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SINOPSE DO CASE: FALSIDADE IDEOLÓGICA1
Anna Carolina Pereira Barbosa, Aylla Muara, Cynara Farah, Felipe Rezende, Giuliana Garcia, Inácio Rodrigues Neto, Rayana Sousa, Tassia Duarte.2
Maria do Socorro de Carvalho3
1 DESCRIÇÃO DO CASO
O enredo desta história começa com Pablo, trabalhador rural nascido na região
fronteiriça de San Martin, localizada especificamente entre o Brasil e Paraguai. Ele cresceu e
morou na cidade desde seu nascimento, porém ao chegar à idade adulta, objetivando uma
garantia para sua velhice, veio ao Brasil com a intenção de obter aposentadoria pelo sistema
previdenciário pátrio, e para tal fim realizou a compra de uma carteira de identidade
brasileira.
Então, como Pablo não possui capacidade postulatória recorre aos serviços
advocatícios de Cristiano. Fazendo-se necessário para tanto uma procuração ad judiciam. Por
outro lado, o advogado aproveita-se da ausência da secretária naquele determinado dia, e pede
para Pablo assinar uma folha de papel em branco, que iria ser preenchida devidamente
posteriormente, ficando acordado entre eles a capacidade de Cristiano para receber
intimações.
O advogado ao observar que pelos anos de trabalho na lavoura, Pablo receberia
considerável soma em dinheiro, agindo de má fé amplia seus poderes na folha de papel em
branco assinada por Pablo. Ficando desta forma, autorizado inclusive a receber, um montante
em dinheiro que pertenceria ao seu cliente. Diante o caso exposto, duas questões de imediato
são apresentadas, afinal, qual conduta tipifica a falsificação de documento e qual representa a
falsidade ideológica?
1 Case apresentado à disciplina de Direito Penal Especial II, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.2 Alunos do 5º Período vespertino, do curso de Direito, da UNDB. 3 Professora da disciplina, orientadora.2 DESCRIÇÃO DAS POSSÍVEIS DECISÕES
Sob a conduta de Pablo recairá a Falsidade Material
Sob a conduta do advogado recairá Falsidade Ideológica
3 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO
Sob a conduta de Pablo recairá a Falsidade Material
A Falsidade Material que também é conhecida como falsidade de documento é
representada pelos artigos 297 e 298 do Código Penal, respectivamente o primeiro trata de
documento público e o segundo de documento particular. Caracterizam-se por ser crime
comum, simples, formal, não transeunte e instantâneo.
O artigo 297 do CP demonstra uma clara preocupação com a forma do documento
público, devido à falsificação recair sobre seu corpo, sua exterioridade. O documento público
é aquele elaborado por funcionário público, respeitando as formalidades legais no
desempenho de sua função. Enquanto que o art. 298 demonstra igual preocupação em
proteger documento particular, que é aquele que não é público em si mesmo ou por
equiparação. Segundo MASSON (2012, p. 452):
“o legislador brasileiro acompanhou a tendência mundial, e criou dois crimes distintos, estabelecendo pena mais grave para a falsificação de documento público (reclusão, de dois a seis anos, e multa) do que para a falsificação de documento particular (reclusão, de um a cinco anos, e multa).”
Logo, o núcleo do tipo da conduta abrange duas ações, a primeira é falsificar, no
todo ou em parte, documento público. O verbo falsificar no sentido de o indivíduo fabricar um
documento público até então inexistente. Essa falsificação também pode ser chamada de
contrafação. Pode ser total, onde o documento é criado em sua integralidade; ou parcial
quando o indivíduo acrescenta palavras, letras ou números, sem estar autorizado a fazer tal
alteração. A segunda é alterar documento público verdadeiro, no sentido de modificar um
documento já existente, mediante a substituição de seu conteúdo com frases, palavras ou
números que acarretam mudança na essência de seu conteúdo.
