalemães), ele ficouatordoadoaovero sacrifíciodemilhõesdelibrasemequipamentospraticamentesemuso.Osveículosde trabalhoestavamemfalta.UmportadordeBrenchegouaser

paradoporsoldadosquepediamcarona.Quandoooficialnocomandoserecusoualevá-loseomotoristaseafastou,umdossoldadosatirounelecomseurifle—econseguiuacertaromotorista,queficoualeijadoparaorestodavida.Ocaoschegavaaficartãointensoquemuitossoldadosfeitosprisioneiropelos

alemãesacabaramconseguindoescapar.Umhomempassoutrêsdiastrabalhandona cozinha como prisioneiro alemão antes de escapar. Era comum os que nãoeram capturados passarem muito sem dormir. Um soldado descobriu queconseguiaficarmaistempoacordadoseesfregassegrãosdecafénosolhos—averdadeéqueeleteveasortedenemsequertertidoacessoacafé.E,apesardainstruçãodedeixarosferidosparatrás,oshomensnãoqueriamdeixarosamigos,mastambémnãotinhamforçaparacarregá-lospordiasafio—oqueexplicaporqueeracomumverferidoslevadosemcarrinhosdemão.Mais perto de Dunkirk, havia um congestionamento intenso nas estradas.

Homens, cavalos e veículos se mesclavam, no escuro, criando um gigantescoorganismoemfuga.PeterHadleyacaboudescobrindoquesóconseguiriamanterseushomensjuntosfazendocomqueandassemenfileirados,cadaumsegurandoodafrente,egritandoregularmenteonomedaunidade,paraatrairosdesgarrados.Oproblemaeraque,aessaaltura,muitoshomens já tinhamseperdidodeseusbatalhões,entãopassaramaavançaremgruposmenores.Umsoldadoachavaqueestavaandandocomquatroamigos,atéseviraredardecaracomvinteestranhos.

Page 174: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Em circunstâncias como essas, qualquer um que exibisse autoridade natural setornavalíder,eapatenteestavacomeçandoaperderainfluência.QuandoestavaprestesaentraremDunkirk,nodia27demaio,AnthonyIrwin,

doRegimentodeSussex,ficouparadoemumacolinaacimadacidade,olhandoasdocaspraticamentedestruídaspelosataquesdaLuftwaffe.Sobaluzdosol,eleseapressou para descer a colina, até que ouviu explosões— soube de onde elasvinhamminutosdepois:umcomboiodeambulânciascomcruzesvermelhasestavaespalhado pela estrada, aos pedaços, ardendo em chamas. Tinham sidobombardeadas.Vinhamgritos de dentro dos veículos, e havia corpos ao redor.Comojátinhagenteajudando,Irwinseguiuemfrente.Anthony Rhodes entrou em Dunkirk no mesmo dia, atravessando uma ponte

sobre o Canal de Bergues. Ele conversou com civis franceses que pareciamperfeitamenteconscientesdequeosbritânicosestavamevacuando—quasetodosos civis estavam saindo da cidade, temerosos de que a Luftwaffe atacasse acidadeinteira,comtodosquealiviviam.Enãodemorou:empoucossegundos,osolfoicobertoporbombardeirosalemães,cujosomaumentavaemumcrescendo.“Acheiquesentiaváriospequenosterremotosumatrásdooutro”,contouRhodes.A ponte tinha sido atingida, e dois grandes caminhões ao lado dela tinhamdesaparecido,reduzidosanadaemmerostrintasegundos.Enquanto issoacontecia,PeterHadleyestavaemumapequenaaldeia,depois

deterconseguidochegarváriosquilômetrosalestedeDunkirk.Delá,davaparaverumafaixadeazuldiretamenteàfrente.Eleparouseushomens,mandou-ossejuntarememarchoualgumascentenasdemetros emperfeitaordem—atéBrayDunes. A cena que encontraram lá era impressionante. Uma praia arenosa seestendiaaolonge,tantoàesquerdaquantoàdireita.Logoadianteestavaomar,e,atrásdapraia,viam-sedunascobertasdegrama,onderepousavamoshomensdaForçaExpedicionáriaBritânica.ApoucosquilômetrosalesteficavaLaPanne,umacidadelitorâneaondeLorde

Gortestavamontandoseumaisrecente(eúltimo)quartel-general.Nodia30demaio,FredericWake-Walker,oficialdaMarinhaabordodoHMSHebe,naparteoestedacidade,apoucadistânciadacosta,observouacena.

Foiumdoscenáriosmaisespantososepatéticosquejávi.Quase10quilômetrosdepraiaestavamcompletamentenegros,dasdunasdeareiaatéalinhad’água,cobertoscomdezenasdemilharesdehomens.Emalgunspontos,oshomensficavamatéosjoelhoseacinturanaágua,esperandosuavezde

Page 175: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

entrarnaquelesbarcospéssimos.Pareciaimpossívelsalvarmaisdoqueumafraçãodetodosesseshomens.

Paraque a evacuação tivesse algumachance, precisariamdefenderoperímetroemtornodeDunkirkedaspraias, impedindoosalemãesdeabaterossoldadosquesedeslocavampelocorredor.Ocombateestavalongedeacabar.GortdeixouSirRobertAdam,generalecomandantedo3oCorpo,encarregadodasdefesas.OperímetroteriaquesergrandeosuficienteparaprotegerDunkirk,aspraiase

amassadegentenelas.Etambémgrandeosuficienteparaimpedirosalemãesdebombardearemaspraiascomqualquercoisaquenãoasarmasmaispesadas.Noentanto, precisava ser pequeno o bastante para ser defendido com um númerolimitado de soldados. E precisava aproveitar as linhas do canal, queproporcionavamobstáculosdefensivosjáprontos.Considerando esses fatores, seria necessário um perímetro de cerca de 40

quilômetrosde comprimentoe12deprofundidade.Foi acordadoqueas tropasfrancesaspatrulhariamosetoraoestedoportodeDunkirk,enquantoosbritânicosdefenderiamaáreadeDunkirkatéNieuport,noLeste.Quemrecebeuas tarefascríticasdereunireorganizaras tropasparao trabalhofoiogeneraldebrigadaEdwardLawson,que,nostemposdepaz,tinhasidogerentegeraldojornalDailyTelegraph. É muito frequente não encontrar menções da velocidade com queforamcriadasastropasparapatrulhamentodoperímetroeatenacidadecomqueos homens defenderam suas posições (sabendo plenamente do sacrifício a queprovavelmenteestavamsevoluntariando),aspectosesquecidosquandoahistóriadeDunkirkécontada.QuandoorecuodotenenteJimmyLangley,dosGuardasdeColdstream,olevou

parapertodePoperinghe,eleviuogeneraldebrigadaseaproximaranunciando:“Tenho uma notícia maravilhosa, Jimmy. A melhor de todas!” Langley logoperguntou o que poderia ser assim tão maravilhoso, sem contar uma rendiçãoalemã imediata. Como resposta, ouviu que era para o batalhão patrulhar umaseçãodoperímetroaolongodocanalBergues-Hondschoote.A3aCompanhiadeLangleychegouem29demaio,instalando-seaolongodo

canal,pertodeumagrandecasadecampoqueabrigariasuasede.Osconfrontosjá tinhamreduzidoacompanhiaa37homens,maselesconseguiramaumentaroarsenalnoscaminhõesbritânicoslargadosnabeiradaestrada,ondeencontraramdozecanhõesBren,trêsmetralhadorasantigasLewis,umrifleantitanquee30milcartuchosdemunição.Langleytambémencontrouumnovouniforme,umabússola,umrádioequinhentoscigarrosmuitobem-vindos.

Page 176: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Durante os dois dias seguintes, Langley e seus homens ficaram assistindo aprocissãoininterruptadesoldadosbritânicosefrancesesqueatravessavaocanal,indoseinstalaremDunkirk.ViamhomensqueiamdaforçadeelitedosGuardasGaleses,queestavamlutandoemArras,atéfrancesesdesiludidosetodasortedebritânicos cansados.Langley ficouparticularmente impressionadocomumcabocarregando duas Bren — cujas cintas tinham feito cortes em suas clavículas.Quandoeletentourequisitarasarmas,ocaboserecusouaentregá-las,alegandoqueseumajormortotinhaordenadoqueeleaslevassedevoltaparaaInglaterra,onde logoseriamnecessárias.Langleyderramouumpoucodeuísquenochádocabo,fezcurativossobasalçasdasarmaselhedesejousorte.Alguns soldados até podem ter passado por Langley,mas ele só avistou um

aviãovoando—edisparoufuriosamente.Porsorte,aaeronavecontinuouvoandotranquilamente—eraumLysanderbritânicofazendoumtourpeloperímetrocomLordeGort.OsalemãessóforamavistadosdepoisqueGortsaiudoalcancedosdisparos,e

ofluxodehomensemretiradafoireduzidoaumpingod’água.Algunsdoshomensde Langley estavam posicionados no sótão do chalé, onde tinham removido astelhas e criado esconderijos de Bren. Os alemães, de pé em um campo a 600metros de distância, eram alvos fáceis. O resultado, segundo Langley, foi ummassacre—coisaqueofezsesentirmal.Abatalhacomeçouasérionatardedaquelemesmodia,comumataquealemão

àdireitadacabana,numpostodefendidoempartepela1aCompanhiaeemparteporumacompanhiadoRegimentodeFronteiras.AsBrendeLangleymantinhamum fogo constante, tentando ajudar as companhias vizinhas, e os alemãesergueramumagrandearmaantitanqueeaapontaramparaacasa.Porumtempo,nada aconteceu— até que Langley ouviu um estrondo, e um objeto colorido ebrilhantecomeçouasaltarpelosótão,parandopertodachaminé.Eraumabombaantitanque incendiária, eosocupantesdo sótãopegaramsuasarmasecorreramparabaixoenquantomaisquatrodessasbombaseramdisparadasnosótão.Oataquealemãoestavaficandomaisintenso.EnquantoLangleyrecebiaordens

do major Angus McCorquodale, os dois foram abordados pelo capitão nocomandoda companhia doRegimento deFronteira, à direita.O capitão avisouqueosalemãesestavamsereunindoparaumataqueepropôsumaretirada.McCorquodaleordenouqueohomemsemantivesseemposiçãoelutasse,mas

ocapitãodissequeissoiaalémasordensdeseuprópriocoronel,deseretirarquandopossível.McCorquodaleapontouparaumagrandeárvoredeálamo,mais

Page 177: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

adiante,edisse:“Sevocêouqualquerumdeseushomenspassardessaárvore,vamosatirar.”Ocapitãocomeçouadiscutir,masfoiinterrompidoporMcCorquodale.“Volte

logopara lá,ouvouatiraremvocêagoramesmoeenviarumdemeusoficiaisparatomarocomando.”Ocapitãovoltouparaaposiçãodesuacompanhiaemsilêncio.McCorquodale

pegou um rifle e disse a Langley para pegar outro. “Vistas às duas e meia”,anunciouomajor.“Evocêvaiatirarparamatarassimqueelepassarporaquelaárvore.Entendido?”O capitão logo reapareceu, acompanhado de dois outros homens. Eles

passaram um tempo perto da árvore, sob a mira de Langley eMcCorquodale.Então o capitão foi andando. Os dois oficiais dispararam aomesmo tempo. Ocapitão caiu, e seus companheiros saíram correndo de volta. O batalhão doRegimentodeFronteirasficouondeestava.Pouco depois, abriu-se uma lacuna na artilharia, próximo da posição dos

Guardas,ehouveumataque,masfoi interrompido.Quandotudoseaquietou,osoficiais da 2a Companhia, à esquerda, vieram para uma visita. McCorquodaleordenouqueseuserviçal lhetrouxesseumagarrafadexerez,coposeumamesadacasa.Então,nomeiodeumcampodebatalha,quatrooficiais—dosquaistrêsestariammortosemmenosde24horas—selevantaramebrindaram“aoinimigocompetente e garboso”. Quando o tiroteio recomeçou, eles voltaram para suasposiçõeseretomaramabatalha.Mais tarde, naquele mesmo dia, o oficial encarregado da 1a Companhia foi

morto na tentativa de recuperar uma Bren de uma posição exposta. Restavaapenasumoficialàdireita,osegundo-tenenteRonaldSpeed,quesósejuntaraaobatalhãoalgumassemanasantes.LangleydisseaMcCorquodalequeSpeedqueriaseretirarparaaposiçãoda3acompanhia.McCorquodaledeuseucantilaLangleyemandouqueelefizesseSpeedbeber

tudo.“Seohomemnãoquisernemumgoleousecontinuarfalandodeseretirarmesmo depois disso, atire nele e assuma o comando da companhia”, instruiuMcCorquodale,comtodaacalma.“Elesnãopodemseretirar.”LangleyvoltouparaaposiçãodeSpeed,entregou-lheofrascoeoaconselhoua

beber.Porsorte,eleaceitou.Langley,então,dissequeelenãodeviaseretirar.Speedassentiu.Efoimortomeiahoradepois.AshorasseguintespassaramcomoumborrãoparaLangley.Eleselembravade

comerumensopadodefrango;depermitirqueumaidosaserefugiassenacasadecampo; de proferir um discurso inflamado sobre os alemães, que quereriam

Page 178: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

invadir os países das outras pessoas; e de incendiar três tanques alemães comBrens — e também de se agachar ao lado do major McCorquodale e vê-lomorrer.“Estoucansado,muitocansado”,disseomajor,antesdesorrireusarseuúltimosuspiroparaordenarqueLangleyvoltasseaochalé.Enquanto ele e seus homens faziam uma última parada na casa, Langley foi

baleado no braço.Omembro ficou pendendo inutilmente ao seu lado, a feridadeixandosangueescorrerpelouniformedebatalha.Elefoi levadoparaoandardebaixoepostoemumcarrinhodemão.Langleynãosentiador,apenassede.Foitransferidoparaumaambulância, levadopara apraia e depois para a beira daágua em uma maca. Mas, como estava incapaz de se levantar, não foi aceitodentrodeumbarco.Aexplicaçãoeraqueumamacaocupariaoespaçodequatrohomens aptos, e apenas os feridos capazes de andar estavam sendo evacuados.Emvez disso, ele foi levado para uma estação de compensação de vítimas, nafronteiradeDunkirk.Foi láqueJimmyLangley foi feitoprisioneiro,quandoosalemãesfinalmentechegaram.22No entanto, apesar de todos os esforços dos Guardas de Coldstream e dos

oficiais e soldados por todo o perímetro, havia o perigo de que as discussõespolíticasemLondresosdeixassemsemnadaparacontar.Em28demaio,WinstonChurchill falou comSirRogerKeyes, dizendo queLordeGort não “fazia boasavaliações” das chances de sobrevivência da BEF. Ele falou ao Parlamento,dizendo que a situação era “extremamente grave”, mas que a Grã-Bretanhadeveriapermanecerconfianteemseupoderdeabrircaminho“atravésdodesastree da dor, até a derrota derradeira de seus inimigos”. Da câmara, ele entroudiretamenteemreuniões,primeirocomseuGabinetedeGuerraedepoiscomseugabinete mais amplo. Não seria exagero descrever essas reuniões como asdiscussõespolíticasmaisimportantesnaGrã-Bretanhanosúltimoscemanos.ComoGabinetedeGuerra,ChurchilldiscutiuodesejodaItáliadeagircomo

intermediárionasnegociaçõesdepazentreaGrã-BretanhaeaAlemanha.LordeHalifax,ministrodosNegóciosEstrangeiroseomaisrecenterivaldeChurchill,achava que a Grã-Bretanha deveria considerar fazer concessões que nãocomprometessem sua independência. Ele sentia que isso era questão de sensocomum.AGrã-Bretanhareceberiamelhorescondiçõesnegociandoagoradoquedali a trêsmeses, quando sua situação poderia estar pior. Churchill negou.Ostermos de paz daAlemanha, sempre que ela oferecia algum, deixariam aGrã-BretanhacompletamenteàmercêdeHitler.Neville Chamberlain se pronunciou, dizendo que conseguia entender o que

haviadeerradoemdeixarclaroque,apesardesecomprometeralutaratéofim

Page 179: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

parapreservarsuaindependência,aGrã-Bretanhaconsiderariatermosdecentes,sefossemoferecidos.A primeira resposta foi típica de Churchill. Nações que caíram lutando se

reerguiam,retrucouele,masasqueserendiamcommansidãosempreacabavam.Asegundaresposta,dovice-primeiro-ministroClementAttlee, foimaisprática:depoisquecomeçassemasnegociações,seriaimpossívelelevaramoraldopovobritânico.O estilo de oratória de Churchill, em geral considerado entre o de Edward

GibboneodeHenriqueV,deShakespeare,àsvezespodiaparecermagistral,masoutrasvezes,oco.Noentanto,nuncatevemelhorefeitodoquenareuniãoqueseseguiu, com 25membros de seu gabinete completo.Muitos desses homens nãocompartilhavam das opiniões de Churchill sobre as questões de paz. Alguns,como os socialistas comprometidos Herbert Morrison e Ernest Bevin, nuncapoderiam ter imaginado servir sob ele. Mas todos ouviram Churchill expor asituaçãonaFrançaeaprobabilidadedequeosalemãestentariamumainvasãoàGrã-Bretanha. Ouviram quando ele admitiu ter considerado a possibilidade denegociarcomHitler,aquemdescreveucomo“aquelehomem”.Eouviramquandoele advertiu que qualquer paz transformaria a Grã-Bretanha em um estado deescravos.“Estouconvencido”,declarou,paraaaudiênciaarrebatada,“quecadaumdevocêsselevantariaemetirariadaquiseeutivessesequercontempladoanegociaçãoouarendição.Seestalongahistóriadenossailhafinalmentetiverqueacabar, que termine apenas quando cada um de nós estiver caído no chão,sufocandonoprópriosangue”.AsatitudesnoGabinetedeGuerrararefeitodeChurchilleramumacoisa,mas

em seu gabinete cheio, o melhor microcosmo do país, ele podia começar acalibrarareaçãoquesuaspalavrasreceberiamempublicaçõesbritânicasesalasdevisitas.Eosministrosamaramoqueouviram.“Ouvimosgritosdeaprovaçãopor toda a mesa”, escreveu Hugh Dalton, ministro do Trabalho da GuerraEconômica, acrescentando que “ninguém expressou o menor lampejo dedissidência”.Maistarde,ChurchillretornouaoGabinetedeGuerraparainformaratodos,enfaticamente,quenãohaveriarendição.Alutacontinuaria.Aguerranãotinhaacabado.Seessasreuniõestivessemterminadodeumjeitodiferente,seaGrã-Bretanha

tivesse decidido tratar com “aquele homem”, os sacrifícios dos homens dosExércitos britânico, francês e belga não teriam contado, porque a guerra quasecertamenteteriachegadoaofimpoucodepois.Hoje,atéesquecemosdecomoaGrã-BretanhachegoupertodeacordarapazcomHitler,decomoaquelanação

Page 180: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

chegou perto de ter um governo fantoche; de concentrar judeus, dissidentes equalqueroutrapessoaquedesagradasseasautoridades;dasupressãodeideiasedadissidência;daimplementaçãodecertostiposdeleisdescritasemumcapítuloanteriordestelivro.ParaLordeHalifax,aGrã-Bretanhaeraumaentidadegeográfica,umlugarde

colinas, vales, charnecas e picos — um mundo de H. E. Bates, resistente osuficienteparaaguentarqualquerregimebrutalemcargamáxima.ParaChurchill,aGrã-Bretanhaeramaisdoque isso.Eraomodelooriginalda liberdade,umaterra cuja existência dependia da liberdade e doEstado deDireito— se estasfossemextintas,suasobrevivêncianãosignificarianada.E,apesardeambasasvisões serem floreadas e sentimentais, à suamaneira, a de Churchill era maispróximadaverdadeemuitomaishumana.

20Nofilme,ostítulosdeombrousadospelopersonagemAlexmostramqueeleéummembrodestebatalhão.[N.T.]21Grandepartedomal-estarentreaFrançaeaGrã-Bretanhanosúltimos77anospodeseratribuídaaesseatodesupostatraição.Emboraissosejacompreensível,éprecisoconsiderardoispontos.Oprimeiroéqueoretiro e a evacuação foram as únicas decisões sensatas nas circunstâncias. Mantendo vivo o planoimpraticáveldeatacaroSul,Weygandestavapondoemperigotantoseuexércitoquantoasforçasbritânicas.Osegundoéqueosnaviosbritânicostambémestavamevacuandoumgrandenúmerodetropasfrancesas.OêxododeDunkirkfoiumesforçodesesperadoparamanteraguerraviva,enãoumasúbitatentativabritânicadeseretirardaguerra.[N.T.]22Masnãopormuito tempo.Langleyescapoudohospitalummêsdepoise seguiuparaMarselha,nazonafranca de Vichy, onde trabalhou para uma rede de fuga. Ao chegar de volta à Inglaterra, em 1941, eleingressounoMI6,ondetrabalhounafacilitaçãodelinhasdefuganocontinente.

Page 181: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

N

Oito

Semsinaldemilagre

A CENA DE ABERTURA DO filme de Chris Nolan,Dunkirk, vemos Tommyatravessarumaseçãodoperímetromantidaportropasfrancesasparaentrar

na cidade. Lá dentro, ele se vê em um mundo desgovernado, povoado peloshomens(eporalgumasmulheres)queencontramosnaspáginasdestelivro.Todostinham o objetivo inicial de chegar a Dunkirk, mas, uma vez lá, ficaramdesesperadospara sair.Tommyvaiperambulandoatéumapraia,ondeencontrafilasdesoldadosàesperadeirparaaáguaeseremapanhadosporumpequenonavio,queos levaráparaumnaviomaior,que,por suavez,os levarádevoltaparaaInglaterra.Tommyérecusadonaprimeirafilaemquetentaentrar,entãosejunta a outro soldado e assume o posto de padioleiro honorário. Tommy foibombardeado pelos folhetos de propaganda inimiga, ajudou o outro soldado aenterrar um corpo, foi atacado por um Stuka e tentou “se aliviar” em váriasocasiões.23Eraavidanointeriordoperímetrovividaporcentenasdemilharesdepessoas,aolongodosdiasdaevacuação.É difícil enfatizar o quanto as experiências dessas pessoas variaram. Um

soldado do Regimento Real de Warwickshire chegou à praia apenas para serrecusado emvárias filas, comoTommy, por homens que diziam: “Encontre suaprópriaunidade,amigo!Aquinão!”Outrossoldados,porsuavez,conseguiamse

Page 182: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

unir à primeira fila que viam— e outros, ainda, ficavam tão chocados com otamanhodasfilasquedesabavamnaareia.Ealgunssimplesmentenãoviramfilas.Algunsveteranosconseguemdeixaroorgulhodeladoparacontarcomofaziam

parairaobanheiro,masummedisse,comcertainsistência,queninguémcomianadahaviadias,entãonãotinhaabsolutamentenenhumanecessidadedebanheiro.OcapitãoHumphreyBredin,dosRiflesReaisdoUlster, queencontramosmaiscedo lutando obstinadamente no rio Dyle, contou sobre pequenos grupos desoldados britânicos sentados na praia jogando cartas ao sol, como em umacolônia de férias. Outros falam de partidas improvisadas de críquete, deEngenheirosReaisfazendomanobrascommotocicletasnaareiaedeumex-artistade circo fazendo truques no dorso de um cavalo para uma audiência atenta desoldados.OsubtenenteJohnCrosbydesembarcouemLaPanneemumaquarta-feira,em

29 de maio, de um barco a vapor Clyde. O barco ficou a maior parte do diaencalhadopelamaré,entãoeleseencaminhouparaoHotelSplendide,ondeficousentado preguiçosamente com uma garrafa de vinho ao lado de dois soldadosbritânicos que bebiam limonada porque, como reclamaram, não havia maiscervejanacidade.Entretanto,aindahaviabordéis,eoshomenspodiamservistosesperandopacientementeemfilas—umparalelopeculiaràs filasdeesperanapraia—paraterumúltimogostinhodocontinente.Foi ali também que Fred Carter, dos Engenheiros Reais, teve sua primeira

experiênciacomchampanhe.Tendocavadoumburaconasdunasdeareiacomasmãos,Fredeseusamigosdecidiramvisitarumestaminetumpoucodistante.Eles“estavambemalimentados”,apósgastaremtodoodinheirorestante.Freddecidiuprovaralgumchampanheparadescobrirseeramesmotudoaquiloquediziam—era,comoeledescobriu,“glorioso”.Ao mesmo tempo, no entanto, havia homens chegando em Dunkirk tão

destroçados, ensanguentados e desmoralizados que a oferta de uma “rapidinha”antesdeBlightynãolhesfaziasentido.Umsoldadocontaqueseuuniformeestavatãosurradoesujoquetinhaperdidoacor,easmeiaseospéstinhamsefundidoemumamassadesanguegrudentaeconfusa.Umoficialsaltoudomolheparaumnavio,masseupousonoconvésfoimaisumcolapsodeumatrouxadoqueumaaterrisagem.Quandosuasbotasforamremovidas,encontraramosossosdospésexpostos. Vic Viner, um mestre-de-praia — responsável pela ordem e peladisciplina—,contoudesuboficiaisexperientessedebulhandoemlágrimasdiantedele.“Édifícilexpressarohorror”,declarou.

Page 183: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Emoutrolugar,umpelotãoencontrouumalatadefeijõescozidos,quedecidiudividir:acabaramcomtrêsfeijõesparacadahomem.Várioshomensforamvistossentadosemumcírculonaareia,enlouquecidospelosdiassemcomida,fingindocomer uma refeição. Eles imitavam o uso de facas e garfos e mastigavam acomidaimaginária.Outrohomemfoivistotentandocomeraalçadecourodeseucapacete.RobertHalliday,dosEngenheirosReais,vasculhouDunkirkembuscade alimento, entrando em várias casas. Não encontrou nada — e a busca foiinterrompidapelocairdeumabomba,queolançouacercade45metrosabaixodaestrada,estourandoseustímpanos.Depoisdisso,napraiadeBrayDunes,HallidayeoutroscinquentaEngenheiros

Reais construíram uma jangada a partir de assoalhos de caminhões e latasflutuantesdegasolina,unidaporrestosdecordas.Oplanoeraqueummembrodaequipe nadasse até um barco, puxando os não-nadadores na balsa. Os homenspassaram dois dias ocupados na construção da jangada, até que um oficial daMarinha ordenou que parassem imediatamente. “Quero que vocês formem umafileira,entrandoomáximoquepuderemnomar,efiquemali”,mandouooficial.EnquantoHallidayeseusamigostrabalhavamemvão,inúmerosoutrosficavam

naareia,semnadaparafazer,eàsvezesseenterravamemtrincheiras.Aatitudeera tão comum que, ao ver um capacete largado na areia, era comum a piada:“Nossa,eleseenterroumuitobemmesmo.”EssassãoapenasalgumasamostrasdoconfusoparadoxodeDunkirk.Avidaé

semprecomplexa,matizadaecontraditória.Sabemosdissoinstintivamente.Aindaassim,muitospolíticosemeiosdecomunicaçãomodernospoderiamnoslevaraacreditarqueelaédiretaemonocromática.Setivermosqueconcluirapenasumacoisa a respeitodeDunkirk, entãoquer seja isso: nãoháumaúnicahistória.EestetemaéreforçadopelofilmedeChrisNolan,quesepassaemtrêscenários:terra, mar e ar. Em cada um deles, as pessoas tinham experiências muitodiferentes—etodassãoigualmenteválidas.24Comovimos,desdeoprincípio,aindaquesem(relativamente)muitaclareza,a

evacuação estava sendo cogitada para 17 demaio. Dois dias depois disso, as“bocas inúteis”—descrição pouco lisonjeira dada a qualquer um consideradoperiféricoaofuncionamentoessencialdaForçaExpedicionáriaBritânicanolocal—tinhamcomeçadoaserenviadasparacasa.Nanoitede26demaio,quase28milaçougueiros,padeirosefabricantesdevelastinhamsidoenviadosdeDunkirkpara a Inglaterra. Estava para começar a verdadeira evacuação, de tantossoldadosquantopossível.

Page 184: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Em26demaio,LordeGort recebeudois telegramas,umdeAnthonyEdeneoutrodoMinistériodaGuerra.Oprimeiroadvertiaqueaevacuaçãopoderiasernecessária, enquanto que o segundo confirmava que era de fato necessária. Oencarregado geral da evacuação seria um vice-almirante de 57 anos, BertramRamsay,umhomemmeticulosoeimpacientequesórecentementeforaconvencidoporseuamigo,WinstonChurchill,aretornaràMarinhaReal.Oquartel-generaldeRamsayeranaSaladoDínamodoCastelodeDover.O

que antes era o lar do gerador de iluminação do castelo emprestava seu nomeparaoassustadoresforçodeorganização,improvisaçãoeforçadevontadeparaoque viria a seguir. A evacuação da Força Expedicionária Britânica começoualgunsminutosantesdasdezenovehorasdodomingode26demaio,comumsinalenviadopeloAlmirantado:“IniciaraOperaçãoDínamo.”O primeiro navio que partiu após a emissão do sinal foi oMona’s Isle, um

barco a vapor da ilha deMan, levando 1.420 soldados do porto. Vinte e trêsmorreramnaviagempara casa, atingidos pela artilharia disparadada costa emGravelineseporumataquedemetralhadoraaérea.Istonosdáotomparaosdiasqueseseguiram.Noentanto,oMona’sIsle,queretornouaDoveraomeio-diadodiaseguinte,nãofoiaprimeiraembarcaçãoanavegaraquelesmaresnodia26demaio:antesdosinaldealerta,váriosoutrosnaviosdepassageirospartiramparaDunkirk. Entre eles, navios com nomes que logo seriam conhecidos, como oMona’sQueen,KingOrryeoMaidofOrleans,que,nosnovediassubsequentes,levariammuitosmilharesdehomensparaasegurança.No início da evacuação, as expectativas britânicas eram baixas.OsAliados

estavampresosemumbolsãoestreito,lutandoporsuasvidascontraforçasmaispoderosas. Os alemães estavam a 16 quilômetros de Dunkirk e da vitória.Winston Churchill acreditava que conseguiriam resgatar cerca de 30 milsoldados,enquantoRamsayesperavaumnúmeromaispróximodos45mil.Isso,no entanto, dependeria de muitas variáveis. Quantos soldados conseguiriamchegaraDunkirk?Quantotempoosfrancesesebritânicosaguentariamnadefesado perímetro? Com que eficiência a Luftwaffe poderia neutralizar soldados,navios e equipamentos dentro do perímetro, no mar e talvez nos portos dechegadada Inglaterra?Conseguiriamencontrarummeioverdadeiramenteeficazde evacuação, permitindo que grandes números saíssem a cada dia? O climafavoreceriaosevacuadosouosatacantes?Nanoitede26demaio,ninguémsabiaaindaasrespostas.Àumadamanhã de segunda-feira, em27 demaio, omajorPhilipNewman,

especialista cirúrgico da 12a Estação de Atendimento a Feridos, chegou em

Page 185: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Dunkirk.Comeleestavamquarentahomensemtrêscaminhões,quetinhamvindoabrir uma unidade médica de linha de frente em um castelo ao lado de umaunidadedeambulânciasdecampofrancesa.Newman,atérecentementecirurgiãodo HospitalMiddlesex, em Londres, se resignou com o fato de que, enquantotodosiriamparacasa,eleeseuscolegasficariamparatrás.“Umaterrívelapatiatomava nosso grupo”, escreveu, “por termos que preparar toda a operação denovoeficaresperandoodesfecho”.Sua primeira impressão de Dunkirk foi de edifícios em chamas e bombas

explodindo.ALuftwaffejábombardeavaacidadeeoportohaviaalgumtempo,mas foi naquele dia que ela atacou emgrandes levas contínuas.Naquela noite,Newman se instalou em uma casa vazia, mas ainda bem decorada, e, aoamanhecer,mudou-separaocastelo.Lá,começouamontarseuequipamentodeoperaçõesemumasalanotérreo,comgrandesjanelas,boailuminaçãoartificialeespaçoexterno lateralparaestacionarumavanderaios-X.Empoucosminutos,começaramachegarambulânciascheiasdeferidos.Anthony Rhodes chegou em Dunkirk por volta das seis da manhã. Ele se

lembravadacidadenostemposdepazcomoumlugaragradável,cheiodebonsrestauranteselojasparacomprarlembrançasdocontinenteparadaraosamigos.Naqueledia,aprimeiracoisaqueviufoiaenormecolunadefumaçadostanquesde óleo em chamas, um marco da evacuação que é recriado no filme. Comomuitos daqueles que chegaram a Dunkirk no início da Operação Dínamo, eleencontrouumporãopróximoaoportoparaseabrigardobombardeio.Esseporto,afinal,eraopontoóbviodaevacuação.Rhodesacreditavaqueumporãoseriaolugaromaisseguropossívelparase

abrigar de um ataque da Luftwaffe. Bombas decerto explodiriam nos andaressuperiores,deixandooporãointacto,e,comoeleestavaabrigadosobumacasadetrêsandares,sesentiaseguro.Masasensaçãodesegurançapassouquandoelesaiu, ao fim do primeiro ataque, e viu que um edifício idêntico em frente forareduzidoaumapilhadeentulho.Qualquerumnaqueleporãoteriasidoenterradovivo.NormanPrior,dosFuzileirosdeLancashire,tambémseinstalouemumporão.

Eletirouasbotaspelaprimeiravezemumaquinzenaefinalmentesedeitou,entãosentiu um pequeno movimento. Quando olhou para cima, notou um francêstentandoroubarsuasbotas.“Arrebenteiocaracomumalgumacoisaqueestavaàmão”, contou. “A briga não chegou a evoluir para um corpo a corpo.”Depoisdisso,passavaotempotodocomasbotas.

Page 186: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Muitos dos que chegaram a Dunkirk naquele dia, antes de as autoridadesbritânicas tomaremocontroledacidade, testemunharamumaanarquia inspiradanomedoenoalívio.ErnestHoldsworth,abstêmioavidatoda,acabounaadegadeumhotel,bebendoumamisturaderum,whiskyeconhaque.Eraumcenáriodepesadelo: soldados britânicos, franceses e senegaleses, todos juntos, cantando,vomitandoedesmaiando.Naqueledia, o capitãoWilliamTennant, chefedoEstado-MaiordoPrimeiro

LordedoMar,foienviadoàcidadeparaassumiropostodeoficialsuperiordaMarinha emDunkirk. Especialista em navegação e de natureza tímida, Tennantseria o responsável por organizar a distribuição de navios e o embarque desoldados.Eleseviudiantedeumamultidãodesoldadosbritânicosprontosparadesafiarsuaautoridade—etambémencontrousoldadoscommanchasdebatomeumsargentobêbadousandoumboádepenas.Seguindo para o Bastião 32,25 o quartel-general do almirante Abrial

(comandante das forças francesas em Dunkirk), Tennant conheceu dois altosoficiaisdoExércitobritânicoeumcomandantenaval,queo informoudequeoportoestavamuitodanificado,vulneráveldemaisaataquesaéreosparaserusadona Operação Dínamo. Todas os embarques teriam que ser feitos a partir daspraias. Ele também foi informado de que os alemães chegariam a Dunkirk aqualquermomentoentre24a36horasdali.Considerandoqueosgrandesnaviosnão poderiam chegar perto da costa e com a quase total falta de pequenasembarcações para transportar os homens das praias para esses navios, seutrabalhopareciaimpossível.OobjetivodeChurchillderesgatar30milsoldadospareciairremediavelmenteambicioso.A partir do Bastião 32, Tennant começou a enviarmensagens de rádio para

Ramsay,noCastelodeDover.Elepediaque todasasembarcaçõesdisponíveisfossemdespachadasimediatamenteparaaspraias.NaSaladoDínamo,todososnaviosacaminhodoportoforamdesviados.OgruponavaldeTennant,entretanto,começouareunirossoldadosemporõespróximosaoportoeenviá-losparaaspraias.Um desses homens era Anthony Rhodes. A essa altura, havia uma leva de

ataquesaéreosacadameiahora,e,alémdeumabreveeinfrutíferaviagemparaencontraroutroabrigomaisdistantedacidade,Rhodespassaraodiainteiroemseu porão, decidido de que eramuito perigoso ficar do lado de fora.Até que,naquelatarde,ouviuumgritovindodarua:“Oficiais!”Seguindoochamadoparasabermais,foiinformadodequeasevacuaçõesnãoseriammaisfeitasapartirdoporto,efoi-lheditopolidamenteparacoletaromaiornúmeropossíveldehomens

Page 187: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

eescoltá-losatéaspraias.EassimRhodes—equasetodomundonacidadedeDunkirk—sedirigiuparaoleste.As fileiras de tropas foram devidamente atacadas do ar. Quando as bombas

caíram,Rhodes se espremeu, de bruços, no chão.E, quando a aeronave voltouparametralharossobreviventes,elefezomesmo.DoishomensquetinhamficadodepéparadispararasBrencontraosatacantesforamcrivadosdebalas.Depoisquea incursão terminou,Rhodescontinuouavançandoparaaspraias.

