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Dr.ª Mary C. Neal TUDO O QUE VI NO CÉU Uma médica narra a sua extraordinária morte, as suas conversas com Deus e os anjos e o seu regresso à vida. Uma história real. To Heaven and Back A Doctor’s Extraordinary Account of her Death, Heaven, Angels, and Life Again. A True Story Traduzido do inglês por Michelle Hapetian

Dr.ª Mary C. Neal TUDO O QUE VI NO CÉU

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Dr.ª Mary C. Neal

TUDO O QUE VI NO CÉU

Uma médica narra a sua extraordinária morte, as suas conversas com Deus e os anjos

e o seu regresso à vida.

Uma história real.

To Heaven and BackA Doctor’s Extraordinary Account of her Death,

Heaven, Angels, and Life Again. A True Story

Traduzido do inglês por

Michelle Hapetian

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CONTEÚDOS

PRÓLOGO 11

INTRODUÇÃO 13

> 1 :: OS PRIMEIROS ANOS 17

> 2 :: DESCONTROLO 23

> 3 :: MÉXICO 25

> 4 :: UM NOVO DESPERTAR ESPIRITUAL 29

> 5 :: DEUS É FIEL 33

> 6 :: A DECISÃO DE SER FELIZ 37

> 7 :: QUANDO É PRECISO, DEUS GRITA 41

> 8 :: QUEBRAR AS CORRENTES 47

> 9 :: UMA AVENTURA NO CHILE 51

> 10 :: MORTE NO RIO 57

> 11 :: O MEU SALVAMENTO 59

> 12 :: REGRESSO A CASA 65

> 13 :: ANJOS NO RIO 71

> 14 :: REGRESSO AO WYOMING 75

> 15 :: O PODER DA ORAÇÃO 79

> 16 :: VISÃO NÍTIDA 81

> 17 :: CONVERSA COM UM ANJO 93

> 18 :: A UNIDADE DE INTERNAMENTO 99

> 19 :: A MINHA RECUPERAÇÃO FÍSICA 103

> 20 :: BOB 107

> 21 :: O MEU QUERIDO GEORGE 111

> 22 :: INSPIRAÇÃO PARA OS OUTROS 115

> 23 :: DEUS REMOVE A PEDRA 119

> 24 :: WILLIE 121

> 25 :: BILL 127

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> 26 :: CHAD 129

> 27 :: COMPULSÃO PARA A ESCRITA 131

> 28 :: O DIA MAIS LONGO DO ANO 137

> 29 :: O MEU LINDO FILHO 141

> 30 :: O OUTRO LADO DO TEMPO 143

> 31 :: DÁDIVAS DE COMPAIXÃO 147

> 32 :: UM PLANEAMENTO PERFEITO 153

> 33 :: CONCLUSÕES LÓGICAS 159

RETRIBUIR 165

PERGUNTAS À DR.ª NEAL 167

AGRADECIMENTOS 173

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1. OS PRIMEIROS ANOS

Conheço bem os desígnios que tenho para vós – declara o Senhor. Desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir um futuro de esperança.–Jeremias 29:11

Nasci e cresci numa cidade perfeitamente normal do Midwest, no Michigan. Morava num bairro de classe média, com os meus pais, Bob e Betty, os meus dois irmãos, Bob e Bill, a minha irmã, Betsy, e um pequeno dachshund chamado Trinka. O meu pai era médico de cirurgia geral e a minha mãe era dona de casa.

Tive uma infância agradável que, em alguns aspetos, até foi idílica. Nem sempre tinha tudo o que queria, mas nunca me faltava o neces-sário. Mais importante ainda para qualquer criança, sempre me senti amada pela minha família. O ribeiro que passava nas traseiras do nosso terreno era para mim fonte de grande excitação e oportunida-des. Passava muitas horas a entrar e sair dele – a patinar no gelo, a andar de barco, a pescar, a nadar e a explorar. Aprendi sobre caracóis, lesmas e sanguessugas. Fiquei a saber o que acontece quando um cão come o pedaço de toucinho que está preso no anzol de pesca e apren-di a não fixar os olhos de uma tartaruga -mordedora. Só depois de construirmos um elaborado viveiro de mexilhões de água doce é que eu e a minha melhor amiga descobrimos que são as ostras que dão pérolas e não os mexilhões. Divertia -me imenso e foi assim que desen-volvi o gosto pelas atividades ao ar livre, em pleno mundo natural.

