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DISPUTAS POR TERRA E VIOLNCIA NO CAMPO NA ATUALIDADE
BRASILEIRA E O RESPEITO PELOS DIREITOS HUMANOS
DISPUTES BY LAND AND VIOLENCE IN THE COUNTRYSIDE IN THE
BRAZILIAN CURRENT AND THE RESPECT FOR HUMAN RIGHTS
Elisaide Trevisam1
Mirian Andrade Santos2
RESUMO:
O presente artigo visa propor uma reflexo com relao aos conflitos e violncias no campo
que vem atingindo a classe dos cidados que vivem e trabalham no meio rural brasileiro.
Cidados que, ao defenderem a cidadania e igualdade contempladas pela democracia
garantida pela Constituio Federal, se encontram frente ao desrespeito dignidade que vem
sendo dilacerada por uma classe dominante de proprietrios violentos que, ao defenderem
suas propriedades transgridem, em todos os aspectos, os direitos humanos consagrados
universalmente e os direitos fundamentais positivados constitucionalmente, fazendo com que
a verdadeira democracia no seja concretizada e o Brasil no seja efetivado como um Estado
Democrtico de Direito.
Palavras-Chave: Cidadania; Democracia; Direitos fundamentais; Violncia rural.
ABSTRACT:
The present paper aims propose a reflection regarding the conflicts and violence on the field
that has been reaching the class of citizens who live and work in the Brazilian countryside.
Citizens who, in defending the contemplated citizenship and equality for democracy
guaranteed by the Federal Constitution, are facing to disrespect to the dignity that has been
torn apart by a violent ruling class of landowners who, in defending their properties
transgress, in all aspects, the human rights universally enshrined and fundamental rights
constitutionally positivized, making that the true democracy does not be concretized and
Brazil does not effected as a Democrated State of Law.
Key-words: Citizenship; Democracy; Fundamental rights; Rural violence.
1 Doutoranda em Filosofia do Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC SP. Mestra em
Direitos Humanos. Especialista em Direito Individual e Processual do Trabalho. Professora Universitria.
Advogada. 2 Mestranda em Direitos Humanos Fundamentais pelo Centro Universitrio UNIFIEO Osasco/SP. Bolsista
CAPES-PROSUP. Professora universitria da Faculdade Aldeia de Carapicuba FALC. Advogada.
INTRODUO
Entre os maiores desafios da atualidade brasileira se encontra o de afrontar os
conflitos agrrios e a forte violao dos direitos humanos, por parte de uma classe burguesa
agrria dominante e violenta, concomitantemente a polticas pblicas fracas que esto a
dilacerar uma convivncia democrtica, atrapalhando desse modo, a cidadania daqueles que
buscam condies mnimas de sobrevivncia garantidas pela Constituio Federal e pela
Ordem Internacional.
Dentro de uma sociedade democrtica, que prega a igualdade e a justia, necessrio
se faz ter conscincia de que as desigualdades se traduzem em injustia, violao da dignidade
da pessoa humana e consequentemente em enfraquecimento do desenvolvimento do pas.
Prope-se, ento, por meio deste artigo, uma reflexo sobre a realidade vivida no
campo brasileiro, onde ocorrem a disputa por terras e a violncia, que vem afligindo o cidado
que busca, atravs de seu trabalho, ter acesso terra e a sua produo para que seja
consagrado seu direito igualdade, moradia e ao seu sustento, direitos que, infelizmente,
esto sendo tolhidos por aqueles que detm o poder econmico e violam os direitos humanos
consagrados internacionalmente.
1 CONFLITOS NO MEIO RURAL BRASILEIRO: A LUTA PELA TERRA
Com a violao dos direito humanos, com a desigualdade social rural e com a
formao de polos de misria, onde o homem rural sofre as dores da humilhao, do peso do
fracasso e das mazelas da excluso social, ou seja, neste abismo de desigualdades, reinam a
criminalidade e a violncia causadas pela falha do Estado e pela explorao do homem pelo
seu semelhante mais bem colocado economicamente. (MANIGLIA, 2005, p. 5)
Para se entender o que vem a ser conflitos no campo, faz-se necessrio conceituar
o que significa este termo e, para tanto, pode-se citar a conceituao da comisso Pastoral da
Terra em seu relatrio anual do ano de 2012 que explica:
Conflitos so as aes de resistncia e enfrentamento que acontecem em
diferentes contextos sociais no mbito rural, envolvendo a luta pela terra,
gua, direitos e pelos meios de trabalho ou produes. Estes conflitos
acontecem entre classes sociais, entre os trabalhadores ou por causa da
ausncia ou m gesto de polticas pblicas. [...] Conflitos por terra so
aes de resistncia e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e
pelo acesso a seringais, babauais ou castanhais, quando envolvem
posseiros, assentados, quilombolas, geraizeiros, indgenas, pequenos
arrendatrios, pequenos proprietrios, ocupantes, sem terra, seringueiros,
camponeses de fundo de pasto [...].
As ocupaes e os acampamentos so tambm classificados na categoria de conflitos
por terra, alm dos conflitos trabalhistas que compreendem os casos de trabalho escravo,
superexplorao, e aes de resistncia.
A violncia entendida como sendo o constrangimento e ou a destruio, quer seja
fsica ou moral que so exercidas sobre os trabalhadores do campo e aqueles que so aliados,
sendo que, tais violncias esto relacionadas com os mais diversos tipos de conflitos que so
registrados, alm das manifestaes dos movimentos sociais que se do no campo.
