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DINÂMICA ESPACIAL DA POPULAÇÃO E DOS TRABALHADORES NA
MANUFATURA NO BRASIL (1872-1920)
Leonardo M. Monasterio
IPEA
Resumo:
O trabalho analisa as mudanças na distribuição espacial da população e da ocupação manufatureira
no Brasil entre 1872 e 1920. Para tal, são aplicados instrumentos de análise espacial (Rey 2001a;
2001b; Rey e Janikas, 2004) que combinam as técnicas de Exploratory Spatial Data Analysis
(ESDA) com as de cadeias de Markov. A base dos dados são os censos daqueles anos em nível
municipal, compatibilizados em Áreas Mínimas Comparáveis de acordo com Reis, Pimentel e
Alvarenga (2007). A análise revelou divergências nas trajetórias das áreas dentro dos estados, o
papel do espaço na dinâmica e a tendência ao aumento da concentração, especialmente no tocante à
ocupação manufatureira.
Palavras-chave: Dinâmica Espacial – História Econômica Brasileira – Censo de 1872 e 1920
Abstract:
The paper analyses the changes in the spatial distribution of population and manufacturing workers
in Brazil between 1872 and 1920. Spatial analysis techniques that combine Exploratory Spatial
Data Analysis (ESDA) with Markov chains were applied to the dataset (Rey 2001a; 2001b; Rey e
Janikas, 2004). The 1872 and 1920 Brazilian censuses were the sources of data on counties, but it
was necessary to use “Minimum Comparable Areas” as the unit of analysis (Reis, Pimentel e
Alvarenga, 2007). The study has revealed divergent trajectories within Brazilian states, the role of
space in regional dynamics and an increase in spatial concentration, especially in the manufacturing
activities.
Keywords: Spatial Dynamics – Brazilian Economic History – 1872 and 1920 Censuses
Área Anpec: Área 9 - Economia regional e urbana
JEL: N96
.
DINÂMICA ESPACIAL DA POPULAÇÃO E DOS TRABALHADORES
MANUFATUREIROS NO BRASIL (1872-1920)
INTRODUÇÃO
Em 1872, o município de São Paulo possuía cerca de 30 mil habitantes. Pouco menos de
cinco décadas depois, quase 580 mil pessoas viviam na cidade (MAIC, 1927). Movimentos de
concentração populacional tão intensos como esse não são inéditos em sociedades em
transformação1. Afinal, conforme Williamson (1965) mostrou, espera-se que haja um aumento da
concentração regional quando as economias iniciam seu processo de desenvolvimento. O caso
brasileiro é especialmente interessante, pois entre 1872 e 1920 o país presenciou o fim da
escravidão, da monarquia, a expansão das ferrovias e a intensa imigração subsidiada. Associada a
essas mudanças, o Brasil também passou pela consolidação da economia cafeeira paulista e seu
primeiro surto industrial.
O objetivo deste paper é analisar uma dessas transformações, qual seja: as mudanças na
distribuição espacial da população e da manufatura no período 1872-1920. A motivação dessa
investigação é a busca das raízes da ampla e conhecida desigualdade regional brasileira. Afinal
antes de se buscar as suas causas, é necessário ter um retrato bem preciso do fenômeno. Avaliar,
mesmo que de forma apenas empírica, o que ocorreu em termos espaciais é o primeiro passo para
que teorias explicativas sejam mais bem apreciadas.
Através de um instrumental contemporâneo, este exercício empírico busca avaliar a dinâmica
espacial da população e manufatura brasileira entre 1872 e 1920. Novas ferramentas
computacionais e metodológicas permitem que as questões de vizinhança entre as unidades
espaciais sejam examinadas. Em outras palavras, identifica-se a intensidade dos processos de
contágio ou difusão espacial entre vizinhos que porventura condicionam o desenvolvimento das
regiões. Em termos ainda mais específicos, aplicam-se as ferramentas analíticas propostas por Rey
(2001a; 2001b; Rey e Janikas, 2004) que combinam as de Exploratory Spatial Data Analysis
(ESDA) com outras mais tradicionais, aespaciais, como as cadeias de Markov.