A minha família frequentava a igreja presbiteriana local, partici-pando numa congregação em que tinham sido pastores o meu avô, o meu bisavô e o meu trisavô. A nossa tradicional igreja de pedra erguia--se, alta e sobranceira, na praça principal da cidade. Embora a parte

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exterior fosse bastante austera e pouco acolhedora, o interior formava um arco apontado para o céu, ostentando enormes janelas com belís-simos vitrais coloridos. Os bancos já bastante usados eram feitos de uma madeira robusta e escura. Eu e os meus irmãos frequentámos a catequese e as aulas de preparação para o crisma, as missas e uma ou outra reunião de grupo, mas eu considerava essas atividades demasia-do mecânicas e aborrecidas. Ainda que fosse de livre vontade, nenhu-ma parecia ter muito significado na minha vida.

Nem eu, nem os meus irmãos e irmã desenvolvemos qualquer rela-ção com um Deus vivo e pleno de amor, durante o nosso crescimento, e não me lembro de alguma vez me terem exigido que incorporasse Deus ou Jesus Cristo na minha vida e nos meus pensamentos diários. Deus parecia ser “coisa de domingo” e não me recordo de ouvir os meus pais a discutirem questões de espiritualidade ou religião em casa. Em muitos aspetos, contudo, proporcionaram efetivamente aos filhos um modelo de vida cristã. A minha mãe dava -nos muito cari-nho e todo o apoio de que precisássemos e era uma voluntária ativa em várias organizações de serviço ao próximo. O meu pai demonstra-va uma grande compaixão pelas pessoas em circunstâncias difíceis e era altruísta na profissão de cirurgião.

Tinha o costume de seguir o meu pai, quando ele fazia a ronda dos pacientes no hospital, ou quando o chamavam do serviço de urgência, aos fins de semana. Percebia que a sua vida se centrava no serviço ao próximo, pela forma como tratava os outros, sempre com amabilidade e respeito, porque não tinha como principal motivação o dinheiro e pelo facto de colocar sempre os sentimentos e necessidades dos outros antes dos seus.

Perto da adolescência, tornei -me mais independente e comecei a formar as minhas próprias opiniões. Descobri que embora o meu pai fosse bom nas nossas atividades em conjunto, não era lá grande coisa a partilhar os seus sentimentos comigo ou a discutir temas que eu considerava importantes ou difíceis. Apesar dos seus defeitos, adorava--o e fiquei pasmada quando, na primavera de 1970, a relação dos meus pais acabou e a minha mãe lhe pediu para sair.

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1. OS PRIMEIROS ANOS

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Naquela época, o divórcio ainda era um escândalo e fiquei furiosa quando os meus pais se divorciaram, no outono de 1971. Estava no sétimo ano e depressa me tornei uma adolescente confusa e revolta-da. Quando confrontada com a notícia do divórcio deles no jornal, já não podia negar que a imagem que tinha da família tradicional ame-ricana ao estilo dos anos 50 explodira. Nesse período, frequentar a igreja foi um dos poucos aspetos estáveis da minha vida.

Os meus dois irmãos mais velhos já estavam na universidade e eu e o meu irmão mais novo continuávamos a viver com a nossa mãe, na casa onde tínhamos crescido. Todos os domingos de manhã, o meu pai levava -me a um café ranhoso para tomarmos o pequeno--almoço e, depois, à missa. Uma vez que ainda me sentia envergo-nhada e, muito provavelmente, revoltada com o divórcio dos meus pais, recusava -me a ir à missa da igreja presbiteriana com ele. Então, íamos à missa matinal da igreja episcopal da nossa zona. Em geral, depois da missa, dávamos um passeio a pé e íamos para o aparta-mento dele, onde acabávamos o dia com um jantar de frango assado no forno e feijão verde: a única refeição que aprendeu a cozinhar. Embora lhe reconhecesse as limitações, nem por isso deixava de me agarrar à fantasia de o ver regressar a casa, para sermos outra vez a família ideal das minhas recordações de infância.

A minha mãe era uma mulher jovem, atraente e interessante. Não lhe devia ter levado a mal o desejo de namorar, mas foi o que fiz, che-gando mesmo a tentar sabotar -lhe o que pudesse. Mack foi o primei-ro homem a interessar -se seriamente pela minha mãe, depois de o meu pai ter saído de casa. Certa noite, quando voltei para casa, des-cobri que ele comera todos os biscoitos que eu tinha feito naquele dia (sendo ele a última pessoa a quem eu os queria oferecer) e fiquei furiosa. Fiz questão de expressar bem a minha opinião e fiquei encan-tada por nunca mais o ver.

