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Digital Devil Story

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Livro que originou a saga SMT

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  • DDIIGGIITTAALL DDEEVVIILL SSTTOORRYY::

    MMEEGGAAMMII TTEENNSSEEII -- AA RReessssuurrrreeiioo ddaa DDeeuussaa --

  • DDIIGGIITTAALL DDEEVVIILL SSTTOORRYY::

    MMEEGGAAMMII TTEENNSSEEII -- AA RReeeennccaarrnnaaoo ddaa DDeeuussaa --

    Autor: Aya Nishitani Ano: 1996

    Traduo: Mangekyou54

    Nerd, Uai! Vdeos, Games e Traduo

    (www.nerduai.blogspot.com.br)

  • Prlogo

  • Prlogo: Captulo 1

    Essa histria aconteceu dezoito anos atrs, quando a maioria das pessoas nem sabia da existncia da internet, e computadores pessoais eram vistos como equipamentos secundrios.

    Na cidade de Kuniritsu, satlite de Tquio, havia uma escola chamada Jusho. Tudo comeou nessa escola, quando um dia um aluno alto entrou correndo na sala, como se estivesse atrasado para a aula.

    - Nakajima voc? O aluno parou na frente da carteira de Akemi Nakajima, um belo

    rapaz que se destacava entre os outros da classe, e bateu na mesa como que para amea-lo.

    - Sim, sou eu... Ignorando a vibrao repentina que a mesa transferiu para o seu

    corpo, Nakajima se levantou resolutamente e olhou o colega nos olhos. Era Hiroyuki Kondo, o capito do clube de karat e uma espcie de chefe entre os alunos da escola. No passado, ele fez mais de um aluno que ousou se opor a ele mudar de escola normalmente por meios violentos. Mas Nakajima nunca tinha interagido com Kondo antes. De fato, ele nem conseguia imaginar o que poderia ter feito para deix-lo to bravo.

    O que ele quer? Eu no fiz nada. Nakajima respirou fundo e comeou a abrir sua delicada boca

    para falar. Naquele momento, ouviu um sorrisinho contido atrs de si. Virando a cabea, Nakajima viu uma garota encantadora, uma que quase nem parecia ser uma simples estudante, olhando para ele como um gato cujo olhar inocente e ao mesmo tempo cheio de malcia. Era Kyoko Takamizawa, uma das suas colegas de classe. E de repente, Nakajima entendeu tudo.

    - Espera! No mesmo instante em que Nakajima falou, um punho atingiu o

    seu estmago. Sem chance sequer de gritar, Nakajima caiu de joelhos, enquanto Kondo deu sequncia ao soco com um chute baixo. Esse foi seguido por mais dois chutes, um no peito e o outro um pouco abaixo do estmago planejados cautelosamente, aplicados com fora o bastante para ferir gravemente, mas no nocautear o alvo. Os colegas de classe de Nakajima, temendo serem envolvidos, comearam a sair da sala um a um.

    - Me escute... Nakajima tentou ao mximo protestar, mas sua voz foi silenciada quando o p de Kondo veio voando at a sua boca, e suas lgrimas e saliva espirraram pelo cho.

  • - No quero ouvir suas desculpas. Voc tem que aprender o que acontece com quem importuna a Kyoko.

    Kondo chutou Nakajima nas costas, fazendo-o cair com o rosto no cho. Kyoko, que o tempo todo ficou vendo ele ser surrado, se ajoelhou na frente dele e tocou seu lbio superior com o dedo indicador.

    - Ele tem uma cara que at parece uma mulher, e ainda teve a audcia de tentar me beijar!

    - Mentirosa... Na verdade, foi Kyoko quem tentou beij-lo, mas Nakajima a

    recusou. Com o orgulho ferido, Kyoko usou Kondo, que sempre foi louco por ela, para se vingar. Mas Nakajima no tinha nenhum amigo para comprovar a histria. O nico que ainda estava na sala era seu colega Kenichi Takai, e mesmo assim s olhava de canto, aparentemente no tendo coragem para impedir Kondo.

    Levantando Nakajima do cho facilmente com a mo esquerda, Kondo enfiou a mo direita em seu estmago de novo. Era uma dor que parecia que o seu corao estava sendo arrancado, e Nakajima tentou gritar. Mas, sem flego, ele no conseguia nem inalar nem exalar, e tudo que saiu dos seus lbios feridos foi um grunhido pattico.

    Nakajima sempre foi uma espcie de dissidente solitrio, nunca prejudicando nem brigando com ningum, ento nunca tinha levado uma surra dessas antes. E pensar que era por um motivo idiota como rejeitar uma garota! As sensaes combinadas de dor, raiva e humilhao consumiram Nakajima, e a ferida na sua mente comeou a sangrar gota a gota. Vendo-o assim, Kyoko olhava Nakajima com uma expresso de puro xtase nos olhos, e riu alto. O som da sua risada estridente reverberando pela sala de aula perfurou os tmpanos de Nakajima e ecoou no seu crnio, despertando l no fundo uma emoo que ele jamais tinha vivenciado.

    Desgraada... Voc vai ver... Voc no vai se safar dessa... Os olhos de Nakajima se acenderam com um olhar feroz e

    violento que ele nunca tinha demonstrado antes. - Que olhar esse? Kondo se assustou por um instante com o olhar de Nakajima, e

    como que bravo consigo mesmo por titubear, deu outro soco no rosto dele. Ao som do dente de Nakajima quebrando, Kyoko disse:

    - Ei, acho que j est bom. Ela disse de modo a dar a entender que tinha perdido o interesse

    naquilo. Era a voz de uma mulher suja, covarde, preocupada apenas consigo mesma. Se Nakajima apanhasse mais, ela correria um srio risco de ser considerada responsvel.

  • - Ei, que sortudo voc! Parece que vai sobreviver. Tenho que admitir que estou surpreso com como voc fraco. Bater em voc foi s desperdcio de energia. contorcendo a boca num sorriso, Kondo jogou o corpo de Nakajima no cho como se fosse um boneco de pano.

    Uma hora depois, depois de finalmente conseguir se mexer, Nakajima chegou estao ferroviria Chuo-sen com a ajuda de Kenichi Takai.

    - Por que no sentamos? enquanto apoiava Nakajima, Takai balanou a cabea na direo de dois bancos vazios um ao lado do outro?

    - H? Ah, claro. Nakajima desmontou no banco e olhou para a frente

    resolutamente, o tempo todo se arrependendo do dia em que se matriculou naquela escola.

    O Colgio Particular Jusho tinha fama e prestgio, e todo ano mais de vinte dos seus alunos eram admitidos na Universidade de Tquio. Mas todos que tinham algum conhecimento de como a escola funcionava tinham de admitir a extrema estratificao entre os alunos. A escola era dividida em duas categorias: os comuns e os talentosos, que tinham acesso a instalaes melhores, um currculo melhor, materiais de ensino melhores, e em geral eram muito mais favorecidos. Os talentosos, que eram apenas cerca de 20% do corpo estudantil, eram sempre alvo da inveja e desprezo dos demais. Com tamanha diferena de tratamento entre os alunos, os incidentes violentos causados por essa inveja eram, de certo modo, inevitveis.

    Nakajima e Takai faziam parte dos talentosos. Com seu corpo esguio e aparncia delicada, se Nakajima trocasse seu uniforme por um feminino, poderia facilmente se passar por uma bela adolescente. A aparncia de Takai, por outro lado, era quase que o completo oposto. Ele tinha um corpo rgido e dedos grossos devido ao exerccio do Jud, que praticava desde o ensino fundamental. Mas sua personalidade no era to forte quanto a sua aparncia, e quando ele colocava seus culos de armao verde, quase parecia uma criana.

    - Aquele Kondo, ele parecia ainda pior que o normal hoje... Takai falou quase que pedindo desculpas; ele se sentia um pouco culpado por no intervir e ajudar Nakajima.

    Nakajima levantou uma sobrancelha e respondeu sem entusiasmo:

    - A energia dele dobra quando est perto de uma mulher.

  • - Mas o que algum como a Kyoko est fazendo na classe dos talentosos afinal? Alm do mais, bvio que voc nunca daria em cima dela.

    - Na verdade, foi o contrrio. - Ento foi a Kyoko que foi rejeitada... Takai comentou como se

    de repente tudo fizesse sentido. Muitas garotas se interessavam por Nakajima, mas at agora nenhuma tinha conseguido chamar a ateno dele. Vendo essa indiferena, Takai sempre imaginou que Nakajima devia ser extremamente exigente com mulheres.

    Os dois se sentaram um ao lado do outro em silncio enquanto o trem passava pela estao de Musashi-Sakai. Takai olhou longamente o perfil de Nakajima. Entre os alunos da classe dos talentosos, as notas de Nakajima no eram particularmente altas. Ao contrrio de Takai, que tirava boas notas em praticamente tudo, Nakajima s era bom mesmo em matemtica e cincia. Nas artes mais liberais, o nico tema em que ele demonstrava grande potencial era Histria Geral. Ele no era muito bom atleta tambm. Mas quando o assunto era computadores, ningum na escola chegava sequer perto de ser to bom quanto Nakajima nem mesmo os professores. Takai achava que provavelmente no havia ningum to bom quanto Nakajima nessa rea em todo o Japo, muito menos na escola. Os jogos que Nakajima programava em questo de dias eram fantsticos. Por mais populares que fossem, os jogos comerciais pareciam simplesmente chatos depois de jogar um de Nakajima. s vezes o rosto de Nakajima parecia mesmo o de um louco quando ele se debruava sobre um dos terminais desenvolvendo programas na sala de informtica da escola, com seus dedos voando pelo teclado.

    Se eu sou um prodgio, ento Nakajima deve ser um gnio formado., pensou Takai consigo mesmo enquanto voltava seu olhar para a paisagem do lado de fora da janela.

    - Demnios, hein...? as palavras escorregaram da boca de Nakajima de repente.

    - H? - No, nada. - Voc disse...? Enquanto Takai buscava as palavras para dizer alguma coisa, o

    trem chegou estao Nishi-Ogikubo. - Tchau. Nakajima comeou a descer as escadas da estao com os

    ombros curvados e uma expresso de meditao no rosto. - Nossa, no que ser que ele est pensando? Dando as costas a

    Nakajima, Takai se espalhou pelos dois bancos agora vazios do trem.

  • Prlogo: Captulo 2

    Atrs do distrito comercial, um outdoor com os dizeres Tudo Venda chamava a ateno num edifcio recm-construdo. Nakajima caminhava em linha reta, olhando para baixo e movendo os lbios continuamente. Para qualquer transeunte, ele pareceria um estudante comum, perdido em concentrao para tentar memorizar algo para uma prova. Mas as poucas pessoas que ouviam um fragmento das palavras que ele estava falando se viravam e o direcionavam um olhar de suspeita. Isso porque elas pareciam um recital baixo e hostil de uma magia negra, e isso no exatamente algo que se espera ouvir de um estudante do ensino mdio. Uma flor de cerejeira caiu de um muro de concreto prximo e encostou na bochecha de Nakajima, mas ele a ignorou e continuou andando, com os olhos fixados no cho. Quando finalmente olhou para cima, ele estava na frente de um edifcio residencial excepcionalmente alto. Colocando a chave eletrnica na fechadura, as portas de vidro automticas se abriram com um som pesado. A entrada do prdio era decorada com um extravagante mrmore canadense, mas ainda parecia um tanto artificial. Uma vez l dentro, Nakajima respirou fundo e endireitou o corpo.

    Nakajima entrou no elevador e apertou o boto do 13 andar. Com a mudana na presso atmosfrica, seu corpo comeou a tremer, lembrando-o do desagradvel acontecimento da tarde. Uma placa de cobre com a palavra NAKAJIMA estava fixada na porta do apartamento 1302. Nakajima tocou a campainha, mas ningum atendeu. Deixando escapar um suspiro, destrancou a porta.