O trabalho utiliza apenas duas fontes de dados: o Censo de 1872 e o de 1920 (DGE, 1876 e
MAIC, 1927). Ambas as fontes são consideradas de boa qualidade e fornecem dados sobre
ocupação ao nível municipal. São necessários dois esforços de compatibilização: um geográfico e
outro ocupacional. Aquele foi possível graças às Áreas Mínimas Comparáveis 1872-2000
desenvolvidas pela equipe do IPEA liderada por Eustáquio Reis (ver Reis, Pimentel e Alvarenga,
2007) que permitiram que as diferentes malhas municipais fossem compatibilizadas ao longo do
século, a despeito das emancipações ocorridas. O formato e tamanho das AMCs dependem apenas
da trajetória de formação das malhas municipais. No caso presente, obteve-se AMCs de dimensões
incomuns especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Por essa razão, o que será chamado de
Brasil refere-se apenas ao estado de Goiás e às macro-regiões Nordeste, Sudeste e Sul.
1Buenos Aires, por exemplo, passou de 180 mil para 1.973 mil habitantes entre 1869 e 1914 (Ainstein, 1996).
Já na compatibilização das ocupações, buscou-se uma correspondência entre as 36 categorias
do Censo de 1872 e as 45 do de 1920. Vale lembrar que a mudança na natureza da atividade
manufatureira tenha levado a sua subestimação no censo de 1920 se fossem seguidos os critérios de
1872. Contudo, como o interesse aqui é nas mudanças relativas e não absolutas, espera-se que isso
não tenha causado grandes problemas.
A tarefa computacional foi executada com o auxílio do software STARS 0.8.2 (Rey e Janikas,
2004) e complementada com rotinas elaboradas em R 2.8.1 (R Development Core Team, 2009),
utilizando a biblioteca de análise espacial spdep (Bivand, 2006)2.
1. ANÁLISE INICIALDOS DADOS
Observações e fontes de dados
Estimativas da renda per capita para o Brasil por AMC para o século XIX foram feitas
recentemente com técnicas distintas (Reis, 2009; Monasterio, no prelo). Contudo, para contornar os
problemas e distorções inevitáveis dessas estimativas, optou-se neste trabalho por analisar apenas a
população e o número de trabalhadores nas manufaturas. Como as AMCS têm áreas com ordens de
grandeza muito díspares, os valores foram normalizados por área, de tal forma que a análise será
feita em termos de densidade populacional e de trabalhadores manufatureiros por quilômetro
quadrado.
Trabalhos de caráter histórico têm utilizado a densidade demográfica como proxy para o
grau de desenvolvimento das nações (Acemoglu, Johsnon e Robinson, 2002). Na ausência de dados
precisos sobre a renda per capita, a densidade demográfica fornece uma visão da distribuição da
atividade econômica como um todo no território brasileiro na época. Já o número de trabalhadores
na manufatura por área indica o grau de desenvolvimento do setor que determinou a concentração
regional nas décadas seguintes no Brasil.
Descrição das mudanças
A Figura 1 apresenta a densidade demográfica por AMC no Brasil em 1872 e 1920. No
período, a população brasileira passou de cerca de 10 milhões de habitantes para pouco mais de 30
milhões. O mapa confirma aquilo que já se sabe, a maior parte do crescimento populacional se deu
na macrorregião Sudeste, em especial São Paulo. Outros fenômenos de caráter intra-estadual ficam
claros: Mesmo no estado paulista, sua parte sul segue pouco povoada; foram as AMCs do Oeste
Paulista que tiveram o maior aumento populacional. Já no Nordeste brasileiro, as maiores
concentrações achavam-se no litoral e na Zona da Mata. Mesmo em 1920, o norte de Minas e o
Triângulo Mineiro têm baixa densidade demográfica, bem como o interior do Paraná e Santa
Catarina.
Em relação ao emprego manufatureiro (Figura 2), o mapa segue- grosso modo – o da
densidade demográfica. Uma observação atenta, contudo, revela fatos relevantes. Diversas AMCs
2O código em R específico para este paper pode ser solicitado ao autor, bem como a lista das ocupações consideradas
como manufatureiras.
de Minas Gerais, por exemplo, tiveram a concentração de trabalhadores manufatureiros diminuída.
