14
Cap´ ıtulo 5 O Ensemble Canˆ onico Neste cap´ ıtulo estudaremos como a mecˆ anica estat´ ıstica descreve as pro- priedades de um sistema em equil´ ıbrio t´ ermico com o meio que o contem Analisaremos o caso onde h´ a troca de energia, mas n˜ ao part´ ıculas, com o meio externo. Para tal, vamos supor que o ´ ultimo, chamado de reservat´orio, ´ e muito maior que o sistema de interesse. O ponto de partida ´ e a densidade de pontos representativos do espa¸ co de fases, ρ(p N , q N ). Usaremos a partir deste cap´ ıtulo a nota¸c˜ ao (p N , q N ) para representar (p 1 , ··· , p N , q 1 , ··· , q N ). 1 O conhecimento de ρ(p N , q N ) nos permite calcular o valor esperado de qualquer observ´ avel como discutido no cap´ ıtulo anterior. Para obter ρ vamos seguir um roteiro semelhante ` aquele apresentado para discutir a entropia de um sistema constitu´ ıdo de duas partes no ensemble microcanˆ onico. Consideremos um sistema isolado (pertencente ao ensemble microcanˆ onico) com N part´ ıculas e volume V composto de dois subsistemas S 1 e S 2 . Os subsistemas s˜ ao caracterizados por um n´ umero de part´ ıculas e um volume fixos, (N 1 ,V 1 )e(N 2 ,V 2 ), e podem trocar energia um com o outro. Vamos supor ainda que N 2 N 1 1. Dada esta condi¸c˜ ao, pode-se dizer que o sistema 2 age como um reservat´ orio para o sistema 1: Mudan¸cas em S 1 ter˜ ao pouca influˆ encia em S 2 , mas a rec´ ıproca n˜ ao ´ e verdadeira. Vamos supor que a intera¸c˜ ao entre as part´ ıculas seja de curto alcance, de modo que possamos aproximar a hamiltoniana total do sistema em duas partes, H (p N , q N ) H (p N 1 , q N 1 + H (p N 2 , q N 2 ). Consideremos ainda que o sistema composto (1+2) tenha energia limitada por E e E + 2Δ, e que E 1 e 1 Vale frisar que a nota¸c˜ ao impl´ ıcita (p, q) (p N , q N e muito mais cˆ omoda, mas requer cautela para quem n˜ ao est´ a familiarizado com a mat´ eria, pois pode levar a confus˜ ao na contagem da dimensionalidade das integra¸c˜ oes. Neste texto optamos por usar a nota¸c˜ ao expl´ ıcita, em sala de aula costumamos usar a impl´ ıcita. 1

Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

Capıtulo 5

O Ensemble Canonico

Neste capıtulo estudaremos como a mecanica estatıstica descreve as pro-priedades de um sistema em equilıbrio termico com o meio que o contemAnalisaremos o caso onde ha troca de energia, mas nao partıculas, com omeio externo. Para tal, vamos supor que o ultimo, chamado de reservatorio,e muito maior que o sistema de interesse.

O ponto de partida e a densidade de pontos representativos do espaco defases, ρ(pN ,qN). Usaremos a partir deste capıtulo a notacao (pN ,qN) pararepresentar (p1, · · · ,pN ,q1, · · · ,qN). 1 O conhecimento de ρ(pN ,qN) nospermite calcular o valor esperado de qualquer observavel como discutido nocapıtulo anterior.

Para obter ρ vamos seguir um roteiro semelhante aquele apresentado paradiscutir a entropia de um sistema constituıdo de duas partes no ensemblemicrocanonico. Consideremos um sistema isolado (pertencente ao ensemblemicrocanonico) com N partıculas e volume V composto de dois subsistemasS1 e S2. Os subsistemas sao caracterizados por um numero de partıculas eum volume fixos, (N1, V1) e (N2, V2), e podem trocar energia um com o outro.Vamos supor ainda que N2 � N1 � 1. Dada esta condicao, pode-se dizerque o sistema 2 age como um reservatorio para o sistema 1: Mudancas emS1 terao pouca influencia em S2, mas a recıproca nao e verdadeira.