    Abrindo a porta e entrando, Nakajima tirou os sapatos, jogou num canto qualquer e foi para o banheiro. O lbio ferido do rosto no espelho inchou como um balo, e estava um tanto desagradvel de se olhar. Sua bochecha esquerda tambm tinha um hematoma amarelado. Depois de se olhar um pouco no espelho, Nakajima abriu a torneira e molhou o rosto. Voltando sala de estar e desabando no sof, percebeu um bilhete na mesa de canto.

    Vou demorar numa reunio. Esquente o jantar no micro-ondas...

    Nakajima amassou o bilhete sem terminar de ler. - Se vai usar a mesma desculpa velha, devia tirar uma cpia de

    uma vez. Depois que o pai de Nakajima foi transferido para a sede da

    empresa em Los Angeles, sua me ficou cada vez mais envolvida com o seu trabalho de designer. s vezes ela s chegava em casa de madrugada. Ao imaginar o rosto da me, a raiva contida de Nakajima

  • de repente se acendeu. Bem naquele momento, o telefone tocou. Claro que devia ser a me dele. Deixando o telefone tocar, Nakajima abriu a porta do seu quarto.

    O quarto de Nakajima era um tanto lgubre, sem um nico enfeite ou pster na parede. Excetuando a parede da janela, todas as outras eram cobertas de grandes estantes que iam at o teto. As estantes tinham revistas de anime e mangs, como era de se esperar do quarto de um estudante, mas um canto parecia decididamente fora de lugar. Aquela estante estava cheia de livros sobre magia e feitiaria, com ttulos como O Livro dos Mortos e Manuscritos Pnakticos. Sobre a sua mesa de metal havia um computador totalmente equipado, e ao seu lado um livro de referncia em magia chamado A Teoria do Novo Amanhecer Dourado. Pela aparncia desgastada da capa de couro, ficava claro que o livro era muito usado.

    Nakajima puxou a cadeira e sentou na frente do monitor. Ligando os alto-falantes, a voz de David Coverdale preencheu a sala. Os dedos de Nakajima comearam a voar pelo teclado.

    > LIST Inserindo o comando, um programa muito longo rolou pela tela.

    Acompanhando a lista do programa com olhos afiados, Nakajima comeou a digitar as teclas num ritmo fluente.

    Nakajima comeou a se interessar por magia quando teve a oportunidade de ler A Teoria do Novo Amanhecer Dourado. Apesar de o livro ter uma linguagem superficial e, logo, a interpretao ser difcil e pouco produtiva, Nakajima leu at o fim. Embora o mundo da magia tivesse um apelo por abrigar um lado obscuro e sinistro, tambm demonstrava um realismo racional e cientfico. Enquanto relia passagens que lhe pareciam estranhas pela segunda ou terceira vez, Nakajima chegou a uma repentina percepo que foi quase uma epifania.

    A teoria da magia e a teoria da computao eram surpreendentemente semelhantes.

    primeira vista, os dois mundos pareciam no ter nenhuma relao. Todavia, as semelhanas entre eles foram descobertas tanto por pesquisadores da magia quanto pelos da tecnologia de informao muito antes de Nakajima. Charles Feed, um professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, famoso pelo seu estudo de inteligncia artificial, foi um deles. Nakajima logo se tornou membro do seu grupo, o JSI (Jardim Satnico Internacional), e durante os ltimos meses, se dedicou a desenvolver um programa para evocar demnios, uma ideia que ele mesmo desenvolveu.

    E estava quase completo.

  • Nakajima j tinha terminado a raiz do programa. Tudo que precisava fazer agora era adicionar algumas subrotinas e ele estaria pronto. Mas at ontem, Nakajima tinha reservas quanto a concluir o projeto. Se a sua teoria estivesse correta, o programa sem dvidas traria um demnio ao mundo. Mas at agora, Nakajima no tinha nenhum motivo especfico para evocar um demnio; ele nem saberia o que fazer com ele. Mas os eventos do dia lhe deram um objetivo simples e claro.

    - Sinto muito, mas voc vai ser cobaia de uma pequena experincia.

    Nakajima comeou a criar as ltimas subrotinas. - O endereo de dados 3780-3990 acessar as pernas de sapo.

    s colocar isso no buffer e, antes do resultado ser exibido, recitar o feitio. "Yod, Dur, Dawr, Set". O que ser que esse feitio significa?

    Pegando o modem transmissor, Nakajima ligou para Arkham, Massachusetts, para se conectar com o servidor do JSI. Quando a conexo foi estabelecida, a tela do computador se encheu com a imagem do demnio Lcifer. Conectando inteligncia artificial, Craft, e explicando a situao, ele perguntou sobre o feitio. O ingls de Nakajima no era particularmente bom, ento vrias vezes a nica coisa que aparecia na tela eram pontos de interrogao.

    > OK, I UNDERSTAND. Finalmente Craft parecia ter entendido. Nakajima perguntou IA

    o que o feitio significava. > PERHAPS IT'S ONLY A COUNTER? A resposta de Craft indicava que o feitio provavelmente era

    apenas um contador de tempo. > THANK YOU, CRAFT. Encerrando a conexo com o JSI, Nakajima retomou a tarefa de

    programar as subrotinas. Duas horas depois, houve uma batida na porta do quarto.

    - Pode entrar. com um leve indcio de irritao na voz, Nakajima respondeu batida sem tirar os olhos da tela.

    - Voc jantou? Nakajima no respondeu, e apenas continuou digitando no

    teclado. - Meu Deus, o que aconteceu com a sua boca? a me de

    Nakajima se agachou perto dele para olhar bem o seu rosto. - Bati de cara na trave enquanto jogava futebol. Nakajima parou

    de digitar e olhou para sua me. Ele era muito parecido com ela, que era uma bela mulher com um rosto esguio. Quando eles estavam juntos, no era incomum serem confundidos com irmos. Quanto

  • educao do filho, ela era muito conservadora; queria que ele fosse para a Faculdade de Medicina da Universidade Keio. Claro que o registro acadmico dele estava fraco demais para isso acontecer.

    - No melhor colocar algum remdio? - Est tudo bem, me. No nada srio. Irritado pela sua programao ser interrompida, Nakajima

    digitava aleatoriamente no teclado. Bip. O computador fez um rudo estranho e uma mensagem de

    erro apareceu na tela. Como que percebendo que seu filho no ia lhe dar nenhuma ateno, a me de Nakajima saiu do quarto, como que desistindo. Na mesma noite, s trs da manh.

    - Pronto, terminei! Nakajima se levantou empolgado da cadeira. > RUN O HD comeou a emitir um zumbido, e letras bizarras piscaram

    na tela. Mas em menos de cinco minutos, a tela mostrou uma mensagem de erro e travou.

    > OUT OF MEMORY Se no havia memria suficiente para o programa,

    provavelmente ou era porque o programa em si era pesado demais ou porque incorporava mais variveis do que a mquina podia lidar.

    - No importa. Um computador caseiro no conseguiria rodar um programa como esse mesmo. Se eu usar o computador ligado ao servidor da escola, dever ser memria mais que suficiente.

    Os olhos de Nakajima brilhavam de ansiedade.

  • Prlogo: Captulo 3

    Na mesma semana, s 19h do sbado, o professor Iida, que estava de planto noite, percebeu que havia algum na sala de informtica e abriu a porta.

    - Quem est aqui a essa hora? Ao ouvir a voz dele, um aluno se ergueu de detrs de um dos

    terminais, seu rosto brilhando estranhamente com a luz emitida pelo monitor. Iida ficou mais calmo.

    - Ah, voc, Nakajima. O que faz aqui com todas as luzes apagadas?

    O registro acadmico de Nakajima estava longe de ser perfeito, mas a sua genialidade o fez cair no agrado dos professores de matemtica e cincias e ganhar a confiana deles.

    - Meus programas no esto funcionando como quero. Mas estou quase acabando as correes. a voz de Nakajima parecia levemente metlica, como que ajustada ao barulho das mquinas.

    - Voc sabe que fico muito feliz com o seu entusiasmo, mas tambm sabe que precisa pedir permisso antes se quiser usar essa sala assim to tarde. Sorte sua que fui eu quem te achou, seno as coisas podiam ficar complicadas. repreendendo Nakajima, Iida acendeu as luzes.

    - O que isso?! a voz de surpresa de Iida ecoou pela sala agora iluminada. Uma grande figura geomtrica estava desenhada no cho em giz branco e vermelho, com a cadeira de Nakajima situada no centro.

    - o Selo de Salomo. - Salomo? Parece coisa de ocultismo. Nakajima no prestou

    ateno ao sarcasmo de Iida, enquanto seus dedos deslizavam pelas teclas do terminal. No mesmo momento, o computador do servidor, localizado na sala de mquinas adjacente, separada por grossas paredes de vidro, comeou a funcionar.

    - timo, consegui remover todos os bugs. Est pronto! Depois de enviar um comando para a impresso do contedo da

    lista do programa, Nakajima se levantou e se virou na direo de Iida. Seus olhos femininos de amndoa emitiam um brilho diablico. A ferida no lbio causada pela briga com Kondo j tinha sarado, mas a empolgao reabriu o corte, e um filete de sangue fresco molhou sua mandbula. O olhar de Iida ficou grave.

    - Certo, Nakajima, quer me explicar exatamente que tipo de programa voc est rodando no computador da escola? E sem permisso, diga-se de passagem?

  • Nakajima arrumou a franja e respondeu com indiferena: - Eu desenvolvi um programa que evocar demnios. Esse

    hexagrama est aqui para me proteger deles. Em poucos momentos, um demnio vai aparecer. Professor, voc devia entrar tambm. Caso contrrio, pode ser feito em pedaos.

    Por um instante, Iida ficou boquiaberto, mas logo lanou um olhar severo em Nakajima.

    - Voc ficou louco? - Quem ficou louco, eu ou essa escola? Professor, olhe bem para

    mim. Esse machucado na minha boca, a contuso no meu rosto. Eu levei uma surra do Kondo do clube de karat. Kyoko Takamizawa to culpada quanto. A escola simplesmente deixa animais selvagens como eles andarem soltos, e no faz absolutamente nada para cont-los. No importa o que acontea comigo na sala de aula, os professores e alunos simplesmente fingem que nada aconteceu. A violncia que acontece nessa escola clara como o dia, mas ningum punido. E vocs, professores, se escondem e ficam esperando esses alunos se formarem. Fechando os olhos, esperam a calamidade passar sozinha. Afinal, so s dois ou trs anos. Mas eu s vou ser estudante uma vez. No vou mais deixar eles fazerem o que querem. Eu vou evocar um demnio e executar esses insetos irritantes. Nakajima falava com cada vez mais fervor e seus ombros se erguiam e baixavam em ressonncia com sua respirao abafada.

    Nakajima deu as costas ao chocado Iida e voltou ao teclado. > RUN Quando o ltimo comando foi exibido no monitor, a fita

    magntica do computador do servidor comeou a girar. Iida tentou gritar para Nakajima parar o computador. Mas no instante em que abriu a boca, uma brisa gelada tomou conta dele, cobrindo os seus braos de arrepios.

    - Evocar demnios com um computador... Que conceito! Iida contorceu seus lbios num sorriso para esconder o medo.

    - A teoria da computao e a teoria da magia tm muitas coisas em comum. Aposto que a primeira pessoa que elaborou os princpios da computao foi um alquimista ou cabalista. Poucos sabem disso, mas coisas como feitios, sacrifcios e crculos taumatrgicos so muito fceis de converter em formato binrio. Evocar um demnio basicamente transferir a matria que o compe do Mundo Atziluth para o mundo real, Assiah, e um computador um mecanismo perfeito para facilitar isso.