De lá, olhou ao longe e teve umavisão impressionante dosmuitosmilhares dehomens—algunstambémadmirandoavisão,algunscomendo,outrosdormindo,mastodosesperandoopróximonavioouataque.Elepodiaatéseroficial,masouniformedoExércitoeratãogenéricoqueficavadifícilumestranhodistingui-lodossoldados.Duranteospróximosdias,seriamuitomaisfácilparaosoficiaisdaMarinha,vestidoscomseusazuis impressionantes,afirmaremsuaautoridadedoqueparahomenscomoRhodes.Eleandoucercade3quilômetros,acabandoporse estabelecer nas dunas de areia na beira da praia. Tinha começado a esperapelosgrandesnaviosqueiriamancoraremalto-marepelospequenosbarcosparatransportaroshomensatélá.A escassez de pequenas embarcações foi um problema desde o início da

evacuação. Só em 30 de maio começaram a aparecer em maior número. Atéaquelemomento,foiprecisoajudadosbotessalva-vidasedebaleeirosdenaviosmaiores.Mas,mesmoquandoosbarcosestavamdisponíveis,eradifícil.Quandoomarestavaagitado,ossoldadostinhammuitadificuldadedeembarcarapartirdacosta.Alémdisso,osbarcoseramusadoscom tanta frequênciaque ficavampropensos a avariasmecânicas e aoesgotamentoda tripulação.De fato,muitosforamrequisitadosdeseusproprietárioseoperadospelopessoaldaMarinha,quesimplesmentenãosabiacomolidarcomaqueletipodeembarcação.E,depoisdeserlevadoparaumnaviomaior,obarcomuitasvezeseradeixadoàderiva,emvezderetornarparaacostaparabuscarmaissoldados.Tardedanoitede27demaio,ocapitãoTennantnotouque,apesardoesforço

da Luftwaffe para destruir o principal porto de Dunkirk, os alemães nãobombardeavamoportoexterior.Oresultado foiquedoisgrandesquebra-mares—osmolhesorientaleocidental—permaneciamintactos.Nãoerampíeresoudocas, apenas enormes braços de concreto protegendo o porto, prevenindo oassoreamento.Tennantlogoviuopotencialdomolheoriental,queseprolongavaquase 2 quilômetrosmar adentro, com uma plataforma demadeira no alto quepoderia acomodarquatrohomens andando lado a lado—e seria relativamentefácil levar os soldados das praias até lá. Por outro lado, o molhe tinha um

Page 188: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

desnívelde15metrosdemaréeestavasujeitoacorrentestraiçoeiras,alémnãohaver nenhum método óbvio de atracar os navios ao lado dele. Ainda assim,Tennant considerou que não havia nada a perder — foi posta em prática aprimeiraimprovisaçãocrucialdaOperaçãoDínamo.Umnavio de passageiros, oQueen of theChannel, foi desviado da praia de

Malo-les-Bains para o molhe, e soldados foram levados para lá para entãoembarcarcomodesse.Poucodepoisdasquatrodamanhãdodia28demaio,oQueenoftheChannelpartiuparaDovercom950soldadosbritânicos.AideiadeTennanteraclaramenteviável,eoutrosnaviosforamordenadosparaomolhe.Seastropasquedefendiamoperímetropudessemconterosalemãesumpoucomais,seotempocontinuassebom,semuitosnaviosebarcospudessemserconvocadospara o serviço, se pudessem impedir a Luftwaffe de destruir aqueles navios ebarcos—eomolhe—,entãoasambiçõesdeChurchillpoderiamsercumpridas.Atéofimdasegunda-feira27demaio,7.669soldadoshaviamsidolevadosparacasa,e,nodiaseguinte,esperava-sequemuitosmaisosseguiriam.Todo o tempo, mais e mais soldados chegavam à cidade. Alguns, como o

Batalhão de Guardas, vistos marchando para o molhe em perfeita ordem,chegaram como unidades, mas muitos vieram em grupos esparsos. E muitos,apesardas terríveis experiênciasquehaviamsofrido edas condições sombriasquecontinuaramaenfrentar,estavamdispostosalevarconsigoumalembrançadeseu tempono exterior.Estesmementos variavamdesde as centenas de cigarrosamontoados nas mochilas, esperando evitar fiscalizações alfandegárias, até umhomem segurando umgrandemodelo de hidroavião para dar de presente a seufilho.Umsoldadolevouumamotoparaomolhe.“Possolevarissoabordodeseubarco, amigo?”, perguntou a um marinheiro, acrescentando — como se issopudesse ajudar a convencê-lo — que a moto rodara apenas 450 quilômetros.DadoqueoobjetivodaOperaçãoDínamoeralevaromaiornúmeropossíveldehomensparadefenderaGrã-Bretanhaepermitirqueaguerracontinuasse,nãoédeestranharqueomarinheirotenhanegadoopedido.Apesardetodasessasdificuldades,éaindapiorpensarnodestinodosanimais

de estimação que faziam companhia aos soldados em retirada. O robustomarinheiroIanNethercott,umatiradorabordodeHMSKeith,ficousurpresocomaquantidadedecãesqueoshomenstentavamlevarabordo,eeraumchoqueveroqueaconteciaàmaioria.“Quandooshomenschegavamcomseuscachorros,apolíciamilitaratiravanosbichoseos jogavanoporto”,contava.Todavezqueissoacontecia,amultidãodesoldadosemarinheirosvaiavaalto.Nemmesmoa

Page 189: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

visão de uma cabeça de filhote de dachshund despontando alegremente de umamochilaamaciavaoscoraçõesdospoliciaismilitares.Felizmente,nemtodososcãessofreramessaexecuçãosumária.Ummestiçode

terrier chamadoKirk (supõe-se que tenha recebido o nome por causa do portoonde estavam) conseguiu embarcar no HMS Windsor, onde foi recebidocalorosamente pela tripulação. Kirk, que a princípio respondia apenas acomandosem francês,passoua evacuação todanonavio, então foideixadoemquarentenanaInglaterra.Nofimdaaventura,elefoiadotadoporumvigáriorural,paideumsubtenentedonavio.Outros animais identificados incluíam um canário enjaulado equilibrado na

cabeçadeumhomem,que esperavana fila dentrod’água, e umcoelhopreto ebrancoemumacestaseguradaporumhomeminexplicavelmentenu.OestojodeumsoldadoestavacheioderelógiosparaseremvendidosnaInglaterra,eoutro,que tencionava abrir uma barbearia, estava cheio de tesouras.Muitos soldadoscarregavam cartões postais e fotografias de seu tempo na França, mas umalembrança particularmente horrenda consistia de oito balas que supostamenteteriamsidoextraídasdocorpodeumhomemfuziladoporespionagem.EumadasmaistristesfoivistasaindodocasacodouniformedeumhomemquejaziamortonapraiadeBrayDunes:váriosvestidinhosparasuafilhabebê.Os soldados que chegavam em Dunkirk passavam por outros, homens como

JimmyLangley,quedefendiamoperímetrocontraunidadesalemãsquetentavamirromper.Osalemãestambémtentavamfrustraraevacuaçãodeoutrasmaneiras.Osprojéteisdisparadosporsuasbateriaseramumperigoconstanteparaaquelesdentrodoperímetro,e,quantomaisas tropas inimigasavançavam,maispesadoficava o fogo de artilharia. Era um problema especial para os navios quecruzavamocanal.AtravessiamaiscurtaentreDovereDunkirk,conhecidacomoRotaZ,passavapertodacostafrancesaentreCalaiseDunkirk,oqueeramuitoperigoso à luz do dia, devido às baterias de canhões alemães posicionadas aolongo da costa. Como resultado, uma Rota Y, muito mais setentrional, foiintroduzida.Erainicialmentemaissegura,masaumentavaaviagemdeidaevolta,de128quilômetros,para276quilômetros.EssarotatambémacabouaoalcancedoscanhõesalemãesquandoNieuportfoicapturada.Foiestabelecida,então,umarota de compromisso— aRotaX, que logo se tornou o únicomeio seguro decruzarocanalduranteodia.Erarelativamentecurta,com173quilômetrosdeidae volta, e, desde que evitasse expor os navios às baterias costeiras, erarelativamentesegura.

Page 190: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Outros métodos de ataque incluíam lanchas torpedeiras e submarinos, queatacavamos navios no cruzamento do canal (oHMSGrafton, por exemplo, foiafundadoporumU-boot).E,naturalmente,aLuftwaffebombardeavaemetralhavasoldadosnacostaenaviosnomar.Osnavios fizeramoquepodiampara evitaro ataque,mantendoum rigoroso

blecauteànoite,oquesignificavelejarsemluzesdenavegação.Emterra,haviamuito pouca defesa antiaérea, apenas alguns poucos canhões Bofors perto domolheedaspraias.Aprincipalrazãoparaessadeficiênciafoiofatodeastropasdedefesaterem

destruído as próprias armas antiaéreas que defendiam Dunkirk. Este atoextraordinário tinha sido resultado de uma comunicação equivocada entre doisoficiais.O primeiro oficial enviou umamensagem dizendo que homens feridosdeveriam ser levados para as praias para a evacuação. A mensagem recebidapelosegundooficial,entretanto,foiquetodososhomensdeveriamserlevadosàspraias.AcreditandoquetodososseushomensestavamvoltandoparaaInglaterra,o segundo oficial ordenou que os canhões fossem destruídos. Feito isso, elemarchou até o general Adam, fez a saudação, e, orgulhosamente, informou quetodasoscanhõesantiaéreospesadosdaBEFtinhamsidoinutilizados.Adamficouhorrorizado e quase sem palavras. Depois de um tempo, o general finalmenteconseguiudizer:“Seuidiota.Saiadaminhafrente...”Umdos feitosmenosconhecidos,porémmais importantesdaLuftwaffeeraa

colocaçãodeminas.Oprocessosócomeçouaterrepercussõessériasnanoitedeterça-feira de 28 demaio.Concentrando-se em pontos ao longo daRotaX, asminas eram dispostas no mar por paraquedas. Podiam ser minas flutuantes decontato, detonadas por um navio ao pressionar um dos pontos proeminentes damina,ouasmais traiçoeirasminasmagnéticas,quepoderiamdestruirumnaviosem necessidade de contato. Posicionadas no fundo da água, essas minasmagnéticas consistiam em um explosivo preso a um mecanismo pronto paradetonarcasoqualquernaviocomcascodeaçopassasseporcima.Esta armadepotencial catastróficopodia termatadodezenasdemilharesde

soldados durante a Operação Dínamo e impedido que dezenas de milhares deoutros fossemresgatados.De fato,poderia termudadoahistóriadaevacuação.No entanto, apesar de terem sido colocadas em grande quantidade por todo ocanal, acabaram afundando apenas dois navios.26 A neutralização das minasmagnéticas por um cientista canadense que trabalhava em Londres é uma dasgrandes—emenosconhecidas—históriasdeDunkirk.

Page 191: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Em 1939, Charles Goodeve tornou-se subdiretor do Departamento deDesenvolvimento deArmasDiversas doAlmirantado, umgrupo de cientistas esolucionadoresdeproblemasconhecidoscomo“fujõeseresmungões”.Goodevecompartilhava da convicção comWinston Churchill, então Primeiro Lorde doAlmirantado,dequeaaplicaçãodaciênciateriaenormeimpactonaguerra.Nemtodosconcordavam.ArthurHarris,futurochefedoComandodeBombardeirosdaRAF,detestavaaconfiançadeChurchillnaciência.— Estamos lutando essa guerra com armas ou com réguas de cálculo? —

perguntou,furioso.—Boa ideia— respondeuChurchill, tranquilamente, baforando seu charuto.

—Vamostentarréguasdecálculo,paravariar.Como apoio deChurchill,Goodeve começou a procurar ummeio eficaz de

combater as minas magnéticas. Ele primeiro sugeriu ummétodo melhorado devarrê-las.O processo envolvia dois barcos navegando em paralelo, rebocandolongos cabos. Uma corrente elétrica passaria através dos cabos, criando umcampomagnéticoentreosnavios,oquedetonariatodasasminasentreeles.Por acaso, uma mina magnética tinha acabado de ser desativada em

Shoeburyness,permitindoaGoodeveaoportunidadedeexaminarseumecanismo.Como resultado, ele montou um experimento elaborado em um lago de águasalgada perto de Portsmouth. Como chamarizes, algunsmarinheiros arrastavammodelos de barcos pelo lago, sob os olhos curiosos do público, enquantoGoodevee seusassistentesconduziamaverdadeiraexperiênciaemumbarcoaremo.Oscaboselétricos foramsubmersosno fundodo lagoenquantoGoodeveficava sentado no barco com o mecanismo da mina desativada. Quando umacorrente passou pelos cabos, criando um campo magnético, um mostrador nomecanismo da mina começou a piscar, indicando que ela teria detonado, casoestivesseativada.Oexperimentofoiumsucesso.Conhecido como o “Varredura em Duplo L”, o método de Goodeve para a

eliminaçãodeminasmagnéticasentrouemusoemfevereirode1940,destruindocercadetrezentasminasnostrêsmesessubsequentes.Seestefosseseufeitomaissignificativo,játeriasidoimpressionante,umavezqueaVarreduraemDuploLmantinha as rotasX,Y eZ livres deminasmagnéticas durante a evacuaçãodeDunkirk.Goodeve, no entanto, conseguiu muito mais. Ao misturar conhecimento

especializadocompensamentocriativo,eledesenvolveuummétodode“limpar”os navios para torná-los imunes às minas magnéticas. Depois de limpas, as

Page 192: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

embarcações poderiam navegar sobre as minas durante todo o dia sem sofrerquaisquerconsequênciasnocivas.A prática do “enrolamento” já existia, consistia em envolver o casco de um

navio com bobinas de cobre ativas para neutralizar seu campo magnético. Noentanto,alémdeserumprocessocaroedemorado,nãohaviabobinasdecobresuficientesneminstalaçõesadequadasparalidarcomograndenúmerodenaviosque precisavam de proteção. Goodeve concatenou com uma solução muitosuperior:umcaboelétricograndecomumacorrentede200amperespassadoporcimaeporbaixodaslateraisdonaviosurtiaomesmoefeitoqueoenrolamento,eo procedimento poderia ser realizado de forma barata e fácil pela própriatripulação.Goodevesugeriua ideiaaoAlmirantado,masnãorecebeunenhumaresposta,

então decidiu iniciar suas próprias experiências. Começando com pequenasembarcações e avançando para navios maiores, as experiências foram bem-sucedidas,emborasetornasseclaroqueocampomagnéticoalteradoeracorroídomuitogradualmentepelasvibraçõesdosmotoresdonavioepeloimpactocomomar,oquefariacomqueocampoprecisasseserrenovadoacadaseismeses.GoodevechamouoprocessodeDegaussing,27umnomequelheveioàmente

duranteumanoitedebebedeira.EraumahomenagemaCarlFriedrichGauss,oprimeirocalibradorda forçamagnética, e combinavabemcomdelousing.28 Napreparação imediata da Operação Dínamo, quatrocentos navios de todas osformatosetamanhosforamdesmagnetizadosemapenastrêsdiasporequipesquetrabalhavam 24 horas por dia. Nos dias seguintes, outros mil navios foramtratados. Isto, combinado com a Varredura em Duplo L, manteve os naviosbritânicossurpreendentementeseguroscontraminasdurantetodaaevacuação.OmilagredeDunkirkdevemuitoaCharlesGoodeveeàsincroniaafortunadadeseutrabalho.Comoeledissedepoisdaguerra:“Abatalhacontraaminamagnéticafoiaprimeirabatalhatécnicadaguerra,alémdetersidoumabatalhaintelectualnaqualaGrã-Bretanhaobteveumavitóriadecisiva,totalmenteinesperadaparaaAlemanha.” Além disso, foi o que definiu o tom para uma guerra travada nãoapenasporarmasebravura,mastambémporamperes,voltseasamadasréguasdecálculodeArthurHarris.Mas,mesmoseadesmagnetizaçãomantivesseosnaviosa salvodas temidas

minasmagnéticas,elesaindaprecisariamdealgumlugarparaembarcartropas.Opontodeembarquemaisprático,enquantopermanecesseviável,eraomolhe,que,namaré alta, poderia comportar dezesseis navios debom tamanho.As filas domolhemuitasvezesseestendiamatéacidade.OalmiranteFredericWake-Walker

Page 193: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

(enviadoaDunkirknaquarta-feira,29demaio,paratrabalharcomTennantcomooficial superior deMarinha) ficou impressionado com o fluxo interminável dehomens exaustos avançando pelomolhe, suas silhuetas iluminadas por grandeslabaredas.Àsvezes,contou,elesdisparavamemumacorridacansada,eàsvezes“apenassearrastavamcegamenteemdireçãoàsegurança”.Oruídocaracterísticoqueacompanhavaseuprogressoeraobarulhodebotasabafadaseoestalarderifles.Depois de chegar ao molhe, com a subida e descida da maré, era difícil

embarcarnosnavios.Namarébaixa,osdestróieresnavaisficavamtãobaixosnaáguaqueosnaviosmaioresdepassageirotinhamqueseposicionarentreeleseomolhe,agindocomoplataformasflutuantes.Outrasvezes,oshomensdesciamporescadas, andavam cautelosamente sobre tábuas, ou — apesar dos riscos deafogamento, de ossos quebrados e de serem esmagados entre navio e vigas—simplesmentesaltavam.Emesmoquandoamaréeramaisconfortável,otrilhodeproteção ininterrupto da passarela demadeira significava que todos,mesmooscasosdemaca,precisavamsuperaralgumobstáculoantesdeembarcar.29Àsoitohorasdamanhãdequarta-feira,oManxman,umbarcoavapordailha

de Man, encontrou o molhe completamente deserto de homens. “Era muitoestranho”, contouummarinheiroabordo, “nosaproximamos semumsoldadoàvista”.NãohavianinguémnemsequerparapegarascordasdoManxman.Então,quando o navio se aproximou, os soldados começaram a aparecer. Um ataqueaéreotinhafeitocomqueseescondessemdebaixodomolhe,seagarrandocomopodiam às vigas entrecruzadas, mergulhados até o queixo na água. Quando obombardeio terminou, voltaram a subir. Esta imagem impressionante éreferenciadanofilmequandoTommyeGibsonseabrigamsobomolhe.Na manhã de quarta-feira, pouco mais de 25 mil soldados haviam sido

evacuados.AmetadeChurchill,de30mil,aindanãotinhasidocumprida,masosembarques apartir domolheemnaviosdepassageiros edestróieresofereciamesperança.Mesmocomseusproblemas,omolhepermitiuquecercadeseiscentoshomens embarcassem em um destróier em apenas meia hora — um ritmoexcepcionaldeevacuação.Até aqueledia, amaioriados ataques aomolhevinhade artilharia pesada a

cerca de 11 quilômetros a oeste. Na quarta-feira, o grosso da fumaça sobre acidade foi levada por um vento Norte, resultando em incursões pesadas econstantes ao molhe por Stukas e outros bombardeiros, bem como ataques demetralhamentopelosMesserschmitts.

Page 194: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Naquelatarde,seaproximoudomolheoCrestedEagle,umbarcoavapordoTâmisamovido por pás, originalmente equipado com uma chaminé telescópicaque se retraía sempre que passava sob a Ponte de Londres. Seu trabalho, emtempos de paz, era levar turistas de Londres para a estância balneária deSouthend e até a costa paraClacton e Felixstowe.Equipado comdois canhõesantiaéreos,obarcofoicolocadoemserviçomilitarnoTâmisaantesdereceberordens,natardedeterça-feira,parasejuntaràOperaçãoDínamo.No terceirodia, enquantoCrestedEagle seposicionavano ladomarítimodo

molhe,teveinícioumferozataquedeStukas.Omolheestavarepletodenaviosdepassageiros,destróierese traineirasdepesca.OCrestedEagleestavaancoradoexatamente atrás de outro naviomovido por pás, o Fenella, diagonalmente emfrente a dois destróieres, o HMS Grenade e o HMS Jaguar, e diante de seistraineiras amarradas juntas. Atrás das traineiras havia um grande navio detransporteeumdestróierfrancês.Emgeral,eradifícilumaviãodetectaromolhe,queatépodiasedestacarem

relaçãoaosnaviosnamarébaixaeparecia imponentevistode lado,masdoareraumalinhaquaseinvisível.Naquelatarde,porém,semacoberturadasnuvensoudafumaçaecomgrandesnaviosamarradosaolongodesuaextensão,eraumalvomuitoclaroetentadorparaosbombardeiros.AtaquespróximosaoJaguarodeixaram fora de ação, e suas tropas foram transferidas para outro lugar. OGrenadefoiatingidoporváriasbombas.Elepegoufogo,eforamfeitosesforçosdesesperadospara tirá-lodalie impedi-lodeafundarebloquearumaseçãodomolhe.OGrenadeentrounocanaldoportoefoi,finalmente,rebocadoparaáguasabertasporumatraineira,ondeafundou.VicViner,mestredepraianaval emBrayDunes, assistiu à cena.Seu irmão,

Albert,eraumdosprincipaistelegrafistasnoGrenade,eVinerrecebeupermissãoparacaminharatéoportoecumprimentá-lo.EleviuoataquedeStukasaochegaraomolhee,quandovoltouparaBrayDunesparacontinuarseutrabalho,nãotinhacomosaberoqueaconteceracomseu irmão.Albertsobreviveue,comomuitosdoGrenade,foitransferidoparaoCrestedEagle.Nomeiodoataque,umabombacaiudiretamentenomolhe,fazendoumgrande

buraco.Quaseimediatamente,outroaviãodeuumrasanteparametralharastropasque tinhamescaladodoGrenadeparaomolhe.Nooutro lado,enquanto isso,oFenella,umbarcoavapordepásdemadeiradedesignsimilaraoCrestedEagle,foi o primeiro atingido no convés de passeio, então um ataque próximo atirouconcretodomolheatravésdeseucasco.Umaterceirabombaexplodiunasalademáquinas,eobarcoafundounoancoradouro.

Page 195: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Apesardo caos, o ritmodaOperaçãoDínamo teveque sermantido, e aindahaviabarcosintactosaoladodomolheàesperadetropasparaembarcar.Muitoshomens fugiamdomolhe empânico, desesperados para escapar do perigo.Emseu caminho, entretanto, estava o comandante JamesClouston, umoficial navallevadoaDunkirkparamanteraordem,eotenenteRobinBill,responsávelpelastraineiras de pesca. Clouston e Bill, destacando-se em seus azuis navais etrançadosdourados,conseguiramrestauraraordem,apesarde,para isso, teremquebrandirseusrevólveres.“Viemosparalevá-losdevoltaaoReinoUnido”,anunciouClouston,comtoda

acalma,paraamultidãodesoldadosdecáqui.“Tenhoseisbalasaqui,eeunãosoumauatirador.Otenenteatrásdemiméaindamelhor. Issosignificadozedevocês.” Então ele levantou a voz: “Agora desçam para aqueles malditosnavios!”30AspalavrasdeCloustonpareceramacalmaroshomens.Muitos sevirarame

embarcaram no Crested Eagle, que, mesmo em meio a todo o caos, não foraatingido.AdragademinasHMSPangbourneestavapertodaspraiasquandotambémfoi

atacadaporumaesquadrilhadeStukas.Umsubtenenteabordoselembradeouviruma voz gritando “Busquem cobertura!” antes de perceber que era ele mesmoquem falava.Decidindo que seu conselho era bom, ele se atirou no convés demadeira. Não conseguia distinguir o grito das bombas do grito do avião emmergulho.E,naqueleinstante,omundoenlouqueceu:

Eumelevantei,cambaleante,edeidecaracomumquadrodehorrortotal.Sangueecarneportodaparte;pedaçosgrotescosdecorposmutilados—que,apenasdezsegundosantes,eramhomensqueeuconheciapessoalmente—foramarremessadossobremim...subicomdificuldadeparaondeestavaoatirador,seupescoçoeestômagoabertos,amãoarrancada.Eleaindaestavarespirando,gemendobaixinho.

Quandoosubtenentefoiparaaponte,descobriuquetinhamcaídocincobombasnas proximidades, mas nenhuma os atingira diretamente. O Pangbourne nãosofreradanosgraves.Foiquandoosubtenente limpouo rostoenotouqueamãoestavacobertade

sangue. Ele olhou para baixo e viu que a perna esquerda estava ainda maisensanguentada.Alguémapontouqueapartedetrásdeseucasacoestavafaltando.Retirando o que havia sobrado, descobriu que um pedaço de carne tinha sido

Page 196: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

arrancado.Baixando as calças, encontrou a perna cheia de estilhaços— entãoouviuosomdeStukasvoltando.Porummomento,riudaideiadetersidopegocom as calças literalmente arriadas, antes de ficar confuso. Estava em umacabine... Alguém estava remendando suas feridas... não conseguia ver direito...tinhamuitagentefalandoaomesmotempo...Enquanto isso, ao lado do molhe, o Crested Eagle zarpava. Centenas de

soldadosemseuconvéssuperior,muitosdosquaishaviamsido transferidosdoGrenade, do Fenella e das traineiras danificadas, começaram a aplaudirefusivamente. Enfim estavam indo para casa. Abaixo do convés ficaram osferidos,emvariadosgrausde incapacidade.Ummarinheiroabordose lembra:“Apulsaçãodosmotoreseobarulhodaspásrenovaramnossaesperança,eumabrisafrescaemuitobem-vindasobrouquandopartimosparaaviagemdevoltaaDover.”Com amaré vazante, oCrested Eagle não poderia navegar diretamente para

Dover.Eletevequeavançarprimeiroparaleste,paraleloàcosta,enavegouporum tempo próximo a uma extensão ininterrupta de areia cheia de soldados.QuandoonaviofoiparaMalo-les-Bains,foiavistadoporoutralevadeStukas.Avisão de mais bombardeiros de mergulho foi desmoralizante, mas nãosurpreendente—ascondiçõespermitiamàLuftwaffeseudiamais indulgente,eumvapordepá,comsuasenormesrodasdemadeira,eraduasvezesmaisfácildeseravistadodoquequalqueroutronavio.Osaviõesmergulharam,encontrandooscanhões do Crested Eagle emperrados, e as bombas caíram. Até os brevesmomentos entre ataques eram preenchidos por rajadas de metralhadoras dosatiradoresdastraseirasdosStukas,quearrancavameseafastavam.Nas proximidades estava o HMS Pangbourne. O subtenente ferido estava

inconsciente,masummarinheiroassistiuhorrorizadoquandobombaapósbombacaíam no Crested Eagle, despedaçando-o e o incendiando. O homem viu óleovazando do navio para omar e assistiu soldados de uniformes, completamenteequipados, pulando no fluido viscoso. Alguns se afogaram, outros morreramquandooóleopegoufogo,queimando-osvivos.31UmmarinheiroabordodoCrestedEaglepercebeuquehaviasidoatingidode

novoquando“sentiuonavioestremecercomoseumamãogigantenospegasse”.Enquantoofogosealastrava,eleviuhomenscorrendocomoscorpossempele.Ohomem identificouum tenentequepassavapeloemblemaemseucapacete,masnãopelorosto—ooficialestavairreconhecível.O tenente-comandante Bernard Booth, capitão do Crested Eagle, conseguiu

levar o barco até águas mais rasas perto de Bray Dunes. Pouco antes, outro

Page 197: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

marinheirosaltouparaomar,tendoocuidadodetirarossapatos,enadouacurtadistânciaatéapraia.Umavezemterra,elepercebeuqueapelependiadesuasmãos empedaçosderretidos.Soldados assistiam, espantados, enquantoonavioemchamas se juntavaa elesnapraia—ocascoaindaardeuporhorasdepoisdisso.OCrestedEagleaindaestálá,umapresençaesqueléticachocante,erguendo-se

do mar na maré baixa. Enquanto escrevo, um de seus canhões está a mostra,esperandoserretiradoporum“colecionador”oupelogovernofrancês.Obarcoévisitado por colecionadores de mexilhões e por aqueles que prestam seusrespeitosaoscercadetrezentoshomensquemorreramnaocasião.UmdeleseraoirmãodeVicViner,Albert.Asperdasdenaviosforammuitograndesnaquarta-feirade29demaio.Três

destróieres e outros doze grandes navios foram perdidos.Mesmo assim, foramresgatadosmaisde47milsoldados.Noiníciodaquinta-feira30demaio,72.783homenshaviamsidoresgatados,umnúmeromuitomaiordoqueoprevistopeloAlmirantado. No entanto, naquela noite houve um mal-entendido comconsequênciaspotencialmentedesastrosasparaaOperaçãoDínamo.Porvoltadassetedanoite,aSaladoDínamodeRamsay,noCastelodeDover,

recebeuumtelefonemadeumoficialdaMarinhapresentenoquartel-generaldeLordeGort,emLaPanne.Ooficialera,comoCharlesGoodeve,umdos“fujõeseresmungões” do Almirantado, e fez a chamada sem autorização. O homemexplicou que o porto de Dunkirk estava completamente bloqueado por naviosdanificados e que a evacuação deveria ser realizada inteiramente a partir daspraias.Issonãoeraverdade,enãoestáclarooporquêdachamada.Talvezohomem

estivesseapavoradodevidoaoataqueaomolhe.Umpoucomaiscedo,nomeiodesseataque,aSaladoDínamorecebeuumamensagemconfusaporrádiodeumdestróier,relatandoqueera“impossívelembarcarmaistropas”apartirdomolhe.Nomomentoemqueamensagemfoienviada,issoeramesmoverdade.Levando essas mensagens em consideração, Ramsay decidiu que o molhe

deveria estar fora de operação. No entanto, queria confirmação antes de agir.Pouco antes das nove da noite, ele ligou para Tennant perguntando se o portoestava de fato bloqueado. Tennant respondeu que não, mas a mensagem nãochegou a Ramsay, que então enviou uma mensagem ao almirante Abrial, noBastião 32: “Não consigo entrar em contato com o capitão Tennant. Pode meinformar se ainda é possível que os transportes entrem no porto e noancoradouro?”

Page 198: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Mais uma vez, Ramsay não recebeu resposta. Em vez de correr o risco, eleordenouquetodososnaviosfossemparaaspraias.Durantetodaanoite,comotempoótimoeaLuftwaffequaseausente,apenasquatrotraineirasdepescaeumiateseaproximaramdomolhe.Aoportunidadedeevacuar15milhomens,todosprontosparapartir,foidesperdiçada.Namanhãseguinte,aevacuaçãoprosseguiucomoantes,eosnaviosretornaram

aomolhe.Noentanto,ficaclaro,apartirdessasmensagensequivocadas(eoutrascomo elas), que a comunicação era um dos principais problemas daOperaçãoDínamo. Isto não é surpreendente, dada a natureza apressada de improviso daoperação.Tennantestabeleceraseuquartel-generalemumabrigopertodofimdomolhe. Com ele havia uma equipe de sinalização composta por um oficial, umsuboficiale24sinaleiros.Infelizmente,tinhamtrazidomuitopoucoequipamento,apenasalgumasbandeirasdemãoeumfaroldesinalização,quesóeraútilparasinalizaraosnaviosmaispróximosemalto-mar.No início, as mensagens de rádio de Tennant tinham que ser transmitidas a

partirdaestaçãofrancesanoBastião32oudosdestróieresnomolhe,paraentãoserementreguesaos transmissoresàmão.Alémdisso,elesóconseguia recebermensagensnoBastião32.Em30demaio,Tennantconseguiu seapossardeumtransmissor/receptorMarconiTV5que,emteoria,poderia transmitirporMorseou por voz.No entanto, durante as primeiras horas de sua vida operacional, oaparelhonãoconseguiutransmitir,e,algumashorasdepois,pifoucompletamenteporterareianogerador.A próxima tentativa de Tennant de retificar a situação envolveu o

estabelecimento de uma estação de rádio do Corpo Real de Sinais em umcaminhãopróximoaoBastião32.Istofoimuitomaiseficaz:significavanãomaisterquedependerdealgumumnavio localizadoemumpontoconvenienteoudaboavontadefrancesa.Etambémsignificavaqueosmal-entendidos,comoode29demaio,setornariammuitomenosprováveis.Vale a pena ressaltar que, enquanto Tennant se esforçava para romper a

barreiranacomunicação,oquartel-generaldeLordeGort,emumacasadecampoemLaPanne,tinhaexcelenteligaçãotelefônicaacabocomaSaladoDínamo,noCastelodeDover.Infelizmente,oúnicométododecomunicaçãodeTennantcomLa Panne (ou com qualquer uma das praias) era através de um mensageiromotociclista,então issonãotinhautilidadeparaele.EadificuldadedeTennantdeentraremcontatocomseusgruposnaspraiaserarefletidapeladificuldadedosgruposnaspraiasemcontatarosnaviosemalto-mar.Acomunicaçãosópoderia

Page 199: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

serfeitaporbandeirassinalizadorasoufaróisdecarrosusadoscomolâmpadasdesinalização.Em 30 de maio, Tennant recebeu dois telefones de campo, com os quais

estabeleceuumaconexãocomocomandanteCloustonnomolhe.Osdoisoficiaispodiamestaraumacurtadistância,mas,paraTennant,omolheeraoelementoomaisimportantedaOperaçãoDínamo.Cloustontambémrecebeuumalto-falantepara emitir instruções — o aparelho provou seu valor durante uma pausa naevacuação,quandoocomandanteGuyMaund,assistentedeTennant,usou-oparaexortar as tropas: “Lembrem-se de seus amigos, rapazes! Quanto mais rápidochegaremabordo,maisdelesserãosalvos!”O resultado foi instantâneo.Os soldados dispararam.Em apenas duas horas,

8.528 homens embarcaram em oito destróieres, e mais 5.649 embarcaram emquatronaviosdepassageiros.A visão geral das comunicações na Operação Dínamo revela o

empreendimento improvisado—emuitasvezesmambembe—quede fatoera.Masissodificilmenteéumacrítica:foiumaeventualidadequeninguémesperava.OpovodaGrã-Bretanhaestavaaprendendotomarainiciativaeimprovisar,eosresponsáveis por seu futuro estavam fazendo o mesmo, só que em uma escalamaior.EcomoaDínamoeraumimproviso,interessesconflitantestendiamasurgir.O

Almirantado, preocupado com a perda de tantos destróieres em um único dia,ordenouqueseusoitodestróieresmaismodernosfossemretiradosdaevacuação,em29demaio.AssimcomooComandodeCaçasdaForçaAéreaRealtemiaaperdadeseusSpitfireseHurricanes,oAlmirantadotemiaaperdadeseusnaviosmaispotentes.Para Ramsay, porém, isso foi um desastre. Ele ficou com apenas quinze

destróieresàdisposição,eestesnavios foramabasedaOperaçãoDínamo.Aofimdaevacuação,teriamtiradoquase30%detodasastropasresgatadas—maisdoquequalqueroutrotipodenavio.Porsorte,adecisãofoirevertidalogonodiaseguinte,devolvendoosdestróieresmodernosparaaplenatarefadeevacuação.Osdestróieres,desenvolvidospelaprimeiraveznofinaldoséculoXIX,eram

navios rápidos e fortemente armados, bem adaptados à Operação Dínamo —emborasuavelocidadeetamanhocausassemdificuldadesaosnaviosmenoresnocanallotado.LadyBrassey,umrebocadordoportodeDover,quasefoiatingidoporumdestróierque rumavaparaa Inglaterraaumavelocidadedemaisde55quilômetrosporhora.Ummarinheiroabordotestemunhouastropasencharcadas

Page 200: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

edesamparadasnoconvésdianteiro,inundadoporondasenquantoseguiaadiante,ignorandotudoaoredor.Emgeral,algoentreseiscentosesetecentoshomenseramamontoadosemum

destróier,mashámuitosrelatosdetravessiasfeitascommaisdemilsoldadosabordo. Alguns capitães deliberadamente jogaram fora os torpedos e cargas deprofundidadeparapegarmaishomens.OcabomarinheiroErnestEldredrelatousobre soldados amontoados em cada centímetro de espaço noHMSHarvester.Estavamnoconvéssuperiorenorefeitório,nasalademáquinasenafornalha.“Oúnico lugar onde não tinha gente era ao redor das armas”, contou.O destróiertinhaquesedefender,afinal,etambémpoderiaterquedispararcontraasbateriasinimigasnacosta.Assim,osdestróieres estavam tãopesadosqueamarébaixaapresentavaum

problema,particularmentequandooequipamentodebuscadeprofundidadedeumnavio falhava — como aconteceu no HMS Sabre. A solução do capitão foicolocarummarinheirodecadaladodoconvéspara“balançarochumbo”—istoé, jogar uma linha presa a uma peça de chumbo na água para medir aprofundidade.Osmarinheiros anunciavam a profundidade em braças— “Mark5!”—, exatamente como os marinheiros no Mississipi tinham feito no séculoanterior.32MuitossoldadosvoltaramparacasaemnaviosdaMarinha(dragasdeminase

destróieres),masumnúmeroigualmentegrande—maisdeumquartodetodososresgatados—foramlevadosemnaviospessoaisdecivis,queincluíambalsasdepassageiros,balsasdecarros,grandesbarcosdepasseio(comooCrestedEagle),schuits holandeses (barcos de fundo plano, projetados para vias fluviaisholandesas)e inúmerasvariedadesdenaviodepassageirosecarga.Vinteeramnaviosavaporde travessiadocanalebarcosdecargapertencentesàSouthernRailway, cinco dos quais foram perdidos. Eles podiam levar um númeroextraordinário de soldados. No fim da evacuação, a balsa da ilha de Man, oTynwald,saiudomolhecom3milsoldados.Anthony Irwin navegou para casa a bordo de outra balsa da ilha de Man.

