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SINOPSE DO CASE: FALSIDADE IDEOLÓGICA 1 Anna Carolina Pereira Barbosa, Aylla Muara, Cynara Farah, Felipe Rezende, Giuliana Garcia, Inácio Rodrigues Neto, Rayana Sousa, Tassia Duarte. 2 Maria do Socorro de Carvalho 3 1 DESCRIÇÃO DO CASO O enredo desta história começa com Pablo, trabalhador rural nascido na região fronteiriça de San Martin, localizada especificamente entre o Brasil e Paraguai. Ele cresceu e morou na cidade desde seu nascimento, porém ao chegar à idade adulta, objetivando uma garantia para sua velhice, veio ao Brasil com a intenção de obter aposentadoria pelo sistema previdenciário pátrio, e para tal fim realizou a compra de uma carteira de identidade brasileira. Então, como Pablo não possui capacidade postulatória recorre aos serviços advocatícios de Cristiano. Fazendo-se necessário para tanto uma procuração ad judiciam. Por outro lado, o advogado aproveita-se da ausência da secretária naquele determinado dia, e pede para Pablo assinar uma folha de papel em branco, que iria ser preenchida devidamente posteriormente, ficando acordado entre eles a capacidade de Cristiano para receber intimações. O advogado ao observar que pelos anos de trabalho na lavoura, Pablo receberia considerável soma em dinheiro, agindo de má fé amplia seus poderes na folha de papel em branco assinada por Pablo. Ficando desta forma, autorizado inclusive

Case de Penal Falsidade Ideologica

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Page 1: Case de Penal Falsidade Ideologica

SINOPSE DO CASE: FALSIDADE IDEOLÓGICA1

Anna Carolina Pereira Barbosa, Aylla Muara, Cynara Farah, Felipe Rezende, Giuliana Garcia, Inácio Rodrigues Neto, Rayana Sousa, Tassia Duarte.2

Maria do Socorro de Carvalho3

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O enredo desta história começa com Pablo, trabalhador rural nascido na região

fronteiriça de San Martin, localizada especificamente entre o Brasil e Paraguai. Ele cresceu e

morou na cidade desde seu nascimento, porém ao chegar à idade adulta, objetivando uma

garantia para sua velhice, veio ao Brasil com a intenção de obter aposentadoria pelo sistema

previdenciário pátrio, e para tal fim realizou a compra de uma carteira de identidade

brasileira.

Então, como Pablo não possui capacidade postulatória recorre aos serviços

advocatícios de Cristiano. Fazendo-se necessário para tanto uma procuração ad judiciam. Por

outro lado, o advogado aproveita-se da ausência da secretária naquele determinado dia, e pede

para Pablo assinar uma folha de papel em branco, que iria ser preenchida devidamente

posteriormente, ficando acordado entre eles a capacidade de Cristiano para receber

intimações.

O advogado ao observar que pelos anos de trabalho na lavoura, Pablo receberia

considerável soma em dinheiro, agindo de má fé amplia seus poderes na folha de papel em

branco assinada por Pablo. Ficando desta forma, autorizado inclusive a receber, um montante

em dinheiro que pertenceria ao seu cliente. Diante o caso exposto, duas questões de imediato

são apresentadas, afinal, qual conduta tipifica a falsificação de documento e qual representa a

falsidade ideológica?

1 Case apresentado à disciplina de Direito Penal Especial II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.2 Alunos do 5º Período vespertino, do curso de Direito, da UNDB. 3 Professora da disciplina, orientadora.2 DESCRIÇÃO DAS POSSÍVEIS DECISÕES

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Sob a conduta de Pablo recairá a Falsidade Material

Sob a conduta do advogado recairá Falsidade Ideológica

3 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO

Sob a conduta de Pablo recairá a Falsidade Material

A Falsidade Material que também é conhecida como falsidade de documento é

representada pelos artigos 297 e 298 do Código Penal, respectivamente o primeiro trata de

documento público e o segundo de documento particular. Caracterizam-se por ser crime

comum, simples, formal, não transeunte e instantâneo.

O artigo 297 do CP demonstra uma clara preocupação com a forma do documento

público, devido à falsificação recair sobre seu corpo, sua exterioridade. O documento público

é aquele elaborado por funcionário público, respeitando as formalidades legais no

desempenho de sua função. Enquanto que o art. 298 demonstra igual preocupação em

proteger documento particular, que é aquele que não é público em si mesmo ou por

equiparação. Segundo MASSON (2012, p. 452):

“o legislador brasileiro acompanhou a tendência mundial, e criou dois crimes distintos, estabelecendo pena mais grave para a falsificação de documento público (reclusão, de dois a seis anos, e multa) do que para a falsificação de documento particular (reclusão, de um a cinco anos, e multa).”