Segundo Tavares dos Santos (2000, p. 1), os conflitos pela posse e propriedade da
terra, presentes em todas as regies brasileiras, so marcados por inmeros atos violentos, o
que significa uma ao generalizada contra as formas de luta pela terra das populaes rurais
brasileiras e acrescenta:
Deve-se ressaltar que a maior ocorrncia de assassinatos de crianas em
conflitos de terra revela o quanto foram destrudos grupos familiares de
camponeses, principalmente no perodo inicial do Governo Civil, quando se
abriu uma relativa possibilidade de uma redistribuio fundiria no Pas. As
mortes em acidentes de transporte para o trabalho atingem principalmente as
famlias de trabalhadores diaristas, que recebem por tarefa, motivo da
presena de crianas que vem a completar o grupo familiar. A ocorrncia de
mortes em situaes de trabalho escravo denota a brutalidade desta relao
de trabalho presente no quadro da modernizao da agricultura brasileira.
Finalmente, as mortes de crianas em acampamentos de colonos e
trabalhadores sem-terra expressam a precariedade da vida destas famlias em
acampamentos de lona beira de estradas e de fazendas. (TAVARES DOS
SANTOS, 2000, p. 2)
A formao da sociedade brasileira encontra-se num profundo processo de excluso
da maioria de sua populao, onde a pobreza marca a estrutura do pas em consequncia do
privilegiado setor econmico histrico, formado por donatrios de capitanias hereditrias,
senhores de engenho e fazendeiros, que tm orientado de forma prioritria a dinmica de
desenvolvimento, pautados em seus prprios interesses imperialistas de cada poca e,
consequentemente, alijando do acesso aos bens do pas os escravos, os trabalhadores do
campo e os imigrantes pobres. (RECH, 2003, p. 21)
As situaes que envolvem a prtica poltica dos grandes proprietrios de terra e
empresrios rurais no Brasil so inmeras no decorrer da histria do pas. Trata-se de desafios
que unem o passado e o presente numa mesma realidade, transformando a reflexo da
sociedade sobre o desenvolvimento num tema polmico e crucial. (Bruno, 2003, p. 284)
A grande concentrao da propriedade de terra forma a estrutura histrica do Brasil e
a distribuio da terra cria uma problemtica, pois os posseiros e pequenos proprietrios so
os que se veem prejudicados, uma vez que devem se pr a enfrentar fazendeiros e grileiros
com maior poder poltico e econmico, esses que usam da violncia e da corrupo para
expulsar os grupos com menor poder das terras.
Enfatiza Elisabeth Maniglia (2005, p. 2) que,
A nova ordem constitucional almejou a retomada do crescimento poltico,
equilibrando a democracia, a justia social, numa sociedade carente de
valores dignos e sem construo de cidadania. [...] a violncia e a
criminalidade no meio rural surge de forma desordenada, ganhando espaos
na imprensa policial ora, por meio de ocupaes de terra, num sucedneo de
mortes e leses, ora por trabalho escravo e trabalho infantil ora ainda por
crimes ambientais, num cenrio dramtico por meio do trfico de drogas que
cresce em passos largos desenhando um modelo de agronegcio segmentado
no plantio de plantas psicotrpicas e por fim na morte contumaz de
indgenas num processo de extermnio lento.
Como conviver com a modernizao capitalista do Estado e os conflitos agrrios que
so marcados por tantos atos violentos, como assassinatos, trabalho escravo, mortes
anunciadas, entre outros atos que indicam fortes violaes dos direitos humanos?
Conforme dados do Greenpeace (2003, p. 14),
O Par tem o maior ndice de assassinatos ligados a conflitos de terra no
Brasil. Entre 1985 e 2001, cerca de 40% das 1.237 mortes de trabalhadores
rurais no Brasil aconteceram no Par, de acordo com a CPT (Comisso da
Pastoral da Terra). Um inventrio conduzido pelo governo do estado do Par
durante o mesmo perodo registrou 804 vtimas de assassinatos. Em 2002, o
nmero de visitas aumento quase 50% comparado com o ano anterior, e
metade foi morta no Par. [...] Ainda que inmeros casos de violncia,
incluindo assassinatos, sejam registrados, quase nunca eles so investigados
de forma apropriada. Os responsveis raramente so punidos, porque as
testemunhas geralmente so intimidadas ou mortas. A interveno pblica
desestruturada, espordica, parcial e fragmentada. Os diferentes nveis e
setores de governo no conversam ou interagem entre si. Algumas
comunidades organizadas, que se recusam a aceitar a destruio ambiental e
os abusos sociais, tm proposto projetos de desenvolvimento alternativos,
baseados no uso sustentvel dos recursos naturais. No entanto, suas
lideranas vivem sob crescente ameaa.
Para Artur Zimerman (2010, p. 159), enquanto a modernizao faz com que o Brasil
cresa, as camadas mais abastadas da populao mudaram sua qualidade de vida, contudo,
[...] a desigualdade de renda e de terras cresceu. A conscientizao da
situao desigual e da formao de resistncia entre os mais pobres foi
semeada por setores militantes da igreja catlica, fomentada pela teoria da
libertao de Leonardo Boff. No entanto, a colheita dessa semeadura est
sendo realizada por diversas ONGs e entidades de trabalhadores na
agricultura, com a abertura poltica e a instaurao do regime democrtico
no pas. A resistncia organizada e sua marca est na invaso de terras improdutivas, com a inteno de desapropriao e criao de assentamentos
e unidades de agricultura familiar aos lavradores. Os defensores de uma
reforma agrria extensiva veem a lentido da mesma, e tentam apress-la com as invases de terras, que causam confrontos e mortes.