    Enquanto Nakajima explicava sua teoria, o ar frio girava em torno de Iida quase como uma criatura viva, e um odor bizarro

  • penetrou em suas narinas. As luzes da sala se apagaram, mergulhando tudo em escurido, restando apenas o barulho das mquinas. O computador comeou a emitir um rudo baixo.

    "Yod, Heh, Vav, Heh." Para os ouvidos de Iida, o rudo parecia palavras de verdade.

    - Yod, Heh, Vav, Heh. enquanto murmurava em sincronia com o computador, Nakajima continuou a digitar comandos no teclado com uma velocidade inacreditvel. Logo a sala inteira comeou a tremer como um terremoto, e as janelas comearam a trincar. Ao mesmo tempo, Nakajima inseriu seu comando final.

    > KILL! HIROYUKI KONDO, KYOKO TAKAMIZAWA! Iida no gostava de alunos como Hiroyuki Kondo e Kyoko

    Takamizawa. Na verdade os odiava. Mas sentia ainda mais repulsa pela maneira com a qual Nakajima pretendia se livrar deles.

    - Pare com essa tolice. Se voc quiser, eu mesmo posso assumir a investigao do incidente e fazer Kondo ser expulso. Mas pare de fazer isso!

    Andando com dificuldade na sala que tremia, Iida tentava desesperadamente alcanar o interruptor de energia do computador. Para impedi-lo de interferir, Nakajima agarrou o brao dele com uma fora que ningum sequer imaginaria que ele tinha capacidade de manifestar. Enquanto os dois lutavam, o tremor comeou a diminuir. As luzes fluorescentes se acenderam e clarearam a sala, enquanto o ar glido ao redor do corpo de Iida se dissipou.

    - Onde voc foi?! Por que no aparece? Demnio, voc vai me abandonar?

    Gritando, Nakajima correu para o teclado. > KILL! KILL! Mas a fita magntica do computador servidor comeou

    lentamente a parar de girar. Abrindo nervosamente a lista do programa, Nakajima escaneou os detalhes da execuo com olhos desesperados e ficou imvel, como se de repente toda a sua vitalidade tivesse sido sugada.

    - O meu programa era perfeito. No havia um s bug nele. Ento por que o demnio se foi antes de aparecer? Ele devia ter aparecido bem aqui! deixando a tela do programa aberta, Nakajima saiu correndo da sala de informtica como que em transe. Vendo a cena ainda incrdulo, Iida finalmente se recomps e desligou a energia do computador.

    - Acho que verdade o que dizem sobre haver uma linha tnue entre genialidade e insanidade. Mas esse foi um terremoto e tanto... murmurou Iida, como que tentando esquecer a horrvel experincia.

  • Prlogo: Captulo 4

    Na semana seguinte, Iida levou a turma de Akemi Nakajima e Kyoko Takamizawa para uma aula de matemtica na sala de informtica. Talvez por ele ter estado l para testemunhar o fracasso da evocao, Nakajima olhava para Iida com um olhar desafiador. At agora, ele nunca teria agido assim. Tentando ao mximo ignor-lo, Iida continuou a aula.

    - Agora vocs faro uma prova no computador, mas no se preocupem, as notas no sero consideradas. O objetivo dessa prova fazer vocs conhecerem melhor quaisquer pontos fracos que possam ter atravs da interao com o computador. Comecem inserindo os comandos assim que eu der o sinal.

    Todos os alunos se concentraram na tela e comearam a responder as perguntas, enquanto os computadores diligentemente registravam as respostas.

    Quando o uso da tecnologia no ensino se popularizar, tudo ficar bem mais fcil para ns, professores. Por outro lado, do jeito que as coisas esto, pode chegar o dia em que nem precisaro mais dos professores... - Iida observava a classe tranquilamente enquanto ponderava.

    De repente, como que vinda das profundezas da prpria terra, uma voz funda, retumbante, ecoou pela sala de informtica.

    "Yod, Heh, Vav, Heh." A fita magntica do computador do servidor comeou a girar

    violentamente e as telas dos computadores da sala comearam a oscilar. Cores sinistras e imagens estranhas brilhavam na tela, e smbolos estranhos, vagamente semelhantes a letras, apareciam e desapareciam. Os alunos no disseram nada, mas continuaram fixados nas suas telas, como que hipnotizados.

    - Nakajima, isso coisa sua, no ? Olha, no tem nada demais numa travessura aqui e ali, mas tudo tem limite! contorcendo o rosto durante a bronca, Iida comeou a caminhar em direo cadeira de Nakajima, mas assim que comeou a andar, um aluno da primeira fila esticou a perna no caminho, fazendo o professor tropear e cair desajeitadamente. Enquanto Iida tentava se levantar, outros dois alunos pularam nas suas costas, prendendo-o no cho e segurando os seus braos nas costas.

    - O- O que vocs esto fazendo?! Parem com isso agora mesmo! acuado pela repentina hostilidade dos seus alunos, Iida se esforava para erguer a cabea. Os outros alunos, observando com olhos congelados como que num transe, se levantaram dos seus assentos.

  • Trs deles saram da sala de aula, e os outros comearam a cercar Kyoko Takamizawa.

    Completamente plida, Kyoko olhava sem palavras enquanto seus colegas de classe a cercavam. Seus olhos de gato estavam cheios de medo, seus lbios tremiam embora estivessem fechados como se tivessem sido colados. Um aluno de culos enormes colocou a mo no seu peito, e como que libertada de uma maldio, Kyoko pulou da cadeira.

    - Fique longe de mim, idiota! Kyoko gritou desesperadamente, sacando um canivete escondido entre o seu polegar e dedo mdio.

    - Pare, Takamizawa! Corra! a voz trmula de Iida ecoou pela sala de aula. Mas Kyoko apenas lanou um olhar de rabo de olho para seu professor imobilizado e cravou o canivete no aluno que a havia tocado. Os culos do aluno voaram, e sua bochecha cortada comeou a espirrar sangue fresco. Mas o aluno no titubeou nem um instante ou sequer tentou limpar o sangue, se agarrando obstinadamente perna esquerda de Kyoko.

    - Me solte, idiota! o canivete abriu a tmpora do aluno, e ento afundou no seu brao ensopado de sangue, quebrando em dois. Aproveitando a surpresa de Kyoko, outro aluno agarrou sua perna direita, e os dois, agora segurando as duas pernas dela, levantaram os braos, elevando-a ao ar e pendurando-a de ponta-cabea. Sua saia caiu at a altura da cintura, revelando suas pernas brancas. Miyuki Kanno, uma das garotas mais bonitas da escola, perdendo apenas para Kyoko, foi at ela, colocou o rosto entre as pernas de Kyoko e mordeu sua virilha. Se inclinando para trs com a dor, Kyoko tentou revidar, balanando os braos como um animal numa armadilha, seus cabelos esvoaando violentamente, mas vrios alunos se ajoelharam ao lado da sua cabea e comearam a torcer seu pescoo.

    - Parem! Parem com isso! Enquanto Iida gritava com lgrimas nos olhos, uma voz fria falou: - Professor, tarde demais. Nakajima, que estava no seu

    computador digitando comandos o tempo todo, olhou para Iida com um sorriso sarcstico no rosto.

    - Aah... Com um grito seco, as pernas de Kyoko convulsionaram duas ou

    trs vezes. Sem sequer tentar limpar o sangue do seu rosto, Miyuki olhou para cima e os dois alunos que seguravam Kyoko no ar soltaram suas pernas. Quando o corpo contorcido e sem vida de Kyoko caiu ao cho, o crculo de alunos comeou a se dissipar, deixando s ela para trs.

  • Quase que na mesma hora, a porta se abriu, e os trs alunos que tinham sado antes entraram, trazendo Kondo consigo. Ao saber que Kyoko estava sendo agredida verbalmente pelos seus colegas, Kondo veio decidido a dar uma lio aos sabe tudo da classe dos talentosos. Mas a sala estava em completo silncio, e o que ele viu foi completamente diferente do que esperava. Os trs alunos levaram o perplexo Kondo at o centro da sala e se afastaram rapidamente.

    - Oh, meu Deus... Vendo o cadver de Kyoko, Kondo ficou chocado e as palavras lhe

    faltaram por um momento. Os estudantes na sala de aula o cercaram, como que para fechar uma possvel rota de fuga. Naquele momento, Kondo provavelmente poderia ter escapado se tivesse pensado friamente. Mas com sua mente confusa graas ao choque e a raiva, Kondo no percebeu o quo ruim era a situao na qual se encontrava.

    - Seus desgraados, o que vocs fizeram... Quem matou a Kyoko?! Com seu corpo tremendo de raiva, os olhos de Kondo, ardendo

    de raiva, se voltaram para os alunos. Mas os alunos normalmente pacficos, que costumavam fugir se Kondo simplesmente olhasse para eles, no mostraram o menor sinal de medo, apenas devolvendo o duro olhar.

    Havia algo verdadeiramente estranho acontecendo ali. Naquele momento, ele ouviu um gemido. Olhando na direo da

    voz, Kondo viu Nakajima ao lado de Iida, pressionando a cabea do professor no cho com o p.

    - Nakajima...? No imaginando sequer por um momento que um nerdzinho

    engomado fosse capaz de algo assim, Kondo ficou completamente abalado. Iida juntou toda a fora que conseguiu para chamar por ele:

    - Kondo, fuja! Eles esto loucos! Voltando realidade com a voz do professor, Kondo urrou como

    um animal selvagem e correu para cima de Nakajima. Mas antes que pudesse chegar at ele, uma dzia de alunos pulou nele e o derrubou no cho. Lutando com toda a sua fora, Kondo derrubava os alunos que o agarravam, socando e chutando todos que se aproximavam. Mas mesmo com as testas abertas e as costelas quebradas, os alunos se levantavam do cho como se no sentissem dor alguma, e continuavam a se agarrar ferozmente em Kondo. Um deles pegou o monitor de um computador e o acertou com toda a fora na cabea de Kondo. Ele ficou zonzo com a pancada e comeou a cambalear, e naquele instante, os alunos o derrubaram no cho de novo e imobilizaram seus membros.

    - Merda, me soltem! Eu vou matar vocs!!

  • Vendo Kondo se debater inutilmente contra os colegas, tentando se libertar, o belo rosto de Nakajima se converteu num sorriso frio.

    - Na verdade, o nico que vai morrer aqui voc. Eu preferia que a Kyoko te executasse, mas como pode ver, ela j morreu. Ento eu vou fazer a gentileza de deixar a Miyuki fazer isso. Voc devia me agradecer.

    Com a mo no queixo como que em profundo pensamento, Miyuki se ajoelhou perto de Kondo e aproximou seu rosto do dele. Sua boca ainda estava coberta do sangue de Kyoko. Seu hlito quente acariciou a bochecha dele. O corpo de Kondo se enrijeceu e tremeu um pouco, e naquele instante a faca na mo de Miyuki brilhou e se cobriu de vermelho. Um grito borbulhante escapou da traqueia decepada de Kondo, e com os olhos ainda abertos, sua cabea se dobrou para trs com um rudo enojante.

    - Agora, professor... Nakajima se abaixou e olhou no rosto de Iida O que o senhor achou disso? Viu s? A minha experincia de evocar um demnio no foi um fracasso. Naquele dia, um demnio de fato apareceu, dentro do computador do servidor. Ns s no percebemos. Ontem, quando eu estava tendo aula aqui na sala de informtica, o demnio me enviou uma mensagem: "KILL! ENTENDIDO" Ele no tem como sair do computador, ento usou hipnose para controlar a classe. A propsito, professor, eu prometi entregar trs almas ao demnio. A da Kyoko, a do Kondo e mais uma...

    Por um instante, os olhos de Nakajima expressaram uma emoo que parecia ser pena. Mas, como que para cont-la, ele mordeu os lbios e se levantou.