Quandoonaviofoibombardeadoapartirdacosta,umoficialcomeçouagritarpara que todos se movessem para o outro lado. “Os homens, que já estavammolhandoascalças,perderamqualquerresquíciodecontrole”,relatouIrwin.Porsorte, alguns membros mais equilibrados do Regimento Real de Tanques oscontrolaram,enquantoumcapelãodoExércitobatianacabeçadooficialhistéricocom uma vara de chumbo. Assim que a ordem foi restabelecida, seisMesserschmitt110voaramsobreonavio,metralhandoosocupantes.Orescaldo

Page 201: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

dacenanoconvésfoihorrível:aoladodapassarelahaviaumapilhadecorposcomcercade2,5metrosdealtura.Irwineoutrospuxaramosmortosparalongeetentaram ajudar os feridos.Um cabo tanquista, com dezesseis balas no peito eestômago, recusoumorfina, dizendoque ainda tinhamuitooque conversar.Elemorreutrêshorasdepois.Haviamuitomaiscaoscorriqueironosgrandesnavios.Ocozinheiroabordo

do Medway Queen lembra de um tumulto às portas da cozinha, e uma súbitacorreriadesoldadosempurrandolatasepanelasemsuadireção,todosesperandoparaseremalimentados.“Nãoeramhomenscomfome”,dizele.“Eramanimaisfamintos,amaioriacomfomedemaisparaqualquerresquíciodeeducação.”No entanto, a cortesia e a gentileza também eram evidentes. O capitão

HumphreyBredin embarcou em uma balsa da ilha deMan ancorada nomolhe.Parasubirabordo,tevequepassarporcimadeumhomemmortonapranchadeembarqueenquantobombascaíamaoredor.Quandochegouaoconvés,encontrouumcantoeláseinstalou.Umpoucomaistarde,ficousurpresoaoverumhomemdecasacobrancoinclinadosobreele.—Vocêécomissáriodebordo?—perguntouBredin.—Sim,senhor—respondeuosujeito.—Possofazeralgumacoisaporvocê?—Bem,poderiametrazerumcopodecerveja?—Mas é claro. Mas o senhor conhece as regras? Não posso lhe fornecer

álcoolatéestarmosa5hectômetrosdacosta.Depoisqueonaviosaiudoalcancedasleisdelicenciamento—oudosStukas

—, o comissário levou a cerveja para Bredin. “Como poderíamos perder aguerra”, perguntou ele, ao relembrar o ocorrido “com pessoas como essas aonossolado?”Os comissários de bordo, vale notar, não eram apenas homens. A bordo do

navioDinard,daSouthernRailway,quesetornaraumnavio-hospital,estavaAmyGoodrich,de59anos.E,novaporParis,tambémdaSouthernRailway,estavaasra. Lee, uma limpadora de transporte ferroviário de Brighton. Depois que oParis foibombardeadoeafundado,em2dejunho,asra.Leefoimetralhadanaáguaeresgatadaporumbotesalva-vidas,apenasparaserjogadanovamentenaáguaquandooutrabombacaiuaoseulado.Depoisdemaisumahoraemeianomar, ela foi puxada a bordo de uma traineira e finalmente levada de volta aDover.Comela,tambémfoievacuadaGladysSeeley,umafreiraenfermeiraquehaviasidogravementeferidaporestilhaçosemumbotesalva-vidasadjacente.Os navios-hospitais tinham cinco ou seis irmãs QUAIMNS33 trabalhando a

bordo.“Trabalhavamcomotroianos”,escreveuocapitãoJohnWhite,médicono

Page 202: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Isle of Guernsey, acrescentando que além de tudo as freiras facilitavam seutrabalho,jáquenãoprecisavamserinformadasdoquefazer.Todavia,astarefasforam muito dificultadas pelos ataques implacáveis da Luftwaffe. Os navios-hospitaisforampintadosdebranco,comgrandescruzesvermelhas,masissonãodeteveosalemães—pelocontrário,pareciaatraí-los.Emseudiário,Whitesequeixavadequeascruzesvermelhasestavamfazendodosnavios-hospitaisalvosfáceis.“Porquenãonospintardecinzaecolocararmasabordo?”,escreveu.OIsleofGuernseyfoiatacadoenquantoestavaatracadonomolhe.Àmedida

queasbombascaíamaoseuredor,eleembarcoumilhomens,dosquais490eramcasos de maca. No caos, White notou homens aptos escalando a bordo, masdecidiunão interferir.O IsleofGuernseynavegavacomcadacamacheia, eosandares, passagens, salão de jantar e cabines cheios de macas. Ao lado dosfisicamenteferidos,haviahomensquesofriamdechoque,“cujoscérebroshaviamentrado em colapso após dias e noites de tensão, privação e terror”. Esseshomens foram colocados em uma cabine protegida e receberam injeções desedativos.Alguns navios-hospitais não conseguiram chegar perto do molhe devido ao

bombardeio. Josephine Kenny, uma irmã a bordo do St. Julien, viajou paraDunkirkemseisocasiões,masfoiincapazdealcançaromolheemquatrodessasviagens. “Todos nos sentimos desamparados e deprimidos nas viagens vazias”,escreveu.“Umgrandecontrastecomaalegriasentidaquandocadacentímetrodeespaçodoconvés ficacheiodesoldados terrivelmente feridos.”Suaspalavras,uma estranha confusão de exultação e miséria, parecem refletir os extremosintensosdaOperaçãoDínamo.O Isle ofGuernsey, entretanto, foi responsável por resgatar o oficial de voo

KenNewtondomar.NewtonerapilotodaRAF,etinhasaltadodeseuaviãoapósum combate aéreo. Como o personagemCollins, no filme, ele foi ajudado pormarinheiros,queacabarammortosporaviõesalemães,metralhando-osenquantose inclinavamsobreabeiradaparapuxarNewtonabordo.Umrelatosobreumnavio-hospital sendo metralhado enquanto ajudava um aviador abatido ésuficienteparadissiparqualquersuspeitadequeHitlerestavapermitindoqueosbritânicos escapassem.Histórias como essa deixam pouca evidência de pontesdouradassendoconstruídasemmaioejunhode1940.Havia, no entanto, alguns soldados que conseguiram fazer o que Tommy e

Gibson tentam fazer no filme — levar uma maca a bordo de um navio epermanecer láparaavoltaparacasa.OcaboCharlesNash,doCorpoRealdeServiçodoExércitoestavatransportandomacasparaomolhequandoumpolicial

Page 203: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

militargritou:“Aqui!Temosespaçoparamaisalguns!Quemquersubirabordo?”Nash subiuemumbarcodepesca, e algumashorasdepois estavaemcasa.Noentanto,transportarmacasfoiumtrabalhodifícil—sobretudolevandoemcontaos danos sofridos pelomolhe. Osmembros da Infantaria Ligeira doDuque deCornwall foramencarregadosde levarumacentenadeestojosdemacasparaacorvetaHMSKingfisher.ComoTommyeGibson,tiveramquecarregarasmacasatravés de uma prancha estreita que atravessava um grande buraco no molhe,mesmoenquantoobombardeiocontinuava.Nanoitedequinta-feira,30demaio,WilliamTennanteFredericWake-Walker

jantaram no quartel-general de Lorde Gort, em La Panne, em uma moradiadescritaporWake-Walkercomoumacasapretensiosacomvistaparaomar.34OshomensdividiamaúltimagarrafadechampanhedeGortecompletaramarefeiçãocomsaladade frutasenlatada.Wake-Walker ficou furiosocomocomentáriodeGort de que, enquanto o Exército fora bem-sucedido em se retirar intacto, aMarinhanãoestava fazendonenhumesforçoparaajudá-loaescapar.Ele tentousublinhar as dificuldades envolvidas, mas foi interrompido pelo general debrigadaOliverLeese,quefalouda“inépciadaMarinha”.Wake-Walkernãopôdefazermuitomaisdoqueenraivecer.Comjáváriosdiasdeevacuação,aindanãohaviasinaldemilagre.

23 Uma ocorrência regular (ou irregular), que muitas vezes causava problemas; basta lembrar de EdwardWatson,emCalais.[N.T.]24Ofilmenãoapenasmostraexperiênciasdiferentes,mastambémamesmaaçãoexperimentadadeformadiferenteporváriospontosdevista.[N.T.]25Adjacenteaoatual(eextremamentenostálgico)MuseuDunkirk1940.[N.T.]26EssesdoisnaviosforamoMona’sQueeneoGrive.27“Desmagnetizar”,eminglês.[N.T.]28“Descontaminação”,eminglês.[N.T.]29Pelomenosatéotrilhodeproteçãoserretiradoemalgunspontosparafacilitaroembarque.30Cloustonestariamortoempoucosdias,afogadoquandoseubarcodaRAFfoiatacadoporStukas.31 Uma cena similar é encenada no filme, quando um bombardeiro Heinkel cai em umamancha de óleo.[N.T.]32MarkTwain,autordeTomSawyereHuckleberryFinn,escolheuseupseudônimocomohomenagemaosgritosdosmarinheiros.“Twain”,noinglêsarcaico,éumaformadedizer“dois”.33QueenAlexandra’s ImperialMilitaryNursingService[ServiçodeEnfermagemMilitar ImperialdarainhaAlexandra].34Acasafoidemolidarecentemente.

Page 204: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

N

Nove

Ummilagre

OFIMDAQUINTA-FEIRADE30demaio,ototaldehomensevacuadoserade126.606—quase trêsvezesmaisdoqueoprevistopeloAlmirantado.A

últimanotíciadoperímetro,aindamantidopormilharesdehomensdaretaguarda,era que provavelmente aguentaria por mais 48 horas. A baixa visibilidadeocasionara em uma pausa da Luftwaffe, e o dia tinha visto, pela primeira vez,maistropasembarcadasdaspraias(29.512)doquedomolhe(24.311).Decertaforma,aspraiaseramomelhorlugarparaseestar.Aareiatinhaum

efeito curioso sobre as bombas.Ao cair sobre uma superfície dura, as bombasgeravamestilhaçosquesedispersavam,easlesõeseramgravesegeneralizadas.“Mas,indoparaaareia”,contouJohnWells,umartilheiroantiaéreoabordodoPrincessa, “havia umbaque, que cobria seu corpo de torrões de areia... e só”.Arthur Lobb, do Corpo Real de Serviço do Exército, relatou uma bombaexplodindo na areia como uma experiência estranha, causando um lentomovimentodeterranosubsolo.Istonãosugerequeaspraiasfossemumambienteseguro.Muitoshomensforam

mortosporbombasna areia, e, como relatouRobertHalliday,dosEngenheirosReais,eradifícilencontrarabrigodeumaaeronaveatacante.Eescapardaspraiastambémera difícil, já quemuitas vezes não se via barcos chegando.Em30de

Page 205: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

maio,osargentoLeonardHoward,dosEngenheirosReais,entrounaáguacomaesperança de conseguir embarcar, mas logo desistiu. Nenhuma embarcação seaproximava.Quandoosbarcoschegavam,ossoldadosmuitasvezeslutavamentresi, competindo para embarcar.QuandoArthur Joscelyne trouxe sua barcaça doTâmisaparapertodacosta,nomesmodia,astropascorreramparasubirabordo.“Podíamostervirado”,relatou.EntãoumoficialdaMarinhalevantou-se,naproa,sacou o revólver e ameaçou atirar em qualquer um que embarcasse sempermissão. Como crianças à espera de um adulto para assumir o controle, ossoldadosseacalmarameembarcaramdeformaordenada.“Estavamemtalestadode cansaço que apenas deitaram em qualquer lugar e dormiram”, contouJoscelyne.Leonard Howard assistiu a uma situação similar escalar a níveis

surpreendentes.Umpequenobarcochegouàcosta,eastropasseempilharamneletãodesesperadamentequepareciaqueaembarcaçãoiavirar.Umsoldadoagarroua popa, desesperado, e o marinheiro encarregado ordenou que a soltasse. Osoldadocontinuousegurando,entãoomarinheirodeuumtiroemsuacabeça.NaopiniãodeHoward,eraacoisacertaafazer,pormaishorrívelquefosseassistir.“Apraiaestavaumcaostãograndequenãopareciaumaatitudeforadecontexto”,contou.Este não é um relato isolado, e a maioria dos exemplos parece envolver

homens levados pelas circunstâncias a extremos de comportamento. As tropasestavam vivendo uma provação extraordinária, até mesmo o detalhe incidentallembrava-lhes de seu possível destino. Na quinta-feira, no mesmo dia em queLeonard Howard assistiu ao homem ser baleado, Colin Ashford, da InfantariaLigeiradasHighlands,lembra-sedetervistooscorposdedezenasdejovensnapraia à beira-mar. “Estavam ali, todos jogados em posições diferentes, algunsainda segurando seus rifles.Eram centenas deles.Até onde a vista alcançava.”Ashfordacreditaquetinhamvindodeumvaporderodaafundadoaliperto.Naslembrançasdeoutrohomem,oaspectomaisperturbadordaevacuaçãoeraavisãodesoldadosmortosnaágua,balançandoaosabordamaré.Acenaéreimaginadanofilme,quandoumpersonagemempurratranquilamenteumcorpoparalonge.Igualmente perturbadores foram os incidentes de malícia premeditada. Um

oficial conseguira segurarumbarcoa remoe ficouali, comáguaaté a cintura,guardando-o, esperando seus homens chegarem. Antes de eles aparecerem, ooficialfoiemboscadoporumgrupodesoldadosarmados,quetomaramobarco,sorrindo,enquantooempurravampara longe.É importante lembrardehistórias

Page 206: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

comoessa.Omundo inteiroestavanestaspraias, tantoomaucomoobom,eahistórianãopodeignoraressefato.No entanto, para pelomenos umoficial, a situação era bastante diferente.O

capitãoGeorgeLedger,daInfantariaLigeiradeDurham,estavanafilanapraia,em1odejunho.“Davaparaimaginarquenuncatinhahavidoguerra”,contou.Elenão viu nenhuma desordem, embora tenha notado que, quando um aviãosobrevoouaárea,ossoldadoscorreramdas filasparaaproteçãodasdunasdeareia.É certamente verdadeiro que a organização melhor gerava comportamentos

melhores emais confiantes.VicViner, de 23 anos, era ummestre de praias daMarinha,enviadoaBrayDunespara“criarordemapartirdocaos”.Seutrabalho,executadosimultaneamenteporoutros,acimaeabaixonaspraiasquilométricas,eramanter o controle deuma fila dehomens.Ele recebeu instruçõesdeusar orevólversealguémcomeçasseasecomportarmal—“Atireparamatar,filho!”Viner encontrou problemas em sua fila quando um oficial saiu e começou a

gritar:—Eusoucapitão!Mereçopassarnafrente!—Fiqueondeestá!—retrucouViner.—Comquemvocêpensaqueestáfalando?—gritouooficial.Aestaaltura,Vinertinhasacadoorevólver,eumsargento-morofereciaalguns

conselhosaocapitão:—Droga!Façacomoeleestálhedizendo,senhor,ouvaimorrer!O oficial olhou para Viner, e Viner olhou para trás. A fila inteira estava

olhando.Porfim,ooficialrecuouevoltouaolugar.Duas vezesmais, Viner foi forçado a sacar a arma,mas, como ele diz, “os

homensestavamemchoqueequeriamvoltarparaaInglaterra”.Duranteosdiasemqueestevenapraia,Vinercontouqueninguémemsua fila tevequeesperarmais de três dias para encontrar um navio — embora às vezes tivessem quepassar até dez horas com água até o peito. Em alguns momentos, o mar ficouagitado, eosbarcosnãopodiam levar soldadosabordo.OsStukasgeralmenteatacavamduasoutrêsvezesaodia,emborapudessematacarmais.Vineradmitequefoimaisafortunadodoquehomensemoutrospontosdoperímetro,poisBrayDunesnãoestavasendobombardeadaporcanhõesalemães.HáumaimagemqueaindaassombraViner:

Tantosdelessesuicidaram.Elesentravamnaágua,eeuoschamavaparavoltar,maselessórespondiam:“Não,euestouindo!”.Quandoeuperguntava

Page 207: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

aondeiam,arespostaera:“Vouparacasa.AInglaterraélogoali.”Eusempredizia:“Eusei,masvocêvaiseafogarseformaisfundonessaágua...”,maselessimplesmenteiam...Estavamexaustosedesmoralizados.Voulevarissocomigoparasempre.

EstahistóriafoitãosignificativaparaChrisNolanqueeleacolocounofilme.Eéconfirmadaporoutros.LeonardHowarddescreveuoshomenscorrendonaágua,oprimidos pela experiência das praias. “Os homens estavam sob uma terrívelpressão,enãohavianadaquesepudessefazerporeles.”Àsvezes,esseshomenseramvistosnadandoparalonge.Abordodeumbote

salva-vidas emalto-mar, as tropas avistaramumcompanheiro soldadonadandoparaaInglaterra,levandoquasetodoopesadoequipamento.Vendoobotesalva-vidas,osoldadocomeçouagritarporsocorro.Astropasimploraramaocapitãoque o apanhasse. Mas o capitão recusou, explicando que, se voltasse, estariaarriscandoasvidasdetodosabordo.Osoldadofoideixadoàprópriasorte.Emboraasfilasnapraiaaumentassemaschancesdeumsoldadoserresgatado,

nemtodomundoqueriasejuntaraelas.EnquantoRobertHallidayconstruíasuajangada de tábuas de assoalho dos caminhões abandonados, toda sorte deatividades estavam acontecendo nas praias. George Wagner, um jovemEngenheiroRealapaixonadopeladança,lembraamaioriadaspessoasqueficavaapenas deitada nas dunas, passando o tempo. Ele próprio encontrou umamotocicleta, quedirigiadeum ladoaoutronapraia.ColinAshford,umartistaentusiasmado,desenhouoesboçodeumdestróieralinacosta.35Ao invésdesejuntaraumafila—“Eunãoviasentidonaquilo.”—,NormanPriorpassouseutempoajudandoosoutrosaempurrarpequenosbarcos, jácarregadosdetropas,afastando-osdaságuasmaisrasas,ondearriscavamficarencalhados.A coisa mais produtiva que qualquer soldado poderia fazer era ajudar a

construir um dos píeres de caminhões, outro bom exemplo de improvisaçãoforçada.Nãoestáclarodequemfoiaideiaoriginalmente,masnãohádúvidadeque o primeiro foi construído em Bray Dunes no dia 30 de maio. Caminhõesabandonados foramconduzidos atéo litoral, onde eramenchidos comsacosdeareia e os pneus eram retirados. Eles foram amarrados juntos, frente com atraseira, e tábuas foram colocadas em seus tetos, formando uma passarela.Quandoveioamaré,acorrentedeveículosseestendeumaradentro.Pelomenosdez destes píeres foram construídos, alguns equipados com trilhos ao longo dapassarela,e,comoresultado,ataxaderesgateaumentoudrasticamente.36

Page 208: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Um comportamento surpreendentemente tocante foi observado nas praias,quando homensmais velhos aconselhavam os nervosos camaradasmais novos.“Sabíamos da provação que essesmeninos de pouca fibra estavam passando”,escreveu um suboficial, “por isso os ajudamos o quanto pudemos”. Um velhosargentogrisalhofoiatévistoaninhandoumjovemcomacabeçaemseunocolo.Inevitavelmente,haviaumagrandequantidadedemedo,ansiedadeeabsoluta

estranheza.Umoficialaterrorizadofoivistocolocandoumarolhadechampanheentreosdentescadavezqueumaviãoseaproximava.Eleexplicavaque,seumabombacaísse,aquiloofariasentirmenospressão,poismantinhasuabocaaberta.Eomedomuitasvezeslevavaàoraçãofervorosa.Algunsrezavamemparticular.George Purton, doCorpo de Serviço do Exército Real, não era religioso,masorou:“Porfavor,Deus,meajude!”Outrosparticiparamdeserviçosorganizadosnas praias. Norman Prior cantava um hino quando uma aeronave começou ametralharacongregação.“Eunãoseioqueaconteceucomopadre”,contouPrior,“masnósnosespalhamos,eosmaislentosforamalvejadoseacabarammortoseferidos”.Algunsdesistiramdetentarfugir.Conhecidoscomomoradoresdasdunas,esses

homensfaziampequenascasasnaareia,cavandoburacosecobrindo-oscomferrocorrugado e peças e pedaços recuperados. De várias maneiras, as pessoastentaramnegararealidade.Ahabitaçãonasdunaseraumcaminho,aloucuraeraoutro — o suicídio era um terceiro. Chegando às praias, Patrick Barrass doRegimentodeEssexencontrouumquartométododenegação: tendodescobertoumaambulânciaabandonadanaareia,subiunela,deitou-seedormiu.“Deixeiobarulho da guerra lá fora”, contou. As praias eram o interior de uma toca decoelhodignadefantasias,porondeoExércitobritânicotentavafugir—senãodevoltaparaaInglaterra,paraqualqueroutrolugar.Umacaracterísticanotáveldaretiradaedaevacuaçãofoiaformaçãodeuma

meritocraciaondealiderançanaturaleaforçadapersonalidadelevouamelhorsobre patente e hierarquia. Todos tinham sido reduzidos a uma condição físicasemelhante, usavamuniformes semelhantes, comiamcomida similar e tinhamasmesmasperspectivasdesobrevivência.EmnenhumlugarissoficamaisclarodoquenoencontroentreumsoldadoeogeneralHaroldAlexander,comandanteda1aDivisãodeInfantaria.— Você parece um grande mandachuva! Talvez possa me dizer onde

conseguimosumbarcoparaaInglaterra?—perguntouosoldado.Alexanderpensouporummomento,apontouedisse:—Sigaaquelebando,meufilho!

Page 209: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

—Obrigado,meuchapa—respondeuosoldado.—Vocêéomelhoramigoquejátiveem200quilômetros!NaterradedesgovernodeDunkirk,osoldadosentiu-seencorajadoafalarcom

Alexander como um igual. E, como Alexander possuía confiança e um ar deautoridadenatural,elefoicapazderespondersemsesentirameaçado.Muitosoficiais,noentanto,erammenosformidáveis.Comaordemnaturaldas

coisas posta de lado, Dunkirk expôs sua falta de substância. George Purtonrecusou-se a obedecer às instruções de umoficial. “Normalmente eu teria sidomandadoparaumacortemarcial”,contou,“masissonãoaconteceu”.Podenãoterdurado muito tempo, mas, por um período, dentro do perímetro, as regrashabituaissimplesmentenãoseaplicavam.Apesar de toda a estranheza e o perigo que corriam, será que é possível

afirmarqueossoldadosdaForçaExpedicionáriaBritânicaestavamassustados?GeorgeWagner afirma não ter sentidomedo. “Eu sempre tive a sensação de

que iria chegar em casa”, contou. Já Ted Oates era extremamente filosófico:“Quando eu estava nas praias, lembro-me de pensar: ‘Bem, se for feitoprisioneiro,tereiumachancedeaprenderalemão’”,contou.ArthurLobbexperimentouumaansiedadetensa,umasensaçãodequepoderia

nãosobreviver.GeorgePurtontambémseperguntoucomodiabosiaescapar.VicViner, que esteve nas praias mais tempo do que ninguém, admite ter ficadoaterrorizadotodavezqueumStukaseaproximava—vinteanosdepois,tudoveioà tona sob a forma de um colapso nervoso. E o marinheiro Stanley Allen,servindonoHMSWindsor,queteveachancedeobservarossoldadosdeperto,começouasuspeitardequeDunkirkmarcouofimdoestilodevidabritânico.Levando em conta estes sentimentos e as condições prevalentes, é um

testamento para o otimismo, para o espírito de luta e para a determinação dossoldadosquesuadisciplina tenhasemantido tãobem.Mas tudo isso teria sidoinútilseosbarcosenaviosnãoestivessemdisponíveisparatransportá-losparaaInglaterra.Na sexta-feira 31 de maio, o sexto dia da Operação Dínamo, o público

britânicosoubedaevacuaçãopelaprimeiravez.Asmanchetesdosjornaiseramimplacavelmenteotimistas.“DEZENAS DEMILHARES JÁ ESTÃO EM CASA—MUITOSMAISCHEGAMDIAENOITE”,alardeavaoDailyExpress.OeditorialdoDailyMaildizia:

Hoje,nossoscoraçõesestãoaliviados.Hoje,nossoorgulhopelacoragembritânicaestámisturadoàalegria.Orgulhamo-nosdamaneiracomooshomens

Page 210: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

denossaraçaseportaramduranteagigantescabatalhadooutroladodocanal.NósnosregozijamosporumaparteconsideráveldoExércitobritânicoterescapadodoquepareciadestruiçãocerta.

Masoscoraçõesbritânicosestavamrealmentealiviados?Umexamedasfontesdo Mass Observation revela uma imagem mais matizada e interessante. Orelatóriodomoralgeralpara1odejunhorelataqueaspessoasforamencorajadaspelanotíciadaevacuação,masnãoeraumasensaçãodamaioriaesmagadora:

Aspessoasnãosabemmuitobemoquefazercomasituaçãomilitar,masachoquedevemosconsiderarissocomoumaderrota.Háumatendênciasubjacentedesentimento,noentanto,dequeissovainosdespertar,entãorealmentemostraremosaosalemãescomoéanaçãobritânica.

Aqui podemos ver que a criação espontânea do Espírito de Dunkirk é umamanifestaçãodoalíviodopovo.Nãoprecisavaserimpostadecima—eissoésublinhado por uma nota enviada pela Mass Observation aos ministros dogovernonodiaseguinte,afirmandoqueamaioriaesmagadoradopovobritânicoapoiava a guerra de todo o coração e estava ansiosa para permanecer em luta.“Mas só será mantida assim por uma liderança ousada e um uso vigoroso eimaginativodapropaganda.”Emoutraspalavras,opovobritânicoestavafabricandoseupróprioespírito,e

otrabalhodogovernoerafomentá-lo,incentivá-loemoldá-lo.FoinessecontextoqueChurchillpronunciouseudiscursoequeJ.B.Priestleyrealizousuafalanorádio,nosdiasseguintes.Masnãosedevepensarqueopaíssentiaouagiauniformemente.Orelatório

do moral de 1o de junho enfatiza que, embora as notícias da evacuaçãoencorajassem o público, os relatórios também estavam causando ansiedade. Adetentora de um diário do Mass Observation, uma mulher de 32 anos deBirmingham,seviuincapazdepensaroufalarsobrequalqueroutracoisaalémdaevacuação.Umaamigatinharecebidoumcartãopostaldeseuirmão,queacabarade retornar da França, dizendo que ia lhe contar “como Hitler acabou com aBEF”.Adonadodiárioescrevequenãocostumavachorar,masestavachorandoo tempo todo desde que soubera do destino do Exército. No entanto, elaacrescenta: “Todo mundo está ao mesmo tempo alegre e abatido. Eles têmespasmosmomentâneosdedúvida,masissonãoosdeixaminfelizes.”

Page 211: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Elaestavaextremamentetemerosadeumainvasãoalemã.Sentiaqueamaioriatinhapoucaideiadoqueissorealmentesignificaria—acarnificina,aagitaçãoeo terror que causaria. Tinha passado o dia ponderando, e sabia que algodesagradável estava para acontecer. Era como se estivesse esperando visitar odentistaparaumaextração.Suas palavras e sentimentos conflitantes, variando entre medo, coragem

forçadaebanalidade,oferecemumsentidovívidodoperíodo.Éassimquevocêeeu nos comportaríamos. Poucos dias depois, como os soldados na praia, elaestava escapando para seu próprio esconderijo: “Se eu me preocupar e medesesperar,sóvaidesgastarmeusnervos,entãocrieiumvazioemminhamente,nolugardaguerra.”Mas, como grande parte da população britânica, ela tentou canalizar seus

medos de maneira mais produtiva. “Gostaria de me envolver em trabalhos dedefesalocal,oualgoassim”,escreve.Istoadicionapesoaorelatóriodomoralde1o de junho, quando observa que o povo parecia “disposto a fazermuito paraajudar na guerra”. A onda de voluntariado havia começado, aquela unidadeespontâneaquelogouniriaopaíseomudariaparasempre.NaGrã-Bretanha,enquantoastropassofriamnaFrançaenaBélgica,podemos

observar o nascimento do Espírito Dunkirk como uma reação ao medo e umaalternativaàfuga.Parasobreviver,noentanto,omedoteriaqueserequilibrado—eimpulsionado—pelaesperança.DevoltaàFrança,nasexta-feira31demaio,LordeGortentregouseucomando

aoimpressionantegeneraldedivisãoAlexanderevoltouparaaGrã-Bretanha.37Gortdesejavapermaneceratéoamargofim,masChurchillnãopermitiria:podiaimaginarcomoamáquinadepropagandadeGoebbelsteriaexploradoacapturadeGort.OchefedaForçaExpedicionáriaBritânicaseriaexibidoemdesfilenafrente de câmeras cinematográficas nazistas e fotografado com aparênciahumilhadaaoladodeHitler.Aperspectivaeraintolerável.Entretanto,ascondiçõesemDunkirk,em31demaio,nãoestavamfáceis.Um

ventofrescocausavaumaressacaconsiderávelnomar,masomaiorproblemaeraaescassezdebarcos.Emboranúmerossignificativosestivessemchegandodesdeodiaanterioreofatodequase30milsoldadosteremsidoretiradosdaspraiasnaquinta-feira,havianecessidadedemuitasoutrasembarcações.Demanhãcedo,ossoldadossópodiamolharparaosnaviosdaMarinhaecivisvaziosemalto-mar.Parapiorar,umbombardeiodeartilharianomolheenviavaaindamaisnaviosdepassageirosparaaspraias.Masasituaçãoestavaprestesamudar.

Page 212: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Estasexta-feira,31demaio,foiodiaemquenasceualendadeDunkirk.Foiodia em que aArmada de fato chegou.Uma procissão de navios de cabotagem,lanchas, batelões, barcos salva-vidas, barcaças, cargueiros, traineiras, barcos amotor,pesqueiros,veleiros,barcosdecombateaincêndios,rebocadores,iatesesabe-seláoquemaisdeixouRamsgateefezseucaminhoparaDunkirk.Alinhadebarcosseestendiaporquase8quilômetros.ParaFrederickEldred,abordodoHMSHarvester,foiumavisãofantástica.“Eraquaseumacenadeférias”,contou,“com todo tipo de barco flutuando”.O tenente aviador FrankHowell, do 609oEsquadrão, voou baixo logo acima deles.38 Em uma carta a seu irmão, eleescreveu: “O tráfego entre a Inglaterra eDunkirk era umavisão e tanto.Nuncamaisvereitantosnaviosdetamanhoseformasdiferentessobreummesmotrechodeágua.”Os navios não apareceram por magia. A possibilidade de que fossem

necessários para algum propósito já era estudada havia duas semanas,inicialmente por sir Lionel Preston, chefe de um obscuro departamento doAlmirantado conhecido como Reserva de Pequenas Embarcações. Em 14 demaio,oalmirantePrestonhaviacolocadoumitemnasnotíciasderádiodaBBC(e em uma revista de iates) ordenando aos proprietários de embarcações depasseio autopropelidas de determinado tamanho para enviarem suasespecificações ao Almirantado dentro de duas semanas — foi o início darequisiçãodeiatesebarcosamotor,masnãotinhanadaavercomaevacuaçãode Dunkirk. Na época, Preston estava procurando barcos para vários fins dedefesadoméstica,incluindoavarredurademinasmagnéticas.À medida que os dias se passavam, a perspectiva de uma evacuação a

princípio quase inviável tornou-se possível — e, em seguida, provável. Aperspectiva se consolidou, e o almirante Ramsay tornou conhecido que serianecessário um grande número de barcos para uma evacuação das praias deDunkirk. Em 27 de maio, no dia seguinte ao início da Operação Dínamo, anecessidade tornou-se urgente. Mas selecionar a partir das especificaçõesenviadas em resposta à transmissão da BBC foi demorado. Em vez disso,decidiu-se selecionar os navios diretamente dasmarinas ao longo doTâmisa eestuárioscosteiros.DouglasTough,daMarinaToughBrothersemTeddington,foiautorizado pelo almirante Preston a requisitar todos os barcos que achasseadequados.Algunsjáestavamemsuamarina,outrosforamencontradosemsuasviagens pelo rio. Alguns proprietários ficaram felizes em abrir mão de seusbarcos, outros resistiram inutilmente.Umhomem, convencidodeque seubarcoestavasendoroubado,perseguiu-oatéoTâmisaechamouapolícia.

Page 213: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Nofimdascontas,Toughreuniumaisdecembarcosemseudepósito,eoutrosdonos demarinas e construtores de barcos fizeram omesmo. Enquanto isso, opessoal do almirante Ramsay estava ocupado encontrando barcos em outroslugares,desdeembarcaçõesdedesembarquedeassaltoatébotesdesalvamentode transatlânticos. Os barcos foram esvaziados do que não fosse essencial erebocadosatéSheerness,ondeestavamastripulações—geralmentemembrosdaMarinhaReal—,queassumiramseucontroletemporário.39Oresultadoinfelizfoique muitos proprietários compreensivos que cederam suas embarcações foramimpedidosdelevá-losparaaFrança,enquantoaposentadosoupessoaldareservadaMarinha,nãofamiliarizadoscomospequenosbarcos,foramenviadosemseulugar.Osresultadosforamprevisíveis:muitosdosbarcossucumbiramporfalhasdemotor,enquantooutrosafundaramnosbaixios.Nanoitede28demaio,outroapelo foi transmitido pela BBC, desta vez para que civis com conhecimentomarítimoseapresentassem.OAlmirantadoestava tacitamentereconhecendoseuerro. Não precisava apenas de barcos, mas também precisava de pessoas quepudessemoperá-los.DetodososelementosimprovisadosdaOperaçãoDínamo,nenhumfoimaiscaseirodoqueahistóriadospequenosnavios.Oregistrodeumdestesnaviospequenos,orebocadordoTâmisaSunIV,nos

dá uma indicação de como o sistema operava. Em 31 de maio, ele deixou asdocasdeTilburyparaRamsgate,chegandopoucoantesdomeio-dia.Noiníciodatarde,enquantoeraequipadocomcanhões,doisoficiaisnavaisediversosgrausdahierarquiamilitarvieramabordoparaconduzi-lo.AembarcaçãoentãopartiuparaDunkirk,rebocandonovebarcosmenores.Váriashorasdepois,emseucaminhoparaaFrança,foiapanhadonaagitação

causadaporumdestróier.Comtodoobombordosubmerso,trêsdeseushomensforam jogados aomar.Um logo foi apanhado por um barco nas proximidades,enquanto outro se afastava, gritando que não sabia nadar. O Sun IV voltoudepressa ao porto, soltou seus barcos e desacelerou para procurar os homensperdidos.Umfoiavistadoeiçadoabordo,masooutrotinhadesaparecido.Apósdezminutosdebuscainfrutífera,oSunIVrecolheuseusbarcosevoltouàflotilha.Tinharegistradosuaprimeirabaixaantesmesmoqueacostafrancesaestivesseàvista.Às22h30naquelanoite,eleancorouforadaspraiasecomeçouaenviarosbarcosparaolitoral.Oitentaedoissoldadosforamapanhadosetrazidosabordo,eoSunIVnavegoudevoltaparaRamsgate,ondeossoldadosdesembarcaram—eoprocessorecomeçou.Nomesmodia,umafrotadeseisveleirospartiudeLeigh-on-Sea,manejados

porsuastripulaçõescivis.Umdessesbarcos,oLeona,quasefoiperdidoparaum

Page 214: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

conjunto de quatro bombas enquanto navegava em direção a Dunkirk. “Elasestavamtãoperto”,contouAlfLeggett,membrodatripulação,“quedavaparavera pintura amarela quando caíram”. Leggett e seus colegas pescadores nuncatinhamvistoumabombaeestavamtãoabaladosqueforamjuntosparaoladodobarcoeurinaramnomar.Outro dos navios, oRenown, que sofreu problemas nomotor logo namanhã

seguinte,foirebocadoporoutroveleiro—oLetitia—que,porsuavez,estavasendorebocadoporumnaviodecabotagem.EnquantoaprocissãoseaproximavadeRamsgate,noescuro,oLetitiatocouumaminadecontatoprogramadacomumfusodeaçãoretardada.Aminapassouporelesemalerta,masexplodiuaoladodoRenown,váriasbraçasatrás.OsfragmentosdemadeiracaíramsobreoconvésdoLetitia,eacordadereboquefoirompida.NãosobrounadadoRenownedeseusquatrotripulantes.Um terceiro veleiro, o Endeavour, também estava sendo rebocado naquela

noitedevidoaumlemeesmagado,depoisdetertransportadosoldadosdaspraiase do molhe. Chegou com segurança a Ramsgate com um grupo completo desoldados abordo.OEndeavour aindaestá ematividade e fazumaapariçãonofilmedeChrisNolan.Naverdade,umasériedepequenosbarcosoriginaisdeDunkirkaparecemno

filme.Nãopodehavermaior testemunhoparaa integridadedeumfilmedoquesuadeterminaçãoemusar tantoselementosoriginaisquantopossível.O fatodeessasembarcaçõescontinuarememtãobomestadotambéméumtestemunhoparaosproprietáriosdosnavios,paraosseusmuitosadmiradoreseparaaAssociaçãodePequenosBarcosdeDunkirk.OEndeavour é umbomexemplo: afundou em1987,masfoiresgatadopormembrosdoNautilusDivingClub.Comsorteebonsventos,eletemumlongofuturopelafrente.No filme, ao lado do Endeavour, aparecem os iates motorizados Elvin,

Hilfranor,MaryJane,Mimosa,Nyula,WhiteFeatherePapillon;obrigueauxiliarCaronia;ovapordepásPrincessElizabeth;alanchaamotorNewBritannic;ealanchatorpedeira102.Suashistóriassãodignasderecontar.Nanoite de terça-feira28demaio, o tenente comandante aposentadoArchie

BuchananouviuasnotíciasdaBBC,comochamadodoAlmirantadoparaaquelescomexperiênciacommotoresmarítimosenavegaçãocosteira.Nodia seguinte,eleseapresentouemumamarinadeSuffolk,onderecebeuocomandodoiateamotorElvineumatripulaçãocompostaporumpescadoraposentadoeumautordecontosmarítimos.