A violao dos direitos humanos, econmicos, sociais, culturais, civis e polticos
circunscrevem locais bem delimitados e se espalham no territrio brasileiro, atravs de
indivduos ou grupos de indivduos que so forados a sarem da sua terra, que no
conseguem retomar seu territrio, que no so beneficiados pela reforma agrria e,
consequentemente, deparam-se com a violao de seus direitos terra, ao trabalho, moradia,
alimentao, gua, cultura, ao direito de ir e vir. Portanto, assim, so concretizadas, no
lugar da dignidade da pessoa humana, a ameaa e a violncia contra seus direitos
proclamados. (RECH, 2003, p. 119)
No meio rural brasileiro, a luta pela terra e a violncia que vem assolando o campo
mostram a dilacerao da cidadania, a excluso social e a inobservncia dos direitos
fundamentais consagrados pelo Estado Democrtico de Direito.
A violncia tem sido muitas vezes usada para recobrir situaes como o sistemtico
descumprimento da legislao trabalhista, a falta de condies mnimas de segurana nos
locais de trabalho, os processos de expulso de trabalhadores de reas por eles ocupadas, por
vezes h geraes, a explorao do trabalho escravo e infantil. (MEDEIROS, 1996, p. 3)
Isso implica relacionar um conjunto de prticas do no reconhecimento dos
trabalhadores rurais como portadores de direitos, e sim como sujeitos submissos por coero
frente s formas de dominao fundadas em procedimentos aceitos pela sociedade.
Como elucida Marilena Chau (2011, p. 378), no Brasil, a violncia no percebida
pela sociedade, pois:
[...] a violncia no percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde
se define como violncia propriamente dita, isto , como toda prtica e toda
ideia que reduz um sujeito condio de coisa, que viola interior e
exteriormente o ser de algum, que perpetua relaes sociais de profunda
desigualdade econmica, social e cultural. Mais do que isto, a sociedade no
percebe que as prprias explicaes oferecidas so violentas porque est
cega ao lugar efetivo de produo da violncia, isto , a estrutura da
sociedade brasileira, que, em sua violncia cotidiana, reitera, alimenta e
repete o mito da no-violncia. [...] As disputas pela posse da terra cultivada
ou cultivvel so resolvidas pelas armas e pelos assassinatos clandestinos.
As desigualdades econmicas atingem a proporo do genocdio.
O direito vida dos trabalhadores rurais uma questo limite, pois o dia a dia deles
configurado por uma rotina de violncia expressada por rituais de dominao por parte dos
que detm o poder da propriedade (TAVARES DOS SANTOS, 2000, p. 2).
Alm dos conflitos armados, existe a problemtica do trabalho escravo, que se
mostra, a cada momento, uma situao mais complicada e de difcil correo, uma vez que a
desigualdade social e a assimetria de poder entre as classes trazem uma realidade cujo
pagamento da relao trabalhista a barbrie e a angstia daqueles que se encontram sobre
dominao.
O aumento nos ndices de migraes internas no territrio brasileiro, que mostra o
quadro de violao de direitos humanos de trabalhadores rurais no pas, oriundos do Nordeste,
que chegam nas lavouras de cana-de-acar paulistas para trabalhar temporariamente, traz
tona a problemtica do trabalho escravo. (RECH, 2003, p. 21)
Cabe lembrar o que explana Kevin Bales (2000, p. 35):
Para que as leis contra a escravido possam funcionar, precisa que ocorram
violaes precisas para perseguir. Sempre sobre base jurdica, uma
violao privar o indivduo dos direitos fundamentais, impedir-lhe de se
mover com liberdade, no pagar-lhe pelo trabalho e obrig-lo a trabalhar em
condies perigosas. A escravido , indiscutivelmente, a extrema violao
dos direitos humanos. [...] Se um Estado no tem alguma motivao para
garantir os direitos humanos ao interno de seus confins, tais direitos podem
vir a menos. o que sucede na maior parte dos pases onde atualmente se
pratica a escravido (traduo do autor).
Os aspectos da escravido que permanecem, ao longo do tempo, so as ameaas, a
coero, as punies e at assassinatos, alm do que os escravos da atualidade se sentem
devedores de seus senhores a tal ponto de serem fiis ao cumprimento da dvida contrada
com eles.
Segundo Jos Reis dos Santos Filho (2001, p. 151),
Considerado o trabalhador rural como objeto dessa violncia, sua condio
de eficcia est ligada capacidade de minar individualidades e identidades.
E, no entanto, no h nada que nos permita afirmar que o trabalhador rural
abandone, necessariamente, a realizao de sua vontade. De fato, por mais
que estejam dadas as "condies materiais" de emergncia do litgio, ele s
deflagrado com uma ao do trabalhador rural. essa iniciativa que institui
o conflito.
O Estado contribui para a intensificao dos conflitos no campo por favorecer grupos
empresariais e grandes senhores da terra, atravs de aes que fornecem garantias para o
acesso ao mercado de capitais, e, com isso, desfavorece, ou seja, deixa de cumprir com o
dever de assegurao dos direitos fundamentais dos cidados excludos.