    - E- Espere, por favor... Enquanto Iida se debatia e se contorcia desesperadamente, dez

    alunos comearam a caminhar pela sala, se aproximando dele lentamente.

  • Captulo 1: A Noite do Demnio

  • Captulo 1-1 Depois de muitos dias de chuva, o Sol finalmente mostrou o rosto

    numa manh de junho. A gua lamacenta que formava poas na rua refletia seus raios como pequenos espelhos. Yumiko Shirasagi cerrou um pouco os olhos e olhou para o prdio de trs andares da escola, que oscilava como uma miragem envolto no mormao criado pelo vapor da gua que evaporava.

    Yumiko Shirasagi. Seu corpo comprido e esguio fazia sua imagem parecer adequada

    ao seu nome, que significava Gara Branca. Seus curiosos olhos castanhos, que refletiam o seu afiado intelecto, bem como seu nariz escultural, lhe davam todas as qualidades de uma beldade natural. Por outro lado, sua propenso a travessuras fazia com que ela no fosse considerada to madura quanto se espera de uma veterana do ensino mdio.

    A transferncia de Yumiko para essa escola foi muito repentina. H dois meses o seu pai, que trabalhava como representante de uma empresa de eletrnicos, tinha sido transferido de uma filial em Sapporo para a matriz, em Tquio. Sendo a filha de um assalariado, Yumiko estava acostumada a ter de se mudar, mas essa era uma poca ruim para isso: no fim do semestre ela enfrentaria os exames de admisso da faculdade. Ela queria passar o seu ltimo ano do colegial com os amigos que tinha feito, e era difcil abrir mo disso. Mas depois de pensar bastante, a famlia decidiu se mudar toda junta, principalmente devido insistncia da sua me de que era perigoso voc ou seu pai morarem sozinhos. Mas meros dois dias aps ser transferida para o Colgio Jusho, Yumiko rapidamente comeou a se arrepender de ter dado ouvidos me.

    No gosto do clima daqui. O exame de admisso de Yumiko na escola demonstrou que suas

    habilidades a colocavam entre os melhores dos talentosos. Seus pais ficaram muito aliviados e felizes com suas notas, mas Yumiko sentia que essa escola tinha uma frieza estranha que era difcil de explicar. Sua antiga escola em Sapporo tambm tinha muito prestgio, mas no havia essa separao escancarada entre talentosos e comuns, e os alunos de l pareciam simplesmente desfrutar mais das suas vidas de estudantes.

    Em completo contraste, os alunos do Colgio Jusho pareciam velhos que tinham desistido da vida. Os talentosos simplesmente cumpriam o currculo como mquinas, como se fossem programados para passar no exame de admisso da faculdade. E muito embora a

  • classe dos comuns tivesse seus prprios alunos brilhantes e talentosos, muitos deles tinham perdido a vontade de se dedicar por causa da maneira como eram desfavorecidos pela administrao. Todos sabiam seu lugar na organizao, e ningum tentava quebrar o molde.

    Pensando bem, ela mesma ainda no tinha dito uma nica palavra alm da sua apresentao formal para a classe. Isso por si s j era difcil para Yumiko, j que ela nunca foi quieta. Mas ela no sentia nenhuma hostilidade especfica para com ela, nem por parte dos alunos, nem dos professores. A questo era que a turma inteira era assustadoramente quieta, como que reprimida por algum tipo de fora invisvel. Durante os perodos livres, nenhum dos colegas de classe de Yumiko direcionou uma s palavra a ela.

    Se voc ficar popular demais logo de cara, as pessoas vo comear a te observar, e voc no vai querer isso, n? Foi isso que sua me disse em tom de brincadeira quando Yumiko mencionou a questo e, brincadeira ou no, o comentrio feriu seu orgulho.

    No ptio da escola, o sino tocou. Respirando fundo e juntando toda a sua fora, Yumiko caminhou

    lentamente para o prdio da escola. O primeiro perodo do dia era com aula de japons clssico. A professora, Ohara, era uma beldade. Ela no usava muita

    maquiagem, provavelmente devido s regras do trabalho, mas sua altura, estilo e seu rosto, que era atraente at aos olhos de outras mulheres, eram de beleza tal que ela provavelmente poderia se passar por modelo. Mas a voz seca e sem entonao com a qual ela lia o texto, combinada com a maneira montona de traduzir o clssico para o coloquial com a qual ela conduzia a classe, jamais poderia ser considerada atraente, nem para um elogio falso. Yumiko estava tentando segurar seus bocejos a aula toda.

    - No Ise Monogatari, h um poema tanka: Nas Montanhas Izu de Suruga, eu no lhe encontrarei, nem em realidade, nem em sonho. Ele j caiu trs vezes no exame de admisso da Universidade Keio, e tambm no da Univerdade de Waseda, ento melhor decor-lo. ignorando todo o significado cultural do poema, Ohara comeou a falar de exames de admisso.

    Todo o romance e o mstico do Ise Monogatari... Narihira de Ariwara deve estar se revirando no tmulo.

    Ficando completamente irritada com a aula, e beira de ser engolida pelo sono, Yumiko percebeu um som rtmico atrs de si, parecido com batidas numa pasta de plstico. Olhando na direo, ela viu um belo rapaz sentado um pouco atrs dela, digitando no teclado

  • de um notebook em cima da mesa. Ela lembrava que o nome dele era Akemi Nakajima. Yumiko foi apresentada a ele junto com todos os outros alunos no dia anterior, mas seus nomes e rostos acabaram se misturando, ento ela no lembrava bem de todos. Mas tanto a aparncia quanto o nome de Nakajima eram muito femininos, ento ela acabou gravando a imagem dele. Embora ele a tivesse ignorado completamente quando ela o cumprimentou pela primeira vez.

    Bom, ele est obviamente ignorando a aula. Ele diferente! - por alguma razo, Yumiko sentiu afinidade por esse colega de classe -No parece que ele est jogando. Est mexendo com programao?

    Como que descansando um pouco, Nakajima esticou as costas e olhou um pouco para cima. Seus olhos de amndoa olharam ao redor, e inesperadamente o seu olhar encontrou o de Yumiko.

    Depois do sucesso com o programa de evocao de demnios,

    parece que a natureza de Nakajima mudou at a raiz. Ou talvez a sua verdadeira natureza diablica, antes selada, tenha simplesmente se revelado e consumido o antigo Nakajima. Dois meses atrs, o seu lindo rosto s mostrava fraqueza, mas agora emanava uma poderosa aura de puro ego. Mas o que surpreendeu Yumiko quando seus olhares se encontraram no foi a sua presena poderosa, e sim outra coisa.

    Dj vu. No reparei nisso ontem, mas acho que j vi esse cara em algum

    lugar. Parece que foi h muito tempo. Puxa, onde ser que foi? um sentimento parecido com medo correu pelo corpo de Yumiko.

    Apesar de Yumiko estar olhando para ele, Nakajima no demonstrou interesse nela e voltou a digitar roboticamente no computador. Como que olhando para um abismo sem fim, Yumiko foi consumida por uma estranha sensao de perda.

    - Srta. Shirasagi, para onde est olhando? a voz levemente irritada de Ohara trouxe Yumiko de volta realidade. Olhando para a frente, ela percebeu que o poema tanka escrito em giz branco no quadro negro estava cheio de marcaes em vermelho e amarelo.

    - O que o termo utsusu indica nesse tanka? Explique. Yumiko sentiu o olhar de todos os alunos da classe caindo sobre ela, como que a testando. O som seco de Nakajima digitando monotonamente e descaradamente no teclado era o nico rudo na sala.

    - Sim, senhora. Indica o nome do lugar, Uzu, e ao mesmo tempo o significado da prpria palavra utsusu, que realidade. a voz de Yumiko parecia levemente nervosa. Mas a pergunta de Ohara era extremamente fcil, especialmente para algum como Yumiko, que almejava ser uma historiadora literria.

  • - Vejo que voc estudou bem, Srta. Shirasagi. Mas s vezes o que eu digo tambm pode ser til. Ohara fez uma expresso um pouco mais leve com o comentrio sarcstico. A tenso momentnea na sala se dispersou, e, como que levados pelo sorriso de Ohara, todos os alunos homens sorriram. Yumiko ficou com a sensao de que a turma inteira estava debochando dela.

    O sino tocou. - Com licena, professora. Nakajima chamou pela professora,

    parando-a quando ela estava prestes a sair. Ohara deu meia volta, seus olhos claramente cheios de apreenso. Yumiko percebeu o estranho relacionamento entre os dois.

    A professora est com medo do Nakajima? - Professora, voc vem hoje noite como combinado, certo?

    Nakajima continuava sentado sua mesa, ainda digitando concentradamente no computador.

    O rosto de Ohara pareceu ficar levemente vermelho. - Sim. Nos encontramos na sala de informtica... ela respondeu

    delicadamente. Nakajima sorriu, fez que sim e acenou para ela. Observando os dois com surpresa, para Yumiko o

    comportamento de Nakajima pareceu como se ele estivesse dizendo: Boa menina, agora pode ir. Mas esse estranho relacionamento entre professor e aluno no parecia incomodar nem um pouco os colegas de classe, que se preparavam indiferentes para a prxima aula.

    Cheia de curiosidade, Yumiko esperou Ohara sair da sala e foi at a mesa de Nakajima.

    - Ei, Nakajima-kun... Yumiko o chamou sem saber bem o que ia dizer.

    Nakajima olhou para ela com olhos fulminantes. Ao ser olhada por aqueles olhos estranhamente perfurantes, Yumiko sentiu novamente aquela impresso de dj vu.

    Tenho certeza que te conheo de algum lugar. De onde ser? embora fosse isso o que Yumiko queria perguntar, esse tipo de pergunta provavelmente s o deixaria sem graa. Yumiko lutou para tentar descobrir o que fazer com essa nova e estranha sensao.

    - Sabe... Nakajima abriu a boca e falou como se se dirigisse a uma criana - melhor voc ficar longe de mim.

    - No, eu... com essa resposta, Yumiko no soube mais o que dizer. Numa mesa mais atrs, o rosto srio e os movimentos de mo de um outro aluno indicaram para Yumiko que ela provavelmente devia deixar Nakajima de lado.

  • O sino tocou. O professor de fsica do segundo tempo de aula tinha entrado na sala em algum momento e j estava sentado mesa do professor.

    Pode me ignorar se quiser. Eu quero saber o que voc est escondendo, e vou descobrir. Voltando sua mesa e engolindo os pensamentos e sensaes borbulhando dentro de si, Yumiko deu uma pequena mordida no seu lbio inferior.

  • Captulo 1-2 Mais tarde, s 19h daquele dia, Yumiko estava escondida nas

    sombras do ptio da escola, vigiando cautelosamente a sala de informtica. Um vento desconfortavelmente quente soprava, carregando consigo enxames de insetos irritantes que se recusavam a deix-la em paz. A Lua cheia se mostrou em meio a um buraco nas nuvens, iluminando o prdio quadrado que abrigava a sala de informtica.

    Me sinto uma idiota. Uma veterana do ensino mdio brincando de detetive! Yumiko sorriu um sorriso amargo enquanto observava cautelosamente a vazia sala de informtica. Ela se perguntava por que estava ali fazendo aquilo.

    Yumiko tinha certeza de que Nakajima disse hoje noite. No era normal um aluno chamar uma professora para a sala de informtica no meio da noite. Claro que no era da conta dela o que os dois iam fazer l. Mas ao ver o caminhar quase embriagado de Ohara quando ela saiu da sala de aula, Yumiko ficou muito brava, consumida pela vontade de descobrir qual era a relao entre os dois. Por isso ela se escondeu ali a tarde toda.