O mesmo aconteceu em áreas da Zona da Mata nordestina. Na próxima seção, estes fatos serão mais
bem examinados mediante a aplicação de instrumental adequado.
FIGURA 1 – DENSIDADE DEMOGRÁFICA POR AMCS NO BRASIL (1872-1920)
1872 1920
FONTE: CÁLCULOS DO AUTOR COM BASE EM DGE (1876), MAIC (1927).
400 0 400 800 Miles
Amc_72_00_jul_09.shp
0 - 0.065
0.065 - 0.162
0.162 - 0.337
0.337 - 0.687
0.687 - 2.175
Estados.shp
N
EW
S
Densidade populacional 1872
400 0 400 800 Miles
Amc_72_00_jul_09.shp
0 - 0.065
0.066 - 0.162
0.163 - 0.337
0.338 - 0.687
0.688 - 9.159
Estados.shp
N
EW
S
Densidade pop 1920
Amc_72_00_jul_09.shp0 - 0.0650.065 - 0.1620.162 - 0.3370.337 - 0.6870.687 - 9.175
Estados.shp
FIGURA 2 – DENSIDADE DA OCUPAÇÃO NA MANUFATURA POR AMCS NO BRASIL (1872-1920)
1872 1920
FONTE: CÁLCULOS DO AUTOR COM BASE EM DGE (1876), MAIC (1927)
400 0 400 800 Miles
Amc_72_00_jul_09.shp
0 - 0.003
0.004 - 0.009
0.01 - 0.021
0.022 - 0.054
0.055 - 1.193
Estados.shp
N
EW
S
Dens manuf 1920
Amc_72_00_jul_09.shp0 - 0.0030.003 - 0.0090.009 - 0.0210.021 - 0.0540.054 - 1.193
Estados.shp
400 0 400 800 Miles
Amc_72_00_jul_09.shp
0 - 0.003
0.003 - 0.009
0.009 - 0.021
0.021 - 0.054
0.054 - 0.142
Estados.shp
N
EW
S
Dens manufatura 1872
Amc_72_00_jul_09.shp0 - 0.0030.003 - 0.0090.009 - 0.0210.021 - 0.0540.054 - 1.193
Estados.shp
2. MEDIDAS DE TRANSIÇÃO E DE MOBILIDADE ESPAÇO-TEMPORAIS
Transições das AMCS por classe de densidade
Para que se tenha uma visão mais abrangente da dinâmica espacial da população e da
distribuição da manufatura, vale observar as transições das AMCs por faixa de densidade. As
AMCs foram classificadas em cinco classes de igual frequência em cada ano e, em seguida,
examinadas as mudanças ao longo do período. Tais migrações entre classes estão classificadas
conforme as direções de suas trajetórias e posição inicial nos seguintes tipos:
Divergência Descendente: AMCs com densidade menor do que a média se tornaram ainda menos
densas;
Convergência Descendente: AMCs relativamente densas se aproximaram da densidade média;
Convergência Ascendente: AMCs com densidade baixa se tornaram mais densas;
Divergência Ascendente: AMCs com alta densidade se tornaram ainda mais densas, afastando-se
da média.
A Tabela 1 apresenta o número de migrações entre classes e por tipo. Em termos de densidade
demográfica, pouco menos da metade das AMCs mudou de classe. Um número de unidades não
desprezível (49) sofreu uma trajetória de divergência descendente, ou seja, já eram relativamente
menos densas e tiveram relativo esvaziamento populacional. No tocante à ocupação manufatureira,
30% das áreas sofreram divergência descendente. Esse resultado corrobora o que já havia sido
apontado por Monasterio e Reis (2008): apesar de mais diversa em termos setoriais, a manufatura
tendeu se concentrar espacialmente entre 1872-1920. Tal fato é esperado, uma vez que a redução
dos custos de transporte leva à concentração espacial quer em um modelo Hecksher-Ohlin, quer em
um da Nova Geografia Econômica (com os parâmetros “certos”) (Krugman, 1991).