Logo, o núcleo do tipo da conduta abrange duas ações, a primeira é falsificar, no

todo ou em parte, documento público. O verbo falsificar no sentido de o indivíduo fabricar um

documento público até então inexistente. Essa falsificação também pode ser chamada de

contrafação. Pode ser total, onde o documento é criado em sua integralidade; ou parcial

quando o indivíduo acrescenta palavras, letras ou números, sem estar autorizado a fazer tal

alteração. A segunda é alterar documento público verdadeiro, no sentido de modificar um

documento já existente, mediante a substituição de seu conteúdo com frases, palavras ou

números que acarretam mudança na essência de seu conteúdo.

Porém eis que surge uma indagação, qual a diferença entre alteração e falsidade

parcial? Responde MASSON (2012, p. 457):

“Na alteração, existe um documento verdadeiro, cujo conteúdo é modificado pela conduta criminosa. É por essa razão que o tipo penal possui a elementar verdadeiro (‘alterar documento público verdadeiro’). Por seu turno na falsificação parcial o documento nasce como obra do falsário, isto é, o documento verdadeiro jamais existiu.”

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Há que se ressaltar o § 3º do artigo referido, que foi inserido em 14/07/200 pela lei

9.983, que se refere aos crimes contra a Previdência Social, que foi intitulado pela doutrina

como “falsidade ideológica e o equívoco do legislador”. Pois se ampliou o rol de documentos

públicos por equiparação (são documentos particulares que o legislador para fins de aplicação

de pena, decidiu colocar no mesmo patamar dos documentos públicos). Como explica

MASSON (2012, p. 463):

“O tipo penal contém dois núcleos: ‘inserir’ (introduzir ou colocar) e ‘fazer inserir’ (criar condições para que terceiro introduza ou coloque). No momento da sua formação, o documento é verdadeiro, mas seu conteúdo, a ideia nele contida é falsa. Percebe-se, portanto, uma falha grotesca efetuada pela Lei 9983/2000, qual seja disciplinou uma modalidade de falsidade ideológica em dispositivo atinente à falsidade material.”

Adverte também Cezar Roberto Bitencourt (2011) que é constrangedora a

equivocada inclusão no art. 197 das condutas que identificam falsidade ideológica, quando

deveriam ser introduzidas no art. 299, pois a falsidade material altera o aspecto formal do

documento com a construção de um novo ou alterando-o, enquanto que a falsidade ideológica

altera o conteúdo, total ou parcialmente do documento, mantendo inalterado o aspecto formal.

Outra ressalva relevante é que o § 3º, II do art. 297 do CP distingue-se do art. 49

da CLT- Consolidação das Leis do Trabalho, pois se a falsidade lançada na carteira de

Trabalho e da Previdência Social relacionar-se com os direitos trabalhistas do empregado,

incidirá o crime do art. 49 da CLT.

Por fim, em ambos os artigos, o sujeito ativo é crime comum, ou seja, qualquer

pessoa pode cometer tal delito. O sujeito passivo imediato é o Estado, e mediatamente é a

pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta criminosa e o elemento subjetivo é o dolo,

portanto, requer a vontade livre e consciente de praticar a falsidade, porém sem fim especial

de agir, não se admitindo a conduta culposa.

Do caso em tela, depreende-se que Pablo responderá por este delito, por falsificar

um documento de identidade.

Sob a conduta do advogado recairá Falsidade Ideológica

A Falsidade Ideológica tipificada pelo art. 299 do CP caracteriza-se pela omissão de

declaração que deveria constar em documento público ou particular, ou nele inserir ou fazer

inserir declaração falsa ou diversa daquela que deveria ser escrita com a finalidade de

prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

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Então, de fato, o documento é formalmente verdadeiro, mas o conteúdo lançado é divergente

da realidade. Não havendo confratação ou alteração de qualquer espécie. Podendo ser

conhecido como falso ideal, falso moral ou falso intelectual.

O ponto chave desta conduta consiste no conteúdo falso lançado pela pessoa

legitimada para a elaboração do documento. Assim, se vier a ser adulterada a assinatura do

responsável pela emissão do documento, ou se for efetuada assinatura falsa, ou rasurado ou

modificado sua essência, estará configurada a falsidade ideológica.