Vamos supor que a interacao entre as partıculas seja de curto alcance,de modo que possamos aproximar a hamiltoniana total do sistema em duaspartes, H(pN ,qN) ≈ H(pN1 ,qN1 + H(pN2 ,qN2). Consideremos ainda que osistema composto (1+2) tenha energia limitada por E e E + 2∆, e que E1 e

1Vale frisar que a notacao implıcita (p, q) ≡ (pN ,qN ) e muito mais comoda, mas requercautela para quem nao esta familiarizado com a materia, pois pode levar a confusao nacontagem da dimensionalidade das integracoes. Neste texto optamos por usar a notacaoexplıcita, em sala de aula costumamos usar a implıcita.

1

Page 2: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

2 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

E2 sejam as energias do subsistemas:

E < E1 + E2 < E + 2∆ (5.1)

2 2, ;N V T

1 1, ;N V T

sistema S2

sistema S1

troca de energia

troca de energia

Figura 5.1: Os dois subsistemas caracterizados por (N1, V1) e (N2, V2), onde N2 �N1 e V2 � V1, estao equilıbrio termico a uma temperatura T . Eles sao postos emcontato e trocam energia.

Como no capıtulo anterior, para subsistemas macroscopicos as flutuacoesem E1 e E2 sao muito pequenas. Como N2 � N1, assumimos que E2 � E1.A probabilidade de encontrarmos o sistema composto (1+2), o qual pertencepor construcao ao ensemble microcanonico, no microestado (pN ,qN) e dadopor

ρ(pN ,qN) =

{1/Γ(E) se E < H(pN ,qN) < E + 2∆0 caso contrario

. (5.2)

A probabilidade de encontrarmos S1 em (pN1 ,qN2) independe do microes-tado (pN2 ,qN2) especıfico em que se encontra S2. Integrando sobre todosmicroestados de S2, escrevemos

ρ(pN1 ,qN1) =∫E2<H(pN2 ,qN2 )<E2+∆

dN2qdN2p ρ(pN1 ,qN1 ,pN2 ,qN2)

=1

Γ(E)

∫E2<H(pN2 ,qN2 )<E2+∆

dN2qdN2p =Γ2(E − E1)

Γ(E), (5.3)

onde o elemento de integracao dN2qdN2p =∏N2i=1 dqidpi. Da Eq. (5.3), vemos

que a densidade de microestados de S1 depende apenas da energia E1 e podeser escrita como

ρ(pN1 ,qN1) ≡ ρ1(E1) ∝ Γ2(E − E1) . (5.4)

Page 3: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

3

Lembrando que apenas valores proximos de E2 = E2 sao importantes parao argumento do volume Γ2 em (5.4) (veja discussao no capıtulo anterior),podemos aproximar a expressao

k ln Γ2(E − E1) = S2(E − E1) =S2(E)− E1

[∂S2(E2)

∂E2

]E=E2

+ · · ·

≈S2(E)− E1

T(5.5)

uma vez que E1 � E, e onde T e a temperatura do subsistema grande. Daıvem que

Γ2(E − E1) = exp[

1

kS2(E)

]exp

(−E1

kT

),

onde o primeiro termo de lado direito independe de E1, sendo constante noque se refere ao subsistema 1. Poderıamos argumentar tambem que comoN1 � N2, ln Γ(E) ≈ ln Γ2(E) e que usando E1 = H(pN1 ,qN1) segue que

ρ(pN ,qN) ∝ e−H(pN ,qN )/kT ,

onde omitimos o subındice, uma vez que nos interessamos apenas pelo sub-sistema 1 e toda informacao relevante oriunda de 2 e-nos dada por T . Assimtratamos um sistema sujeito a influencia de um banho termico.

A densidade de probabilidade dos pontos representativos do ensemblecanonico e dada por

ρ(pN ,qN) =e−βH(pN ,qN )

ZN(V, T ), (5.6)

onde β ≡ (kT )−1 e

ZN(V, T ) =1

N !h3N

∫dNpdNq e−βH(pN ,qN ) (5.7)

corresponde ao volume de espaco de fases ocupado pelo ensemble canonico.ZN(V, T ) e a funcao particao do ensemble canonico.