Page 215: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Ostrêsnavegaramaoredordacostasemmapas,opescadorguiandooElvindememória. Chegaram a Ramsgate na tarde de sexta-feira — e prontamentereceberam ordens de retornar a Suffolk.Mal o fizeram, Buchanan recebeu umtelefonema para os mandar de volta a Ramsgate. Uma vez lá, eles foramimpedidosdevelejarparaDunkirk.Deacordocomasautoridades,oElvineramuito lento para a viagem, e sua equipe era inexperiente demais. No entanto,Buchanan e sua equipe estavam tão frustrados com o tratamento recebido quepartirammesmosemautorização.“Não tínhamos ideia do que era a operação ou do que deveríamos fazer”,

contouBuchanan. “Como barco escurecido, simplesmente seguimos o fluxo detráfego,diretoparaaschamasdeDunkirk.”A despeito de uma breve falha de motor durante a viagem, o Elvin se

aproximou do molhe bem cedo, na manhã de segunda-feira. A esta altura, amaioriadossoldadosquepermaneciamnacidadeeramfranceses,eum“poilu”40gritou, “Combien de soldats?” Buchanan entendeu o que o soldado estavaperguntando:quantoshomenspoderiamsubirabordo?E,emboranãosoubesseapalavrafrancesapara25,sabiaapalavrapara30.“Trente!”,gritou.OElvinlogoficoucomsoldadosdemais.Buchananesperavatransferiroshomensparaoutronavionocaminhodecasa,

mas o Elvin se movia tão lentamente que todos os outros se afastaram. “Nãotínhamos ideia de onde estava o canal varrido das minas”, lembra Buchanan,“mas,comoafundamosapenas1,5centímetrosenãoeramarébaixa,achávamosque não havia muito perigo de topar com elas”. Chegando em Ramsgate emsegurança,com25soldadosfrancesese8britânicosabordo,pode-sedizerqueoElvin tinha cumprido seu dever.Na verdade, se uma história já personificou oEspíritodeDunkirk,éadoElvinedesuatripulaçãoheterogênea.OHilfranor(umestranhoamálgamadosnomesdastrêsfilhasdeseuprimeiro

dono — Hilda, Frances e Nora) foi uma das embarcações selecionadas emTeddington,porDouglasTough,queteveascabinesarrancadasafimdedarmaisespaçoparasoldados.QuandochegouaDunkirk,suaestruturaestavatrincadaporuma bomba de Stuka, e ele foi abandonado, mas soldados franceses,desesperados, o empurraram de volta para a água e embarcaram, afastando-ocomopodiam,atéqueaembarcaçãofinalmentecomeçouaafundaremGoodwinSands.OHilfranorfoirebocadodevoltaparaRamsgateporumadragademinasquepassava.ONewBritannic,construídoem1930,éumalanchaamotorde16,5metrosde

comprimento, comdeque aberto emotor poderoso.Licenciado para transportar

Page 216: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

117passageiros,navegouparaDunkirkdeRamsgatenatardedeterça-feira28demaio, chegando cedo na manhã de quarta-feira. À chegada, começou a levartropas da praia em La Panne, transportando-os para destróieres e navios depassageirosemalto-mar.Seudesenhootornavaidealparaotrabalho,eacredita-sequetenhatransportadomaisde3milsoldadosduranteaevacuação.Eleestáentreosverdadeiros“trabalhadoresbraçais”daOperaçãoDínamo,embarcaçõescujaimportâncianãopodeserexagerada.ONewBritannicvoltouparaRamsgatecarregando83homensabordo.OWhiteHeathercarregavamenossoldadosdoqueoNewBritannic,massua

experiênciaerasemelhante.NavegouparaDunkirkem1odejunhoetransportousoldadosdaspraiasparanaviosmaioresemalto-marantesdefazertrêsviagensde ida e volta para a Inglaterra, levando tropas. Posteriormente, pertenceu aocomodorodaAssociaçãodePequenosNaviosdeDunkirk.OprimeirotrabalhodoPrincessElizabeth—queantesdaguerraatuavacomo

balsa da ilha deWight— foi comoumadraga deminas, limpandoo canal emfrenteàspraiasemquatroocasiões.Eraumtrabalhoexcepcionalmenteperigoso,quelevouaofimdetrêsnavios.Em29demaio,juntocomoutrasseisdragas,oPrincessElizabethlevousoldadosdapraiadeLaPanne.Eleaindaretornoumaisduas vezes para Dunkirk, finalmente trazendo 329 soldados franceses para aInglaterra,em4dejunho,nofimdaevacuação.Aolongodesuasquatroviagens,oPrincessElizabethsalvou1.673soldados.ÉprovávelquemuitosdospequenosnaviosdaOperaçãoDínamonuncavirão

a ser reconhecidos, já que seus registros não existemmais—se é quede fatoexistiram.AcontribuiçãodoPapillonéregistradaapenasemnotasfortuitamentepreservadas pertencentes a um comandante naval de Dover. O iate a motornavegouparaDunkirk em2de junhocomuma tripulaçãodequatrovoluntárioscivis,apesardaconstataçãooficialdequeseusmotoresestavamdefeituosos.ElevoltouparaDovernodiaseguinte.OCaroniaeraumbarcodepescaconstruídoem1927cujaprimeirapescade

sardinhasnoverãopagouseuscustosdeconstrução.RequisitadopelaMarinha,éumdospequenosnavioscujahistóriaprovavelmentepermanecerádesconhecida.Melhor documentado é seu papel na década de 1960, quando foi usado paratransportarsuprimentosparaaestaçãopirataRádioCaroline.Mimosa, Mary Jane e Nyula são três outros veteranos de Dunkirk cujas

façanhas são relativamenteobscuras.ÉcertoqueoMimosa fez trêsviagensdeidaevoltaaDunkirk sobocomandodo tenentecomandanteDixon,enquantooMaryJaneeraumaembarcaçãoparticularmenteconfortávelebemequipadapara

Page 217: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

seutempo.UffaFox,umcelebradodesignerbritânicodeiates,descreveu-ocomo“umdosiatesmaisconfortáveisemquejádormi”.RestaadúvidaseossoldadosdaForçaExpedicionáriaBritânicaligaramseuaquecimentocentralextremamentemoderno. O Nyula, por sua vez, foi visto pela primeira vez na Exposição deBarcosaMotoremOlympia,em1933,ondefoidescritocomo“umcruzadorde12metrosmuitobem torneado,umdosbarcosmais interessantes evaliososdamostra”.DepoisdeseuserviçoemDunkirk,foiequipadocomumcanhãoalemãodaPrimeiraGuerraMundial.O torpedeiroMTB102éumsobreviventenotável.Comoumpersonagemde

romancequesurgeacadamomentocrucial,eleapareceaolongodahistóriadaOperaçãoDínamo.Equipadocomumaformaprecocederadar,foiinstruídoasereportaraDovernodiainicialdaevacuação.Nodiaseguinte,suatripulaçãofoiinformada pelo almirante Ramsay para “ir para Dunkirk e se apresentar aocapitãoWilliamTennanteveroqueelespoderiamfazerparaajudar”.Em 31 de maio, deveria trazer Lorde Gort e sua equipe de volta para a

Inglaterra, mas— como não era incomum— as mensagens se perderam, e otorpedeiroacaboulevandosoldadosdeLaPanneantesdevoltarparaDover.Nodia seguinte, carregou o almirante Wake-Walker, do HMS Keith, de volta emsegurançaatéDunkirk.EntãoembarcoudenovoparaDover,içandoumpanodepratocomumacruzdeSãoJorgepintadaàspressas,àguisadebandeira.Depoisdecompletados seusdeveres,o torpedeiro levouocapitãoTennanteogeneralAlexanderparacasa,emDover,pelaúltimavez,masretornouaDunkirkem5dejunho,comoalmiranteWake-Walker,afimdeinutilizaroportoparaosalemães.Estessãoosbarcosqueestiverampresentesemumgrandeeventohistóricoe

emsuarepresentaçãoficcional.Nessarepresentação,atuamsendoelesmesmos,mas existemmuitosoutrosnavios cuja representaçãono filme temumabasenarealidade.Porexemplo,ouvimosocomandanteBoltonperguntandoaumcapitãoseelevemdeDeal—aperguntafoiporqueDealéumbarcodepraiasimpleseelegante,decascotrincadoconstruídoemDeal.Duranteaevacuação,umbarcode praia chamado Dumpling fez sete viagens de ida e volta entre as praias eembarcaçõesmaiores,antesquefosseafundadopelasondasdeumdestróierquepassava.UmfimterrívelparaumbarcoconstruídonaépocadeNapoleãoecujocapitãotinhamaisde70anos.OutrobarcodepraiadeDealpresenteemDunkirk—oLadyHaig—vivefelizhoje.Éclaroquenão sãoapenasosbarcosquedevemumadívidaà realidade.O

espectador pode, por exemplo, ter um vislumbre de Tennant, Wake-Walker,Clouston e Ramsay nos personagens navais do filme. EGeorge, omenino que

Page 218: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

navega através do canal no Pedra da Lua, é um amálgama particularmenteinteressantedenumerososindivíduoshistóricos.Um deles é Harold Porter, de 18 anos, membro da tripulação a bordo do

Renown, o veleiro explodido por uma mina de contato que perdeu todos ostripulantes.HaroldfoidescritonoDailyMirror,em7dejunhode1940:

Umrapazde18anosqueseencontraentreosheróisdeDunkirkfoiumfracassonaescola.Devidoaproblemasdesaúde,elenuncaganhouumprêmioemsaladeaulaounocampoesportivo,masumdiaeledisseaseupai:“Sintomuitonãopoderconquistarnenhumahonrarianaescola,masumdiameunomeseráescritonoroldehonra.”

HátambémparalelosentreGeorgeeJoeReed,ummarinheirode15anosabordodo New Britannic, a lancha a motor que aparece no filme. Joe supostamentemergulhoudiversasvezespararecuperarhomensferidosparaoconvésenquantoaviões alemães atacavam. Em 5 de junho de 1940, seu pai disse ao DailyExpress:“Eraummeninocorajoso.Meuavô,meupaieeuatravessamosocanal,emepareceuqueogarotopodiacuidardesimesmo.”RegVine, entretanto, outro rapaz de 15 anos, era um cadete naval cujamãe

tinhamorrido recentementeeopaiestava foragido.Umdia,no fimdemaiode1940,foiinformadoporumsubtenentequeestaria“indoparaolitoral”emumalanchachamadaRummyII.Nodiaseguinte,eleviajoupeloTâmisaatéRamsgate,onderecebeuumrifle.Alanchaentãofoiparaomar,puxadaporumrebocador.SóentãoRegsoubequeaRummyII iria resgatarsoldadosbritânicosequeseupapelseriaderemarumbotesalva-vidas.Enquanto a lancha se aproximava da costa, Reg ouviu mais barulho do que

jamaisouviranavida,entãoviupartesdecorpospassandoflutuandoesesentiuenjoado.Tentouacalmaroestômagoimaginandoqueestavanomatadourodotioequeospedaçosdecorpospertenciamaanimais.ChegandoaDunkirk,oRummyIIfoienviadoparaLaPanne.Oscadetesnavais

a bordo, incluindo Reg, passaram os dias levando soldados da costa para alancha, que em seguida levaria os homens para naviosmaiores em alto-mar.Oprocesso inteiro era uma corrente com o barco salva-vidas de Reg em umaextremidadeeumdestróierdaMarinhaRealnaoutra.Ànoite,RegdormianaRummyII,amarradoaoladodeumnaviomaior.Elese

lembradetervistosoldadosfrancesestirandocadáveresdesoldadosinglesesevestindoseusuniformes—oqueérelatadoemumacenabemparecidanofilme.

Page 219: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Gerald Ashcroft era um escoteiro marítimo e membro da tripulação emSundowner, umveleiro de 19metros de comprimento. Seu capitão eraCharlesLightoller,ooficialmaisgraduadoasobreviveraonaufrágiodoTitanicem1912.AMarinhaquisrequisitaroSundowner,masLightollerpersuadiuasautoridadesrelevantes de que, com sua experiência (tinha comandado um destróier naPrimeiraGuerraMundial),eraohomemidealparalevá-loaDunkirk.“Vouavisarquenãovaiserumcruzeirodeférias”,disseLightolleraGerald,“mas,sevocêquiser vir, será prazer tê-lo conosco”.OSundowner acabaria por resgatar 130soldados de um destróier condenado. Ashcroft relatou que os homens estavammuito arrasados quando embarcaram e que não paravam de dizer que tinhamdecepcionadoopaís.“Mastentamosfazê-loscompreenderqueelesnão tinhamdecepcionadoninguém”,contou.UmafigurahistóricaquetemparaleloscomoGeorgedofilmeéAlbertBarnes,

que aos 14 anos era provavelmente o civil mais novo envolvido na OperaçãoDínamo.Naquelemomento,ele trabalhavacomogrumetenorebocadorSunXII,noTâmisa.Comonãorecebeunenhumavisodequeorebocadorestavazarpandopara Dunkirk, ele não teve tempo de dizer aos pais que estaria fora. Quandofinalmentevoltouparacasa,tomoubanhoedormiudurante24horas.“Entãoeradevoltaaotrabalho,comosempre”,contou,“esfregando,limpandoepreparandochá”.Comotodosospersonagensdestefilme,parecequeGeorgenãosebaseiaem

nenhumindivíduoemespecial.Eleéumamálgama,umrepresentantedeumtipodejovemqueexistiaem1940.Um desses era Jim Thorpe, de 17 anos. Enquanto escrevo, Jim é quase

certamenteoúltimohomemvivoateridoaDunkirkemumdospequenosnavios.Nascido em novembro de 1922, ele agora mora em Maryland, nos EstadosUnidos. Quando conversamos, no fim demarço de 2017, ele explicou que seuirmão,Arthur,eraumentusiastadebarcosqueviviaaoladodoTâmisa.Nofimdemaiode1940,Arthurentrouemcontatopedindoajuda.“Oquevocêprecisa?”,perguntou Jim. “Preciso de um homem como você para o fim de semana”,respondeuseuirmão.Quando chegou a hora de partir, Jim ainda não tinha ideia de onde estavam

indo. “Nós vamos ajudar umas pessoas”, era tudo o que Arthur dizia. Mas otempo estavabom, e Jimchegou com segurançana costa francesa, cercadopormuitos outros barcos. Ele ficou impressionado com o número de soldados naspraias e como fatode eles estarem fazendo fila, alguns comáguana alturadopeito.

Page 220: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Levaram o barco tão próximo da praia quanto se atreveram e desligaram omotor.Namesmahora,oshomenscomeçaramatentarembarcar.“Foitudomeiofrenético”,contouJim.“Haviamuitagentetentandoentraraomesmotempo.Entãoeu gritava para que esperassem um pouco.” Depois que os homens estavam abordo, Jim disse-lhes para onde ir, empurrando-os para a proa e esvaziando apopadobarcoparaqueosmotorespudessemseracionados.Jimcontouqueviajoumuitasvezespelodocanal.Faloudosaviõesalemães

atirando contraobarco edos soldados a bordodisparando comos rifles.Masseráquetinhapercebidoaimportânciadotrabalhoqueestavafazendo?“Não.Nahoravocênãopensanesse tipodecoisa.Eusópensavaempegar logoaqueleshomens.Elesestavamtentandofazeralgoportodosnós.Eusópensavaemtirá-losdelá.”Atéagora,encontramosvários tiposdepequenosbarcoscomseupessoalem

nossa história, mas, no ambiente improvisado e tumultuado de Dunkirk, haviaalgumas embarcações muito estranhas, tripuladas por uma gama notavelmentevariada de indivíduos. Enquanto Robert Newborough navegava para longe deDunkirk, em seu navio daAviação da Frota, viu uma canoa indo para o outrolado.—Quediabosvocêestáfazendo?—gritouNewborough.—Eupossopegarmaisum!—explicouocanoísta.Mas talvez o modo menos tranquilo de transporte no canal tenha sido

observadopelomestredoiateavaporSYKillarney.ElevelejouporumoficialfrancêsedoissoldadosbelgasquetentavamchegaràInglaterraflutuandoemumaporta.Equilibradasnaporta,entreostrêspassageiros,haviaseisgrandesgarrafasdevinho.Outropequenonavio incomum,emborapor razõesdiferentes, foioAdvance,

umalanchaamotortripuladaportrêscivisbarbudosquemaispareciampiratas.Como alguém comentou na época: “Só estava faltando a bandeira de caveira!”Masmuitomaisincomumdoquesuaaparênciafoiofatodeque,48horasdepoisdo retorno do Advance para a Inglaterra, dois membros da tripulação foramdetidospelapolíciasoboRegulamento18BcomomembrosdaUniãoBritânicadeFascistas.Noentanto, aindaque tenhahavido todo tipodegenteabordodospequenos

navios,nãohavianenhumamulher—aomenoseraoqueparecia.AAssociaçãodos Pequenos Navios de Dunkirk não tem registro de mulheres, apesar de umartigo no The Times de 6 de junho de 1940 intitulado “MULHERES ENTRE ASTRIPULAÇÕESVOLUNTÁRIAS”.Oartigoalegaquepelomenosumamulherrecebeu

Page 221: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

permissãoparalevarumpequenonavioparaDunkirk.OdireitofoisupostamenteconquistadoquandoamulherligouparoAlmirantadocomumavoztãoprofundaquefoiconfundidacomumhomem.Nãohá,infelizmente,corroboraçãoparaestahistória.Umaprodigiosaquantidadedeboatos semfundamentoseespalhounosdiasqueseseguiramàOperaçãoDínamo,eoTheTimesparecetertidoamesmaprobabilidadederepetirissodoquequalqueroutro.Assim como os rumores podem se estabelecer no rescaldo de um evento,

também é fácil olhar para trás e tirar conclusões erradas sobre o que de fatoaconteceu.Aténãomuitotempoatrás,ainformaçãorecebidafoidequeomilagrede Dunkirk só se deu por causa dos lendários pequenos navios tripulados poringlesescorajosos,homenscomoClemMiniver,quesaíramdopubemumanoitequentedeverão,pularamemseusbarcosevoltaramdoisdiasdepois,cansadosebarbados, para nunca mais falar das coisas terríveis que tinham visto. Isso, éclaro,eraumclichê,umexageroridículocompoucabasenosfatos.Noentanto,avisão revisionistadequeospequenosnaviosdificilmente resgataramquaisquersoldados, que eram um apêndice insignificante para uma evacuação alcançadapelaMarinhaReal,éigualmenteenganosa.Arealidadeéqueospequenosnavios—eumnúmerosurpreendentedelesfoi

tripuladosporcivis—desempenhouumpapeldeimportânciavitalnaOperaçãoDínamo.Emumnívelbásico,todaaevacuaçãofoirevigoradapelachegadadasflotilhas. Mas, além disso, os pequenos navios de fato transportaram maissoldados para a Inglaterra do que foi reconhecido. Isto porque muitos deles,lotadoscomossoldados,foramrebocadosatravésdocanalpornaviosmaiores.QuandoaprocissãochegavaàInglaterra,cadanaviomenoreraancoradoaoladodonaviomaior,eossoldadoseramtransferidosdonaviomenorparaomaiorede láparaocais, entãoonaviomenornãoeracreditadopor resgatarninguém.Podia nem sequer ter sido registrado como tendo participado da OperaçãoDínamo.Noentanto,mesmoqueumnaviopequenonãofizessenadaalémdetransportar

homens das praias para os navios maiores, ainda pode ser consideradoresponsávelpeloresgatedecadahomemquetransportou.Semsuacontribuição,aquele homem teria permanecido na praia para ser capturado pelo inimigo.Considerada nestes termos, a contribuição dos pequenos navios parece muitosignificativa—eissosemabordaraquestãoteóricadeatéquepontooEspíritodeDunkirkfoiinfluenciadoporsuashistórias.Contudo,àmedidaqueasflotilhascomeçaramachegar,nasexta-feirade31de

maio,eaevacuaçãoganhavaimpulso,operímetroemtornodeDunkirkencolhia.

Page 222: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Oresultadoimediatofoideque6milhomensemLaPannetiveramquemarcharaolongodapraiaatéBrayDunes.OcoronelStephenHollway,dosEngenheirosReais,falousobreestarnapraiadeLaPanneeserinformadodequenãohaveriamaisbarcoschegando.Eledesmaiou,fossedevidoaalgumaexplosãodebombaouàexaustão,e,quandorecobrouossentidos,noiníciodamanhãdesábado,nãohaviaumaalmavivaàvista—aspraiasorientaistinhamsidoabandonadas.Noquedizrespeitoaofilme,esteéummomentorevelador.Emumaterrade

ninguémcomoaquela,Tommy,Gibson,AlexeosHighlandersestabelecem-senatraineira holandesa atracada. As tropas aliadas desapareceram, e os alemãeschegariamembreve.E,enquantohápoucaevidênciadenaviosholandeses(outroquenãofossemossemprepresentesschuits)quetenhamparticipadodaOperaçãoDínamo, há um registro de um barco de enguia holandês — o Johanna —chegandoemDunkirknofimdemaio.Enquanto isso, na sexta-feira31demaio,WinstonChurchill voouparaParis

emsuahabitualaeronaveflamingoparaseencontrarcommembrosdoSupremoConselhoAliadodeGuerra.Osfranceseseosinglesesestavamsentadosemvoltadeumamesa,umdefrenteparaooutro,eChurchillpôdeofereceralgumasrarasboasnotícias.Aomeio-dia,declarou,165milsoldadosjátinhamsidoevacuados—muitomaisdoqueseesperava.—Quantosfranceses?—perguntouWeygand.—Atéagora,apenas15mil—respondeuChurchill.Anotícianãoeratãoboa

assim.Weygandseperguntoucomopoderiaenfrentaraopiniãopúblicafrancesacom

tal disparidade.Mais franceses teriamque ter evacuados.Churchill concordou.DesesperadoparamanteraFrançanaguerra, jáhaviadecididoqueasrelaçõesanglo-francesasdeviammelhorar.Apartirdaí,declarouqueastropasbritânicasefrancesasembarcariamemnúmerosiguais.Um telegrama foi então redigido para ser enviado ao almirante Abrial, no

Bastião32.Nelenotava-seque,umavezqueoperímetrotivessedesmoronado,asforçasbritânicasembarcariamantesdasfrancesas.Perante estaspalavras,Churchill explodiu comemoção justa. “Non! Partage

—bras-dessous,bras-dessous!”,gritou.Eleimitavaduaspessoasagarrandoumaàoutraenquantoeramseparadasàforça,eosignificadoeraclaro.MasChurchillfoi ainda mais longe: levado pelo momento, prometeu que os britânicosdefenderiam o perímetro até o amargo fim para permitir que os francesesescapassem.

Page 223: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Na verdade, isso nunca aconteceria. Era quase inevitável que os francesesacabassemdefendendoseuprópriopaísenquantoosinglesesfugiamparaodeles.ApromessadeChurchillseria,comotempo,lembradapelosfrancesescomoumexemploclássicodaperfídiainglesa,tãosériacomoaocultaçãodesuaintençãodeevacuar.41As relações entre soldados britânicos e franceses sempre dependiam dos

indivíduos e das circunstâncias.Havia indubitavelmente um sentimento demal-estar de ambos os lados, os franceses se concentrando na suposta traiçãobritânica, os britânicos no aparentemente baixo padrão do Exército francês. E,duranteaevacuação,essemal-estarmuitasvezesserevelou.Comorepresentadonofilme,ossoldadosfrancesesforamimpedidosdesejuntaràsfilasebarcosdeembarque.RobertNewborough lembra-sede tentarpegaras tropasbritânicasàfrente das tropas estrangeiras. Ele acreditava que era seu dever. “Às vezes”,contou,“alguémficavaumpoucoviolentoesaíagritando: ‘Sóbritânicos!’”Noentanto,pareceque,depoisdaordemdeChurchillparaqueastropasfrancesasebritânicas fossem evacuadas juntas, foram feitos esforços genuínos para seguirsuas instruções.Apesardoencolhimentodoperímetro,asexta-feira31demaiofoiodiamaisbem-sucedidodaOperaçãoDínamoemtermosdeevacuações.Umtotal de 68.014 homens foi retirado, 22.942 das praias e 45.072 do molhe. Ograndetotalerade194.620homensresgatados.O primeiro navio carregado a partir Dunkirk, na manhã seguinte, foi o

Whippingham,umabalsadepásdailhadeWight,com2.700soldadosabordo.Estes números enormes sugerem uma consciência de que o tempo estava seesgotando. E Whippingham quase virou quando fogo de artilharia levou ossoldadosacorrerparaoladoabrigadodonavio.Umpoucomais tarde,porvoltadasoitodamanhã,oalmiranteWake-Walker

estava na ponte do destróierHMSKeith, emBrayDunes, quando avistou umaformação de Stukas ao longe. Três foram diretamente para o Keith, e assimcomeçouoprimeirodecincoataquesdebombaconsecutivos.Este terminouemfalhasseguidas,sendoqueabombamaispróximacaiua10metrosdedistância.Osegundoenviouumabombapelachaminécentral,destruindoaparteinferiordonavio.ParadonasproximidadesestavaoMTB102,queseaproximouaonotarasdificuldadesdoKeith.OalmiranteWake-Walkerescolheuomelhormomentoesetransferiu.OterceiroeoquartoataquesenfraqueceramaindamaisoKeith,e,às9h15,umataquefinaloafundou.Tudooquerestavaeraumagrandemanchadeóleoemqueossoldadossedebatiam,vomitavameseafogavam.

Page 224: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Mais tarde, naquele mesmo dia, foi tomada a decisão de abandonar toda aevacuaçãodiurnaapartirdomolheedaspraias.Asbateriasalemãscomandavamseçõesdocanal,etodososembarquesnecessáriospodiamserrealizadossobarelativasegurançadaescuridão.O sábado foi um dia misto para os Aliados. As perdas de transportes

alcançaramseunívelmaiscrítico,masonúmerode tropasresgatadasfoiquasetãoaltoquantonodiaanterior.Onúmerodesoldadosevacuadosfoide64.429,dosquais47.081forampegosdomolhe.Ototalacumuladojáatingiaos259.049.O fimestavaàvista,masvale apenapararmosporummomentopara tentar

imaginaravidadentrodoperímetroduranteaOperaçãoDínamo.Obarulhoseriatalvez o maior choque inicial para um recém-chegado — Dunkirk era muitobarulhenta.Armasdetodosostiposestavamsendodisparadas,bombasvoavampor cima de suas cabeças e explodiam, Stukas (ainda equipados com sirenes)gritavam.Issonãoteriaacontecidodeumasóvez,éclaro,masoruídoambienteera alto o suficiente para que aquela “garganta de Dunkirk”, uma rouquidãoincansável,fosseumaqueixaquaseuniversal.Um som comum nas praias, durante períodos mais calmos, era um suave

suspiro,semelhanteaoventoquepassavapelosfiosdetelégrafo.Era,naverdade,osomdoshomensferidosgemendo.Muitasvezespodiaseouviralguémcantando—ascançõespopularesemDunkirkincluíamfavoritosirônicoscomo“Ah,comogosto de estar à beira-mar”, “Vamos pendurar as roupas lavadas na linhaSiegfried” e “Trezentos homens foram andar, caminhar pelas dunas de areia”(cantada ao ritmo de “Um homem foi capinar”). Um favorito patriótico era“Sempre haverá uma Inglaterra”, e “Nossa casa está ao alcance” era muitopopular.Entreos franceses, por suavez, era comumouvir alguémcantando“AMarselhesa”.As expressões populares entre os soldados incluíam “É um movimento

Blighty”, que significava “Estou voltando para a Inglaterra”, e “Siga a fumaçapreta”, que significava a “em direção a Dunkirk”. O que quer que os homensdiscutissementresi,praguejarosajudavaafazeroquequeriam.EumdosruídosmaissurpreendentesouvidosemDunkirkeraosilênciologoapósumataque.“Osilêncio quando cessava o tiroteio”, escreveu uma enfermeira QUAIMNSanônima,“eramaisperceptíveldoqueoruídocontínuo”.No domingo, 2 de junho, quando o esforço britânico atingiu seu ponto

culminante, o general de Exército Alexander teve ordens de aguentar enquantofosse possível para que o númeromáximo de tropas pudesse ser evacuado. OcapitãoTennantacreditavaquerestassem5milsoldadosbritânicos,alémdos4

Page 225: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

milhomensnoperímetro.Ramsay suspeitavaquemais2mil homenspudessemser encontrados escondidos na cidade (onde alguns poderiam ter permanecidodesdequeAnthonyRhodespartiradeseuporão,umasemanaantes).Noentanto,esperava-sequetodospudessemserevacuadosnaspróximasdozehoras.42Comesseobjetivo,TennantenviouumachamadaaoestiloNelsonparadestróieresedragas deminas: “A evacuação final está preparada para esta noite, e a naçãoconfianaMarinhaparaqueistoaconteça.Queroquecadanavioinformeoquantoantesseestáaptoaatenderochamadoànossacoragemeresistência.”Às dezessete horas, uma enorme armada de navios partiu de Dover para

recolheraForçaExpedicionáriaBritânicaepegaromáximodetropasfrancesaspossível. Os primeiros navios chegaram a Dunkirk às 18h45 e começaram aembarcar grandes números. Do molhe, o navio King George V, de Clyde,transportou 1.460 para casa, enquanto o destróierVenomous resgatou 1.500.Orestantedaretaguardabritânica,2milhomens,foilevadoàInglaterranonavioavapor St. Helier, das ilhas do Canal, que deixouDunkirk às 23h30.O capitãoWilliamTennantenviouprontamenteosinal“BEFEvacuada”,eembarcouparaDovernoMTB102.Mas isso não significava que a evacuação tivesse terminado. Continuou

havendoumesforçopararesgataromaiornúmeropossíveldetropasfrancesas.Oúltimonavioapartirdomolhe,às3h05damanhã,em4dejunho,eraopaqueteavaporTynwald,dailhadeMan,comonúmerosurpreendentede3milhomensabordo.Naquelanoite,foramretirados20milsoldadosfranceses,eoúltimonaviodeixouDunkirkàs3h40damanhã,comosalemãesamenosde5quilômetrosdedistância. Cerca de 12 mil soldados franceses permaneceram para ser feitosprisioneiros. Às 14h23 de terça-feira, em 4 de junho, a Operação Dínamo foiencerrada.

35Infelizmenteelenãopossuimaisodesenho.36GeorgeWagnereNormanPriorajudaramaconstruirospíeresemdiferentessetoresaolongodapraia.37De acordo comMontgomery, tinha sido dele a ideia de nomearAlexander como sucessor deGort, queoriginalmenteplanejavaindicaromenoscapazgeneraldeExércitoBarker,comandantedo1oCorpo.38Howelltambémavistouumbarcoaremosolitário,contendoummarinheiroeoitooudezsoldadosqueianadireçãoerradaemsuatentativadechegaràInglaterra,a100quilômetrosdali.Paraajudar,Howellvooubaixovárias vezes na direção certa, tentando comunicar o rumo a seguir. Ao pousar, ele relatou sua posição,esperandoqueoshomensfossemapanhados.39 Alguns foram tripulados por civis, que assinaram um formulário T124, lhes concedendo direito a umpagamentode3librasesterlinasetornando-osvoluntáriosdaMarinhaRealporummês.40ApelidodaPrimeiraGuerraparaossoldadosdeinfantariafrancesa—“poilu”significa“cabeludo”.

Page 226: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

41Vercapítulo7.42ApromessadeChurchilldedefenderoperímetroenquantoosfranceseseramevacuadosclaramentenãoestavanosplanosdeAlexandereTennant.

Page 227: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

C

Dez

CadêadrogadaRAF?

OMO VIMOS, O MILAGRE DA libertação dependeu de muitos elementosdistintos.Algunstiverammaisinfluênciaqueoutrosnoresultadofinal,mas

todosdesempenharamseupapel.Ocontra-ataqueemArras;asváriasordensdeparada alemã; a decisão de Gort de evacuar; a defesa dos pontos fortes docorredoredoperímetroemtornodeDunkirk;omarcalmo,acoberturadenuvenseafumaçasobreoporto;adesmagnetizaçãodosnavios;adescobertadeTennantde que o molhe poderia ser usado para o embarque das tropas; a recusa deChurchill em considerar um acordo de a paz — todos esses fatores, juntos,criaram a história que estudamos agora. Mas ainda não exploramos um fatorcrucial:odesempenhodaForçaAéreaReal.Metralhados e bombardeados pela Luftwaffe, corria entre os soldados nas

praias enomolhe apergunta: cadê adrogadaRAF?Eaperguntapersistiunoretorno para a Inglaterra. No entanto, muito antes de esta questão surgir pelaprimeira vez, a RAF já estava na França, com seus aviões estacionados nosaeroportos franceses.Os bombardeiros leves daRAF e os esquadrões de caçaforam enviados como parte da Força Avançada Aérea de Ataque, umaorganização conjunta da França e da Grã-Bretanha criada em antecipação àguerra.“Saímosemsetembro,assimquefoipossível”,contouBillyDrake,do1o

Page 228: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Esquadrão. “Fizemos a travessia nas aeronaves, mesmo, enquanto todos ostransportesterrestresforampelomar.”OprimeirotrabalhodeDrakecomopilotofoigarantirqueosnaviosquetransportavamastropasestivessemsegurosduranteatravessiaparaaFrança.Nocomeçofoi tranquilo.Drakeestavaestacionadoemumaeroportoqueseu

esquadrãodividiacomumconvento,enquantooalojamentoficavaemLeHavre— onde as coisas eram mais picantes. “Tomamos os quartos de um bordel”,contou,“eduasdasgarotas ficaramcomogarçonetes, sóparacuidardagente”.AssimcomoaBEFcavoutrincheiraseseestabeleceunacidadeduranteaquelasestranhas férias, a RAF se viu na mesma situação, sem muito o que fazer,cuidandobasicamentedereconhecimentoscasuais.“Nãotínhamosavisoprévio”,contouDrake.Quase todas asmissões operacionais eramem resposta ao ruídodas aeronaves inimigas. “Nossa atividade era uma sucessão de patrulhasintermináveis”,declarouRolandBeamont,do87oEsquadrão,“enãohaviaradarparaajudar.Eratudonoolho”.Enquanto isso, em Londres, havia confusão acerca das intenções alemãs. A

Luftwaffeatacariaacapital?E,sefosseocaso,alguémsobreviveria?Nãohaviacomosaber.Em1932,StanleyBaldwindisseàCâmaradosComuns:“Achoquetambémébomqueohomemnaruacompreendaquenãohánenhumpodernaterraque possa protegê-lo de bombardeamentos. A despeito do que lhe digam, obombardeiro sempre conseguirá ultrapassar o cerco.” Na verdade, Baldwinacreditavaqueosataquesaéreosiamacabarcomacivilizaçãoeuropeia.HaroldMacmillan,escrevendoem1956,explicouqueageraçãodopré-guerrapensavanosataquesaéreos“comoaspessoasdehojepensamnaguerranuclear”.Enquanto a Grã-Bretanha se preparava para uma campanha de bombardeios

catastrófica, muitos se perguntavam por que a Força Aérea Real não seantecipavaaHitler,bombardeandoaAlemanhaprimeiro.“Nós,naGrã-Bretanha,organizamosumComandodeBombardeio”,escreveuocomentaristaaeronáuticoJ.M.Spaight.“CriadocomoúnicointuitodebombardearaAlemanha...Masnãoa bombardeávamos. Então para que servia o Comando de Bombardeio?Estávamosemumasituaçãoquaseridícula.”Outras vozes pediam cautela — não havia por que iniciar uma disputa

desnecessária.Emjaneiro,WinstonChurchillcomeçouaseperguntarporqueosalemães não atacavam. Talvez estivessem apreensivos em começar uma guerrasemacertezadavitória,ou talvezestivessem“guardandorecursosparaalgumaorgiadepânicoquelogovirá”.

Page 229: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Namanhãde10demaio,aorgiateveinício:aLuftwaffeapareceunocéudaFrança. Na noite anterior, Joe Pengelly, um suboficial do ParqueAvançado deMuniçõesAeronáuticasdaRAF,emReims,teveummomentodetranquilidadeefolga,assistindoaumshowdaEnsa.43Elevoltoutardeedormiusemnemmudarderoupa—entãofoiacordado,aoamanhecer,pelosomdasexplosões,foiatéaporta e olhou para fora. “Vi um avião alemão”, contou. “Então fui até a umametralhadoraLewisecomeceiaatirar.”OcampodepousodeRolandBeamontsofreuumataquerasantenaquelamanhã.Enquantoisso,paraBillyDrake,odia10demaiotrouxeumamudançadrásticanoritmodaguerra—apesardisso,nãotrouxenenhumesclarecimentosobreasituação.“Oquartel-generalsóconseguiamandar a gente decolar e patrulhar tal e tal área. Fiquei morrendo de medo”,contou,antesdesecorrigir:“Querdizer,naverdadefiqueibastanteapreensivo.”ParaBeamont,odia10demaiomarcouoiníciodeumabatalhadedezdias.“O87o Esquadrão estava bem no meio do confronto”, contou, “até que fomosretiradosem20demaio,jásemaviõesoupilotossuficientesparacontinuar”.A Força Aérea Real ainda usava alguns aviões quase obsoletos, como o

HawkerHector, um biplano de cooperação com o Exército já em processo deretiradadoserviço—todososquesobreviveramàDunkirk,independentementedoestado,foramvendidosparaaIrlanda,quedecidirasemanterneutraduranteaguerra. O Fairey Battle, de nome encantador, era um bombardeiro leveintroduzido em 1937, mas já superado em 1940. Assim como o Spitfire e oHurricane,tinhaummotorRolls-RoyceMerlin,mastambémcarregavaumacargadebombaseumatripulaçãodetrêshomens.EmcombatecontraaLuftwaffe,eralentoevulnerável.VivienSnell,pilotodeFaireyBattledo103oEsquadrão—omesmoesquadrãoquebombardeouaspontesdo rioMeuse,emumesforçovãoimpediroavançoalemão—,nãoerafãdaaeronave:“Elanãomanobravadireitoe tinha uma metralhadora .303 que só atirava para trás. Era uma operaçãokamikaze. Nossas perdas foram enormes.” O Fairey Battle foi completamenteretiradodeserviçoantesdeacabaroanode1940.Comumacombinaçãodeelementosurpresaemáquinassuperiores,aLuftwaffe

suplantouaRAFnosprimeirosdiasdeconfronto—eissotantonoarcomonosolo,poisalvejavamaeronavesaindanosaeroportos.Apressãosobreospilotosera enorme. Beamont diz que seu esquadrão de Hurricanes se mantinha empatrulhacontínua,eotrabalhoeratãointensoque“simplesmentenãodavatempode escrever os relatórios, a ação não parava nunca”. As perdas do esquadrãoforamenormes,eseusregistrosseperderamnamudançadeumabaseparaoutra.“Eradifícilsaberoqueestavaacontecendo”,relatou.

