46
Crise FinanCeira e Déficit Democrático 

Crise Financeira e Déficit Democrático

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 1/46

Crise FinanCeira e Déficit Democrático 

Page 2: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 2/46

1Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

UMa PUBLiCaÇÃO DO iBase

r J, j 2009

Page 3: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 3/46

2 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

aUTOres

Fernando J. Cardim de CarvalhoUniversidade Federal do Rio de Janeiro 

Jan Allen KregelThe Levy Economics Institute o Bard College 

OrganizaÇÃO

Fernanda L. de CarvalhoIbase 

COOrDenaÇÃO eDiTOriaL

Ana Bittencourt

Jamile ChequerPrODUÇÃO

Geni MacedoJuciara Cruz

TraDUÇÃO

Jones de Freitas

revisÃO

Flávia Leiroz

revisÃO FinaLAna BittencourtJamile Chequer

PrOjeTO gráFiCO e DiagraMaÇÃO

Guto Miranda

Participantes da iniciativa Liberalização Financeira e Governança Global: o Papel das Entidades Internacionais:

Aldo Caliari – EUAAlejandro Vanoli Long Biocca – Argentina Andrea Terzi – Itália Andrew Cornord – Suíça Arnaud Blin – França Bruno Jetin – França 

Cecília Alemany Billorrou – Uruguai Chad Dobson – EUAChalapurath Chandrasekhar – Índia Custódio Dumas – Moçambique Daniela Magalhães Prates – Brasil Demba Dembele – Senegal Gustavo Marin – França Iara Pietricovsky de Oliveira – Brasil Jorge Romano – Brasil Kevin Young – Reino Unido Kinda Mohamadieh – Líbano Marcos Antonio Macedo Cintra – Brasil Mario Tonveronachi – Itália Peter Wahl – Alemanha Renata Lins – Brasil Rick Rowden – EUARogério Sobreira – Brasil Stephany Grith-Jones – Reino Unido 

C fc df d 

Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Esta publicação oi apoiada por

The Ford Foundation

Esta publicação oi impressa em papel reciclado.

Coordenação: Fernando J. Cardim deCarvalho, Jan Allen Kregel, Fernanda L.de Carvalho

Distribuição dirigidaPedidos de exemplares:Ibase

Avenida Rio Branco, 124 / 8º andarCentro – CEP 20040-916Rio de Janeiro – RJTel.: 5521 2178-9400Fax: 5521 2178-9402E-mail: [email protected]: www.ibase.br

Page 4: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 4/46

3Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

sumo

5 apçã7 içã: a c c, c gó

df d 11 a c19 o c gçã24 rçõ c à c

Page 5: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 5/46

4 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

Page 6: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 6/46

5Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

aptção

Este é o segundo volume produzido pela iniciativa Liberalização fnanceira 

e governança global: o papel das entidades internacionais , iniciada emjulho de 2006, coordenada pelo Ibase e desenvolvida em parceria comespecialistas e ativistas de 13 países, com o apoio da Fundação Ford.

Seu objetivo é investigar o défcit democrático existente na operaçãodas instituições nanceiras internacionais e a proposição de alternativaspara superá-lo. Trata-se de uma iniciativa que quer ornecer instrumen-tos para organizações e movimentos sociais, parlamentares, governos depaíses em desenvolvimento, entre outros, na luta política de demandapor voz e infuência nas instituições que decidem a regulamentação a serseguida por instituições nanceiras em todo o mundo.

Essas decisões exercem um proundo impacto direto sobre a vidae o bem-estar das populações. Além disso, elas limitam a liberdade deescolha de políticas públicas, especialmente pelos governos dos paísesem desenvolvimento, que, no entanto, têm participação nula ou reduzidanos processos deliberativos dessas instituições.

O primeiro volume, Quem controla o sistema fnanceiro? , tratou dodéfcit democrático nas instituições internacionais voltadas para a ormu-lação de estratégias de regulação nanceira. Analisou-se a natureza dosprocessos de tomada de decisão e oram explicitados sua importância eos impactos de seu trabalho. Analisou-se principalmente as operações deinstituições pouco conhecidas pelo público em geral, mas de importânciacentral para a regulamentação do sistema bancário, como o Comitê deBasileia.

Page 7: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 7/46

6 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

Neste novo livreto, tratamos da alência do sistema regulatório quegerou a atual crise, que, pela sua magnitude, tem levado os governosdos países desenvolvidos a intervirem drasticamente nos mercados e nasinstituições nanceiras, algo inimaginável até há poucos meses.

No conteúdo, há breve descrição dos processos nanceiros que leva-ram à crise atual; analisamos as alhas regulatórias nesse processo; e, porm, tratamos de como as organizações da sociedade civil podem enren-tar essas questões, discutindo algumas alternativas de enrentamento dodéfcit democrático na operação de entidades como o Comitê de Basileia,tarea crucial no caminho para uma governança nanceira internacionalmais democrática.

Este é um momento privilegiado para promover mudanças e deve ser

explorado pelos movimentos e organizações sociais. É objetivo desta ini-ciativa contribuir para o desenvolvimento de capacidade analítica, entremilitantes e lideranças de movimentos e organizações da sociedade civil,ortalecendo assim sua postura crítica e ação política contra a globaliza-ção nanceira neoliberal.

Os coordenadores Fernando Cardim de Carvalho e Jan Kregel 

produziram este texto, aqui publicado, baseado nas inormações contidas nos trabalhos produzidos pelos(as) participantes desta iniciativa, assim como 

nos debates realizados em duas ofcinas. No entanto, a responsabilidade fnal sobre o texto é dos coordenadores. As análises produzidas pelos(as) 

vários(as) participantes estão disponíveis no Portal do Ibase <www.ibase.br>.

Page 8: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 8/46

7Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

itodução c c, c

gó df d 

Não importa como 2008 termine, ele será lembrado como o ano do

mais proundo pânico nanceiro do mundo desde a Grande Depressãoda década de 1930. Na verdade, é opinião comum e publicamente ex-pressa de analistas econômicos, uncionários governamentais, banquei-ros, nancistas e políticos que a crise nanceira de 2008 oi somenteo início de outra Grande Depressão. Em consequência, os governos demuitos países, incluindo Estados Unidos (EUA), Reino Unido e paísesda Europa Ocidental, América Latina e Ásia, anunciaram uma série de

intervenções governamentais diretas, com medidas até recentementeimpensáveis, como a nacionalização em grande escala de instituiçõesnanceiras e grandes pacotes de gastos públicos.

São bem conhecidas as causas imediatas da crise. À medida que sedesenvolvia o boom  imobiliário, cresciam os empréstimos hipotecárioscom planos de pagamento com taxas de juros ajustáveis para indivíduosque não tinham renda suciente, emprego regular ou riqueza que ga-rantisse os pagamentos. Essas hipotecas eram agrupadas por amplo es-

pectro de instituições nanceiras, incluindo bancos, constituindo títuloslastreados em ativos chamados de obrigações hipotecárias garantidas(CMOs, na sigla em inglês). Essas obrigações eram, então, vendidas aundos de investimentos e outras instituições nanceiras, assim comoa investidores institucionais, em um processo conhecido como securi- tização . Era preciso que esses ativos recebessem uma classicação degrau de investimento (acima de BBB+ ou Baa3) de uma agência declassicação de risco de crédito reconhecida nacionalmente para que

Page 9: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 9/46

8 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

pudessem ser adquiridos por instituições do mercado de capitais, comoundos de pensão, cujos investimentos estão restritos a esses ativos.

Em retrospecto, pode-se perguntar como os bancos, investidoresinstitucionais e agências de classicação de risco – todos com uncio-

nários altamente prossionais e muito bem remunerados – puderam seenganar tanto? Há muitas explicações, mas a maior parte delas é varia-ção da mesma ideia básica: um enorme racasso regulatório em todasas etapas do processo de securitização das hipotecas, envolvendo todo osistema nanceiro, que criou a primeira crise sistêmica desde a GrandeDepressão.

Se essa visão “consensual” or correta, então soreu um golpe atalo argumento de que a representação nas instituições internacionais que

tratam dos padrões e códigos da regulação nanceira deve ser restrita aum pequeno número de especialistas “técnicos” dos países nos quaisessa regulação está mais avançada. Como argumentamos em uma publi-cação anterior,1 essa opinião levou à criação de entidades internacionaisque lidam com os principais regulamentos nanceiros, como o Comitêde Basileia de Supervisão Bancária, e nas quais a participação é alta-mente restrita, excluindo algumas economias industrializadas menores e

todos os países em desenvolvimento, até mesmo potências econômicasemergentes, como as do grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). So-mente os países do G-10 (Alemanha, Bélgica, Canadá, Estados Unidos,França, Itália, Japão, Países Baixos, Reino Unido, Suécia e Suíça) sãomembros do Comitê, embora as regras ormuladas para a regulamen-tação bancária tenham sido adotadas por todos os países. Isso cria umfagrante défcit democrático , normalmente justicado pela armaçãode que a participação restrita permitiria debates mais ocalizados, que

levariam a conclusões mais ecientes e tecnicamente superiores. Nesseargumento, está implícita a ideia de que os reguladores dos países doG-10 estão mais bem preparados para lidar com as práticas sosticadas

1 Ver CARVALHO, Fernando J. Cardim de; KREGEL, Jan Allen. Quem controla o sistema fnanceiro? . Rio de Janeiro: Ibase, junho de 2007. Disponível em: <http://www.ibase.br/userimages/livro_versao_nal.pd>. Acesso em: 9 jan. 2009.

