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NÚMERO 52 * Dezembro de 2015 Artigos * O Dever de OPA no Quadro das Transmissões Intra-grupo * OPA Derrogatória * Negociação por Conta Própria e os Conflitos de Interesses * Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo: Regime Atual e Perspetivas Futuras CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

CADERNOS DO MERCADO DE VALORES … · 83 Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários: Capítulo I. O Contexto da Diretiva extensão de um conjunto de riscos associados à 1. O Contexto

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1 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

NÚMERO 52 * Dezembro de 2015

Artigos

* O Dever de OPA no Quadro das Transmissões Intra-grupo

* OPA Derrogatória

* Negociação por Conta Própria

e os Conflitos de Interesses

* Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo ao Regime Geral dos Organismos

de Investimento Coletivo: Regime Atual e Perspetivas Futuras

CADERNOS

DO MERCADO

DE VALORES

MOBILIÁRIOS

2 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

N.º 52

Dezembro de 2015

3 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Editorial 05

Artigos:

O Dever de OPA no Quadro das Transmissões Intra-grupo 09

Carlos Osório de Castro

OPA Derrogatória 40

Domingos Salgado e Juliano Ferreira

Negociação por Conta Própria e os Conflitos de Interesses 60

Maria João Mateus

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento

Alternativo ao Regime Geral dos Organismos

de Investimento Coletivo: Regime Atual e Perspetivas Futuras 82

Alexandre Norinho de Oliveira

Índice

4 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

EDITORIAL

5 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Editorial A edição n.º 52 dos Cadernos do Mercado de

Valores Mobiliários apresenta quatro artigos de

cariz jurídico.

O primeiro artigo trata a questão do surgimento

de um dever de lançamento de oferta pública de

aquisição (OPA) nalguns casos de circulação do

controlo no interior de um grupo societário,

nomeadamente quando se introduz um patamar

adicional na cadeia de domínio societário. A

interpretação que o autor faz do artigo 187.º, n.º

1, do Código dos Valores Mobiliários

(Cód.VM) — à luz, designadamente, dos seus

elementos teleológicos, das garantias constituci-

onais da autonomia e da propriedade privadas,

das prescrições do direito comunitário e do sis-

tema de imputação de votos entre entidades em

relação de domínio consagrado pelo Cód.VM –

leva-o a concluir que daquele preceito não de-

corre um dever de OPA. Apresentando uma

análise de direito internacional comparado, o

autor sustenta que a tutela dos acionistas mino-

ritários consubstanciada na imposição de um

dever de OPA representa um encargo tão onero-

so para o obrigado que tem de ser reservada

para os casos de verdadeira alteração material

do controlo.

A transmissão intragrupo de uma participação

de controlo não constitui a sociedade adquirente

num dever de OPA porquanto, segundo o autor,

o artigo 20º, n.º 1, al. b), do Cód.VM, consagra

uma imputação i) dos votos detidos por uma

entidade, singular ou coletiva, às sociedades

dela dependentes, ii) dos votos detidos por uma

sociedade à entidade que a domine e iii) dos

votos detidos por uma sociedade à entidade que

a domine a outras sociedades que sejam tam-

bém dependentes da entidade que a domine.

Como a mera alteração de título de imputação

jamais gera dever de OPA (se os votos que são

imputáveis a um novo título já o eram a um ou-

tro, nunca pode, por definição, decorrer daí a

ultrapassagem de um dos limiares de obrigatori-

edade de OPA visto que não há modificação do

número de votos imputáveis), esta interpretação

implica a total inocuidade, para efeitos de obri-

gatoriedade de OPA, tanto das transmissões de

ações por parte de uma sociedade para a pessoa

(singular ou coletiva) que a domine, como desta

última para a primeira, qualquer que seja a per-

centagem do capital da sociedade aberta repre-

sentada pelas ações em causa. Assim, o autor

conclui que a previsão de uma cláusula derroga-

tória do dever de OPA no caso de transmissões

intragrupo não tem verdadeiro conteúdo útil e

que só poderia explicar-se pelo propósito de

prevenir dúvidas, ainda que injustificadas.

No segundo texto estuda-se a matéria da derro-

gação do dever de lançamento de OPA, com

fundamento no lançamento prévio de OPA vo-

luntária, por via da qual o oferente tenha dado

cumprimento às exigências subjacentes à previ-

são deste dever jurídico. Os autores referem que

a OPA derrogatória é um meio prescindível de

proteção dos acionistas minoritários, alcançado

já através da OPA voluntária. Uma vez garanti-

da a real e efetiva possibilidade de saída dos

acionistas mediante recebimento de contraparti-

da equitativa, no âmbito de oferta voluntária

destinada à aquisição de controlo (proteção que

a OPA obrigatória lhes concederia, uma vez

concretizada aquela intenção), a imposição do

dever de lançamento de OPA encontra-se esva-

ziada da racionalidade que tipicamente lhe é

subjacente, procurando afinal proteger quem

beneficiou já da oportunidade de reagir.

Considerando que a derrogação coadjuva na

tarefa de garantir que a OPA não é concluída

em desrespeito pelo princípio de tratamento

igualitário dos seus destinatários – pois se, por

exemplo, transações realizadas na sua pendên-

cia fizerem com que uns recebam contrapartida

superior aos outros, a declaração não deverá ser

6 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Editorial emitida –, os autores tendem a concluir que a

mesma apenas pode ser apreciada depois de

divulgados os resultados da oferta, só então es-

tando a CMVM em condições de aferir o inte-

gral cumprimento dos pressupostos de que a

derrogação depende.

O terceiro artigo trata a matéria dos conflitos de

interesses na intermediação financeira, em par-

ticular os associados à intervenção dos interme-

diários financeiros autorizados a negociar por

conta própria e que atuam como contraparte dos

clientes. A autora confina o conceito de conflito

à existência de duas ou mais forças com senti-

dos contrários, a que se associa a possibilidade

de ocorrência de um dano, pelo que se uma par-

te tem um benefício sem que a outra sofra uma

desvantagem não há tecnicamente conflito para

efeitos do regime jurídico comunitário (e, logo,

nacional). Nessa medida, conclui que o concei-

to de conflitos de interesses assenta na existên-

cia de relações entre os sujeitos – clientes e in-

termediários financeiros – e os bens aptos a sa-

tisfazer as suas necessidades (valores mobiliá-

rios ou instrumentos financeiros que pretendem

adquirir ou alienar).

A autora refere que a prevenção de conflitos de

interesses dos intermediários financeiros e dos

clientes, nas situações em que os primeiros in-

tervêm como contraparte dos segundos, passa

pela autorização ou confirmação dos negócios

celebrados pelos clientes. Em particular, na ne-

gociação por conta própria, a mitigação de po-

tenciais conflitos resulta: i) de uma segregação

orgânica entre essa área e todas a outras, sem

comunicação de operações ou reportes de valo-

res mobiliários; ii) de uma delimitação detalha-

da das funções dos respetivos colaboradores e

dirigentes, que não poderão participar em deci-

sões de investimento relacionados com outros

serviços financeiros; iii) da adoção de mecanis-

mos de verificação e controlo com reporte de

eventuais conflitos às áreas de compliance; iv)

da criação de procedimentos que obstem à co-

municação da informação existente nesta área a

outras áreas operativas ou de negociação gera-

doras de conflitos.

O último texto analisa a recente transposição

para o ordenamento jurídico nacional da direti-

va relativa aos gestores de fundos de investi-

mento alternativo (GFIA) que redefiniu o qua-

dro regulatório a que os GFIA e, indiretamente,

os próprios fundos de investimento alternativo

(FIA), se encontram sujeitos. O autor identifica

as principais alterações introduzidas ao regime

jurídico anteriormente em vigor e efetua um

juízo crítico sobre as opções adotadas pelo le-

gislador nacional na transposição da referida

diretiva.

A regulação prevista na Diretiva, e vertida para

o ordenamento jurídico nacional, assenta em

duas vertentes: a regulação da dinâmica do go-

verno societário da própria sociedade gestora e

a regulação da atuação da sociedade no âmbito

do sistema financeiro e, designadamente, na sua

interação com o investidor. Nestas duas verten-

tes, o autor analisa criticamente: i) os procedi-

mentos de autorização dos GFIA, que deve de-

correr no Estado Membro de origem; ii) as re-

gras de avaliação de ativos dos FIA, que deve

ser efetuada por entidade externa ao gestor; iii)

os requisitos de fundos próprios do GFIA; iv) o

estabelecimento, pelos GFIA, dos níveis máxi-

mos de alavancagem dos FIA; v) os requisitos

de elegibilidade e os deveres do depositário dos

FIA; vi) os termos em que é autorizada a dele-

gação de funções pelo GFIA; vii) a validação

externa, por um auditor, da atividade dos GFIA

e dos FIA, bem como a imposição de um regi-

me de rotatividade dos auditores; viii) as regras

de governação dos GFIA e, por fim, ix) o regi-

me do passaporte europeu para os GFIA. É

neste último plano que o autor defende que,

7 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Editorial independentemente das críticas que lhe possam

ser apontadas, a abertura do mercado interno

para a comercialização de FIA com a adoção do

regime de passaporte constitui o inegável trunfo

do regime em causa e que poderá conhecer uma

importante extensão no seguimento das reco-

mendações da ESMA.

Em suma, a diversidade e a qualidade dos temas

apresentados nesta edição dos Cadernos aconse-

lham a sua leitura atenta e cuidada.

8 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

ARTIGOS

* O dever de OPA no Quadro das Transmissões Intra-grupo

* OPA Derrogatória

* Negociação por Conta Própria

e os Conflitos de Interesses

* Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo

ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo:

Regime Atual e Perspetivas Futuras

82 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Introdução e Razão de Ordem

A recente transposição para o ordenamento

jurídico nacional da diretiva relativa aos

gestores de fundos de investimento alternativo

(“GFIA”) através do regime geral dos organis-

mos de investimento coletivo veio redefinir o

quadro regulatório a que os GFIA e, indireta-

mente, os próprios fundos de investimento

alternativo (“FIA”), se encontram sujeitos.

A referida alteração legislativa carece, pelo im-

pacto imediato no enquadramento legislativo

nacional aplicável aos GFIA, de identificação

das principais alterações introduzidas ao regime

jurídico anteriormente em vigor e da correspon-

dente reflexão sobre o caminho adotado pelo

legislador nacional na transposição da referida

diretiva.

Atendendo ao elevado número de disposições

em causa e à extensão e profundidade com que

as mesmas são tratadas nos diplomas legais re-

levantes, reconhecemos a impossibilidade de

elaborar um trabalho que trate de forma exausti-

va o manancial de questões levantadas com a

aprovação da diretiva e com a correspondente

transposição, motivo pelo qual considerámos

preferível limitar o escopo do presente trabalho

à análise de questões selecionadas, esperando

ser esta a melhor opção, por se nos afigurar

conferir ao presente trabalho uma maior utilida-

de prática, por um lado, e um maior interesse

académico, por outro lado.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo: Regime Atual e Perspetivas Futuras

Alexandre Norinho de Oliveira

83 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Capítulo I. O Contexto da Diretiva

1. O Contexto da Diretiva

As raízes da regulação dos fundos de investi-

mento harmonizados remontam à primeira ver-

são da Diretiva UCITS1. No entanto, a referida

Diretiva deixou de parte os fundos de investi-

mento não harmonizados (fundos de investi-

mento mobiliários não harmonizados, fundos de

investimento imobiliário e fundos de capital de

risco), os quais, pela sua elevada heterogeneida-

de, se revelam de regulação bem mais comple-

xa e têm sido, até bem recentemente, deixados à

margem da legislação da UE, um pouco à seme-

lhança do que acontece um pouco por todo o

mundo2. De facto, os fundos de investimento

não harmonizados, ou FIA, caracterizam-se por

serem um fenómeno praticamente desconhecido

ou ignorado pelos legisladores das várias juris-

dições do globo3/4.

No entanto, os organismos de investimento al-

ternativo são figuras incontornáveis do sistema

financeiro global pelo volume de ativos geridos,

por representarem uma parte significativa da

negociação em mercados de instrumentos finan-

ceiros e pelo elevado dinamismo e influência

que têm no governo societário das empresas5.

Contudo, a crise financeira global veio expor a

extensão de um conjunto de riscos associados à

atividade de gestão de fundos de investimento

alternativo. Estes riscos variam, inter alia, entre:

(i) riscos sistémicos ou macro-prudenciais, en-

tre os quais destacamos a exposição direta do

sistema bancário ao setor da gestão de FIA; (ii)

riscos micro-prudenciais; (iii) inadequada sal-

vaguarda da proteção do investidor, designada-

mente ao nível da transparência na política de

investimento, política de gestão de riscos e pro-

cedimentos internos; (iv) eficiência e integrida-

de do mercado; e (v) impacto nas sociedades

controladas pelos GFIA6.

O reconhecimento de tais riscos veio redobrar a

perceção da necessidade de regulação da respe-

tiva atividade.

A criação de um quadro legal europeu aplicável

aos GFIA dá um passo decisivo com a publica-

ção do Livro Verde da Comissão Europeia so-

bre o reforço do enquadramento que rege os

fundos de investimento na UE7.

Todavia, a crise financeira associada ao

sub-prime é a verdadeira responsável por uma

notável aceleração na reforma legislativa de

todo o setor financeiro destinada a reforçar o

quadro regulatório que lhe é aplicável, incluin-

do aos organismos de investimento coletivo.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 83

1- Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrati-vas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM). 2- Bessa, T., Crise, regulação e supervisão de hedge funds, Revista de Direito das Sociedades, n.º 3-4, Ano II, Almedina, 2010, p. 889. 3- Engrácia Antunes, J., Os “Hedge Funds” e o Governo das Sociedades, Direito dos Valores Mobiliários, Vol. IX, Coimbra Editora, 2009, p. 33. 4- Pela clareza da exposição, citamos Calvão da Silva, que indica que fundos deverão ser considerados como englobados pelos fundos de investimento não harmonizados, pelos fundos de investimento alternativo: “Por isso mesmo, porque não harmonizados pela Directiva, estes organismos são conhecidos como Fundos de Investimento Alternativo (FIA), em que se incluem hedge funds, fundos de capitais de investimento em participações privadas (private equities) e outros organismos de investimento em capital de risco, fundos imobiliários (real estate funds), fundos de matérias- -primas (commodity funds), fundos de investimento em infra-estruturas (infrastructure funds), etc”. Calvão da Silva, J., OICVM – Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários, Revista Online da Banca, Bolsa e Seguros, n.º 1, outubro de 2014, p. 30. 5- Considerando (1) da Diretiva. 6- Comissão Europeia, Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council, on Alternative Investment Fund Managers and amending Directives 2004/39/EC and 2009/../EU, COM(2009), p. 2-3. 7- Livro Verde da Comissão Europeia sobre o reforço do enquadramento que rege os fundos de investimento na UE (SEC(2005)947), que poderá ser consultado através do seguinte link, acedido no dia 06.07.2015: http://www.cmvm.pt/pt/Legislacao/ConsultasPublicas/ComissaoEuropeia/Documents/aa85ed58f4564d33b1e8dd786fbb96cb050714_pt.pdf

84 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

De facto, sob o impulso do G20, desde a Cimei-

ra de Washington, realizada no final do ano de

2008, o Conselho de Estabilidade Financeira

propôs diversas medidas destinadas a aumentar

a estabilidade do sistema financeiro, entre as

quais se conta a extensão da regulação aos or-

ganismos de investimento alternativo.