O aparecimento da violncia no espao agrrio alimenta-se da crise da dominao
poltica do Estado brasileiro, onde se assiste a uma disseminao da violncia, por estar os
aparelhos repressivos do Estado vinculados uma violncia social e poltica difusa no campo.
O Estado no cumpre com suas funes legtimas de proteo e isso multiplica os atos
violentos contra os trabalhadores rurais. (MARTINS, 1991, p. 50)
Acrescenta, ainda, Jos de Souza Martins (1991, p. 53) que,
[...] Tradicional e moderno esto polarizados, mas contraditoriamente
combinados. Essa a forma que a acumulao capitalista assume nesta
sociedade, que se d, tambm, atravs dos incentivos fiscais, das isenes,
das doaes do Estado, da transferncia da riqueza pblica para o particular.
Nosso capitalismo um capitalismo tributrio, um capitalismo que se
alimenta, sobretudo, da arrecadao de tributos e no s da explorao da
fora do trabalho. Um capitalismo que vive, ainda, da renda da terra, que
forma absolutamente irracional de acumulao.
O Estado deve ser superado e essa superao tem a ver com a eliminao da
sociedade de classes, uma vez que no a sociedade que se encontra a servio do Estado ou
regulada por ele, mas sim o Estado que se destina a agir em defesa da sociedade. Na
atualidade, o Estado se coloca a servio da sociedade desde que ela seja a classe dominante.
As faces da violncia rural no Brasil mostram um problema cotidiano enfrentado por
aqueles que, excludos da sociedade, procuram uma maneira de ter seus direitos como
cidados e seres humanos, traduzidos em eficcia plena, ou seja, que o Estado trace meios
para que eles passem de simples objetos ou mercadoria para a condio de pessoa
emancipada.
2 A VIOLNCIA NO CAMPO: ATUALIDADE BRASILEIRA
As denncias de violncias contra trabalhadores rurais tm origem no poder do
latifndio e do agronegcio, em uma poltica dos governos federais e estaduais que privilegia
as oligarquias, lembrando que o Estado capitalista defende os interesses de uma minoria e no
se importa com os interesses daqueles mais necessitados. No se pode olvidar, porm, que a
funo principal do Estado deve ser a de garantir a justia e a igualdade social. (BUENO
MOTA, 2009, p. 16)
A Comisso Pastoral da Terra (2011), em seu relatrio parcial de 2011, revela o
registro de 439 ocorrncias de conflitos de terra, dos quais 164 conflitos por terra, 29 conflitos
por gua e 218 casos de conflitos trabalhistas, concretamente o trabalho escravo.
Foram somados 17 assassinatos de trabalhadores, sendo 12 trabalhadores mortos na
regio Norte e, somente no Par, foram totalizados 9 assassinatos. Pelo menos 8 das mortes
esto diretamente relacionadas com a defesa do meio ambiente. Outras 4 se relacionam com
comunidades originrias ou tradicionais: 2 mortes so de quilombolas e 2 de indgenas.
As ameaas de morte que se materializam, segundo a Comisso Pastoral da Terra
(2011), concretizam-se num dado que apresenta um crescimento elevado de pessoas
ameaadas de morte.
Em 2010, houve o registro de 83 pessoas ameaadas; j em 2011, esse nmero se
elevou para 172, 107% a mais. Esse crescimento exponencial reflexo das aes que se
desenvolveram, aps os assassinatos de maio.
No ano de 2012, na Amaznia se registraram 489 dos 1067 conflitos no campo,
porm, no se pode olvidar que nessa regio se encontram 97% das reas envolvidas nestes
conflitos sendo que, ali se concentram 58,3% dos assassinatos, 84,4% das tentativas de
assassinatos, 77,4% dos ameaados de morte, 62,6% de presos e 63,6% de pessoas agredidas.
(PASTORAL DA TERRA, Relatrio 2012).
A Comisso Pastoral da Terra apresentou Secretaria de Direitos Humanos do
governo Federal a relao dos ameaados de morte nos ltimos dez anos, destacando que as
ameaas haviam se concretizado efetivamente em 42 casos e essa informao foi veiculada
com insistncia.
A partir de ento muitas ameaas que surgiram, de to corriqueiras que eram, foram
encaradas por muitos como normais. Com um levantamento mais acurado, chegou-se ao
nmero de 172. Deve-se considerar que tal registro se refere a ameaas ocorridas somente no
decorrer do ano de 2011.
Importa destacar que das 23 pessoas assassinadas at novembro de 2011, 9,39% j
haviam recebido ameaas, ou em anos anteriores, ou nesse mesmo ano. A maioria havia
registrado ocorrncia na polcia.
A interveno federal depois dos primeiros assassinatos no foi minimamente
suficiente para inibir a ao dos grileiros, proprietrios de terra e outros. O nmero cresceu de
38.555 pessoas, em 2010, para 45.595, em 2011. Um aumento de 18,2%.