Page 10: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 10/46

9Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

das instituições nanceiras avançadas que operam nas economias maisdesenvolvidas e em todo o mundo. Argumenta-se que permitir a partici-pação de representantes de outros países somente prejudicaria a eci-ência dos debates, pois os membros do Comitê estariam supostamente

amiliarizados com o estado da arte das práticas nanceiras e seriamcapazes de conceber métodos para conter seus riscos, enquanto regula-dores de outros países não teriam essa experiência e esses conhecimen-tos especializados.

A crise atual destruiu essa argumentação de orma espetacular. Elateve início nos EUA, a pátria tanto das instituições e dos mercados -nanceiros mais sosticados como dos reguladores nanceiros suposta-mente mais bem preparados e mais experientes do mundo. Por contágio,

a crise estendeu-se aos bancos da Europa Ocidental, especialmente doReino Unido, onde se esperava encontrar, talvez, os segundos melhoresreguladores nanceiros do mundo. As economias emergentes tambémestão sorendo o impacto de uma crise que não criaram e, além disso,não têm nada a ver com as práticas e os procedimentos nanceiros oucom o racasso regulatório daqueles países. Na verdade, os desequilí-brios e atores de vulnerabilidade mais notórios oram se acumulando

sob as vistas do que era supostamente o estado da arte em regulamen-tação, administrada por reguladores que agora se declaram perplexosdiante da ganância das instituições nanceiras!

O défcit democrático de entidades regulatórias internacionais, comoo Comitê de Basileia, não tornou a economia mundial mais segura e maisestável. A lista das deciências nas regras de comportamento nanceiropropostas por essas entidades é longa e será resumida a seguir. É tãoavassaladora a extensão do racasso dessas entidades em cumprirem

esse papel autoatribuído que não se pode realmente esperar que outrospaíses orientem seus procedimentos de acordo com regras que alharamtão obviamente em gerar estabilidade sistêmica.

No restante deste livreto, destacaremos os principais racassos re-gulatórios que permitiram o surgimento e o crescimento da crise até omomento em que os governos dos países desenvolvidos tiveram de tomarmedidas desesperadas, na tentativa de evitar o pânico e a depressãoeconômica. Na próxima seção, apresentaremos uma descrição muito

Page 11: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 11/46

10 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

resumida dos processos dos mercados nanceiros que engendraram aatual crise. Em seguida, discutiremos a sequência de alhas regulatóriasque marcaram esses processos. Prosseguimos nessa discussão até umaanálise sumária sobre se a situação seria melhor caso o mundo já tivesse

implementado estratégias regulatórias como as propostas no Acordo deBasileia II. Finalmente, analisaremos a questão de como as organiza-ções da sociedade civil podem enrentar esses problemas e por que émais crucial do que nunca superar o défcit democrático que marca aoperação de entidades como o Comitê de Basileia.

Page 12: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 12/46

11Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

a c

As raízes da crise atual são encontradas no amplo apoio à liberalizaçãonanceira, que levou a uma desregulamentação substancial dos mercadosnanceiros nacionais na década de 1980. Isso ocorreu em paralelo ao movi-

mento pela liberalização das políticas econômicas aplicadas nos países emdesenvolvimento, atualmente conhecido como o Consenso de Washington.Esse movimento estava baseado na ideia de que a redução do envolvimen-to governamental na economia real deveria ser acompanhada pelo papelcrescente de incentivos de mercado na área nanceira. Foi argumentadoque as regulamentações nanceiras eram demasiado rígidas e protegiamdemais as instituições existentes, suocando a inovação e mantendo o cus-

to do capital muito alto para os tomadores de empréstimos. Taxas de jurosdirecionadas e controle de taxas eram considerados “repressão nanceira”e culpados de manter a poupança privada em nível demasiado baixo para asnecessidades de acumulação de capital, crescimento e prosperidade.

A promessa da liberalização nanceira era lançar uma nova era de in-vestimentos crescentes e de altas taxas de crescimento para todos. Alémdisso, havia um orte componente ideológico no movimento, baseadona crença de que os mercados sempre sabem mais do que os governos.

Quando a atual crise nanceira passou a indicar que isso não ocorria,um dos primeiros deensores da liberalização nanceira, o ex-presidentedo Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA) Alan Greespan, oilevado a admitir que estava “num estado de choque e descrença”.2

2 Retirado do depoimento de Alan Greenspan nas audiências sobre a crise nanceira eo papel dos reguladores ederais, dado na quinta-eira, 23 de outubro de 2008, paraa Câmara dos Representantes, Comissão de Supervisão e Reorma Governamental, emWashington, DC, linhas 385-386 e 394-399 do relatório taquigráco não-ocial.

Page 13: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 13/46

12 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

O impacto da liberalização nanceira nas economias desenvolvidase em desenvolvimento oi amplo e proundo. Um de seus aspectos cen-trais oi o desmantelamento das barreiras que separavam e protegiamsegmentos especícos dos mercados nanceiros, como o setor bancário

comercial e as atividades de comercialização de títulos. Isso oi umamedida que teve duas acetas: por um lado, abriu novas oportunidadespara as instituições nanceiras, anteriormente connadas a operaçõesnanceiras especícas, explorarem outros negócios; por outro, criou ouintensicou pressões competitivas sobre instituições que tradicional-mente haviam contado com as barreiras protetoras à competição criadaspela regulamentação. Assim, as instituições nanceiras mais agressivastentaram tirar vantagens das linhas de negócios mais lucrativas, muitas

vezes com inovações nanceiras que permitiam que enrentassem di-retamente as entidades que originalmente ocupavam esses segmentos.Outras instituições eram orçadas a mudar para manter suas posiçõesdiante dos ataques de competidores agressivos.

A pressão para aumentar a lucratividade no ambiente nanceirorecém-liberalizado levou a um amplo movimento de consolidação do sis-tema, no qual as instituições nanceiras retardatárias oram engolidas

pelos competidores mais agressivos. No entanto, essa consolidação nãooi suciente para aumentar a lucratividade, especialmente na décadade 1990. Esse período introduziu um novo tipo de crise nanceira vin-culada à reversão dos fuxos de capitais, no lugar de desequilíbrios nascontas correntes. Em grande medida, essas crises eram connadas aospaíses em desenvolvimento. Nenhuma delas representou ameaça signi-cativa às economias industrializadas, com a possível exceção da criserussa de 1998. A economia dos EUA cresceu de orma razoavelmente

sustentada durante toda a década, enquanto a Europa Ocidental avança-va pouco, e o Japão mergulhava em um estado semidepressivo.

Um aspecto notável do ambiente macroeconômico internacional dom da década de 1980 e da década de 1990 oi a dramática reduçãode volatilidade nas variáveis macroeconômicas, especialmente nas taxasde infação, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, eque veio a ser conhecida como a “Grande Moderação”. O “novo consen-so” sobre política monetária, ao qual se atribuía a causa desse melhor

Page 14: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 14/46

13Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

desempenho, levou os bancos centrais, especialmente nos EUA, areduzir as taxas básicas de juros, mesmo quando o crescimento daprodução e o desemprego atingiam índices que anteriormente eramconsiderados insustentáveis. Em um ambiente de estabilidade geral,

as taxas básicas de juros baixas se traduziam em taxas de juros delongo prazo muito baixas.Assim, a situação das instituições nanceiras na década de 1990

era uma combinação muito complexa de ortes pressões competitivaspara aumentar os lucros e assumir uma postura agressiva (ainda que porrazões deensivas) contra os competidores e o ambiente geral de taxasde juros relativamente baixas, pelo menos nas linhas tradicionais denegócios dos bancos, bancos de investimento etc.

A maneira de conciliar os dois lados dessa equação oi buscar novosmercados com maiores retornos do que se poderia obter nas operaçõestradicionais. Empréstimos a economias emergentes, junk bonds e em-presas de internet durante o boom desse setor já haviam sido exploradospara aumentar os retornos, porém isso terminou levando a um deslo-camento substancial do mercado. Dessa orma, quando as condiçõesmelhoraram, após o colapso dos mercados de ações em 2000, os merca-

dos nanceiros buscaram uma alternativa: empréstimos imobiliários quecriaram um boom sustentado nos preços das propriedades residenciais.

apoudmto do poblmÀ medida que esse boom avançava, tornava-se mais diícil encontrar ostradicionais tomadores de empréstimo de menor risco de inadimplência(prime ), e, portanto, as instituições buscaram mercados adicionais, em-

prestando a pessoas que haviam sido excluídas de empréstimos tradi-cionais pelos regulamentos impostos pelas entidades patrocinadas pelogoverno (Government Sponsored Enterprises, GSE, na sigla em inglês),como Freddie Mac e Fannie Mae. No entanto, essa exclusão era justi-cada, pois esses tomadores de empréstimos não atendidos eram aquelaspessoas que não tinham emprego, onte de renda conável ou bens paraoerecer em garantia. As hipotecas desses tomadores são consideradasde maior risco de inadimplência por não preencherem as condições de

Page 15: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 15/46

14 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

garantia estabelecidas pelas GSEs. Esses contratos oram chamados desubprime .3 Além disso, as GSEs estabeleciam limites para o valor máxi-mo da hipoteca, de modo que as hipotecas “jumbo”, acima desse limitemáximo, começaram a ser ornecidas aos clientes classicados como

Alt-A (de risco intermediário entre prime e subprime ).

negóCiO arrisCaDO

a hpc c ã c g pz q póp êc é c g ív. o cp ã pp c é q

ív j cp pg. n c pêc, c p -

pp c. n , , b j pív à p pé, ã é bv q bc j. eq é pp c, bc p j. aé , pc c c p

v. s c b v p, c , p -v g p, q bc ch v c c p

cv- c c c çã (p v çã).P v, cc pé, p p b-

c v cé . eb pé ccc subp cí b c, à q b pg, -

g pé p z pc z q ã pch cçõ c pé,

c çõ b çã cc p q p gh c v pé. a, hv c-v p p pé pq bc p cb x

j b , vz q cc c c.

eb hv c b q cv q pç hbçõ ó p , hv pp q pé- p p v c c g c pg ív.