TABELA 1 - NÚMERO DE TRANSIÇÕES POR CLASSE - 1872-1920
População/área Manufatura/área
Divergência descendente 49 123
Convergência descendente 38 55
Convergência ascendente 85 66
Divergência ascendente 21 11
Sem alteração 217 155
Total de transições 410 410
FONTE: CÁLCULOS DO AUTOR.
Mas aonde se deram tais mudanças? A Figura 1 ilustra os quatro tipos de transição entre
1872 e 1920 no tocante à densidade demográfica. Nota-se que a divergência descendente ocorreu
em AMCs do Sertão do Nordeste e em algumas áreas de Minas Gerais. No Rio de Janeiro, como era
de se esperar, há convergência descendente nas áreas referentes ao Vale do Paraíba em decorrência
das mudanças na localização das atividades cafeeiras. Na figura referente aos processos
ascendentes, vale destacar a convergência ocorrida no Rio Grande do sul e Oeste Paulista, bem
como na região da Zona da Mata mineira. O processo de divergência ascendente do município de
São Paulo, apesar de muito intenso, devido à distorção gráfica, parece pouco importante.
Impressiona o número de AMC que sofreram divergência descendente na densidade do
emprego manufatureiro. O norte de Minas e o interior da Bahia são as áreas em que tais processos
foram mais marcantes. É notável que o Vale do Ribeira, uma região problema de São Paulo ainda
hoje, já mostrasse uma trajetória de divergência descendente. Cada caso deve ser observado
individualmente, mas muitas trajetórias de retrocesso na manufatura podem ter decorrido da
integração dessas regiões aos circuitos comerciais nacionais. Já a convergência ascendente do Rio
Grande do Sul na densidade da manufatura é com certeza resultado imigração europeia.
FIGURA 3 - DIREÇÃO DAS TRANSIÇÕES ENTRE CLASSES DE DENSIDADE DEMOGRÁFICA- BRASIL – 1872-1920
Divergência Descendente Divergência Ascendente
Convergência Descendente Convergência Ascendente FONTE: CÁLCULOS DO AUTOR COM BASE EM DGE (1876), MAIC (1927)
FIGURA 4 - DIREÇÃO DAS TRANSIÇÕES ENTRE CLASSES DE DENSIDADE DA MANUFATURA- BRASIL – 1872-
1920
Divergência Descendente Divergência Ascendente
Convergência Descendente Convergência Ascendente FONTE: CÁLCULOS DO AUTOR COM BASE EM DGE (1876), MAIC (1927)
Cadeias de Markov espacialmente condicionadas
No caso presente, o instrumental de cadeias de Markov – à maneira de Quah (1993; 1996a;
1996b) - será adaptado à questões das mudanças na distribuição da densidade. As mesmas matrizes
com cinco classes de densidade por AMC serão utilizadas para analisar suas dinâmicas. Supondo-se
um processo markoviano discreto, finito e de primeira ordem, calcula-se a distribuição estacionária;
ou seja, a distribuição de longo prazo gerada pelo processo. Existe certo grau de arbitrariedade na
elaboração das matrizes de transição, uma vez que não há regras inequívocas para a escolha do
número e limites das classes3.
Voltando-se à questão espacial, o próprio Quah (1996) introduzido essa dimensão ao propor o
condicionamento regional da matriz de transição. A forma sugerida foi a de normalizar a renda per
capita das regiões pela média dos seus vizinhos de primeira ordem. Essa distribuição da renda
relativa é comparada com a não-condicionada na forma de uma matriz semelhante a uma de
transição. Se o espaço não fosse importante, essa matriz seria diagonal. Como o próprio Quah
aponta e Rey (2001a) relembra, esse procedimento não resulta em propriamente uma matriz de
transição, mas sim na comparação de duas distribuições em um mesmo instante.
