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DANEY Travelling de Kapo

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 0lia insuficiente /, um +argão e mitos tena3es, atalhas de id!ias erevistas em guerra. ;s guerras estavam quase acaadas e n)s chegamoscertamente um pouco tarde, mas não tarde demais para nutrir opro+eto tácito de nos reapropriar de toda essa hist)ria que não tinhaainda a idade do s!culo.Ser cin!filo era simplesmente ingurgitar, paralelamente ao do col!gio,um outro programa escolar, calcado sore o primeiro. 6om os 6ahiersamarelos como linha de demarca#ão e alguns passadores adultos que,com a discri#ão dos conspiradores, nos queriam di3er que havia lá um

mundo a descorir e talve3 nada menos que o mundo onde morar.Henri ;gel / professor de letras no 6ol!gio <oltaire / foi um dessespassadores singulares. (ara evitar / para ele e para n)s / a origa#ãodos cursos de latim, ele sumetia ao voto a escolha seguinte2 ou passaruma hora lendo um teto de Aito-0vio ou ver filmes. ; turma, que votava no cinema, sa0a normalmente pensativa e enganada do vetustocineclue. (or sadismo e sem d*vida porque possu0a as c)pias, ;gelpro+etava pequenos filmes pr)prios a seriamente tirar a ingenuidadedos adolescentes. Eram Le !ang "es B#tes de "ran+u e soretudo $oitee $eblina de 5esnais. "oi então pelo cinema que eu soue que acondi#ão humana e o a#ougue industrial não eram incompat0veis e queo pior tinha acaado de acontecer.

Suponho ho+e que ;gel, para quem @al se escrevia com letramai*scula, adorava espiar nos olhos dos adolescentes do segundo grauos efeitos dessa singular revela#ão, porque era disso que se tratava.Devia haver uma parte de voyeurismo nesse modo rutal de transmitir,pelo cinema, esse saer macaro e inevitável que n)s fomos a primeiragera#ão a herdar asolutamente. 6ristão pouco sectário, militantesoretudo de elite, ;gel mostrava, tam!m. Ele tinha esse talento. Elemostrava porque para ele era necessário. E porque a culturacinematográfica no 6ol!gio, pela qual ele militava, passava tam!m poressa triagem silenciosa entre aqueles que não esqueceriam mais $oitee $eblina e os outros. Eu não fa3ia parte dos 8outros:.K K KPma ve3, duas ve3es, trs ve3es, segundo os caprichos de ;gel e oscursos de latim sacrificados, eu oservei os c!leres empilhamentos decadáveres, os caelos, os )culos e os dentes. Eu ouvi o comentáriodesolado de 4ean 6ayrol na vo3 de @ichel ?ouquet e a m*sica deHanns Eisler que parecia odiar eistir. Estranho atismo de imagens2compreen"er ao mesmo tempo %ue os campos eram ver"a"eiros e%ue o &ilme era 'usto. E que o cinema / ele so3inho / era capa3 deacampar nos limites de uma humanidade desnaturada. Eu sentia queas dist=ncias estaelecidas por 5esnais entre o assunto filmado, osu+eito filmante e o su+eito espectador eram, em 1$N$ como em 1$NN, os

*nicos poss0veis.  $oite e $eblina, um 8elo: filme Jão, um filme 'usto. "oi Kapò que quis ser um filme elo e não foi. E fui eu quem +amais faria a diferen#a entre o +usto e o elo. E da0 o t!dio, nemmesmo 8distinto:, que foi sempre o meu diante das elas imagens.6aptado pelo cinema, eu não tinha a necessidade / al!m disso / de sersedu3ido. E tam!m não tive a necessidade de que me falassem comose fosse e. Iuando crian#a, eu não vi nenhum filme de Galt Disney. ;l!m disso, quando fui diretamente para a escola comunal, fiqueiorgulhoso de ter sido poupado da gritaria maternal das creches. (ior2 o

desenho animado seria sempre para mim outra coisa que não cinema.(ior ainda2 o desenho animado seria ainda um pouco o inimigo.Jenhuma 8ela imagem:, a &ortiori  desenhada, tinha a mesma emo#ão/ terror e tremor / diante das coisas  &ilma"as. E tudo isso que me !tão simples e que me foi preciso tantos anos para formularsimplesmente, devia come#ar a sair dos limos diante das imagens de5esnais e do teto de 5ivette. Jascido em 1$, dois dias antes dodesemarque aliado, eu tinha a idade de descorir ao mesmo tempo omeu cinema e a minha hist)ria. Hist)ria curiosa que por muito tempoeu acreditei partilhar com outros antes de perceer / em tarde / queera apenas a minha.K K K

Iue sae uma crian#a E essa crian#a Serge D. que queria saer tudomenos aquilo que lhe di3ia respeitoN propriamente So que fundo deausncia no mun"o a presen#a das imagens "o mun"o  seráposteriormente requerida 6onhe#o poucas epressQes mais elas quea de 4ean ouis Schefer quando, em L()omme Or"inaire "u *inéma ,ele fala dos 8filmes que oservaram nossa inf=ncia:. (orque uma coisa! aprender a ver os filmes 8profissionalmente: / para verificar que sãoeles que nos di3em respeito cada ve3 menos / e uma outra ! viver comaqueles que nos oservaram crescer e que n)s vimos, ref!ns precocesde nossa iografia a vir, +á presos nas redes de nossa hist)ria.  +sicose, A ,oce i"a, O !epulcro .n"iano, On"e *ome/a o .n&erno, +ickpocket , Anatomia "e um *rime,  A $ova !aga "o *l0 Taira  ou, +ustamente, $oite e $eblina1 não são para mim filmes como os outros. R questão rutal 8Msso te di3 respeito:, eles todos me respondem que sim.