Ao nível da UE, o quadro legal que viria a ser

proposto e aprovado tem como objetivo dar

resposta às preocupações manifestadas ao mais

elevado nível8 na sequência da crise financeira

global, relativamente à eficácia do quadro legal

da UE em vigor aplicável aos FIA e, em parti-

cular, à alegada falta de regulação da atividade

desenvolvida pelos gestores de FIA9. A elevada

heterogeneidade dos FIA e a consequente difi-

culdade em alcançar a sua harmonização foi um

dos motivos que levou o legislador da UE a

optar por regular a atividade dos GFIA, ao in-

vés de regular diretamente os FIA, cuja regula-

ção é, ainda hoje, confiada aos vários EM.

Com efeito, como parte do esforço reformista

do ambiente regulatório na UE e no contexto

de idênticas reformas levadas a cabo à escala

global10, a Comissão apresentou uma proposta

de diretiva11, a qual viria a ser aprovada, no fi-

nal de um longo processo legislativo, como Di-

retiva 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos

gestores de fundos de investimento alternativos

e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/

CE e os Regulamentos (CE) n.º 1060/2009 e

(UE) n.º 1095/2010 (a seguir, a “Diretiva”).

Sensivelmente um ano e meio após a aprovação

da Diretiva, foi aprovado o Regulamento Dele-

gado (UE) n.º 231/2013 da Comissão, de 19 de

dezembro de 2012, que complementa a Diretiva

2011/61/UE (a seguir, “Regulamento Delega-

do”). E o dia 15 de maio de 201 viu a aprova-

ção do Regulamento de Execução (UE) n.º

447/2013 da Comissão, que estabelece os pro-

cedimentos para os GFIA que optem por ser

abrangidos pela Diretiva 2011/61/UE do Parla-

mento Europeu e do Conselho, bem como do

Regulamento de Execução (UE) n.º 448/2013

da Comissão, que estabelece um procedimento

para determinar o Estado-Membro de referência

de um GFIA extra-UE nos termos da Diretiva

2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Con-

selho.

Um dos principais objetivos da Diretiva é o es-

tabelecimento de um quadro regulatório único

aplicável aos gestores de organismos de investi-

mento alternativo, capaz de assegurar a prote-

ção dos investidores, de promover a transparên-

cia em relação aos investidores e entidades su-

pervisoras, de criar as bases para uma eficaz

monitorização dos riscos sistémicos, com vista

a contribuir para uma maior solidez do sistema

financeiro e de desenvolver o mercado interno

dos GFIA com recurso ao regime de passaporte.

8- Cfr., em particular, o relatório Rasmussen, 2008, acessível através do seguinte link, consultado em 11.07.2015:

http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//NONSGML+REPORT+A6-2008-0338+0+DOC+PDF+V0//EN

9- A declaração de José Manual Durão Barroso, de 11 de novembro de 2010, à data Presidente da Comissão Europeia, é demonstrativa dos

objetivos na base da iniciativa legislativa em causa: “The adoption of the directive means that hedge funds and private equity will no longer

operate in a regulatory void outsider the scope of supervisors. The new regime brings transparency and security to the way there funds are

managed and operate, which adds to the overall stability of our financial system” (sublinhado da nossa autoria). “European Commission

Statement at the Occasion of the European Parliament Vote on the Directive on Hedge Funds and Private Equity” (Referência:

MEMO/10/573).

10- Refira-se, por exemplo, que disposições similares foram adotadas nos Estados Unidos da América com a entrada em vigor do

Dodd-Frank Act.

11- A versão inglesa da proposta apresentada pela Comissão poderá ser consultada através do seguinte link, acedido no dia 06.07.2015:

http://ec.europa.eu/internal_market/investment/docs/alternative_investments/fund_managers_proposal_en.pdf

85 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

2. A transposição da Diretiva

para o ordenamento jurídico português

A Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, transpõe

parcialmente a Diretiva, procede à revogação

do regime jurídico dos organismos de investi-

mento coletivo, aprovado pela Decreto-Lei n.º

63-A/2013, de 10 de maio, revoga o regime

jurídico dos fundos de investimento imobiliário,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20

de março, e aprova o regime geral dos organis-

mos de investimento coletivo (a seguir referido

como “RGOIC”).

O regime previsto no RGOIC é, por sua vez,

desenvolvido pelo Regulamento da CMVM n.º

2/2015 sobre organismos de investimento cole-

tivo (mobiliários e imobiliários) e comercializa-

ção de fundos de pensões abertos de adesão

individual (a seguir, “Regulamento 2/2015”)12.

A Diretiva também foi transposta para o orde-

namento jurídico nacional com a entrada em

vigor da Lei n.º 18/2015, de 4 de março, que

aprova o regime jurídico do investimento em

capital de risco, em empreendedorismo social e

em investimento alternativo especializado (a

seguir, “RJCR”). Para efeitos do presente traba-

lho, o impacto da transposição da Diretiva no

que concerne ao capital de risco não será abor-

dado. No entanto, e uma vez que as mesmas

disposições tiveram que ser transpostas para

ambos os diplomas, será legítimo considerar

que, pelo menos, parte das considerações do

presente trabalho também serão aplicáveis nu-

ma leitura do RJCR.

Capítulo II. Âmbito de Aplicação

do regime da Diretiva

1. Âmbito subjetivo

A Diretiva visa regular a atividade desenvolvi-

da pelos GFIA, i.e., visa regular o exercício da

atividade de gestão de FIA e não os FIA

propriamente ditos. A atividade de gestão

poderá ser exercida por uma entidade diferente

do FIA (heterogestão), ou pelo próprio FIA

(autogestão), sendo que no primeiro caso a refe-

rida legislação será aplicável à entidade terceira

à qual é confiada a gestão, enquanto no segundo

caso será aplicável ao próprio FIA, mas apenas

na medida em que exerce a atividade de gestão.

Por conseguinte, os FIA (excluindo, como

vimos, o exercício da atividade de gestão no

caso de FIA autogeridos) continuam a ser regu-

lados maioritariamente a nível nacional. A mo-

tivação subjacente a tal opção legislativa prende

-se com a dificuldade em harmonizar os FIA

atendendo à sua grande heterogeneidade, com o

simples facto, de índole prática, de a maior par-

te dos FIA terem sido constituídos e estarem

sediados fora do espaço europeu, e, ainda, com

o facto de boa parte das decisões que poderão

implicar riscos sistémicos serem adotadas pelas

entidades gestoras13.

A Diretiva aplica-se aos GFIA da UE e aos

GFIA extra-UE, independentemente de gerirem

FIA-UE ou FIA extra-UE14. Revela-se, para o

efeito, irrelevante o facto de estar em causa um

FIA de tipo aberto ou fechado e, bem assim, a

forma jurídica dos GFIA15.

12- Publicado em Diário da República, 2ª série, n.º 138, de 17 de julho de 2015. 13- Bessa, T., Crise, regulação e supervisão de hedge funds, Revista de Direito das Sociedades, n.º 3-4, Ano II, Almedina, 2010, p. 899. 14- Art. 2.º/1 da Diretiva. 15- Art. 2.º/2 da Diretiva.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 85

86 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Contudo, embora a diretiva não seja aplicável

diretamente aos FIA, mas antes aos GFIA, a

definição de FIA afigura-se extremamente

abrangente e reveste uma elevada importância

prática. Senão vejamos.

Nomeadamente com vista a evitar a arbitragem

regulamentar (regulatory arbitrage) e de forma

a não deixar diferentes tipos de FIA de fora da

definição, o legislador optou por estabelecer

uma definição pela negativa, de acordo com a

qual estaremos perante um FIA sempre que não

esteja em causa um fundo harmonizado e seja

reunido “capital junto de um certo número de

investidores, tendo em vista investi-lo de acor-

do com uma política de investimento definida

em benefício desses investidores”16. A defini-

ção escolhida, ao ser tão abrangente, levanta um

conjunto de questões e coloca a dúvida sobre se

determinados produtos cairão no seu âmbito.

Determinar os contornos exatos da definição de

FIA revela-se particularmente determinante na

medida em que nela assenta, ainda que indireta-

mente, o próprio âmbito de aplicação da Direti-

va, dirigida aos GFIA. Aguarda-se, por isso,

uma importante contribuição da ESMA ao lon-

go do período de vida da Diretiva (e dos regi-

mes nacionais aprovados para proceder à cor-

respondente transposição), e também das pró-

prias autoridades de supervisão nacionais, em

coordenação com a ESMA, a este nível, de for-

ma a assegurar o aperfeiçoamento da definição

em causa17.

O âmbito subjetivo de aplicação da Diretiva

também deixa de fora as Sociedades Gestoras

de Participações Sociais (“SGPS”) e as entida-

des com fins específicos de titularização (art.

2.º/3 da Diretiva).

Escapam também ao âmbito de aplicação da

Diretiva os GFIA que giram um ou vários FIA

no quadro restrito de relações de grupo, i.e.,

cujos exclusivos investidores sejam o GFIA e a

respetiva subsidiária ou empresa mãe, sob con-

dição de nenhum dos investidores ser um FIA

(art. 3.º/1 da Diretiva). Contudo, assinala-se o

facto de o legislador nacional não ter consagra-

do esta disposição no RGOIC. Está em causa

uma opção legislativa questionável na medida

em que os principais valores que o regime que a

Diretiva visa tutelar, em particular a proteção

dos investidores e a prevenção dos eventuais

riscos sistémicos decorrentes da atuação dos

GFIA, não se deverão considerar ameaçados

pela atividade de gestão no âmbito exclusivo de

uma relação de grupo. Por este motivo, conside-

ramos que se revelaria mais adequado e propor-

cional aplicar um regime simplificado aos

GFIA neste caso específico, e eximi-los do

cumprimento de um conjunto de disposições

que resultam de transposição da Diretiva, e que

não se encontravam já anteriormente previstas

no RJOIC. No entanto, sublinhe-se que, em

bom rigor, a referida opção legislativa tem um

alcance prático limitado uma vez que várias

disposições e exigências que passaram a ser

aplicáveis às entidades gestoras com a imple-

mentação da Diretiva, já decorriam da própria

DMIF, tendo sido implementadas na ordem

jurídica nacional através do CdVM.

Em qualquer caso, independentemente de con-

siderações de fundo sobre a opção legislativa

adotada, importa reter que as relações de gestão

de FIA de escopo estritamente intragrupo não

escapam ao regime previsto no RGOIC, nem

beneficiam de um regime simplificado.

16- Art. 4.º/1, a) da Diretiva. 17- A título de exemplo, sublinhe-se o caso em que a ESMA, reconhecendo a elevada importância de especificar em maior detalhe os contornos da definição de FIA, esclareceu que, “[n]os casos em que um compartimento de investimento de uma empresa apresente todos os elementos presentes na definição de «FIA» no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) da DGFIA (i.e. «organismos de investimento coletivo», «angariação de capital», «número de investidores» e «política específica de investimento»), tal facto deverá ser considerado suficiente para considerar que uma determinada empresa na sua totalidade é «FIA» nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) da DGFIA”. ESMA, Orienta-ções sobre conceitos-chave da Diretiva GFIA, ESMA/2013/611, p. 5, acessível através do seguinte link, consultado no dia 04.07.2015: http://www.esma.europa.eu/system/files/esma_2013_00600000_pt_cor.pdf

87 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

2. De minimis: a aplicação de um regime

regulatório simplificado

A Diretiva prevê um regime simplificado para

os GFIA que giram carteiras de ativos que não

excedam determinados limiares, a saber, (i) de

100 milhões de EUR, independentemente do

recurso a alavancagem e (ii) de 500 milhões de

EUR (art. 3.º/2 da Diretiva).

A Diretiva impõe aos GFIA abrangidos pelo

regime simplificado o cumprimento das seguin-

tes obrigações: (i) registo; (ii) identificação no

momento de inscrição junto das autoridades de

supervisão competentes do EM de origem; (iii)

prestação de informações sobre as estratégias

de investimento dos FIA geridos no momento

de inscrição junto das autoridades competentes

do EM de origem; (iv) prestação regular de in-

formações às autoridades de supervisão, desig-

nadamente sobre as principais posições de ris-

co; e (v) notificação às autoridades de supervi-

são competentes sempre que deixem de estar

abaixo dos limiares relevantes para a aplicação

do regime simplificado de minimis (art. 3.º/3 da

Diretiva). Refira-se que as autoridades compe-

tentes dispõem de competência de supervisão e

de investigação adequada para garantir o cum-

primento das obrigações referidas (art. 46.º da

Diretiva).

Todavia, apesar de o leque de obrigações cons-

tante do regime simplificado ser claramente

menos exigente que o regime da Diretiva apli-

cado na íntegra, os GFIA abrangidos pelo regi-

me simplificado não beneficiam dos direitos

decorrentes da Diretiva (designadamente do

regime de passaporte18). Por este motivo, a

Diretiva deixa a porta aberta a que os GFIA,

uma vez ponderadas as vantagens e desvanta-

gens que daí possam decorrer, optem pela sub-

missão na íntegra ao seu regime19.

No momento de proceder à transposição do re-

gime da Diretiva, o legislador nacional optou

por não prever um regime simplificado no

RGOIC, tendo apenas previsto um regime com

tais características para as sociedades de capital

de risco, no RJCR20.