Rey (2001a) propõe outra estratégia: analisar as matrizes de transição condicionadas pelas
diferentes classes de lags espaciais de renda no início do período. Para n classes, constroem-se n
matrizes de transição de acordo com a classe em que se enquadram os vizinhos. Além disso, pode-
se analisar a transição das unidades levando em conta não a sua renda relativa em relação à
nacional, mas sim a sua renda relativa em relação à dos vizinhos no começo do período.
Outra contribuição de Rey (2001a) é a integração da análise exploratória de dados espaciais
com as cadeias de Markov. Ele propõe que as localizações das observações nos quadrantes dos
gráficos de Moran sejam comparadas em dois momentos no tempo. Estes gráficos contêm nas
abscissas os valores normalizados de uma variável e nas ordenadas, os valores referentes à média
dos seus vizinhos4. De tal sorte que se têm os seguintes quadrantes:
(I) AMCs densas cercadas por vizinhos também densos (High-High ou HH);
(II) AMCs densas com vizinhos relativamente escassamente povoados (High-Low ou HL);
(III) AMCs pouco densas com vizinhos igualmente pouco densos ( Low-Low ou LL);
(IV) AMCs pouco densas com vizinhos densamente povoadas ( Low-High ou LH).
Tem-se, assim, uma matriz de transição 4 X 4 que representa os quadrantes HH, HL, LH, LL
nos períodos inicial e final. Para cada unidade espacial existem quatro possibilidades:
3Aqui se seguiu o método mais tradicional possível na construção das matrizes de transição. O número de categorias foi
definido em cinco com igual frequência. Vale apontar que foram aplicados métodos de kernel estocástico tradicional e
espacial aos dados sob escopo para que fossem examinados os formatos da distribuição e sua evolução. Contudo, como
os resultados foram redundantes, eles foram excluídos desta versão do trabalho. 4O critério de vizinhança adotado neste trabalho foi o Queen de primeira ordem, em que se consideram vizinhos as
AMCs que compartilhem algum ponto de fronteira. Para maiores informações sobre os testes de I de Moran, ver
O’Sullivan e Unwin (2003).
Tipo 0: não há mudança. As observações ocupam a diagonal principal da matriz;
Tipo I: a unidade migrou de classe, mas seus vizinhos ficaram na mesma categoria;
Tipo II: apenas os vizinhos mudaram de classe, mas a unidade analisada, não;
Tipo III: tanto a unidade analisada quanto os vizinhos trocaram de categoria entre os períodos 0 e
1. Nesse tipo, as unidades podem ser subclassificadas. As unidades do tipo IIIA estavam no período
inicial nos quadrantes HH ou LL; as do tipo IIIB teriam como ponto de partida as observações
classificadas como HL ou LH.
Medidas de mobilidade
Embora a busca da distribuição estacionária tenha sido a ênfase da literatura sobre
crescimento e cadeias de Markov, neste artigo busca-se também medir a mobilidade interna da
distribuição. Nesse sentido, Shorrocks (1978) propõe o seguinte índice:
SI= [k- Tr(Mt,t+s)]. (k-1)-1
onde k representa os número de classes e Tr (Mt,t+s) é o traço da matriz de transição, ou seja, a
soma dos elementos da diagonal principal. Quanto maiores forem esses elementos, menor
mobilidade entre as k classes e, portanto, menor o indicador SI.
As relações entre os tipos de transição e o número total de transições possíveis fornecem
medidas simples do que Rey (2001a) chamou de fluxo e coesão espaço-temporal do sistema. A
primeira considera no numerador a soma das mudanças Tipo I e II (FI e FII, respectivamente) e no
denominador, o total de observações (n). Ou seja:
FE=F I +F II
n
Já a coesão espaço-temporal considera no numerador as mudanças dos Tipos 0 e IIIA. A
lógica é que as mudanças do tipo IIIA também refletem coesão espacial, uma vez que as unidades e
seus vizinhos se movem na mesma direção. Assim:
CE=F 0+F IIIA
n
3- RESULTADOS
Análise não espacialmente condicionada: matrizes de transição tradicionais
As matrizes de transição e a distribuição ergódica tradicionais, isto é, não-espaciais, são
apresentadas na Tabela 2. Seguiu-se a tradição de intitular as classes de acordo com a inicial em
Inglês, apesar de se tratarem de classes de densidade. Dessa maneira, P significa Poor; L, Lower;
M, Medium, U, Upper; R, Rich.