3 Obviamente, isso não signica que essas pessoas não devam ter acesso a empréstimospara adquirir suas casas. Signica, sim, que intermediários nanceiros privados, em bus-ca de maximizar seus lucros, tinham bons motivos para não se interessarem em orneceresses créditos. Dar às pessoas pobres acesso à habitação digna deve ser prioridade dosgovernos, uma questão de política pública.

Page 16: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 16/46

15Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

Para explorar essa atividade, oi necessário criar novas práticas enovos instrumentos. No jargão dos economistas, era preciso introduzirinovações fnanceiras para tornar actível essas operações. Naturalmen-te, as inovações nanceiras não são somente meios para explorar novas

possibilidades do mercado, mas também uma maneira de evitar regula-mentos e o controle dos supervisores.A primeira grande inovação oi a disseminação do uso de modelos es-

tatísticos para análises de crédito, no lugar da pesquisa individual que erarealizada no passado. Por exemplo, modelos quantitativos de classicaçãode risco de crédito permitiam que o risco de crédito de um cliente osseanalisado de acordo com as características do grupo a que pertencia, nolugar de suas características individuais. Portanto, uma pessoa de certa

idade, etnicidade, grupo prossional etc., tinha seu risco avaliado pelamédia das pessoas do grupo com as mesmas características. Isso reduziaos custos de avaliação de crédito para o banco, mas também signicavaque cada pessoa era julgada pela média de um grupo.

Além disso, essas médias mudam com o passar do tempo, e qualquervalor de índice que osse considerado apropriado em certo momento po-deria tornar-se obsoleto mais tarde. Por exemplo, as médias de pagamento

de empréstimos são certamente dierentes se calculadas em épocas boasou ruins. Dados obtidos da década relativamente boa de 1990 poderiaminduzir a erro se utilizados para calcular as probabilidades de pagamentode empréstimos na época turbulenta de meados de 2000.

Entretanto, a segunda inovação, a securitização, permitiu deixar delado essas preocupações. Basicamente, a securitização signica a trans-ormação das operações de crédito entre um banco e o tomador de em-préstimo em uma operação em que títulos emitidos em mercados de ca-

pitais são utilizados para nanciar empréstimos a amplo amálgama detomadores similares. A securitização vem sendo praticada desde a décadade 1980 e oi o princípio utilizado na criação dos Brady Bonds, títulos quepermitiram que os países em desenvolvimento pagassem seus credores.

A securitização é utilizada com sucesso na venda de valores de dívi-das de cartões de créditos a receber, empréstimos para compra de veícu-los, remessas de imigrantes e até mesmo em crédito ao consumidor. Paraos bancos, esse processo permite que sejam remunerados por originar

Page 17: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 17/46

16 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

os empréstimos securitizados, e também que não precisem manter ca-pital para apoiar o empréstimo, pois este sai do balanço do banco ao servendido a investidores do mercado de capitais. Esse incentivo aumentouquando oram implantadas as regulamentações de adequação de capital

com ponderação de riscos do Acordo de Basileia I,4

pois aqueles ativostêm ponderação de 100%. São atrativos para os tomadores, uma vez queoerecem rentabilidade maior do que os ativos tradicionais dos mercadosde capitais. Existem muitos desses investidores: investidores institucio-nais, como undos de hedge ,5 undos de pensão, undos de investimentos,undos de money market , companhias de seguro, mas também institui-ções nanceiras, como bancos, bancos de investimento e pessoas ricasmovidas pelas busca de retornos mais elevados.

As GSEs citadas anteriormente utilizavam a securitização com su-cesso desde o m da década de 1970. No entanto, a extensão dessaprática a empréstimos de maior risco (subprime ) provou ser a derrocadado sistema nanceiro.

Aspecto importante do processo de securitização dos empréstimoshipotecários é tornar mais diícil avaliar as condições creditícias dosportadores de hipotecas subjacentes. Em consequência, os investido-

res dependem quase exclusivamente das avaliações das agências declassicação de risco, que aparentemente não estavam bem equipadaspara avaliar os riscos de inadimplência desses pacotes de hipotecassecuritizadas. Contudo, todo o conceito de securitização baseava-se naavaliação eciente do risco idiossincrático eita pelo originador do títuloou por uma agência de classicação de riscos. No entanto, os incentivossubjacentes a esse negócio não induziam à eciência nessa área. Comojá oi sugerido, todos os envolvidos na criação desses ativos eram re-

compensados pela maximização do volume de hipotecas, e não por suaqualidade, enquanto a renda das agências de classicação, determinadapelos originadores, era também assim maximizada.

4 Sobre esse assunto, ver CARVALHO; KREGEL (2007, p. 28-30).5 São undos comuns de recursos privados que investem em instrumentos negociáveis (títu-los e derivativos), que podem empregar alavancagem por vários meios, mesmo pelo uso deposições a descoberto, e geralmente não são regulamentados. São undos com estratégiasde investimentos tidas como altamente sosticadas e de alto risco.

Page 18: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 18/46

17Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

Outra “inovação” interessante oi o uso de hipotecas com taxas dejuros variáveis, nas quais taxas de juros ineriores ao mercado eram apli-cadas nos primeiros dois ou três anos do contrato, que depois voltariamàs taxas de mercado. Assim, pessoas que normalmente não teriam capa-

cidade de tomar empréstimos seriam atraídas para hipotecas pelas taxasde juros ineriores ao do mercado. Muitas vezes, esses contratos eramapresentados como hipotecas a juros xos, nos quais o dispositivo paraa mudança para uma nova taxa xa e os custos dessa mudança estavamescondidos em um texto legal longo e complicado.

No entanto, independentemente da atividade raudulenta e da altade atenção aos detalhes escritos no contrato, é importante lembrar quetodas essas transações aconteceram em um ambiente no qual prevalecia

a crença inabalável de que os preços das casas continuariam a subirpara sempre. Portanto, no cenário mais desavorável, no caso de inadim-plência da hipoteca, a casa poderia ser vendida com lucro, e o devedorou credor teria um ganho de capital.

Porém, à medida que as taxas de juros aumentaram, quando o Fe-deral Reserve passou a “regularizar” as taxas e algumas das hipotecascom taxas variáveis começaram a ser modicadas, o índice de atrasos de

pagamentos de hipotecas subiu. Ao mesmo tempo, o índice de aumentodos preços das casas começou a desacelerar. A consequente reduçãodas receitas geradas pelo juros aetou os retornos sobre os ativos hipote-cários securitizados. Portanto, cou mais diícil inserir esses títulos nomercado de capital, e os bancos se viram, cada vez mais, com a necessi-dade de mantê-los em seus livros contábeis. E isso reduziu a geração denovas hipotecas e desacelerou ainda mais o índice de crescimento dospreços das habitações. Quando os bancos começaram a inormar sobre

as perdas com esses títulos, pela exigência de que seus ativos ossemmarcados pelo valor de mercado, outros investidores do mercado decapitais começaram a questionar a conabilidade das classicações derisco de crédito de seus investimentos.

À proporção que crescia a inadimplência, agências de classicaçãode risco começaram a rebaixar esses títulos, e alguns investidores, queestavam restritos a títulos de grau de investimento, oram orçados a ven-der em um mercado em baixa. A maior parte das estruturas securitizadas

Page 19: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 19/46

18 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

estavam seguradas por instituições de garantia de títulos especializadasem hipotecas. Os rebaixamentos exigiram que essas rmas ornecessemgarantias adicionais e, em consequência, a própria classicação de ris-co era questionada, produzindo um rebaixamento adicional dos ativos.

Assim, uma crise de crédito embrionária oi transormada em uma crisede liquidez, e algumas rmas oram orçadas a declarar alência quandoo valor de seus ativos securitizados caiu abaixo de suas obrigações. Aincapacidade dessas rmas de pagar às outras empresas as deixava emdiculdades nanceiras e abria caminho para uma clássica defação dedívida, na qual a tentativa de liquidar ativos reduzia os preços e aumenta-va a dívida restante. Então, surge claramente a crise nanceira.