Preceitua Nelson Hungria (1959), exímio penalista brasileiro, ao buscar diferenciar

falsidade ideológica de falsidade material, que se trata de falsidade ideológica que é

modalidade do falsum documental, quando a sua genuinidade formal do documento não

corresponde a sua veracidade intrínseca, na ideação, no que as palavras transmitem . Por outro

lado, a falsidade material afeta a autenticidade ou inalterabilidade do documento na sua forma

extrínseca e intrínseca.

O caput do artigo mencionado abrange duas condutas, a primeira consiste em “omitir”,

no sentido de deixar de inserir ou não fornecer a declaração que devia no documento. É

hipótese de crime omissivo próprio, pois está descrita na lei uma conduta negativa, de não

fazer. A segunda conduta se trata de “inserir ou fazer inserir” declaração falsa ou diversa da

que deveria ser escrita, logo sendo caracterizado um crime comissivo, se subdividindo em

falsidade ideológica imediata ou mediata.

A imediata ou direta, é aquela hipótese em que o sujeito por contra própria, insere no

documento a declaração falsa ou diferente da que deveria ser escrita. Então, pode haver a

substituição de uma declaração verdadeira por outra verdadeira, mas que não deveria estar no

documento. A mediata ou indireta, é aquela em que o indivíduo se vale de um terceiro para

fazer inserir no documento, a declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita.

Há de se enfrentar agora a situação problemática do preenchimento do papel assinado

em branco, na hipótese em que é preenchido por com o fim de prejudicar direito, criar

obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, assim podem ocorrer quatro

situações: 1) Se o papel assinado em branco chegou às mãos do indivíduo de forma lícita,

legítima, e este dotado de autorização o preenche de forma diferente da convencionada com o

signatário, estará inserindo declaração diversa da que deveria ser escrita, logo configura

falsidade ideológica. 2) Caso o papel em branco assinado tenha sido obtido de forma ilícita

(furto, roubo, apropriação indébita, etc.), e o indivíduo o preenche sem legitimidade para

tanto, trata-se de confratação configurando falsificação de documento. 3) Se a posse do papel

assinado em branco estiver sido obtida licitamente, contudo posteriormente o signatário

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revogou a autorização para seu preenchimento ou cessou a obrigação ou faculdade de

preenchê-lo, logo tratar-se-á de falsificação de documento. 4) E por fim, se o agente recebeu

o documento do signatário para preenchê-lo falsamente mas o faz em consonância com a

verdade, não há que se falar em falsidade material ou ideológica, pois de boa-fé o indivíduo

evita que um abuso seja praticado.

Este crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, entretanto se o

agente for funcionário público e praticar a conduta se valendo de seu cargo, incidirá aumento

da pena a sexta parte. O sujeito passivo é o Estado e, mediatamente a pessoa física ou jurídica

prejudicada pela conduta criminosa. Ressaltando que seu elemento subjetivo é o dolo, e

acrescido de um fim especial de agir, devido à expressão “com o fim de prejudicar direito,

criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Se consuma com a omissão ou inserção de forma direta ou indireta de declaração falsa

ou diversa da que deveria constar no documento, sendo assim, crime formal. Portanto, não é

exigido o efetivo uso do documento falso, nem a obtenção de vantagem ou prejuízo de

alguém. Admite tentativa tanto nas hipóteses omissivas quanto comissivas.

Vale acrescentar que os incisos II e V do art. 49 do Decreto 5.452/1943 – CLT

contemplam formas específicas de falsidade ideológica onde também se aplicam as penas do

art. 299 do CP, que são:

“Art. 49 - Para os efeitos da emissão, substituição ou anotação de Carteiras de Trabalho e Previdência Social, considerar-se-á, crime de falsidade, com as penalidades previstas no art. 299 do Código Penal;(...)II - Afirmar falsamente a sua própria identidade, filiação, lugar de nascimento, residência, profissão ou estado civil e beneficiários, ou atestar os de outra pessoa; (...)V - Anotar dolosamente em Carteira de Trabalho e Previdência Social ou registro de empregado, ou confessar ou declarar em juízo ou fora dele, data de admissão em emprego diversa da verdadeira.”

Do caso em tela, depreende-se que a conduta do advogado se caracteriza uma

falsidade ideológica, pois preencheu o documento de forma diferente da acertada com Pablo,

além de inserir declaração diversa da acordada entre eles, fazendo com que se enquadre na

conduta ilícita descrita no Código Penal.

REFERÊNCIAS

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BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2001.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 3. Niterói: Impetus, 2006.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959,

Vol. IX.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Vol. 3. São Paulo: Método. 2012.