Porém eis que surge uma indagação, qual a diferença entre alteração e falsidade
parcial? Responde MASSON (2012, p. 457):
“Na alteração, existe um documento verdadeiro, cujo conteúdo é modificado pela conduta criminosa. É por essa razão que o tipo penal possui a elementar verdadeiro (‘alterar documento público verdadeiro’). Por seu turno na falsificação parcial o documento nasce como obra do falsário, isto é, o documento verdadeiro jamais existiu.”
Há que se ressaltar o § 3º do artigo referido, que foi inserido em 14/07/200 pela lei
9.983, que se refere aos crimes contra a Previdência Social, que foi intitulado pela doutrina
como “falsidade ideológica e o equívoco do legislador”. Pois se ampliou o rol de documentos
públicos por equiparação (são documentos particulares que o legislador para fins de aplicação
de pena, decidiu colocar no mesmo patamar dos documentos públicos). Como explica
MASSON (2012, p. 463):
“O tipo penal contém dois núcleos: ‘inserir’ (introduzir ou colocar) e ‘fazer inserir’ (criar condições para que terceiro introduza ou coloque). No momento da sua formação, o documento é verdadeiro, mas seu conteúdo, a ideia nele contida é falsa. Percebe-se, portanto, uma falha grotesca efetuada pela Lei 9983/2000, qual seja disciplinou uma modalidade de falsidade ideológica em dispositivo atinente à falsidade material.”
Adverte também Cezar Roberto Bitencourt (2011) que é constrangedora a
equivocada inclusão no art. 197 das condutas que identificam falsidade ideológica, quando
deveriam ser introduzidas no art. 299, pois a falsidade material altera o aspecto formal do
documento com a construção de um novo ou alterando-o, enquanto que a falsidade ideológica
altera o conteúdo, total ou parcialmente do documento, mantendo inalterado o aspecto formal.
Outra ressalva relevante é que o § 3º, II do art. 297 do CP distingue-se do art. 49
da CLT- Consolidação das Leis do Trabalho, pois se a falsidade lançada na carteira de
Trabalho e da Previdência Social relacionar-se com os direitos trabalhistas do empregado,
incidirá o crime do art. 49 da CLT.
Por fim, em ambos os artigos, o sujeito ativo é crime comum, ou seja, qualquer
pessoa pode cometer tal delito. O sujeito passivo imediato é o Estado, e mediatamente é a
pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta criminosa e o elemento subjetivo é o dolo,
portanto, requer a vontade livre e consciente de praticar a falsidade, porém sem fim especial
de agir, não se admitindo a conduta culposa.
Do caso em tela, depreende-se que Pablo responderá por este delito, por falsificar
um documento de identidade.
Sob a conduta do advogado recairá Falsidade Ideológica
A Falsidade Ideológica tipificada pelo art. 299 do CP caracteriza-se pela omissão de
declaração que deveria constar em documento público ou particular, ou nele inserir ou fazer
inserir declaração falsa ou diversa daquela que deveria ser escrita com a finalidade de
prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Então, de fato, o documento é formalmente verdadeiro, mas o conteúdo lançado é divergente
da realidade. Não havendo confratação ou alteração de qualquer espécie. Podendo ser
conhecido como falso ideal, falso moral ou falso intelectual.
O ponto chave desta conduta consiste no conteúdo falso lançado pela pessoa
legitimada para a elaboração do documento. Assim, se vier a ser adulterada a assinatura do
responsável pela emissão do documento, ou se for efetuada assinatura falsa, ou rasurado ou
modificado sua essência, estará configurada a falsidade ideológica.
Preceitua Nelson Hungria (1959), exímio penalista brasileiro, ao buscar diferenciar
falsidade ideológica de falsidade material, que se trata de falsidade ideológica que é
modalidade do falsum documental, quando a sua genuinidade formal do documento não
corresponde a sua veracidade intrínseca, na ideação, no que as palavras transmitem . Por outro
lado, a falsidade material afeta a autenticidade ou inalterabilidade do documento na sua forma
extrínseca e intrínseca.