Page 20: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 20/46

19Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

O co d ulção

A crise ornece exemplo vívido dos deeitos da estratégia regulatória ado-tada para apoiar a liberalização nanceira. Em termos simples, seu deei-

to era estar baseada em um pressuposto also, expresso por Alan Greens-pan no depoimento anteriormente citado, de que os sistemas nanceirosseriam naturalmente estáveis por serem instituições autorreguláveis porcausa do “interesse próprio das instituições de crédito” de “protegerem opatrimônio dos acionistas”.

De acordo com Greenspan, “as evidências sugerem ortemente quesem a demanda excessiva dos securitizadores, a originação de hipotecas

subprime (sem dúvida, a onte original da crise) teria sido muito menor e,portanto, teria havido muito menos inadimplência. Porém, as hipotecas dealto risco agrupadas e vendidas como títulos se viram sujeitas a uma de-manda explosiva por parte dos investidores de todo o mundo”. Assim, oramas rmas que securitizaram as hipotecas a causa básica das diculdades,reorçada pela demanda dos investidores nais. Greenspan prossegue: “oconsequente crescimento súbito da demanda global por títulos subprime  dos EUA por parte de bancos, undos de hedge e de pensão, apoiados por

classicações irrealisticamente positivas das agências de avaliação de ris-co, constituiu, na minha opinião, a essência do problema”6.

É característica desse alho pressuposto que quase todas as insti-tuições e operações listadas nos comentários de Greenspan sejam regu-ladas, com a grande exceção das compras de ativos securitizados porundos de hedge . Os bancos de investimento não são identicados por

6 Ver nota 2.

Page 21: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 21/46

20 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

nome, mas também estão incluídos sob a denominação “securitizadores”.O problema, como admitiu Greenspan, oi que os reguladores pareciampensar que os mercados nanceiros são naturalmente estáveis, que a es-peculação é undamentalmente inoensiva – somente uma das peças de

um sistema nanceiro moderno e eciente.Os reguladores alharam quando ignoraram a sobreposição de riscosna emissão de títulos baseados em grupos de hipotecas de alto risco.Falharam outra vez quando permitiram a criação de instituições nancei-ras antasmas, as “entidades com receitas de juros variáveis”, tais comoos “veículos de investimentos especializados” (SIVs, na sigla em inglês),para remover ativos nanceiros dos balanços das instituições nanceiras eabrigá-los ora das vistas dos supervisores nanceiros. Não é surpreenden-

te que tenham alhado quando permitiram que as agências de classica-ção de risco utilizassem classicações, como a amosa AAA e outras clas-sicações de grau de investimento, originalmente concebidas para títuloscorporativos e de governos locais, nos títulos hipotecários garantidos.

Os reguladores alharam de novo quando deixaram que essas mesmasagências interagissem com os securitizadores para conceber estruturas se-curitizadas, as quais poderiam dar altas classicações, no lugar de manter

uma posição de neutralidade honesta como condição para a transparênciade suas avaliações. Na verdade, os reguladores alharam em praticamentetodas as etapas do processo de acumulação de desequilíbrios e práticasquestionáveis que, em última análise, levou à crise nanceira, que já causaperda de emprego e renda para inumeráveis pessoas em todo o mundo.

a d utão puda alha an? 

Primeiro, o aspecto mais importante desse racasso é o ato de que nãoocorreu nos países em desenvolvimento, que não são considerados con-áveis para participar em óruns que requerem alta preparação técnica,como o Comitê de Basileia. Na verdade, a crise começou, e é particu-larmente virulenta, nos EUA, espalhando-se mais intensamente para oReino Unido e a Europa Ocidental e depois, por contágio, para a AméricaLatina e a Ásia. Basta desse argumento que justica o défcit democrático  alegando razões de eciência para restringir os membros do Comitê de

Page 22: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 22/46

21Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

Basileia a representantes especializados do G-10! Não somente essesclubes echados oram incapazes de conceber regras que uncionassemem beneício de um grande número de países, como não oram sequercapazes de desenvolver regras em beneício próprio! No entanto, todos os

países pagarão o preço do racasso dos reguladores dos países desenvolvi-dos em conceber regras ecientes para garantir a estabilidade sistêmica.Além disso, as supervisões nanceiras são normalmente ragmenta-

das, como consequência de um processo histórico que determinou suaestrutura em resposta a aspectos particulares de cada crise ou, pelo me-nos, no enoque da missão dos supervisores. A busca de lucros levou asinstituições nanceiras a procurarem métodos de explorar lucrativamenteo grande número de “buracos negros” ainda existentes nos aparatos de

supervisão, promovendo negócios entre bancos, bancos de investimento,corretoras e companhias de seguro, que são regulados por entidadesdierentes e seguem regras distintas. Pior ainda, negociando com un-dos de hedge ou mesmo com entidades antasmas, como as “entidadescom receitas de juros variáveis”, por exemplo, as SIVs, e permitindo queinstituições nanceiras reguladas simulassem transerências de riscos,principalmente para enganar os supervisores nanceiros.

Obviamente, o problema principal não oi realmente de competên-cia. Como as já citadas declarações de Greenspan mostram muito bem,o problema oi que os reguladores dos países desenvolvidos compartilha-vam pressuposto equivocado sobre como os sistemas capitalistas uncio-nam e, especialmente, sobre as propriedades sistêmicas dos sistemasnanceiros avançados que operam naquelas economias.

Os reguladores, tanto como ideólogos puros, simplesmente apostavamna visão de que as economias capitalistas são estáveis, exceto pela ocor-

rência eventual de grandes choques – tsunamis –, que, como os desastresnaturais, não podem ser evitados por nenhum tipo de regulamentação.Os reguladores não devem suocar as inovações nanceiras, pois isso so-mente impediria o progresso e manteria o custo do capital mais alto doque deveria ser. A “mão invisível” deveria ser suciente, como espera-va Greenspan, para garantir que excessos não acontecessem. Os merca-dos operariam de orma eciente, exceto pelos lamentáveis choques queocorrem de vez em quando. Os reguladores deveriam assegurar que os

Page 23: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 23/46

22 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

sistemas nanceiros pudessem contar com colchões protetores para absor-ver os choques, embora alguns deles pudessem ser tão ortes que a únicasaída seria mesmo aceitar sorer seus impactos.

Naturalmente, não era somente questão de ideologia. As institui-

ções nanceiras, os investidores e os especuladores tiveram lucros coma rápida expansão dos mercados nanceiros da década de 1990, que,na verdade, se expandiram muito mais rapidamente do que os setoresprodutivos. Somente isso já deveria ter causado alguma preocupação.

É muito diícil tentar desenlear as infuências especícas da ideologiae do interesse próprio. O mundo echado no qual vivem os reguladoresnanceiros está habitado, na maior parte do tempo, pelos dois tipos, emposições intercambiáveis. Reguladores, uncionários de bancos centrais e

executivos nanceiros, com requência, vivem em promiscuidade, o que emsi mesmo poderia não ser um problema tão sério, caso outros grupos sociaisossem convidados para cumprir um papel ecaz em suas reuniões.

Foi especialmente danoso o ato de que todos compartissem a visãode que os sistemas nanceiros eram estáveis, e a regulação um incon-veniente que custava caro – o que é elemento central da chamada visãoneoliberal da dinâmica das economias capitalistas. Na verdade, o Acordo

de Basileia II é a culminância desse enoque. O Acordo tomou o que oComitê via como “melhores práticas” desenvolvidas por bancos privadospara medir e administrar riscos e as transormou em um paradigma aser seguido por todas as instituições bancárias. O ato de essas práticasestarem no centro dos métodos racassados com os quais os bancos lida-ram com os riscos que se acumularam até criarem a base da crise atualmostra os erros inerentes à adoção dessa estratégia alida proposta peloComitê. A crise atual sinaliza o racasso do Acordo de Basileia II mesmo

antes de sua adoção em escala mundial.

CaraCTerísTiCas gerais DO aCOrDO De BasiLeia ii

eq p ac B, 1988, p,

q pv c v q bc c- v v cp íq (cp póp) ppçã 8%

Page 24: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 24/46

23Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

A abertura das instituições que estabelecem regulamentação nan-

ceira a um número maior de membros deve aumentar a probabilidadede que outras vozes e outras interpretações sejam ouvidas. Levando emconta, especialmente, os danos que a atual crise está causando em todoo mundo em termos de perda de empregos, queda de produção, perdade pensões e poupança, entre outras, devem ser ouvidas e consideradasoutras vozes sobre a operação dos sistemas nanceiros e seu papel naseconomias capitalistas. No entanto, nesse aspecto, as primeiras reaçõesà crise não oram promissoras.

v p p c ( pçã p pópCê x ac), ac B ii é cpx. aé

bc xgêc cp c p c bc,

ac bé g çã pv xgêc p vg-çã çõ. o ac B ii p ê “p”: cc cp b c, vã pv cp c. d

g, çã p v x à xgêc cp. obc v v cg p: bc -

c ã cc xgêc cp c c vçõ v c p gêc “x”, c gêc ccçã

c; q bc q j p çã c

c pã b çõ g p póp bc pcc xgêc cp. e bc c, é cçã, bc vç vç, p

q p z póp q ú.Ppõ- q pv v ph çõ v

q p. e v v çã c gc, qçã v bc à pçã

ég c vv pcíc c c qã ã xpc v ac, c c qz.

F, c p, cp c, p -çã q bc v vg p q c p z póp

vçã c.