E conveniente tornar ZN adimensional introduzindo a constante h quetem dimensao “momento × distancia”. O fator 1/N ! aparece para dar contada “contagem correta de Boltzmann”. A integral e tomada sobre todo espacode fases, embora isto implique em cobrir regioes onde E1 > E, fora da regiaode energia ocupada pelo sistema composto (1+2). No entanto, o integrandofica tao pequeno que a aproximacao e bastante aceitavel.

Page 4: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

4 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

5.1 Flutuacoes na energia

Embora o ensemble canonico contenha sistemas de todas energias, a imensamaioria deles tem energia muito proxima de E1. Isto faz com que o ensemblecanonico seja praticamente equivalente ao microcanonico. Estas afirmacoesserao demonstradas no que se segue, calculando-se as flutuacoes quadraticasda energia ensemble canonico.

A energia interna do sistema e definida como a media da energia sobre oensemble, a qual podemos obter facilmente da funcao particao

U ≡ 〈H〉 =∫dNpdNq ρH =

∫dNpdNqH e−βH

ZN(V, T )= − ∂

∂βlnZN(V, T ) . (5.8)

As flutuacoes na energia interna sao obtidas calculando

∂U

∂β= −

∫dNpdNqH2 e−βH∫dNpdNq e−βH

+

(∫dNpdNqH e−βH

)2

(∫dNpdNq e−βH)2 = −〈H2〉+ 〈H〉2 ,

ou seja, a variancia e

〈H2〉 − 〈H〉2 =⟨(U −H)2

⟩= −∂U

∂β. (5.9)

Como∂U

∂β=∂T

∂β

∂U

∂T= −kT 2 ∂U

∂Te

∂U

∂T= CV ,

podemos escrever que:

〈H2〉 − 〈H〉2 =⟨(U −H)2

⟩= kT 2CV . (5.10)

No limite termodinamico, em geral, CV > 0. Uma vez que 〈H〉 ∝ N eCV ∝ N , quando consideramos o limite de N � 1,√

〈(H − U)2〉〈H〉

∝ 1√N, (5.11)

ou seja, para um sistema macroscopico onde N � 1 todos os membros doensemble possuem uma energia interna 〈H〉. Esta demonstrada assim, aequivalencia entre os ensembles canonico e microcanonico no limite termo-dinamico.

Problema resolvido:Um gas ideal constituıdo de N partıculas de massa m esta contido em um cilin-

dro infinitamete alto de secao transversal σ em um campo gravitacional uniformee em equilıbrio termico.

Page 5: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

5.1. FLUTUACOES NA ENERGIA 5

1. Calcule a funcao particao canonica do sistema.

2. Calcule a energia interna do sistema e seu calor especıfico (compare com oque voce esperaria do teorema da equiparticao).

Resolucao:A hamiltoniana de um sistema de N partıculas nao interagentes de massa m

em um campo gravitacional e:

H(pN ,qN ) =N∑i=1

p2i

2m+

N∑i=1

mgzi

onde zi mede a altura da partıcula.

1. A funcao particao e dada por

ZN (V, T ) =1

N !

[1

h3

∫dq

∫dp e−β(p2/2m+mgz)

]N=

1

N !

[Z1(V, T )

]N,

entao se a secao transversal do cilindro for σ, temos

ZN (V, T ) =1

N !

[1

h3σ

∫ L

0dz e−mgz/kT (2πmkT )3/2

[Nonde a integral sobre os momentos e trivial e L e a altura do cilindro. SeL→∞, entao

ZN (V, T ) =1

N !

[1

h3σkT

mg(2πmkT )3/2

]N.

2. Para o calculo da energia interna do sistema e de seu calor especıfico, bastanos lembrarmos que

U = − ∂

∂βlnZN = kT 2 ∂

∂TlnZN (V, T ) .

Inserindo a expressao obtido para a energia livre de Helmholtz escrevemos

U = kT 2 ∂

∂T

(N lnT 5/2 + termos independentes deT

)o que nos leva imediatamente a

U =5

2NkT e CV =

5

2Nk .