Consideramos que se trata de um ponto em que

a transposição em Portugal poderia ter ido mais

longe. Ao prever a aplicação do mesmo regime

regulatório a todos os GFIA, independentemen-

te do valor da carteira de FIA sob gestão, poder

-se-á ter previsto um regime que, ao aplicar a

mesma carga regulatória independentemente da

dimensão do GFIA em causa, peca pela despro-

porcionalidade para com os GFIA de reduzida

dimensão, sobretudo os GFIA que apenas pre-

tendem comercializar numa lógica interna, ex-

clusivamente no mercado português.

A razão de ser da previsão de um regime

simplificado pelo legislador europeu passará

pela conclusão de que a probabilidade de os

GFIA que se encontrem abaixo dos limiares

definidos darem origem a sérios problemas para

a estabilidade financeira é, atendendo à reduzi-

da dimensão da carteira de FIA sob a sua

alçada, particularmente reduzida21. Por este

motivo, o legislador europeu considerou

apropriado permitir a redução, por um lado,

dos custos transacionais (e.g., custos contratu-

ais) suportados pelas sociedades em causa,

bem como, por outro lado, dos custos

18- Todavia, tal não significa que o GFIA não possa comercializar FIA em outro EM, desde que o direito do EM de origem e do EM de destino permitam a referida comercialização. Cabe ainda a cada EM determinar se tal GFIA pode comercializar junto de investidores não profissionais. 19- Art. 3.º/4 da Diretiva. 20- Refira-se que, embora o RGOIC não preveja um regime de minimis, prevê a possibilidade de as próprias instituições de crédito levarem a cabo a atividade de gestão do FIA. Com efeito, em conformidade com o art. 65.º/2 do RGOIC, os FIA fechados também podem ser geridos por instituições de crédito, desde que disponham de fundos próprios não inferiores a €7,5 milhões, e os ativos que compõem as respetivas carteiras sob gestão não excedam no total o limiar de €100 milhões, independentemente do recurso ao efeito de alavancagem ou de €500 milhões. 21- Considerando 17 da Diretiva.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 87

88 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

administrativos e burocráticos para as próprias

autoridades de supervisão22 em situações em

que estejam em causa acumulações de capital

de reduzida dimensão.

Para além do reduzido impacto sistémico de tais

sociedades, tem sido defendido que a imposição

da mesma carga regulatória aos GFIA com um

portfolio de menor dimensão é suscetível de

provocar um impacto negativo no seu cresci-

mento23. Com efeito, poderá revelar-se na práti-

ca particularmente difícil assegurar o cumpri-

mento do regime regulatório previsto na Direti-

va, que tem sido apontado como bastante exi-

gente24, em particular para sociedades de menor

dimensão. Acresce ao exposto o facto de, na

perspetiva de uma sociedade, os custos relacio-

nados com o exercício da função de compliance

apresentarem importantes economias de escala,

o que certamente contribui para conferir uma

vantagem competitiva acrescida a sociedades de

maior dimensão. Por estes motivos poderá ser

defendido que a não previsão de um regime

simplificado revelar-se-á, no mínimo, despro-

porcional.

Concebemos como alternativa à não previsão

tout court do regime de minimis o estabeleci-

mento de limiares inferiores aos da Diretiva,

adaptados à realidade económica portuguesa, à

semelhança, de resto, do que foi feito em rela-

ção ao RJCR. Todavia, a pura e simples elimi-

nação de tal regime simplificado não parece,

salvo meliore, ter sido a solução mais acertada.

3. Definições

Relativamente às várias definições constantes

quer da Diretiva, quer do RGOIC (resultado da

correspondente transposição), consideramos

necessário, pelo papel central que ocupa no

quadro legal em causa, analisar o conceito de

comercialização.

Comercialização vem definida no RGOIC como

“a atividade dirigida a investidores, no sentido

de divulgar para efeitos de subscrição ou propor

a subscrição de unidades de participação ou de

ações em organismo de investimento coletivo,

utilizando qualquer meio publicitário ou de co-

municação” (sublinhado nosso)25. Sublinha-se

que o conceito de comercialização para efeitos

do RGOIC (bem como da Diretiva) se encontra

limitado a valores mobiliários representativos

de capital social (equity issue), não abrangendo

emissão de dívida (debt issue)26.

Sublinhamos igualmente que o conceito de

comercialização parece deixar de fora situações

em que o investidor tenha expressado, por sua

livre iniciativa, vontade de ser contactado

pela entidade que comercialize fundos de inves-

timento com vista a ficar a conhecer os produ-

tos e serviços que tal entidade comercialize

(reverse solicitation exemption). A relação es-

tabelecida tendo por base tal manifestação de

interesse não solicitada parece escapar ao esco-

po das regras aplicáveis à atividade de comerci-

alização. Notamos, contudo, que tal exceção

22- Bernhardt, T., The European Alternative Investment Fund Managers (AIFMD) – an appropriate approach to the global financial crisis?, Faculdade de Direito da Universidade de Glasgow, 2013, p. 113. 23- Nabilou, H., The Alternative Investment Fund Managers Directive and Hedge Funds’ Systemic Risk Regulation in the EU, 2013, p. 26. 24- Antunes, M., Hedge Funds e o Activismo Societário, Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa, tese de mestrado não publicada, 2012, p. 35; Aramendía, M., Implementing the AIFMD: Success or Failure?, European Capital Markets Institute, n.º 34, março de 2013, p. 1. 25- Art. 2.º/1 c) do RGOIC. 26- Neste sentido, a Comissão pronunciou-se no seguinte sentido: As a matter of principle, the Commission considers the term "units and shares" to be generic and inclusive of other forms of equity of the fund, i.e. a stock or any other security representing an ownership interest in the fund. A resposta da Comissão indicada pode ser consultada através do seguinte link, acedido no dia 05.07.2015: http://ec.europa.eu/yqol/index.cfm?fuseaction=question.show&questionId=1169

89 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

deverá ser interpretada como tendo um âmbito

estritamente coincidente com o âmbito da livre

manifestação de interesse por parte do investi-

dor, i.e., deverá estar limitada aos produtos e

serviços relativamente aos quais o investidor

manifestou interesse em ser contactado.

Capítulo III. Regras

de funcionamento dos GFIA

1. Autorização

De forma a assegurar uma supervisão efetiva de

todos os GFIA a operar na UE, de acordo com a

Diretiva as entidades que pretendam exercer a

atividade de gestão de organismos de investi-

mento alternativo deverão registar-se27 junto

das autoridades de supervisão competentes. Tal

pedido de autorização deverá ser dirigido à au-

toridade de supervisão do EM de origem, inde-

pendentemente do domicílio legal do FIA28/29,

seguindo-se, deste modo, o modelo de regula-

ção mais comum, que consiste em controlar na

fonte o exercício de atividade do gestor, i.e. no

local onde tem a sua sede social30.

As sociedades gestoras de FIA deverão apre-

sentar a seguinte documentação em relação a

cada organismo de investimento coletivo que

vise gerir31: (i) informações sobre a correspon-

dente estratégia de investimento, indicando a

política do GFIA no que concerne à utilização

de efeito de alavancagem, perfis de risco e ou-

tras características, bem como informação sobre

os EM ou países terceiros nos quais os FIA em

causa se encontrem, ou se espera que serão,

estabelecidos; (ii) informação sobre o local no

qual o FIA se encontra estabelecido; (iii) respe-

tivos documentos constitutivos; (iv) informação

quanto aos mecanismos de contratação de depo-

sitário; e (v) informações adicionais que devam

ser divulgadas aos investidores nos termos do

art. 221.º do RGOIC.

2. Avaliação de ativos

De entre os vários deveres fiduciários que o

GFIA deverá observar no exercício da sua ativi-

dade, encontra-se o dever de cuidado na gestão

dos fundos, o qual passa, designadamente, por

uma correta valorização do valor das UPs e a

sua correspondente divulgação.

Com vista a cumprir o referido dever fiduciário,

os GFIA devem implementar procedimentos

internos que permitam uma avaliação correta e

independente dos ativos sob gestão32. A avalia-

ção em causa deverá seguir as leis do país onde

o FIA esteja estabelecido e o regulamento ou

documentos constitutivos do FIA, devendo,

ainda, seguir o disposto no Regulamento Dele-

gado, visto que a Comissão, no uso da compe-

tência reconhecida na Diretiva33, adotou, no

Regulamento Delegado, medidas destinadas a

especificar e harmonizar as políticas e procedi-

mentos para a avaliação dos ativos dos FIA de

forma a garantir a aplicação de procedimentos

de avaliação sólidos, abrangentes e devidamen-

te documentados34.

27- Sublinhe-se que, por força do art. 5.º da Lei n.º 16/2015, as entidades responsáveis pela gestão de FIA já em atividade no momento da entrada em vigor do novo quadro legal tiveram que voltar a registar-se junto da CMVM e do BdP. 28- Arts. 6.º e 7.º da Diretiva. 29- De acordo com o art. 7.º da Diretiva, a ESMA mantém um registo público de todos os GFIA autorizados ao abrigo da Diretiva. 30- Bessa, T., Crise, regulação e supervisão de hedge funds, Revista de Direito das Sociedades, n.º 3-4, Ano II, Almedina, 2010, p. 922. 31- Art. 70.º do RGOIC. 32- Art. 19.º da Diretiva. 33- Art. 19.º/11 da Diretiva. 34- Art. 67.º ss. do Regulamento Delegado.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 89

90 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

A Secção IV do Título II do RGOIC regula o

exercício da função de avaliação de ativos. A

função de avaliação deverá ser desempenhada

com zelo, competência e independência35 por

um avaliador externo, independente do FIA e

do GFIA, ou pelo próprio GFIA quando este

faça uma separação funcional da gestão de car-

teiras e da função de avaliação e se assegure

que os evidentes conflitos de interesses que re-

sultarão de ter uma única entidade a desempe-

nhar ambas as funções sejam devidamente ate-

nuados36.

Justamente pelos interesses conflituantes em

presença, acreditamos que a primeira solução,

de votar a função de avaliação a um avaliador

externo, parece ser mais garantística dos inte-

resses dos investidores. Aliás, o facto de se pre-

ver expressamente, quando a avaliação de ati-

vos seja desempenhada pelo próprio GFIA, a

possibilidade de a CMVM exigir que os proce-

dimentos de avaliação utilizados sejam verifica-

dos por um auditor externo registado junto da

CMVM ou por outro avaliador externo37, cons-

titui claro reconhecimento de que tal opção de-

termina uma maior necessidade de salvaguarda

dos interesses dos investidores. A entidade ges-

tora será, desta forma, responsável pela correta

avaliação de ativos, bem como pelo cálculo do

valor global do FIA, independentemente de as

funções de avaliação de ativos terem sido confi-

adas a um avaliador externo38.

Sublinhe-se ainda a situação particular dos peri-

tos avaliadores de imóveis, que motivou a apro-

vação de regras próprias para o exercício de

atividade39.

3. Capital inicial e fundos próprios

Os requisitos de fundos próprios visam acaute-

lar a continuidade e regularidade do desempe-

nho da atividade pelos GFIA e, bem assim, co-

brir a responsabilidade profissional no exercício

de tal atividade40. Exige-se aos FIA que tenham

um capital mínimo de €300 000 ou de

€125 000, consoante sejam geridos interna ou

externamente41.

Sempre que o valor líquido global da carteira

sob gestão do GFIA ultrapasse o montante de

€250 milhões, recai sobre os GFIA a obrigação

de constituir uma reserva de fundos próprios

suplementares que equivalerá a 0,02% do mon-

tante em que a carteira exceda o referido limi-

ar42. No entanto, a soma da referida reserva su-

plementar com o capital inicial tem como limite

máximo o montante de €10 milhões43.

Com vista a cobrir eventuais riscos de responsa-

bilidade civil profissional decorrentes de atua-

ção negligente, os GFIA devem deter fundos

próprios suplementares suficientes, ou celebrar

um contrato de seguro para o efeito44.

35- Art. 93.º/2 do RGOIC. 36- Art. 94.º/1 do RGOIC. 37- Art. 94.º/3 do RGOIC. 38- Art. 95.º do RGOIC. 39- Aprovado pela Lei n.º 153/1025, de 14 de setembro, que regula o acesso e o exercício da atividade de peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro nacional. 40- Considerando 23 da Diretiva. 41- Art. 50.º e 99.º/1 h) do RGOIC, que transpõem o disposto no art. 9.º/1/2 da Diretiva. 42- Art. 71.º/1 do RGOIC, o qual procede à transposição do art. 9.º/3 da Diretiva. 43- Art. 71.º/3 do RGOIC, que transpõe o art. 9.º/3 da Diretiva. 44- Art. 71.º/7 do RGOIC, que transpõe o art. 9.º/7 da Diretiva.

91 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Refira-se, ainda, que a Comissão regula, no

exercício da competência que lhe é concedida

pela Diretiva45, relativamente aos fundos pró-

prios suplementares e/ou ao seguro de respon-

sabilidade civil profissional, as seguintes maté-

rias: (i) os riscos que deverão cobrir, (ii) requi-

sitos qualitativos em matéria de riscos de res-

ponsabilidade profissional; e (iii) cobertura de

riscos de responsabilidade profissional através

de fundos próprios complementares ou através

de seguro46.

4. Alavancagem

Com vista a acompanhar e monitorizar o recur-

so a técnicas de exposição ao risco e a evitar

que a utilização a tais procedimentos aumente o

risco sistémico do sistema financeiro, o quadro

legal aprovado pela Diretiva dedica particular

atenção ao efeito de alavancagem.

Os GFIA devem estabelecer os níveis máximos

de alavancagem em relação a cada FIA que ge-

rem, informação que deverá ser disponibilizada

quer aos investidores47, quer às entidades de

supervisão do EM de origem48. Tais obrigações

de comunicação visam promover a transparên-

cia em relação aos investidores, bem como a

capacidade das autoridades de supervisão de

controlarem eventuais riscos sistémicos49.

Caberá ao GFIA demonstrar que os limites no

que respeita ao recurso ao efeito de alavanca

para cada FIA são razoáveis e que são cumpri-

dos numa base contínua, enquanto, por seu tur-

no, as autoridades de supervisão do EM de ori-

gem do GFIA deverão determinar se, e em que

medida, o recurso ao efeito de alavanca contri-

bui para aumentar o risco sistémico no sistema

financeiro50. No entanto, na eventualidade de as

autoridades de supervisão competentes conside-

rarem excessivo o recurso ao nível de alavanca-

gem, poderão ser impostos, após terem notifica-

do a ESMA, o ESRB e as autoridades de super-

visão competentes do FIA em questão, e apenas

quando tal se revele necessário para assegurar a

estabilidade do sistema financeiro, limites ao

recurso a tal técnica de exposição ao risco ou

outras restrições à gestão que se revelem ade-

quadas51.