Page 230: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Enquanto isso, entre os britânicos crescia o sentimento de que os pilotosalemães não estavam jogando de acordo com as regras. Beamont testemunhouataques alemães deliberados contra civis. “A ideia era que, se as estradasficassem entupidas de refugiados, veículos derrubados e cavalos abatidos, asreservas dosAliados demorariammais para chegar ao front”, explicou ele.Osbelgasque fugiamda invasão tambémse lembramdessesataquesaéreos.LouisvanLeemput,naépocacom13anos,falousobredetersidoalvejadoporStukasemmaisdeumaocasiãoenquantofugiacomsuafamília—inclusivedepoisqueaBélgicaserendeu.“Aguerratinhaacabado!”,declarouele,aindaimpressionadoquase oitenta anos depois. “Tinha umavala funda ali perto, e só deu tempo depular para dentro antes de as balas chegarem, ‘Tuck!Tuck!Tuck!’ batendo nosparalelepípedos.Podíamostermorridoalimesmo.”Outros relatos perturbadores começaram a chegar aos pilotos Aliados. Ao

chegar em Lille, Harold Bird-Wilson, do 17o Esquadrão, fez uma descobertasombria: os alemães disparavam contra os pilotos em fuga, saltando do avião.“Estava bem claro que as regras daquela guerra seriam muito diferentes doscombates da Primeira Guerra Mundial”, contou. Harold ainda relatou que ospilotos ficaram abalados e irritados e que ele tomou isso como um aviso paraprotegertodososparaquedistasduranteadescida.Até 15 de maio, a RAF já tinha perdido 250 aviões. Sir Hugh Dowding,

comandante-chefedoComandodeCaça,perdeuapaciênciaenotificouWinstonChurchill de que mais nenhum Hurricane iria para os aeroportos franceses.Dowding temia que, se as perdas continuassem naquele ritmo, o Comando deCaçaficariaincapazdedefenderaGrã-Bretanha.FoiumadecisãoqueChurchillresistiu em aceitar. Desesperado para manter os franceses no combate, eleignorou Dowding, insistindo no envio de quatro outros esquadrões. A medidaresultouemumareorganizaçãocaótica,jáqueosnovosesquadrõesforamcriadosapartirdeoitoesquadrõesquejáexistiam,epilotoscomtreinamentosdiferentesepoucoentrosamentoacabaramlançadosjuntosemação.Depoisdisso,SirCyrilNewall, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, decidiu que mais nenhumesquadrão seria enviado para os aeroportos franceses— emvez disso, seriamdeslocados para aeroportos no sul da Inglaterra, de onde poderiam fazerincursõessobreaFrança.NemChurchillnemoslíderesfrancesesficaramsatisfeitoscomadecisão.Em

Whitehall,RolandMelville,secretárioparticulardeNewall,foiabordadoporumoficialdeligaçãofrancêscomumamensagemdogeneralGamelin:semaisquatroesquadrõesnãofossemenviadosimediatamente,abatalhaseriaperdida.Melville

Page 231: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

respondeuquenãohaveriamaisesquadrõesparaaFrança.Ooficialestava tãoclaramente desesperado que Melville telefonou para o assistente de Newallpedindo que a decisão fosse reconsiderada, mas a resposta, novamente, foinegativa. “Quando comuniquei a decisão, o homem começou a chorar”, contouMelville,“epassouorestodanoiteandandopeloscorredoresdomeuescritórioaosprantos”.Resistindo aos pedidos do primeiro-ministro de que mais caças fossem

enviados para a França, Sir Hugh Dowding mostrou-se um homem corajoso edeterminado(e,emretrospecto,muitocorreto).Apelidadode“Stuffy”,Dowdingera uma figura muito diferente do alemão extravagante que ocupava o postoanálogo ao seu, Hermann Goering. Viúvo e antissocial,44 Stuffy se importavamuito com seus homens, que o respeitavam. Era frequente ele se referir aosaviadores, incluindo seu filho Derek, como seus “filhotes”. Goering podia serenérgico e atémesmo inspirador, mas era uma figura bemmenos paternal. AopersuadirHitlerapermitirqueaLuftwaffeacabassecomaBEF,45mesmocontraoconselhodeseuscomandantesmaisgraduados,elecolocouaambiçãopessoalacima do bem-estar de seus homens. Tanto Wolfram Freiherr von Richthofen,comandante do 8o Fliegerkorps, quanto Albert Kesselring, comandante da 2aLuftflotte, apresentaram objeções. Kesselring reclamou que muitos de seusgruppe tinham sofrido reduções drásticas na força e os bombardeiros aindaoperavam da Alemanha, o que permitia apenas uma incursão por dia. MasGoeringnãoaceitouasobjeções,aindaquefossemmuitosensatas.Elequeriaoprestígio.Esseshomenstãocontrastantes,DowdingeGoering,lideraramaguerrasobre

Dunkirk,masoquedizerdasaeronavesàsuadisposição?Outrobiplanobritânicopara umúnico ocupante foi oGlosterGladiator.Descrito por umhomemcomo“um avião que não serve para a guerra”, vários pilotos seguiram à risca esteconselho. James Sanders, do 615o Esquadrão, pilotavaHurricanes antes de sermandado para os Gladiators como punição por uma disputa com um líder deesquadrão. Seu comandante honorário era o próprio Winston Churchill, quevisitou o aeroporto com a esposa, Clementine. Quando a senhora ChurchillperguntousepoderiasesentaremseuGladiator,Sandersassentiu,lisonjeado.Amulher se acomodou no assento e começou a cutucar os controles, como é depraxedoscuriososquenãoconhecemoofíciodepiloto.Churchillficoudiantedaaeronave,examinandooscanosdasmetralhadoras.FoisómaistardequeSanderspercebeu que as armas estavam engatilhadas e prontas para disparar — se a

Page 232: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

senhora Churchill tivesse demonstrado um pouco mais de entusiasmo, teriaarrancadoacabeçadomarido.Em23demaio,Sanders,agoraumveteranodosGladiatorsecomandantede

voo,assumiuocomandodeumdestacamentonoaeroportodeManston,emKent.Nos primeiros dias da evacuação, a Esquadrilha G fez oito patrulhas sobre ocanal, protegendo a área de ataques aos navios, grandes e pequenos. Sanderssobreviveuàperigosamissãoe,depoisqueodestacamentofoidissolvido,em30de maio, foi transferido de volta para os Hurricanes. Os Gladiatorspermaneceram em serviço, defendendo o estaleiro da Marinha Real perto dePlymouthduranteabatalhadaGrã-Bretanha.Nosanosqueantecederamàguerra,Dowdingsupervisionouaintroduçãodos

dois grandes heróis da aviação de caça britânica, o Supermarine Spitfire e oHawkerHurricane.OSpitfire entrou em serviço em1938; um caçamonoplanopara um único ocupante commotor Rolls-RoyceMerlin. Os pilotos amavam aaeronave pela facilidade demanobra e pela velocidade, enquanto que públicobritânico adorava o barulho do motor característico, suas curvas elípticas e aconfiança que a máquina inspirava. Al Deere, um oficial aviador do 54oEsquadrão,quecomeçaraavidadepilotoemGladiators,resumiuseutreinamentocomSpitfire:“Erasóaprenderarotinadacabineeleromanualdopiloto,quejápareciaterencontradoaaeronaveideal.Elapareciafrágil,maseraumamáquinaincrivelmenteresistente.”Pode ter sido resistente, mas também era sensível. George Unwin, sargento

pilotodo19oEsquadrão,achavaoscontrolesdoSpitfiretãosensíveisquenuncaprecisava forçar a direção — na verdade, achava que não precisava nemconduzir.“Bastavarespirarpertodoscontroles”,contou.“Sequisessevirar,erasómexerasmãosbemdevagarqueoaviãoobedecia.”ParaJamesGoodson,umamericanoquevooucomo43oEsquadrãonofimdaqueleano,pilotaroSpitfire“era como tirar um par de jeans bem apertados”. Contra os regulamentos,Goodson fumava seu charuto diante dos controles. Quando deixava cair oisqueiro,moviaomancheuma fraçãodepolegada, giravaoSpitfire de cabeçaparabaixoepegavaoisqueironoar.ParaChrisNolan,apartedo filmeque tratadaguerranoaré“todasobreo

Spitfire”:

Éumaviãomagnífico,umdosmaioresveículosjáprojetados.VoeiemumSpitfire,easensaçãodevelocidadeepoderéúnica.Vocêsesenteemcomunhãocomomundoláfora,comoseestivesseemumapipacomummotor

Page 233: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

surpreendentementepoderoso.Vocêsenteoarpassandopelasasase,quandotocaomancheeomoveougira,arespostadaaeronaveesuarelaçãocomocéuaoredorsãorealmenteincríveis.Apesardeacabineserbemapertadaedeopilotoficaramarradonela,háumasensaçãodepoderecontrole—mastambémdeisolamento.

Mas havia um problema com o Spitfire: como o piloto poderia escapar daaeronave? No dia 25 de maio, o piloto do 54o Esquadrão James Leathart(conhecido como “Prof” pela habilidade acadêmica), sobrevoavaGravelines eCalaisquandoviuoSpitfiredeseucompanheirodeesquadrão,JohnnyAllen,seratingidopor fogoantiaéreo. “Ah,diabos,meumotorpifou!”,ouviuAllendizer,em seu radiotransmissor. Momentos depois, com o avião atingido agora emchamas, Leathart ouviu a nova transmissão do companheiro: “Nossa! Tem umdestróierláembaixo.Vousaltar!Mascomo?”Allenconseguiudarumgirocomaaeronaveesairdecabeçaparabaixo.Trêsdiasdepois,deacordocomLeathart,eleapareceunacantinado54oEsquadrãousandoumuniformenaval.OSpitfirepodeseroíconebritânicodaSegundaGuerraMundial,masHawker

Hurricane foi tão importante quanto no começo da guerra. Apesar de sermaisangulareestruturalmentemenosinovadordoqueoSpitfire—tinhafuselagemdemadeiracobertacomtecido,emoposiçãoàestruturaexclusivamentemetálicadoSpitfire—,eraumaviãoextremamenteágileimpressionante.GeoffreyPage,do56oEsquadrão,contouque:“OHurricaneeraumbuldogue,

enquantooSpitfireeraumgalgo.Oprimeiroeraumanimaldetrabalhoresistente,ooutroerafranzinoeveloz.”EleconsideravaoHurricanemaisfácildepilotar,mas sem a velocidade e capacidade de ascensão do Spitfire. “Ambos eramadoráveis à própriamaneira.”No fim das contas, é seguro afirmar que os quevoavam em Spitfires tendiam a preferir Spitfires, e aqueles que pilotavamHurricanespreferiamHurricanes.Outro avião monomotor também causou impacto durante a evacuação de

Dunkirk: o Boulton Paul Defiant. Sua torre de tiro parcialmente giratória queficava atrás do piloto lembrava o Bristol Fighter, um dos aviões mais bem-sucedidos da PrimeiraGuerraMundial. Só que oBristol Fighter também tinhaumametralhadoravoltadaparaafrente,enquantooDefiantnãotinhaarmamentosviradosparafrente,umavezquefoiprojetadoparaseposicionaraoladodeumbombardeiro e abatê-lo. A aeronave nunca foi destinada a envolver-se emcombates caóticos à curta distância contra Messerschmitts. Em brevedescobriremoscomoelasesaiu.

Page 234: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

OaviãodecaçaalemãomaiseficazduranteaBatalhadaFrançaeaevacuaçãodeDunkirkfoioMesserschmittBf109,umaaeronavedecombateparaumúnicoocupante,menossensívelàsmanobrasdoqueoSpitfireeoHurricane,mascomumavantagemdistinta:osistemadeinjeçãodecombustível.IstosignificavaqueoMesserschmitt mergulhava mais depressa do que qualquer um dos caçasbritânicos.A tarefa do Bf 109 era proteger os bombardeiros lentos e pesados, como o

Heinkel He 111, com seu característico nariz de vidro, e o Dornier Do 17,apelidado de “lápis voador” devido aos elegantes rastros de fumaça. Ambosforamoriginalmenteintroduzidoscomoaeronavescomerciais,masoHeinkel,aocontrário do Dornier, tinha sido projetado para ser convertido em um aviãomilitar — era uma época em que, nos termos do Tratado de Versalhes, aAlemanha não tinha permissão de possuir força aérea. O bombardeiro alemãomais temido durante este período, assim como o mais vulnerável, foi, comovimos,oJunkersJu87(Stuka).46ComastrombetasdeJericó—quenemsempreestavam em operação — e a capacidade de mirar as bombas com a própriaaeronave,oStukaaterrorizoucivis e soldadosemsolo enquantodeliciavamospilotosdecaçainimigos,queosconsideravampresafácil.Quandoaevacuaçãocomeçou,nodia26demaio,calhouparaoGrupo11do

Comando de Caça a tarefa de combater o ataque alemão contra o porto, ostransporteseoperímetrodeDunkirk.KeithPark,vice-marechaldoAr,sótinhadezesseis esquadrões disponíveis por dia para Dunkirk. O primeiro encontroentre um Spitfire e umBf 109 já havia ocorrido, no dia 23 demaio. Em umapatrulhanoiníciodamanhã,FrancisWhite,líderdo74oEsquadrão,abateuumaaeronave de observação, um Henschel Hs 126 — a aeronave alemã tinhaconseguido acertar uma bala no radiador de White, forçando-o a pousar noaeroportoMarckdeCalais,aindaemmãosAliadas.OsalemãesestavamprestesacapturarCalais,demodoqueaRAFlançouuma

missãoderesgate:umMilesMaster(umaviãoparadoisocupantes,pilotadopelo“Prof.” Leathart) foi enviado para resgatar White com uma escolta de doisSpitfires. Todos atravessaram o Canal, e o Master aterrissou no aeroporto deMarck para buscar White, enquanto os Spitfires permaneceram no ar. Um,pilotado pelo neozelandês Al Deere, manteve a patrulha sobre o aeroporto,enquantoooutro,voadoporJohnnyAllen,foiparacimadalinhadasnuvensparaverificar a presença de aviões alemães. Quase na hora em que subiu, Allenmandou um aviso de rádio para Deere, anunciando que tinha avistadoMesserschmitts.Ele abateuumedanificoumaisdois, quemergulharampara as

Page 235: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

nuvens soltando fumaça. Deere tentou avisar os pilotos no solo que haviaMesserschmittspróximos,mas,comooMasternãotinharádio,elesópodiadaroalertaagitandoasasas.Enquantofaziaisso,umBf109vooudiretamenteàsuafrente,mergulhandoem

direçãoaoMaster,fazendoLeatharteWhitecorreremparaoabrigo.Maisacima,Allen estava cercadopor vários 109, e pediu ajuda aDeere pelo rádio.Deerederrubou o 109 exatamente à sua frente antes de subir para encontrar Allen,disparandoemumMesserschmitteperseguindooutropara longe.DepoisqueoMastersubiuparaoar,ostrêsaviõesforamparacasa.Relembrando toda a ação,Deere não se recordou de sentirmedo. “Foi pura

adrenalina. Naquela época, não havia sensação de perigo”. Ele estava tãoanimadoquecontinuouaperseguiroúltimo109,mesmodepoisdegastartodaamunição. “Isso éprovade comoeu eranovato”, falou.Maso combate lhedeuconfiança,convencendo-odequenãohaviarazãoparatemero109.Eletambémaprendeu a prestar atenção ao combustível— um assunto crucial no filme deChrisNolan.Houve escaramuças durante todo o dia 26 de maio, mas muitas patrulhas

britânicas foram canceladas devido ao mau tempo e houve perdas para “fogoamigo”.47 John Nicholas relatou: “Meu grande amigo, oficial aviador JohnnyWelford,foiabatidoemortoporumdestróierbritânicoem26demaio,próximoaGoodwin Sands. Ele saltou, e o paraquedas se desenrolou,mas não abriu. Eleacaboumorrendo com a queda.Quando o pessoal do destróier percebeu o quetinhafeitoeoiçouabordo,jáeratardedemais.”No mesmo dia, em Dunkirk, Peter Parrott, do 145o Esquadrão, avistou um

Heinkel 111 e quebrou a formação para persegui-lo. Ele começou a atirar, e oalemão, “muito mal-educado, disparou de volta”. Parrott percebeu que oartilheirodoHeinkeldeviateratingidoseuradiadoraoveracabineseencherdevapor.Eleviroudevoltaparacasaeestavanomeiodocaminho,sobrevoandoocanal, quando seu esquadrão o alcançou: “Não paravam de tagarelar no rádiosobreoquehaviadeerradocomigo.Quandochegueiàcosta,emDeal,meumotorparou.”Oaviãocaiuparacercade3milou4milpés,eParrotttentouencontrarum lugar para pousar.Viu áreas nadapropícias, comopovo todo fora de casaparaacaminhadadedomingoànoite,antesdeescolhertrêscamposeempurraromanche. Ele acertou algumas ovelhas, que viraram carne moída. As pessoascomeçaram a se reunir em torno doHurricane, e um policial apareceu. Parrottpediu a ele quemantivesse amultidão longe das armas carregadas e perguntouondepoderiaencontrarumtelefone.Umfazendeiroveioacavalo,perguntando:

Page 236: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

—Quemvaipagarporessasovelhas?—ReclamecomoMinistériodoAr—respondeuParrott.Ofazendeiropartiu,masParrott,queaindaprecisavadeumtelefone,percebeu

queomaispróximoeraodofazendeiro.Quandochegouàfazenda,ohomemesuaesposaestavam tomandochácomumgrandepresunto suculentoàmesa.ParrottligouparaoaeroportodeManstonepediuparaserrecolhido,entãoofazendeiroapontou para o corredor e falou: “Pode ficar ali, sentado!” Parrott sentou-sesozinho,enãolheofereceramnemumpoucodopresunto.Vivendodemodotãoimprevisível,ospilotosfaziamopossívelparaelevaro

moral.Umcomandantedevoodo610oEsquadrão se lembradeumoficial quetinha trabalhado na Harrods antes da guerra, e ligou para lá acionando seuscontatos.UmavandaHarrodschegavaacadamanhã, comalimentosebebidasparaodia.Ospilotostinhamfiléparaoalmoço,lagostaaotermidorparaojantareenormesperigosentreas refeições.Apesardafaltadepreparoeexperiência,pareciamansiososparaentraremação.Quandoforamsorteadososnomesparaahonradaprimeirapatrulhado19oEsquadrãosobreDunkirk,BrianLaneregistroua reaçãodeGeorgeUnwin sobre serdeixadopara trás: “Ele ficoumeolhandocomcaraderessentido,olhandotodosnós,naverdade.Pareciaumcachorrinhoproibidodesairparapassear.”Daquelediaatésuamorte,em2006,Unwinficouconhecidocomo“Ranzinza”.No dia seguinte, 27 demaio, a evacuação estava plenamente em curso,mas

apenas 7.669 soldados britânicos deixaram Dunkirk. Enquanto isso, apesar dopessimismodoscomandantesdeGoering,acampanhacomeçoupromissoraparaaLuftwaffe, com a destruição quase completa do porto interno.48 E, embora ospilotos doComandodeCaça estivessemanimados, poucos tinham sequer vistoumaviãoinimigo.Apesar da disposição para voar, George Unwin, o “Ranzinza”, teve uma

experiênciasurpreendentementecomumquandoencontrouoinimigopelaprimeiravez: ficouestático.“Simplesmentefiqueiali, sentado,porumsegundo”,contou,“nãoestavaparalisado,masfiqueiimóvelporcercadedezaquinzesegundos”.Quandoostirosinimigosatingiramsuafuselagem,aparalisiapassou,paranuncamais o acometer. “Sempre considerei a primeira vez em um ataque surpresa amaisperigosa.Ninguémestáacostumadoaseralvejado,nãoimportaavidaqueleve.”Umsargentopilotodo222oEsquadrãoseviuadmirandoosBf109emsuaprimeiramissão.“Pareciamtãobonitos!”,contou.Mas,quandoaquelemomentodeadmiraçãopassou,asbelasmáquinas tinhamatingido suacaudae seumotorestavasoltandofumaça.

Page 237: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Os pilotos estavam aprendendo a ignorar as regras e diretrizes oficiais. Porexemplo, pararam de voar na velha formação Vic (em V) da Primeira GuerraMundial, com um líder e dois alas, optando por copiar as formações alemãsaprendidasduranteaGuerraCivilEspanholaeacampanhapolonesa.Emtermosdeexperiência—e,portanto,detática—osalemãesestavambemàfrentedosbritânicos.Eissooslevouaignoraroutradiretriz,estarelativaàaltitude.Aprincípio,os

pilotosrecebiamordensdepermanecernamarcados20milpés,semnuncavoarabaixodos15mil,jáqueosartilheirosantiaéreoseramsupostamentecapazesdeacertar aviões inimigos em níveis inferiores. Mas essa diretriz traziadesvantagens.Porumlado,significavaqueosStukasficavamforadealcance,jáquecomeçavamosmergulhosa15milpésdealtitude.Poroutro,significavaqueos aviões da Força Aérea Real estavam altos demais para serem vistos porsoldadosbritânicosnochão.Essesfatoresfizeramcomqueosaviõesbritânicospassassem a voarmuitomais baixo,mesmo que o levassem a serem alvejadosregularmentepeloarmamentonavaldoprópriopaís.Em 27 de maio, as grandes formações alemãs ameaçaram ultrapassar os

números da RAF. “O comum era ver até doze Hurricanes atacando quarenta acinquenta aviões alemães”, contouRolandBeamont, “mas às vezes os númerosinimigoseramaindamaiores”.OsHurricaneslançavamcentenasdetoneladasdebombasnacidadeenaspraias.Porsorte,muitosexplosivosacabavamatingindoaareia,ondesuaenergiaeradissipada,egrandepartedeseupoderdestrutivo,desperdiçado.Noentanto,aRAFteveumsucessoconsiderávelnaqueledia.Trintaaeronaves

alemãsforamperdidas,eosBoultonPaulDefiantssaíramvitoriosos.No iníciodamanhã,elesderrubaramdoisBf109,e,napatrulhaseguinte,pelomenosmaistrês,possivelmentecinco—esembaixas.Ospilotosalemãesaindanãotinhamcompleta noção do perigo destes aviões em particular, com suas torretasartilhadas.No dia seguinte, terça-feira, 28 de maio, os bombardeiros dos 1o, 2o e 7o

Fliegerkorps foram postos em ação em Dunkirk, protegidos pelos caças doJagdfliegerführer 3. Nomesmo dia, veio umamensagem do chefe do comandoaéreo britânico avisando que a RAF devia realizar “seu maior esforço”. OComandodeCaçafoiinstruídoaprotegeraspraiasdeDunkirk“desdeaprimeiraluzdodiaatéaescuridão,compatrulhasdecaçacontínuas”e,nolimite,todasaspatrulhasestariam“comumaforçadepelomenosdoisesquadrões”.ALuftwaffeestavaprestesaenfrentarsuaprimeirabatalhaaéreaséria.

Page 238: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Confrontadosporoponentescomoportedegruppe(gruposdeesquadrões),osbritânicos não tinhammuita escolha a não ser enviar unidades maiores, o quesignificava que poucas patrulhas poderiam ser feitas, deixandomais intervalosentre cada uma. Esses intervalos poderiam ser explorados pelos alemães. OComandodeCaçadaRAFtambémestavaenfrentandoseuprimeirodesafio.O 54o Esquadrão fez uma patrulha namanhã de 28 demaio. Detectando um

Dornier,AlDeere liderouaperseguição. “Euestavadisparandoumasaraivadanele, então de repente vi o fogo de resposta do artilheiro traseiro”, contou,explicandoquesentiuoSpitfiretremerededuziuqueumabalatinhaperfuradootanquedeglicol.Nãopoderiacontinuarcomoradiadoratingido,entãotevequedescer. Fez um pouso forçado na praia — ou, em outras palavras, o que opersonagem Farrier faz no filme. Deere bateu contra o solo e acabou com umcorte no supercílio. Acabou aterrissando com as rodas para cima na beira daágua,eamaréestavachegando.Deereperambuloupelapraiaemdireçãoaumcaféeolhouparatrás,paraveramaréjáengolindoseuSpitfire.Umamulhernocaféoajudoucomosangramento,cobrindo-odeemplastros.Deerevoltouparaapraiaetentouassimilarocaosquesótinhavistodoalto:

“Era bem agitado. Os bombardeios, osmetralhamentos. Todomundo buscandocobertura. Você tinha que ficar na fila.” Então ele notou algo que o perturboumuito: os artilheiros britânicos disparavam contra os aviões britânicos. Tentouintervir,masnãotevesucesso.Depoisdeumtempo,eleseencaminhouparaomolheetentouembarcaremum

navio,masummajordoExércitoestavanocaminhoemandouqueeleentrassenafila.Deereargumentouqueprecisavavoltaromaisrápidopossívelparasejuntarao esquadrão. “Com tudo o que vocês parecem estar fazendo aqui”, retrucou omajor,“émelhorficaremnochão”.OmajormanteveDeerelongedaquelenavio,masoneozelandêsconseguiuembarcarnoseguinte—ondeaatmosferanãoeramenostensa.Ossoldadosestavamzangados.“Ondediabosvocêsestiveram?”,perguntaram.Deere passara dez dias seguidos em voo, e não tinha nada pelo que se

desculpar.“Agenteestavalá,mastalvezvocênãotenhavisto!”Os soldados foram desagradáveis, mas Deere conseguiu manter a calma e

acabou convidado a ajudar com a identificação de aeronaves. Ele chegou noconvéseviuasarmasdonaviodisparandocontraaviõesbritânicos.A chuva matutina deu lugar a nuvens pesadas, o que forçou a Luftwaffe a

permanecer no continente, visando a cidade e o porto. John Ellis, do 610oEsquadrão, se lembra de ter participado de duas patrulhas naquele dia, mas a

Page 239: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

visibilidade era baixa, e ele não encontrou nenhum inimigo. Sem ter que sepreocupar com a Luftwaffe, seu esquadrão “de vez em quando sobrevoava aspraias,paradarumpoucodeincentivoaoExércitoemostrarqueestávamosali”.Osul-africanoHiltonHaarhofferaoartilheirodecaudaemumLockheedHudson,avião de reconhecimento de quatro tripulantes. Seu piloto, um camaradaSpringbok49chamadoRonaldSelley,tambémtentouinstigarconfiançanastropas,voando baixo sobre os navios. “Sempre que o fazíamos, as tropas nos naviosacenavamesorriamenquantopassávamos”,contouHaarhoff,acrescentandoqueSelley era um exibicionista que gostava de voar mais perto da água do quequalqueroutro.Seunavegadornãogostavanadadisso,masvoar tãobaixopelocanalrendeufrutosquandoavistaramtrêshomensflutuandoemumamesaviradadecabeçaparabaixoeconseguiramguiarumatraineiraemsuadireção.ALuftwaffe,quefoiimpedidapelascondiçõesclimáticasnaquele28demaio,

também saiu prejudicada na manhã seguinte, cheia de nuvens baixas. Goeringficoufurioso,mas,apesardetodooseupoder,nãoconseguiafazerretrocederasnuvens.Entretanto,umamelhoranoclima,aomeio-dia,permitiuqueosalemãeslançassem ataques maciços consecutivos, dois dos quais não encontraramresistência.FoiodiaemqueoCrestedEagleafundou,bemcomomuitosoutrosnavios,eomolhefoierroneamenteabandonadoduranteváriashoras.Tãobem-sucedidafoiaLuftwaffenatardede29demaio,queseuchefedegabinete,HansJeschonnek,mudoudeopinião,passandoaacreditarqueaartilhariaaéreaalemãpoderiadestruiraBEFemseubolsãoemDunkirk.Para Eric Barwell do 264o Esquadrão, um piloto de Defiant, a guerra só

começouasérionaqueledia.“QuatrobombardeirosStukaestavamvoandomaisoumenosalinhados,etrêsdenossosDefiantsseposicionaramsobaslacunas.Eelessimplesmenteexplodiram.Ostanquesdecombustívelficavamentreopilotoe seu navegador... eram presa fácil.” Foi um dia extraordinário para seuesquadrão,quepôdesevangloriarde37aviões inimigosdestruídos.Umpilotode Hurricane, que encontrou os pilotos de Defiant mais tarde, naquele dia, serecordadelescomo“presunçosos”.Elecomentouqueosalemãesprovavelmenteos tinham confundido com Hurricanes, e era improvável que cometessem omesmoerronovamente.Opilotoestavacerto—aquelapatrulhamarcouoaugedo sucesso dosDefiants.Depois que os alemães entenderam que a torre era oponto fraco doDefiant, a aeronave se tornou a presamais fácil para os caçasinimigos.NãodemorouparaoDefientserretiradodaaçãodiurnaparasetornarumcaçanoturno.

Page 240: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Hágrandesdisparidadesentreosrelatosdenúmerosexatosdequantosaviõesforam derrubados em 29 de maio. Os alemães admitiram a perda de apenasdezoito aeronaves, reivindicando 68 abates. Exageros eram inevitáveis eaconteceram de ambos os lados, mas um abate não reconhecido pode irritar,mesmo anos mais tarde. John Nicholas, do 65o Esquadrão, encontrou algunsMesserschmitt110emseucírculodefensivotradicional—eleatiroucontraumeseafastouparaadireita,apenasparaverpeloretrovisorquetrêshaviamsaídodeformaçãoparapersegui-lo.“Decidiqueaúnicacoisaquepoderiafazereragirarbemrápidoepartircontraodomeio.Efoioqueeufiz”,relatou.Eleatirou,eseafastounoúltimominuto.Quandoeleolhouparatrás,nãoviunenhumaaeronaveinimiga, então retornou a Hornchurch e descreveu a cena a seu oficial deinteligência, mas não recebeu o relatório do combate. Em 1992, Nicholasdescobriuqueoutropilototinhasidocreditadocomesteataquefrontal.“Nahorafiquei irritado”, revelou. “Depois, pensei: Ah, o que importa? Isso foi hácinquentaanos!”ParaDenysGillam,do616oEsquadrão,osprincipaisproblemasdevoarsobre

Dunkirkeraalimitaçãodotempoquepodiapermanecerlá(poucomaisdemeiahora)eadificuldadeemacertaraaltitudecertaparainterceptaroinimigo.Umatardecomoaquela,quandoascondiçõesmeteorológicaseramadequadasparaosalemães, oferece um vislumbre do que poderia ter acontecido se o bom tempotivesseduradoumasemana.Naquinta-feira,30demaio,comanévoadomareaneblinaeafumaçados

incêndiosemDunkirk,osStukasficaramoutravezincapazesdeatuar.Atéofimdodia,quase54milsoldadosbritânicostinhampartidodaspraiasoudomolhe— o dia mais bem-sucedido até então. Mas isso não significava que osesquadrõesepilotosbritânicosestavamachandoaoperaçãofácil.“Paramanterosistemadepatrulhafuncionando”,contouGillam,“tínhamosquevoarduasoutrêsvezespordiadurantecercadecincohoras,começandonoiníciodamanhãeindoatéo crepúsculo”.E, comoprovade apreciaçãodos esforçosdehomens comoGillam, LordeGort enviou umamensagem de gratidão àRAF. Ele disse que apresençadaForçaAéreaera“desuma importânciaparaevitarqueoembarquefosseinterrompido”.Mesmoassim, algunsnão suportavama tensão. “Tivemoso estranhocasode

pilotosqueacabavamserevelandoinadequados”,revelouGillam.“Teveumquedesmoronounosolo,logoquandoestavaentrandonoavião,entãoomédicoveioeacertouumdiretobemfortenoqueixodocara.Eleapagouenãovooudenovo.”

Page 241: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Asexta-feirade31demaiofoi,comojávimos,odiamaisbem-sucedidodaevacuação.EricBarwell,pilotodeDefiant,estavadevoltaemDunkirk.Emsuaprimeirapatrulha,viuumcompanheirodeDefiantquebraremquatrodepoisdeacauda ser arrancada por outro avião do mesmo modelo. Não viu nenhumparaquedas surgir. Ele saiu outra vez,mais tarde, naquelemesmodia, e se viucercado por aeronaves inimigas. Abateu um, mas, quando atacou outros trêsbombardeirosHeinkel,seuradiadorfoiatingido,eacabineseencheudefumaça.Eleejetouocapôeembicounadireçãodecasa,maslogoviuqueteriaquesaltarouafundaroDefiantnaágua.Haviabarcosaliabaixoquepodiamlevaraeleeseuartilheiro,masBarwell

estava preocupado que, caso saltassem, correriam o risco de se afastarem dosbarcos,possivelmenteemdireçãoaumcampodeminas.Eleoptouporarremetercontraomar.Olhandoparabaixo,Barwellviubarcosdepesca.Podiajogaroaviãoalipor

perto,mas,mesmocomsuasobrevivênciaemjogo,achouqueosbarcosdepescaseriamfedidosdemais.Entãoavistoudoisdestróieresacercademeioquilômetroepercebeuque,seatingisseaáguaentreeles,provavelmenteumsepreocupariaempegá-lo.Quandodesceu,ficousurpresocomcomofoidifícilmediraaltitudesobreum

mar calmo— a próxima coisa que percebeu era que estava na água, tentandonadaremdireçãoàsuperfície.Umaveznotopo,Barwellavistouseuartilheiro,nadouatéeleedescobriuque

ohomemestava inconsciente.Começou a nadar até o destróier comapenasumbraço enquanto puxava o artilheiro pelo paraquedas. Ficou maravilhado aorepararqueumadasembarcaçõesestavaindoemsuadireção.Quando se aproximou, um dosmarinheiros do destróier mergulhou, pegou o

artilheiroeolevouabordo.DepoisqueBarwellalcançouumarededeescaladaperto da popa, sentiu-se fraco demais para se içar, mas alguém ajudou, e elechegouàsegurança.Logodescobriuoutromilagre:opilotodoDefiant cujoavião tinhaquebrado

em quatro estava de pé no convés, vivo e bem. Ele devia ter acionado oparaquedas tão baixo que Barwell não conseguiu vê-lo. Foi então que seuartilheirorecuperouaconsciência.Durantealgumtempo,oartilheironãotinhaideiadeondeestava.Quandoolhou

paracima,aprimeiracoisaqueviufoiopiloto—quepensavaestarmorto—empéàsuafrente,emolduradoporumbrilhovermelhointenso.Ficouabsolutamenteconvencidodequeestavanoinferno.