George foi o homem seguinte que conseguiu captar a atenção da minha mãe. Era diretor -geral do clube de campo onde os meus irmãos trabalhavam e eles é que lhe falaram na nossa mãe. Depois de muito insistirem para que ele lhe telefonasse, entre George e a minha mãe surgiu uma bonita relação de namoro. Embora os meus pais já se

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tivessem divorciado há bastante tempo, ainda odiava a ideia de a minha mãe ter um “namorado”. Devo dizer que George era um homem diver-tido, simpático, gentil, compreensivo e extremamente paciente. Para além disso, nunca conheci ninguém que desse massagens nas costas tão boas e demoradas e tenho de confessar que essa foi uma excelente forma de quebrar a minha hostilidade para com ele! George adorava não só a minha mãe, mas também os filhos dela. Assim, quando a minha mãe fez uma reunião de família, cerca de um ano depois de começarem a namorar e nos pediu permissão para casar com ele, foi impossível recusar -lhe essa felicidade. Não obstante, ainda me sentia em conflito, no fundo do meu coração. George era um bom homem e eu achava que seria um padrasto razoável, mas continuava a rezar todos os dias pelo regresso do meu pai e o retorno à vida que conhe-cera com ele em casa.

Até ao preciso momento, em 1973, em que o pregador declarou ofi-cialmente a minha mãe e George “marido e mulher”, não parei de rezar para que o meu pai aparecesse de rompante e interrompesse a cerimónia do casamento para reclamar a sua família. Como isso não aconteceu, concluí que Deus não deu ouvidos à mais desesperada das minhas orações e muito menos lhe deu resposta.

Desiludida, descartei a própria noção de rezar. Não passava de uma criatura ínfima, num planeta com mais de quatro mil milhões de habitantes. Se Deus realmente existisse, porque havia ele de ouvir as minhas preces e de as atender? Decidi que a ideia de um Deus omni-presente que zela pelas pessoas não tinha passado de uma crença infantil e tola, e por isso resolvi “seguir adiante” e desistir de tudo em que acreditava.

Aos 15 anos, era uma jovem esperta, talentosa e confiante. Julgava saber o que mais me convinha e estava convencida de que seria capaz de criar o meu próprio futuro, sem qualquer ajuda divina. Na altura, não me dava conta de que Deus não só respondera aos meus pedidos mais desesperados, como também o fizera de uma forma bem melhor e mais enriquecedora do que alguma vez poderia imaginar. Através do casamento da minha mãe, Deus deu -me um padrasto que era cons-tante no amor, na gentileza e na cortesia que tinha para connosco.

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1. OS PRIMEIROS ANOS

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George dava -nos apoio e respeitava -nos. Como padrasto, ensinou -me acerca da alegria, da amizade e da responsabilidade. Para além de me proporcionar o modelo de um casamento cheio de amor e respeito, também se tornou uma das influências mais importantes da minha vida. Deus cumpriu mesmo a Sua promessa, acerca dos Seus desíg-nios de nos garantir um futuro de esperança. A entrada de George na minha vida não foi decididamente a resposta por que rezara. Foi melhor.

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2. DESCONTROLO

O futuro pertence a quem acredita na beleza dos seus sonhos.– Eleanor Roosevelt

Apesar da presença estabilizadora de George, quando passei para a secundária, a minha vida continuava mergulhada no caos e na dor. A maioria dos meus amigos consumia drogas e bebidas alcoólicas e eu começava a descontrolar -me. Numa noite fria de março que, aliás, era a data de aniversário da minha mãe, John, Linda e um outro amigo foram buscar -me a casa, no Chevy Impala novinho em folha do irmão de John. John tinha acabado de tirar a carta de condução, mas conse-guimos convencê -lo a seguir por umas colinas tipo montanha -russa, quando íamos todos a uma festa numa cidade vizinha. Não é por acaso que lhes chamamos montanha -russa. Se seguirmos com algu-ma velocidade, sentimos o estômago colado à garganta nas subidas. As estradas invernosas de março estavam cobertas de gelo, e os ban-cos novos de vinil tornaram -se suaves e escorregadios quando come-çámos a voar sobre as colinas. Linda insistiu para que puséssemos os cintos de segurança e mal tínhamos ouvido o clique das fivelas quando John perdeu o controlo do carro. O carro desatou a girar até embater numa árvore e de imediato ouvimos o violento som do porta--bagagens a separar -se da cabine dos ocupantes.