Este exemplo parece estar em contradicao com o valor de CV que usamospara gases ideais monoatomicos. Por que entao despezamos o potencial gra-vitacional quando consideramos gases contidos em em volume finitos (comopor exemplo o ar na nossa sala de aula)? Dica: qual e o valor de L emrelacao a kT/mg para o ar a CNPT?

Page 6: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

6 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

5.2 Conexao com a termodinamica

Vamos mostrar agora como recuperar a termodinamica a partir da funcaoparticao. Comecemos por expressar a integral sobre (pN ,qN) como umasoma apropriada de integrais em intervalos de energia n∆ < H < (n+ 1)∆

ZN(V, T ) =1

N !h3N

∫dNpdNq e−βH(pN ,qN )

=1

N !h3N

∞∑n=0

∫n∆<H<(n+1)∆

dNpdNq e−βH(pN ,qN ) .

Para ∆ suficientemente pequeno, dentro de cada intervalo de energia pode-mos aproximar H(pN ,qN) ≈ n∆. Assim,

ZN(V, T ) ≈ 1

N !h3N

∞∑n=0

∫n∆<H<(n+1)∆

dNpdNq e−βn∆

=1

N !h3N

∞∑n=0

e−βn∆∫n∆<H<(n+1)∆

dNpdNq ,

o que simplifica bastante a integral no espaco de fases, que passa a ser sim-plesmente Γ(n∆). Fazendo E = n∆ e usando ω(E) = Γ(E)/∆, no limitecontinuo (∆→ 0) escrevemos

ZN(V, T ) =∫ ∞

0dE ω(E) e−βE =

∫ ∞0

dE e−βE+lnω(E) .

A densidade de estados ω(E) cresce rapidamente com E, enquanto que o fatorde Boltzmann e−βE descrece exponencialmente, como ilustrado na Fig. 5.2.

Figura 5.2: Esquerda: comportamento da densidade de estados ω(E) versus fatorde Boltzmann e−βE com a energia. Direita: Esboco da dependencia de TS(E)−Ecom E (linha contınua) e de sua aproximacao quadratica (linha tracejada) emtorno de U .

Page 7: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

5.2. CONEXAO COM A TERMODINAMICA 7

Usando S(E) = k lnω(E), obtemos

ZN(V, T ) =∫ ∞

0dE eβ[TS(E)−E] . (5.12)

Em geral o calculo exato da integral na Eq. (5.12) e muito difıcil. Podemos,no entanto, usar a aproximacao do ponto de sela para estimarmos ZN(V, T ).A energia que maximiza TS(E) − E e U . Portanto, podemos aproximarTS(E)− E em torno de U por uma parabola, ver Fig. 5.2, e escrever

TS(E)−E = TS(U)−U+

(T∂S

∂E− 1

) ∣∣∣∣∣E=U

(E−U)+

(T∂2S

∂E2

) ∣∣∣∣∣E=U

(E−U)2+· · ·

e usando (∂S/∂E)E=U = 1/T , da termodinamica, concluımos que E = U eum ponto extremo da funcao TS(E)− E. Como

∂2S

∂E2

∣∣∣∣∣E=U

=∂

∂E

(1

T

)E=U

= − 1

T 2

(∂T

∂E

)E=U

= − 1

T 2CV< 0 , (5.13)

E = U corresponde a um ponto de maximo. Ou seja:

TS(E)− E =(TS(U)− U

)− 1

2TCV(E − U)2 + · · ·

dandoZN(V, T ) ≈ eβ(TS−U)

∫ ∞0dE e−(E−U)2/2kT 2CV . (5.14)

(Discuta qual e a contribuicao do termo em U3 no expoente!) Desta relacao epercebe-se que a variancia em energia dos sistemas que compoem o ensemblecanonico e dada por

∆E =√kT 2CV

e que as energias se distribuem gaussianamente. Note que este resultado eidentico a Eq. (5.10).