    Seria amor primeira vista? No, isso era uma concluso precipitada demais. , com certeza... Yumiko no podia negar que Nakajima tinha algo nico, mas

    tambm no conseguia deixar de pensar que o que a atraa nele era algum tipo de conexo mais profunda, algo mais que o tpico amor ou dio.

    Os ponteiros do relgio marcaram 21h, e bem quando Yumiko estava prestes a cair no sono, a silhueta de uma pessoa passou pela janela do corredor e entrou na sala de informtica. O corpo de Yumiko enrijeceu de nervosismo. Uma luz se acendeu dentro da sala de informtica, e pelo vidro da janela, as silhuetas de vrias pessoas se locomovendo pela sala se tornaram visveis. Mas antes que o corao de Yumiko sequer tivesse a chance de comear a acelerar, a sombra de um homem muito grande se aproximou da janela, e num instante, todas as cortinas foram fechadas.

    Parecia que Nakajima e Ohara no eram as nicas pessoas que iam se encontrar ali. O mistrio se tornou ainda maior, e Yumiko, tomada pela curiosidade, decidiu sair dos fundos do ptio e chegar mais perto da sala de informtica para ver melhor.

  • Enquanto Yumiko saa do seu ponto de observao, Ohara se aproximou furtivamente da sala de informtica, abriu a porta devagar e entrou. A sala estava muito bem iluminada, e trs alunos vieram cumpriment-la. Os trs estavam vestidos com mantos negros; um deles carregava uma bandeja de prata e os outros dois carregavam espadas e castiais. A mesa no centro da sala, que normalmente abrigava vrios computadores, havia sido removida, e no seu lugar estava um sof de couro. Akemi Nakajima estava sentado no sof, em profunda meditao. Um grande crculo dividido em doze sees, como um horscopo, fora desenhado no cho, com o sof situado no centro. Em quatro lugares dentro do crculo havia smbolos astrolgicos representando a Lua, o Sol, Marte e Pluto.

    - Ol. Seja bem-vinda. percebendo a chegada de Ohara, Nakajima parou sua meditao e se levantou lentamente. Quando se afastou do sof, as vrias correias presas s pernas, braos e assentos cintas evidentemente feitas para prender uma pessoa ficaram claramente visveis. Porm, mesmo vendo isso, Ohara no demonstrou nenhum sinal de medo. Na verdade, ela pareceu at se acalmar um pouco. Sorrindo e fazendo que sim com a cabea, Nakajima ordenou que os trs alunos apagassem as luzes da sala e acendessem as velas. Eles seguiram as ordens obedientemente. Como que movida pela aura misteriosa que a sala agora escura emanava, Ohara se ajoelhou no cho na frente de Nakajima.

    A mo branca, quase translcida, de Nakajima tocou a bochecha corada de Ohara.

    - Calma, relaxe. Em poucos minutos, o demnio Loki chegar. Loki conhecido pela sua beleza e astcia. Perfeito para voc, professora. Nakajima falou com uma voz elegante e doce, capaz de derreter o corao de qualquer pessoa. Enquanto sua mo deslizava da bochecha de Ohara para o seu pescoo, a respirao dela ficava funda e pesada.

    - Est na hora de ligar o computador do servidor. No precisa se preocupar, professora. Tenho certeza de que voc vai satisfazer o demnio... cochichando no ouvido de Ohara, Nakajima se afastou e inseriu um comando no terminal mais prximo. Do outro lado da forte parede de vidro, os rolos de fita magntica lentamente comearam a girar. Nakajima pegou seu notebook e digitou um comando rpido. Uma nvoa branca saiu da tela de cristal lquido e comeou a se espalhar at escapar pelas frestas da porta. Assim que desapareceu de vista, o grunhido baixo de uma besta ressoou pelo corredor do lado de fora, suficiente para enviar tremores de medo s profundezas da mente de todos que o ouviram. Era Crbero, um demnio digital evocado do

  • mundo Atziluth e materializado por Nakajima. Ele seria o guardio da cerimnia daquela noite.

    Enquanto isso, os trs alunos na sala levaram Ohara at o sof e a prenderam firmemente usando as cintas de couro.

    - Vamos, controle sua respirao. Concentre seu esprito e chame o demnio do mundo Atziluth.

    Clic, clic. Como que impaciente, o barulho do disco rgido do computador

    do servidor ecoou pela sala. - A Lua e Marte esto em lados opostos, bem como o Sol e Pluto,

    formando a Grande Cruz nos cus. Nenhuma noite poderia ser to perfeita quanto esta para evocar um demnio. falando como que conjurando um feitio, Nakajima pegou um mecanismo semelhante a um capacete na sala de mquinas e o colocou na cabea de Ohara.

    Era um modem de ondas cerebrais. Ele digitalizava as ondas cerebrais humanas, e servia como interface para se comunicar diretamente com o computador. Dois longos fios se conectavam parte de trs do modem, um vermelho e um preto. O fio vermelho se ligava ao computador do servidor, e o preto a um dos terminais da sala. Nakajima inseriu um comando no terminal e as fitas magnticas comearam a girar rapidamente. O corpo de Ohara comeou a se contorcer um pouco, como se sua conscincia j estivesse se dissolvendo dentro do servidor. Um aroma picante se expandiu de repente, envolvendo-a. Os rostos dos trs alunos que observavam a cerimnia se iluminaram de admirao.

    Yod, Heh, Vav, Heh. No instante em que a voz baixa e rouca ecoou da sala de mquinas, Ohara soltou um grito e comeou a contorcer o corpo. Enquanto ela continuava a gritar intermitentemente, seus olhos se arregalaram de medo, olhando vazios para o espao. O sof comeou a escorregar pelo cho enquanto Ohara se debatia, como que tentando escapar de alguma coisa, esticando os fios conectados ao modem na sua cabea.

    As tiras de couro raspavam contra seus punhos, rasgando a pele e escurecendo ainda mais as cintas negras com a tintura vermelha do sangue. Mas a expresso de pnico no rosto de Ohara logo se dissipou, seu rosto ficou calmo e ela fechou os olhos. Sua boca abriu um grande sorriso, muito embora seu lbio inferior ainda estivesse sangrando onde ela mordeu antes.

    - Vejo que voc conseguiu seduzir Ohara, Loki. Agora, o que vai fazer com ela? Nakajima olhou para a tela do computador conectado ao modem.

  • O modem de ondas cerebrais havia interpretado os pensamentos e sensaes de Ohara, os digitalizado e enviado para o mundo que o Loki virtual tinha criado no servidor. Pode-se dizer que a dor anterior tinha sido apenas uma reao temporria de rejeio autnoma de quando seu sistema nervoso digitalizado entrou em contato com o do demnio.

    Nakajima olhou a tela do computador, na esperana de ter um vislumbre do mundo que estava sendo inserido no crtice visual de Ohara. De repente, o rugido violento do Crbero ecoou l fora, no corredor. Reagindo a um gesto de Nakajima, os dois alunos que carregavam espadas comearam a avanar em direo porta.

    Pouco depois que Ohara entrou na sala de informtica, Yumiko

    foi dos fundos do ptio da escola at o corredor que conectava o prdio dos clubes com o da escola principal. Ela caminhou lentamente pelo corredor, usando a pouca luz da lua como guia. Por uma fresta nas cortinas das janelas escuras, uma pequena luz oscilante era visvel, provavelmente de velas.

    Pare com essa bobagem. Vamos pra casa, tomar um banho e esquecer tudo isso. Os instintos normais de Yumiko tentavam fervorosamente persuadi-la. Mas hoje era outra Yumiko quem estava no comando.

    Do que voc tem tanto medo? Essa a nossa chance de descobrir a verdade sobre o Nakajima! como todas as outras garotas da sua idade j tinham feito pelo menos uma vez, Yumiko obedeceu sua voz mais ousada e curiosa. Da sala de informtica, ela podia ouvir o som de um grito distante, quase como um soluo. No instante em que o corao de Yumiko comeou a acelerar, de repente algo saltou na escurido na frente dela, antes que ela tivesse chance de reagir.

    A Lua apareceu entre as nuvens, iluminando a forma de uma besta horrvel. Seu corpo era maior at que o de um leo, e a sua boca enorme que parecia ocupar praticamente metade do seu corpo tinha duas fileiras de longas e afiadas presas. Seus olhos olhavam para Yumiko, brilhando como uma chama, e os chifres metlicos na sua cabea se mexiam, como que para no deixar a menor mudana ao redor passar despercebida. Seus ombros grandes e corpo esguio tinham listras como as de um tigre, e seu rabo, aparentemente muito pesado, era coberto de escamas como de serpentes.

    Era o demnio digital Crbero. Soltando um bafo que fedia a carne e sangue sobre a pasma Yumiko, a besta rugiu. O estmago de Yumiko embrulhou tanto que ela sentiu como se fosse vomitar os

  • prprios intestinos, e sua viso ficou borrada. Incapaz de resistir ao choque, desmaiou.

    Yumiko acordou com a sensao de um estranho calor e o som

    incessante de gemidos. A rea ao redor estava escura e carregada, e a nica coisa que ela sentia era uma das suas bochechas tocando o cho frio.

    - mesmo! Aquele monstro! Quando Yumiko se levantou, Ohara, presa a uma cadeira de

    couro, entrou no seu campo de viso. Ela estava usando um capacete estranho e ofegando. Ao lado dela, Nakajima olhava uma tela de computador com um sorriso sinistramente frio no seu belo rosto.

    - Nakajima-kun... quando Yumiko expressou sua surpresa, algum agarrou seu ombro direito. Yumiko engoliu as palavras ao olhar para trs.

    Atrs dela estava Kenichi Takai. Normalmente Takai era dcil e razovel, mas agora ele a olhava com olhos vazios, quase como que possudo por alguma coisa, e Yumiko certamente no achava que ele sabia onde estava ou sequer podia reconhec-la. Alm dele, havia outros dois alunos vestidos com mantos negros na sala, ambos imveis e com olhares de sonmbulos.

    Naquele momento, a respirao pesada de Ohara ficou mais forte. Arfando e contorcendo o corpo furiosamente, ela emitia uma aura medonha que parecia capaz de poluir a alma de qualquer um que se aproximasse.

    Yumiko gritou: - O que isso?! O que voc fez com a professora?! Takai tentou imobilizar Yumiko no cho, mas Nakajima levantou

    a mo rapidamente para impedi-lo. Ao sinal dele, a mo forte de Takai se afastou mecanicamente do ombro de Yumiko.

    - Voc Yumiko Shirasagi, no ? Venha dar uma olhada nisso. fascinante.

    Quando se levantou, Yumiko percebeu que parte da sua saia estava rasgada, como se um cachorro a tivesse mordido. Naquele momento, ela percebeu que a besta que vira antes era bem real.

    Nakajima apontou para a tela do terminal conectado ao modem em Ohara. A tela exibia uma magnfica esttua de bronze de um jovem, como as antigas esculturas gregas. No, no podia ser uma escultura. A imagem divinamente linda se movimentava calmamente, como se tivesse recebido o sopro da vida. A tela deu um zoom no rosto e depois do peitoral do jovem. Seu rosto demonstrava um intelecto alm de qualquer coisa que um humano podia sonhar em ter, e seus olhos

  • penetrantes pareciam dois buracos negros que absorveriam qualquer coisa que os vislumbrasse.

    - o demnio Loki. Nakajima falou no ouvido de Yumiko. - Isso s computao grfica, no ? os olhos de Yumiko

    continuavam grudados na tela. - Se eu pudesse criar um demnio to realista assim em

    computao grfica, nem precisaria ir escola. No, esse um demnio de verdade. Embora eu imagine que voc no vai acreditar nisso.

    Loki flexionava seus msculos na tela. Eram de um negro reluzente, e cobertos de escamas. Naquele momento, Yumiko percebeu que os gemidos de Ohara estavam em perfeita sincronia com os movimentos de Loki. No instante seguinte, ela percebeu o que isso significava e engasgou.