Page 242: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

O homem ficou agradecido ao descobrir que estava vivo— assim como opiloto,paradodiantedeumaportaquerefletiaopôr-do-sol.Emtermosdofilme,esteéumrelatointeressante:opersonagemCollinscaino

mar, em seu Spitfire, tenta quebrar seu canopy com a arma sinalizadora e selibertaquandoocanopyéesmagadopeloladodefora.Barwell,emseuDefiant,parece ter saído semproblemas, o que distingue seu caso do deCollins. SeriarealmentepossívelqueumSpitfirepudesseflutuarportemposuficienteparaumpilotoselibertarouserlibertado?Nodia1odejunho,JackPotter,umsargentoaviador,estavaempatrulhacomo

19oEsquadrãoquandosedepararamcomdozeMe110.Elefixouamiraemum,mas estava sem munição. Não havia razão para ficar ali por perto, então elevoltou para casa— e só então percebeu que seu Spitfire estava danificado.Omotorpifouacercade24quilômetrosdacosta inglesa.Elecalculouque,casoabandonasseaaeronavesuaschancesdeserresgatadoerambaixas,masdesceremumSpitfiredemetaltambémeramuitoarriscado.Apesardisso,levandotudoem consideração, sentiu que era sua única chance e apontou o avião para umbarcopequeno.Posicionando-separapousar,PotterdesfezoarnêsdeSuttoneinflouocolete

salva-vidas.“Assimqueoaviãotocouaágua,embicouparacimaoutravez,entãoarremeti para baixo outra vez, e o nariz afundou”, contou, explicando que selevantounacabineedescobriuqueaaeronaveaindaestavaflutuando.OSpitfireficouflutuandoporcercadedezsegundos.Potter tentouseagarrar

ao paraquedas porque, segundo tinham dito, funcionava como salva-vidas,maseleseenroscounocapôdeslizantee foipuxadoparabaixoconformeoSpitfireafundava. Potter conseguiu se soltar e saiu nadando, então foi atingido peloestabilizadortraseirodoSpitfirequemergulhava.O pequeno barco que tinha avistado era francês, o Jolie Mascotte, e sua

tripulaçãonão falava inglês.Estavam tentandochegaraDunkirk,mas tinhamseperdido. Potter os ajudou a encontrar o caminho.50 Em troca, eles lhe deramcomida,bebidaeroupassecas.O fato é que um Spitfire abandonado flutuou por tempo suficiente para um

pilotoselibertar,ficarpreso,libertar-senovamenteesobreviver.GrahamDavies,do222oEsquadrão,saiuempatrulhanamadrugadade31de

maio,mascomeçouaperderaltitudedepoisdeseratingidopor fogoantiaéreo.Lembrando-sedoconselhodeumpilotodeHurricane,dequeerapossívelpousarcomasrodasnapraiadeareiaduradeDunkirkepensandoquepoderiaconsertarseu Spitfire e decolar de volta,Davies resolveu aterrissar a oeste deDunkirk,

Page 243: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

querendo evitar os milhares de soldados a leste. Mas, enquanto descia, foiatingido pelos canhões franceses de Fort-Mardyck. Conseguiu aterrissar comsegurançae,depoisdeencontrarosartilheirosqueohaviamatingido,incendiouaaeronaveepegoucaronaparaDunkirk.No fim do molhe, Davies viu uma draga de minas e um vapor. Os aviões

alemãesmetralhavamdevezemquando,eumbombardeiroestavadeixandocairsua carga no porto. Os cadáveres jaziam por toda parte. No meio disto, umsoldadobritânicoestavavoltandoparacimadomolhe,furiosoporaMarinhanãoo deixar embarcar em um navio com um prisioneiro alemão quemantinha sobescolta.Namanhãde1odejunho,otempoestavalimpo.OretornoemmassadosStukas

coincidiu com o retorno dos destróieres britânicos modernos. Pela manhã, aLuftwaffe lançouumnúmerodeataques semoposição, resultando,comovimos,no naufrágio do HMS Keith, que afundou cum um grande número de outrosdestróieres e navios da Marinha. Soldados britânicos se desesperavam com aaparentefaltadeproteção.HaroldBird-WilsoncontaahistóriadeKenManger,um companheiro piloto do 17o Esquadrão que saltou de seu Hurricane para apraia.Tentandoembarcaremumdestróier,elefoiinformadosemrodeiosporumoficialdoExércitoqueosnaviosnãoeramparaaForçaAéreaReal.MasMangerera um excelente pugilista amador: ele nocauteou oficial para dentro domar eentrouabordo.Nodiaseguinte,MangerestavadevoltasobrevoandoDunkirk.Entretanto, o oficial aviador Peter Cazenove, que tinha sido forçado a

aterrissar seu Spitfire na praia, foi rejeitado por três destróieres. “AMarinhadisseque todasasacomodaçõesestavamreservadasparaoExército,eaForçaAéreaquepoderiairàmerda”,explicouoamigodeCazenove,TonyBartley,emuma carta a seu pai. Cazenove foi capturado e acabou em um campo deprisioneirosdeguerra.HámuitasrazõespelasquaisossoldadosnãoviammembrosdaForçaAérea

Real.ARAFacabouempregandograndes formações,oquesignificavagrandesintervalosentreaspatrulhas.Alémdisso,osalemães tinhamobservadoresatrásdeDunkirkquemandavaminformaçõessobreaspatrulhas,oquepermitiaqueaLuftwaffechegasselogoapósodesaparecimentodaRAF.SemcontarqueaRAFestava patrulhando o interior para cortar os alemães antes que chegassem àspraias—oquefaziamuitosentido.DepoisqueaLuftwaffechegavaàpraia,eratardedemaisparaevitarumataque.Emquartolugar,aRAFcostumavavoara20milpésoumais.Nessaaltitude,osaviõessimplesmentenãopodiamservistosdosolo.E,por fim, comooscanhõesbritânicosdisparavamcontraquase todasas

Page 244: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

aeronavesamigáveisquevoavamacimadeles,ossoldadospróximosacabavamconfundindoosaviõesbritânicoscommáquinasalemãs.O esquadrão de Haarhoff patrulhou Dunkirk na tarde de 1o de junho, e ele

observouqueaspraias“estavamquasedesertas,masnaareiahaviaumagrandequantidadedeburacosdebombasetrincheirasdeabrigocavadasàspressaspornossastropas”.Etambémpôdeverafileiradecaminhõesformandoumquebra-mar para os barcos. No caminho para casa, a equipe do Hudson de Haarhofftestemunhou um confronto entre Spitfires e Stukas.OsStukas estavam atacandonavios que voltavamparaDover.Haarhoff viu umStukamergulhar, soltar suasbombasesubirdevolta.“Olheiparaoalvoeviapenasumrebocadorinofensivopuxandoumabarcaçacarregadadetropas”,contou.Umaenormeparededeáguasubiunafrentedorebocador,embaçandoavisão.“Acheiquenãofossemaisvê-lo, mas não demorou nada para o rebocador avançar, com a coluna de águadiminuindocadavezmais.Ovalenterebocadorsaiucompletamenteileso,eeufizumasaudação.”Amanhã de 2 de junho começou calma para oComando deCaça, com suas

patrulhasencontrandopoucaresistência.TonyBartleycontouqueseuesquadrãodesobedeceuàsordensedesceupara9milpés,ondeencontrou trintaHeinkels111,dosquaisdestruiucercadedezoito.Aindamaisabaixo,BartleyviaStukasocupadosemsuastarefas.AcabouqueosStukasnãoconseguiramfrustrarafugadaBEF,denunciandoa

mentira de seu comandante-chefe. Acabou sendo revelado que a Luftwaffe deHermannGoeringnãopodia,afinal,destruiraForçaExpedicionáriaBritânica—nãoimportavaoqueeletivesseditoaAdolfHitler.Em2dejunho,o611oEsquadrãoteveseuprimeirodiasobreDunkirk.Olíder

deesquadrãoJohnMcComblembradequetinhamplanejadoumcoquetelparaasesposas no refeitório.Quando a ordem chegou para irem aDunkirk, decidiramnãocancelarasbebidas,jáque“nãopoderíamospermitirqueHitlerinterferissecom nossos hábitos alcoólicos”. O esquadrão estava prestes a decolar empatrulhaquandoumdospilotos,DonaldLittle, saltoubrevementeparaaasadoaviãodeMcCombepediuaelequealimentasseseucãonaquelanoite.McCombeaesposadividiamumchalécommaisdoiscasais:Littleesuaesposaemaisoutro piloto, Ralph Crompton, e sua esposa. “Naquela manhã”, lembra-seMcComb,“encontramosumbandodeMesserschmittsenosdeparamoscomtodotipodeproblemas.Acabamosperdendoessesdoisjovenspilotos.”Oesquadrãofoi voltando para Inglaterra aos poucos, os aviões sozinhos, no máximo emduplas.“Afestajátinhacomeçado,esemprecomemoravamquandoalgumavião

Page 245: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

chegavadevolta.AtéqueLilCromptoneJuneLittleperceberamquenão tinhamaisninguémvindo.”Asduasjovensnãopediramqualquerajudaouapoio.“Elasnãoderrubaramumaúnicalágrimaenemsoltaramumasópalavra,simplesmentesaíramdaantessalaemsilêncioevoltaramparaochalé.”AolongodetodooperíododaBatalhadaFrançaedaevacuação,931aviões

britânicos (dos quais 477 eram caças) não regressaram das operações, foramdestruídos no solo ou sofreram danos irreparáveis. Durante o mesmo período,1.526aviadoresforammortos,feridosoufeitosprisioneiros.Duranteoperíododaevacuação,osnúmerossãomenosprecisos.OGrupo11

relatou258aeronavesalemãsdestruídas.AHistóriaOficialBritânica,de1953,ofereceumaestimativade177aviõesbritânicosdestruídosoudanificados,dosquais106eramcaças.Quaisquerquesejamosnúmeros,noentanto,parececlaroqueaLuftwaffeperdeumaisaeronavesdoqueoComandodeCaça.E,apesardeerros terem sido cometidos por ambos os lados, os dois acabaram muitodesgastados.Osbritânicosporperderemmuitosdeseusaviões,aLuftwaffeporteremsidoordenadosacumprirumatarefaimpossível.Eambososladosforamrestringidospeladistânciaentresuasbaseseabatalha,tendoumtempolimitadonoar.Noentanto,emúltimaanálise,sendoatarefarealistaounão,aLuftwaffenão

tinhaconseguidodestruiraForçaExpedicionáriaBritânica—eraaprimeiravezqueaForçaAéreaAlemãfalhavaemumobjetivodeclarado.Enãosóisso:nãoconseguiunemsequerfazerumgrandeestragonaForçaAéreaReal.A RAF, por outro lado, demonstrou que a tão temida Luftwaffe poderia ser

anulada e ganhou experiência para a imensa batalha aérea que estava por vir.Tinhaderrubadoumgrandenúmerodeinimigose,comajudadotempo,protegidoaForçaExpedicionáriaBritânica.Eomaisimportante:nãotinhaperdido.Assim,podemosacrescentar,comalgumaconfiança,oúltimograndeelemento

quecontribuiuparaomilagredalibertação:odesempenhodaForçaAéreaReal.

43AEntertainmentsNationalServiceAssociation[AssociaçãoNacionaldeServiçodeEntretenimentos],umaorganizaçãoqueofereciaentretenimentoàsForçasArmadas.44Seuassistente,HughIronside,faloudasfestas“horríveis”queDowdingcostumavaorganizarcomairmã.“Stuffypegavaumagarrafadexerezebotavasuasmúsicasvelhasparatocarnovelhogramofone.Depoisdeumtempo,minhamaiordificuldadeeraacharquemaceitasseoconvite.”45Vercapítulo6.46Vercapítulo4.47Expressãoemusodesde1918.

Page 246: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

48Naturalmente,foiissoquelevouàescolhadomolheparaoserviçodeembarque,noaugede27-28demaio,pelocapitãoWilliamTennant.49Gíriaafricânerquedesignaumsul-africanobranco.[N.T.]50PotternãofalousobrecomosesentiumasdevetersidonomínimoexasperantepassarporaquelaprovaçãoapenasparadescobrirqueobarcoestavaacaminhodeDunkirk,enãodasegurançadaInglaterra.

Page 247: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

A

Onze

UmanovaDunkirk

OPERAÇÃO DÍNAMO NÃO É MUITO conhecida nos Estados Unidos — naverdade,nãoémuitoconhecidaemnenhumlugar foradoReinoUnido.O

que é uma grande vergonha, já que teve um enorme significado para a históriainternacional.SeaBEFtivessesidocapturadaoudestruídaemDunkirk,équasecertoqueaGrã-Bretanhateriasidoforçadaaserender.Teriasetornado,comoChurchill advertiu a seu gabinete, um estado escravo, permitindo que Hitlerconcentrasse seus esforços na União Soviética. E, sem a Grã-Bretanha comoparceira, é difícil ver comoosEstadosUnidos conseguiramabrir uma segundafrente.Masvamosdeixarasconjecturasdelado—nãoérealmentenecessáriofazê-

las. Se Churchill tivesse se rendido, todos estaríamos vivendo em um mundomuito diferente.Minha família não estaria viva, porque todos os judeus teriamdesaparecidodaGrã-Bretanha.E,semaGrã-Bretanhaparapreservaraliberdadee o Estado de Direito, as normas totalitárias da Alemanha nazista teriam seespalhadopor todaaEuropa.Barbarismo, intolerânciaecoerçãoseriaaordemnaturaldascoisas.A cerimônia de encerramento dos JogosOlímpicosLondres 2012 apresentou

umavinhetadeWinstonChurchill,interpretadoporTimothySpall,emergindode

Page 248: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

um modelo do Big Ben. Parecia que os organizadores estavam sugerindo quetodossóestavamali,desfrutandodosJogoslivresemumReinoUnidolivre—emummundolivre—graçasàquelehomem.Oumaisprecisamentegraçasàqueleperíodo,àquelaspoucassemanasemqueChurchillsemantevefirmeeoExércitobritânicoconseguiuescapar.Essaéamensagemprincipaldestelivro.Ocontodaretiradaedaevacuação

nãoésóumahistóriabritânica,umpedaçodahistóriaqueaconteceuantesdeaAméricaeaRússiasejuntaremcontraHitler.Éahistóriadapreservaçãoglobaldaliberdade,daprevençãodeumaeradetrevas.Emereceserlembrada.Eissotudojáeramuitoclaroantesdepararmosparaanalisaroqueaconteceu

comoretornodaBEF.Depoisqueosnaviosentraramemcurso,omundoaindatinhaumachance.

Muitos homens dormiram nos navios a caminho de casa. Alguns tentaramencontrar lugares tranquilos onde não seriamperturbados. “A gente chegava naInglaterra,descarregavaossoldadosevoltavaparaaspraias”,contouotenente-comandante John McBeath, do HMS Venomous. “Aí veio um soldadodesesperado,dizendoquetinhavoltadoparaDunkirksemsaber.”LeonWilson, umartilheiro francês, cruzoupara a Inglaterra emumdestróier

cujo capitão deu boas-vindas ao grande contingente francês a bordo dizendo:“Venham,sapos!51Sentem-seecomamalgumacoisa!”“Foiumapiadaótima!”, contouomagnânimoWilson,que se sentouecomeu

bempelaprimeiravezemdias.“AchoquenemoHotelSavoypoderiafornecerumarefeiçãodaquelas.”A grandemaioria das tropas britânicas voltando para casa compreendia que

tinhamsofridoumaderrotaterrível.Muitossentiramquetinhamenvergonhadoopaís.Estaatitudeaparecenofimdofilme,pelopersonagemAlex.Mashaviaumasurpresaguardadaparaosquesesentiamassim:“QuandochegamosnaInglaterra,a recepção foi incrível”, contou Ian English, oficial da Infantaria Ligeira deDurham,que testemunhou a euforia dopúblicoque fezos soldados se sentiremoutravezcomoheróis.HumphreyBredinembarcouemumtrememDover,pegouno sono e acordou em um lugar chamadoHeadcorn, onde, conta, “asmulheresquase fizeram uma festa para a gente. Elas invadiram o trem com chá, café epãezinhos.” Anthony Rhodes estava na rua, tranquilo, quando um completoestranhoenfioudinheiroemsuamão.OcapitãoGilbertWhiteouviuasmulheresdoServiçoFemininoVoluntáriogritando “Muitobem!Umexcelente trabalho!”,quandoseutrempassou.Laranjasecigarrosforamenfiadospelajaneladovagão

Page 249: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

dosoldadoWilliamRidley,quenotouum“Sejambem-vindos,heróisdeDunkirk”pintadonalateraldeumedifício.QuandoosargentoTedOatesconseguiupararpara escrever cartas, escreveu para a família: “Tivemos uma recepçãomaravilhosaaqui.Écomosefôssemosheróisoualgodo tipo,sónãoseimuitobemporquê.”52ParaBredin,a reaçãodopúblicoeramotivodeconstrangimento.“Maldição,

sentimos como se estivéssemos fugindo!”Ridley também fala da vergonha quesentia, emuitos soldados estavam irritados com o que viam como traição dospolíticos,deseusoficiaiseatédopróprioExército.Em2dejunho,AnthonyEden,SecretáriodeEstadoparaaGuerra,foivaiado

enquantofalavaàstropas,emAldershot.Porvoltadamesmaépoca,BasilDean,chefe da Ensa, estava em um pub de Bridport, onde ficou ouvindo soldadostrocando relatos perturbadores de suas experiências.Um homem queixou-se deque os oficiais juniores de sua unidade tinham tomado os veículos e fugido dacostafrancesa,deixandoossuboficiaisesoldadosporcontaprópria,emuitosoapoiaram,irritados.Emmeadosdejunho,ColinPerry,de18anos,ouviudeumsoldado que seus oficiais tinham abandonado os homens quando o navio foiafundadoporStukas.Setentaeseteanosmaistarde,MauriceMachin,doCorpode Serviços do ExércitoReal, continua furioso com o acontecido: “Dizem queDunkirk foi umavitória.Não foi! Foi umabagunça, pura desordem.Se o povobritânico não tivesse vindo em nosso auxílio, eu e muitos outros estaríamosmortos.”53 George Purton tem críticas mais contidas, mas muito semelhantes:“Fomosenviadosparaumasituaçãoalémdenossascapacidades.”Ainda assim, não importa se considerarmos a evacuação ummilagre ou uma

confusão generalizada—a reação pública não foi planejada nem imposta. Eraumademonstraçãoespontâneadealívio.Amigoseparentesestavamasalvo,eaguerra ia continuar. Em seu hospital, no norte de Londres, a enfermeira EileenLivettcuidoudossoldadosrecém-chegados.Elaosconsideravaheróis,“porquetodos aqui em casa percebemos quão difícil era a situação... Era mesmoarriscado.”EfoiesseoestadodeespíritoqueWinstonChurchillmanipuloucomtantosucessoquando,aofalaràCâmaradosComuns,admitiuqueasevacuaçõesnão poderiam ser consideradas vitórias de guerra, mas que tinham conseguido“ummilagredelibertação”.Paraalgumaspessoas,Dunkirksetornouumainspiraçãopessoal.NellaLastse

sentepartedealgo“eternoequenuncaenvelhece...Fiqueimuitofelizporserdamesma raça que os resgatados e os que resgataram.” Para o pacifista de longadata Dennis Argent, foi o estímulo para mudar suas crenças — ele passou a

Page 250: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

compreender as circunstâncias em que matar um inimigo “pode ser, obvia ediretamente, o melhor meio de salvar as vidas de companheiros trabalhadorescivisetalvezatédeamigosefamiliares”.Em um discurso proferido vários meses após a Operação Dínamo, o

historiadorLordeEltondescreveuDunkirk comoaviradadamaré.Aspessoasestavam aprendendo que “as coisas que realmente importavam não eram ascomplicadas e exclusivas.Não eram as ações e as casas noturnas restritas queimportavam,esimterumtetoeumarefeição,comosomdorisodascriançasaoredor.”AimpressãoqueEltontinhadeDunkirkcomoumdespertarnacionalpodeser

umpoucosimplista(eextremamentesentimental),masnãohádúvidadequefoiocomeço da mudança no clima social e político britânico. Antes de Dunkirk, ogoverno não poderia se dar ao luxo de fornecer leite gratuito para mães ecrianças. Em 7 de Junho, foi introduzido um regime que oferecia precisamenteisso.Derepente,dinheironãoeraumproblema.Dias depois, Harold Nicolson, secretário parlamentar do Ministério da

Informação,entregouumdocumentoaoGabinetedescrevendocomoseoperavaamudança na velha ordem mundial. “Deve-se fazer todos os esforços paraproporcionar uma verdadeira igualdade de oportunidades para a geração maisjovem.” Em resposta, Lorde Halifax, uma relíquia de outra era, foi forçado areconhecerqueosvaloreshumanostinhampassadoaparecermaisimportantesdoqueapurezafinanceira.SeaGrã-Bretanhaquisesseque sobreviver,precisariamaisdoquenuncada

ajudadapopulaçãocomum—precisariadelespara lutar,para trabalhar longashoras em fábricas, para oferecer seu tempo em ajuda ao esforço de guerra etolerartodootipoderegulaçãoerestrições.Emtroca,teriaquehavercompensações.Opovoreceberiasaláriosmelhorese

maiorproteção.Aindaassim,anovaimportânciadadaàpopulaçãotambémlhesconferiaum lugardemaiordestaquena sociedade—oque foi reconhecidonoeditorialdoTheTimesem1odejulho:

Quandofalamosdedemocracia,nãoestamosfalandodeumademocraciaquemantémodireitodevoto,masesqueceodireitoaotrabalhoeàvida.Quandofalamosdeliberdade,nãoestamosfalandodorobustoindividualismoqueexcluiaorganizaçãosocialeoplanejamentoeconômico.Quandofalamosdeigualdade,nãoestamosfalandodaigualdadepolíticaanuladapeloprivilégiosocialeeconômico.Quandofalamosdereconstruçãoeconômica,estamos

Page 251: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

pensandomenosnaproduçãomáxima(emboratambémsejanecessária)doquenaredistribuiçãoequitativa...Anovaordemmundialnãopodeserbaseadanapreservaçãodoprivilégio,sejaesteoprivilégiodeumpaís,deumaclasseoudeumindivíduo.

Aoqueparecia, lutarpara resistirà iniquidadenazista faziapoucosentidoseaGrã-Bretanhanão reconhecesse asprópriasdesigualdades.Dunkirk transformouideias abstratas como liberdade e igualdade em objetivos palpáveis, que ogoverno de guerra logo começaria a incorporar na vida britânica. O choquerepentinodeDunkirkfoioestopimparaacriaçãodaGrã-Bretanhamoderna.

No entanto, nada disso serviu de muito consolo para os que foram feitosprisioneirosnaFrançaoutrazidosdevoltaferidos.Emseuhospital,emBarnet,Eileen Livett atendia homens que sofreiam terrivelmente. Um dos pacientes dequemelagostavamuitoeraumjovemnofimdaadolescênciacomqueimadurasdeterceirograu—orapaztinhaumacondiçãofísicatãoboaantesdeserferidoque as queimaduras curavam bem depressa, mas, quando Livett removeu asbandagens em sua cabeça, a orelha carbonizada saiu com o curativo. No diaseguinte,Livettestavadefolga,e,quandoelavoltouparaohospital,soubequeojovem tinhamorrido.Ocurativo ao redordosolhos tinha sido removido, e eledescobriu que estava cego. “Embora o rapaz estivesse se recuperandoperfeitamente,ochoquefoiosuficienteparaacabarcomele.”OfatoéqueaOperaçãoDínamonãolevoutodaaBEFdevoltaparacasa—

Mais de 140 mil soldados britânicos permaneceram na França. Alguns nãochegaramaDunkirk,enquantoosmembrosda51aDivisão(Highland),enviadospara reforçar a linha Maginot, permaneceram ao sul do Somme, isolados dorestantedoExércitopeloavançoalemão.Adivisãocontinuoua lutardepoisdaOperaçãoDínamo,masfoicercadaecapturadaem12dejunho,emSt.Valery-en-Caux.Nomesmodiaemquea51aDivisãoestavasendolevadaparaocativeiro,duas

novas divisões — a 52a Divisão (Lowland) e a 1a Divisão Canadense —chegavamàFrançacomopartedeumasegundaForçaExpedicionáriaBritânica,enviada para ajudar os franceses na resistência contra os alemães.No entanto,estasegundaBEFnãochegoua terêxito.Seuprópriocomandante,ogeneraldeExército Brooke, queria evacuar as tropas depois de apenas dois dias, masChurchill estava tão ansioso para a França permanecer na guerra e tãopreocupadocomoefeitodeoutraevacuaçãosobreomoralfrancêsqueordenou

Page 252: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

àsdivisõesparaficarondeestavam.Em14dejunho,astropasalemãsentraramem Paris, deixando bem claro que os franceses tinham sido derrotados — efinalmente foi dada a ordem para a segunda BEF evacuar de Bordeaux,Cherbourg,St.Malo,BresteSt.Nazaire.Podeparecersurpreendente,masapenasalgumassemanasdepoisdaprimeira

evacuação, houve uma segunda retirada caótica na costa, envolvendomais umavezoabandonodesuprimentoseterminandoemumnovochamadoparapequenosbarcos.Asegundaretiradatambémlevouaumdosmaioresdesastresmarítimosnahistóriabritânica,comoLancastria,daCunardLine,quelevavamaisde6milpessoasdevoltaparaa Inglaterra,afundadoporaviõesalemães logoaodeixarSt.Nazaire.Porvoltade4milhomens,mulheresecriançasmorreram,amaioriaafogada. Churchill recusou-se a permitir que a notícia do afundamento doLancastria fosse liberada, alegando que a imprensa já tinha publicado bastantenotícias ruins naquele dia.AoperaçãoAriel (o codinomepara a evacuaçãodasegundaBEF)trouxemais191miltropasaliadasàGrã-Bretanha.Em22dejunho,aFrançaassinouumarmistíciocomaAlemanha.Aassinatura

ocorreunomesmovagão ferroviário enamesmaclareira emCompiègnequeoarmistício de 1918. Hitler queria vingança, queria humilhar os franceses —mesmoqueissosignificassearrancarumvelhovagãoferroviáriodaparededeummuseuetransportá-loatéocampo.EscrevendodeBerlim,em14dejunho,ojornalistaamericanoWilliamShirer

observouqueoscomensaisseaglomeravamemtornodeumalto-falantenobardohotelquandoasnotíciasdaentradadosalemãesemParisforamanunciadas.Elessorriram e pareceram felizes,mas não houve nenhuma empolgação indevida, etodos voltarampara suasmesas para continuar comendo.Namanhã seguinte, ojornaldoPartidoNazista,VolkischeBeobachter,relatou:“Pariseraumacidadede frivolidade e corrupção, de democracia e capitalismo, onde judeus podiamentrarnacorte,enegros,nossalões.AquelaParisnuncamaissereerguerá.”ShirerchegouaParis trêsdiasdepoiseencontrouasruasdesertaseaslojas

fechadas. À noite, as ruas que ele lembrava cheias de riso e música estavamescuras e vazias, mas havia turistas. Todos os soldados alemães pareciamcarregar câmeras e agir como turistas ingênuos. “Hoje os vi aos milhares,fotografandoNotre-Dame,oArcodoTriunfo,osInvalides”,escreveu.Mesmo com o armistício, amaioria dos soldados franceses que tinham sido

levados àGrã-Bretanhapelas operaçõesDínamo eAriel optoupor regressar àFrança.UmdosqueficaramfoiLeonWilson.EvacuadoparaDovernoiníciodejunho,WilsontinhasidomantidonoWhiteCityStadiumatémudardenomeese

Page 253: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

juntar ao Exército britânico. Estacionado emWiltshire, ele foi enviado a umaescolaparacrianças,onde iaquase todososdias se sentarpertodaportaparaaprenderinglês.“Nãodemoreiacomeçarafalar”,contou,“edepoisdeumtempojáfalavamuitobem”.Em um intervalo da escola, Wilson compareceu a um baile no Astoria em

TottenhamCourtRoad.Haviamaismulheresdoquehomenspresentes,eelenotou“uma linda jovem,muitopequena,decercade1metroemeio,mas fantástica”.Eleaconvidouparadançar,e,nofimdanoite,osdoiscaminharamatéoHydePark,ondeWilsontentoubeijá-la—efoiassimqueconheceusuaesposa.Wilson começou a treinar em vários locais pela Inglaterra e foi enviado ao

Egitoem1943comoanspeçadaartilheiro.Mesesmaistarde,foitransferidoparaoCorpodeInteligência,comquemfoiparaaItália.Emagostode1944,chegouemsuacidadenatal,Paris,apenasdoisdiasdepoisdalibertaçãodaFrança.Elefoi direto para a antiga casa de sua família, em 8 Rue des Bois, 19oArrondissement — mas a família de Wilson era judaica, e muita coisa haviamudadonacidadedesdequeeleavisitarapelaúltimavez:

Toqueiacampainha.Fuiatéazeladora,eeladesmaiouquandomeviu.Achouqueeuestavamorto!EeuestavacomouniformedoExércitobritânico!Depoisdeunsminutos,eudissequequeriasubirparavermeuspais,quenãosabiaoquetinhaacontecidocomaminhafamília.E,claro,enquantoeuestavafalandocomela,alguémdeveterouvidoefoifalarcomaspessoasquetinhamsemudadoparaoprimeiroandar.Eusubieviumasuásticadeplásticopresaàdireitadaporta.Bati,eatendeuumasenhora—elaestavachorando,juntocommaistrêsouquatrocriançastambémchorando.Easpessoasgritavamdarua:“Porquenãoprendeeles!?”

Osnazistas tinhamenviadoosnovosocupantesparaoapartamento,masWilsonnãoqueria saber deles— só queria encontrar a própria família. Passou váriosdiasprocurando,masnãoconseguiudescobrirnada.Foiparaaantigafábricadafamília,naRueBelleville, eaencontrou.Acabouvoltandoparaoapartamento.DeixouseuendereçoemLondrescomazeladora.Depoisdeumalongaespera,chegouanotíciadequeseupaieumirmãotinham

aparecido emParis— tinham sobrevivido juntos aos campos de concentração.Massuamãe,suaavóeseusoutrostrêsirmãos(omenortinhaapenasdoisanos)morreramemBuchenwald.

Page 254: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Duas semanas depois de chegar a notícia, o pai deWilson foi visitá-lo emLondres,mas semo irmão. “Fiquei feliz pormeu irmãonão ter vindo”, contouWilson.“Meupaimemostrouumafotodele.Erasóumesqueleto,peleeosso.”Opaicontouqueosguardasdocampodeconcentraçãotinhamseparadohomensdemulheres,masnãodissemuitomais.“Nuncapergunteiaomeuirmãosobreoqueeueleviveulá”,cotouWilson.“Porquetrazertodasaquelasmemóriasàtona?”LeonWilsonviveunaInglaterradesdeofimdaguerra,mas,em1950,voltou

para Dunkirk. Queria visitar uma aldeia fora da cidade onde ele e oscompanheirostinhamparadodurantearetiradaeroubadobicicletasdeumaloja.Abicicletaajudaraasalvarsuavida,maselesesentiaculpado.Depoisdeprocurarporumtempo,Wilsonencontroualoja—aindaestavalá.

Eleficouparadoumtempodoladodefora.“Parasersincero,fuiumcovarde”,contou. “Podia entrar para dizer que estava arrependido por pegar algumasbicicletas,masfiqueimuitoabaladoaoverolugarquerealmentesalvounossasvidas.”LeonWilsonpassoupormuitas reviravoltasdesdeDunkirk,masaevacuação

continuasendooeventoquedefiniutodaasuavida.Omesmovaleparamuitosdoshomensevacuadosefeitosprisioneiros.Noentanto,Dunkirkafetoumaisdoque as vidas daqueles que estiveram lá, ou mesmo daqueles que podem selembrardoacontecimento.Éumeventocultural,umíconecujosignificadomudouao longo dos últimos 77 anos, conforme a sociedade mudava. E, atualmente,estamos chegandoaoponto emqueDunkirk se transformadememóriaviva emhistória. Logo não haverá mais quem possa nos dizer como realmente foi. Ospolíticos, os historiadores e os jornalistas estarão completamente livres parainvocar ahistória comoquiserem, sejapara confirmarumpreconceito, avançarumacarreira,ouapresentarosfatossemmascará-los.EéjustamenteomomentoqueChrisNolanescolheuparaumfilmedesobrevivênciaambientadoduranteaevacuação.Euqueriaconversarcomoshomensenvolvidosnofilme,tentarsabero que eles sentiam sobre o evento histórico de Dunkirk, como o abordaram ecomootransformaramemfilme.

EmmaThomas é a produtora e esposa deChrisNolan.Ela já tinha lhe trazidomuitasideiasparafilmes,econtou:“Noventaenoveporcentodasvezeseleatéficaintrigadocomaideia,masnãovêcomoabordá-lacomodiretor.”Destavezfoi diferente.Emmacontouque estava lendo sobreDunkirk e conversou comomaridosobrecomonãohaviafilmesrecentessobreoassunto.“Eleviualacunaaserpreenchida”,contouela,“oquemedeixoumuitofeliz”.

Page 255: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Chris cresceu ouvindo a história deDunkirk, e, depois queEmma lhe deu aideia,elecomeçoualerarespeito.Chrisseisolou,assimcomofezcomBatman—outra instituição icônicaeamada.“Sozinho,nomeupróprio tempo,encontromeuestiloparacontarahistóriaqueachoqueprecisasercontada”,explicouele.Nolanprecisasedistanciardepressõeseinfluências.Mas o processo de escrever o script de Dunkirk foi incomum. “Fiz muitas

pesquisashistóricaselimuitosrelatosdeprimeiramão,oquenãocostumofazer,não importa se estou lidando com a vida real ou não.” Isso porque ele queriaentenderamecânicadoevento.Depois,Nolancomeçouapensaremcomocontara história. “Depois que senti que sabia de cor como tinha acontecido, pudeorganizaraestrutura.”Maselenãolançouaideiaimediatamenteparaumestúdio,primeirosesentou

eescreveuoroteiro.Entãofoidarumalongacaminhada.EmDunkirk.Chris pediu ao designer de produção, Nathan Crowley, para encontrá-lo na

cidadeemagostode2015.Pareciaolugaróbvioparacomeçar,eninguémtinhaideia de por que estavam lá — ou, na verdade, de quem eram. Como disseNathan:“ÉsófazerChrisusarumbonédebeisebolqueninguémsabequemeleé.”Mas essa caminhada definiria a aparência e o clima do filme.Nathan (quetrabalhoucomChrisnos filmesOCavaleirodasTrevas e Interestelar) temumtrabalho de grande porte. “Qualquer coisa que você vê na frente da câmera,qualquercoisafísica,éresponsabilidadedaequipedeprojetodeprodução.Daescolha da locação à aparência dos navios, ou se os navios hospitalares têmperspectivasparaapraia,osaviões,omolhe,osdestróieres,destróieresdemeiaescala... Somos responsáveis por tudo, exceto pelos trajes e pelos efeitosespeciais.Nóscriamosomundoemqueofilmesebaseia.”Nathan e Chris andaram do porto até Bray Dunes, mas não chegaram a La

Panne.“Jáestávamosmeiocansados”,contouele.Masacaminhadafoiessencialpara a sua compreensão do filme. Os dois tentaram estudar o molhe paracompreenderdoqueera feito,e logoperceberamque tinhamquefilmarali,emDunkirk.“Nãotemcomofabricarumacópia,ocenárioéúnico”,disseNathan.“Amaré,apraia,osprédiosdacidade...oprópriomolhe.”Mas eles não procuravam apenas a atmosfera do lugar, também queriam a

integridadedahistória.“Sentimosquedeveríamosfilmarlá,queeraimportante.”OsdoiscomeçaramaseperguntarseconseguiriamSpitfiresMarkIverdadeirosealgumpequenobarcoque tivesseparticipadodoevento.“Sentimosquedeveriahaver uma espécie de retorno.Queprecisávamosde alguns itens originais, queseriabomreconstruiromolhenaposiçãooriginal.Emparte,eraumabuscapela

Page 256: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

precisão,mas também parecia ser a coisa certa a se fazer. Tanto pelo o filmecomopeloevento.”Quantomaisandavam,maisaprendiam.“Vendoamudançadamaré,otamanho

das ondas... acabamos percebendo que é mesmo uma praia difícil de sair”,contou,rindo.Depoisquecomeçaramaconstruçãodocenário,asdificuldadesseacumularam.“Eradifícilreconstruiromolhe,eachamosdifícilprenderumnavionomolhereconstruído.E,quandoconstruímosnossopíerdecaminhões...ah,foimuitodifícil!Aíquerealmentecomeçamosaentenderamagnitudedatarefa,quepassamosterumaideiadoqueelestiveramquefazer.”Nathan foi rápido em enfatizar que ele e a equipe não estavam sob fogo de

bombas, quenãohaviaStukas sobrevoando apraia e queo inimigonão estavaatacando o perímetro enquanto trabalhavam. “Só estávamos tentando atracarbarcosnomolhe,coisaquedescobrimosquenãoénadasimples.Omolhenãofoiconstruídoparaisso.”Decertomodo,issotambémocorreuaocapitãoWilliamTennant.Nanoitede

27demaiode1940,assimcomoàstripulaçõesdemuitosnaviosnosdiasqueseseguiram. “Recriar esses eventos deu a todos uma amostra do que os homenspassaram na época, e só aumentou nosso senso de responsabilidade com apreservaçãodahistória.”A etapa seguinte levou Chris e Nathan de volta para casa. “Montei um

minidepartamentodeartenagaragemdoChris”,contouNathan.“Erasóeueele.Chrisqueriadescobrircomofazerofilmeantesdetrazerqualqueroutrapessoaparaoprojeto.”Porfim,ChriseEmmaapresentaramaideiaparaaWarnerBrothers.“Fomosa

eles como roteiro pronto”, contouEmma. “Por isso pudemos dizer exatamentecomo ia ser.Eeles ficarammuitoanimados.”OproblemaéqueDunkirknãoéapenas um evento pouco conhecido na América do Norte — é também umahistória de fracasso, uma catástrofe militar. Eram os dois elementos maisdesafiadores para uma empresa cinematográfica americana. “Mas acho que auniversalidade da história, a acessibilidade dos dilemas, faz com que todospossamentenderamensagem,nãoimportadeondevenham.”“Parece que é o momento certo para esse filme”, contou Emma, “porque

estamosemumaposiçãoprivilegiada”.OfatoéqueChriseEmmafizeramalgunsfilmesdemuitosucesso,oqueosdeixabemcomoestúdio.“ElestendemadaraChris o benefício da dúvida... pelo menos por enquanto!”, contou Emma. “Etambém foi mais ou menos assim com A Origem, um filme totalmente não-convencional que teria sidodifícil para qualquer outra pessoa,masChris tinha

Page 257: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

acabado de lançar um enorme sucesso. ParaDunkirk, era amesma situação, eelesentenderamoqueahistórianosempolgou.”Então, com um estúdio apoiando a ideia, Chris e Emmamontaram a equipe.