Page 25: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 25/46

24 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

rçõ ofc à c

Como talvez osse esperado, passado o pânico inicial, os reguladores,

executivos nanceiros e um grande número de autoridades dos EUA, doReino Unido e da Europa Ocidental parecem convergir para a visão deque ajustes relativamente marginais na estratégia regulatória utilizadaaté o momento devem ser sucientes para ortalecer o sistema nancei-ro e prevenir crises uturas.

Esse ponto oi repetido insistentemente pelo presidente GeorgeBush, que tem rearmado velhos slogans , como o de que a regulação

não deve suocar a inovação. No entanto, muito mais importantes doque as preerências políticas do presidente que termina seu mandatosão as posições do presidente eleito Barack Obama sobre essas ques-tões. Embora o novo presidente tenha declarado, mais de uma vez, adisposição de promover políticas scais ativistas para superar a crisee controlar seus eeitos, a posição do novo governo sobre a questão daregulação nanceira é muito menos transparente.

Até o momento, a iniciativa pública mais importante das autori-

dades para examinar as responsabilidades dos reguladores e supervi-sores nanceiros na geração da atual crise oi a reunião do G-20 emWashington, DC, em 15 de novembro de 2008. Como cou demons-trado no longo comunicado publicado no m da reunião, o ponto devista que prevaleceu entre os governos oi o da validade do processode liberalização seguido até aquele momento. Podem ser necessáriosalguns ajustes para melhorar os métodos de supervisão, porém nãoserá preciso mudá-los de nenhuma orma signicativa.

Page 26: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 26/46

25Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

Esses ajustes oram relatados sob cinco títulos: 1) ortalecimento datransparência e prestação de contas; 2) apereiçoamento de regulaçãorealista; 3) promoção da integridade dos mercados nanceiros; 4) reor-ço da cooperação internacional; e 5) reorma das instituições nanceiras

internacionais.7

No primeiro título, o G-20 apoia as chamadas “melhores práticas”de administração de riscos, com algumas melhorias na orma como ainormação é coletada e distribuída, especialmente no que diz respeitoa dados que não estão nos balanços contábeis, que podem seguir aorma tradicional de relatar por meio de notas de rodapé. Assim, comoanteriormente, o G-20 manterá a conança no gerenciamento privado deriscos como o principal pilar da estabilidade sistêmica.

A mesma tendência está presente no segundo título, no qual estáexpressa a preocupação com o desempenho das agências de avaliaçãode risco, mas deixando claro que os governos não estão prontos paraabandonar a dependência dessas entidades. Algumas preocupaçõesadicionais estão listadas com relação a “instituições sistemicamenteimportantes” que ainda não estão sujeitas a nenhum tipo de regulação,embora seja bem conhecida a oposição do governo dos EUA a estender

a regulamentação a entidades como os undos de hedge .Ainda no segundo título, ca claro que as “práticas de administraçãode risco dos bancos” continuam a ser o principal pilar da estratégia regu-latória, com recomendações para encontrar maneiras de ortalecer essaspráticas. O Comitê de Basileia deve permanecer como o principal oco dedebates para o estabelecimento de regras de supervisão bancária e tema missão de examinar novas ormas de testes de estresse para vericar aecácia dos modelos internos de medição de risco dos bancos.

Finalmente, no título 5, é proposta uma expansão não-denida donúmero de membros do Fórum de Estabilidade Financeira8. Na verdade,

7 G-20. “Declaração da Cúpula sobre os mercados nanceiros e a economia mundial”, pro-erida pelo presidente George W. Bush, Escritório do Secretário de Imprensa, Casa Bran-ca, Washington, DC, 15 nov. 2008. Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/news/releases/2008/11/20081115-1.html>. Acesso em: 9 jan. 2009.8 O Fórum de Estabilidade Financeira oi criado em abril de 1999 com o objetivo de promo-ver a estabilidade nanceira internacional por meio da troca de inormações e da coopera-ção internacional na supervisão nanceira.

Page 27: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 27/46

26 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

9 Ver G-7. “Statement o G7 nance ministers and Central Bank governors”. Washington, DC,25 sept. 1999. Disponível em: <http://www.g7.utoronto.ca/nance/m992509state.htm>.Acesso em: 10 jan. 2009.

nesse título e em todo o comunicado, o G-20 rearma a legitimidade dasentidades existentes, incluindo os clubes inormais, como o Comitê deBasileia e o Fórum de Estabilidade Financeira, para liderar o processode busca de melhorias no atual corpo de regulamentações. Parece que

a presença da Argentina, do Brasil, da China, do México e de outros pa-íses em desenvolvimento não ez a mínima dierença para mudar o ocodo debate e levar em conta outras estratégias regulatórias possíveis oua autonomia nacional para perseguir caminhos independentes. O G-20rearmou o “compromisso com uma economia global aberta” e acei-tou que “nossos mercados nanceiros têm escopo global e, portanto, énecessário intensicar a cooperação internacional entre reguladores eortalecer os padrões internacionais e sua implementação consistente

como proteção contra acontecimentos adversos em outros países, re-gionais ou globais, que aetem a estabilidade nanceira internacional.Os reguladores devem garantir que suas ações apoiem a disciplina demercado, evitem impactos potencialmente adversos em outros países,incluindo a arbitragem regulatória, e deem apoio à competição, ao dina-mismo e à inovação nos negócios” (G-20, 2008, parágrao 8).

g-20 – qUeM sÃO Os MeMBrOs?

o v ó Fz p Bc C, ch-c c G-20, c 25 b 1999, ã

Fz G-7. sg “c v c p g c c B W p p -

g b qõ-chv píc cc c c

c gcv p pv cpçã cç cc v v q bc ”.9 P -

ç G-20 p ã , B (zb 1999), Fz G-7 v cv “cp

Page 28: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 28/46

27Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

ú pí c p gõ ”, c p uã ep, F m ic (Fmi)

Bc m.

o c G-20 g cçã G-7 Cúp C, 18 jh 1999. d çã c c “G-X” é çã b 1999, G-20 c G-22, c p -

cv p C ã vb 1997 í C-pçã ecc á Pcíc (apc). o G-20 é cp p pí

G-7 11 pí (c rú, b G-8). o b G-20 ã Fz p Bc C

19 pí: ag, a, B, C, Ch, Fç, ah, Í,

ié, i, Jpã, méxc, rú, ab s, ác s, C s, tq, r u eua. a uã ep bé é b, p- p pêc v Ch p Bc C ep. P

g q ó çõ cc gb bh j, -g Fmi p Bc m, é p

Cê m Fc ic Cê dvv Fmi Bc m, bé pcp õ G-20 zã

cg q cp.

Além disso, não basta observar que o G-20 simplesmente aprovou omesmo tipo de retórica e visão estratégica deendida pelos países desen-volvidos, como também deve ser discutida a legitimidade daquele grupocomo órum para esse tipo de discussão. Embora o número de membrosdo G-20 seja superior ao G-8, tem ele algum mandato dos outros países

(mais de 160) que não oram convidados para os debates? É possível queuma reunião de 180 países (o FMI tem pouco mais de 180 membros) nãoosse capaz de produzir um resultado, porém aquela reunião produziu algomais substancial? E em nome de quem alam esses países? Estão lá emrepresentação própria ou representam também outros países?

Assim, é diícil considerar a reunião de novembro do G-20 como algomais do que um encontro político, dirigido por um líder em m de man-dato, que tem cada vez menos poder e relevância, para dar a impressão

Page 29: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 29/46

28 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

de que ações estão sendo realizadas ou planejadas. A reunião não repre-sentou ataque real ao défcit democrático que caracteriza as instituiçõesnanceiras internacionais que tratam das relações nanceiras nem sina-lizou algum questionamento sério das práticas e estratégias regulatórias

que levaram à pior crise desde a década de 1930.

a ltt: lu pcpo udmtO que está em jogo nesse debate? Fundamentalmente, há duas visõessobre a maneira como uncionam os sistemas nanceiros nas econo-mias capitalistas modernas. De um lado, os neoliberais acham que osmercados privados são estáveis e ecientes, e que os agentes privados

sabem o que é melhor. Nessa visão, a regulação não somente não prote-ge de orma adequada a economia contra crises nanceiras, como tema tendência de azer com que elas sejam mais requentes e mais sérias,pois acredita-se que a regulação (e sua irmã gêmea, a rede de proteçãosocial) distorce as percepções do risco e os incentivos para controlá-lo.A dominação neoliberal nos últimos 20 ou 30 anos levou à desregu-lamentação e à liberalização nanceira, à recusa em controlar entida-

des sistemicamente importantes, mas altamente especulativas, comoas “entidades com receitas de juros variáveis”, assim como à atitudenegligente em relação à crescente jogatina que se tornou característicade todo o setor nanceiro nos EUA e na Europa e é, em última análise,responsável pela crise mais prounda que soreram as economias capita-listas desde a década de 1930.

Porém, os neoliberais não se arrependem. Passada a perplexidademomentânea demonstrada por luminares desse enoque, como Alan

Greenspan, eles se reagruparam rapidamente em suas ortalezas, comoo Comitê de Basileia e o Fórum de Estabilidade Financeira, para ga-rantir que qualquer mudança utura que restrita a “melhorias” mar-ginais nos instrumentos que conceberam no passado. Portanto, a cau-sa básica da atual crise não é a privatização da regulação nanceira,representada não somente pela atribuição de autoridade regulatória aempresas privadas, como agências de classicação de risco, mas prin-cipalmente por toda a estratégia de conar nos próprios métodos dos

Page 30: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 30/46

29Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

bancos para avaliar a administração de riscos como instrumentos deregulação prudencial para alcançar a estabilidade sistêmica.