O caput do artigo mencionado abrange duas condutas, a primeira consiste em “omitir”,
no sentido de deixar de inserir ou não fornecer a declaração que devia no documento. É
hipótese de crime omissivo próprio, pois está descrita na lei uma conduta negativa, de não
fazer. A segunda conduta se trata de “inserir ou fazer inserir” declaração falsa ou diversa da
que deveria ser escrita, logo sendo caracterizado um crime comissivo, se subdividindo em
falsidade ideológica imediata ou mediata.
A imediata ou direta, é aquela hipótese em que o sujeito por contra própria, insere no
documento a declaração falsa ou diferente da que deveria ser escrita. Então, pode haver a
substituição de uma declaração verdadeira por outra verdadeira, mas que não deveria estar no
documento. A mediata ou indireta, é aquela em que o indivíduo se vale de um terceiro para
fazer inserir no documento, a declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita.
Há de se enfrentar agora a situação problemática do preenchimento do papel assinado
em branco, na hipótese em que é preenchido por com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, assim podem ocorrer quatro
situações: 1) Se o papel assinado em branco chegou às mãos do indivíduo de forma lícita,
legítima, e este dotado de autorização o preenche de forma diferente da convencionada com o
signatário, estará inserindo declaração diversa da que deveria ser escrita, logo configura
falsidade ideológica. 2) Caso o papel em branco assinado tenha sido obtido de forma ilícita
(furto, roubo, apropriação indébita, etc.), e o indivíduo o preenche sem legitimidade para
tanto, trata-se de confratação configurando falsificação de documento. 3) Se a posse do papel
assinado em branco estiver sido obtida licitamente, contudo posteriormente o signatário
revogou a autorização para seu preenchimento ou cessou a obrigação ou faculdade de
preenchê-lo, logo tratar-se-á de falsificação de documento. 4) E por fim, se o agente recebeu
o documento do signatário para preenchê-lo falsamente mas o faz em consonância com a
verdade, não há que se falar em falsidade material ou ideológica, pois de boa-fé o indivíduo
evita que um abuso seja praticado.
Este crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, entretanto se o
agente for funcionário público e praticar a conduta se valendo de seu cargo, incidirá aumento
da pena a sexta parte. O sujeito passivo é o Estado e, mediatamente a pessoa física ou jurídica
prejudicada pela conduta criminosa. Ressaltando que seu elemento subjetivo é o dolo, e
acrescido de um fim especial de agir, devido à expressão “com o fim de prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
Se consuma com a omissão ou inserção de forma direta ou indireta de declaração falsa
ou diversa da que deveria constar no documento, sendo assim, crime formal. Portanto, não é
exigido o efetivo uso do documento falso, nem a obtenção de vantagem ou prejuízo de
alguém. Admite tentativa tanto nas hipóteses omissivas quanto comissivas.
Vale acrescentar que os incisos II e V do art. 49 do Decreto 5.452/1943 – CLT
contemplam formas específicas de falsidade ideológica onde também se aplicam as penas do
art. 299 do CP, que são:
“Art. 49 - Para os efeitos da emissão, substituição ou anotação de Carteiras de Trabalho e Previdência Social, considerar-se-á, crime de falsidade, com as penalidades previstas no art. 299 do Código Penal;(...)II - Afirmar falsamente a sua própria identidade, filiação, lugar de nascimento, residência, profissão ou estado civil e beneficiários, ou atestar os de outra pessoa; (...)V - Anotar dolosamente em Carteira de Trabalho e Previdência Social ou registro de empregado, ou confessar ou declarar em juízo ou fora dele, data de admissão em emprego diversa da verdadeira.”
Do caso em tela, depreende-se que a conduta do advogado se caracteriza uma
falsidade ideológica, pois preencheu o documento de forma diferente da acertada com Pablo,
além de inserir declaração diversa da acordada entre eles, fazendo com que se enquadre na
conduta ilícita descrita no Código Penal.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2001.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 3. Niterói: Impetus, 2006.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959,
Vol. IX.
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Vol. 3. São Paulo: Método. 2012.