Ao colidir com a árvore, o carro foi catapultado para o outro lado da estrada e embateu noutra árvore, perdendo o compartimento do motor. A cabine dos ocupantes, onde ainda estávamos nós os quatro, foi a rolar pela encosta abaixo, até parar voltada ao contrário. Embora tivés-semos ficado pendurados de cabeça para baixo, suspensos pelos cin-

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tos de segurança que tínhamos acabado de apertar, nenhum de nós sofreu ferimentos graves.

Enquanto rolávamos pela ravina abaixo, ouvi alto e bom som Deus dizer -me: “Estou contigo.” Nesse momento, o medo que sentia desa-pareceu e consegui até maravilhar -me com a beleza da imagem rodo-piante de árvores e arbustos que via através dos vidros estalados, ao longo da descida. Foi a primeira experiência de que me recordo da presença de Deus na minha vida. Fiquei maravilhada com o que tinha ouvido e sentido, mas, para ser franca, também fiquei assustada. Come-cei a pensar que Deus, afinal, talvez não fosse uma mera “crença infan-til e tola”. Para mim, Deus era real, estava presente e, ao que tudo indicava, tinha mais planos para a minha vida do que eu própria.

Depois desse acontecimento, a minha vida como adolescente conti-nuou confusa, mas já parecia ter mais sentido e futuro. Comecei a analisar o meu comportamento, as minhas amizades e as minhas escolhas. Decidi que estava na altura de levar a vida mais a sério e fazer algumas mudanças. Já não gostava de “andar” com a malta às sextas -feiras à noite, e passei a dedicar mais tempo a pensar no meu futuro e nas coisas que me eram importantes. Refleti sobre os meus objetivos e sobre o meu papel no mundo.

Continuei a frequentar as missas tanto da igreja episcopal como da presbiteriana e comecei a ir de vez em quando à igreja cristã de Oakland Road, com a minha amiga Merry Ann. Apesar de ter sido batizada e crismada na igreja presbiteriana, optei por me submeter a um batismo de plena imersão numa das chamadas ao altar da igre-ja cristã de Oakland Road. Dá -me vontade de rir, lembrar -me disso, pois sou um pouco para o introvertida. Quando me imaginam a subir ao altar, numa chamada pública, e a ser mergulhada num tanque em acrílico num santuário apinhado, a maioria dos meus amigos desata logo a rir. Não obstante, foi o que fiz e o Espírito Santo deve ter entra-do em mim, porque ao emergir, senti -me leve como uma pena. Fiquei cheia de energia, eufórica e extasiada. Sentia -me limpa e renascida; tornei -me outra pessoa. Cumpriu -se a promessa de Deus: “se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas.” (2.a Coríntios 5:17)

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3. MÉXICO

Confia no SENHOR, do fundo do teu coração,e não te fies na tua própria inteligência!Reconhece -o em todos os teus caminhos,e Ele endireitará as tuas veredas.– Provérbios 3:5 -6

Pouco depois da minha transformação espiritual pela via do batismo, li um boletim da igreja que continha o anúncio de uma ação de anga-riação de fundos, da parte de um casal de missionários que vivia nas montanhas do centro do México. Embora sem uma formação espe-cífica para aquela tarefa, o casal orientava campos dedicados ao ensi-no da Bíblia e geria uma clínica médica que proporcionava cuidados de saúde à população carenciada das montanhas circundantes de Matehuala, no estado de San Luis Potosi. O pedido de ajuda que lan-çavam fez -me sentir imediatamente impelida a agir.

Tinha 15 anos, não possuía dinheiro para dar ao casal e não sentia interesse pelo trabalho evangélico que levavam a cabo, mas achava que trabalhar numa clínica médica remota seria uma grande aventura. Contactei imediatamente o casal que aceitou afavelmente a minha oferta de ajuda. Só perguntaram quando é que eu podia ir e quanto tempo podia ficar. Anunciei os meus planos à minha mãe e conse-guimos que a escola me concedesse créditos curriculares pelo meu serviço no México.