Ao contrário, a crise é vista como resultado de má sorte, “ganânciaexcessiva” (seja lá o que isso signica) e um sistema de supervisão que

precisa de ajustes. Não de grandes mudanças, mais de ajustes nos pa-râmetros de seus modelos de políticas. Assim, o Fórum de EstabilidadeFinanceira propõe regras de conduta mais estritas para as agências declassicação de risco, mas não sua eliminação. O Comitê de Basileiaestuda o aumento dos coecientes de capital, além de apereiçoar asórmulas utilizadas para o cálculo desses coecientes, levando em contaos problemas de liquidez e outros. O sistema é bom e pode ser melhora-do com ajustes de seus componentes.

Os críticos do projeto neoliberal têm visão muito dierente. Os mer-cados nanceiros são um terreno especialmente értil para a especula-ção, as transações nanceiras são muito opacas e há orte assimetria deinormações, tornando a manipulação dos mercados relativamente ácil.Ainda mais importante, os mercados nanceiros tendem a gerar e acu-mular desequilíbrios que, em um momento, explodem e causam sériosproblemas para toda a economia. Isso é motivado pelo papel estratégico

da criação de crédito pelos bancos, baseado em sua unção de ornecerum sistema essencial de transações na orma de depósitos bancários.As instituições nanceiras podem contribuir para o pleno emprego e

o crescimento, dentro de certos parâmetros de segurança sistêmica, po-rém isso exige regulação eciente e supervisão atenta. As autoridades re-gulatórias e supervisoras sempre devem prestar atenção à maneira comodesequilíbrios emergem e se expandem nas operações nanceiras a mde inibi-los antes que produzam danos reais ao restante da economia.

Para aqueles que têm posição crítica com relação ao projeto neoliberal,a crise atual é resultado da acumulação de tensões e desequilíbrios quesão esperados quando os mercados nanceiros cam livres para escolherseus caminhos, assim como da omissão dos reguladores, que achavamque sua unção era libertar as orças de mercado no setor.

Em consequência, enquanto propostas como as do comunicado doG-20, emitido após a reunião de novembro na Casa Branca, visam, prin-cipalmente, a tornar o cassino mais seguro para os jogadores , os críticos

Page 31: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 31/46

30 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

dessa deesa do neoliberalismo têm como objetivo uma reversão com-pleta de estratégias no campo regulatório. No entanto, para que isso sejapossível, um obstáculo undamental é o défcit democrático na opera-ção das instituições regulatórias internacionais na área das nanças. A

principal meta da regulação nanceira deve ser a criação de sistemasnanceiros que sirvam ao sistema produtivo, em vez de mantê-lo su-bordinado, que apoiem o pleno emprego e o desenvolvimento e preser-vem a estabilidade sistêmica. Da maneira que as instituições relevantesuncionam hoje em dia, são nulas as chances de que esses objetivossejam considerados seriamente. Mesmo um Fórum de Estabilidade Fi-nanceira “ampliado”, como sugerido pelo G-20 (nada oi dito sobre umComitê de Basileia ampliado, muito menos sobre um Comitê realmente

representativo), não permitiria contraponto adequado às visões dos exe-cutivos e reguladores nanceiros que, com requência, compartilhamos mesmos pontos de vistas que dominam os aparatos regulatórios dospaíses desenvolvidos. É necessário estudar alternativas mais radicaispara permitir que as preocupações com a economia real, o emprego e odesenvolvimento sejam levadas em conta de orma séria.

rePresenTaÇÃO DeMOCráTiCa

o p q c é czçã

gó c. P , é c c- p og-zçõ nçõ u (onu), úc ó q c pí p

p c c g “ pí, v”. i ã gc q pc b g, q pçã gí

c ê c b g, çõ h vz pçã g. dp p , p-

çã g gp – h pb pc cc. Pé, cç c pcpçã

v p. o G-20 é h q G-8, q p h q G-3 G-. n , é c p G-192, úc g

p é onu.

Page 32: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 32/46

31Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

No entanto, para que propostas radicais sejam levadas a sério, énecessário mais do que identicar os objetivos que um sistema nancei-ro reconstruído deve atender. Também é importante reconhecer que asmudanças têm de ser graduais e, em muitos casos, sequenciais. Em ou-

tras palavras, é necessário pensar estrategicamente, dierenciando me-tas que podem ser alcançadas com esorço relativamente menor e maisrapidamente daquelas que vão requerer mais tempo. Assim, nos círculosociais, haverá dois processos paralelos se desenvolvendo nos próximosmeses ou mesmo anos. Um deles buscará medidas e programas paraaliviar os eeitos da crise nanceira e da recessão na economia real. Issoacontecerá nacionalmente e, em alguns casos, no plano regional. O ou-tro processo buscará o desenho de uma nova arquitetura nanceira. Esse

processo multilateral teve início no dia 15 novembro, em Washington, evai continuar por meses ou talvez anos.10

Para alcançar uma reorma signicativa, é preciso que, em curtoe longo prazos, as medidas tomadas sejam progressistas, protegen-do a população em geral dos piores impactos da crise e contribuindopara a retomada das atividades produtivas, mas também aumentandoa estabilidade sistêmica e rompendo o domínio dos mercados nancei-

ros sobre decisões que aetem a produção e o emprego. Na verdade,precisamos pensar em termos de dois processos paralelos: um comobjetivos imediatos e outro com objetivos de longo prazo. A deniçãode medidas e programas imediatos para aliviar os eeitos da crise -nanceira e da próxima recessão global deve ser acompanhada peloobjetivo de longo prazo do desenho de nova arquitetura nanceira. Nãodeve surpreender a natureza conservadora da resposta a esses desaospor parte dos círculos ociais: resgates de instituições nanceiras e,

talvez, de empresas não-nanceiras, assim como ajustes incrementaisde curto prazo nas atuais estratégias regulatórias, como oi anunciadopelo Comitê de Basileia em um comunicado à imprensa no dia 20 denovembro de 2008.

10 A proundidade da atual crise pode garantir que o debate dure anos, em contraste comtoda a agitação em torno da necessidade de uma “nova arquitetura nanceira” em 1998,logo esquecida quando a economia mundial se recuperou pouco depois.

Page 33: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 33/46

32 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

11 São um tipo especíco de undo de ações, que compram ações de uma empresa pararetirá-las da negociação nas bolsas, “echando” o capital da empresa até que decidamvendê-las ao público novamente.

Embora medidas emergenciais devam ser tomadas em curto prazo, éimportante que elas restaurem a estabilidade sistêmica, e não simples-mente que salvem banqueiros e especuladores – o “princípio de que oespeculador paga” deve ser a palavra de ordem. Também é undamental

que essas medidas açam cuidadosa distinção entre undos de hedge ,undos private equity 11 e outras entidades altamente alavancadas, eaqueles undos que realmente reúnem a poupança da população emgeral, como os undos de pensão.

Enquanto as medidas de resgate não devem recompensar os executi-vos que “aundaram seus barcos”, as diculdades nanceiras soridas poraqueles que compraram empréstimos subprime vendidos em base raudu-lenta devem ser compensadas, como em qualquer outro caso de raude.

Finalmente, os resgates nanceiros devem ser implementados de ormaa assegurar que eventuais lucros obtidos com o ornecimento de dinheiropúblico serão retornados ao Estado e, portanto, à sociedade.

Por outro lado, manter uma visão estratégica do processo tambémsignica que as reormas precisem ter como objetivo o redesenho doprocesso de liberalização nanceira para assegurar que orneçam nan-ciamento adequado às necessidades do investimento produtivo, em vez

de manter o domínio das atividades nanceiras sobre as produtivas.Há ampla variedade de perspectivas críticas sobre as deciências doprojeto neoliberal, que levam também a um largo espectro de propostasde reorma. No entanto, alguns aspectos comuns podem ser identica-dos como essenciais em todas essas propostas ou na maioria delas.