Capítulo IV. As entidades

relacionadas com os GFIA

1. Depositário

A separação entre a função de gestão e a função

de depósito tem sido apontada como uma im-

portante medida destinada a salvaguardar os

interesses dos investidores e justificada pelo

importante papel desempenhado pelos depositá-

rios na governação dos fundos de investimento

e pela natureza fiduciária da sua posição52. No

contexto desta divisão, é confiado ao depositá-

rio um papel essencial de custódia dos ativos

que lhes são confiados, e é estabelecido um

conjunto alargado de normas e de condições

que o depositário deverá observar no exercício

da função que lhe é confiada.

45- Art. 9.º/9 da Diretiva. 46- Arts. 12.º a 15.º do Regulamento Delegado. 47- De acordo com o art. 23.º/1 a) da Diretiva, deverão ser divulgados aos investidores as circunstâncias em que os GFIA poderão recorrer a alavancagem, tipos e fontes de efeito de alavanca permitidos e os riscos que lhes são inerentes. 48- De acordo com o art. 24.º/4 da Diretiva, os GFIA que giram FIA com recurso substancial a alavancagem deverão informar as autoridades de supervisão do EM de origem quanto ao nível global de recurso ao efeito de alavanca em relação a cada FIA sob sua gestão. 49- Baffi, E., Lattuca, D., e Santella, P., Extending the EU Financial Regulatory Framework to AIFM, Credit Derivatives, and Short Selling, 2011, p.8. 50- Art. 25.º/1 da Diretiva. 51- Art. 25.º/3 da Diretiva. 52- Câmara, P., Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª Ed., Almedina, 2011, p. 782.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 91

92 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Para além do regime da Diretiva, transposto

para o RGOIC, o Regulamento Delegado por-

menoriza as funções e obrigações dos depositá-

rios de FIA e detalha as normas previstas na

Diretiva. Visto que o Regulamento Delegado é

uma fonte de direito com aplicabilidade direta,

as normas aí previstas deverão ser tidas em con-

sideração juntamente com as normas previstas

no RGOIC, motivo pelo qual serão indicadas

infra em conjunto com as normais nacionais

aplicáveis.

São confiados a um único depositário os ativos

que fazem parte da carteira dos organismos e

investimento coletivo (art. 120.º/1 do RGOIC)53, podendo exercer as funções de depositários

instituições de crédito e empresas de investi-

mento, desde que autorizadas a prestar os servi-

ços de registo e de depósito de instrumentos

financeiros por conta de clientes, sujeitas a su-

pervisão prudencial numa base contínua54.

A Diretiva prevê (art. 21.º/3) que os EM pode-

rão permitir, quando estiverem em causa FIA

sem direitos de reembolso que possam ser exer-

cidos durante o período de cinco anos (a contar

da data do investimento inicial), que as funções

de depósito possam ser desempenhadas por pro-

fissionais que desempenhem a função de depo-

sitário como parte das suas atividades profissio-

nais ou empresariais, relativamente às quais

estejam sujeitos à obrigação de registo profis-

sional (referido normalmente como depositary

lite-regime). Todavia, o legislador nacional

optou por não prever esta possibilidade, infeliz-

mente, a nosso ver, porquanto tratar-se-ia de

uma interessante oportunidade de retirar (ainda

que a título indireto) parte da pressão regulató-

ria que o novo regime veio colocar sobre os

GFIA.

Os depositários que atuem em Portugal deverão

estar estabelecidos em Portugal55/56 e deverão

cumprir, inter alia, os seguintes deveres (art.

121.º do RGOIC): (i) garantir o cumprimento

da lei, dos regulamentos e do disposto nos do-

cumentos constitutivos do FIA; (ii) guardar os

ativos, mantendo um registo atualizado dos

mesmos; (iii) executar as instruções emitidas

pela entidade gestora; (iv) assegurar que os par-

ticipantes recebem a contrapartida e rendimen-

tos que lhes sejam devidos; e (v) elaborar uma

relação de todas as operações levadas a cabo

por conta do FIA e um inventário discriminado

dos correspondentes ativos e passivos57.

Note-se que os deveres do depositário, no que

concerne à diligência com que deverão exercer

as funções que lhe são confiadas e segregar os

ativos sob custódia, encontram-se previstos em

maior detalhe nos arts. 85.º a 99.º do Regula-

mento Delegado. De entre os vários deveres do

depositário, previstos na Diretiva e especifica-

dos ou mesmo alargados no Regulamento Dele-

gado, consideramos particularmente esclarece-

dor da elevada importância conferida à figura

do depositário no contexto da relação entre in-

vestidor, entidade gestora e depositário, e da

função de verdadeiro censor58 da atividade de-

senvolvida pelo próprio gestor que é chamado a

53- O art. 21.º/1 da Diretiva dispõe expressamente que constitui obrigação do GFIA assegurar a nomeação de um único depositário para cada um dos FIA por si geridos. 54- Art. 120.º/2 do RGOIC. 55- No art. 120.º/3 do RGOIC o legislador nacional optou por não estabelecer o período transitório previsto no art. 61.º/5 da Diretiva, no qual se prevê a possibilidade de os EM permitirem a possibilidade de os GFIA recorrerem a depositários estabelecidos noutro EM até 22 de julho de 2017. Visava-se com a previsão do referido período transitório permitir aos EM o desenvolvimento de um corpo de entidades depositárias nacionais suficiente para responder às exigências a este respeito, em particular em EM onde o recurso a entidades depositárias estabelecidas noutros EM numa base regular teve como consequência o não desenvolvimento de depositários nacionais do EM em que o FIA esteja, também ele, estabelecido. Todavia, a aludida opção do legislador português ter-se-á prendido com o simples facto de os deposi-tários estrangeiros a atuar em Portugal o fazerem através de uma sucursal, o que significa que a preocupação que o legislador da UE visava acautelar não se justificava no caso específico de Portugal. 56- O art. 2.º/1, al. l) do RGOIC, define o conceito de “Estado em que se encontra estabelecido ou constituído” da entidade depositária como correspondendo ao Estado no qual se encontre a respetiva sede social ou sucursal. 57- O elenco de deveres enunciados no art. 121.º do RGOIC corresponde ao disposto no art.21.º/7/8/9 da Diretiva. 58- Aramendía, M., Implementing the AIFMD: Success or Failure?, European Capital Markets Institute, n.º 34, março de 2013, p. 3.

93 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

a desempenhar, o facto de, para além de o ges-

tor ter que apresentar ao depositário todas as

informações relevantes para o exercício das

suas funções, ser-lhe concedida a prorrogativa

de aceder à contabilidade da entidade gestora e,

mesmo, de realizar visitas às instalações do ges-

tor (e às de qualquer prestador de serviços sub-

contratado pelo gestor, como por exemplo ava-

liadores externos). Apesar de ser possível consi-

derar que as competências de monitorização

poderão vir a ter um reduzido alcance prático, o

que, em todo o caso, apenas poderá confirmado

decorrido um suficiente período de tempo sobre

o início da implementação do presente regime

jurídico, a verdade é que a consagração de tais

competências simboliza a profunda alteração no

espírito regulatório na origem da própria apro-

vação do quadro legal em análise.

Recai sobre o depositário a responsabilidade,

perante o GFIA e os participantes, em caso de

perda dos instrumentos financeiros sob sua cus-

tódia (art. 122.º/1 do RGOIC), de devolver ao

GFIA um instrumento financeiro do mesmo

tipo ou o montante correspondente (art. 122.º/2

do RGOIC)59. O depositário responde ainda em

caso da ocorrência de qualquer prejuízo sofrido

pelos participantes que resulte de incumprimen-

to das obrigações que sobre ele impendam, em

caso de dolo ou negligência60.

O regime de responsabilidade do depositário

consagrado no RGOIC representa uma verda-

deira mudança relativamente ao Regime Jurídi-

co dos Fundos de Investimento Imobiliário,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18

de junho, e revogado com a entrada em vigor

do RGOIC, onde se dispunha que a sociedade

gestora e o depositário respondiam solidaria-

mente perante os participantes.

Resulta do exposto que assume uma importân-

cia acrescida determinar que instrumentos fi-

nanceiros, apesar de não poderem ser fisica-

mente entregues ao depositário, deverão ser

incluídos no âmbito das obrigações de custódia,

uma vez que estes estarão, como tal, sujeitos ao

regime de responsabilidade objetiva indicado.

De acordo com o art. 88.º do Regulamento De-

legado deverão ser incluídos no âmbito das

obrigações de custódia os seguintes instrumen-

tos financeiros: valores mobiliários que incluam

os que incorporam instrumentos derivados, ins-

trumento do mercado monetário ou unidades de

participação de organismos de investimento

coletivo. Estão em causa instrumentos que po-

derão ser mantidos numa conta em nome do

depositário e sobre os quais o depositário terá

controlo. Se é claro que os derivados financei-

ros admitidos à negociação em mercado regula-

mentado (listed derivatives) estarão abrangidos

pelo dever de custódia, já menos claro será o

caso específico em caso de acordos de garantia,

empréstimo de títulos e acordos de recompra. O

enquadramento a dar a estes casos torna-se par-

ticularmente problemático tendo em considera-

ção que o Regulamento Delegado faz depender

o dever de manter em custódia um instrumento

financeiro da sua titularidade por parte do FIA,

pelo que se conclui que o dever de custódia

apenas não será aplicável caso se verifique uma

verdadeira transferência da sua titularidade do

FIA para uma entidade terceira. Por este moti-

vo, será necessário analisar cada transação em

concreto para determinar a verificação de uma

verdadeira transferência da titularidade para

apurar o regime de responsabilidade aplicável.

Na falta de legislação harmonizada, esta ponde-

ração poderá revelar na prática uma dificuldade

acrescida e é assinalável o claro risco de ser

59- As regras em matéria de responsabilidade do depositário resultam da transposição do art. 21.º/12/13/14/15 da Diretiva. 60- O regime de responsabilidade do depositário é complementado pelas normas constantes dos arts. 100.º a 102.º do Regulamento Delega-do. O art. 100.º do Regulamento Delegado clarifica as situações em que se considera ter ocorrido uma verdadeira perda, ao passo que o art. 101.º do Regulamento Delegado identifica o elenco de requisitos cujo preenchimento é necessário para que o depositário possa afastar a responsabilidade pela perda, a saber, (i) que o evento que originou a perda não resulte de ato ou omissão do depositário ou de terceiro a quem a custódia tenha sido confiada; (ii) que o depositário não pudesse, razoavelmente, ter evitado o evento em causa; e (iii) que, pese embora o exercício das respetivas funções com a exigida diligência, o depositário não pudesse impedir a perda.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 93

94 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

aplicado de forma não harmonizada em diferen-

tes EM, pelo que está em causa um ponto que

deveria merecer uma atenção acrescida por par-

te da ESMA, de forma a assegurar, sempre que

possível, uma interpretação o mais convergente

possível.

A introdução de um regime de responsabilidade

particularmente abrangente é suscetível de dar

origem a profundas alterações às práticas de

mercado em vigor61. De entre os vários desafios

lançados pela Diretiva a este nível, destacamos

o impacto da modificação do regime de respon-

sabilidade nos acordos relativos à delegação da

função de custódia. Com efeito, a prática de

mercado de os depositários delegarem o exercí-

cio da função de custódia nos corretores princi-

pais (prime broker), poderá conhecer importan-

tes alterações. O facto de o depositário ser o

responsável final pela devolução dos ativos sob

custódia significa, em termos práticos, que se

encontra exposto à possibilidade de o corretor

principal não devolver o instrumento financeiro

que lhe foi confiado, pelo que terá que precaver

tal possibilidade, o que terá, necessariamente,

impacto nos custos associados à prestação de tal

serviço. A existência de um acréscimo de cus-

tos resultante de uma maior exposição ao risco

e do facto de o cumprimento do regime aplicá-

vel ser mais exigente, surge como uma inevita-

bilidade. Resta apenas saber se tais custos serão

repercutidos no investidor final, GFIA, deposi-

tário ou próprio corretor principal.

Neste contexto, os depositários poderão encon-

trar nas delegações intragrupo uma resposta a

um eventual acréscimo de custos, em virtude

das quais poderão beneficiar de importantes

sinergias e, possivelmente, de um maior contro-

lo por força da harmonização das políticas e

procedimentos internos implementados nas

várias sociedades no âmbito de determinado

grupo económico. Assumirá neste quadro uma

importância digna de realce a necessidade de

prever, expressamente, nos contratos a celebrar

(e nos contratos atualmente em vigor) a possibi-

lidade de transferência da custódia sempre que

existam dúvidas quanto à capacidade de o cor-

retor principal contratado cumprir as disposi-

ções legais aplicáveis62.

Por último, o referido regime de responsabilida-

de justifica uma maior cautela com a seleção

dos corretores principais aos quais o depositário

confiará as funções de custódia. Por este moti-

vo, fará particular sentido ter um cuidado acres-

cido com a contratação de corretores principais

com elevada reputação (top tier), uma vez que

oferecerão acrescidas garantias no respetivo

exercício de atividade. Tal mudança tem poten-

cial para provocar um verdadeiro realinhamento

no setor.

O depositário apenas pode subcontratar em ter-

ceiro, através de delegação, o exercício das fun-

ções de guarda de ativos e apenas se as seguin-

tes condições forem verificadas: (i) não se tratar

de uma tentativa de evitar o cumprimento do

regime previsto no RGOIC; (ii) o depositário

demonstrar existirem razões objetivas para pro-

ceder a tal subcontratação63; (iii) a seleção e

contratação da entidade subcontratada tenha

sido realizada de forma diligente; e (iv) o depo-

sitário conseguir assegurar que a entidade sub-

contratada dispõe das estruturas e competências

necessárias e adequadas à complexidade das

funções em causa, esteja sujeita a regulamenta-

ção prudencial no que concerne à guarda de

instrumentos financeiros, segregue os ativos

dos clientes do depositário dos seus próprios

ativos e apenas reutilize os ativos em determi-

nadas circunstâncias64.