Conforme a Agncia de notcias Reprter Brasil (2012), Organizao no
governamental que trata da problemtica do trabalho escravo no Brasil,
Quatro adolescentes foram encontrados entre 52 trabalhadores resgatados de
situao anloga escravido em fiscalizao realizada na zona rural do
municpio de Tailndia (PA), no final de janeiro de 2012, de acordo com o
Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE). Dois deles, de 13 e 14 anos,
exerciam atividade de risco manuseando machados na extrao e
beneficiamento de madeira, trabalho que est entre as piores formas de
explorao infantil, conforme a Conveno 182 da Organizao
Internacional do Trabalho e a legislao brasileira. Outro, de 16 anos,
trabalhava com uma foice para abrir caminho para a passagem das toras. E
uma garota de 15 anos trabalhava como cozinheira em uma das frentes de
trabalho. O proprietrio da fazenda em que o flagrante aconteceu, nega que
tenha explorado trabalho escravo e infantil, diz que os adolescentes no
trabalhavam e que foram oportunistas ao se depararem com a fiscalizao. Na ao, o Grupo Especial de Fiscalizao Mvel formado por agentes de
diferentes rgos, incluindo da Polcia Rodoviria Federal, apreendeu 11
armas, que, segundo os trabalhadores e os proprietrios, eram utilizadas para
caa. Entre os resgatados, havia uma mulher grvida, isolada assim como os
demais dentro da mata.
Segundo a Comisso Pastoral da Terra, em 2013 cresceu o nmero de casos de
trabalho em condies anlogas de escravo em relao a 2012, sendo que este nmero saltou
de 189 para 197 e desses casos, foram identificados 128 ocorridos em atividades no campo. O
que chama a ateno que estes casos tiveram acrscimo na regio Sudeste do Pas. A
explorao dos trabalhadores est, ainda, concentrada em lavouras e na agropecuria.
Conforme relatrio de 2012 da Comisso Pastoral da Terra:
Os dados permitem afirmar que h uma acirrada disputa pelos territrios,
entre o capital e as comunidades camponesas. O mais correto seria dizer que
o capital continua a espoliar as comunidades de seus territrios, pois a
disputa dura e desigual. Os indgenas e camponeses contam com a fora de
sua resistncia e o apoio de seus aliados. J os interesses do capital so
defendidos, estimulados e financiados pelos poderes pblicos, e so
enaltecidos pela grande mdia. O Congresso Nacional o espelho da
desigualdade das foras em jogo.
O Conselho Indigenista Missionrio (CIMI) solicitou Organizao das Naes
Unidas que intervenha junto ao governo brasileiro frente s graves violaes de direitos
humanos envolvendo os povos indgenas no pas. (PASTORAL DA TERRA, 2012)
A solicitao deu-se por intermdio de duas denncias: a violncia no Mato Grosso
do Sul, que entre 2003 e 2010 vitimou 250 Guaranis Kaiow, e as mortes de indgenas no
Vale do Javari, Amazonas, onde nos ltimos dez anos 300 indgenas morreram vitimados por
todos os tipos conhecidos de hepatite.
Na cidade de Nova Califrnia, no Estado de Rondnia, no dia 31 de maro de 2012,
uma trabalhadora rural sem terra foi assassinada. A cidade est localizada na Ponta do Abun,
regio conhecida como uma das mais violentas do Estado, dentre outros fatores, por ser o
caminho por onde entram madeiras extradas e griladas ilegalmente no Amazonas. A jovem
vinha sofrendo ameaas e chegou a ter sua casa queimada no acampamento Ramal Mendes
Junior. (PASTORAL DA TERRA, 2012)
No Estado do Pernambuco, no dia 02 de abril de 2012, morreu um jovem que era
assentado no Assentamento Dona Margarida Alves, e se dirigia a outro assentamento, o
Frescudim, quando foi alvejado por vrios tiros de arma de fogo. O Movimento dos Sem
Terras (MST) acredita que o assassinato tenha sido uma retaliao reocupao do engenho
Pereira Grande, que ocorreu na madrugada de 01 de abril de 2012. O local em que aconteceu
a violncia uma das reas mais emblemticas de conflitos de terra no Estado de
Pernambuco. A rea foi declarada de interesse social para fins de reforma agrria em
novembro de 2003, mas, depois de uma srie de recursos impetrados, a Usina conseguiu
barrar o processo de desapropriao. (PASTORAL DA TERRA, 2012)
O Movimento dos Sem Terras e organizaes de direitos humanos, como a Terra de
Direitos (2012), vm denunciando amplamente a violncia no campo em Pernambuco, onde
pistoleiros recebem R$ 50,00 (cinquenta reais) por dia para matarem trabalhadores rurais Sem
Terra, alm do que, fazendeiros andam armados e ameaam agricultores at mesmo em suas
prprias casas.
O que dificulta ainda mais que a polcia, no lugar de atuar como defensora da
sociedade atua como segurana privada de fazendas, intimidando e ameaando famlias Sem
Terra. Delegados, juzes e promotores legitimam o uso de violncia e de milcias armadas por
parte de proprietrios de terra e trabalhadores rurais desaparecem ou so mortos em
emboscadas.