ForamfalarcomNiloOtero,primeirodiretorassistente,umhomemcomquemjátinham trabalhadoemfilmescomoAorigeme Interestelar.Nilo descreveu seupapeldizendo:“Soucomooimediatodeumnavio.Chriséocapitão,entãopensaemestratégiaemetasgerais,enquantoeufaçoonaviofuncionar.Essaéamelhoranalogia. Eu tinha um segundo diretor assistente que sempre perguntava: ‘Maischocolate quente, imediato?’, fazendo referência ao filmeNosso barco, Nossavida.”Nilo também falou sobre suaprimeira tarefa emum filme. “Pegoo roteiro e

divido em componentes. Para a cena um pego a descrição, o que vai sernecessárioeondeelavaiacontecer.”Eleentãoelaboraumasériede“tiras”(queantes eram tiras de papelão, mas o processo foi computadorizado), cada umarepresentandoumperíododefilmagem,edecidequantasserãorodadasemcadadiadefilmagem.Comestadistribuição,NiloeChriscriamumcalendárioprovisório,tentando

encaixar as filmagens da história a ser contada no tempo disponível. “E aícomeçam as negociações”, explicouNilo. “Às vezes dia tal estámuito leve, ooutroestámuitocheio...Evamoselaborandoumcalendárioprovisórioenquantorevisamoscadacomponentecomooselementosdeprodução individuais.”Comisso, eles passam a pensar a questão geográfica. “Onde vamos filmar? OndeexatamentenapraiadeDunkirk?OquevaiserfilmadonoReinoUnido,oquevaiserfilmadonosEstadosUnidos,oquevaisernomar?”DunkirkfoiumprojetoassustadorparaNilo,umapaixonadopelaHistória,particularmentepelaSegundaGuerraMundial:“EstivenocanaldaMancha,eéumbraçodemardifícil.Paramim,oprimeiromilagredeDunkirkfoioclima.Oquetornoutudopossívelfoiessaridículaaparênciademarcalmo,comooCanalnuncaé.NãofoitãoabsurdoHitleracreditarqueaevacuaçãonãoteriacomoserbem-sucedida:quempoderiaesperarquealguémfosseconseguiratravessarocanalemumbarcoaremo?”Aequipe então cresceupara incluir, entreoutros, odecoradorGaryFettis, o

figurinista JeffreyKurland, o coordenadorde efeitos especiaisScottFisher e omestre de acessórios Drew Petrotta. Cada um tinha uma responsabilidadeespecífica, mas trabalham em colaboração, e suas funções se interconectavam.GaryFettis explicou que a equipe “fornece todos os detalhes, dos adereços aovestuário,quedefinemospersonagensesustentamoenredo”.Emgeral,osfilmesdeNolantêmumaatençãominuciosaaosdetalhes.EmInterestelar,porexemplo,

Page 258: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

ajovemmoravaemumquartocomumaparededelivros—Gary,EmmaeChris,juntos,escolheramcadalivrodocenário.Mas,paraDunkirk,oprocessoeraumpoucomaisorgânico.“Aênfaseestavanavarredurapanorâmicadapaisagem—apraia,asáreasindustriais,omolhe.”AregraprincipaldeGaryéquenadadevedistrair.Emvezdisso,cadadetalhedeveserviràhistória,àvisãododiretor,àimaginação dos atores. Gary diz que Chris não queria forçar a destruição e acarnificinadaguerraaumnívelquedominasseanarrativa.“Aordemeramantertudo muito simples e sem firulas, então meu desafio foi como transmitir amensagem num cenário tão grande, onde qualquer aparatomilitar poderia ficarobscurecido.”JeffreyKurlandeDrewPetrotta,quecuidavamrespectivamentedovestuárioe

dos acessórios, trabalham em estreita colaboração, já que ambos cuidam dosaspectos intrínsecos a cada personagem — como se vestem, o que possuem,manipulam ou usam. Drew descreveu seu trabalho: “Se tem uma mesa em umquarto e os personagens estão comendo o jantar, não cuidaríamos da mesa:ficamos com a parte dos pratos e da comida.” Em um cenário histórico comoDunkirk,eletevequepermaneceromaispróximopossíveldoquedescobriuemsuapesquisa.“Eemumfilmemilitarcomoesse,ébasicamenteprepararoqueoscaras tinham à mão. Só precisamos pensar na quantidade, e isso dependia donúmerodepessoasedaverbadisponível.”Enquanto Jeffreyorganizavaa fabricaçãodecentenasde trajes, chegandoaté

aopontodeterdemandarconstruirtearesparacriaçãodotecidodeépoca,seudepartamento não teve que se preocupar muito. “Não tinha muito trabalho deprodução,sóalgumasarmasdeborrachaecoletessalva-vidas.”Drewencontroujaquetas originais da época em estilos diferentes e as mostrou a Chris, queescolheuomodelofavorito.“Entãoasrecriamos,parapareceremnovas.”Para o departamento de Jeffrey, usar trajes originais estava fora de questão.

“Osuniformes teriam se desmanchado como desgaste que iam sofrer, dentro efora da água, explodidos com areia... Seria impraticável.” Drew, no entanto,poderia usar itens originais. “Tínhamos ótimos binóculos, que usamos para umcoronel no molhe — binóculos reais da Segunda Guerra. Também usamosalgumas ferramentas de navegação verdadeiras. E alguns dos rifles eram daépoca.” Seu departamento também recriou os folhetos usados nos momentosiniciaisdofilme.“MostramosalgumascópiasdosoriginaisparaNathaneChris,eelescriaramsuaprópriaversão.Sãobemsimilaresaosverdadeiros,mascomalgumascoisasaumentadas,comoascores,paraajudarnanarrativa.”Eleriaoselembrardaquantidade:“Mandamosimprimir5mil.”

Page 259: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

JeffreyeDrewtambémtrabalhamemestreitacolaboraçãocomScottFisher,acardo dos efeitos especiais. Scott é responsável por “todos os efeitos físicos,mesmo se forem criados na pós-produção, por computação gráfica”. OdepartamentodeScootevolui juntocoma tecnologia—mas issonãomudaemnadaasexigênciasdeChris.ScottachaqueoCGIpodemudarasensaçãoqueopúblicotemaoverofilme.

“Quando é usado em sequências inteiras pode ficar muito pesado”, explicou.“Todomundoconheceessesfilmes:osmundosgeradosporcomputador têmumvisualmuitodistinto.CGIéumaferramentafantásticaparaapós-produção,pararemover os fios do dublê quando ele está sendo puxado para longe de umaexplosão,ousepercebemosqueestáfaltandoumbarcoquedeveriaestarali.Mastemos tantos desses itens reais na filmagem — navios de tamanho normal, omolhe, todos os extras —, que, se adicionarmos coisas na parte de trás doenquadramento,émuitomenosperceptível.Ésólimpar.”Umadasgrandesvantagensdefilmarcomcenáriorealéoimpactogenuínoque

oeventopodeternodesempenhodeumator.“Mudaalgumacoisanasreações”,explicou Scott. “Com Interestelar, Chris queria que o robô estivesse no setdizendoasfalasdeleeinteragindocomoator,emvezdeoatorolhandoparaumatelaverde, simulandover algumacoisa e fingindo interagir”.ParaScott, isso éaindamaisverdadeiroquandoéfilmadooimpactodeumabalaouumaexplosão.Osefeitospodematé ser controlados e completamente seguros,masas reaçõessãoviscerais.“JáestiveemfilmagensondeeraparasertudofeitocomCGI,mascriamos um efeito bem simples, como uma bombinha de ar, só para ter umareação.Quandoacontece,dáparaverobrilhonosolhosdodiretor.Eles ficamimpressionados,comentandocomoareaçãofoireal.Comisso,passamosafazermaisemaisdisso.”Scott também acredita que o CGI tem um efeito sensorial e emocional na

audiência, e pode fazer com que acabem se afastando do filme. “Os olhos dopúblico já estão treinados para isso, e oCGIpode acabar tirando a pessoa domomento, porque ela sabe que não é de verdade. Acho quemuda um pouco omodo de pensar.” Para Chris e Nathan, o público precisa de uma experiênciaautêntica, umaperspectiva emprimeira pessoa.Temque ser um soldado sobofogonapraia,umpilotodeSpitfirequevoadeencontroàLuftwaffe...Éporissoquequalquercoisaqueacabecomaimersãoéindesejável.Chrisquerqueofilmetenhaumasensaçãodocumental.ComodisseNathan,“Queremosqueofilmesejasobrecomoseriaestarlácomeles”.

Page 260: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Oroteiroapresentatrêsnarrativasatravésdequatroelementos,terra,mar,are—crucialmente—tempo.Emmuitosaspectos,otempoéomaisfundamental.Háum pulso de disparo de contagem regressiva que funciona através da históriainteiraelevantaperguntasinexoráveis.Oshomensvãoconseguirirembora?Osnavios vão sobreviver? Os aviões vão ficar sem combustível? Chris e Nathantrabalharam juntos para encontrar imagens definidoras para estes quatroelementos. Nathan começou fazendo ummodelo domolhe. “Percebemos que omolhepareciamuitoumaestradaquenãodavaemlugarnenhum”,explicou.Eleprimeiro pensou que a imagem definidora seria de homens sentados diante domar,mas,depoisdemaispesquisaseconformeasideiassedesenvolveram,issomudou.“Nãohánadadenovonessa imagem,opúblico jáconhece isso.Nãoéinteressante.Entãofoiótimocomeçarmoscomelaedepoisdeixá-laparatrás.Foiumadecisãorápida.”OfilmecomeçacomTommyabrindocaminhoatravésdoperímetroatéapraia.

“Definimos a cidade de Dunkirk com a perseguição pelas ruas antigas emisteriosas, comedifíciosbaixos.Então, a câmera sedepara comomar e ficaapreendendootamanhodele...vocêconseguiu.”Aimagem-chaveparaoelementoterrafoi“omolhebrancode trêshomensde largura,cheiode tropas,capacetessemfim,atéondeavistaalcança,indoparalugarnenhum—apenasmaradentro.Istotransmiteodesesperodoepisódio.Sembarcos.Sóhomensnomolhe.Acenadiz‘aquiéofimdaestrada’.Vocêfoiperseguidoatéaágua,eháumaponte—masnãolevaparaaInglaterra.”Paraomar,aimagemdefinidoraeraadeumsoldadosentadonocascodeum

barco virado para cima, encalhado no Canal da Mancha. O barco estáabandonado, a hélice quebrada arrancada pela força domar. Foi bombardeadomuitolongedapraiaparavoltaremuitolongedecasaparanadar.ParaNathan,isto transmitiu “omovimento circular do filme, o eternoDiadaMarmota paraaqueles soldados que saíram da praia, mas tiveram o navio afundado eprecisaramvoltar.Ealiestáaquelesoldadoalquebrado,sentadoemdestroçosnomeio do mar. Ele está exausto, está desistindo, nada pode salvá-lo. O homemsentadoentreumgrandecéueumgrandemar.”Estaimageminspirououtradecisão:“Issonosajudouaescolhera tecnologia

IMAX, que é um formato excelente para cobrir o céu.” Os pequenos naviostambém definem o elemento do mar. O filme apresenta um em particular, oMoonstone, um barco encontrado no Lago Ness. “No tempo do filme,acompanhamos este pequeno barco durante seis horas”, conta Nathan. “É uma

Page 261: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

imagembemconhecida,masabsolutamentefundamental—oMoonstoneéaparterealmentehumanadahistória.”ParaEmma,issoépartedoquedátantoapeloàhistória.“Qualquerfilmeque

váatrairumaaudiênciamoderna temde serumahistória sobreahumanidade”,explicou. “Você pode assistir a quantos filmes de guerra quiser e se sentirdistanciado,porquevaipensar‘nãoestounoExército.Nãofizoserviçomilitarenuncafarei’,masoquediferenciaahistóriadeDunkirkéquetambéméahistóriadecivis.Éahistóriadoheroísmocotidiano.Éporissoqueéatraentecomofilme,são os soldados esperando para serem resgatados e as pessoas nos pequenosnaviosvindopara salvá-los.”ParaChris,os civis entrandovoluntariamenteemumazonadeguerraéoquefazdeDunkirk“umadasmaioreshistóriasdetodosostempos”.O Spitfire, por sua vez, une dois elementos: ar e tempo. Câmeras foram

colocadas dentro da cabinepara capturar a visãodopiloto emação e o queopiloto vê domundo exterior. “Era sobre estar com o piloto”, explicouNathan.“Emvezdeverosmesmosplanosdeforadesempre,queríamosqueopúblicoexperimentasseessapeçademaquinário.Atarefaeraconseguircâmerasemumaviãoreal—oquefizemos—enasasas,erealmentefilmarDunkirkdecima.Quandovocê sobrevoa a cena, vê a proporçãodo eventodopontodevista doavião,emvezdeatravésdeum‘olhardeDeus’.Ofilme todoésobreestaralicomaqueleshomens.”ChriseNathanvoaramemumSpitfire,eissodelimitouofilmeparaeles.“O

combustível sópermiteumvoocurtoperíodo sobreDunkirk, ehá tantasoutrasconsideraçõesasefazer—inclusiveoataquedaLuftwaffe—,hátantascoisasacontrolarparatercertezadequepoderáchegarláevoltar.”NathanachaqueosdesafiosparaumpilotodeSpitfireeramsemelhantesaosdoshomensnomolheounos pequenos barcos: “É o tempo se esgotando, as chances se esgotando. Aspessoas não percebem quantos aviões foram perdidos tentando proteger aquelapraia.”Enquanto fazia sua pesquisa, Nathan também foi atingido pela natureza

industrial da área. “Não é uma cidade costeira pitoresca, é um grande portoindustrial. Ninguém a retratou assim antes, e queríamos isso na história: amodernidade não romântica do cenário.” Ele contou que o molhe original,construído apenas dois anos antes do evento, era uma estrutura extremamentemoderna.“Nãosetratavadepessoasemcadeirasdepraia,eraumadendoàessaenorme área industrial — e grande parte dela estava em chamas.” Elesescolheram uma área onde os derramamentos de petróleo queimavam para o

Page 262: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

pouso do Spitfire. “Fiquei muito satisfeito em colocar esse aspecto brutal nofilme.”RecriarafumaçapretaquepairavasobreDunkirkequeguiouaRAFdacosta

inglesafoitarefadeScottFisher.Elefezissoqueimandodiesel,masacidadedeDunkirkimpôsrestrições.“Nossaautorizaçãoparacriaressafumaçabaseava-senadireçãoemqueoventosoprava,porqueelaeramuitoespessa.Nãoeratóxica,sótãodensaquehaviapreocupaçõescomosmotoristasnasestradaspróximas.”Masoventoéummembropoucoconfiáveldoelenco.“Haviaumafábricalocal,e todo o edifício começou a se encher de fumaça— as pessoas não podiamtrabalhar.Eteveumavezqueafumaçaentrounacidade.Ouseja,tivemosalgunsincidentes.” Scott e sua equipe não podiam parar de trabalhar naquilo,“posicionandoodieselemáreasdiferentes,atéconseguirmosoefeitodesejado”.O diesel foi passado através de uma bomba de alta pressão e aceso em umreservatóriodecontenção.“Tinhadiasemqueoventosopravaemumadireçãomuitoruimenóssimplesmentenãoconseguimosoquequeríamos.”Nathanlembraqueumdia,derepente,apraiaamanheceucobertadeespuma.

“Foi como oDoutor Jivago ou algo assim, um monte de caras andando pelaespuma.”Utilizaressesimprevistoserapartedafilmagem.“Paranós,eraassimquequeríamoscontarashistóriasdeDunkirk.Oeventoeratodoimprovisado,umcaos organizado. Havia tantas coisas diferentes acontecendo, tantos eventosindividuais...hátantasversõesdeDunkirkquantohaviahomensnapraia.Ehaviaospequenosnavios, omolhe,osdestróieres, asdragasdeminas,os aviões, astraineiras holandesas, milhares de homens... foi um evento e tanto! O filme ésobreserjogadovisualmentenesteevento,enãoficarolhandodefora.Christemessesconceitosemmente,entãosóoajudoavisualizaracoisatoda—essefoiomeutrabalhonosprimeirosseismeses.”Háumúltimoelementocrucialdofilmequeestásemprepresente,mastambém

permanentementeausente:oinimigo.Chrisentendeuquenãohouvecontatoentreossoldadosnapraiaeoinimigoequeriarefletir issonofilme.“Éassimqueaguerra é vivida”, contou Nilo Otero. “Quando você conversa com velhossoldados, percebe que eles não viramo inimigo.Quando alguém está atirando,vocênãopõeacabeçaparaforaeolhaquemé!Vocêseenfiaemumburacoeficalá.Éumaexperiênciaassustadora.Achoqueasituaçãosetratadessarevelaçãodamortalidade.Issoeosimplesesforçoparaevitaramorte.”ParaChris, tornar a ameaça sem rosto liberta o evento de suas ramificações

geopolíticas, transformando-o em uma história atemporal de sobrevivênciahumana. Ele não queria seguir uma abordagem clássica de filmes de guerra

Page 263: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

porque,demuitasmaneiras,ahistóriadeDunkirknãoéahistóriadeumabatalhaconvencional.“Foiamortesurgindodocéu”,contou.“U-bootsqueninguémviasobrevoavamocanal.Oinimigovoaeseergueatravésdasondasparapegaraspessoas, afundar os navios.” Os soldados não conseguem entender a própriasituação,eopúblicoexperimentaomesmohorror.Épor issoqueaaçãonuncasaidapraia.“Sevocênãoparademostrarosalemãescomoalemãesegeneraisemsalasfalandodeestratégia,vocêlevantaovéu”,oquedeixariaopúblicomaisinformadodoqueossoldados.“Depéemumapraia, tentandointerpretaroqueestá acontecendo, se perguntando o que fazer para sair dali... ‘Devo entrar nasfilas?Entrarnaágua?’.Essaéaexperiênciadarealidadequequeroqueopúblicocompartilhe.Éver o comportamentode rebanho, o primitivo, o comportamentoanimal—aspessoasficamemfilasnaáguaporqueveemoutraspessoasfazendoisso, não porque sabem que há um barco vindo. Acho isso fascinante eassustador.”Emma concorda. “O inimigo é mais assustador quando você não o vê. Não

precisavê-los.Éumanoçãotãosimples,oqueessaspessoasestavampassando...tanquesesoldadoslá,aviõesacima,submarinoseminasabaixo:issoétudooquevocêprecisasaber.QuandovocêpensaemTubarão,nãoprecisavero tubarãoparaentenderaameaça.”Reconstruir o molhe foi uma das primeiras tarefas para o departamento de

produção.Apesardepesquisareestudarfotografias,NathansentiuquenãotinhaentendidoomolheatéchegaraDunkirkeveroqueaindarestadele.“Apartedeconcretoaindaestálá,enósreconstruímoscercade300metrosnofinal.”Emmalembra comooprocesso foi difícil. “Aobra nomolhe foi enorme e demorada.Envolviatodootipodetrabalho,dragagemaoredor,reconstrução.Tivemosumasorte incrível por a cidade de Dunkirk ser muito prestativa. Eles forammuitoamigáveisaofilme,eissofeztodaadiferença.”Mesmo o processo de reconstruir o molhe foi influenciado por como Chris

queriaqueopúblicosesentisse.“Oqueestavaláeraumamisturademadeiraeconcretofundido—aquelesgrandes‘X’quevocêvêemtodasasfotos”,contouNathan.“Tínhamostantadificuldadeemdescobrirdoqueerafeitooriginalmente.Se você pegar um barco até o fim do cais, vê que é concreto,mas as pessoastambém falaram emmadeira. Decidimos construir a peça que adicionamos emmadeira por duas razões: primeiro precisávamos levantar a obra emum temporazoável,mas tambémeraumadecisãocinematográfica.Poderíamos ter fingidoconcreto usando madeira, mas decidimos que era melhor não. Chris e euachávamos que seria melhor que a plateia não se perguntasse o que tínhamos

Page 264: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

feito,nãoficassequerendosaberdoqueomolheerafeito.Entãodecidimosfazê-lodemadeira,mesmo.”Não queriam atrair a atenção do público, lembrá-los de que estavam emum

cinema. Assim, os cruzamentos de marcas eram feitos de enormes vigas demadeira de 12 por 12, colhidas de uma floresta local.Cada viga foi serrada epré-cortadaetevequesercolocadacomchapadeaço.“Foiomaiordesafiodetodoofilme”,contouNathan,“porqueestávamoslidandocomamaré.Tínhamosumajaneladetrêsaquatrohorasparacolocarasplacasdebaseedepoisiçaraestruturanolugar.Construímosomolheemseçõesaoladodadocaeusamosumabarcaçacomguindasteparacolocarcada seção.Mas, comapenasquatrohoraspararealmentefixar,paratorná-losegurocontraaforçadomarantesqueamarésubisse...acabousendomuitodifícil.”Duranteafilmagem,umatempestadedanificouomolhereconstruídoearrancou

apassarelademadeiranotopo.“Omarépoderoso”,contouNathan,“foioquedescobrimos.Foiumagrandepreocupação.NossoengenheirodaWarnerBrothersdisse:‘Éumaestruturaincrível,maisfortedoqueamaioriadoscaispermanentesemquejáestive.’Mas,comoeraumaestruturaaberta,asondasbateramembaixoe arrebentaram as tábuas.” Tábuas extras foram preparadas em caso deemergência.“Dariaparaconsertartudo”,disseNathan,“masaquestãoeracomochegaratempoecolocá-lasdevoltaparaquecontinuarafilmar.”Chrisesuaequipenãotiveramobomtempomilagrosodaevacuação,mas,se

não ficaramsatisfeitoshistoricamente, conseguiram satisfação artística. “Temporuimficamuitomelhorno filme”,explicouNathan.“Tero solnocinemanãoébom, embora fosse mais historicamente verdadeiro.” E o mau tempo tornou apraia muito difícil para se trabalhar. “Tentamos arduamente e tivemos muitosproblemas— omolhe, o píer de caminhões. E não é fácil pousar um Spitfireinestimávelnaquelapraia.”OpousodoSpitfirenapraiaéummomentocrucialnofilme.Encontraramum

proprietáriodeSpitfirepreparadoparatentarisso(queémaisfácildizerdoquefazer)eelesandarampelaáreamuitasvezesatéencontraro lugar idealparaopouso.OspilotosdaRAFem1940descobriramqueapraiadeDunkirkeraumapistadepousosurpreendentementedecente.“Essamarédeixaapraiabemplana,eaareiaédura,entãoémuitoboa”,contouNathan.“Aáreaescolhidafoiisolada,e o piloto praticou muitas vezes o “toque e arremetida”. Filmamos todas astentativas.”Nathanserecordavividamentedomomentodaaterrissagem:“VerumSpitfire

Mark I aterrissando na praia de Dunkirk é incrível.” Mas então, como muitas

Page 265: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

vezesacontece,ascoisassecomplicaram.“Opilotonão tinha levadoemcontaque,depoisdepousar,teriaquedeixaraáreaescolhidaparamanobrar,eacabouatoladoemareiamacia.Amaréestavachegando,etodomundotevequecorrereajudaraempurraroaviãoparaforadapraiaantesdeamarésubireosolsepôr.”Doisgrandesproblemasestavamsejuntandoàsomatotal:aimplacávelmaré

deseismetroseopôr-do-sol—issofoisignificativoporqueospilotos tinhamquevoltarpara seusaeroportosantesdoanoitecer.Nathanestava longequandoissoaconteceu.“Sóviacomoção,aspessoascorrendoparaoSpitfire.DáparaempurrarumSpitfire,dáparalevantá-losetivergenteosuficiente.Entãomuitaspessoas foramaté láe tiraramoavião,quedecolouechegouemcasaantesdopôrdosol.MasnuncameesquecereidetervistoumverdadeiropousodeSpitfirenapraiadeDunkirk.”Há um número surpreendente de Spitfires ainda disponíveis. “Obviamente,

MarksIeIIsãodifíceisdeseobter,masestãopreservados”,contouNathan.Mascom os aviões alemães é uma história diferente. “Não sobraram Stukas emfuncionamento. O último voou até a década de 1990, la no Maine. O últimoHeinkel caiu tragicamente em um show aéreo. Há um ou dois Me 109 aindaoperacionais, e um proprietário estava muito interessado em se envolver noprojeto,mastinhaproblemasdevooenãoconseguiaobteralicença.”ParafazerosataquesaéreosalemãeseraprecisoencontrarumMesserschmitt

Bf 109, mas Nathan teve que tomar uma decisão artística. “Eu realmenteprecisavausaronarizamarelodoMesserschmitt,mesmoquesejahistoricamenteincorreto.Elesnãotinhamessacoratéagostode1940,eDunkirkaconteceuemmaioejunho”.54Masprecisavalevaremconsideraçãooaspectovisual.“Temosqueconseguiridentificarasaeronavesinimigasrápido,porque,seestamoscomopilotoetudonocéusemovetãodepressa,nãopodemosdemoraraentenderqueméquem.Omaisóbvioasefazereramanterograndenarizamarelonoinimigo.Etambém ficava muito melhor na cena.” Eles decidiram não especificar oesquadrãodeSpitfire.Nathanencontrounúmerosverdadeirosdeesquadrãoquenão tinham sido usados. “Os números no Spitfire eram reais. Quando a guerraterminou,eles tinhamnúmerosdeesquadrãodereservanoMinistérioqueaindanãotinhamsidousados,entãoconseguimosnúmerosreais.”Depoisdereconstruiromolhe,opróximograndedesafiodeNathanfoirecriar

opíerdecaminhões.“Nãotínhamoscomoconstruirumigual,entãoamarramososcaminhões juntos—bases de caminhão reais e sólidas.Tivemospreocupaçõeslogísticasatéquantoaisso.Foiprecisotiraroóleo,porqueacidadenãoqueriaprodutosquímicosnaágua,mas,quandorebocamososcaminhõesparaomarea

Page 266: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

maré subiu, acabamos percebendo nosso erro: eles estavam flutuando! Naprimeiramaré, dois deles flutuaram!”Nathan e sua equipe tiveram que pensarrápido.“Pegamosasfacasefuramostodosospneusantesquetudofosselevado.Foi um aprendizado e tanto.” Esta era praticamente a mesma situação sofridapelos Engenheiros Reais, em 30 de maio de 1940. Eles também tiveram quedesinflar os pneus — embora, naquela época, a cidade não estivesse emcondiçõesdeemitirrestriçõessobreapoluiçãodoóleo.“Vocêacabapercebendoque não é fácil construir um píer de caminhões”, contou Nathan, “há tantosimprevistos.E temqueser longoosuficienteparaquandochegaràmaré—ouseja:enorme.”NathanestavamuitointeressadoemseapossardoHMSCavalier,umdestróier

de 1943, agora no cais das docas de Chatham. Embora não tenha estado emDunkirk, o Cavalier era muito semelhante aos navios que estiveram, mas nãopoderia ser tirado da doca seca.A equipe obteve outros navios originais,mastiveram que disfarçar quaisquer acréscimos posteriores. E também fizeramdestróieres de meia escala. “Temos navios que afundam no filme”, explicouNathan,“equeríamostercertezadequeelestinhamasmarcasexatas.Sentiqueera necessário fazer cada número que se vê em um navio para recriar um querealmenteestevelá.”Ele também quis muito utilizar pequenos barcos originais, quando possível,

além de qualquer barco a vapor de pás que pudessem encontrar. “E nossoprimeirodia caminhandopelapraia, vimosos restosdoCrestedEagle.Depoisfomosatéo fimdomolhe,onde,namarémuitobaixa,dáparaveros restosdoFenella.Eramuito importanteobterumvapordepádoTâmisa,porqueémuitoestranho ver um atracado. Eles não tinhammotores,mas rebocaram o PrincessElizabeth.”Gary Fettis lembra-se de quanto trabalho teria que ser feito nos barcos para

torná-loshistoricamenteprecisos. “Semprehavia tantacoisapara fazer.Mesmoparaasembarcaçõesmenores.Edepoisaindahaviaosnavios-hospitais,todosossuprimentos da Cruz Vermelha... Fizemos muitas armações com escadas decorda.” A quantidade de trabalho necessário levou a algumas colaboraçõesinteressantes. “Hoje em dia, os navios usam grandes bolas de borracha comopara-choques,mas,naquelaépoca,eleseramdecordatecidaemcânhamogrosso.Tivemos que fazer cerca de dez desses.” A equipe encontrou um homem deDunkirk que tinha restaurado um navio para ummuseu local. “Ele sabia comotecer esses para-choques e empregou o trabalho de detentos para fazê-los.Infratores primários, jovens... não eram criminosos da pesada. Espero que os

Page 267: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

produtoressaibam”,acrescentaGary,“porqueeconomizamosmuitodinheirocomisso”.Gary também precisava de uma equipe na praia, conhecida como “set

dressers”.“Tenhoquemeadiantarpreparandoopróximoset”, explicou,“entãonãopossoficarporpertoquandoestãofilmando,ounãovouconseguirrealizarotrabalhododiaseguinte.Porisso,queríamos‘setdressers’,sóquenãotínhamosorçamento, então contratamos uma equipe de hóquei local. Estava entre astemporadasdoano,eeleseramótimos,caraslegaiseinteligentes.Comumpoucode orientação, eles foram inacreditáveis.” Mais tarde, quando Gary e seuassistente, Bret Smith, passavam por Dunkirk, viram um cartaz apresentando aequipedehóquei.“Eleseramestrelasdecinemalocais!Nãotínhamosideia.Masaceitaram as instruções tão bem e disseramque foi uma experiência que nuncaesqueceriam.”Umdosmaiores cenários paraGary preparar era o interior de umdestróier,

quefoiconstruídoemumestúdioemLosAngeles,emumenormetanquedeágua.Seus auxiliares encontraram componentes para o interior nomaior estaleiro dedestroços de navios nos Estados Unidos. “Fica no Texas”, contou Gary. “Elestrouxeram todas essas peças, portas, válvulas, beliches... E é só uma página emeiaderoteiro,maséumacenacrucial.”Entãoeletevequeprepararointeriorde uma traineira com equipamentos de pesca. “Mas com os exteriores, em umfilmedeguerra,haviaummontedesacosdeareia,artilharia,caixasdemunição,caminhõesepeças.”Garytambémtinhaquerecriaracarnificina.“Usamosummontedemanequins

para as tomadas longas, e Chris colocava atores e figurantes mais perto dacâmera.” Gary confundiu Chris em um ponto: tinha preparado a praia para aprimeira cena crucial, perto de Malo-les-Bains, quando Tommy chega pelaprimeiravez.“Tínhamospreparadoquarentacaminhõesecaixasdemuniçãodopontodevistada câmeranasdunas.Para tornaro cenáriomais amplo,usamosuma perspectiva forçada. Tínhamos um walkie-talkie para passar instruções àpessoanapraia,atéqueconseguíssemosarrumartudo.QuandoChrischegouemseucarro,foidiretoparamim,comoumhomememumamissão.Eleolhouparaapraiaeoquetínhamospreparadoedisse:“Quandoeuestavadirigindo,viessascoisas espalhadas e não entendi nada. Não consegui visualizar o que estavavendo. Pareciamuito aleatório.Mas agora entendo: você fez a coisa funcionarparaacâmera.”Garydizqueéassimquesecompõeumquadro.“Vocêtomaumaposiçãoecomeçaaempilharcoisaseaespalhá-las.Podecriarumailusãocomcoisas com 15 metros de distância entre si, mas do ângulo da câmera elas

Page 268: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

parecem próximas. Isso faz com que os olhos sintam que há mais no cenário.Fizemosissováriasvezesemdiferentesáreas,paraobteroefeitodesejado.”Scott foi responsávelpororganizaronaufrágiodenavios, as explosões eos

tiroteios. Ele usou mais explosivos de alta potência do que o normal. “Todasessas explosões da Segunda Guerra têm um visual tão distinto, que acabaprecisandodeummontedeexplosivosparareplicar.Usamososexplosivosmaisparaascenasàdistânciae,àmedidaquenosaproximávamosdosatores,usamososmorteirosdearparafazerasexplosõespróximasemsegurança.”Morteirosdearsãotanquesdearligadosapistolasdealtapressãoque“sopram”asuperfíciedeareiaoudaágua.“Émuitorepetitivo”,contouScott.Masconseguirredefinirumefeito é parte crucial do seu trabalho. “É seguro o bastante para que poderdeixar umdublê ou um ator bempróximo, já que podemos testar o resultado etrabalhar um pouco mais perto. E também não precisamos nos preocupar comnadaperigosobatendonaspessoas.”OshomensquesãoatiradospeloartrabalhamcomTomStruthers,encarregado

dosdublês.“Tomtemumguindastecomequipamentodearame,epodepuxarodublê bem depressa, como se fosse resultado da explosão. Mas é só seuequipamentofazendotodootrabalho,comelenocomando.”NosEstadosUnidos,no set, havia “tanques de destroços” cheios de água para filmar tanto oafundamento dos compartimentos interiores como a parte exterior de umnavio,quepoderiarolaraténoventagrauseafundaraoitometros.Scotttevequecriaroefeitodebalasatingindoas lateraisdosbarcos—oquefoiumdesafio, jáqueChrisqueriaqueasbalasirrompessematravésdosladosdastraineiras,paraqueentrasseáguapelosfurosenquantoaluzdosolviessedecima,dasuperfíciedaágua.Foiumefeitocomplexo.AequipedeScottperfurouburacosnalateraldobarco e os encheu de festim disfarçado, para ser disparado quando dessem osinal.Atrásdaparede,construíramumtanquetransparentequeencheramdeágua,entãocolocaramluzescuidadosamenteposicionadasatrásdotanque.Tambémfoiusadofestimparacriaroefeitodehomenssendobaleados.“São

explosões muito pequenas”, explicou Scott, “usadas só na indústriacinematográfica. É sempre bom ter tanta ação contínua quanto possível, entãoligamososfestinsadispositivosdecontroleremoto.Noiníciodofilme,oscarasficamcorrendopelarua,sendoabatidos...aíelescaem,continuam,escalamumaparede,easbalasbatemnaparede...”Apeledoatorficaprotegida,eofestiméembalado com sangue falso ou pó vermelho, mas tem poder suficiente paraestouraratravésdomaterialedascamisas.“Dáparaacionarporcontrole-remoto,a quinze, vinte metros de distância, se quiser, para ele estar atrás da câmera

Page 269: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

quandoacoisadispara...podemserdoisoutrêstirosfalsos—ousejaláquantosvocêquiser.”LidarcomosatoresefigurantesfoitarefadeNiloedesuaequipedediretores-

assistentes. “Écomopintarumquadrocompessoas, emvezde tinta”, explicouele. “Chris não gosta de usarCGI, então hámuita arte envolvida no set,muitaencenação.” Nos dias mais cheios, havia até 1.200 figurantes. “E todos sereshumanos”,ressaltouNilo,“ouseja:elessempresedispersam”.Niloselembradedizer, emuma reuniãodeproduçãocomoutros chefesdedepartamento: “VocêspodempensarqueestamosfazendoDunkirk,masparamim,sãoduzentosparesdecalças!” Mas Nilo explicou sua fala: “O que eu quis dizer foi que, com oorçamento, tivemos duzentos pares de calças historicamente corretas da ForçaExpedicionáriaBritânica.Issoparaosclose-ups,paraveraspessoas.Poderiamusarduzentoscarasdeumavezsó.Mastemosdepagarparaoatorcompareceràprovadefigurinodouniforme,esó tinhamdinheirofazerdoisacessórioscada.Entãoacabousendoumfilmesobreumgrandenúmerodepessoas,esótínhamosduzentos pares de calças, dois acessórios cada. Ou seja: vai ter os mesmosquatrocentos caras na frente da câmera o tempo todo, os mesmos rostos vãoaparecercommuitafrequência!Eunãoparavaderepetirisso,emumcontextoououtro. ‘São duzentos pares de calças, rapazes. Esse é o filme que estamosfazendo’,eusempredizia.”Nathan Crowley e sua equipe de produção criaram “homens falsos”, uma

fileiradesoldadospintadosemtelaquepoderiaserenroladaepresaemposiçãocomestacas no chão, para preencher o quadro. “Se temumapessoa viva e emmovimento emcadaumadas extremidades, nomeio, na frente ou atrás da tela,tudomudavisualmente”,explicouNilo.Porqueéquestãodeenganaroolhar.Étudocomoascoisassãopercebidas.”Nilolembradecomoapraia“engoliu”oshomens.“Foiassustador.Aescalaengoliaosfigurantes.Quandovocêolhaparaas fotos do evento, a densidade de gente, especialmente nos barcos... a gentesimplesmentenãoconseguia reproduzir comsegurança.Mesmose tivéssemosocontingente, não seria seguro botar todos os homens lá.” Isso o fez pensar nasrealidadesdaguerra.“Nãodáparareproduziroqueaspessoasfazemnaguerra.Não dá para pilotar aviões do jeito que foram pilotados, operar navios comoforamoperados.Nãodáparaterhomenssejogandonochãodaquelejeito,porqueémuitoperigoso.Sóqueaguerraémuitoperigosa!Eaúnicarazãopelaqualaspessoas fazem essas coisas incrivelmente perigosas e arriscadas, porque aalternativa é a morte.” Certas coisas, em outras palavras, nunca podem serinteiramenterecriadas.