61- JP Morgan, AIFMD Depositary Liability – Perspectives, Investor Services, Whitepaper, julho de 2013, p. 1. 62- JP Morgan, AIFMD Depositary Liability – Perspectives, Investor Services, Whitepaper, julho de 2013, p. 3. 63- A título exemplificativo, o Regulamento Delegado refere, no art. 76.º/1, as seguintes razões objetivas: (i) otimização das funções e processos operacionais; (ii) poupança; (iii) conhecimento da entidade que beneficie da delegação quanto a mercados específicos; e (iv) acesso da entidade delegada a capacidades de negociação mundiais. 64- Art. 124.º do RGOIC, o qual procede à transposição do disposto no art. 21.º/11 da Diretiva.

95 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

A nomeação de depositário pelo GFIA deve ser

realizada através de contrato sujeito a lei portu-

guesa (art. 127.º/1 do RGOIC), no qual deverá,

necessariamente, ser fixado o conjunto de ele-

mentos elencados no art. 128.º/1 do RGOIC e

no art. 83.º do Regulamento Delegado.

As profundas alterações introduzidas com a

entrada em vigor do regime descrito supra rela-

tivamente ao investimento alternativo e as ga-

rantias acrescidas que a segregação de ativos

representam para o investimento, poderão lan-

çar o mote para uma forte expansão da ativida-

de de gestão de fundos na UE, na medida em

que visam contribuir para a criação uma forma

mais simples e segura através da qual a banca

tradicional e setor segurador poderão canalizar

poupanças para investimento65.

2. Delegação

A delegação de funções de gestão deverá ser

justificável com base em razões objetivas66 e

não deverá, em caso algum, colocar em causa a

eficácia da supervisão do GFIA. Por outro lado,

a entidade na qual sejam delegadas funções no

contexto do presente regime deverá dispor de

recursos suficientes para desempenhar as fun-

ções que lhe são confiadas e estar registadas ou

autorizadas para o exercício de tais funções67.

Para não contornar a separação de funções im-

posta pelo quadro legal em causa, as entidades

que desempenhem funções de depósito em vir-

tude de uma delegação não poderão beneficiar

de delegação das funções de gestão.

3. Auditores

De forma a garantir a transparência e o rigor

dos relatórios anuais dos GFIA, a informação

contabilística aí apresentada deverá ser objeto

de relatório de auditoria68, preparado por audi-

tor registado na CMVM.

Recai sobre o GFIA o dever de garantir a rotati-

vidade dos auditores, de forma a acautelar situ-

ações de conflitos de interesses entre auditores

e FIA69. Não tendo sido previsto um regime

transitório durante o qual as novas regras não

seriam aplicáveis aos mandatos ainda em curso

dos membros dos órgãos sociais das sociedades

gestoras e dos auditores à data de entrada em

vigor do diploma. Assim sendo, dada a falta da

previsão de tal período transitório para os man-

datos dos membros dos órgãos sociais ou audi-

tores em curso, deverá considerar-se que as re-

gras previstas no RGOIC lhes serão automatica-

mente aplicáveis70.

Capítulo V. A Regulação

do Governo Societário dos GFIA

O bom funcionamento do governo dos fundos

de investimento passa, em boa medida, pelo

regular exercício de atividade da própria

entidade gestora, sobre a qual recai a responsa-

bilidade pela gestão eficaz e diligente do fundo.

Por este motivo, a promoção de um equilibrado

governo societário das entidades gestoras de

FIA enquadra-se numa clara intenção do legis-

lador em assegurar a promoção dos interesses

dos investidores e que qualquer decisão de

65- Aramendía, M., Implementing the AIFMD: Success or Failure?, European Capital Markets Institute, n.º 34, março de 2013, p. 3. 66- Art. 20.º da Diretiva. 67- Cumpre sublinhar que são igualmente aplicáveis as regras gerais em matéria de delegação previstas no CdVM. 68- Art. 22.º/3 da Diretiva e art. 131.º do RGOIC. 69- Art. 132.º do RGOIC. 70- Designadamente as disposições previstas no art. 132.º do RGOIC, onde se encontra prevista a rotatividade de mandatos dos auditores, e no art. 75.º do RGOIC, onde se encontra prevista a independência e regime de impedimentos aplicáveis aos membros dos órgãos sociais da sociedade gestora, bem como aos auditores.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 95

96 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

investimento é adotada de forma esclarecida e

que é objeto de escrutínio interno, de forma a

assegurar o seu alinhamento com a política de

investimento da sociedade, evitar uma excessi-

va exposição ao risco e promover uma relação

de confiança entre entidade gestora e partici-

pantes dos fundos.

No presente capítulo são analisadas as princi-

pais alterações para o governo societário dos

GFIA resultantes da aprovação da Diretiva e da

correspondente transposição para o RGOIC.

1. Políticas de Remuneração

A previsão de políticas de remuneração desa-

justadas ao perfil de risco das entidades em cau-

sa tem sido apontada como um dos elementos

na origem da crise financeira71, na medida em

que influencia diretamente a agressividade das

estratégias de risco seguidas pelos gestores de

fundos. Com esta preocupação em mente, a Di-

retiva procurou lançar as bases para a previsão

de políticas de remuneração equilibradas e que

promovam uma gestão sã e eficaz.

Os GFIA devem dispor de políticas remunera-

tórias para os seus colaboradores, que deverão

abranger os membros dos órgãos de administra-

ção, responsáveis pela assunção de riscos e pelo

exercício das funções de controlo72. O Anexo II

da Diretiva concretiza tal dever, indicando em

maior detalhe as linhas ao longo das quais os

GFIA deverão fixar as políticas de remunera-

ções internas. A ESMA, por seu turno, deve

assegurar a existência de orientações que con-

tribuam para dar corpo às indicações constantes

do Anexo II da Diretiva.

Esta disposição foi transposta para a ordem jurí-

dica nacional pelo art. 78.º do RGOIC. De acor-

do com esta disposição, as políticas de remune-

ração dos GFIA não deverão encorajar a assun-

ção de riscos incompatíveis com o perfil de ris-

co do FIA, devendo a política de remuneração

incidir, inter alia, sobre as remunerações e be-

nefícios dos colaboradores responsáveis pela

assunção de riscos. Numa palavra, procura-se

regular as políticas de remuneração seguidas no

que respeita em particular aos colaboradores

que desempenhem funções com impacto no

perfil de risco das sociedades responsáveis pela

gestão de fundos, visando-se desse modo pro-

mover uma gestão sólida e eficaz dos riscos e

que não encoraje uma assunção de riscos exces-

siva e agressiva73.

É digna de realce a preocupação demonstrada

pelo legislador ao prever, ao longo do RGOIC,

várias disposições destinadas a promover a

transparência da política de remunerações prati-

cada pelos GFIA e, deste modo, sindicar o cum-

primento dos parâmetros definidos no art. 78.º

do RGOIC, no Anexo I do RGOIC e em Regu-

lamento da CMVM, de entre as quais destaca-

mos as seguintes:

a) Relatório e contas deverá revelar o montante

total das remunerações do exercício econó-

mico, separando de forma clara remunera-

ções fixas e variáveis e eventuais comissões

de desempenho (art. 160.º/1 a) do RGOIC);

e

b) Dever de divulgação de informação aos in-

vestidores quanto à descrição de todas as

remunerações suportadas pelos investidores

e indicação do correspondente valor máximo

possível (art. 221.º/1, m) do RGOIC).

71- Considerando 24 da Diretiva. 72- Art. 13.º da Diretiva. 73- Pelo contrário, o art. 24.º do Regulamento Delegado indica vários exemplos de incentivos que deverão ser considerados aceitáveis.

97 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

O Anexo I do RGOIC atribui ao comité de re-

munerações a fiscalização da remuneração de

colaboradores que desempenhem funções de

controlo de risco, prevendo o n.º 3 do referido

Anexo a nomeação de um comité de remunera-

ção no caso das “entidades gestoras significati-

vas em termos da sua dimensão ou da dimensão

dos organismos de investimento coletivo por si

geridos, de organização interna e da natureza,

âmbito e complexidade das respetivas ativida-

des”. Coloca-se aqui a questão de determinar,

em concreto, o ponto a partir do qual um GFIA

terá dimensão que justifique a criação de um

comité de remuneração74.

As Orientações da ESMA de boas práticas de

remuneração ao abrigo da Diretiva (a seguir,

“Orientações da ESMA sobre Remuneração”)75

contribuem significativamente para concretizar

em maior detalhe o disposto no Anexo II da

Diretiva e definem as linhas orientadoras que

deverão ser seguidas para determinar a partir de

que momento um GFIA deverá criar um comité

de remuneração76/77. No entanto, a ESMA indi-

ca, a título meramente exemplificativo, que não

será necessário criar um comité de remuneração

no caso específico de GFIA que sejam parte de

grupos de bancos, seguradoras ou grupos de

investimento dentro dos quais exista uma enti-

dade que desempenhe a função de comité de

remuneração para todo o grupo económico, des-

de que cumpram as disposições da Diretiva

aplicáveis (relativamente à composição e fun-

ção de tais comités)78.

As Orientações da ESMA salientam a necessi-

dade de estender as disposições relativas à polí-

tica de remuneração dos GFIA às entidades às

quais nas quais seja delegada a gestão dos FIA,

que deverão ser igualmente eficazes e previstas

expressamente disposições contratuais que não

as disposições da Diretiva e das Orientações

da ESMA sobre Remuneração não sejam

contornadas79. Não obstante, tem sido defendi-

do que a extensão da aplicação às entidades às

quais é delegada a gestão de FIA recomendada

nas Orientações poderá, em particular em virtu-

de das diferenças legislativas em matéria de

remuneração entre a UE e o resto do mundo,

dar azo a sérias dificuldades no estabelecimento

de estruturas de delegação nas quais o delegado

esteja estabelecido fora da UE80.

2. Conflitos de Interesses

Com o objetivo de assegurar, numa base contí-

nua, uma gestão eficaz dos riscos associados à

atividade de gestão de fundos de investimento

alternativos, a Diretiva prevê um conjunto de

disposições que visam impor e regular a imple-

mentação interna de procedimentos de controlo

de conflitos de interesses.

De acordo com o art. 14.º da Diretiva, os GFIA

deverão adotar medidas razoáveis para detetar

situações de conflitos de interesses entre o

GFIA, o FIA, os seus investidores e clientes.

Deverá igualmente ser mantida uma clara

separação entre as funções que possam ser

74- A este respeito, é indicado nas Orientações da ESMA sobre Remuneração que o estabelecimento de um comité de remuneração constitui uma boa prática, independentemente da dimensão de cada GFIA. 75- As Orientações da ESMA podem ser consultadas através do seguinte link, acedido no dia 30 de junho de 2015: http://www.esma.europa.eu/system/files/2013-232_aifmd_guidelines_on_remuneration_-_en.pdf 76- De acordo com as Orientações da ESMA sobre Remuneração, para determinar se o GFIA tem uma dimensão significativa, que determine a obrigatoriedade de criar um comité de remuneração, dever-se-á atender aos seguintes critérios: (i) a sua dimensão ou a dimensão dos FIA que gere; (ii) a sua organização interna; e (iii) a natureza, escopo e complexidade das atividades que desenvolva. 77- A conjugação do dever de estabelecer um comité de remuneração poderá suscitar diversas questões 78- Idem, ponto 55, p. 16. 79- Idem, ponto 18, p. 8. 80- Buttigieg, C., The Alternative Investment Fund Managers Directive in Malta: Past, Present…What next?, ID-DRITT, Vol. XXV, 2015, p. 18.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 97

98 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

consideradas incompatíveis entre si e que pos-

sam dar origem a conflitos de interesses siste-

máticos e os investidores informados da exis-

tência do risco de os seus interesses serem pre-

judicados e da aplicação de procedimentos

apropriados para o efeito.

A adoção de procedimentos destinados a identi-

ficar e evitar situações de conflitos de interesses

constitui uma condição de funcionamento dos

GFIA (art. 12.º/1, d), art. 18.º da Diretiva) e

uma medida de gestão dos riscos (art. 15.º/5, d)

da Diretiva).

Assume ainda uma assinalável importância no

quadro da delegação das funções de gestão de

carteiras ou de riscos, na medida em que consti-

tui uma condição que deverá ser observada pela

entidade na qual estas sejam delegadas (art.

20.º/2, b) da Diretiva e art. 80.º do Regulamento

Delegado).

O regime constante da Diretiva procura assegu-

rar a independência do depositário81 e a particu-

lar preocupação em garantir que o depositário

evita situações de conflitos de interesses, em

relação ao, ou em nome do, FIA, constitui uma

clara manifestação de tal objetivo82. A identifi-

cação e gestão de potenciais situações de confli-

tos de interesses constitui condição da nomea-

ção de depositário de determinado FIA como

avaliador externo do mesmo FIA (art. 19.º/4 da

Diretiva), condição essa a acrescer à separação

funcional e hierárquica do exercício das duas

funções e que deverá ser divulgada aos investi-

dores (art. 23.º/1, f), o), art. 28.º/2, b), ambos da

Diretiva).

O Regulamento Delegado, no art. 30.º, avança

várias situações a ter em consideração para

identificar eventuais situações de conflitos de

interesses, ao passo que o art. 31.º do Regula-

mento Delegado dispõe que a política de confli-

to de interesses deve ser reduzida a escrito e

adaptada à dimensão e natureza de cada

GFIA83. Define ainda situações de conflitos de

interesses relacionados com o resgate de inves-

timentos (art. 32.º do Regulamento Delegado),

bem como procedimentos e medidas destinadas

a prevenir e a gerir conflitos de interesses (art.

33.º do Regulamento Delegado). Sempre que os

procedimentos administrativos não se revelem

suficientes para acautelar os interesses dos in-

vestidores, a direção, ou outro organismo inter-

no do GFIA, deverão ser prontamente informa-

dos para que possam adotar as decisões que se

revelem adequadas para o efeito (art. 34.º do

Regulamento Delegado). Prevê também que

seja colocado em prática um procedimento de

acompanhamento dos conflitos de interesses,

designadamente através da manutenção de um

registo atualizado das atividades realizadas (art.

35.º do Regulamento Delegado). Por último, a

existência de situações de conflitos de interes-

ses também poderá ter impacto na definição das

estratégicas relativas ao exercício dos direitos

de voto (art. 37.º do Regulamento Delegado).

Com a transposição da Diretiva, é notório que

as cautelas com situações de conflitos de inte-

resses previstas no RGOIC foram redobradas.