A integral (5.14) e facil de ser calculada. Fazendo a substituicao x =(E − U)/

√2kT 2CV escrevemos

ZN(V, T ) = eβ(TS−U)∫ ∞− U√

2kT2CV

dx√

2kT 2CV e−x2

. (5.15)

Como U/√CV ∝

√N � 1, podemos extender o limite de integracao inferior

em (5.15) a −∞, o que da

ZN(V, T ) = eβ(TS−U)√

2πkT 2CV . (5.16)

Page 8: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

8 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

Sabemos da termodinamica que a energia livre de Helmholtz F = U − TS.Isto nos permite identificar

ZN(V, T ) = e−βF (T,V ) , (5.17)

pois no limite de N � 1 recuperamos a relacao termodinamica, uma vez quede (5.16)

F = U − TS − 1

2kT lnCV (5.18)

e o termo em CV e de ordem lnN , muito pequeno em relacao aos demais.

A Eq. (5.17) nos da o ponto de partida do roteiro para recuperarmos atermodinamica atraves de

F (V, T ) = −kT lnZN(V, T ) (5.19)

e usando as relacoes de Maxwell da termodinanica (ver apendice B), vamosencontrar

P = −(∂F

∂V

)T

e S = −(∂F

∂T

)V

(5.20)

e assim por diante. Resumindo: se conhecermos H e pudermos manipularconvenientemente as integrais saberemos calcular as variaveis macroscopicasda termodinamica a partir de ingredientes microscopicos do sistema.

A completar: Formular de maneira mais operacional e discutir diferencascom o ensemble microcanonico.

Problema resolvido:

Considere um sistema de N moleculas diatomicas em uma caixa de volume V ,obedecendo a hamiltoniana para partıcula independente

H(p1,p2, r1, r2) =1

2m(p2

1 + p22) + ε|r12 − r0| ,

onde r12 = |r1 − r2|, ε > 0 e r0 > 0

1. Mostre que o calor especıcico a volume constante e

CVkT

= 6−x2(2(x2 − 2) + (x+ 2)2 e−x

)(x2 + 2− e−x)

com x ≡ εr0/kT .

2. Podemos aplicar o teorema da equiparticao para este problema? Por que?

Page 9: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

5.2. CONEXAO COM A TERMODINAMICA 9

Resolucao:Montemos a funcao particao canonica:

ZN (V, T ) =1

(2N)!h6N

{∫dp1dp2dr1dr2 exp

[−β

(p2

1 + p22

2m− ε|r12 − r0|

)]}N=

1

(2N)!h6N

[Z1(V, T )

]N.

A integral sobre o espaco dos momentos, como usual, e simples, simplificando aexpressao acima para

ZN (V, T ) =(2πmkT )3N

(2N)!h6NQN1 (V, T ) onde Q1(V, T ) =

∫dr1dr2 e−βε|r12−r0| .

Para o calculo de Q1 e conveniente fazermos uma mudanca de coordenadas r =r1 − r2 e R = (r1 + r2)/2, o que simplifica bastante a integral

Q1(V, T ) =

∫dR

∫dr e−βε|r−r0| = 4πV

∫ ∞0

drr2e−βε|r−r0| .

O problema fica entao reduzido ao calculo da integral

Q1(V, T ) = 4πV

(∫ r0

0dr r2e−βε(r0−r) +

∫ ∞r0dr r2e−βε(r−r0)

),

cujo resultado, em termos de x ≡ βεr0, e

Q1(V, T ) =8πV

(βε)3

(2− e−x + x2

).

1. A energia interna do sistema U = −(∂/∂β)ZN e

U = − ∂

∂βln

[1

(2N)!h6N(2πm/β)3N

]− ∂

∂βlnQN1 ,

contendo uma parte trivial correspondendo aos momentos, alem da contri-buicao da parte potencial dada por QN . Como o problema pode ser separadoem moleculas independentes, QN fatoriza e podemos escrever

U =3N

β−N ∂

∂βlnQ1

onde∂

∂βlnQ1 = − 3

β+ εr0

2x+ e−x

2 + x2 − e−x.