5 85egarder:2 o teto traalha com um du plo sentido do vero2 ao mesmo tempo8olhar, oservar: e 8interessar, enga+ar, di3er respeito:. 6omo tradu3ir tudo como8olhar, oservar: criaria deforma#Qes terr0veis de constru#ão, preferimos traalharcom 8oservar: e 8di3er respeito:, avisando o leitor que em francs se trata da mesmapalavra.6 "ilmes, respectivamente, de ;lfred Hitchcoc B1$%&, "ederico "ellini B1$%&, "rit3ang B1$NT, HoUard HaUs B1$%&, 5oert ?resson B1$N$, Otto (reminger B1$%&,Ven+i @i3oguchi B1$NN e ;lain 5esnais B1$NN.

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Os corpos de $oite e $eblina e, dois anos mais tarde, os dos primeirosplanos de  )iroshima 2on Amour  são dessas coisas que meoservaram mais do que eu as vi. Eisenstein tentou produ3ir imagensassim mas foi Hitchcoc, ele, quem conseguiu. 6omo / e isso ! apenasum eemplo / esquecer o primeiro encontro com  +sicose J)shav0amos entrado escondidos no (aramount Opera e o filme nosaterrori3ava da forma mais normal do mundo. E depois, perto do fim,tem uma cena sore a qual a minha percep#ão desli3a, uma montagemapressada em que s) aparecem acess)rios grotescos2 um roupão

cuista, uma peruca que cai, uma faca em mãos. ;o terror vivido emcomum sucede então a calma de uma solidão resignada2 o c!rerofunciona como um segundo aparelho de pro+e#ão que deiaria estendera imagem, deiando o filme e o mundo continuar sem ele. Eu nãoimagino amor pelo cinema que não se apoie sore o presente rouadodesse 8continuem sem mim:.K K KIuem não viveu esse estado Essas lemran#as-telas, quem não asconheceu Mmagens não identificadas se inscrevem sore a retina,acontecimentos desconhecidos fatalmente ocorrem, palavrasproferidas tornam-se a cifra secreta de um imposs0vel saer de simesmo. Esses momentos de 8não vi não peguei: são a cena primitiva

do amador de cinema, aquela em %ue ele n0o estava %uan"o s3 setratava "ele. Jo sentido em que (aulhan fala da literatura como deuma eperincia do mundo 8quando n)s não estamos lá: e acan 8doque falta ao seu lugar:. O cin!filo ;quele que arregala em vão os olhosmas que não dirá a ningu!m que ele nada  p4"e ver. ;quele que preparapara si uma vida de 8oservador: profissional. Hist)ria de fa3er seuatraso, de 8se refa3er: e de se fa3er. O mais lentamente poss0vel."oi assim que a minha vida teve seu ponto 3ero, segundo nascimento vivido como tal e imediatamente comemorado. ; data ! conhecida, e !sempre 1$N$. L / coincidncia / o ano do c!lere 8<oc não viu nadaem Hiroshima: de Duras. J)s sa0mos de  )iroshima 2on Amour,minha mãe e eu, siderados os dois / n)s não !ramos os *nicos /porque n)s +amais hav0amos pensado que o cinema fosse capa3 8disso:.E sore a plataforma do metrW, eu perceo enfim que diante da questãofastidiosa > qual eu não sei mais o que responder / 8o que ! que voc vai fa3er da vida: / eu dispunha minutos depois de uma resposta.8@ais tarde:, de uma forma ou de outra, seria o cinema. Eu tam!mnunca fui avarento quanto aos detalhes desse cine-nascimento. )iroshima, a plataforma do metrW, minha mãe, o fim do Studio des ;griculteursC e suas poltronas duplas serão mais de uma ve3 evocados

7 Sala de cinema parisiense, ho+e etinta.

como a decora#ão legendária da oa origem, aquela que podemosescolher.K K K5esnais !, eu ve+o isso muito em, o nome que religa essa cenaprimitiva em dois anos e trs atos. L porque  $oite e $eblina tinha sidoposs0vel que Kapò nascia caduco e que 5ivette pWde escrever seu artigo.Entretanto, antes de ser o prot)tipo do cineasta 8moderno:, 5esnais foipara mim mais um passador. Se ele revolucionava, como se di3ia na!poca, a 8linguagem cinematográfica:, ! porque ele se contentava em

levar seu tema a s!rio e porque ele teve a intui#ão, quase a sorte, dereconhecer esse tema entre todos os outros2 nada menos que a esp!ciehumana tal como ela havia sa0do dos campos na3istas e do traumaatWmico2 aismada e desfigurada. Aam!m houve sempre alguma coisade estranho no modo como eu me tornei em seguida o espectador umpouco entediado dos 8outros: filmes de 5esnais. @e parecia que assuas tentativas de revitali5ar um mundo, cu+a doen#a s) ele tinharegistrado a tempo, estavam destinadas a s) produ3ir mal-estar.Jão !, então, com 5esnais que eu farei a viagem do cinema 8moderno:e seu futuro, mas sim com 5ossellini. Jão seria com 5esnais que asli#Qes de coisas e de moral serão aprendidas de cor e declinadas, massempre com 'odard. (or qu (rimeiramente porque 'odard e