Em primeiro lugar, há a preocupação com o desempenho apropria-do das instituições e dos mercados nanceiros no papel de provedoresde crédito e liquidez para as empresas produtivas e os consumidores,

apoiando as atividades produtivas e a circulação de bens e serviços. Osserviços nanceiros são, principalmente, insumos e não bens nais edevem estar disponíveis, a custo razoável, quando consumidores, con-sumidoras e empresas deles necessitarem. Isso signica que a oerta de

Page 34: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 34/46

33Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

serviços nanceiros deve ser talhada para preencher as necessidadesdas empresas e amílias e que as inovações nanceiras devam ser ava-liadas antes de sua disseminação, para garantir que realmente sirvamaos interesses da sociedade, e não para as instituições nanceiras bur-

larem a regulamentação.Assim, os mercados e as instituições nanceiras devem ser uncio-nais com relação às necessidades da produção e do desenvolvimento,promovendo a inclusão e o acesso a serviços e produtos de poupan-ça para a população. Porém, isso não é o bastante. É também crucialque essas unções sejam desempenhadas sem colocar a sociedade emperigo de turbulências e crises sérias. Isso signica que a regulaçãoe a supervisão devam ser reconhecidas pelo que são: um trabalho de

policiamento para controlar as tendências destrutivas engendradas naoperação normal dos mercados nanceiros. Não se trata de criminalizaras atividades nanceiras. No entanto, deve-se reconhecer que algumasatividades apresentam ameaças especiais para a sociedade e, portanto,devam se tornar objeto de atenção e monitoramento especiais.12

Para assegurar a estabilidade, a regulação nanceira deve ser esten-dida a todos os segmentos do sistema. Instrumentos, como derivativos

de balcão ou “entidades com receitas de juros variáveis”, undos private equity e de hedge , devem ser avaliados do ponto de vista de seu impactosobre a estabilidade macro do sistema, por meio de regulação pruden-cial macro. Outras instituições nanceiras, como bancos de investimen-to, aos quais organismos de supervisão, como as Comissões de ValoresImobiliários, somente aplicam regulações para garantir a integridade domercado, devem estar sujeitas à regulação prudencial tanto em escalamicro como macro. Na verdade, a regulação e supervisão nanceira de-

vem superar sua ragmentação histórica – que sobrevive mesmo naque-les países onde os supervisores estão reunidos na mesma instituição,como a Agência de Serviços Financeiros no Reino Unido.

12 Como ocorre com a indústria armacêutica ou com o transporte aéreo, nas quais pre-ocupações similares com a segurança exigiram regulação e cuidadosa supervisão dasautoridades.

Page 35: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 35/46

34 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

Não é somente uma questão de unicar burocracias, mas tambémde desenvolver visões integradas da operação dos mercados nanceirostanto em grau macro como no da instituição individual em uma épocade consolidação rápida. Os supervisores devem controlar o grau e as mo-

dalidades de crescimento da alavancagem e da ragilidade nanceira.Não é possível que a alavancagem possa ser escondida por entidadesantasmas não-reguladas, simplesmente criadas para ocultá-la dos su-pervisores. Ao contrário, os supervisores devem ter o poder de solicitarinormações e restringir o comportamento em todos os segmentos dosistema nanceiro, garantindo que a segurança sistêmica seja levada emconta de orma adequada.

Um ponto importante para ter em mente ao conceber propostas de

reorma regulatória, após essa época de globalização de livre mercadoquase irrestrita, é que, contrariamente aos rumores insistentes, a proe-minência da variedade anglo-saxã de capitalismo não prova que todasas outras variedades sejam equivocadas ou insustentáveis. Na verdade,a Europa e, de orma ainda mais dramática, a Ásia desenvolveram exem-plos particulares de organizações sociais capitalistas que são proun-damente dierentes do modelo empregado nos EUA e no Reino Unido.

Ponto central de contraste entre essas experiências é precisamente opapel reservado ao sistema nanceiro em cada país. A centralização datomada de decisões sobre regulação nanceira em entidades internacio-nais, como o Comitê de Basileia, ameaçou homogeneizar essas estrutu-ras e, na verdade, deu grandes passos nessa direção.

Porém, à medida que a crise corrói o prestígio das organizaçõesnanceiras do tipo dos EUA, provavelmente será rearmada a validadede outros arranjos. Isso deve ser uma boa notícia, especialmente para

os países em desenvolvimento, que têm sido orçados a adotar métodosde supervisão como os criados pelo Comitê de Basileia, mas que agorapodem recuperar algum grau de autonomia nessa área. A autonomia na-cional em questões regulatórias é mencionada ritualmente no parágrao8 do comunicado do G-20 (2008), porém todas as propostas concretascontidas no documento continuam a pressupor que os principais órunsde tomada de decisões continuam sendo as mesmas entidades interna-cionais do passado.

Page 36: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 36/46

35Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

BanCOs De DesenvOLviMenTO

a b, q cç ppçõ suna  pí -

vv aéc l éc 1980, v à pvzçã àçã bc vv púbc q pí.

Q ã pc cív, cg -zçã bc, bg- q pcz p vç

g pc, c pq p, c -pc , q, ç- p c c

pcíp bc pv. F bí g v à c bc vv “cv g”. e g c,

cg bg- g g B, c bc pv.o bc vv ã p x pq, pí

vv, h pj c q ã ã cvp cv pv, ã c ú, p z bíc

p, c g pv gçã g b. o pj p c p c p bc pv, c q

q vv çã vçõ écc. a xgêc q bc

vv p c bc pv b c q “c b q é h” , q pvzçã ã é p-c cv p g zã, é h q ç bc

c pv. P c píc b é cp pp bc vv, v

çõ gó q, c c , ãc q p bc pv.

socdd cl m çãoPara azer um contraponto a esses acontecimentos e pressionar os governosdos países em desenvolvimento a apresentarem as próprias visões e deen-der os próprios interesses nesse processo, as organizações da sociedadecivil devem estar preparadas para identicar e debater modelos alternativosde organização para o sistema nanceiro que possam suplantar e substituira estrutura liberalizada que uncionou durante os últimos 20 a 30 anos.

Page 37: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 37/46

36 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

Há três modelos alternativos básicos que poderiam substituir os ar-ranjos atuais e preencher os requisitos já discutidos.

1. Um sistema nanceiro drasticamente reduzido, no qual os serviços de

crédito e transações seriam ornecidos por bancos públicos, e os mer-cados privados de ações seriam echados. A especulação no sistemabancário seria evitada pela especicação estrita de suas unções. Nes-se enoque, considera-se que os mercados de títulos trouxeram maisproblemas do que beneícios, estimulando as operações de curto prazoe a alavancagem excessiva, assim como a manipulação de preços deativos nos mercados secundários. Como ontes de capital para ativida-des produtivas e investimentos, os mercados de títulos são considera-

dos ineriores aos bancos, pois estes últimos são capazes de realizaruma análise de crédito mais precisa do que a massa de investidores.

2. Um sistema nanceiro misto, no qual o setor bancário seria assumidopelo Estado, mas os mercados de títulos e intermediários nancei-ros não-bancários permaneceriam em mãos privadas, embora es-tritamente regulados e supervisionados. Outra vez, a propriedade

pública no sistema bancário aliviaria o ônus dos reguladores, poisessas instituições operariam em estrita sintonia com sua missãopreestabelecida. A regulação das instituições não-bancárias e dosmercados nanceiros seria modicada para restaurar a autoridade ea eciência das regulamentações e da supervisão.

3. O terceiro modelo preservaria a propriedade privada de bancos e deinstituições nanceiras não-bancárias, assim como nos mercados de

títulos, porém renovaria drasticamente o sistema de regulação e su-pervisão. Em especial, abandonaria a atual estratégia de Basileia derealizar regulação prudencial com base em regras microeconômicasem avor de um enoque macroeconômico e sistêmico na questãoda estabilidade. Na verdade, a nova estratégia regulatória restauramétodos e metas centrados no controle de riscos, no lugar da medi-ção e da administração de riscos, como tem sido a meta expressa doComitê de Basileia.

Page 38: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 38/46

37Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

O papel dos supervisores deve ser o de conter riscos e não o detentar medir aquilo que, por natureza, não pode ser medido porinstituições individuais, como o risco sistêmico. Nessa interpreta-ção, considera-se que os riscos sistêmicos são criados menos pelo

comportamento de instituições individuais do que pela interaçãoentre elas, que permite o crescimento da alavancagem a patama-res insustentáveis. Os supervisores devem se preocupar menoscom esperanças ilusórias, como medidas de risco apropriadas quepoderiam servir para o estabelecimento de coeciente de capitaladequados, e se voltarem para práticas mais simples e ecientes,como a xação de índices de alavancagem e de liquidez para limi-tar a exposição dos bancos a riscos.

Essas são três propostas estratégicas muito dierentes de como li-dar com o racasso regulatório em grande escala que resultou na atualcrise nanceira. A escolha entre elas pode depender de preerênciaspolíticas e culturais, atores legais e até mesmo da mera avaliação daeciência de cada arranjo em um determinado contexto nacional. Noentanto, todas essas propostas contêm um aspecto undamental, que é

a restauração do papel proeminente das entidades públicas no controledo sistema nanceiro para garantir que cumpram um papel construtivono nanciamento de atividades produtivas e do consumo, preservandoao mesmo tempo um grau aceitável de estabilidade sistêmica.

MéTODOs De regULaÇÃO e sUPervisÃO

o q c p Cê B spvã Bc -

p p c é c gçã pvã.a gçã c pc c v b cj

c cj c gê é C (cp, q v,gc, b qz). Íc põ (xc p

Page 39: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 39/46

38 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

gc) cp gp p c éc p

vçã cé bc. e, g pí pcv v c c ccíc

c c éc, c põ p bc qbé pv g.

o p ac B (1988) bcv pã c q p c úc çã g p c p bc g-

b. e íc c cp bc vp p c, x í 8%. o p bí v

bc c bc f c v - p v. a, ív b c pz gv pí

vv cb p z, q gcv q bc ã cp p v v, q pé

cc hpc h p 100%, q gcv q bch cv cp p c ó p. C c-

p bc c p b v vq pp bc p gh, bc

, bç, v c.e, c cg c cb p pc v ( -

pé b c pçã c q hpc gj), bc pcv p

c c c. aé , xêc c c c çõ cçã cp bc, q p

v p ccçõ c, ã c b cçõ c-c. a, vã ac B ii z p c pcc-

çõ c pc p c , c c pçõ,

p q bc v pç p gçã, p pp c. e q épc ív c p bc ú pcíc p bç c bc, c hóc.

o é gçã pc B ii, b pp q b p g c v q-

p póp bc, b : q íc

Page 40: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 40/46

39Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

h b v v p p c c q-v cv p ég pc g. i ,

p bc h íc cp ó q

pí q q v póx vêc. i g qp h vçã c cvp ég bc, b x vçã íc

bç bc.

