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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SERRA, OJT. O Encantamento de sua santidade: cancão de fogo [online]. Salvador: EDUFBA, 2006. 114 p. ISBN 85-232-0424-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Bodas de mangue: A trágica história da gringa mal servida Ordep José Trindade Serra

Bodas de mangue - books.scielo.orgbooks.scielo.org/id/fm/pdf/trindade-9788523209131-04.pdf · No mundo de Deus tem corno ... Marido! O que está falando? Eu te abri meu coração

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

SERRA, OJT. O Encantamento de sua santidade: cancão de fogo [online]. Salvador: EDUFBA, 2006.

114 p. ISBN 85-232-0424-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons

Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative

Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de

la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Bodas de mangue: A trágica história da gringa mal servida

Ordep José Trindade Serra

Bodas de mangue:

A trágica história da gringa mal servida

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Eu vou contar uma históriaQue se passou na Bahia:Um caso internacionalQue a razão desafia.Exige meditaçãoE muita filosofia.

Leitor, prepare a cabeça!O assunto merece estudo.É esgalhada a matéria,Envolve um povo graúdo.É um capítulo estranhoDa Crônica dos Cornudos.

Tem tragédia com suspenseMuito fogo de paixãoCotovelo machucadoDesespero e frustraçãoUm espantoso romanceQue apavora o coração!

Incomoda a ConfrariaMuito antiga e atualQue dentre os machos humanos,De acordo com a lei fatal,Forma a maior legiãoDa História Universal.

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Apóia-se a dita cujaEm outra CongregaçãoMais delicada e formosaDe grande reputação— Um exército de damasDe tudo que é condição.

Misturam-se as duas tropasSem ter alguém que as comande;Mas elas não se dispersam:A sua atração é grande!— Se uma das duas cresceA outra inda mais se expande.

Neste progresso infinitoUma floresta se espalhaEm que a vergonha se perdeE a safadeza não falha:Já dá pra cercar o mundoCom sete cercas de galhas!

Os leitores podem crer— Não façam tanta careta! —A dupla instituiçãoÉ a mais velha do planeta:No mundo de Deus tem cornoDesde que existe buceta.

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Porém vou falar de um casoMuito excepcionalQue discrepa do comumNão segue a regra geralDialético e profundoDe base transcendental.

Na pensativa Alemanha(Onde a história principia)Os filósofos discutemSua grave antinomiaQue paradoxalmenteAssucedeu na Bahia.

Aviso logo ao leitorQue a questão é complicada.Pra nós, que somos caboclosDe uma terrinha atrasada,Não é fácil entenderA gente civilizada.

O alto refinamentoDesse povo todo chiqueTem lá suas nove-horas— Não vá me pedir que explique!Pois também desbundam muitoLá na Bundesrepublik.

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Tudo começa em BerlimCom um casal virtuosoComemorando entre beijosNum diálogo amorosoCinqüenta aninhos da esposaQuarenta e cinco do esposo

Tomaram a decisão— Depois da festa de amor —De ir ao terceiro mundoEm seu verão de esplendorGozar a tão proclamadaBeleza de Salvador.

A manhã em que chegaramRespirava poesia.Num bonito hotel de praiaFicaram, com alegriaDesfrutando o panoramaDo belo mar da Bahia.

Foi aí que a boa FrauEntabulou com o maridoUma conversa esquisitaQue quase o deixa aturdido.Mas por fim ela alcançouSucesso no seu pedido.

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Foi quando esse bom germanoTodo feliz e contentePerguntou a sua esposaDas bodas concelebranteQue presente ela queriaGanhar, no dia seguinte.

Disse a Frau: “Já que oferecesÓ querido esposo meu,Vou te abrir meu coraçãoQue sempre será só teuE revelar-te um desejoMuito mais forte do que eu.

“Não te pedi por acasoPra visitar a Bahia...Aqui, Você pode dar-meUm tesouro de alegriaFazendo realizarMinha maior fantasia.

“Vou confessar a VocêCom grande amor e paixãoA fantasia que tenho,Verdadeira obsessão: Eu quero passar um diaTrepando com um negão.

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“Será uma dia somente!Depois, juro pelo céuQue volto para teus braçosRetomo a lua de melE como até hoje fuiSempre te serei fiel!

“Dê-me uma prova de amorFazendo-me essa vontadePois isso acrescentaráA nossa felicidadeFicarei agradecidaA ti, pela eternidade.

“Mas se eu não realizarMinha única fantasia...Eu juro por nosso amor:Com forte melancoliaVou logo morrer frustradaNão terei mais alegria!”

O gringo, quando escutouDa amada este juramento,Sentiu um abalo grandeQuase que perde o alentoSeu rosto paralisou-seCom a expressão de um jumento.

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Por fim, recobrou a vozE disse: “Ué, Meine Frau!Você me disse loucurasOu eu é que te ouço mal?Você me pede um presenteDe bodas original!

“Eu sou tão feliz contigo!Não vou querer que me enganem!Em nossas bodas de prataQue nossas almas se irmanem!Não trouxe você aquiPara trepar com Negonen!

“Então que presente é esseQue eu darei a meu tesouro?!Me peça roupas de sedaJóias de prata e de ouro...Não venha me dar a mimUma peruca de touro!