5ossellini falaram, escreveram, refletiram em vo3 alta e que, aocontrário, a imagem de 5esnais como estátua do comandante, estáticoem sua +aqueta e pedindo / com sentido mas em vão / que as pessoasacreditem nele quando ele di3ia que não era um intelectual, acaou porme irritar. Aeria eu assim me 8vingado: do papel que dois de seusfilmes fi3eram ao 8levantar a cortina: da minha vida 5esnais era ocineasta que me havia tirado a inf=ncia ou que, principalmente, haviafeito de mim, e por trs d!cadas, uma crian#a s!ria. E foi +ustamenteele, com o qual, adulto, eu +amais trocaria nada. Eu me lemro que, nofim de uma entrevista / no lan#amento de  La ie 6st un 7oman /, euachei que seria om falar a ele do choque de  )iroshima 2on Amourem minha vida, ao que ele me agradeceu com um ar afetado elong0nquo, como se eu tivesse falado em de sua nova capa de chuva.@e senti humilhado mas eu estava errado2 os filmes 8que oservaramnossa inf=ncia: não são partilháveis, nem mesmo com o seu autor.K K K ;gora que esta hist)ria está terminada e que eu +á tive mais do que aminha parte do 8nada: que havia para ver em Hiroshima, eu me colocofatalmente a questão2 poderia ter sido de outra forma Haveria, diantedos campos de concentra#ão, uma outra +uste3a poss0vel que a do anti-espetáculo de  $oite e $eblina Pma amiga evocava recentemente odocumentário de 'eorge Stevens, reali3ado no fim da guerra,

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enterrado, eumado, e depois recentemente mostrado pela televisãofrancesa. (rimeiro filme que registrou a aertura dos campos em cores,e suas cores mesmo fa3em oscilar / sem a+e#ão alguma / na arte. (orqu ; diferen#a entre as cores e o preto e ranco Entre os EstadosPnidos e a Europa Entre Stevens e 5esnais O que ! magn0fico nofilme de Stevens ! que se trata ainda de uma narrativa de viagem2 aprogressão diária de um pequeno grupo de soldados filmadores ecineastas  &l8neurs  atrav!s da Europa destru0da, de Saint-W arrasadaat! ;uschUit3 que ningu!m havia previsto e que pertura a equipe. E

depois, me di3 minha amiga, os empilhamentos de cadáveres tm uma ele3a estranha que fa3 pensar na grande pintura desse s!culo. 6omosempre, Sylvie (.T tinha ra3ão.O que eu compreendo ho+e ! que a ele3a do filme de Stevens ! menoso fato da +uste3a da dist=ncia achada do que a inocncia do olharportado. ; +uste3a ! o fardo do que vem 8depois: a inocncia ! a gra#aterr0vel concedida >quele que vem primeiro. ;o primeiro que eecutasimplesmente os gestos do cinema. Seria necessário o meio dos anossetenta para reconhecer no  !alò de (asolini ou mesmo no  )itler deSyererg o outro sentido da palavra 8inocncia:. @enos o não-culpável do que aquele que, filmando o @al, não pensa mal. Em 1$N$,eu +á estava tomado, menino +á ostinado em sua descoerta, na

partilha da culpailidade de todos. @as em 1$N, astava talve3 seramericano e assistir, como 'eorge Stevens ou o cao Samuel "uller,em "alenau, > aertura das verdadeiras portas da noite, a c=mera namão. Era necessário ser americano / ou se+a, crer na inocnciaaali3ada do espetáculo / para fa3er desfilar a popula#ão alemã diantedas sepulturas aertas, para lhe mostrar aquilo ao lado do qual elatinha vivido, tão em e tão mal. Era necessário que fosse de3 anosantes que 5esnais se colocasse > mesa de montagem  e quin3e anosantes que (ontecorvo acrescentasse esse pequeno movimento a maisque muito nos revoltou, a 5ivette e a mim. ; necrofilia era então opre#o desse 8atraso: e o forro er)tico do olhar 8+usto:, o da Europaculpada, o de 5esnais2 e por via de conseqXncia, o meu."oi esse o primeiro peda#o de minha hist)ria. O espa#o aerto pelafrase de 5ivette era eatamente o meu, como era +á minha a fam0liaintelectual dos 6ahiers du 6in!ma. @as esse espa#o era, eu deviaperceer, menos um vasto campo do que uma porta estreita. 6om, dolado nore, esse go3o da dist=ncia +usta e seu inverso de necrofiliasulime ou sulimada. E, do lado não-nore, a possiilidade de umgo3o outro e insulimável. "oi 'odard que, me mostrando algumas