Daı para obtermos CV e muito simples, pois

CV =

(∂U

∂T

)V

= 6Nk − εr0N∂

∂x

(2x+ e−x

2 + x2 − e−x

)

Page 10: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

10 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

e ∂/∂T = −(x/T )∂/∂x o que nos leva ao resultado final

CVNk

= 6− x2 e−x(x+ 2)2 + 2(x2 − 2)

(x2 + 2− e−x)2

2. O calor especıfico calculado acima discorda do valor predito pelo teoremada equiparticao, o qual da CV = 6Nk, uma vez que cada molecula possui 12graus de liberdade. No entanto, estes graus de liberdade nao sao quadraticosna hamiltoniana, e mais grave ainda, a interacao nao e suave, fazendo comque o teorema nao seja aplicavel. Note que para x � 1 correspondendoao limite de temperaturas muito altas, e plausıvel que a molecula estejatao excitada que e pouco afetada pelo comportamento abrupto do potencialinteratomico proximo ao ponto de energia mınima e neste limite CV ≈ 6Nk.

5.3 Tratamento de gases nao ideais

Considere um sistema de N moleculas (N � 1) contidas em uma caixa devolume V . A hamiltoniana do sistema e:

H =N∑i=1

p2i

2m+∑i<j

vij com vij = v(|qi − qj|) ,

onde pi e o momento e qi e a posicao da i-esima molecula. Por convenienciaalgebrica, o potencial intermolecular e escrito em termos da funcao

fij ≡ f(|qi − qj|) onde f(r) = e−βv(r) − 1

e tem, em geral, a forma ilustrada na Fig. 5.3.A funcao particao do sistema e dada por

ZN(V, T ) =1

N !h3N

∫dNpdNq exp

−β N∑i=1

p2i

2m+

N∑i<j

vij

(5.21)

onde a integral sobre os momentos pode ser feita trivialmente, resultando

ZN(V, T ) =1

N !

(2πmkT

h2

)3N/2 ∫dq1 · · · dqN

∏i<j

(1 + fij) (5.22)

Portanto a energia livre de Helmholtz fica

F = −kT lnZN = −kT ln

1

N !

(2πmkT

h2

)3N/2 ∫dq1 · · · dqN

∏i<j

(1 + fij)

(5.23)

Page 11: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

5.3. TRATAMENTO DE GASES NAO IDEAIS 11

Figura 5.3: A linha continua corresponde ao potencial intermolecular v(r) emfuncao da distancia entre duas moleculas. O potencial e repulsivo a distanciascurtas e atrativo a longas. A linha tracejada corresponde a funcao f(r).

Lembrando que P = −(∂F/∂V )T , nos livramos de todos os termos daintegral de momentos, pois

P = kT∂

∂Vln∫dq1 · · · dqN

∏i<j

(1 + fij) (5.24)

entao

Pv

kT= v

∂Vln∫dq1 · · · dqN

∏i<j

(1 + fij) +

(V

∂VlnV − V ∂

∂VlnV

)(5.25)

Pv

kT= 1 + v

∂v

1

Nln∫dq1 · · · dqN

∏i<j

(1 + fij) + ln1

V

(5.26)

E conveniente a equacao de estado em termos de

Pv

kT= 1 + v

∂vQ(v, T ) (5.27)

onde

Q(v, T ) =1

Nln

1

V N

∫dq1 · · · dqN

∏i<j

(1 + fij)

Expandindo Q em potencias de f , escrevemos

Q(v, T ) =1

Nln

1

V N

∫dq1 · · · dqN(1 +

∑i<j

fij + · · ·)

Page 12: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

12 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

e entao para fijfjk � fij, de modo geral

Q(v, T ) = ln

[1 +

N(N − 1)

2

1

V

∫drf(r) + · · ·

]1/N

uma vez que ln(1 + x) = x− x2/2 + · · ·

Q(v, T ) ≈ N

2V

∫drf(r)

Assim fica evidente que

Pv

kT≈ 1− 1

2v

∫ ∞0

dr4πr2f(r)

Problemas propostos

1. Mostre que para um gas ideal sem estrutura, no ensemble canonico vale⟨(H − U)3

⟩= k2

{T 4

(∂CV∂T

)V

+ 2T 3CV

},

onde T e a temperatura absoluta, CV e o calor especıfico a volumeconstante e U = 〈H〉.

2. Um sistema e composto de N osciladores unidimensionais classicos.Suponha que o potencial dos osciladores contem um pequeno termoquartico, ou seja

V (x) = k0x2 + αx4 ,

onde α〈x4〉 � kT . Em um expansao em primeira ordem no parametroα calcule a correcao anarmonica para a lei de Dulong e Petit, a qualpreve para o oscilador harmonico CV = Nk.