Referimo-nos, nomeadamente, à introdução da

obrigação de manutenção de um registo atuali-

zado das atividades que originem conflitos de

interesses84, sempre que se considere que os

81- PriceWaterHouseCoopers, Depositaries AIFMD Newsbrief – A closer look at the impact of the AIFMD on depositaries, fevereiro de 2013, p. 4. 82- A preocupação indicada justifica-se nomeadamente no contexto em que depositários pertençam a grandes grupos financeiros, pese embora a existência de interesses muitas vezes antagónicos quando comparados com os diferentes agentes do grupo económico em causa, por um lado, e o interesse dos FIA e dos respetivos investidores, por outro lado. Neste sentido, cfr. Hooghiemstra, S., Depositary Regulation, p. 417, citado por Berghe, H., Custody Risk and Investors’ Protection: the EU Response and its Implementation in Belgium, Faculdade de Direito da Universidade Católica de Leuven, 2014. 83- Cumpre, a este respeito, sublinhar que a obrigatoriedade de apresentar, e de reduzir a escrito, uma política de conflito de interesses já decorria do CdVM. 84- Art. 89.º do RGOIC.

99 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

procedimentos internos destinados a acautelar

situações de conflitos de interesses se revelem

insuficientes. Nestes casos, o órgão de adminis-

tração ou de fiscalização da entidade gestora

deverão ser prontamente informados de tal fac-

to para que possam adotar as medidas que con-

siderem adequadas ao caso concreto, decisão

essa que deverá ser comunicada aos participan-

tes do organismo de investimentos coletivo em

causa (art. 89.º do RGOIC).

Sublinhe-se ainda a preocupação vertida no

novo quadro legal em evitar situações de confli-

tos de interesses entre depositário, gestor e FIA,

de molde a garantir a independência do deposi-

tário, manifestada em particular com a previsão

das seguintes proibições85: (i) as entidades res-

ponsáveis pela gestão não poderão desempe-

nhar a função de depositário; e (ii) o corretor

principal que atue como contraparte de um FIA

não poderá ser depositário de tal FIA se o de-

sempenho de ambas as funções não obedecer a

uma separação funcional e hierárquica86. Preo-

cupações essas que são adicionalmente acaute-

ladas com o estabelecimento do elenco de

operações vedadas às entidades gestoras, pre-

visto no art. 147.º do RGOIC.

3. Gestão de riscos e de liquidez

De acordo com o novo quadro legal os GFIA

deverão implementar uma separação funcional

e hierárquica entre as funções de gestão de ris-

cos das unidades operacionais, incluindo a ges-

tão de carteiras, devendo, ainda, implementar

procedimentos internos, sujeitos a revisão e

atualização regular, que permitam detetar e

acompanhar riscos relevantes para a estratégia

de investimento do GFIA87.

Numa outra vertente, os GFIA deverão adotar

procedimentos de acompanhamento de riscos

de liquidez do FIA, designadamente do perfil

de liquidez dos investimentos do FIA, relativa-

mente a cada um dos FIA sob gestão88. Assume

particular relevância a este nível o dever de os

GFIA levarem a cabo, numa base regular, testes

de esforço, que permitam tomar o pulso a cada

FIA e apurar os riscos de liquidez em causa.

O art. 79.º do RGOIC dispõe um conjunto de

mecanismos, técnicas e processos que permitem

efetuar uma avaliação de ativos, gestão de ris-

cos e de liquidez, entre os quais destacamos os

seguintes: (i) dever de realização, sempre que

considerado adequado, de testes periódicos com

vista a avaliar a validade dos mecanismos de

avaliação do risco (backtesting); e (ii) levar a

cabo a realização de testes de esforço (stress

tests) periódicos, relativamente aos FIA (com

exceção dos que sejam fechados não alavanca-

dos), bem como análises de cenários em que se

verifiquem possíveis modificações das condi-

ções de mercado que possam colocar em causa

os organismos de investimento coletivo, desig-

nadamente que permitam avaliar o risco de li-

quidez em condições excecionais.

4. Transparência

São várias as obrigações impostas pela Diretiva

para fomentar a transparência no exercício da

função de gestão de FIA. Merecem destaque os

seguintes deveres: (i) de disponibilização dos

relatórios anuais para cada exercício em relação

a cada FIA que giram89; (ii) de divulgação de

85- Art. 123.º do RGOIC. 86- Tal separação funcional e hierárquica deverá ser efetuada com observância de todas as condições enunciadas no art. 43.º do Regulamento Delegado. 87- Art. 15.º da Diretiva, cujas disposições são objeto de especificação nos arts. 38.º a 45.º do Regulamento Delegado. Destacamos em particular o art. 42.º do Regulamento Delegado, no qual são objeto de concretização as condições a preencher para que se verifique uma verdadeira separação funcional e hierárquica. 88- Art. 16.º da Diretiva, cujas disposições são objeto de concretização nos arts. 46.º a 49.º do Regulamento Delegado. 89- Art. 227.º do RGOIC, que procede à transposição do art. 22.º da Diretiva.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 99

100 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

informações aos investidores (inter alia, descri-

ção da estratégia e dos objetivos de investimen-

to do FIA, limitações aplicáveis aos investimen-

tos e descrição dos procedimentos através dos

quais poderão alterar as respetivas estratégias

de investimento)90; e (iii) de apresentação de

informações, numa base regular, à CMVM

(designadamente sobre os mercados e instru-

mentos em que negoceiam, perfil de risco dos

FIA e principais categorias de ativos em que o

FIA investiu)91.

A obrigação de divulgação das remunerações

auferidas é digna de realce na medida em que

constitui uma clara manifestação da preocupa-

ção legislativa quanto às políticas de remunera-

ção praticadas92.

Todavia, a grande amplitude dos deveres de

transparência tem suscitado fortes preocupações

num setor tradicionalmente caracterizado por

uma maior opacidade93. Na verdade, ao abrigo

do novo quadro legal a comercialização de FIA

assenta e depende do tratamento equitativo en-

tre investidores94, pelo que o tratamento prefe-

rencial de determinados investidores apenas é

possível desde que não dê origem a uma des-

vantagem material em relação a outros investi-

dores, sem prejuízo, claro está, da possibilidade

de prever UPs de diferentes categorias.

Adicionalmente, os GFIA deverão também di-

vulgar as suas estratégias de investimento e,

bem, assim, demonstrar a solidez das respetivas

estratégias de investimento de cada FIA, a coe-

rência do perfil de liquidez e da política de

reembolsos relativamente a cada um dos FIA

geridos95. Não obstante, historicamente o pró-

prio ethos dos FIA assenta na adoção de estraté-

gias de investimento caracterizadas pela sua

confidencialidade e privacidade96. Acresce, ain-

da, o facto de os FIA darem, tradicionalmente,

um tratamento preferencial a investidores que,

designadamente pela sua dimensão ou peso es-

tratégico, possam ser considerados determinan-

tes (key investors) e que desempenhem um pa-

pel decisivo na obtenção de investimentos mais

significativos. Por esse motivo, a obrigação de

não permitir que determinados investidores be-

neficiem de tratamento preferencial poderá re-

velar-se particularmente difícil de assegurar na

prática.

Adicionalmente, os deveres destinados a asse-

gurar a transparência poderão motivar sérias

preocupações quanto à segurança da informa-

ção divulgada e o risco de a mesma ser

objeto de espionagem empresarial (ou simples-

mente conferir vantagem concorrencial a outros

players no mercado). Estas e outas preocupa-

ções poderão, no limite, motivar um menor in-

teresse no exercício da atividade de GFIA na

UE e reduzir a correspondente atratividade, vis-

ta de fora da União97.

5. Independência

Os GFIA (bem como os depositários e as enti-

dades que comercializem um FIA) devem atuar

no exclusivo interesse dos participantes98.

90- Art. 221.º do RGOIC, que procede à transposição do art. 23.º da Diretiva. 91- Art. 222.º do RGOIC, que procede à transposição do art. 24.º da Diretiva. 92- Art. 107.º do Regulamento Delegado. 93- Engrácia Antunes, J., Os “Hedge Funds” e o Governo das Sociedades, Direito dos Valores Mobiliários, Vol. IX, Coimbra Editora, 2009, p. 26. 94- Art. 23.º do Regulamento Delegado. 95- Art. 16.º/2 da Diretiva. 96- Zepeda, R., To EU, or not to EU: that is the AIFMD question, Journal of International Banking Law and Regulation, 2014, p. 14. 97- A seguinte passagem é elucidativa do modus operandi dos FIA: “Hedge Funds are more like private clubs. They choose who comes in, and they don’t want to make it too easy. There’s this mentality that if you have a great club, then it should be difficult to get into”, da autoria de Devasabi, K., Hedge funds face automation challenge, Risk Magazine, outubro de 2013. 98- Art. 15.º do RGOIC.

101 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

Os órgãos de administração da entidade gestora

devem conter um número mínimo adequado de

membros independentes, tendo em considera-

ção a dimensão da entidade gestora e a do pró-

prio órgão de administração99. Considera-se

independente o membro que não se encontre

associado a algum grupo de interesses na enti-

dade gestora, nem se encontre em posição ou

circunstância suscetível de afetar a sua isenção

e que não preste serviços ou mantenha relação

comercial significativa com a entidade gestora

em causa ou com entidade que com esta se en-

contre em relação de domínio ou grupo.

A avaliação da independência dos membros dos

órgãos de administração da sociedade gestora

deverá ser efetuada tendo em consideração o

elenco exemplificativo de situações suscetíveis

de afetar a independência constante do art. 31.º-

A do RGICSF, e as exigências decorrentes do

art. 414.º do CSC, designadamente a exigência

de nomear alguns membros não executivos e

que não sejam acionistas da sociedade. Não

obstante, as proibições aí previstas deverão ser

interpretadas à luz do princípio da proporciona-

lidade, de forma a ter em devida consideração

as particularidades de cada caso concreto que a

autoridade de supervisão for chamada a apreci-

ar e deverão, consequentemente, ser interpreta-

das de forma evolutiva, sob pena de afetar de

forma desproporcional as sociedades reguladas

face aos interesses que a lei visa proteger.

Capítulo VI. O regime do passaporte

Europeu: o nascimento de um mercado

único para os Fundos de Investimento

Alternativo

O regime de passaporte dos GFIA constitui um

dos pontos mais relevantes do regime introduzi-

do pela Diretiva. A atribuição de um passaporte

constitui, no geral, um dos elementos de harmo-

nização de maior peso no seio da União, em

boa medida porque assenta numa paridade entre

os EM, ao nível das condições praticadas, re-

quisitos de exercício de atividade exigidos e

garantias concedidas, neste caso aos investido-

res, dessa forma contribuindo para fomentar a

liberdade de circulação de capitais e de presta-

ção de serviços.

A vantagem automática da implementação do

regime de passaporte consistirá em permitir aos

GFIA beneficiar do sistema de notificação entre

autoridades de supervisão para os efeitos de

comercializar junto de investidores qualificados

na UE. O sistema de notificação entre autorida-

des replica, em boa medida, o sistema desenha-

do com a diretiva UCITS, o qual se revelou um

verdadeiro sucesso100.

Tem sido defendido que a introdução de um

regime de passaporte, ao estabelecer as condi-

ções para que GFIA ofereçam livremente os

seus serviços a investidores qualificados em

toda a União Europeia, poderá contribuir para

estimular o volume de investimento em FIA no

mercado interno da UE, para promover a trans-

parência do mercado de comercialização de

FIA e para simplificar os procedimentos a ob-

servar com vista à comercialização de AIF.

Num contexto económico marcado pela cres-

cente globalização, espera-se que o passaporte

seja visto pelos investidores como uma garantia

acrescida de proteção dos investidores101, funci-

onando como um verdadeiro padrão de qualida-

de internacional102.

Com vista a permitir uma correta colocação em

prática deste regime, a sua implementação é

99- Art. 75.º do RGOIC. 100- S. Lydon, Marketing in Europe: Life after the AIFMD for non-EU managers, Offshore Investment Magazine, n.º 242, janeiro de 2014, p. 3. 101- Bernhardt, T., The European Alternative Investment Fund Managers (AIFMD) – an appropriate approach to the global financial crisis?, Faculdade de Direito da Universidade de Glasgow, 2013, p. 136. 102- S. Lydon, Marketing in Europe: Life after the AIFMD for non-EU managers, Offshore Investment Magazine, n.º 242, janeiro de 2014, p. 3.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 101

102 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

prevista de forma faseada. Com efeito, no

momento da transposição da Diretiva o regime

de passaporte será aplicável ao GFIA que giram

FIA UE e poderá estender-se, em momento

posterior, aos GFIA extra UE que giram FIA,

bem como à comercialização de FIA extra-UE,

independentemente de onde o GFIA estiver es-

tabelecido.

1. O Regime em Vigor

a. GFIA da UE

i. Comercialização de FIA da EU

A Diretiva estabelece, nos artigos 31.º e 32.º,

condições para que um GFIA autorizado possa

comercializar UPs ou ações de FIAs da UE jun-

to de investidores profissionais, quer no EM de

origem do GFIA, quer noutros EM da UE.

No caso da comercialização por GFIA autoriza-

do no seu EM de origem, o artigo 31.º da Dire-

tiva prevê a aplicação de um regime simplifica-

do, segundo o qual o GFIA deverá notificar as

autoridades de supervisão competentes da sua

intenção de comercializar, apresentando toda a

documentação indicada no Anexo III da Direti-

va (art. 31.º/2)103, ao passo que a autoridade de

supervisão competente disporá de um prazo de

vinte dias úteis para informar o GFIA da possi-

bilidade de comercializar o FIA em causa.

O artigo 32.º, por seu turno, prevê a comerciali-

zação de FIA da UE em EM distintos do EM de

origem do GFIA da UE. Importa aqui destacar

o facto de o regime de passaporte previsto nesta

disposição ser limitado à comercialização junto

de investidores profissionais.

Para que possa beneficiar do regime de passa-

porte, o GFIA deverá notificar a autoridade de

supervisão competente do seu EM de origem,

indicando, relativamente a todos os FIA que

pretenda comercializar, a documentação e in-

formações constantes do Anexo IV da Diretiva

(art. 32.º/2). Uma vez notificada, a autoridade

de supervisão do EM de origem deverá transmi-

tir o processo completo de notificação às autori-

dades de supervisão do EM de destino, i.e. onde

o GFIA pretenda comercializar os FIA em cau-

sa, dentro de um prazo de vinte dias úteis conta-

dos desde a respetiva receção. Em paralelo,

quando a notificação entre autoridades de su-

pervisão tiver ocorrido, o GFIA deverá ser noti-

ficado em conformidade, podendo dar início à

comercialização a partir desse preciso momento

(art. 32.º/4 da Diretiva).