8 Sylvie (ierre, antiga redatora dos 6ahiers du 6in!ma. an#ou, pela Ed. 6ahiers du6in!ma, 9lauber 7ocha, editado no ?rasil pela Ed. (apirus.

fitas de 8pornW concentracional: apertadas num canto de sua videotecade 5olle, se espantou um dia que ao encontro de tais filmes nenhumdiscurso tenha sido criado ou nenhuma interdi#ão pronunciada. 6omose a aie3a de inten#Qes de seus faricantes e a trivialidade dosfantasmas de seus consumidores os 8protegessem: de qualquer formada censura e da indigna#ão. (rova que do lado da sucultura perduravaa surda reivindica#ão de um entrela#amento origat)rio entre oscarrascos e as v0timas. ; eistncia desses filmes +amais efetivamenteme incomodou. Eu tinha em rela#ão a eles / como a todo cinema

aertamente pornográfico / a toler=ncia quase polida que se temdiante da epressão da fantasia quando ela está tão nua que elareivindica simplesmente a monotonia de sua repeti#ão necessária.Seria a outra pornografia / aquela, 8art0stica:, de  Kapò, como maistarde a de O +orteiro "a $oite e outros produtos retrW dos anos setenta/ que sempre me revoltaria. R esteti3a#ão consensual do ap)s, eupreferiria o retorno ostinado das não-imagens de  $oite e $eblina, oua prolifera#ão pulsional de um qualquer Louve che5 les !:!: que eu não veria. Esses filmes tinham ao menos a honestidade de dar-se conta deuma mesma impossiilidade de contar, de um mesmo ponto desuspensão no desenrolar da Hist)ria, quando o relato se coagula ou seemala a vácuo. Jão ! nem de amn!sia ou de recalque que se deve

falar, mas de  &oraclus0o. "oraclusão cu+a defini#ão mais tarde euaprendi2 retorno alucinat)rio no real daquilo sore o qual não foiposs0vel dar um 8+ulgamento de realidade:. Dito de outra forma2porque os cineastas não filmaram em seu tempo a pol0tica de <ichy,seu dever, cinqXenta anos mais tarde, não ! se compensarimaginariamente a golpes de A"eus 2eninos mas sim de tirar o retratoatual desse om povo da "ran#a que, de 1$& at! 1$7, ando de <el9d9Hiv inclu0do, não se meeu. Sendo o cinema a arte do presente,seus remorsos são desinteressantes.L porque o espectador que eu fui diante de $oite e $eblina e o cineastaque, com esse filme, tentou mostrar o irrepresentável, eram ligados poruma simetria c*mplice. Se+a o espectador que logo 8falta ao seu lugar:e pára quando o filme continua. Ou se+a o filme que, em ve3 de8continuar:, se desdora sore si mesmo e sore uma imagemprovisoriamente definitiva que permita ao su+eito-espectador continuara acreditar no cinema e ao su+eito-cidadão a viver sua vida. Suspensãosore o espectador, suspensão sore a imagem2 o cinema entrou emsua idade adulta. ; esfera do vis0vel deiou de estar inteiramentedispon0vel2 há ausncias e uracos, há cavidades necessárias e cheiossup!rfluos, imagens para sempre faltantes e olhares para sempredesfalecidos. Espetáculo e espectador param de +ogar a ola um para ooutro. "oi assim que, tendo escolhido o cinema, reputado como 8arte

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dois movimentos irreconciliáveis e produ3ir um sentimento dilacerantede 8não-assistncia > pessoa em perigo:. Sentimento moderno porecelncia, precedendo quin3e anos somente os grandes travellingsimpávidos de <eek-6n" . Sentimento arcaico tam!m, porque essacrueldade era tão velha quanto o pr)prio cinema, como um 0ndice doque era fundamentalmente moderno nele, do *ltimo plano de  Lu5es "a*i"a"e at! O 2onstro "o *irco de ?roUning, passando pelo fim de $ana=. 6omo esquecer o lento travelling tremido que fa3 o +ovem5enoir diante de Jana em sua cama, agoni3ante e sofrendo de var0ola

6omo fi3eram / insurgiam-se os ratos de cinemateca que n)s nostornamos / para ver em 5enoir um poeta da vida eata, quando ele foium dos raros cineastas capa3es, desde o come#o, de terminar umpersonagem a golpes de travellingDe fato, a crueldade estava na l)gica do meu percurso do comatente6ahiers. ;ndr! ?a3in, que +á lhe fi3era a teoria, achava-a tãoestreitamente ligada > essncia do cinema que ele quase fe3 dela a 8suacoisa:. ?a3in, esse santo laico, adorava  Louisiana !tory  porque nofilme se via um pássaro ser comido por um crocodilo em tempo real eem um *nico plano2 prova pelo cinema e montagem proiida. Escolheros 6ahiers era escolher o realismo e, como eu acaaria por descorir,um certo despre3o pela imagina#ão. ;o 8<oc quer ver (ois em, ve+a