Nesse cenrio de ultraje aos direitos humanos e violao do direito social ao trabalho
digno, implica-se reconhecer a importncia da atuao estatal, consubstanciada em sua funo
jurdica, qual seja:
O Estado moderno repudia as bases da filosofia poltica liberal e pretende
ser, embora sem atitudes paternalista a providencia do seu povo, no sentido de assumir para si certas funes essenciais ligadas vida e
desenvolvimento da nao e dos indivduos que a compem (...) Afirma-se
que o objetivo-sntese do Estado contemporneo o bem comum e, quando
se passa ao estudo da jurisdio, licito dizer que a projeo particularizada
do bem-comum nessa at a pacificao com justia (...) compreende
tambm as providncias de ordem jurdica destinadas, como j vimos, a
disciplinar a cooperao Emre indivduos e a dirimir conflitos entre pessoas
em geral. Tal a funo jurdica do Estado. (CINTRA, 2010, p. 43-44)
Imperiosa se faz a atuao do Poder Judicirio para fins de eliminao de tais
conflitos intersubjetivos vinculados reduo de condies de trabalho anlogas a de escravo,
demonstrando triste e atual realidade dos trabalhadores rurais, oportuno registrar a posio
do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito desta problemtica. Na deciso proferida no
Inqurito 2131 / DF Distrito Federal, Relatora Min. Ellen Gracie, julgamento proferido em
23/02/2012, o STF recebe a denncia de crime de aliciamento de trabalhadores, preceitua a
ementa desse julgado:
Ementa: INQURITO. DENNCIA. ALICIAMENTO DE
TRABALHADORES (ART. 207, 1, CP). FRUSTRAO DE DIREITO
ASSEGURADO PELA LEGISLAO TRABALHISTA MAJORADO
(ART. 203, 1, I, E 2, CP). REDUO A CONDIO ANLOGA
DE ESCRAVO (ART. 149). INDEPENDNCIA DE INSTNCIAS. JIZO
DE PROBABILIDADE CONFIGURADO. DENNCIA RECEBIDA. 1. O
art. 395 do CPP s permite a rejeio da denncia quando for
manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condio para o
exerccio da ao penal, ou, ainda, faltar justa causa para o exerccio da ao
penal, situaes que no se configuram na hiptese. 2. A persecuo penal
relativa suposta prtica dos crimes previstos nos arts. 207, 1
(aliciamento de trabalhadores), 203, 1, I, e 2 (frustrao de direito
assegurado pela legislao trabalhista majorado), e 149 (reduo a condio
anloga de escravo) do Cdigo Penal, independe do prvio desfecho dos
processos trabalhistas em curso, ante a independncia de instncias. 3. A
orientao jurisprudencial relativa ao delito de sonegao tributria
inaplicvel situao, porquanto a reduo ou supresso de tributo
elemento tpico do crime do art. 1 da Lei n 8.137/90, o mesmo no
ocorrendo com relao aos delitos apontados na denncia. 4. Os argumentos
de fato suscitados pelo denunciado, como a temporariedade do vnculo de
trabalho, a inexistncia da servido por dvida ou de qualquer coao, dentre
outros, no merecem anlise nesta sede de cognio sumria, que se limita a
apurar a existncia de justa causa, esta configurada pelas inmeras provas
colhidas pelo Ministrio Pblico Federal. 5. Os elementos de prova
acostados denncia so capazes de conduzir a um juzo de probabilidade a
respeito da ocorrncia do fato tpico, antijurdico e culpvel, bem como de
sua autoria. 6. Denncia recebida.(grifo nosso)
No se pode olvidar a constante luta por terras da populao indgena. A demarcao
de terras indgenas segue o procedimento determinado pelo Decreto 1.775/96 para ser
declarada a posse permanente e usufruto exclusivo dos ndios nos termos do artigo 231 da
Constituio Federal.
Caso intrigante foi demarcao da terra indgena da Reserva Raposa Serra do Sol
situado no Estado de Roraima quanto ao cumprimento das exigncias do procedimento
homologatrio dando origem a Ao Popular n. 3388/RR Roraima, Relator Min. Carlos
Brito, julgamento proferido em 19/03/2009. Convm destacar, o posicionamento do STF em
atendimento aos ideais constitucionais, consubstanciados na finalidade cidad, fraternal e
solidria da Carta Magna, com vistas integrao e reconhecimento da igualdade da minoria:
A DEMARCAO DE TERRAS INDGENAS COMO CAPTULO
AVANADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231
e 232 da Constituio Federal so de finalidade nitidamente fraternal ou
solidria, prpria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivao
de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em
vista o proto-valor da integrao comunitria. Era constitucional
compensatria de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar
por mecanismos oficiais de aes afirmativas. No caso, os ndios a desfrutar
de um espao fundirio que lhes assegure meios dignos de subsistncia
econmica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade
somtica, lingustica e cultural. Processo de uma aculturao que no se dilui
no convvio com os no-ndios, pois a aculturao de que trata a
Constituio no perda de identidade tnica, mas somatrio de
mundividncias. Uma soma, e no uma subtrao. Ganho, e no perda.
Relaes intertnicas de mtuo proveito, a caracterizar ganhos culturais
incessantemente cumulativos. Concretizao constitucional do valor da
incluso comunitria pela via da identidade tnica.
H de se ressaltar que o julgamento do STF resguarda os direitos dos povos
indgenas quanto s terras que por eles so ocupadas, declarando ser direitos originrios que
no foram outorgados pela Constituio e sim reconhecidos:
DIREITOS "ORIGINRIOS". Os direitos dos ndios sobre as terras que
tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e no
simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcao se orna de
natureza declaratria, e no propriamente constitutiva. Ato declaratrio de
uma situao jurdica ativa preexistente. Essa a razo de a Carta Magna
hav-los chamado de "originrios", a traduzir um direito mais antigo do que
qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos
adquiridos, mesmo os materializados em escrituras pblicas ou ttulos de
legitimao de posse em favor de no-ndios. Atos, estes, que a prpria
Constituio declarou como "nulos e extintos" ( 6 do art. 231 da CF).
Ser somente atravs da construo de um projeto social e poltico que vir o
reconhecimento da violncia no campo com a capacidade de mostrar as profundas
contradies do regime de propriedade que impera na explorao capitalista brasileira, onde o
poder da elite dominante destri a autonomia dos dominados.