O art. 230.º do RGOIC regula a comercializa-

ção de FIA da UE em Portugal por GFIA aí

autorizados junto de investidores qualificados.

Nos termos do disposto no art. 230.º/1 do

RGOIC, os GFIA da UE autorizados em Portu-

gal podem comercializar em Portugal. Para o

efeito deverão notificar a CMVM, indicando os

FIA da UE que pretendem comercializar (art.

230.º/2 do RGOIC). A CMVM disporá de um

prazo de vinte dias, a contar da receção do pro-

cesso de notificação completo, para notificar os

GFIA relevantes (art. 231.º do RGOIC). O pro-

cesso de notificação deverá ser instruído com as

informações e documentos listados no art.

230.º/3 do RGOIC.

Ao passo que o art. 230.º do RGOIC regula a

comercialização em Portugal por entidades ges-

toras aí autorizadas, o art. 233.º do RGOIC

transpõe para o ordenamento jurídico português

os termos em que um GFIA da UE poderá co-

mercializar FIA da UE em Portugal ao abrigo

do regime do passaporte. Para que um GFIA da

UE autorizado noutro EM possa iniciar a co-

mercialização exclusivamente junto de investi-

dores qualificados em Portugal, a CMVM deve-

rá receber da autoridade de supervisão compe-

tente do EM onde o GFIA se encontrar autori-

zado, a seguinte documentação: (i) processo

103- Qualquer intercâmbio de informações entre autoridades de supervisão deve respeitar o direito à proteção de dados pessoais, consagrado no artigo 16.º do Tratado de Lisboa e no art. 8.º da Carta de Direitos Fundamentais. Cfr., designadamente, Considerando 76 da Diretiva.

103 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

completo de notificação; (ii) certificado que

comprove que o GFIA está habilitado para gerir

FIA com a estratégia de investimento em causa;

e (iii) informação sobre qualquer alteração sub-

sequente aos elementos referidos em (i). O pro-

cesso completo de notificação poderá ser elabo-

rado em português ou em língua de uso corrente

no mundo financeiro e ser enviado por via ele-

trónica (art. 233.º/4 do RGOIC).

Finalmente, caberá às autoridades de supervisão

do EM de origem transmitir às autoridades de

supervisão do EM onde é pretendida a comerci-

alizaçã, as informações necessárias para o efei-

to. Após a referida transmissão de informações

o GFIA da UE será notificado e, a partir desse

momento, poderá imediatamente iniciar a co-

mercialização ao abrigo do regime de passapor-

te.

ii. Comercialização de FIA extra-EU

Conforme referido supra, encontra-se prevista

uma implementação do regime de passaporte

faseada. Na verdade, a Diretiva não prevê a ex-

tensão do regime de passaporte à comercializa-

ção dos FIA de país terceiro por GFIA da UE

no momento da sua transposição pelos diferen-

tes EM, a qual terá que ser realizada com recur-

so ao regime de colocação particular (art. 36.º

da Diretiva). Para que tal comercialização seja

possível, os GFIA da UE em causa deverão pre-

encher os requisitos indicados nessa disposição,

para além dos quais os diferentes EM poderão

impor regras mais rigorosas (gold-plating) (art.

36.º/2 da Diretiva).

No RGOIC, o regime em causa foi

vertido no artigo 237.º. De acordo com esta

disposição, os GFIA da UE podem comerciali-

zar (exclusivamente junto de investidores quali-

ficados) FIA extra-UE (art. 237.º/1 do RGOIC),

desde que seja concedida autorização pela

CMVM para o efeito (art. 237.º/2 do RGOIC).

A autorização da CMVM depende da verifica-

ção de um conjunto de condições, que corres-

pondem às condições previstas no art. 36.º da

Diretiva: (i) cumprimento dos vários requisitos

previstos no RGOIC que lhe sejam aplicáveis

(exceção feita às normas relativas aos depositá-

rios); (ii) existência de mecanismos de coopera-

ção entre as entidades de supervisão do EM de

origem do GFIA e do país terceiro onde o FIA

se encontra estabelecido; e (iii) que o país ter-

ceiro onde o FIA esteja estabelecido não integre

a lista de Países e Territórios Não Cooperantes

do Grupo de Ação Financeira contra o branque-

amento de capitais e o financiamento do terro-

rismo.

b.GFIA extra-EU

iii. Comercialização de FIA da UE

e de FIA extra-EU

Atualmente os GFIA extra-UE (i.e., de países

terceiros) podem comercializar em Portugal

exclusivamente perante investidores qualifica-

dos UP de FIA por si geridos (sejam estes da

UE ou extra-UE) (art. 237.º/4 do RGOIC), me-

diante a verificação de um conjunto de condi-

ções (art. 237.º/5 do RGOIC). As condições em

causa, que terão que ser observadas pelo GFIA

extra-UE são as seguintes:

a) Cumprimento de normas de direito aplicá-

veis à constituição e funcionamento de FIA

(art. 115.º do RGOIC), à colaboração de au-

ditor (art. 131.º do RGOIC), à elaboração e

prazos de divulgação dos relatórios e contas

(art. 160.º do RGOIC), ao conteúdo dos rela-

tórios e contas e relatórios de auditores (art.

161.º do RGOIC), à divulgação de prospeto,

contas anuais e semestrais e demais docu-

mentos com informações fundamentais des-

tinadas aos investidores (art. 163.º do

RGOIC), à divulgação de informações aos

investidores (art. 163.º, art. 221.º e art. 229.º,

todos do RGOIC) e à prestação de informa-

ções à CMVM (art. 222.º do RGOIC);

b) Previsão de mecanismos de cooperação

entre a CMVM e as autoridades de supervi-

são de país terceiro onde o GFIA está

estabelecido, com vista ao controlo do risco

sistémico e de forma a assegurar uma troca

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 103

104 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

de informações eficaz que permita à CMVM

a prossecução das suas competências; e

c) O país terceiro onde o GFIA estiver estabe-

lecido não integrar a lista de Países e Terri-

tórios Não Cooperantes do Grupo de Ação

Financeira contra o branqueamento de capi-

tais e o financiamento do terrorismo.

Em conformidade com o disposto no art. 36.º/2

da Diretiva, os diferentes EM têm a possibilida-

de de impor regras mais rigorosas quanto à

comercialização de FIA extra-UE no seu

território104. Ora, uma vez que o art. 237.º do

RGOIC estabelece as mesmas condições que

as previstas no art. 36.º da Diretiva, verificamos

que o legislador português optou por não impor

condições mais rigorosas (gold-plating).

c. Comercialização junto de investidores

não profissionais: o regime

de colocação particular

Os EM podem permitir aos GFIA a comerciali-

zação nos seus respetivos territórios junto de

investidores não qualificados, independente-

mente de estarem em causa FIA da UE ou extra

-UE (art. 43.º/1 da Diretiva), e poderão prever

requisitos mais rigorosos do que os previstos

em relação aos investidores qualificados, o que

se compreende atendendo à acrescida necessi-

dade de proteção de que tais investidores care-

cem. Todavia, a imposição de regras mais rigo-

rosas não poderá traduzir-se na imposição de

requisitos mais rigorosos na comercialização de

FIA da UE, sob pena de violação de vários

princípios do Direito da União Europeia, entre

os quais o princípio de não discriminação, o

princípio da liberdade de estabelecimento e o

princípio da liberdade de prestação de serviços

e de capitais.

O artigo 237.º/3 do RGOIC prevê que a comer-

cialização de FIA (da UE e extra-UE) em Por-

tugal junto de investidores não qualificados está

sujeita a autorização da CMVM, que seguirá os

termos definidos em regulamento da CMVM.

E, com efeito, o art. 54.º do Regulamento

2/2015 especifica as condições a observar para

a comercialização em regime de colocação par-

ticular, em Portugal, junto de investidores não

qualificados de FIA. Pese embora a epígrafe da

referida disposição fazer referência expressa à

comercialização de organismo de investimento

alternativo “de país terceiro”, a mesma tratar-se

-á de um lapso porquanto o art. 273.º/3 do

RGOIC, a norma que este artigo visa especifi-

car e complementar, é relativo quer a FIA da

UE, quer a FIA extra-UE, pelo que se revelaria

questionável limitar o âmbito de tal disposição

aos FIA extra-UE. De facto, o próprio art. 54.º

do Regulamento 2/2015 indica quer a documen-

tação que deverá acompanhar o pedido de

autorização para a comercialização de FIA “não

constituídos em Portugal”105 (art. 54.º/1 do Re-

gulamento 2/2015), quer a documentação relati-

va aos FIA “de país terceiro”106 (art. 54.º/5 do

Regulamento 2/2015), aos quais é exigida a

104- A previsão de idêntica possibilidade em relação aos FIA da UE revelar-se-ia suscetível de violar o Direito da União Europeia, em particular o princípio de não discriminação. 105- A documentação a apresentar é, no caso de FIA não constituído em Portugal, a seguinte: (i) certificado ou documento equivalente, emitido pela autoridade de supervisão do Estado de origem do FIA, atestando que este foi constituído e funciona regularmente e que é sujeita a supervisão; (ii) regulamento de gestão; (iii) modalidades previstas para a comercialização e projeto de contrato de comercializa-ção; (iv) último relatório anual e semestral, se aplicável; e (v) a lei do país onde o FIA esteja constituído e a identificação da entidade responsável pela sua gestão. 106- A documentação a apresentar é, no caso de FIA de país terceiro, a seguinte: (i) existência de reciprocidade de FIA em Portugal; (ii) existência de mecanismos de cooperação entre a CMVM e a autoridade de supervisão relevante do país terceiro; (iii) o país não fazer parte da Lista de Alto-Risco e de Jurisdições com Deficiências Estratégicas do Grupo de Ação Financeira contra o branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo; e (iv) sempre que o depositário também esteja estabelecido em país terceiro diferente do Estado de estabelecimento do FIA, deverão verificar-se as condições (ii) e (iii) quanto a este Estado.

105 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

a apresentação de documentação adicional.

2. Alterações no horizonte:

o impacto das recomendações da ESMA

A Diretiva prevê com detalhe um conjunto de

disposições transitórias que prometem mudar

radicalmente o regime atualmente em vigor,

através da criação a médio prazo de um merca-

do único de comercialização de FIA na UE107.

Em conformidade com o art. 67.º da Diretiva, a

ESMA deverá adotar um parecer sobre o funci-

onamento da Diretiva e transmiti-lo ao Parla-

mento Europeu, ao Conselho e à Comissão Eu-

ropeia, até 22 de julho de 2015. O parecer da

ESMA deverá incidir sobre (i) a comercializa-

ção transfronteiriça de FIA dentro da UE e

apreciar o funcionamento do regime de passa-

porte do qual os GFIAs da UE que giram ou

comercializem FIAs da UE beneficiam desde a

transposição da Diretiva; (ii) o funcionamento

da comercialização de FIA extra-UE por GFIA

da UE; e (iii) a gestão e comercialização de FIA

por GFIA extra-UE.

Nesta fase do percurso conducente à implemen-

tação total do regime de passaporte pede-se à

ESMA uma avaliação do percurso percorrido

desde a transposição da Diretiva nos vários EM

e que, com base nos elementos que resultem da

referida avaliação, efetue um balanço com base

nas quais deverá emitir recomendações dirigi-

das às instituições europeias sobre as próximas

medidas a adotar.

a. Eventual alargamento do regime

de passaporte

De acordo com o art. 67.º da Diretiva, recai so-

bre a ESMA a obrigação de apresentar reco-

mendações ao Parlamento Europeu, ao Conse-

lho e à Comissão relativamente à possibilidade

de extensão da aplicação do regime de passa-

porte à comercialização de FIA extra-UE por

GFIA da UE, por um lado, e sobre gestão e co-

mercialização de FIA por GFIA extra-UE, por

outro lado108/109. Ora, importa sublinhar que a

extensão do regime de passaporte está depen-

dente do sentido do parecer da ESMA quanto à

existência de obstáculos significativos, designa-

damente em matéria de concorrência, ao nível

de controlo do risco sistémico, que impeçam a

extensão do regime de passaporte (art. 67.º/4 da

Diretiva) e às recomendações adotadas.

E, com efeito, no dia 30 de julho de 2015, a

ESMA apresentou um documento com as refe-

ridas recomendações110, ao longo do qual um

conjunto de fatores111, em particular a proteção

de investidores, a existência de boas relações de

cooperação entre as autoridades de supervisão

da UE e de países terceiros, bem como a inexis-

tência de obstáculos que impeçam uma autori-

dade de supervisão da UE de levar a cabo as

suas competências de supervisão, designada-

mente obstáculos legais à partilha de informa-

ções entre autoridades, são avaliados. Foi igual-

mente tido em linha de conta, na análise da

ESMA, a existência de risco de perturbação de

107- O Considerando 4 da Diretiva identifica expressamente o estabelecimento de “um mercado interno dos GFIAs e um enquadramento regulamentar e de supervisão harmonizado e rigoroso das actividades exercidas na União por todos os GFIA” como um dos seus principais objetivos. 108- Pode ler-se no Considerando 4 da Diretiva a seguinte passagem, elucidativa quanto aos diferentes passos a dar com vista a um alargamento do regime de passaporte: “[p]revê-se que, após um período transitório de dois anos, seja aplicável, após a entrada em vigor de um acto delegado adoptado pela Comissão para esse efeito, um sistema de passaporte europeu harmonizado aos GFIAs extra-UE que desenvolvam actividades de gestão ou comercialização na União e aos GFIAs da UE que giram FIAs extra-UE. Este regime harmonizado deverá coexistir, durante um período transitório suplementar de três anos, com os regimes nacionais dos Estados-Membros, sob reserva de algumas condições harmonizadas mínimas. Após este período de coexistência de três anos, deverá cessar a vigência dos regimes nacionais após a entrada em vigor de um novo acto delegado adoptado pela Comissão para este efeito.” 109- Tem sido defendido que o alargamento do âmbito de aplicação do regime de passaporte tem por objetivo promover a deslocalização para a UE de fundos estabelecidos em países terceiros. Neste sentido, Bessa, T., Crise, regulação e supervisão de hedge funds, Revista de Direito das Sociedades., n.º 3-4, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2010. 110- ESMA, ESMA’s advice to the European Parliament, Council and Commission on the application of the AIFMD passport to non-EU AIFMs and AIFs, ESMA/2015/1236, 30 de julho de 2015. 111- ESMA, AIFMD passport and third country AIFMs, Call for evidence, ESMA/2014/1340, novembro de 2014, p. 7.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 105

106 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

mercado e de violação das regras de concorrên-

cia, suscetíveis de representar uma desvanta-

gem concorrencial para os FIA estabelecidos na

UE e, bem assim, a existência e adequação dos

mecanismos de monitorização de riscos sistémi-

co em vigor no país terceiro.