isso.: de acan respondia por antecipa#ão um 8Msso foi filmado (ois em, eu devo ver.: @esmo e soretudo quando 8isso: era penoso,intolerável ou decididamente invis0vel.(ois esse realismo tinha duas faces. Se foi pelo realismo que osmodernos mostravam um mundo são e salvo, foi por um realismocompletamente diferente / mais uma 8real0stica: / das propagandasfilmadas dos anos quarenta tinham colaorado > mentira e prefiguradoa morte. Eis porque era +usto, apesar de tudo, chamar o primeiro dosdois, nascido na Mtália, de 8n!o:. Mmposs0vel amar 8a arte do s!culo:sem ver essa arte traalhando segundo a loucura do s!culo e sendotraalhada por ela. 6ontrariamente ao teatro / crise e cura coletivas /,o cinema / informa#ão e luto pessoais / tinha intimamente a ver com

o horror do qual ele apenas derivava. Eu herdava de um convalescenteculpado, de uma crian#a envelhecida, de uma hip)tese mantida. J)senvelhecer0amos +untos, mas não eternamente.K K KHerdeiro consciencioso, cine-filho modelo, com o 8travelling de  Kapò:como amuleto protetor, eu não deiava passar os anos sem uma surdaapreensão2 e si o amuleto perdesse sua eficácia Eu me lemro, como

9 *ity Lights de 6harles 6haplin B1$F1, The >nkno?n de Aod ?roUning B1$7C e $ana de 4ean 5enoir B1$7%

professor de 6ensier-(aris MMM, ter fotocopiado o teto de 5ivette, t-lodistriu0do a meus alunos e pedir-lhes a opinião. Era uma !poca ainda8vermelha: onde alguns alunos tentavam recolher com seusprofessores um pouco da radicalidade pol0tica de %T. @e pareceu que,por considera#ão a mim, os mais motivados entre eles consentiam em ver em 8Da a+e#ão: um documento hist)rico interessante mas +ádatado. Eu não os questionei sore suas rea#Qes, e se por aventura eurepetisse a eperincia com estudantes de ho+e, eu não me espantariaem saer se ! sore o travelling que eles vão discutir, mas eu teria

muito interesse em saer se eiste para eles um @n"ice qualquer dea+e#ão. (ara di3er tudo, eu teria medo de que não houvesse. Signo quenão somente os travellings não tm mais nada a ver com a moral, masque o cinema está muito deilitado para ter em si uma tal questão.L que, trinta anos de pois das pro+e#Qes repetidas de  $oite e $eblinano 6ol!gio <oltaire, os campos de concentra#ão / que tinham meservido de cena primitiva / não estão mais congelados no respeitosagrado onde os mantinham 5esnais, 6ayrol e muitos outros. Entregueaos historiadores e aos curiosos, a questão dos campos prende-se agoraaos seus traalhos, suas divergncias e suas loucuras. O dese+oforaclu0do que retorna 8de modo alucinat)rio no real: ! aquele que nãodeveria +amais retornar. Dese+o de que não tivesse havido c=maras de

gás, nem solu#ão final e, no limite, nem campos2 revisionismo,faurissonismo1&,   negacionismo, sinistros e *ltimos -ismos. Jão !somente o 8travelling de  Kapò: que um estudante de cinema vaiherdar, mas uma transmissão mal resolvida, um tau mal tratado, logode um novo circuito na hist)ria nula da triali3a#ão do mesmo e dafoia do outro. ; suspensão sore a imagem parou de operar, a analidade do mal pode estimular novas imagens, eletrWnicas.Da "ran#a recente, surgem agora sintomas demais para que,retornando sore o que lhes foi dado viver como Hist)ria, algu!m daminha gera#ão tenha que tomar conscincia da paisagem na qual elecresceu. (aisagem trágica e, ao mesmo tempo, confortável. Doissonhos pol0ticos / o americano e o comunista / ali3ados por Yalta11.

 ;trás de n)s2 um ponto sem-volta moral simoli3ado por ;uschUit3 e oconceito novo de 8crime contra a humanidade:. Diante de n)s2 esseimpensável quase confortante que ! o apocalipse nuclear. Msso, quetermina de acaar, durou mais de quarenta anos. Eu perten#o de fato >primeira gera#ão para quem o racismo e o antissemitismo estavamdefinitivamente ca0dos nas 8latas-de-lio da Hist)ria:. ; primeira / e a

10 5eferncia a "aurisson, um dos messias do negacionismo acerca dos campos deconcentra#ão.11 6onferncia reali3ada em fevereiro de 1$N, iniciando o panorama geopol0tico dop)s-guerra.

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*nica ; *nica, em todo caso, que gritou facilmente a emergncia dofascismo / 8o fascismW-não- passarááááZ: / porque isso +á era coisa dopassado, nula e, uma ve3 por todas, +á acontecida. Erro, com certe3a.Erro que não impedia de em viver seus 8trintas gloriosos:, mas comoentre aspas. Mngenuidade, certamente, e ingenuidade tam!m de fa3ercomo se, no campo dito est!tico, a necrofilia elegante de 5esnaisgarantisse eternamente 8> dist=ncia: toda intrusão indelicada.8Jão há mais poesia depois de ;uschUit3:, declarou ;dorno, eposteriormente ele se desdisse sore essa f)rmula tornada c!lere.