    - isso mesmo. A professora Ohara e Loki esto se divertindo um pouco juntos. No mundo virtual, claro. por alguma razo, Nakajima proferiu as palavras como se estivesse levemente nervoso.

    Ohara estava cada vez mais perto do orgasmo. Seus seios inchados, cobertos de suor, eram visveis pela blusa aberta. Seu corpo tinha aceitado o demnio invisvel por completo no mundo virtual. Naquele momento, Yumiko percebeu uma fraca neblina flutuando aproximadamente na regio dos seios de Ohara. A densidade da neblina aumentava cada vez mais, e um fedor insuportvel atacou suas narinas. Aparentemente confuso, Nakajima se ajoelhou na frente de Ohara com seu notebook numa mo, digitando no teclado enquanto balanava um basto sensor ao redor. Quando Ohara soltou um ltimo suspiro e perdeu a conscincia, a neblina azul se dissipou.

    Nakajima soltou um profundo suspiro de alvio. No rosto dele, Yumiko sentiu um titubear da sua confiana normalmente slida como pedra.

    Nakajima no era um mago. Se fosse, decerto saberia o quanto

    era importante definir um objetivo e a durao do servio ao negociar um contrato com um demnio.

    Mas Nakajima pulou essa parte. Quando Loki transformou Kondo, Takamizawa e Iida em pedaos sangrentos de carne, ele desenvolveu a iluso de que havia se tornado um grande regente ou coisa do tipo.

    O poder de Loki era tremendo. Pegando o respeito subconsciente que os alunos e professores tinham por Nakajima e o alimentando com o seu poder, ele fez os homens o obedecerem e as mulheres carem de amores. Para um estudante at ento ignorado, era um sonho se realizando.

  • Loki exigia o sacrifcio de mulheres. As oferecidas a ele gemiam, se contorciam e por fim chegavam ao orgasmo. Talvez l no fundo, Nakajima sentisse uma satisfao sadista em violar mulheres. Mas ele sempre pensou que o que acontecia no era real, j que s acontecia no mundo virtual.

    Loki no podia escapar do computador. A menos que algum usasse o computador mais poderoso do mundo, a imensa quantidade de dados que seriam necessrios para dar forma a ele seria impossvel de processar. Ele s podia agir dentro dos limites do software que Nakajima programou. Ento o que era aquela neblina azul que apareceu em volta de Ohara...?

    - Nakajima-kun, voc est com medo de alguma coisa, no est? a voz de uma mulher interrompeu seus pensamentos.

    Nakajima lembrou que estava falando com Yumiko sobre o que estava fazendo.

    O que eu estava pensando? Eu no devia ter dito tudo aquilo pra ela. - fixando o olhar em Yumiko, Nakajima deu um passo frente. Por um instante, os olhos de Yumiko pareceram brilhar em vermelho, e Nakajima foi envolto em escurido. Um estranho mundo ilusrio se descortinou diante dele.

    Vrias montanhas rochosas de um marrom avermelhado se

    erguiam at os cus, com nem um nico feixe de grama crescendo nelas. Como que costurada a fio entre as traioeiras montanhas, uma pequena trilha se estendia at onde a vista alcanava. Um rapaz corria desesperadamente pela trilha, batendo os dentes e exalando baforadas que pareciam as de um drago. Ele vestia uma tnica branca sem mangas, tinha os longos cabelos presos num rabo de cavalo, e enquanto seus ps pisavam o cho poeirento, o colar de joias curvas no seu pescoo balanava. Ele estava vestido como algum de tempos muito antigos.

    Mas o rosto do rapaz definitivamente era o de Akemi Nakajima. Gotas de suor escorriam pela sua bochecha, arrastando a sujeira consigo.

    - Meu esposo, por que me abandonastes? Izanagi, por qu...? uma triste voz cheia de misria chegou aos ouvidos do rapaz. Instintivamente, ele diminuiu a velocidade. Parecia que sua cabea estava tentando se virar sozinha. Mas o rapaz mordeu forte os lbios, saltou um tronco no caminho e continuou a correr. A mulher atrs dele o perseguia quase se arrastando, seus ps cobertos de sangue dos ferimentos sofridos do cho de pedras pontiagudas. Seus longos e graciosos braos albinos se esticavam como que tentando inutilmente

  • encurtar a distncia entre ela e o rapaz. Seus longos cabelos negros e sua voz desesperada eram carregados pelo vento.

    Mas o rosto por baixo daqueles cabelos estava podre e decomposto, e as cavidades oculares, completamente vazias. Larvas rastejavam no espao entre carne e osso, e quando ela parava para respirar, sulcos carnosos escorriam das suas bochechas como larvas. Seus lbios haviam apodrecido e cado e, com seus dentes expostos rangendo de frustrao, ela emitiu um grito estridente.

    Com o grito da mulher, um relmpago prpuro atravessou as nuvens carregadas no cu e atingiu uma formao rochosa prxima. Uma criatura apavorante apareceu no lugar onde o raio caiu. Era uma mulher enorme, to grande que parecia que ia tocar as nuvens, com uma pele viscosa esverdeada, algo parecido com a pele de um sapo. A mulher se interps no caminho do rapaz, abrindo os braos como que para impedi-lo.

    - Yomotsu-Shikome, saia do meu caminho! quando o jovem gritou, o pescoo flcido da mulher balanou como uma bola de geleia, e ela grunhiu, com uma voz hedionda:

    - PARE. Vendo o jovem continuando a seguir em frente, Yomotsu-

    Shikome deu um passo em direo a ele. Quando seus ps magros e retorcidos tocavam o cho, a terra tremia com um grande estrondo. Sem titubear um s instante, o rapaz encarou a forma gigantesca maior que um colosso na sua frente, tirou um pente vermelho que prendia seu cabelo, quebrou um dos seus dentes e jogou na mulher. O dente do pente se cravou no seio exposto de Yomotsu-Shikome, e o rosto feio da mulher de repente se contorceu numa expresso de dor. Como se todo o seu corpo estivesse sendo afetado por algum forte veneno, ela apertou o peito com a dor e vomitou uma bile xaroposa pelo cho. Mesmo assim, ela tentou se agarrar no rapaz, mas seu corpo convulsionou furiosamente e ela caiu de cara no cho, fazendo a prpria terra tremer.

    Enquanto o rapaz passava delicadamente ao lado do enorme corpo, o som da triste voz soou em seus ouvidos mais uma vez.

    - Por favor, espere, Izanagi... - Nakajima-kun, o que houve? de repente recobrando a

    conscincia com algum chamando o seu nome, Nakajima viu Yumiko Shirasagi olhando para o seu rosto de perto com um olhar perplexo. Seus olhos estavam repletos de medo e pena.

    Mas o que foi que aconteceu? Essa alucinao tinha alguma coisa a ver com o Programa de Evocao de Demnios? Ou ento... Por um

  • momento, Nakajima se perdeu nos olhos de Yumiko. Mas seu orgulho excessivamente rgido no permitiria que ele demonstrasse mais fraquezas para ela.

    - Esquea, v embora daqui. as palavras de Nakajima foram curtas e frias, como que tentando abafar a situao. Yumiko parecia querer dizer alguma coisa, mas no estava disposta a contrari-lo, e ento obedeceu.

    - De todo modo, tenho que descobrir o que era aquela neblina. se recompondo, Nakajima ligou o modem e conectou ao computador do JSI.

    HELLO NAKAJIMA, WHAT'S UP? Recebendo a mensagem de boas vindas de Craft, Nakajima

    removeu o disco rgido e inseriu em outro computador customizado, contendo um tradutor automtico equipado com um banco de dados de 50 mil termos relacionados a magia e ocultismo. Claro que foi o prprio Nakajima que o criou.

    > UM VAPOR ESTRANHO APARECEU EM VOLTA DO SACRIFCIO. ESTOU ENVIANDO UMA ESTIMATIVA BSICA DA SUA FORMA E COMPOSIO. TENTE ANALIS-LO PARA MIM.

    Os dados armazenados no computador de mo foram imediatamente para Massachusetts atravs da internet. Nakajima bateu os dedos na mesa impacientemente por um minuto... Dois minutos. Cinco minutos depois, Craft finalmente enviou sua anlise.

    VOLUME E MASSA SUGEREM UM CONTEDO ECTOPLASMTICO CINCO VEZES ACIMA DO NORMAL. A JULGAR PELA SITUAO NA QUAL SE MANIFESTOU, A PROBABILIDADE DE O VAPOR SER O PRPRIO LOKI ALTA.

    > NO INCLU NENHUM COMANDO QUE PERMITIRIA A LOKI SE MANIFESTAR. ALM DISSO, O COMPUTADOR DA ESCOLA NO SERIA CAPAZ DE EXECUTAR ALGO DESSA ESCALA.

    PELOS DADOS ENVIADOS, NO POSSO FORNECER UMA RESPOSTA EXATA. A NICA CERTEZA QUE O DEMNIO QUE VOC EVOCOU PARA DENTRO DO COMPUTADOR COMO UMA INTELIGNCIA ARTIFICIAL DE NVEL GNIO. NO PODE SER DESCARTADA A POSSIBILIDADE DE QUE ELE TENHA ENCONTRADO UMA MANEIRA DE SE MANIFESTAR POR CONTA PRPRIA.

    > OBRIGADO, CRAFT. Enviando a mensagem de despedida, Nakajima encerrou a

    conexo. No posso acreditar que Loki pode ter encontrado uma maneira

    de se manifestar por conta prpria. Mesmo assim, melhor eu comear a trabalhar em algo que possa usar para control-lo por completo.

  • Pensando em mil coisas, Nakajima caminhou at a janela e olhou para o infinito negro do cu.

  • Captulo 2: Transferncia

  • Captulo 2-1 Era meia-noite em Marunouchi. Edifcios de janelas escuras se

    destacavam na paisagem. No se podia ver uma s alma nas caladas sob as fileiras de rvores ginko, e a nica presena era a de mariposas atradas pelas luzes dos postes, balanando suas pequenas formas sem raciocnio. O bairro comercial estava to quieto que quase se podia ouvir os insetos batendo nas lmpadas.

    Mas o silncio l fora aparentemente no fazia diferena para as grandes firmas que carregavam o peso da economia nos ombros. Mesmo agora, ainda havia luzes acesas no 12 andar do prdio da Mitsune Productions. A Terceira Diviso de Exportao era responsvel por todos os negcios com a Europa. Restavam apenas duas semanas at agosto, quando o Ato de Regulamentao de Importao de Eletrnicos entraria em efeito. Numa corrida de ltima hora para queimar todo o estoque, o departamento estava trabalhando em capacidade mxima at altas horas.

    Inevitavelmente ficando cansadas, algumas pessoas tiravam cochilos no sof, enquanto outros tinham sado para comer nas lojas de ramen prximas estao de Tquio. Inoue esfregou os olhos pesados enquanto inseria as exportaes previstas para o dia seguinte na estao de trabalho online que o conectava com o sistema da filial no exterior. Mas com os culos de armao de metal cobertos de marcas de dedos, ele estava muito diferente do homem elegante que costumava ser.

    - Quanto falta? Hashiguchi, que estava dormindo no sof, acabara de acordar e chamou por Inoue. Sua voz claramente esboava um bocejo.

    - No deve demorar muito agora. S faltam os eletrnicos de lavanderia que sero enviados para a Frana. usando uma chapa de vinil como leque, Inoue jogava ar no peito atravs da sua camisa de gola V.

    - Ento, em quanto as exportaes aumentaram? esfregando os olhos, Hashiguchi olhava para a tela por trs de Inoue.

    - Aproximadamente 200% em relao ao ano passado. Me assusta pensar que tudo isso pode acabar sendo barrado.