Para a densidade demográfica por AMC, o indicador de mobilidade de Shorrocks apresentou
um valor de 0,59, sendo que o maior valor possível seria de 1,25. Este valor indica uma baixa
mobilidade entre classes, uma vez que as maiores probabilidades estão na diagonal principal da
matriz de transição. A distribuição estacionária aponta para a formação, no longo prazo, de uma
alocação por classes relativamente bem distribuída, com a maior parte das AMCs (33% do total) na
categoria U, seguida pela categoria M (24%). Poucos municípios (6,8%) estariam na categoria P, a
de mais baixa densidade demográfica.
O retrato não é tão promissor quando se atenta para a matriz de transição da densidade dos
trabalhadores na manufatura (Tabela 3). O índice de mobilidade de Shorrocks é mais elevado
(0,78), mas a distribuição ergódica aponta para uma alta concentração de AMCs na categoria P
(46%) no longo prazo. Esse resultado é explicado pelo fato que 71% das AMCs que estavam na
categoria P em 1872 lá permaneceram quase 50 anos depois. E outras 22% das unidades nessa
categoria só subiram uma classe, passando para o nível L. Na distribuição de longo prazo, 73% das
AMCs estariam na categoria P ou L.
TABELA 2 - MATRIZ DE TRANSIÇÃO ENTRE AS CLASSES DE DENSIDADE POPULACIONAL POR AMC - BRASIL -
1872 E 1920.
1872\1920 P L M U R
P 0.683 0.232 0.073 0.000 0.012
L 0.134 0.451 0.305 0.085 0.024
M 0.012 0.220 0.463 0.244 0.061
U 0.000 0.024 0.207 0.512 0.256
R 0.000 0.000 0.061 0.402 0.537
Ergódica 0.068 0.140 0.241 0.328 0.222 FONTE: CÁLCULO DO AUTOR.
TABELA 3 - MATRIZ DE TRANSIÇÃO ENTRE AS CLASSES DE DENSIDADE DOS TRABALHADORES NA
MANUFATURA POR AMC - BRASIL - 1872 E 1920.
1872\1920 P L M U R
P 0.711 0.217 0.036 0.012 0.024
L 0.370 0.346 0.210 0.074 0.000
M 0.183 0.366 0.220 0.159 0.073
U 0.073 0.268 0.244 0.280 0.134
R 0.024 0.146 0.256 0.244 0.329
Ergódica 0.461 0.273 0.136 0.082 0.048 FONTE: CÁLCULO DO AUTOR.
Análise espacialmente condicionada
Nas Tabelas 4 e 5, têm-se as matrizes de transição por lag espacial para o Brasil. Os
resultados evidenciam o papel do espaço na dinâmica do período. Tome-se o caso da primeira
matriz de transição, aquela que se refere às AMCs que possuem vizinhos P em termos de densidade
demográfica. Dentre esses, 89% das AMCs que estavam na categoria P em 1872 permaneceram na
mesma classe ou migraram para a L.
Já na matriz de transição referente à classe de lag espacial R, outra dinâmica é observada. Os
valores acima da diagonal principal da submatriz são bem mais elevados do que os inferiores,
indicando a tendência à ascensão de classe. Ou seja, ter um vizinho de alta densidade demográfica,
fez com que mesmo as AMCs menos densas subissem de classe.
A análise em relação aos trabalhadores na manufatura reforça os resultados. Aquelas AMCs
com vizinhas de baixa densidade tenderam a migrar para categorias mais baixas. Por exemplo, no
lag espacial P, 57% das AMCs na categoria L em 1872 desceram para a categoria P em 1920. Por
outro lado, 50% das AMCs com vizinhos R foram terminaram na categoria U ou R. O espaço foi
ainda mais relevante para a manufatura do que para a população como um todo.