8Jão há mais fic#ão depois de 5esnais:, poderia eu di3er em eco, antesde aandonar, tam!m eu, esta id!ia um pouquinho ecessiva.8(rotegidos: pela onda de choque produ3ida pela descoerta doscampos, será que n)s acreditamos que a humanidade havia ca0do /uma ve3 s), mas não seria retomado / no não-humano J)s fi3emos verdadeiramente a aposta de que, por uma ve3, 8o pior estavapr)imo: J)s t0nhamos a esse ponto esperado que o que não sechamava ainda Shoah fosse o acontecimento hist)rico nico 8gra#as:ao qual a humanidade inteira 8sairia: da hist)ria para sorepu+á-la uminstante e a0 reconhecer, evitável, o pior olhar de seu poss0vel destino(arece que sim.@as se 8*nico: e 8inteiro: eram ainda demais e se a humanidade não

herdava a Shoah como a metá&ora do que ela foi e continua capa3, oeterm0nio dos 4udeus continuaria uma hist)ria +udia, depois / porordem decrescente de culpailidade, por meton@mia  / uma hist)riamuito alemã, não tanto francesa, árae somente por ricochete, muitopouco dinamarquesa e quase nada *lgara. "oi na responsailidade dametáfora que respondia, no cinema, o imperativo 8moderno: depronunciar a suspensão sore a imagem e o emargo sore a fic#ão.Hist)ria de aprender a contar de outra forma uma outra hist)ria daqual a esp!cie humana seria o *nico personagem e a primeira anti-estrela. Hist)ria de parir um outro cinema, um cinema 8que saeria:que ir muito rápido do acontecimento para a fic#ão ! lhe tirar aunicidade, porque a fic#ão ! esta lierdade que esmigalha e que se are,

por antecipa#ão, ao infinito da variante e > sedu#ão do mentir- verdadeiro.Em 1$T$, via+ando pelo i!ration para (hnom (enh e para o campodo 6amo+a, eu entrevi o que 8parecia: um genoc0dio / e mesmo umauto-genoc0dio / que permaneceu sem imagens e quase sem vest0gios. ; prova de que o cinema não estava mais intimamente ligado > hist)riados homens, mesmo sore sua vertente da inumanidade, eu viaironicamente no fato de que, > diferen#a dos carrascos na3istas quefilmaram suas v0timas, os Vhmers vermelhos s) deiaram atrás delesfotografias e pilhas de ossos. Ora, ! na medida que um outro genoc0dio,

como o camo+ano, continuava sem imagens e impune que, por umefeito de contágio retroativo, a pr)pria Shoah entrara no reino dorelativo. 5etorno da metáfora loqueada > meton0mia ativa, dasuspensão sore a imagem > viralidade anal)gica. Msso se passou muitorápido2 desde 1$$&, a 8revolu#ão romena: incriminava assassinosindiscut0veis so as acusa#Qes tão fr0volas quanto 8posse ilegal dearmas de fogo e genoc0dio:. Audo, então, a refa3er Sim, tudo, masdessa ve3, sem o cinema. Da0 o luto.(orque n)s, induitavelmente, hav@amos acre"ita"o no cinema. Ou

se+a, n)s fi3emos tudo para não acreditar. L toda a hist)ria dos 6ahiersp)s-%T e de sua imposs0vel re+ei#ão do a3inismo. 6ertamente que nãoera questão de 8dormir numa ela cama: ou de incomodar ?arthesconfundindo o real e o representado. J)s !ramos evidentementeespertos demais para não inscrever o lugar do espectador naconcatena#ão significante ou para não descorir a ideologia tena3 so afalsa neutralidade da t!cnica. J)s !ramos inclusive cora+osos, (ascal ?.e eu, quando, diante de um anfiteatro aarrotado de esquerdistas rincalhQes, n)s gritávamos que um filme não 8se via:, que um filme8se lia:. ouváveis esfor#os para estar do lado dos não-oos.ouváveis e, ao menos para mis, vãs. <em sempre um momento emque ! necessário, apesar de tudo, pagar sua d0vida > caia da cren#a

c=ndida e ousar crer no %ue se v#.6ertamente, ningu!m ! origado a crer no que v / ! at! mesmoperigoso / mas ningu!m tam!m ! origado a sustentar o cinema. Lnecessário que ha+a risco e virtude / logo, valor / no fato de mostraralguma coisa a algu!m capa3 de olhar essa qualquer coisa. De queserviria aprender a 8ler: o visual e a decodificar as mensagens se nãocontinuava, m0nima, a mais indestrut0vel das convic#Qes2 que ver !apesar de tudo superior a não ver. E o que não ! visto a tempo não serámais visto verdadeiramente. O cinema ! a arte do presente. E se anostalgia quase não reside nele, ! porque a melancolia ! seu sustitutoinstant=neo.Eu me lemro da veemncia com a qual eu mantinha esse discurso pela

primeira e pela *ltima ve3. Era em Aeerã, numa escola de cinema.Diante dos +ornalistas convidados, Vhema[s V. e eu, havia fileiras de +ovens com a ara nascendo e fileiras de panos pretos / sem d*vida asmo#as. Os +ovens > esquerda e as mo#as > direita, segundo o aparthei" em vigor naquele pa0s. ;s questQes mais interessantes / aquelas dasmo#as / nos chegavam so a forma de papei3inhos furtivos. E foi vendo-as tão atentas e tão estupidamente curvadas que eu me deieiguiar por uma c)lera que não visava a elas, e sim a todas as pessoas dopoder para quem o vis0vel era primeiramente o que deveria ser lido, ouse+a, suspeito de trai#ão e redu3ido com a a+uda de um chador ou de