    - Algo assim de se esperar. Afinal, em duas semanas, ns vamos fazer 90% das exportaes do ano passado inteiro.

    - O chefe e os outros esto demorando demais. Como podem demorar tanto comendo um ramen? Aposto que pararam em algum lugar pra beber.

  • - Por que voc no descansa um pouco? Eu assumo o seu lugar por enquanto. Hashiguchi deu um tapinha no ombro de Inoue e sorriu amigavelmente.

    - Obrigado. quando Inoue levantou e comeou a se espreguiar, o computador apitou. O LED que indicava transferncia de dados da sede nacional se acendeu.

    - O que ser que eles querem assim to tarde? disse Hashiguchi. - Ah, com certeza querem parte pouco do nosso estoque reserva.

    Claro que como estamos todos focados na exportao, esse no l o melhor momento pra isso. j se preparando para dormir, Inoue no tinha outra desculpa para inventar.

    - No precisa ficar bravo com eles... Os caras do escritrio central tambm esto trabalhando nessa hora amaldioada, como ns.

    Enquanto repreendia o colega, Hashiguchi ativava o modo de recebimento de dados do computador. A lista de enumeraes desapareceu, e a tela ficou toda verde. Normalmente, nessa hora o nmero de identificao da pessoa que estava enviando os dados seria exibido na tela. Mas ao invs disso, a tela estava mudando de cor sem parar e mostrando smbolos desconhecidos e estranhos.

    - Que diabos isso? letras estranhas rolavam pela tela, mas os dois no tinham como saber que era hebraico antigo. Agora a tela mostrava a imagem de uma esttua de um homem.

    - Esses caras so uns idiotas pra ficar fazendo essas brincadeiras a essa hora da noite. olhando desinteressadamente para a tela de rabo de olho, Inoue acendeu um cigarro.

    Talvez fosse por causa da fumaa do cigarro, mas os dois homens no perceberam o cheiro forte que comeou a se espalhar pela sala. De todo modo, especialmente pra um trote, essa esttua misteriosa era uma CG muito bem feita. Um corpo com uma simetria de uma antiga escritura grega. Cabelos negros compridos. Lbios rosados vvidos. E seus profundos olhos negros expressavam uma crueldade penetrante.

    - No que isso importe, mas isso CG de alto nvel. disse Hashiguchi.

    - CG? Parece at uma foto. enquanto Inoue olhava a tela mais de perto, o cheiro desagradvel de cigarro tomou conta da sala.

    - Ops, desculpe. enquanto Inoue voltava sua ateno para apagar o cigarro, o homem na tela sorriu e apontou para Hashiguchi. Seu dedo era curvado na ponta, de modo que quase parecia uma garra. Hashiguchi estava fascinado com o grfico. Era to realista que parecia impossvel algo assim rodar no computador extremamente bsico da firma.

  • Mais ou menos nessa hora, Hashiguchi percebeu que a tela parecia que estava mida, como se estivesse coberta de uma camada de condensao. Quando tentou limpar a tela com a mo, sentiu algo grudar nela, e deu um pulo para trs com o susto. Algo gelatinoso estava escorrendo dos seus dedos, e ao balan-los, uma substncia viscosa e nojenta caiu ao cho.

    - Argh! O que isso?! Se virando para ver do que Hashiguchi falava, Inoue levou um

    susto e ficou imvel, chocado. Por baixo da camada de gelatina rsea, uma rede de veias esverdeadas se espalhava, e a coisa inteira pulsava como um rgo arrancado do seu dono. O repugnante pedao de carne fez um som de esguicho quando comeou a se aproximar dos dois homens. Se afastando, Inoue esbarrou numa cadeira e acabou vomitando.

    - Inoue! Se recomponha! agarrando o brao do colega para faz-lo andar, Hashiguchi correu para a porta. Quando parou para abri-la, a bolha gelatinosa disparou tentculos cobertos de um lquido grudento e viscoso como uma geleia vermelha, e num instante agarrou as pernas dos dois homens.

    - Merda! com um grito, Hashiguchi agarrou pastas e o telefone da sua mesa qualquer objeto ao seu alcance e comeou a jog-los no atacante, e, como este no demonstrou medo, pegou uma cadeira, levantou sobre a cabea e arremessou com toda fora na coisa. Mas a pele da bolha gelatinosa simplesmente puxou a cadeira de ao para dentro do seu corpo, onde foi rapidamente dissolvida bem na frente dos olhos de Hashiguchi.

    Tum, tum. Hashiguchi j no sabia mais se o som que ouvia era o seu

    prprio corao batendo ou se era o pedao de carne pulsando. Quando recuperou o raciocnio com uma sensao estranha emanando do seu p, Hashiguchi percebeu que toda a sua perna direita estava encoberta pela bola de carne rosa. Ele tentou gritar, mas o pnico selou sua garganta e no conseguiu nem falar.

    Rpida e ambiciosamente, a bolha negra comeou a puxar o corpo de Hashiguchi para dentro do seu. Ele no sentia dor. Como que afundando em lama quente, s havia uma sensao infinita de perda, a sensao de uma morte iminente.

    Socorro... no conseguindo mais falar, Hashiguchi se debatia como que tentando encontrar alguma coisa em que se segurar, e naquele instante, a bolha espremeu seu tronco com uma fora incrvel.

    A fora foi tamanha que os olhos de Hashiguchi saram voando das suas cavidades, e num instante suas costelas quebradas

  • destroaram seus rgos internos. O sangue que saiu em jatos do seu corpo foi absorvido pela bolha. S a cabea de Hashiguchi ainda estava para fora do amontoado de carne, e agora tentculos rosas comeavam a sair pela sua boca aberta e suas cavidades oculares.

    Inoue, que agora era a nica pessoa no cho deserto da sala, mal podia acreditar que a morte horrenda de Hashiguchi era real. Com sua capacidade de pensar racionalmente completamente perdida, ele atacava loucamente o tentculo agarrado sua perna com uma caneta, como que tentando desprend-lo, e naquele momento sentiu algum olhando para ele e ficou paralisado.

    Em algum momento, a massa gelatinosa tinha desenvolvido um olho. Sinistro e cheio de malcia, ele olhava para Inoue. O tentculo subia lentamente o seu corpo, da perna ao peito.

    Vendo o prprio corpo ser sugado para dentro da grotesca massa de protoplasma, Inoue teve uma espcie de estalo. Tomado por uma onda de loucura, soltou uma risada aguda que mais parecia uma epifania. Bem naquela hora, o elevador fez um barulho, a porta se abriu, e seus colegas de trabalho voltaram do descanso.

    - O que deu nesses caras? Do que esto rindo tanto? - Aposto que ao invs de trabalhar, esto vendo TV. sem a

    menor ideia do que estava acontecendo, os homens se entreolharam, inadvertidos da carnificina na qual estavam prestes a entrar.

  • Captulo 2-2 Nessa mesma hora, Nakajima estava na sala de informtica do

    Colgio Jusho, sentado na frente do computador do servidor, que estava conectado com o exterior via modem, tentando falar com Loki.

    - E ento, como foi? A experincia de movimento deu certo? - Suponho que seria mais adequado dizer que mostrou alguns

    resultados. Pelo menos at certo ponto. a voz baixa e funda que saa dos alto-falantes fazia Nakajima tremer do comeo aos ps. Nakajima no sabia que Loki j tinha adquirido a habilidade de se manifestar fisicamente. Ele pensava que resultados at certo ponto significava que Loki podia existir dentro de outro computador como uma inteligncia artificial independente.

    - Bom, ento acho que voc no tem escolha a no ser reconhecer como a minha tecnologia boa.

    - Se isso que voc quer pensar, fique vontade. S vou dizer que ainda estamos muito longe da perfeio.

    - Bom, isso era de se esperar. Ao se enviar tanta informao assim de uma vez s, muito provvel haver perda de dados. suor escorria da testa de Nakajima, onde os fones de ouvido do microfone se prendiam s suas tmporas. Nakajima continuou a falar com ar de calma e desinteresse, mas seu corpo inteiro, duro de tenso, demonstrava a inquietude da sua mente.

    O que vai acontecer se Loki conseguir se manifestar? Nakajima se perguntava, ignorante da verdadeira situao No, isso possvel. Veja s, ele est me obedecendo fielmente nesses testes da teoria da transferncia de demnios.

    Teoria da Transferncia de Demnios. Adquirir a habilidade de se locomover livremente pela Terra

    algo que todos os demnios desejam desde o incio dos tempos, no apenas Loki. Desde os tempos antigos, os lugares em que um demnio pode se manifestar na Terra sempre foram extremamente limitados. Alm disso, uma vez que um demnio de fato evocado, s pode manter sua forma dentro de um raio de alguns quilmetros do ponto onde foi chamado. Pode-se dizer facilmente que esse o nico motivo de a Terra ter sobrevivido por tanto tempo sem sofrer uma invaso de demnios.

    Nakajima tinha criado uma tecnologia que virou o que at ento era senso comum no mundo dos demnios de cabea para baixo. A tecnologia digitalizaria um demnio e o transferiria para outros computadores atravs da internet. Se aperfeioada, essa tecnologia removeria as restries fsicas do movimento dos demnios na Terra.

  • Nakajima achava que sua experincia finalmente tinha dado frutos. Ele foi ingnuo na sua linha de pensamento. Pra comear, ele era s um estudante comum que nunca tinha tido contato com um demnio antes, e de cara j estava lidando com um demnio superior e absurdamente poderoso como Loki, o que poderia muito bem causar uma tragdia. Ainda assim, pode-se dizer que ele estava sendo prudente s de perceber o perigo que Loki podia representar se conseguisse a habilidade de se manifestar.

    Eu posso acabar tendo que evocar outro demnio poderoso do Mundo Atziluth que possa fazer frente a Loki.

    Incapaz de conter seu desconforto, Nakajima comeou a ponderar essa alternativa ainda mais perigosa, quando uma voz surgiu de repente nos alto-falantes.

    - Me d Yumiko Shirasagi. - O qu?! - Me d Yumiko Shirasagi. - No! No posso fazer isso! no instante em que ouviu o nome

    de Yumiko, Nakajima se alterou. At ele ficou surpreso com a prpria reao.

    - Garoto, com quem voc pensa que est falando?! a voz de Loki demonstrava uma ira jamais vista antes. A mquina emitiu um rudo estranho, e fascas voaram de onde os cabos se ligavam nela.

    - Tudo bem, tudo bem, calma... Nakajima cedeu ameaa de Loki sem resistncia alguma. Indignado consigo mesmo, Nakajima mordeu o lbio, com fora quase que suficiente para produzir sangue, e uma imagem do rosto de Yumiko planou na sua mente. Novamente, ele foi sugado para uma iluso.

    O rapaz j no via mais as enormes montanhas rochosas e o cu

    azul. Seus olhos pequenos estavam completamente fixados na trilha sua frente. Seus lbios queimados da cor da terra estavam cobertos por uma crosta vermelha e preta. Seus ps estavam roxos e inchados, com pedaos afiados de rochas cravados neles. Mas o som dos suspiros se aproximando por trs dele faziam seus ps feridos acelerarem o ritmo ainda mais.

    - Izanagi, por que voc no espera? por que eu fiquei hedionda? Voc me prometeu, quando eu entrei no Yomi, que me traria de volta de qualquer jeito! Era mentira? Eu nunca correria de voc, no importa o que acontecesse!

    - Me perdoe... como que tentando fugir do medo e da culpa, o rapaz rangeu os dentes e acelerou o passo. Mas a tenacidade da mulher estava lentamente diminuindo a distncia entre eles. As lgrimas da

  • mulher, escorrendo dos olhos de plpebras podres, caam ao cho junto com seus cabelos enquanto ela gritava.