Ora, o sentido das aludidas recomendações não

é, de todo, linear, na medida em que, das várias

jurisdições de países terceiros analisadas, ape-

nas algumas foram consideradas como assegu-

rando um grau de proteção adequado que lhes

permitisse estender o regime de passaporte. No

entanto, em vários casos, designadamente no

caso da jurisdição dos Estados-Unidos da Amé-

rica, a ESMA recomenda as instituições euro-

peias a adiar a respetiva decisão de extensão

do regime de passaporte até que sejam assegu-

radas condições de proteção dos investidores e

adotadas medidas que lidem adequadamente

com as distorções de concorrência registadas112.

Aguarda-se que, relativamente às jurisdições

onde foram identificados alguns obstáculos à

aplicação do regime de passaporte, sejam adota-

das medidas destinadas a acautelar as preocupa-

ções manifestadas pela ESMA, evolução essa

que será monitorizada pela ESMA, com vista a

adotar novas recomendações, uma vez decorri-

do um período adequado.

No seguimento de recomendações por parte da

ESMA em sentido favorável, caberá à Comis-

são adotar os correspondentes atos delegados

(art. 67.º/5 da Diretiva) no prazo de três meses

sobre o recebimento de recomendação e parecer

favorável da ESMA. Ao adotar os atos delega-

dos em conformidade com a recomendação da

ESMA, deverá fixar uma data para que os vá-

rios EM procedam à aprovação ou entrada em

vigor de regras que permitam que as normais

relativas à comercialização com passaporte por

parte de FIA extra-UE por GFIA da UE (arts.

35.º, 37.º a 41.º, todos da Diretiva) passem a ser

aplicáveis em toda a UE.

Os procedimentos previstos na Diretiva para a

comercialização na UE (de FIA extra-UE e de

FIA da UE por GFIA extra-UE) ao abrigo do

regime de passaporte – no futuro e apenas após

emissão de recomendação favorável por parte

da EMSA e da subsequente adoção pela Comis-

são de ato delegado que lhe dê seguimento –

segue as mesmas linhas do regime de passapor-

te atualmente em vigor para a comercialização

de FIA da UE por GFIA da UE. De acordo com

este regime, quando um GFIA da UE pretender

comercializar um FIA extra-UE (art. 35.º da

Diretiva) ou um GFIA de país terceiro pretenda

comercializar FIA da UE (art. 39.º da Diretiva)

ou um FIA extra-UE (art. 40.º da Diretiva),

sempre junto de investidores profissionais, de-

verá notificar a autoridade de supervisão do seu

EM de origem (no caso dos GFIA da UE) ou de

referência (no caso dos GFIA de países tercei-

ros). Tal notificação deverá sempre vir acompa-

nhada de toda a documentação listada no Anexo

IV da Diretiva, a qual será transmitida à autori-

dade de supervisão do EM de destino, no prazo

de vinte dias úteis.

Conforme resulta do exposto, o regime de noti-

ficação entre autoridades de supervisão compe-

tentes segue o regime de passaporte atualmente

previsto para a comercialização por GFIA da

UE de FIA da UE. Importa, apesar de tudo, des-

tacar um conjunto de diferenças assinaláveis.

Antes de poderem beneficiar do regime de pas-

saporte, os GFIA da UE e de país terceiro, con-

soante aplicável, deverão encontrar-se devida-

mente autorizados. Para além disso, os seguin-

tes requisitos adicionais deverão ser cumpridos:

(i) terem sido acordados mecanismos de coope-

ração entre as entidades de supervisão do EM

112- ESMA, ESMA’s advice to the European Parliament, Council and Commission on the application of the AIFMD passport to non-EU AIFMs and AIFs, ESMA/2015/1236, 30 de julho de 2015, p. 24.

107 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

de origem (ou de referência, consoante aplicá-

vel), do GFIA e do país terceiro onde o FIA se

encontra estabelecido; (ii) o país terceiros onde

o FIA está estabelecido não fazer parte da lista

de Países e Territórios Não Cooperantes do

Grupo de Ação Financeira contra o branquea-

mento de capitais e o financiamento do terroris-

mo; e (iii) o país terceiro vertente ter assinado

com o EM de origem (ou de referência, conso-

ante aplicável) do GFIA autorizado e com cada

um dos EM onde pretende comercializar um

acordo em conformidade com o Modelo de

Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o

Património da OCDE (arts. 35.º, 39.º e 40.º).

Acresce ao exposto a elevada relevância que a

autoridade de supervisão do EM de referência

assume neste contexto. É-lhe confiada a impor-

tante incumbência de conceder a autorização

aos GFIA de países terceiros, a qual assume um

peso claramente acrescido na eventualidade de

o regime de passaporte ser, conforme se aguar-

da, alargado aos GFIA de países terceiros. Nes-

te contexto, o EM de referência assumirá a fun-

ção de porta de entrada no mercado único da

UE e sobre os seus ombros recairá a responsa-

bilidade de controlar o cumprimento integral do

disposto na Diretiva.

A determinação do EM de referência competen-

te poderá introduzir alguma incerteza para os

GFIA extra-UE, os quais, para além das autori-

dades de supervisão dos seus países de origem,

serão regulados pelo EM de referência. Tal ele-

mento poderá nomeadamente ter como conse-

quência prática que os GFIA não escolham os

EM de referência que lhes seriam eventualmen-

te mais favoráveis113.

Os GFIA de país terceiro que pretendam comer-

cializar FIA na UE deverão ter um representan-

te legal estabelecido no EM de referência, que

servirá de ponto de contacto oficial do GFIA no

seio da UE (art. 37.º/3 da Diretiva). Assim, e

atenta a elevada relevância que assume como

porta de entrada no mercado único da UE, com-

preende-se a exaustividade com que o legisla-

dor da UE procurou gizar os critérios aplicáveis

para a determinação do EM de referência com-

petente (art. 37.º/4 da Diretiva)114. E compreen-

de-se que o legislador tenha previsto que, na

eventualidade de discordância por parte de uma

autoridade de supervisão de outro EM, as auto-

ridades de supervisão relevantes possam sub-

meter a questão à apreciação da ESMA.

Visa-se, deste modo, estabelecer um mecanis-

mo que permita, por um lado, garantir a harmo-

nização da interpretação das normas em causa

e, ao mesmo tempo, prevenir eventuais entraves

às liberdades de circulação que, de outra forma,

poderiam decorrer de uma interpretação da Di-

retiva não conforme com o Direito da União

Europeia. Uma vez trazida a questão perante a

EMSA, esta entidade poderá fazer uso da com-

petência que resulta do art. 19.º do Regulamen-

to 1095/2010, a saber, a resolução de diferendos

entre autoridades competentes em situações

transfronteiriças. Ao abrigo destas competên-

cias, a ESMA prestará assistência às autorida-

des de supervisão em causa na procura de um

acordo, fixando um prazo para que se chegue a

um consenso, findo o qual poderá adotar uma

decisão vinculativa que ponha termo ao diferen-

do.

No caso do RGOIC, a adaptação à adoção do

referido ato delegado pela Comissão far-se-á,

como decorre do artigo 5.º da Lei n.º 16/2015,

que aprova o RGOIC, com a entrada em vigor

dos arts. 234.º e 235.º do mesmo diploma, arti-

gos esses que procederão à transposição do

113- Jaecklin, S, Gamper, F., e Shah, A., Domiciles of Alternative Investment Funds, Oliver Wyman, Financial Services, 2011, p. 6. 114- A Comissão esclarece que, na eventualidade de mudar o EM de referência, nomeadamente por força de uma alteração da estratégia de comercialização do GFIA, não recai ainda sobre o GFIA a obrigação de apresentar um novo pedido de autorização à autoridade de supervisão do novo EM de referência. Isto porque, na sequência da notificação efetuada para o efeito pelo GFIA à autoridade de supervisão junto da qual se encontra autorizado, a autoridade de supervisão do antigo EM de referência terá que transmitir à autoridade de supervisão do novo EM de referência uma cópia do processo de autorização (art. 37.º/11). Deverá considerar-se que uma autorização nova apenas se revelará necessária quando a autorização inicial já não cubra as atividades desenvolvidas pelo GFIA. A aludida resposta da Comissão poderá ser consultada através do seguinte link, acedido no dia 27 de junho de 2015: http://ec.europa.eu/yqol/index.cfm?fuseaction=question.show&questionId=1197

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 107

108 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

regime jurídico que vimos descrevendo e ao

correspondente alargamento do regime de pas-

saporte.

b. Eventual extinção do regime

de colocação particular junto

de investidores profissionais

Assumindo que no seguimento da recomenda-

ção da ESMA o regime de passaporte será alar-

gado, conforme descrito supra, durante um perí-

odo transitório o regime de passaporte e o regi-

me de colocação nacional coexistirão.

No entanto, a Diretiva prevê a cessação de apli-

cação da legislação dos EM que consagre a pos-

sibilidade de comercializar FIA através dos re-

gimes nacionais de colocação particular após o

referido período, nos termos de ato delegado a

adotar pela Comissão (art. 66.º/4). Na verdade,

três anos sobre a (possível) entrada em vigor do

ato delegado da Comissão referido supra (i.e.,

até julho de 2018), a ESMA transmitirá ao Par-

lamento Europeu, ao Conselho e à Comissão (i)

um parecer no qual fará uma apreciação da ex-

tensão do regime de passaporte referida supra e

(ii) deverá recomendar as instituições referidas

quanto à cessação da existência de regimes na-

cionais de colocação particular de FIA nos dife-

rentes EM (art. 68.º/1).

Num cenário em que a recomendação referida

em (ii) aconselhe a eliminação dos regimes na-

cionais de colocação particular de FIA, a Co-

missão deverá adotar, dentro de um prazo de

três meses, os atos delegados necessários para

lhe dar seguimento (art. 68.º/5 da Diretiva). Os

atos delegados referidos deverão indicar o pra-

zo concedido aos EM para que cessem o regime

de colocação particular. Por outras palavras,

findo o referido período a comercialização de

FIA nos diferentes EM apenas será possível ao

abrigo do regime de passaporte (art. 68.º/6 da

Diretiva).

Capítulo VII. Balanço Final

e Conclusão

1. O debate relativo à responsabilidade dos

organismos e investimento alternativo pela

crise financeira do sub-prime parece estar

longe de ter uma resposta final. Contudo,

independentemente da conclusão resultante

de tal discussão, é inegável a importância da

crise financeira como catalisador para a ver-

dadeira reforma regulatória que transfigurou

o sistema financeiro e que não deixou de

parte os organismos de investimento alterna-

tivos.

2. Neste contexto, a aprovação da Diretiva,

vista como um dos diplomas legislativos da

UE dos tempos recentes com maior impacto

no sistema financeiro, veio estabelecer um

elevado nível de regulação do exercício da

atividade de gestão de organismos de inves-

timento alternativos.

3. A regulação prevista na Diretiva tem duas

vertentes: regula a dinâmica do governo so-

cietário da própria sociedade gestora e regu-

la a atuação desta sociedade no âmbito do

sistema financeiro e, designadamente, a sua

interação com o investidor.

4. A Diretiva foi recentemente transposta para

o ordenamento jurídico nacional através da

aprovação do RGOIC. No entanto, tem sido

considerado que tal transposição não teve

em Portugal o impacto particularmente

significativo que teve noutros EM, uma vez

que a atividade de gestão já se encontrava

regulada no RJOIC e no RJFII, ambos revo-

gados com a entrada em vigor do RGOIC.

5. Todavia, é inegável a importância das altera-

ções introduzidas nas normas reguladoras da

atuação dos gestores de fundos de investi-

mento alternativo com a entrada em vigor do

RGOIC, que veio prever um regime conside-

ravelmente mais garantístico, na perspetiva

do investidor, introduzindo importantes

109 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

deveres de transparência, que têm o potenci-

al para modificar o próprio modus operandi

das entidades gestoras. Por outro lado, a in-

trodução de uma apertada malha regulatória

acarreta consideráveis compliance costs, que

poderão ter um impacto nos retornos dos

investidores.

6. O regime introduzido pela Diretiva parece

dividir atenções entre a tutela dos direitos do

investidor e a garantia da estabilidade do

sistema financeiro. Sendo o primeiro objeti-

vo, à partida, menos premente, tendo em

consideração o facto de a comercialização

cujas portas o regime de passaporte vem

abrir ser destinada em exclusivo aos investi-

dores qualificados, já a estabilidade do siste-

ma financeiro revelar-se-ia, a nosso ver, um

valor fundamental mais relevante. Ora, a não

definição de forma clara de qual o valor fun-

damental preponderante que o regime sob

análise visa tutelar tem o potencial para re-

duzir significativamente a correspondente

eficácia regulatória. Refira-se, designada-

mente, que se o objetivo principal tutelado

fosse o da estabilidade financeira, seria ques-

tionável se não se revelaria suficiente limitar

o regime em causa aos fundos e entidades

gestoras sistemicamente relevantes, i.e., fun-

dos com elevada dimensão, altamente ala-

vancados, com caráter transfronteiriço.

7. Não obstante, independentemente das críti-

cas que lhe possam ser apontadas, a abertura

do mercado interno para a comercialização

de FIA com a implementação do regime de

passaporte constitui o inegável trunfo do

regime em causa e que poderá conhecer uma

importante extensão no seguimento das re-

comendações da ESMA.

8. A implementação do regime analisado ao

longo do presente trabalho veio contribuir

para robustecer o sistema financeiro e para

harmonizar um setor até então deixado de

parte da legislação europeia. Resta, contudo,

ainda muito caminho pela frente na tentativa

de harmonizar a legislação dos vários EM e

deste modo abrir os mercados nacionais, a

começar pela harmonização da regulação

diretamente aplicável aos próprios fundos de

investimento alternativo. Mas um passo de

cada vez.

Da Diretiva dos Gestores de Fundos de Investimento Alternativo...: 109

110 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

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52ª Edição dos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários

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