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uma pol0cia de signos. Mncitado pela estranhe3a do momento e do lugar,pus-me a fa3er um sermão pelo visual para um p*lico curvado quetinha a opinião do chefe.6)lera tardia. 6)lera terminal. (orque a era da suspeita +á estava maisque acaada. Jão se suspeita a não ser quando uma certa id!ia da verdade está em +ogo. Msso ho+e não eiste mais, a não ser nosintegristas e nos eatos, aqueles que ficam procurando confusão com o6risto de Scorsese ou a @aria de 'odard. ;s imagens não estão maisdo lado da verdade dial!tica do 8ver: e do 8mostrar:, elas passaram

inteiramente para o lado da promo#ão, da pulicidade, ou se+a, dopoder. L então tarde demais para não come#ar a traalhar sore o querestou disso, a saer, a lenda p)stuma e dourada do que foi o cinema.Do que foi e do que poderia ter sido. 8Josso traalho será mostrarcomo os indiv0duos, reunidos em multidQes no escuro queimavam seuimaginário para aquecer o real / era o cinema mudo. E como elesacaaram por deiar a chama se apagar ao ritmo das conquistassociais, contentando-se em mant-la em fogo aio / e esse ! o cinemafalado, e a televisão num canto do quarto.: Iuando ele fa3 esseprograma para si / no inverno de 1$T$ / o historiador 'odard poderiaacrescentar2 8Enfim s)Z:.Iuanto a mim, eu me lemro do momento preciso em que eu soue

que o aioma 8travelling de  Kapò: deveria ser revisto e o conceito-chave de 8cinema moderno: revisado. Em 1$C$, a televisão francesaeiiu o folhetim americano de @arvin 6homsy, )olocausto. O fim seencetava, me remetendo a todos os casos do come#o. (orque, se osamericanos permitiram a 'eorge Stevens reali3ar em 1$N osurpreendente documentário citado anteriormente, eles, por causa da'uerra "ria, +amais o eiiram. Mncapa3es de 8tratar: desta hist)riaque, afinal de contas, não era a deles, os empreendedores de espetáculoamericanos deiaram o assunto nas mãos dos artistas europeus. @aseles tinham sore ela, como sore toda hist)ria, um direito depreemp#ão e cedo ou tarde a máquina tele-hollyUoodiana ousariacontar a 8nossa: hist)ria. Ela o faria com todos os cuidados do mundo

mas ela não poderia deiar de nos vend-la como uma hist)riaamericana a mais. )olocausto seria então o sofrimento que acontececom uma fam0lia +udia, que a separa e aniquila2 haveria figurantes a darcom o pau, atores interpretando pap!is, um humanismo en!rgico,cenas de a#ão e melodrama. E as pessoas se compadeceriam.L então unicamente so a forma do docudrama > americana que essahist)ria poderia sair dos cineclues e, via televisão, concernir esta versão servil da 8humanidade inteira: que ! o p*lico da mundovisão.6ertamente, a simula#ão- )olocausto não se aseava na estranhe3a deuma humanidade capa3 de crime contra ela mesma, mas ela

continuava ostinadamente incapa3 de fa3er ressurgir dessa hist)ria osseres singulares que foram, um a um, cada um com uma hist)ria, umolhar e um nome, os +udeus eterminados. S) seria uma hist)ria emquadrinhos / o do Spiegelman de 2aus / que ousaria, mais tarde, esseato salutar de ressingulari3a#ão. ; hist)ria em quadrinhos, e não ocinema, tanto ! verdade que o cinema americano detesta asingularidade. 6om  )olocausto, @arvin 6homsy fa3ia voltar,modesto e triunfal, nosso inimigo est!tico de sempre2 o grande postersociol)gico, com seu casting  em estudado de esp!cimes sofrendo e

seus sons e lu3es de retratos-roWs animados. O fim se encetava e n)shav0amos perdido. ; prova L mais ou menos nessa !poca quecome#am a circular / e a indignar / os escritos de "aurisson.K K K"oram-me então necessários vinte anos para passar do meu 8travellingde  Kapò: a esse  )olocausto irrepreens0vel. Eu +á tinha tido a minha!poca. ; 8questão: dos campos, a questão mesma de minha pr!-hist)ria, me seria ainda e sempre colocada, mas n0o mais através "ocinema. Ora, foi pelo cinema que eu entendi em que essa hist)ria medi3ia respeito, a que fim eu servia e so qual forma / um rápidotravelling sup!rfluo / ela me apareceu. L necessário ser leal com aorosto daquele que, um dia, nos deiou estupefato. E toda 8forma: ! um