Muito em breve tinha tudo preparado e pude partir para o México. Foi um bom exemplo (olhando para trás, claro) da facilidade com que as coisas acontecem, quando começamos a cumprir a vontade de Deus. Demorei muitos anos a perceber que, sempre que tudo nos parece complicado e nos sentimos a nadar contra a corrente, é porque

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muito provavelmente não estamos a cumprir a vontade de Deus. Quan-do a cumprimos, tudo parece acontecer sem grande esforço ou com poucos obstáculos.

O casal de missionários tinha uma casa na cidade de Matehuala, mas passava uma boa parte do tempo numa rústica aldeia monta-nhosa, a várias horas de distância. Foi quando íamos a caminho de casa, vindos dessa aldeia na montanha, que a nossa carrinha se atolou na lama, tal como descrevi na introdução deste livro. Quando está-vamos nas montanhas, morávamos numa pequena herdade, onde proporcionávamos alimentos, aulas de ensino da Bíblia e cuidados médicos à população que vivia na região. Oferecíamos vários tipos de cuidados, desde o tratamento de piolhos e de mordeduras de ara-nhas ou centopeias à imobilização de ossos partidos e pequenas cirur-gias para resolver problemas mais comuns, como apendicites. Apesar de ser um serviço rudimentar, os aldeões consideravam -no o melhor que tinham à disposição. Na verdade, existia um hospital regional, mas que ficava a várias horas de distância, pelo que os aldeões só lá iam quando já estavam quase com um pé na cova.

Esse casal de missionários, em particular, precisava desesperada-mente de ajuda e parecia não ter mãos a medir. Quando cheguei, deram -me um manual de medicina já ultrapassado e disseram -me que ficaria responsável pelos cuidados de obstetrícia, incluindo par-tos – e até uma ou outra cesariana. Eu estava à procura de aventura e era muito segura de mim própria, mas definitivamente não estava preparada para tanta responsabilidade e pensei se não estariam enga-nados acerca das minhas habilitações.

Quando lhes falei sobre o assunto, aconselharam -me a rezar, pedin-do orientações.

Disse -lhes que só podiam estar loucos.Rezei fervorosamente, enquanto estive na clínica. Supervisionava

os partos fáceis, fazia os partos difíceis que exigissem intervenções de algum tipo e fazia cesarianas. Felizmente, apesar dos meus conhe-cimentos tão limitados, da pouca experiência que tinha e da escassez de equipamentos, nunca perdemos um bebé ou uma mãe.

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3. MÉXICO

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Ao receber os louros por esses êxitos, julgava que era porque tinha aprendido depressa, lido muito e sido uma “cirurgiã” cuidadosa e aí por diante. Posteriormente, depois de me ter licenciado em Medicina e de ter começado a especialização em cirurgia, tornou -se -me dolo-rosamente evidente que os meus primeiros êxitos pouco ou nada tinham que ver com os meus esforços. Limitara -me a proporcionar as mãos, através das quais Deus trabalhava. Todo o mérito tinha sido de Deus, e não me parece que os nossos pacientes tivessem sobrevi-vido sem a sua orientação e intervenção.

Quando li o tal boletim da igreja que acabou por me fazer chegar às montanhas do México, fiquei interessada na clínica médica, mas de modo algum no trabalho evangélico ou missionário. Achava que o evangelismo, as missas de domingo e os campos dedicados ao ensino da Bíblia seriam aborrecidos e desagradáveis. Para mim, a espiritua-lidade era uma questão do foro íntimo de cada um e não me agrada-va a ideia de a discutir com outras pessoas ou de estimular a fé em ninguém. Todas as pessoas que viviam na aldeia da montanha, adul-tas e crianças, frequentavam os campos de ensino da Bíblia e foi para mim uma surpresa sentir -me comovida e contagiada pelo entusiasmo espiritual delas. Quase não tinham posses materiais e, muitas vezes, só tinham alimentos para fazer uma refeição por dia, mas eram pes-soas cheias de compaixão que não cessavam de louvar Deus e de Lhe agradecer as suas bênçãos diárias. Para eles, Deus não era uma mera “coisa de domingo” – entoavam hinos com os corações a transbordar de alegria genuína.

Observar a obra de Deus na vida dos habitantes daquela aldeia re -mota inspirava -me e fazia -me reconhecer que aqueles camponeses eram tão visíveis e preciosos para Deus como os habitantes sempre ocupados e “todos importantes” das grandes cidades. Era por demais evidente que nada os poderia afastar do amor de Deus. O aspeto evan-gélico dessa aventura talvez tenha forçado um pouco a minha “zona de conforto”, mas o certo é que acabou por ser tudo, menos aborrecida.

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