    - Izanagi...! Quando ela gritava, o buraco na sua bochecha ficava cada vez

    maior, at que os seus molares ficaram completamente expostos. Logo a trilha terminou, e o rapaz pde ver um enorme pntano sua frente.

    - Consegui voltar a Toyoashihara... seus lbios tremiam de alvio. Abrindo bem os braos, o rapaz respirou fundo o ar mido, suspirou, se virou e sentou.

    Por um tempo, ele contemplou a forma grotesca da mulher que o perseguia, mas ento balanou a cabea tristemente e fechou os olhos.

    O rapaz comeou a meditar. Quando a mulher ficou dentro do alcance do arremesso de uma pedra, seu corpo pareceu flutuar levemente por um momento, e ento houve uma grande ondulao na atmosfera. Como se um grande poder invisvel tivesse sido liberado, a terra tremeu, e a fissura que apareceu diretamente abaixo do rapaz se espalhou para as montanhas ao redor, e incontveis rochas comearam a rolar pela trilha. Quando a mulher parou, uma pedra gigante se prendeu na trilha diante dos seus olhos, selando-o.

    - Izanagi! Eu irei atrs de voc! Mesmo que leve centenas de milhares de anos! o som dos gritos amargos da mulher ecoava de trs da enorme pilha de terra.

    - Me perdoe, Izanami... tapando os ouvidos com as mos, o rapaz avanou pelo pntano, os enormes bambus se estendendo muito acima da sua cabea.

    Quando se recobrou do transe, Nakajima saiu desanimado da

    sala de informtica, e alguns minutos depois, como que esperando ele sair, uma sombra negra se esgueirou pelo corredor e entrou na sala. As duas mos tatearam a escurido, procurando algum interruptor de energia, e logo a luz de um monitor estava iluminando dedos num teclado.

    Eram dedos brancos e finos. Logo eles pararam de se mover, ao som intimidador de uma voz pesada.

    - Ohara. foi o que a voz disse Estou te mostrando a lista do programa de transferncia que Nakajima desenvolveu. Consegue us-lo?

    - Acho que sim, mas no todas as funes. - Est timo. No h necessidade de usar muito da tecnologia. Se

    eu puder me locomover e assumir forma fsica, posso conquistar o mundo Assiah sozinho.

    - Voc vai conseguir. o microfone captou a frase empolgada.

  • Captulo 3: Possesso

  • Captulo 3-1

    Quando se deparam com algo incompreensvel, as pessoas tm a tendncia de inconscientemente evitar pensar a respeito. Ou ento tentam racionalizar o que viram numa tentativa de aliviar a ansiedade.

    Yumiko fez a mesma coisa quanto sua experincia com a evocao do demnio na sala de informtica.

    Naquela noite, Nakajima disse que evocou um demnio usando o computador. Mas ao pensar bem a respeito, no havia nenhuma prova concreta de que o que ela viu era mesmo um demnio. Com uma boa habilidade com grficos de computador, aqueles efeitos podiam ser feitos facilmente. Quanto quela fera demonaca, Yumiko s o viu por um instante. Era muito mais provvel que fosse apenas um cachorro grande que Nakajima havia deixado de guarda, e o medo e a surpresa de Yumiko a engambelaram, fazendo-a imaginar um monstro apavorante. Nakajima pode at ser um louco capaz de qualquer coisa, mas a cerimnia toda pode no ter passado de algo que ele e seus seguidores inventaram. Nakajima provavelmente s estava liderando alguma espcie de clube de magia ou ocultismo.

    Conforme os dias foram passando sem intercorrncias, foi assim que Yumiko comeou a pensar na experincia. A classe dos talentosos do Colgio Jusho ainda no era um lugar onde ela se sentia totalmente vontade, mas pelo menos ela conseguiu fazer alguns amigos e se divertir como uma garota normal da sua idade.

    Mesmo assim, no havia dvida de que Nakajima parecia ter algum tipo de autoridade sobre a escola. Ultimamente ele passava todo o seu tempo enfiado na sala de informtica, e raramente aparecia nas aulas. Ela s o via quando eles tinham aula na sala de informtica, e mesmo assim ele ignorava a aula completamente, mexendo no seu computador o tempo todo.

    Fosse como fosse, com certeza havia algo errado. Mas sempre que Yumiko tentava falar sobre Nakajima com seus amigos, eles se afastavam ou mudavam de assunto. Mas no parecia que eles no gostavam de Nakajima. O silncio deles parecia mais uma espcie de medo ou respeito, como se no pudessem encontrar as palavras certas para usar ao falar de uma pessoa to importante.

    Bom, que se dane. No tem nada a ver comigo mesmo... Embora Yumiko conseguisse explicar a situao dessa maneira

    para si mesma, no conseguia deixar de ficar agitada sempre que lembrava do ocorrido.

    Era uma manh de julho, perto do incio das frias de vero.

  • Yumiko atravessava a rodovia entre a Estao Kuniritsu e a Universidade Hitobashi toda manh para chegar escola. Os galhos das rvores se esticavam at o limite para suas folhas absorverem a luz do Sol, e enquanto caminhava sob as filas de rvores ginko de folhas desbotadas, Yumiko esfregou os olhos sonolentos e pensou no telefonema que recebeu na noite anterior.

    Aconteceu quando ela estava lavando a loua depois do jantar. Sua me atendeu o telefone casualmente, e pouco depois a chamou.

    - Yumiko, algum chamado Yamanaka. Voc j arranjou um namorado?

    - Yamanaka...? enquanto vasculhava a mente, se perguntando se tinha algum colega com esse nome, Yumiko se dirigiu ao telefone.

    - Com certeza deve ser alguma mensagem da escola. improvisou Yumiko. Ainda pensando em quem poderia ser, ela demorou um pouco para atender.

    - Al, aqui a Yumiko. ... O som de uma respirao fraca era tudo que se podia ouvir do

    outro lado. - Al? - No saia de casa a partir de amanh. de repente, uma voz

    apressada soou no ouvido de Yumiko. Por um instante, ela pensou que a voz parecia a de Nakajima, mas no tinha certeza.

    - Al, quem ? - Ele est atrs de voc. melhor voc sumir por uns tempos. o

    tom de voz era de urgncia. Mas isso s deixava tudo mais suspeito, e enquanto Yumiko tentava decidir como responder, percebeu que sua me tinha parado de lavar as louas e a estava observando com um olhar suspeito.

    - Podemos conversar sobre isso amanh, na escola. disse Yumiko calmamente.

    Houve um barulho brusco quando o telefone foi desligado do outro lado.

    - O que foi? - perguntou a me de Yumiko. - Nada. s vezes, ser popular um saco. - distraindo sua me com

    uma resposta ininteligvel, Yumiko tentava se lembrar melhor da voz de Nakajima.

    Estudantes de jeans azuis e camisas brancas passavam por

    Yumiko, discutindo seus planos para as frias de vero. Um deles, que carregava um violo na mo esquerda, esbarrou nela.

  • - Ah, desculpa! - quando Yumiko olhou para ele, o estudante sorriu timidamente para ela, mas ela simplesmente o ignorou e olhou para o outro lado.

    "Pode mesmo ter sido o Nakajima..." Yumiko no teve certeza na hora, mas pensando melhor depois,

    ela ficou com uma forte impresso de que a pessoa misteriosa que a ligou era Nakajima.

    Mas se era assim, o que ele estava tentando dizer? A voz no telefone parecia muito sria. Estava cheia de desespero, quase como algum tentando escapar de um perseguidor.

    O que poderia ter acontecido com ele? Depois do telefonema, Yumiko tentou se preparar para a aula do

    dia seguinte, mas, mesmo tentando se concentrar nos livros, ela continuava projetando o olhar de Nakajima enquanto olhava as pginas, e no absorvia nenhuma informao. No apenas ela no conseguiu estudar, mas, pensando sem parar no telefonema, Yumiko mal pregou o olho. Ela estava at com dor de cabea de tanto sono.

    Yumiko virou esquerda depois da Universidade e cruzou os portes da escola. Naquele instante, um arrepio subiu pela sua espinha e ela ficou toda arrepiada. Se perguntando o que tinha acontecido, ela olhou ao redor e percebeu que Ohara a estava olhando pela janela da sala dos professores. Seus olhos profundamente negros emanavam algo de sinistro, quase sobrenatural at, e observavam cada movimento de Yumiko. Absorta no olhar, Yumiko comeou a andar desconcertada, e um estudante de bicicleta esbarrou nela.

    - Ei, cuidado! - a bicicleta acelerou e o estudante desapareceu ao longe.

    Se recompondo, Yumiko olhou novamente para a janela da sala dos professores, mas Ohara no estava mais l. Enquanto a infinidade de alunos adentrava a escola, alguns se viravam e olhavam sem entender para Yumiko, que estava parada como um poste no meio do ptio.

    "O que voc est fazendo? Nem parece voc!" - se repreendendo, Yumiko correu para dentro da escola.

  • Captulo 3-2 Yumiko correu at a sala de aula e conseguiu se sentar antes do

    sinal tocar. Logo depois a professora Ohara entrou na sala com o seu rosto calmo de sempre. Yumiko a viu daquele jeito descontrolado naquela noite na sala de informtica, mas mesmo antes disso, as duas nunca se deram bem. Olhando para baixo, como que para no fazer contato visual com ningum, Ohara instruiu os alunos a irem para a sala de informtica.

    "A sala de informtica para uma aula de literatura japonesa clssica? O que ela pretende fazer l?"

    Pela experincia de Yumiko, o sistema de informtica do Colgio Jusho s era usado para cincias, matemtica e ingls. Por que eles precisariam de computadores para uma aula de literatura?

    No prestando ateno na dbia Yumiko, os colegas de classe fecharam os livros e se levantaram, deixando as canetas nas mesas. Yumiko instintivamente olhou para trs para ver se Nakajima estava na aula, mas a mesa dele estava vazia, e parecia que ele nem tinha chegado na escola ainda.

    "Ele est atrs de voc. melhor voc sumir por uns tempos." De repente, Yumiko lembrou das palavras da misteriosa conversa por telefone na noite anterior. Uma gota de suor frio escorreu pelo seu pescoo.

    - Tudo bem, Yumiko? - o chamado da sua amiga, Miyuki Kanno, a tirou do transe. Os grandes olhos negros de Miyuki brilhavam de maneira incomum.

    - Ei, Yumiko, nada de matar aula, heim? - No, que no estou me sentindo bem. - Vamos, vamos! - Miyuki estava estranhamente entusiasmada,

    agarrando Yumiko pelo brao e a levantando da cadeira. Naquele momento, Ohara se aproximou das duas.

    - Srta. Shirasagi, voc parece plida. Quer descansar um pouco na enfermaria? - ela falou de um jeito que parecia gentil at demais.

    - Est tudo bem, professora. Eu vou ficar por perto pra garantir que nada acontea! - com um gesto grandioso, Miyuki deu um tapinha no ombro de Yumiko. Os outros alunos ignoravam a conversa e continuavam saindo da sala. Mas Yumiko sentiu que havia algo estranho no modo como eles estavam andando.

    "Eles no esto normais!" Um arrepio correu pela espinha de Yumiko, e Miyuki apertou a

    mo dela com mais fora.

  • - Eu estou bem, Miyuki. Posso andar sozinha. - apesar das palavras confiantes, a voz de Yumiko estava trmula. Ela estava determinada a se soltar de Miyuki e sair correndo assim que sasse da sala de aula, mas no instante em que colocou o p do lado de fora, uma multido de alunos homens a cercou.

    - Vamos, vamos. - apressando Miyuki, Takai olhava para nenhuma direo especfica. Quando se deu conta, Yumiko estava no meio de um crculo de colegas de classe. Miyuki continuava a segurar firmemente o brao dela. Seu corpo delicado ocultava uma fora absurda.