TABELA 4 - MATRIZES DE TRANSIÇÃO POR CLASSES DE LAG ESPACIAL – DENSIDADE DEMOGRÁFICA-
BRASIL - 1872-1920
LAG ESPACIAL
1872\1920 P L M U R
P
P 0.889 0.067 0.044 0.000 0.000
L 0.333 0.500 0.167 0.000 0.000
M 0.000 1.000 0.000 0.000 0.000
U 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
R 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
L
P 0.737 0.237 0.026 0.000 0.000
L 0.524 0.190 0.238 0.048 0.000
M 0.357 0.357 0.143 0.143 0.000
U 0.000 0.667 0.333 0.000 0.000
R 0.000 0.250 0.500 0.250 0.000
M
P 0.643 0.286 0.000 0.000 0.071
L 0.375 0.458 0.125 0.042 0.000
M 0.318 0.409 0.182 0.091 0.000
U 0.375 0.250 0.250 0.125 0.000
R 0.400 0.000 0.400 0.200 0.000
U
P 0.500 0.200 0.200 0.100 0.000
L 0.261 0.435 0.217 0.087 0.000
M 0.091 0.424 0.273 0.152 0.061
U 0.032 0.323 0.290 0.258 0.097
R 0.000 0.250 0.250 0.167 0.333
R
P 0.333 0.333 0.000 0.000 0.333
L 0.000 0.167 0.500 0.333 0.000
M 0.000 0.154 0.231 0.308 0.308
U 0.050 0.200 0.200 0.350 0.200
R 0.000 0.102 0.224 0.286 0.388 FONTE: CÁLCULO DO AUTOR.
TABELA 5 - MATRIZES DE TRANSIÇÃO POR CLASSES DE LAG ESPACIAL – TRABALHADORES NA
MANUFATURA - BRASIL - 1872-1920
LAG ESPACIAL
1872\1920 P L M U R
P
P 0.889 0.111 0.000 0.000 0.000
L 0.571 0.286 0.143 0.000 0.000
M 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
U 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
R 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
L
P 0.500 0.455 0.045 0.000 0.000
L 0.219 0.469 0.250 0.000 0.063
M 0.125 0.125 0.750 0.000 0.000
U 0.000 0.000 0.000 1.000 0.000
R 0.000 0.000 0.000 0.750 0.250
M
P 0.455 0.273 0.273 0.000 0.000
L 0.030 0.485 0.364 0.121 0.000
M 0.000 0.326 0.348 0.326 0.000
U 0.000 0.125 0.625 0.250 0.000
R 0.000 0.000 0.000 0.000 1.000
U
P 0.000 0.750 0.000 0.000 0.250
L 0.091 0.273 0.364 0.273 0.000
M 0.000 0.048 0.619 0.143 0.190
U 0.000 0.000 0.180 0.520 0.300
R 0.000 0.000 0.107 0.607 0.286
R
P 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
L 0.000 0.000 0.000 0.000 0.000
M 0.000 0.000 0.500 0.333 0.167
U 0.000 0.045 0.136 0.545 0.273
R 0.000 0.000 0.041 0.265 0.694 FONTE: CÁLCULO DO AUTOR.
Moran local e cadeias de Markov
No tocante à densidade demográfica, cerca de 69% das AMCs que estavam localizados no
quadrante HH do gráfico de Moran em 1872 assim permaneceram em 1920 (Tabela 6). E 87% das
AMCs que estavam no quadrante LL lá permaneceram. Ainda na mesma tabela, a distribuição
ergódica mostra que 55% delas ficariam na categoria LL e 30% na HH. As “ilhas” seriam algo
raras.
Esse perfil concentrado é ainda mais forte no exame da distribuição das ocupações
manufatureiras (Tabela 7). Quase 93% das AMCs no quadrante LL em 1872 lá permaneceram em
1920. Isso gera uma distribuição de longo prazo em que 88% das AMCs são de baixa densidade de
ocupações manufatureiras. As aglomerações do tipo HH seriam apenas 3,3% do número total de
AMCs. Enfim, a análise sugere uma segregação espacial com a maior parte da áreas com baixo
emprego na manufatura.