rosto que nos olha. L por isso que eu nunca acreditei / mesmo se ostemesse / naqueles que, desde o cineclue do col!gio, destru0am comuma vo3 cheia de condescendncia esses pores loucos / e loucas / de8formalistas:, culpados de preferir ao 8conte*do: dos filmes o pra3er desua 8forma:. S) aquele que mira cedo demais sore a viol#ncia &ormal terminará saendo / mas ! preciso uma vida, a sua pr)pria / em queessa violncia, tam!m, tem um 8conte*do:. E o momento virá semprecedo demais para que ele morra curado, tendo dado em troca o enigmadas figuras singulares de sua hist)ria pelas analidades do 8cinema-refleo-da-sociedade: e outras questQes graves e necessariamente semresposta. ; forma ! dese+o, o conte*do ! somente a tela quando n)snão estamos mais dentro dela.

L o que eu me di3ia olhando, há alguns dias, um clip que entrela#ava,langorosamente, imagens de cantores verdadeiramente c!leres ecrian#as africanas verdadeiramente famintas. Os cantores ricos / 8Geare the children \ Ue are the UorldZ: / misturando suas imagens comas imagens dos esfomeados. De fato, eles tomavam seu lugar, assustitu0am, as eclipsavam. "undindo e encadeando estrelas eesqueletos em uma piscadela figurativa em que duas imagens tentamser apenas uma, o clip eecutava com eleg=ncia essa comunhãoeletrWnica entre Jorte e Sul. Eis então, me digo, a face atual da a+e#ãoe a forma melhorada do meu travelling de  Kapò. ;quelas que eu

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adoraria que desagradassem pelo menos um adolescente de ho+e, ouque ao menos elas lhe fi3essem sentir vergonha. Jão somente a vergonha de ser nutrido e provido, mas vergonha de ser consideradocomo ten"o %ue ser esteticamente se"u5i"o  lá onde tudo s) deriva daconscincia / mesmo má / de ser um homem e nada mais.E entretanto, termino eu de me di3er, toda a minha hist)ria está lá. Em1$%1, um movimento de c=mera esteti3ava um cadáver e, trinta anosmais tarde, uma s!rie de fusQes fa3 dan#ar os agoni3antes e os vips.Jada mudou. Jem eu, sempre incapa3 de ver o carnavalesco de uma

dan#a de morte ao mesmo tempo medieval e ultra-moderna. Jem asconcep#Qes dominantes do cromo em-pensante da 8ele3a:consensual. ; forma mudou um pouco. Em Kapò, era ainda poss0vel dereclamar de (ontecorvo por aolir rapidamente uma dist=ncia queseria necessário 8manter:. O travelling era imoral pelo motivo que elenos colocava lá onde n)s não estávamos. á onde eu, em todo caso, nãopodia nem queria estar. (orque ele me 8deportava: da minha situa#ãoreal de espectador e me transformava em testemunha me incluindofor#osamente no quadro. Ora, que sentido poderia ter a f)rmula de'odard senão que é necessário n0o se colocar lá on"e n0o se está;nem &alar em lugar "os outros.Mmaginando os gestos de (ontecorvo decidindo pelo travelling e

fa3endo o movimento com suas mãos, eu me irrito tanto mais porqueem 1$%1 um travelling representa ainda gruas, maquinaria, ou se+a, umesfor#o f0sico. @as eu imagino menos facilmente os gestos doresponsável pela s!rie de fusQes eletrWnicas de 8Ge ;re Ahe 6hildren:.Eu o imagino apertando otQes sore um console, a posse da imagemnos dedos, definitivamente separada daquilo / e daqueles / que elarepresenta, incapa3 de suspeitar que se possa odiá-lo por ser umescravo dos gestos automáticos. L que ele pertence a um mundo / atelevisão / em que, a alteridade tendo quase desaparecido, não há maisnem ons nem maus procedimentos em rela#ão > manipula#ão daimagem. Ela não ! nunca 8imagem do outro: mas imagem entre outrasno mercado das imagens de marca. E esse mundo que não me revolta

mais, que s) provoca em mim desgosto e inquietude, ! eatamente omundo 8sem o cinema:. Ou se+a, sem esse sentimento depertencimento > humanidade atrav!s de um pa@s suplementar;chama"o cinema. E o cinema, ve+o muito em porque o adotei2 paraque ele me adotasse de volta. (ara que ele me ensine a perceerincansavelmente pelo olhar a que dist=ncia de mim come#a o outro.Essa hist)ria, certamente, come#a e acaa nos campos porque eles sãoo caso limite que me esperava no come#o da vida e na sa0da da inf=ncia.

 ; inf=ncia, seria necessário uma vida para reconquistá-la. L por isso /mensagem para 4ean-ouis S.17 / que eu acaarei vendo Bambi .

12 4ean-ouis Schefer, te)rico de cinema francs, autor de 89Homme Ordinaire au6in!ma: e 8Du @onde et du @ovement des Mmages:.