H que se concretizar um processo de assentamento rural, que venha a ser discutido,
como parte da rede complexa de contradies que cercam e penetram na luta pela terra por
parte dos trabalhadores rurais. Impe-se a emergncia de novas necessidades da reproduo
da fora de trabalho e de novas relaes sociais de produo.
Desta forma, urge colocar em evidncia a violncia no campo, pois, somente desse
modo poder-se- alimentar uma tomada de posio sria por parte do Estado e da sociedade,
para que essas barbries venham a ser superadas e os direitos dos cidados conquistados e
efetivados.
3 RESPEITO PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA A REALIZAO DA
DEMOCRACIA
Cada vez mais cresce a importncia do respeito aos direitos humanos universalmente
considerados, contudo, na prtica, cresce o nmero de exemplos em que se questiona a
veracidade de que tais direitos esto sendo concretizados para demonstrar que a finalidade do
Direito e o progresso da justia demonstram a base de um pas democrtico.
No se pode admitir um direito que no priorize a importncia da realizao dos
valores da vida humana e que traga como consequncia a falta de sentido do direito (Silva,
2009, p. 150), portanto se faz necessria a busca de um fundamento mais profundo do que o
simples reconhecimento estatal para a vigncia dos direitos humanos (COMPARATO, 2010,
p. 171).
Nas palavras de Fbio Konder Comparato (2010, p. 80),
Todos os direitos humanos so universais, indivisveis, interdependentes e
inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo
fundamento e a mesma nfase. Levando em conta a importncia das
particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de
base histricos, culturais e religiosos, dever dos Estados,
independentemente de seus sistemas polticos, econmicos e culturais,
promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
O Brasil, sob a condio de um Estado Democrtico de Direito, deve colocar a
democracia sob a gide de valores que dirijam o agir concreto dos homens, e isso implica a
efetividade de uma democracia que preserva a dignidade da pessoa humana com absoluta
igualdade de considerao dos elementos mnimos asseguradores dessa dignidade.
A Declarao Universal dos Direitos Humanos garante a liberdade e a igualdade
entre os povos e reclama o resgate da dignidade como valor intrnseco condio humana,
vedando a coisificao do homem, alm de estabelecer que os direitos fundamentais so
declarados a fim de proteger o cidado de ser dominado e instrumentalizado.
Fabio Konder Comparato (2010, p. 210) salienta que:
Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigncia dos direitos humanos
independe de sua declarao em constituies, leis e tratados internacionais,
exatamente porque se est diante de exigncias de respeito dignidade da
pessoa humana, exercida contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou
no.
Os direitos humanos funcionam como paradigma moral de respeito aos direitos mais
elementares do ser humano, ou seja, como padro de referncia tica para guiar e nortear toda
a essncia de proteo da ordem jurdica. So direitos que a sociedade poltica tem o dever de
consagrar e garantir, servindo como base de sustentao jurdica para alicerar o resguardo
dos interesses mais primrios e bsicos do ser humano, quais sejam, a dignidade, a liberdade e
a igualdade da pessoa humana. (FRANCO, 2007, p. 8)
Como destaca Norberto Bobbio (1992, p. 25-46),
O problema grave de nosso tempo, com relao aos direitos do homem, no
mais o de fundament-lo, mas sim de proteg-los. [...] O problema que
temos diante de ns no filosfico, mas jurdico e poltico. No se trata de
saber quais e quantos so esses direitos, qual sua natureza e seu
fundamento, se so direitos naturais ou histricos, absolutos ou relativos,
mas sim qual o modo mais seguro para garanti-los, impedindo que eles
sejam continuamente violados. A exigncia do respeito aos direitos humanos
e s liberdades fundamentais nasce da convico, partilhada universalmente,
de que eles possuem fundamento. [...] A Declarao Universal dos Direitos
do Homem representa a nica prova da qual um sistema de valores pode ser
considerado humanamente fundado e reconhecido.
Os direitos humanos e o da soberania popular determinam a evidncia de um Estado
Democrtico de Direito, e nesse contexto que os direitos humanos passam a ser
considerados como elementos da ordem jurdica objetiva e isso constitui na compreenso de
que a funo do Estado, que efetivamente merea ostentar este ttulo, deve atentar-se para a
concretizao de tais direitos. (SARLET, 2007, p. 72)
Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 72-73) entende que,
A imbricao dos direitos fundamentais com a ideia especfica de
democracia um aspecto que impende ser destacado. Com efeito, verifica-se
que os direitos fundamentais podem ser considerados simultaneamente
pressuposto, garantia e instrumento do princpio democrtico da
autodeterminao do povo por intermdio de cada indivduo, mediante o
reconhecimento do direito de igualdade (perante a lei e de oportunidades), de
um espao de liberdade real, bem como por meio da outorga do direito
participao (com liberdade e igualdade), na conformao da comunidade e
do processo poltico, de tal sorte que a positivao e a garantia do efetivo
exerccio de direitos polticos podem ser considerados o fundamento
funcional da ordem democrtica e, neste sentido, parmetro de sua
legitimidade.