P mud ulção fcHá pelo menos dois obstáculos a serem superados para permitir o deba-te real dessas alternativas (além, claro, daquelas propostas por entida-des como o Comitê de Basileia). Primeiro, os óruns nos quais elas serãoimplementadas precisam ser ampliados ou totalmente substituídos. Nãoaz o menor sentido que o re-exame do Acordo de Basileia II seja eitopelo mesmo Comitê que produziu um enoque tão alho para a estabili-dade bancária. O argumento “técnico” em avor da discussão em petit 

comité perdeu totalmente a legitimidade pela incapacidade de preveniruma crise tão prounda e pelo ato de que o custo da crise já se espalhapor todo o mundo, que, portanto, deve ter voz em qualquer novo plano.Além disso, como oi assinalado em Quem controla o sistema fnanceiro  (CARVALHO; KREGEL, 2008, p. 30-31), os impactos negativos de Ba-sileia II nos países em desenvolvimento eram visíveis muito antes decar demonstrada a inadequação desse Acordo pela crise dos paísesdesenvolvidos.

O segundo obstáculo é a possível relutância, especialmente por par-te dos países desenvolvidos, em reconhecer o direito de cada país aadotar estratégias regulatórias que sirvam a seus interesses, ainda queessas estratégias divirjam de um modelo preerido coletivamente. Naverdade, essa pode ser a reivindicação mais importante dos países emdesenvolvimento, pois mesmo que aquelas entidades sejam abertas aum grupo maior de países, não há garantia de que suas necessidadessejam seriamente levadas em conta. Tem acontecido, com requência,

Page 41: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 41/46

40 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

que alguma voz é dada aos países em desenvolvimento, mas suas rei-vindicações são ignoradas ou recebem apoio meramente retórico em de-clarações e comunicados diplomáticos, sem que haja intenção real deimplementá-las.

Seja como or, não se pode deixar de insistir no décit de represen-tação característico de entidades como o Comitê de Basileia e o Fórumde Estabilidade Financeira. Ainda que a participação no Comitê de Ba-sileia osse decidida estritamente por critérios nanceiros, não haveriarazão para incluir Suécia ou Suíça, ou ainda mais escandalosamenteLuxemburgo, e excluir China, Brasil e Coreia do Sul. Porém, devemosdeixar bem claro este ponto: não é somente uma questão de incluir esseou aquele país, mas de reconhecer que esse assunto é de importância

para todos os países, ricos e pobres, desenvolvidos e em desenvolvimen-to, de modo que todos devem ter sua voz e infuência garantidas.

O cmho p çÉ certamente uma tarea muito diícil eliminar ou mesmo reduzir sig-nicativamente o défcit democrático nas entidades internacionais que

assumiram a responsabilidade de ormular regras para a regulação -nanceira. Essas instituições são normalmente isoladas, protegidas pelosmembros dos países desenvolvidos, que impedem a ampliação da partici-pação ou mantêm procedimentos de votos que distorcem o resultado dequalquer debate contra os interesses dos países em desenvolvimento.

No entanto, os obstáculos criados para manter a maior parte dospaíses ora das entidades ou sem infuência perderam grande parte desua legitimidade por causa do enorme racasso regulatório que resultou

das estratégias de desregulação propostas por aquelas entidades desdea década de 1980. Já passou da hora de mudar suas regras de decisãoou de abandoná-las inteiramente, deixando de lado o projeto neoliberalde globalização nanceira e restaurando um grau signicativo de auto-nomia para cada país (incluindo os desenvolvidos) seguir suas estraté-gias preeridas. A possibilidade de controle de capitais para dar maisalternativas a cada país não pode mais ser excluída em princípio, comooi no auge do neoliberalismo.

Page 42: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 42/46

41Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

COnTrOLe De CaPiTais

É çã qq q v p p

/ í cp c cc. a b cp, j, cpc c c , c p p q gv,

cc, píc q ã j . n ê-c c cp, qz p, p xp, z

pçã q p b gp -p cp pí, x v c

c c bç pg. Q p c Fç

m z p b g Fç, 1981, c v pg p p cp pí. o c cp é ch lbalzaçã da na d 

apal . n êc c, Bc C p ç x j éc p v g cp, c

c B p q F Hq C cb c c cp x.

o c cp p x b g v . P c v q, p xp, g pçõ ã p-

pb j p p gv. P c c q gv põ p b çõ c

c x, pçõ c , p, cv.P, , p cp jv q b-

q cp pcv c pz. o p c é q bzçã c cp z p e ( c q -

p) pq p q g cã cã cp p p xp qz p x, c

pc p pã b bç pg.

Um processo assim enrenta enormes diculdades. As instituiçõesresistem ortemente a qualquer tentativa de infuenciar seus pontosde vistas sobre essas questões, com a expectativa de infuenciar seus

Page 43: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 43/46

42 instituto Brasileiro de análises soCiais e eConômiCas

processos decisórios. Isso inclui até a mera prestação de contas deentidades, como o FMI, que só oi iniciada após persistentes pressões;especialmente nesse caso do Fundo, que havia cometido erros tão gra-ves durante a crise asiática de 1997-1998.

Os problemas não se restringem à resistência oposta pelas própriasentidades à abertura de seus processos decisórios. Há também dicul-dades em outro campo. Os países precisam ser mais bem representadosnas entidades, e as organizações da sociedade civil precisam se azerouvir. A eliminação do défcit democrático signica a abertura das ins-tituições internacionais a essas duas orças, porém de orma dierente.Além disso, há o problema de governos não-democráticos e de Organi-zações da Sociedade Civil (OSCs) ilegítimas. Não é ácil tratar dessas

questões, mas é uma diculdade que não pode ser evitada.Provavelmente, não ocorrerá nada além de medidas simbólicas de

duvidosa ecácia se as organizações da sociedade civil não organizaremcampanhas para pressionar os governos dos países em desenvolvimentoa exigirem participação mais ecaz nessas entidades, assim como mo-bilizar a opinião pública nos países desenvolvidos para que apoiem es-sas reivindicações. Isso signica que as OSCs precisam conceber ortes

campanhas de mobilização para explicar porque essas questões são deimportância tão crucial para todos os cidadãos e todas as cidadãs, queos mercados nanceiros não são somente um jogo para os ricos, masatividades que podem engendrar grandes riscos ao bem-estar de todasas pessoas, como as atuais condições deixam mais que evidente. Umacampanha poderia ser concebida em torno de dois temas abrangentes:primeiro, a necessidade de um controle público das atividades nan-ceiras, trabalhando para reduzir o défcit democrático  na governança

nanceira global; segundo, a necessidade de limitar o domínio do setornanceiro, desenhando políticas que priorizem o emprego, o desenvolvi-mento e a distribuição de renda e riqueza.

É preciso denir redes e buscar alianças ortes para atingir esseobjetivo. Muitas organizações da sociedade civil envolvidas com ques-tões como a estabilidade nanceira e macroeconômica, tanto em âmbitonacional como internacional, estão ainda trabalhando em relativo isola-mento. Outras estão preocupadas com aspectos particulares do proble-

Page 44: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 44/46

43Crise FinanCeira e Déicit Democrático 

ma, como evasão scal, prestação de contas do FMI e Banco Mundial,cancelamento da dívida dos países em desenvolvimento, processos orça-mentários participativos e, naturalmente, comércio e serviços, incluindoserviços nanceiros, nos quais muitas decisões regulatórias são eitas

sem atrair a atenção que merecem. A grande energia e o esorço aplica-dos a essas atividades poderiam ser grandemente aumentados por açõesconjuntas. Porém, por mais ampla que seja essa lista, está longe deesgotar as instituições e os grupos que deveriam estar envolvidos nessacampanha por reormas democráticas na governança nanceira interna-cional. Partidos políticos, sindicatos, campanhas contra a privatizaçãoe movimentos de direitos humanos, que cada vez mais desenvolvemtrabalhos sobre direitos econômicos e sociais, além de direitos políticos

e civis, devem ser aliados naturais nesse esorço.Um ator importante nesse esorço é o desenvolvimento de capa-

cidade analítica entre ativistas das organizações da sociedade civil euncionários de governos de países em desenvolvimento para que ascampanhas possam ser dirigidas de orma mais eetiva e a crítica daglobalização nanceira neoliberal cause mais impacto. Tem sido umameta central deste projeto contribuir para esse esorço.

Page 45: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 45/46

Ibase

Avenida Rio Branco, 124 / 8º andarCentro – CEP 20148-900

Rio de Janeiro – RJPhone: 55-21 2178-9400Fax: 55-21 2178-9402E-mail: [email protected]

Site: www.ibase.br

Page 46: Crise Financeira e Déficit Democrático

8/7/2019 Crise Financeira e Déficit Democrático

http://slidepdf.com/reader/full/crise-financeira-e-deficit-democratico 46/46