Page 270: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Otamanhodapraiacrioudificuldadespráticaseartísticas.“Aescalaédifícilde registrar no filme”, explicou Chris. “Caminhando para explorar os várioslocais,dáparaandar10ou12quilômetrossódeumcenárioaoutro.”Issotinhaqueficarclaroparaaequipedediretoresassistentesresponsáveispelagarantiadequeoelencoeartistasdeapoioestariamondeprecisavam.“Tivequeexplicaraosdiretoresassistentesqueofatodedarparaveromolhedecadaaolongodapraianãofaziadapraiaumúnicolugar.Parairdeondeestávamosfilmandoumacenaatéabasedomolhe,porexemplo,eraoquechamamosde‘movimentodecompanhia’.Todomundotinhaqueembarcaremveículos,queeramlevadosparaasestradasedepois,paraentãovoltar.Assim,asimplesgeografiadeumcenáriodepraiaéparadoxal,porquepareceque tudoestápertoedeveestaremumsólugar,masnãoestá.”IssofezChrisseconcentrarnaexperiênciaDunkirkde1940:“Pequenas comunidades inteiras, aldeias temporárias na praia aparecendo e seformandoduranteaevacuação.Entãoaspessoassimplesmentedesapareciam,osindivíduossumiam.”Chrisdescreveuospersonagensdofilmecomoestandono“tempopresente”,já

que não têm passados e histórias— e isso significava que a diferenciação debonspersonagensficariaacargodofigurinodeJeffreyKurland.“Émeutrabalhodar a um diretor omáximo de detalhes e de realidade possível”, explicou ele,“paraodiretorpoderusaresserecursocomoacharmelhor”.Jeffreycomeçouinvestigandoosuniformes,querendocriarexatidãohistórica,

e só e então pensou nos personagens como indivíduos — quem eram essesrapazes, suas idades, sua experiência. “Tentei humanizá-los”, contou. Mas, éclaro,quandochegaramàpraia,muitosdossoldadosestavambatendoemretiradapor uma quinzena. Seus uniformes estavam desgrenhados, os kits tinham sidodescartados,asarmas,perdidas.IssodeuaJeffreyespaçoparacriarpersonagens.“HáumrelaxamentonopersonagemdeTommy,refletidonaformacomoeleusaouniforme. E isso é diferente do modo como Alex usa o dele— Alex é mais‘durão’,porfaltadepalavramelhor.”Entãoapareceumpersonagemtentandoseroquenãoé.“Comoéouniformedele?”,perguntava-seJeffrey.“Seráqueeleseencaixa?Comoele fazparasepassarporoutrapessoa?Oquepoderiaparecersuspeito?Eutinhaocadarçodasbotaspassadoemestilodeescadaemtodosossoldadosbritânicos, comoera comumna época,mas, para estapersonagem,oscadarços foram cruzados — porque ele não sabia. É uma pequena dica quealguém pode pegar, e é algo que veio com a pesquisa que discuti com Chris.Tornou-separtedahistória.”

Page 271: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

“Escolheroelencodofilmeéumprocessocolaborativo”,revelouEmma.“Éavisão de Chris, e estou aqui, em última instância, para facilitar isso. Mas naescolha do elenco trabalhamos em estreita colaboração com os diretores deelenco.” Esse filme apresentava um processo incomum para eles, pois exigiadesconhecidosparaospersonagensmaisjovens.“Atoresmandamgravações,easassistimoscomosdiretoresdeelenco,JohnPapsideraeTobyWhale.EntãoChrisse reunia com alguns dos atores de que gostávamos. Eu só entrava na últimarodadadereuniões.”Emmadescobriuquereunirosescolhidosparaofilmefoiuma de suas experiências de elenco mais interessantes. Ela tem diploma emHistória, e o assunto sempre a fascinou. No filme, ela sentiu como se“estivéssemos trazendo a história para a vida, com uma rica tapeçaria depersonagense rostos”.Masencontraresses jovensatoresa fez internalizarumadas realidades de Dunkirk. “Foi chocante ver como eram jovens. QuandoconhecemosFionnWhitehead,elejáviveumuitomaisqueseuspoucosanoseéincrivelmentemaduro,masémuitojovem:sóquatroanosmaisvelhodoquemeufilhomaisvelho, e issodeixouclaroparamimquão jovens algunsdoshomensapanhadosnestesterríveisacontecimentos.”Assim como temos recém-chegados, há alguns atores muito experientes no

elenco—KennethBranagheMarkRylance,paracitardois.Háumasensaçãodequeesseshomensinterpretamosconfiáveisvelhosguerreiros,enquantoosrecém-chegados desempenham os jovens não testados da BEF. Emma reconhece oparalelo. Ainda assim, embora um dos atores do elenco possa estar fazendo aestreiano cinema, ele é umdosmais jovens famososdoplaneta:HarryStyles.Seriaum risco lançaralguém tãoconhecido, emesmoassim tãodesconhecido?“Não pareceu arriscado, demaneira alguma”, explicouEmma. “Ele fez o testecomotodososoutros.Participoudoslongosdiasdaaudiçãodandoomelhordesi.EHarryeracertoparaopapel,nãosentimosmaisoriscodeescolhê-lodoquede optar por qualquer outro ator.” Emma avalia que a fama poderia ficar nocaminho para alguns: “Há sempre o risco de as pessoas não conseguiremultrapassar a persona, mas a verdade é que ele é um grande ator. Acho que,assistindo o filme, dá para ver que ele prende a audiência. Não émais HarryStyles,assimcomoFionnnãoémaisFionnWhitehead—esimTommy.”Commesesantesdolançamentodofilme,enquantoescrevo,osseguidoresdo

TwitterdeStylesjáestãoanimadoscomaprodução.Emmaachaissofantástico.Ela quer quemais pessoas conheçam a história. “Quando o escolhemos para oelenco,obviamentesabíamosquemeleera,masnãotínhamosnoçãodonívelde

Page 272: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

animação. Mas é ótimo ver como isso envolveu as pessoas. Harry merece ocréditoporisso.”ParaNiloOtero,trabalharemumsetdefilmagemduranteaOperaçãoDínamo

trouxeachancedesatisfazerseuinteresseporesteperíododaHistória.Ou,comoChris colocou, em sua nota de agradecimento: “Você enfim teve a chance decolocarumpoucode seuconhecimentoarcanoparabomuso.”Nilonoscontouque“passei todaaminhavidaestudandoaguerracomoamador”.SuaprimeiraanálisedoroteirodeChrisfoiemumacópiaqueatravessouosEstadosUnidosatéserentregueaelepelasmãosdeAndyThompson.Oroteirotinhaocodinome“BodegaBay”,jáqueChrisémuitozelosoemrelaçãoaseusscripts.“SoudeSãoFrancisco”, contouNilo, “então segui coma ideia.Acabouque

imagineiosalemãesinvadindoonortedaCalifórnia.Setivessemmecapturadoeolhadominhasnotas,eraissooqueiampensar.”Nilomarcou25diasdefilmagemnapraia.Terminaramem23.“Fizummonte

defilmesmilitares”,contou,“emuitasvezesvocêtemoficiaisemserviçocomoconselheiros.Duranteosprimeirosdias,elesriemdevocê,masdepoisdequatroou cinco dias, se aproximam e dizem: ‘Isso é muito parecido com o quefazemos’.” Nilo está ciente da diferença crucial entre a guerra e os filmes deguerra,masapontaassemelhanças.“Temumaunidadedetrabalhodepessoasquesaem e executam ordens muito específicas, em circunstâncias e ambientesvariados. Esta unidade deve ser flexível o suficiente para se adaptar, mas serespecífica para o que se quer fazer naquele dia em particular.” Os dias defilmagemnapraiativeramonzehorasdeduração,comtodosexpostosaoclima.Tinham que usar óculos para proteger seus olhos da areia. “Não há muitosempregosondevocêestácompletamenteàmercêdoselementos”,disse.“E,comduasmaréspordia, apraia apareceedesaparece.Fiquei espantado,porqueasfotos mostram um grande número de homens na praia e... olha: a praiadesaparece!Etodosessescarastinhamquecontinuarandandodeumladoparaooutro!”Niloéprovavelmente,nosúltimos75anos,ohomemquemaisseaproximoudo

queseriaorganizarumaevacuaçãodeDunkirk:elelidoucomumgrandenúmerodepessoas,asmarés,otempo,recursoslimitados,odesafiodetrazernaviosparaomolheeparaaspraias,ospíeresdecaminhões—ealistacontinua.Nilonãocorrianenhumriscodevida,masestavasobapressãodeumcronograma,tendoque trabalhar de forma eficaz e segura. E, embora seja muito modesto paramencionarosnomesdeTennant,RamsayouWake-Walker, seu trabalhonãoeracompletamentediferentedosdeles.Naverdade, ele tentava coordenarmilhares

Page 273: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

depessoas.“Souumcaradecampo”,disse,“edependodeumbomtrabalhodeequipe. Que é o que o gerente de produção e os produtores de linha fazem.Agendo as coisas em tempomicro, por assimdizer.É esseminuto-a-minuto aolongododia...issoéoqueeufaço.E,noprocesso,executoumsetdefilmagem.”ÉinteressantequandoNilodiscuteameritocraciaqueseformouemDunkirk,

com as unidades destruídas e os homens tendo que cuidar da própriasobrevivência. Isso se reflete, acredita ele, nomicrocosmodeum set de filme,quetambémtemsuaprópriaordemnatural.Aautoridadenosetéconcedidapelasmesmas razões que os soldados seguem os líderes: “Você obedece ao oficialporqueeleéocaraquevaisalvá-lo,enãoporquetemmedodele.EmDunkirk,oambiente era de caos total e tudo era desconhecido— quem saberia dizer seteriam navios o bastante? Era absolutamente incerto e, portanto, agir com uminteressenofuturoémuitodifícil.Trabalheicomosdiretoresquevêmamimnaprimeira semana e dizem: ‘Temos que demitir alguém, só para mostrar queestamosfalandosério.’Issoacontecedeverdade!Eétolice!Vocênãoconsegueseulugaremumbomnavioàforça.Ésódaroexemplo.”Nilo acredita que, em um combate real, quando todo mundo tem armas à

disposição,oExércitotorna-seferozmentedemocrático.“Qualquerumquepensaque pode colocar a vida das pessoas em risco por causa da insígnia em seuchapéuvaiacabarcomumtironanuca.”Quandopensaemcomoaevacuaçãofoiconduzida, Nilo fica fascinado pela BEF e pela Marinha Real. “Estou tãoimpressionado que isso não tenha se transformado em um caos horrível. É umexemplodedisciplina,masnãoadisciplinadoExércitoemtemposdepaz.Éadisciplinadacircunstância.”“E Chris comanda um filme como ninguém com quem já trabalhei”,

acrescentou.“Eleéomelhor,émesmo.Eleconheceomaterialpordentroeporforaetemumaideiamuitoclaradoquequer.”Emboraseurelacionamentosejaodecapitãoeimediato,NilooferecesugestõesparaChrissemprequeachaquesãoúteis. “Muitos diretores assistentes são apenas produtores assistentes, sepreocupamcomumcronogramaeumorçamento.Eumeorgulhoderealmenteserumassistentededireção.Estounistoháumtempoeseiqueotrabalhodedirigiréumsó,porquesóodiretorestápreocupadocomahistória.Chriseeuconfiamosumnooutro,eeleentendequenãosepodemicrogerenciarumfilme.Nofimdascontas, você vai ter alguns atores e um cinegrafista — vai ser um processocoletivo.” Ele reconhece que, em última análise, é a visão deChris que todosestão lá para servir. “Mas se você quer que as coisas sejam exatamente comoplaneja,melhorirpintar.Christemumavisãocinematográficatãocertaefocada

Page 274: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

como qualquer pessoa com quem eu já trabalhei e, ao mesmo tempo, podeexperimentaroqueestáacontecendonomomentoeadaptaraoquehaviadesejadooriginalmente. E faz isso tão bem que é uma satisfação trabalhar com ele. Émaravilhosopodercontribuirdevezemquando.Eeleestáabertoa isso—senãogostar,vaiapenasdizerparaesqueceraideia.”GaryFettis revelou: “Chris adora fazer filmes.Ele é apaixonadopor isso.E

estefilmenãofoifácil.Houvemomentosemqueelepensouquetinhaumasérieparticular de barcos e, de repente, descobriu: ‘Bem, não posso ter esses dois,porqueoportonãoestápreparado’,ouoquequerquefosse.Eelepareceumacriança: fica triste por cinco segundos, depois já está animado, dirigindo,perguntando ‘Como resolvemos isso?Como a gente...’. Ele segue em frente. Evocêtemquecorreratrás,temqueestarnoritmodele.”Mesmo que seja um filme de vários milhões de dólares, é como Emma

observou:“Nuncatemdinheirosuficiente.Nósrealmentefizemosessefilmepormuitomenosdoqueaspessoasvãopensarquandovirem.”QuandoChriseEmmaapresentaramoroteiroparaoestúdio,pediramaquantiadequeprecisavam—efoisignificativamentemenordoqueosfilmesanteriores.“Achamosqueoestúdioaceitariamais fácil,mas issosignificavaque teríamosquesercriativos.Éumahistóriacomescopovasto,etivemosquefazermuitopelodinheiroquetínhamos.Foi preciso sermos espertos sobre como organizávamos as coisas e asfilmávamos.Tivemosqueser incrivelmenteeficientes.”Emmaacreditaqueumaequipe eficiente e talentosa faz uma grande diferença, mas que as limitaçõesfinanceiraspodemaumentaracriatividade.“Imporumdesafiocomoesseliberaaimplementação de ideias interessantes, que não existiriam se desse parasimplesmenteassinarumcheque.”Os primeiros filmes que Emma e Chris fizeram juntos, usando apenas uma

ninhariatiradadeseuprópriobolso,sãoobviamentebemdiferentesdessesfilmesfeitoscommuitosmilhõesdedólares,“mas,nofimdascontas,é tudoamesmacoisa. Nesses filmes muito menores, não tínhamos dinheiro — nunca tivemosdinheiro suficiente. Mas, honestamente, isso nunca acontece. Você está sempretentandoforçaroslimitesdosparâmetrosquetem.Eaexperiênciadefazertodosessesfilmesacabasendomuitosimilar.”Uma das coisas quemais impressionouNilo Otero quando ele trabalhou no

filme foi como Dunkirk era uma experiência quase religiosa para o povobritânico.“Foiaprimeiravezquetudosaiubemnessamalditaguerra”,comentou.“Foi literalmente um milagre. Um verdadeiro milagre. E acho que o povobritânicotomouissocomoumsinaldequetudopoderiadarcerto.”Eleachaque

Page 275: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

opúblicoamericanovaidetectaresse sentimento (“Comopoderiamdeixar issopassar?”),masacreditaqueéumdramaatraentedequalquermaneira.“Aguerratrazà tonaomelhoreopiordoshomens.Sevocêvai fazerumfilme, temquefazerduashorasquevalhamapenaassistir—ninguémquerassistiraduashorasdepessoasjantando,amenosquesejaumarefeiçãograndiosa.Vocêprecisafazerdessas duashoras um tempo fascinante de experiência humana.E a guerra comcertezaseencaixanessecritério.”EleachaqueofatodeChrisnãoterescolhidodarumaliçãodehistória,esim

contarahistóriadeDunkirkcomoumfilmedesobrevivência,reforçaoimpacto.“QuandovocêestánomeiodoqueacabaporserHistória,nãosabequeé.AquiloaindanãoéHistóriaparavocê.Éoutrodia—podeatéserumdiamaisperigosodo que o normal, mas é só mais um dia. Então você ouve Winston Churchillfalandosobresuavida.Acontecequevocêestavapresentenocomeçodealgumacoisaimportante.”Chris espera que, destilando a história em uma experiência pessoal para o

público,ofilmevásetornarumaespéciedetestedeRorschach.Elenãoquerqueasinterpretaçõespolíticassejamforçadasaopúblico—issonãoointeressa.JáDunkirk começa a se estender para além damemória viva, e os veteranos temminguado cadavezmais, ele quer fazer um filmeuniversal quenos coloquenapele dos protagonistas. Dessa forma, alega, “vão encontrar a Dunkirk quequiseremver”.

51Gíriabritânicaderrogatóriaemrelaçãoaosfranceses.[N.T.]52Namesma carta, o sargentoOates pede desculpas por “não ter conseguido umpresente de aniversárioparaMartin,mastodosqueencontreieramrefugiados,easlojasestavamfechadas,alémdenãotercorreiosfuncionando”.53 Depois da evacuação, Machin foi enviado direto para um campo de treinamento, onde os oficiaisencarregados—nenhumdosquaisestiveranaFrança—brigaramcomoshomens,quase todosfamintosesemuniformes,porestaremsujosedesarrumados.Machinficou—econtinua—furiosocomisso.54Oconselheirohistóricodofilme(tambémautordestelivro)selembradeligaraoprodutorassociadoAndyThompsonparaperguntarporqueosMesserschmittsdasfilmagenstinhamnarizesamarelos.Agoraelesabe.

Page 276: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Agradecimentos

Precisoagradeceraumgrandenúmerodepessoas.Antesde tudo,peloenormeincentivo e apoio, agradeço a Chris Nolan, Emma Thomas e Andy Thompson.Admiro suas capacidades e sua energia e gosteimuito de compartilhar de suasvisões.FoimuitobomtrabalharcomaequipedeWilliamCollins—JosephZigmond,

Iain Hunt, Tom Killingbeck e Steve Gove. Esperei ansiosamente por nossasconversasacadamanhã,mesmoqueelasnuncarespeitassemnossasrestriçõesdetempo. Enquanto isso, meus agentes da United Agents, Jim Gill e YasminMcDonald,meguiavammuitohabilmenteporesseprojetoincomum.Muitas pessoas me ofereceram seu tempo e conselhos. Paul Reed, com

conhecimento incomparáveldahistóriaedapaisagem local, foigenerosocomosempre.NinguémsabemaissobreoJunkers87doquePeterC.Smith,egosteidemecorrespondercomele.PasseiumdiafascinantecomCliveKidd,curadordaColeção Heritage HMS Collingwood, que me mostrou todo o tipo de rádio eequipamentos de comunicação da época. Giles Milton foi muito gentil emcompartilhar suas informações sobre desmagnetização, e Dan Wybo foiigualmente generoso em relação a seus conhecimentos sobre o rei Leopoldo.Alémdisso,testaraságuasprofundaseamedrontadoresdomundodocinemamepôsemcontatocompessoasencantadoras,comoDesireeFinnegan,ConGornelleJasonBevan.

Page 277: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

MaxArthurfoiquemmetranquilizounosmomentosemqueaempreitadadesselivropareciaimpossíveldentrodotempodisponível,ePeterHarttentou,emborasem sucesso, me transformar em um historiadormais sociável. Andy Saunderssempre foi um bom ouvinte nas horas difíceis, e Julian Wilson compartilhoucomigoofrutodeseusanosdepesquisa.TambémdevoagradecimentosaTerryCharman, Steven Broomfi e Peter Devitt. OArquivoNacional forneceu algunsdosdocumentosmaisimportanteseinteressantesdestelivro.OMuseuMarítimoNacionaltemsidoextremamenteútil,assimcomooMuseuDunkirk1940—semfalar nos arquivos do Museu Imperial de Som e Documentos de Guerra, que,comodecostume,foramminasricaseminformaçõesmagníficas.Do IWM, gostaria de mencionar em especial Richard McDonagh, Richard

Hughes, Jane Rosen, Madeleine James e a agente do museu, Barbara Levy. OIWMteveagentilezademeconcederusarcitaçõessignificativasdacoleçãodeentrevistas do Arquivo de Som — entrevistas de William Harding (6323),EdwardWatson (7194),ThomasMyers (10166), JohnWilliams (11939)eLeonWilson(20137).TambémgostariadeagradeceraajudadaAssociaçãodePequenosNaviosde

Dunkirk. Durante uma viagem para visitar alguns dos veteranos da evacuação,enquantoeuapreciavaacompanhiadoantigocomodoroIanGilbert,oarquivista,JohnTough,respondeuminhasmuitasperguntas.Este livro foi escrito em vários lugares diferentes. ABiblioteca de Londres

(emparticularoquintoandarpertodajanela,mas,porfavor,nãodivulgueessainformação) é um excelente lugar para trabalhar, além de possuir umapreciosidade de livros deste período. Passei muitas horas na BibliotecaBritânica, emuitasoutras—emboramenosdoqueoesperado—nabibliotecamuito bem ambientada do Queen Mary 2, navegando pelo Oceano Índico.Tambémhouvemomentosdeescritadesesperadaemoutroslugares:oCampodeQuatermain,noCaboOriental;oquartosobressalentedeBrooks;eatémesmoamaternidadedoUniversityCollegeHospital—todososlugaresondeeudeveriaterprestadomaisatençãoaoqueestavaacontecendonomomento.Duranteoúltimoano,tiveasortedeconhecermuitosveteranos.Desdeentão,

dois dos homens que visitei com Ian (Eric Roderick, doCorpo de Serviço doExército Real, e Harold “Vic” Viner, da Marinha Real) faleceram — o quetambémfoiodestinodeoutrosdoisveteranos:PhilipBrown(queserviunoHMSSaberemefoiapresentadoporsuafilha,JoannaWortham)eCharlieSearle(doCorpoMédicodoExércitoReal,quemefoiapresentadoporNicTaylor).

Page 278: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Enquantoescrevo,soubequeColinAshford,daInfantariaLevedasHighlands,estáserecuperandodeumaquedaequeLesGrey,dosEngenheirosReais,estáserecuperando de uma pneumonia. Além disso, ficomuito feliz em informar queArthur Lobb, do Corpo de Serviço do Exército Real; Arthur Taylor, da ForçaAéreaReal;RobertHallidayeGeorgeWagner,dosEngenheirosReais;TedOateseGeorge Purton, doCorpo de Serviço doExércitoReal; eNorman Prior, dosFuzileirosdeLancashireestãotodosbemesaudáveis—assimcomoJimThorpe,quase certamente o último sobrevivente a conduzir um pequeno navio paraDunkirk, que agora reside em uma casa de repouso emMaryland. Agradeço aDaveWilkins,daUniversidadedeMaryland,pormeapresentaraJim.Devemosmuitoatodosesseshomens.Quesuavidaprospereporumlongotempo.Recentemente, também visitei dois pilotos da Batalha da Grã-Bretanha, Tim

Elkington e TomNeil, que descreveram vividamente as realidades do combateaéreo.Agradeçoaambos,bemcomoaMargaretClotworthyeaesposadeTim,Patricia, pela maravilhosa hospitalidade. E também agradeço a Louis vanLeemput,oficialaposentadodaForçaAéreaBelga—quandomenino,emmaioem 1940, Leemput foi um dos inúmeros refugiados que tentavam escapar dosalemães, e ele concordou em compartilhar comigo suas comoventes memóriasdaquela época. Houve outros que compartilharam memórias de família. SusanCooper, por exemplo, dividiu comigo as lembranças de seu pai, JimBaynes; eLorraineGill,muitoemocionada,faloudeseupai,CyrilRoberts.Emumnívelmaispessoal,hámuitosaquemsougrato.Gostariadeagradecera

Keith Steane, meu professor de história na Lyndhurst House School, que seaposentou este ano. Keith foi um excelente professor e me transmitiu seuentusiasmo ainda naquele período, tanto tempo atrás. Também gostaria deagradeceraoatualdiretordaescola,AndrewReid,pelaenormegenerosidadenoiníciodesteano.Não posso deixar de mencionar Santo Massine, especialista nas diversas

facetas deDunkirk, queme inspirou com sua paciência e bom humor. E aindadeixoumobrigado a outros:OsianBarnes,TurtleBunbury,Will,Anna,Beau eGracie Brooks, Lucy Briers, Alexandra Churchill, Richard Clothier, MarshallCope, Victoria Coren Mitchell, Ruth Cowan, Bob e Susannah Cryer, SimonDinsdale,IanDrysdale,BillEmlynJones,BridgetFallon,MeganFisher,Simon,Robert,GillianandLionelFrumkin,TanyaGold,EdwardGrant,MeekalHashmi,John Hayes Fisher, Nigel Hobbs, Mishal Husain, Simon Irvine, Katie Johns,Edward, Mollie, Olivia, Rosalind and Lillian Keene, Suzy Klein, Paul Lang,Lionel Levine, Judy Levine, Kim Levine, Marshall e Sue Levine (and James,

Page 279: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

KatieandGeorgie),MhairiMacnee,CharlesMalpass,EmilyMan,DruMasters,Jon Medcalf, Paul Miller, David Mitchell, Harry Mount, Duncan Neale, FredPerry, Jess Redford, Dora Reisser, Andy Robertshaw, Malcolm Rushton, theRowes (Chris, Sara, Charlie andMatti), Dorothy Sahm, Tanya Shaw,MichaelSparkes, Chris Spencer, Prem Trott, Orlando eMirandaWells, DavidWeston,Mike, Annabel, Henry e Arthur Wood, e a todos aqueles que infelizmente euesquecidemencionar.Acima de tudo, quero agradecer a Claire Price, que conciliou uma grande

quantidadedetrabalho(nãoremunerado)nestelivrocomsuabrilhantecarreiradeatriz — e, ao mesmo tempo, ainda conseguiu ter nosso primeiro filho. Umamultitarefadamelhorqualidade.

Page 280: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Bibliografiaselecionada

Addison,Paul,TheRoadto1945:BritishPoliticsandtheSecondWorldWar(Londres:Pimlico,1994)Addison, Paul andCrang, JeremyA. (eds),Listening toBritain:Home IntelligenceReports onBritain’sFinestHour—MaytoSeptember1940(Londres:Vintage,2010)

Barclay,C.N.,TheHistoryof theRoyalNorthumberlandFusiliers in theSecondWorldWar (Londres:WilliamClowesandSons,2002)

Beaton,Cecil,TheYearsBetween:Diaries1939—44(Londres:WeidenfeldandNicolson,1965)Blake,John,NorthernIrelandintheSecondWorldWar(Belfast:HerMajesty’sStationeryOffice,1956)Blaxland,Gregory,DestinationDunkirk:TheStoryofGort’sArmy(Londres:Kimber,1973)Blitzkrieg in Their Own Words: First-hand Accounts from German Soldiers 1939—1940 (SouthYorkshire:Pen&Sword,2005)

Blythe,Ronald,TheAgeofIllusion(Londres:HamishHamilton,1983)Bond, Brian and Taylor, Michael (eds), The Battle for France and Flanders 1940: Sixty Years On(Barnsley:LeoCooper,2001)

Bourne, Stephen,Mother Country: Britain’s Black Community on the Home Front 1939—45 (Stroud:HistoryPress,2010)

Brann,Christian,TheLittleShipsofDunkirk (Cirencester:Collectors’Books,1989)Brayley,MartinJ.,TheBritishArmy1939—45(1)(Londres:Osprey,2009)Brayley,MartinJ.,TheBritishHomeFront1939—45(Londres:Osprey,2005)Bullen,Roy,Historyofthe2/7thBattalion,TheQueen’sRoyalRegiment1939—1946(Guildford,1958)Calder,Angus,ThePeople’sWar:Britain1939—1945(Londres:Pimlico,1994)Calder,Angus andSheridan,Dorothy,Speak for Yourself: AMass-ObservationAnthology, 1937—1949(Londres:Cape,1984)

Chappell,Mike,BritishBattleInsignia(Londres:Osprey,1987)Churchill,Winston,TheSecondWorldWar,Volume2:TheirFinestHour(Londres:Cassell&Co,1949)Collier,Richard,TheSandsofDunkirk (Londres:Collins,1961)Colville, John, The Fringes of Power: Downing Street Diaries 1939—1955 (Londres: Hodder andStoughton,1985)

Page 281: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Darrieus,HenriandQuéguiner,Jean,HistoriquedelaMarineFrançaise1922—1942(Saint-Malo:Éditionsl’AncredeMarine,1996)

Darwin,Bernard,WarontheLine:TheStoryoftheSouthernRailwayinWar-Time(Londres:TheSouthernRailwayCompany,1946)

Davis,Brian,BritishArmyUniformsandInsigniaofWorldWarTwo(Londres:ArmsandArmour,1992)Dean,Basil,TheTheatreatWar(Londres:GeorgeG.Harrap&Co,1956)Dickon,Chris,AmericansatWarinForeignForces(Jefferson,N.C.:McFarland&Co.,2014)Dildy,DouglasC.,Dunkirk1940:OperationDynamo(Londres:Osprey,2010)Ellan,B.J.(Lane,Brian),Spitfire!TheExperiencesofaFighterPilot(Londres:JohnMurray,1942)Ellis,L.F.,TheWarinFranceandFlanders1939—1940(Londres:HerMajesty’sStationeryOffice,1953)Emsley, Clive, Soldier, Sailor, Beggarman, Thief: Crime and the British Armed Services since 1914(Oxford:OxfordUniversityPress,2013)

Engelmann,Bernt,InHitler’sGermany:EverydayLifeintheThirdReich(Londres:Methuen,1988)Fowler,David,TheFirstTeenagers:TheLifestylesofYoungWageEarnersinInterwarBritain(Londres:TheWoburnPress,1995)

Franks,Norman,AirBattleforDunkirk:26May—3June1940(Londres:GrubStreet,2006)Fraser,David,Knight’sCross:ALifeofFieldMarshalErwinRommel(Londres:HarperCollins,1993)Frieser, Karl-Heinz with Greenwood, Joan, The Blitzkrieg Legend: The 1940 Campaign in the West(Annapolis,Maryland:NavalInstitutePress,2005)

Gardner, W. J. R. (ed.), The Evacuation from Dunkirk: ‘Operation Dynamo’ 26 May—4 June 1940(Londres:FrankCass,2000)

Gaulle,Charlesde,WarMemoirs,VolumeOne:TheCalltoHonour(Londres:Collins,1955)Gilbert,Martin,FinestHour:WinstonS.Churchill1939—1941(Londres:Heinemann,1983)Godfrey, Simon, British Army Communications in the Second World War: Lifting the Fog of Battle(Londres:Bloomsbury,2013)

Graves,Charles,TheHomeGuardofBritain(Londres:Hutchinson,1943)Griehl,Manfred,JunkersJu87:Stuka(Airlife,2001)Grundy,Trevor,MemoirsofaFascistChildhood(Londres:Arrow,1999)Guderian,Heinz,PanzerLeader(Londres:Penguin,2009)Hadley,Peter,ThirdClasstoDunkirk:AWorm’s-EyeViewoftheB.E.F.,1940(Londres:HollisandCarter,1944)

Halder,Franz,TheHalderDiaries:ThePrivateWarJournalsofColonelGeneralFranzHalder(BoulderColorado:WestviewPress,1976)

Harrison,AdaMay(ed.),LettersfromtheWarAreasbyArmySistersonActiveService(Londres:HodderandStoughton,1944)

Harrison,Tom,BritainRevisited(Londres:VictorGollancz,1961)Harrison,TomandMadge,Charles,BritainbyMassObservation(Londres:TheCressetLibrary,1986)Hayward,James,MythsandLegendsoftheSecondWorldWar(Stroud:Sutton,2003)Henrey,Madeleine,TheSiegeofLondres(Londres:J.M.DentandSons,1946)Herzog,Rudolph,HumorinHitler’sGermany(NovaYork:MelvilleHouse,2011)Hill, Christopher, Cabinet Decisions on Foreign Policy: The British Experience October 1938—June1941(Cambridge:CambridgeUniversityPress,1991)

Hinton, James,Nine Wartime Lives: Mass Observation and the Making of the Modern Self (Oxford:OxfordUniversityPress,2010)

Hodson, James Lansdale, Through the Dark Night: Being Some Account of a War Correspondent’sJourneys,MeetingsandWhatWasSaidtoHim,inFrance,Britain

andFlandersduring1939—1940(Londres:VictorGollancz,1941)Hollingshead,August,Elmtown’sYouthandElmtownRevisited(NovaYork:JohnWiley&Sons,1975)Horne,Alistair,ToLoseaBattle:France1940(Londres:Macmillan,1969)Irwin,Anthony,InfantryOfficer:APersonalRecord(Londres:B.T.Batsford,1943)

Page 282: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Jewell,Brian,BritishBattledress1937—61(Londres:Osprey,2005)Johnson,DonaldMcIntosh,BarsandBarricades(Londres:ChristopherJohnson,1952)Kennedy,JohnFitzgerald,WhyEnglandSlept(NovaYork:W.Funk,1940)Keyes,Roger,OutrageousFortune:TheTragedyofLeopold IIIof theBelgians1901—1941 (Londres:Secker&Warburg,1984)

Langley,J.M.,FightAnotherDay(Londres:Collins,1974)Lestrange,W.F.,WastedLives(Londres:GeorgeRoutledge&Sons,1936)Levine,Joshua,ForgottenVoicesofDunkirk (Londres:Ebury,2011)Lord,Walter,TheMiracleofDunkirk (Londres:AllenLane,1983)Lowry,Bernard,BritishHomeDefences1940—45(Londres:Osprey,2004)Mackay,Robert,Half theBattle:CivilianMoraleinBritainduringtheSecondWorldWar (Manchester:ManchesterUniversityPress,2007)

McKay,Sinclair,Dunkirk:FromDisaster toDeliverance—Testimoniesof theLastSurvivors (Londres:AurumPress,2015)

Martin,T.A.,TheEssexRegiment1929—1950(Brentwood:TheEssexRegimentAssociation,1952)Marwick, Arthur, Britain in the Century of Total War: War, Peace and Social Change 1900—1967(Londres:TheBodleyHead,1968)

Maschmann,Melita,AccountRendered:ADossieronMyFormerSelf(Londres:Abelard-Schuman,1964)Montgomery, Bernard, The Memoirs of Field-Marshal The Viscount Montgomery of Alamein, K.G.(Londres:Collins,1958)

Mosley, Leonard,Backs to theWall: LondresUnder Fire 1939—45 (Londres:Weidenfeld and Nicolson,1971)

Mosley,Leonard,BattleofBritain(Londres:Pan,1969)Newlands,Emma,War,theBodyandBritishArmyRecruits,1939—45(Manchester,ManchesterUniversityPress,2014)

Newman,Philip,OvertheWire:APOW’sEscapeStoryfromtheSecondWorldWar(SouthYorkshire:Pen&Sword,1983)

Orwell,George,TheRoadtoWiganPier(Londres:VictorGollancz,1937)Perry,Colin,BoyintheBlitz:The1940DiaryofColinPerry(Stroud:Sutton,2000)Plummer, Russell,The Ships that Saved an Army:Comprehensive Record of theOne Thousand ThreeHundredLittleShipsofDunkirk (Wellingborough:PatrickStephensLtd,1990)

Pownall, SirHenry andBond,Brian (ed.),Chief of Staff: TheDiaries of Lieutenant-General SirHenryPownallVolumeOne(Londres:LeoCooper,1972)

Pratt Paul, William (ed.), History of the Argyll and Sutherland Highlanders, 6th Battalion (Londres:ThomasNelsonandSons,1949)

Price,DrAlfred,Britain’sAirDefences1939—45(Londres:Osprey,2004)Priestley,JohnBoynton,Postscripts(Londres:Heinemann,1940)Prior,Robin,WhenBritainSavedtheWest:TheStoryof1940(Londres:YaleUniversityPress,2015)Rhodes,Anthony,SwordofBone(Londres:FaberandFaber,1942)Roberts,Andrew,EminentChurchillians(Londres:Phoenix,1994)Roland,Paul,LifeintheThirdReich:DailyLifeinNaziGermany1933—1945(Londres:Arcturus,2016)Saunders,Andy,Battle of Britain, July to October 1940: RAFOperationsManual (Somerset: Haynes,2015)

Savage,Jon,Teenage:TheCreationofYouthCulture(Londres:ChattoandWindus,2007)Sebag-Montefiore,Hugh,Dunkirk:FighttotheLastMan(Londres:Penguin,2015)Sharp,Nigel,DunkirkLittleShips(Stroud:Amberley,2015)Shirer,William,BerlinDiary: The Journal of a ForeignCorrespondent, 1934—1941 (Londres:HamishHamilton,1942)

Smalley,Edward,TheBritishExpeditionaryForce,1939—40(Basingstoke:PalgraveMacmillam,2015)Stewart,Geoffrey,DunkirkandtheFallofFrance(SouthYorkshire:Pen&Sword,1988)

Page 283: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Stewart,PatrickFindlater,TheHistoryoftheXIIRoyalLancers(OxfordUniversityPress,1950)Sumner,IanandVauvillier,François,TheFrenchArmy1939—45(1)(Londres:Osprey,2008)Thomas,Donald,AnUnderworldatWar:Spivs,Deserters,RacketeersandCiviliansintheSecondWorldWar(Londres:JohnMurray,2004)

Thompson,Julian,Dunkirk:RetreattoVictory(Londres:Sidgwick&Jackson,2008)Titmuss,Richard,ProblemsofSocialPolicy(Londres:HerMajesty’sStationeryOffice,1950)Tubach,Frederic,GermanVoices:MemoriesofLifeduringHitler’sThirdReich (Berkeley:University ofCaliforniaPress,2011)

Walmsley,Leo,FishermenatWar(Londres:Collins,1941)Warlimont,Walter,InsideHitler’sHeadquarters1939—45(Londres:WeidenfeldandNicolson,1964)Waugh,Evelyn,PutOutMoreFlags(Londres:ChapmanandHall,1942)Wilson,Patrick,Dunkirk—1940:FromDisastertoDeliverance(SouthYorkshire:LeoCooper,2002)

Pode-se encontrar um estudo completo sobre as fontes no site de JoshuaLevine:joshualevine.co.uk

Page 284: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

Sobreoautor

Joshua Levine é autor de seis best-sellers mundiais. Sua obra Beauty andAtrocity, sobre os conflitos civis na Irlanda, foi consagrada com o prêmioWriters’GuildBookofTheYear,eOnaWingandaPrayer,umahistóriasobre

Page 285: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

pilotos da Primeira Guerra Mundial, tornou-se um importante documentárioinglês.Alémdeescritor,LevinetambéméapresentadordeváriosprogramasnaBBCRadio4.ElemoraemLondres.

Page 286: Dunkirk: A história real por trás do filmealmanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2017/... · formas, no desenrolar para a guerra. Este livro se concentra no combate (e às

PUBLISHER

OmardeSouza

GERENTEEDITORIALMarianaRolier

EDITORAClarissaMelo

COPIDESQUEViniciusDreger

REVISÃORayzzaGalvãoMarianaOliveiraLuanaBalthazar

DIAGRAMAÇÃOECONVERSÃOPARAE-BOOKAbreu’sSystem

ADAPTAÇÃODECAPAGuilhermeXavier