A Constituio Federal de 1988 firmou compromissos inalterveis no que diz
respeito ao princpio democrtico e, consequentemente, garantia dos direitos humanos que
esto amplamente destacados no artigo 5. Desse modo, cristalizou a ideia de que a dignidade
e a cidadania so objetivos a serem alcanados por meio de vias econmicas, jurdicas e
sociais. (MANIGLIA, 2005, p. 1)
Como observa Dalmo de Abreu Dallari (1999, p. 123),
Para os seres humanos no pode haver coisa mais valiosa do que a pessoa
humana. Essa pessoa, por suas caractersticas naturais, por ser dotada de
inteligncia, conscincia e vontade, por ser mais do que uma simples poro
de matria, tem dignidade que a coloca acima de todas as coisas da natureza.
[...] O respeito pela dignidade da pessoa humana deve existir sempre em
todos os lugares e de maneira igual para todos. O crescimento econmico e o
progresso material de um povo tm valor negativo se forem conseguidos
custa de ofensas dignidade de seres humanos.
A distino entre o Estado e a sociedade civil um resultado da luta poltica
moderna, e a tenso que dessa luta se aflora deixa de ser entre o Estado e a sociedade civil,
passando a se destacar como um problema de interesse de grupos sociais. Desse modo, o
mbito efetivo dos direitos humanos torna-se inerentemente problemtico sob o ponto de vista
da construo de uma sociedade emancipada. (SOUZA SANTOS, 2003, p. 431)
A igualdade configura uma meta a ser alcanada por meio de leis e pela correta
implementao de polticas pblicas, caso contrrio as classes, os grupos ou os gneros
inferiorizados que possuem menos fora ou capacidade de autodefesa na sociedade sero
potencialmente afetados. Portanto, dever do Estado, na condio de um Estado Democrtico
de Direito, assegurar uma poltica de integrao social efetiva.
Para se viver uma democracia, faz-se imprescindvel respeitar os direitos humanos
como o primeiro princpio de toda e qualquer sociedade, e, se a realidade da efetivao da
dignidade da pessoa humana um contedo evidente que no pode ser revogado, o respeito s
diversas classes sociais, a autonomia pessoal e a dignidade de cada cidado so fatores que
devem ser lembrados.
A intensa desigualdade socioeconmica, que advm da explorao externa e interna
das elites capitalistas, vem especificar seu lado mais cruel, e o Brasil um pas violento, em
que os conflitos gerados pelas diferenas fazem parte da realidade, ou seja, somente por meio
da diminuio das desigualdades socioeconmicas, da educao para a cidadania e da
ampliao da democracia, ampliar-se- a ideia de que a convivncia democrtica em
sociedades pluralistas, polticas e cultural, um dos grandes desafios atuais. (Cardoso, 2003,
p. 104)
A batalha daqueles que esto comprometidos com os direitos humanos consiste na
abrangncia da dignidade e do respeito de todos por todos. Em uma sociedade democrtica e
pluralista no h que se falar em coexistncia sem respeito entre a maioria dominante e a
minoria excluda.
Numa sociedade em que no se promulga a igualdade entre o povo, onde todos no
possam gozar da liberdade de trabalho, livres de coao ou ameaas, onde no prospera a
segurana contra a violao de seus direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos,
ou ainda, numa sociedade que os excludos sofrem de violncia e no podem se manifestar em
favor de seus direitos, no se est mantendo a legitimidade constitucional, pois compreender e
respeitar o outro pressuposto fundamental de uma democracia.
CONSIDERAES FINAIS
Nos dias atuais, a sociedade deve atentar para o que realmente se leva em conta, ou
seja, a brutalidade e a desumanidade a que esto sendo submetidas as populaes menos
favorecidas economicamente, no somente no Brasil, mas em todo o mundo.
Em pleno sculo XXI, a existncia de pessoas que trabalham em condies anlogas
de escravo, que sofrem com ameaas e violncia, de maneira execrvel e cruel como se
apresenta, vai de encontro aos princpios da dignidade da pessoa humana e aos direitos
fundamentais constitucionalmente garantidos, e ainda, ao mais primitivo ensinamento que
conduz as relaes humanas, ou seja, o respeito pelo semelhante.
A configurao dos conflitos armados no campo, a violncia contra a pessoa e a
explorao humana existente nos dias de hoje deve promover o desenvolvimento de aes
tanto na esfera jurdica, como na social, capazes de combater essa barbrie de violao
construo da dignidade humana.
No Brasil, um pas Democrtico de Direito, onde a Constituio da Repblica
fundamentada na dignidade da pessoa humana, a promoo dos valores da dignidade no
trabalho e da liberdade e da propriedade deve ser direcionada efetivao da democracia
como forma de justia.
A reforma agrria, como uma das primordiais respostas polticas do Estado brasileiro
aos conflitos agrrios, uma das possibilidades da efetivao da democracia no Estado
brasileiro e de construo de uma verdadeira cidadania.
Enquanto a sociedade brasileira no se conscientizar que deve lutar e exigir sua
emancipao, no h que se falar numa vivncia plena da democracia e muito menos em ver
seus direitos fundamentais efetivados. Somente se os cidados exercerem o poder de
cidadania que se vivenciar uma histria de liberdade e consecuo de seus direitos.
de fundamental importncia que o Brasil adote uma poltica social mais sria e
eficaz, para que a corrupo venha a ser dilacerada, e, aqueles poucos abastados
economicamente que detm o poder deixem de mandar e comandar o pas, destruindo por
meio da violncia os menos abastados, que necessitam de sobreviver e ver seus direitos
efetivados, pois somente assim o pas poder ostentar o ttulo de Estado Democrtico de
Direito.
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