3. Qual e a energia termica U a temperatura T de uma partıcula demassa m movendo-se unidimensionalmente sob a acao de um poten-cial V (x) = α|x/a|n? Note que n = 2 corresponde ao caso do osciladorharmonico. Os parametros α e a tem dimensoes de energia e compri-mento respectivamente.

4. O movimento rotacional de uma molecula diatomica e especificado porduas coordenadas angulares 0 ≤ ϕ ≤ 2π e 0 ≤ θ ≤ π e seus respectivosmomentos conjugados pθ e pϕ. Suponha que a parte rotacional dahamiltoniana desta molecula diatomica seja

Hrot =p2θ

2I+

p2ϕ

2I sin2 θ.

Page 13: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

5.3. TRATAMENTO DE GASES NAO IDEAIS 13

(a) Mostre que funcao particao rotacional por molecula e dada porr(T ) = 2IkT/h2.

(b) Calcule a entropia e o calor especıfico do sistema.

(c) Estas formulas sao validas para temperaturas “baixas”? Por que?

(d) Qual a previsao para CV pelo teorema da equiparticao?

5. Encontre a densidade como funcao da altura para um gas ideal na pre-senca de um campo gravitacional constante. Considere a hamiltoniana

H =N∑i=1

(p2i

2m+mg zi

),

onde 0 ≤ x, y ≤ L e 0 ≤ z < ∞. (Sugestao: use que a densidade en(r) = 〈∑ δ(x−xi) δ(y−yi) δ(z−zi)〉 e tire a media sobre o ensemble.)

6. Calcule o calor especıfico a volume constante V de um gas no regimeultrarelativıstivo, ou seja, onde a hamiltoniana e dada por

H =N∑i=1

pic ,

onde p =√p2x + p2

y + p2z e c e a velocidade da luz.

7. Teoria de Langevin do paramagnetismo: Considere um sistema de Natomos, cada um dos quais com um momento magnetico intrınseco demagnitude µ. A parte da hamiltoniana do sistema que depende de umcampo magnetico H externo e

Hmag(p, q) = −µHN∑i=1

cosαi ,

onde H e o modulo do campo magnetico e αi e o angulo entre H e omomento magnetico do i-esimo atomo.

(a) Supondo que a parte da hamiltoniana independente de H se desa-cople de Hmag, obtenha a funcao particao canonica “magnetica”dosistema.

(b) Mostre que o magnetizacao na direcao do campo magnetico, M =µ∑Ni=1 cosαi e:

M = Nµ(

coth θ − 1

θ

)onde θ ≡ µH/kT . Lembre-se que M = −(∂F/∂H)T , onde F e aenergia livre de Helmholtz.

Page 14: Cap tulo 5 O Ensemble Can^onico - Professoresprofs.if.uff.br/caio/wiki/lib/exe/fetch.php?media=... · 2 CAP ITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO^ E 2 sejam as energias do subsistemas: E

14 CAPITULO 5. O ENSEMBLE CANONICO

(c) Mostre que a susceptibilidade magnetica do sistema e dada por

χ = Nµ2

kT

(1

θ2− 1

sinh2 θ

)lembrando que χ = (∂M/∂H)T .

(d) A altas temperaturas χ satisfaz a lei de Curie, que diz que χ ∝T−1. Encontre o coeficiente de proporcionalidade da relacao, cha-mado de constante de Curie.

8. Considere um sistema classico de N moleculas diatomicas nao intera-gentes contidas em um volume V a uma temperatura T . A hamiltoni-ana de uma molecula isolada e:

H(p1,p2, r1, r2) =1

2m(p2

1 + p22) +

1

2mω2|r1 − r2|2 ,

onde p1,p2, r1 e r2 sao os momentos e coordenadas dos atomos de umamolecula. Calcule

(a) A energia livre de Helmholtz F do sistema;

(b) O calor especıfico CV do sistema;

(c) O diametro molecular quadratico medio das moleculas do sistema〈|r1 − r2|2〉 como funcao da temperatura;