TABELA 6 - MATRIZES DE TRANSIÇÃO ESPACIAIS E DISTRIBUIÇÕES ERGÓDICAS – DENSIDADE
DEMOGRÁFICA- BRASIL 1872-1920
Lag\P(x) HH LH LL HL
HH 0.691 0.106 0.085 0.117
LH 0.375 0.250 0.344 0.031
LL 0.069 0.049 0.870 0.012
HL 0.368 0.105 0.237 0.289
Ergódica 0.304 0.087 0.545 0.063 FONTE: CÁLCULO DO AUTOR.
TABELA 7 - MATRIZES DE TRANSIÇÃO ESPACIAIS E DISTRIBUIÇÕES ERGÓDICAS – DENSIDADE DE
TRABALHADORES NA MANUFATURA- BRASIL 1872-1920
Lag\P(x) HH LH LL HL
HH 0.366 0.155 0.324 0.155
LH 0.250 0.214 0.518 0.018
LL 0.008 0.033 0.929 0.029
HL 0.048 0.048 0.714 0.190
Ergódica 0.033 0.046 0.882 0.039 FONTE: CÁLCULO DO AUTOR.
Medidas de coesão espacial
A Tabela 8 mostra que, quer em termos de densidade demográfica quer de ocupados na
manufatura, o mais frequente foi não haver mudança espacial nas AMCs (Tipo 0). Para a densidade
populacional, apenas um quinto das AMCs sofreram mudanças do tipo Tipo I e II, ou seja, aquelas
nas quais a mudança de classe da unidade não foi acompanhada pelos vizinhos e aquelas nas quais
os vizinhos mudaram de classe, mas não a unidade sob escopo. Em outras palavras, seu índice de
fluxo espacial foi igual a 0,20. Já para a ocupação na manufatura, há um maior valor de tal
indicador, sugerindo uma “turbulência” espacial maior.
O índice de coesão espacial funciona quase como o complemento do fluxo espacial, pois
considera as AMCs em que não houve mudança ou que migraram juntas com seus vizinhos
semelhantes. Em ambas as dimensões examinadas houve uma alta coesão espacial.
TABELA 8 - MEDIDAS DE MOBILIDADE DAS TRANSIÇÕES ESPACIAIS - BRASIL 1872-1920
n P(Type) Densidade manufatura Densidade Populacional
Type 0 0.659 0.727
Type I 0.151 0.083
Type II 0.122 0.117
Type III 0.068 0.073
Fluxo espacial 0.273 0.200
Coesão espacial 0.720 0.788
FONTE: CÁLCULO DO AUTOR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho contribuiu ao aplicar métodos contemporâneos de análise espacial a uma
base de dados e um nível de análise, as AMCs, ainda pouco explorados. Os resultados obtidos
trouxeram à tona a diversidade das experiências regionais ocorridas dentro dos estados durante o
período 1872-1920. Mostrou-se também que foram frequentes processos de divergência
decrescente, ou seja, regiões que já eram menos densamente povoadas do que a média e dela se
afastaram ainda mais.
A análise markoviana espacialmente condicionada indicou que a vizinhança foi fundamental
para os destinos das AMCs. Aquelas com vizinhos inicialmente pouco densos tenderam a se
aproximar do perfil pouco denso das unidades contiguas. A análise markoviana das transições das
AMCs nos quadrantes de Moran indicou que, uma vez em um quadrante Low-Low de ocupações na
manufatura, muito dificilmente uma AMC passaria para outra classe. Afinal, espaço importa, quer
no fim do século XIX, quer hoje.
As ferramentas de análise apontaram uma regularidade: a ocupação na manufatura tendeu a
ficar mais concentrada espacialmente do que a população no período. Isso deve ser resultado da
maior integração do território nacional, a qual proporcionou um aumento da especialização das
AMC. As mudanças nos custos de transporte, causadas em grande parte pela expansão da ferrovia,
devem ter sido responsáveis por esse processo (Monasterio e Reis, 2008). Essa concentração da
manufatura, antes mesmo da aceleração da industrialização a partir da década de 30, contribuiu
ainda mais para a desigualdade regional que marcou o Brasil ao longo do século XX.
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