“Mapé com LiebfraumilchTomei para dar TesãoScheribiten, KatuabenCombustíveis de Paixão...E agora você desejaBrindar-me com Traição?!”

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A gringa sentiu-se logoMuito ofendida e zangadaRetrucou a seu esposoCom uma voz alteradaE as lágrimas pipocandoPela cara esbraseada:

“Não me distorça a verdadeMarido! O que está falando?Eu te abri meu coraçãoMeu desejo revelando!Fui muito franca contigo...Quem é que está te enganando?

“Não me venha com sofismaNem se afaste da razão!Com a lógica, pelo menosTenha consideração!Onde há sinceridade,Como pode haver traição?

“Pense no caso direito!A bela filosofiaMostra que estou protegidaPela inocência mais pia— Pois quando se concretiza,Dissipa-se a fantasia.

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“A dialética é forte— Você tem de concordar —A essência do irrealÉ não se realizar;Se uma vez se realizaO seu ser já não será.

“Logo, a transa com NegonenÉ uma pura NegaçãoQue a si mesma anularáQuando entrarmos em açãoNa verdade inexistindoPelos termos da razão.

“Homem cruel e avarentoComo você, nunca vi!No dia das nossas bodas,— Segundo já entendi —Você me recusa atéO nada que lhe pedi!

“Eu vejo que seu problemaÉ um profundo egoísmoUm orgulho primitivoTemperado de machismo.Sua atitude mesquinhaEntre nós cava um abismo!”

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Vendo na cara da esposaQue a coisa não era graça(Saíam do seu narizUns vapores de fumaça)O gringo aflito rendeu-seÀquela dura ameaça.

“Meine Frau, não diga isso!Faço tudo o que quiserPra alegrar seu coraçãoDoa em mim o que doer!Você terá seu presente...Suceda o que suceder!”

A gringa, no que isso ouviuMudou o seu tom insanoMostrou as jóias do risoComo as teclas de um pianoE ao esposo retrucouCom gorjeios de soprano:

“Agora sim, reconheçoMeu marido muito amadoSolidário, generosoVerdadeiro, apaixonado!Se um presente quer me dar,Será muito apreciado!

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“O brinde que lhe pediÉ uma coisa normalPerfeitamente corretaSegundo a lei naturalDe acordo com a medicinaRevigora, não faz mal!

“Tendo seu consentimentoSerá um ato perfeitoEstribado na JustiçaApoiado no Direito!E ainda mostraremosQue não temos preconceito!

“Por outro lado, eu confirmoA ti minha fidelidade:A um anônimo escuroSó darei por caridade...De eu me apaixonar por negroNão há possibilidade!

Além do mais, moralmenteTenho um desejo profundoDe me mostrar generosaAqui no Terceiro MundoNão precisas ter ciúmesDe um latino vagabundo!

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“Ouça o que diz um poetaDa nossa terra, meu bem:Alle Menschen werden BrüderSein — os negões também!Haverá algum aquiQue me faça um vaivém...Quero confraternizarNas graças de Deus, amém!”

O gringo se convenceuCom essa argumentaçãoQue lhe fez sua mulherCom muita ponderaçãoPois ela invocou MoralDireito e Religião.

E ele mesmo, que era mestreEm Prática e TeoriaMais uma motivo lhe deuPra fazer o que queriaPonderando uma vantagemNos termos da Economia

Pois o ansiado presente— Pelo seu modo de ver —Neste Brasil da pobrezaBem pouco era de valer“Se a mão de obra é barata,O pau também deve ser!”

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Sua esposa concordouE cheia de gratidãoEntregou-lhe totalmenteO comando da missão:“Confio no seu critério:Vá procurar-me o negão!”

Lá se foi o nosso heróiMuito aplicado, caçandoUm macho para a mulherQue em casa deixou sonhando— Para ver a coisa pretaCom zelo se preparando.

Por fim, no Porto da BarraO gringo se achou servido:Achou um crioulo forteElegante e bem vestidoCom jeito de ser um bomAuxiliar de marido.

Chamou pra tomar um chopeO moço, e logo tratouDe lhe falar do assuntoQue até ali o levou.Rapidamente o criouloSua proposta aceitou:

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“Mein Herr, é comigo mesmo!Pode ficar sossegado.Já vi que é homem de tinoEntende desse babado.Sabe fazer uma escolhaAchar o mais preparado!

“Nem que passasse dois anosRodando pela BahiaDe norte a sul a buscarMelhor não escolheria.A sua sorte é perfeita!É boa a estrela que o guia.

“Somente por ser sinceroDeixo a modéstia de lado:Para tratar deste assuntoEu já nasci preparado!Fui, pela Mãe NaturezaMuitíssimo bem dotado.

“Eu sei que o bom instrumentoDe rígida consistênciaNão é a única coisaQue importa nesta emergência;Pra resolver o problema,Também possuo a ciência!

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“Pois desde cedo me aplicoE nunca me saio malTive um baita treinamentoDe fato internacional:Nessa orla da BahiaGlobalizei meu cacau.

“Treinei com damas francesas,Senhoras italianas,Tive mestras da AlemanhaRussas e belgas tiranas,Sem falar das exigentesInglesas e americanas.

“Mas uma coisa confesso(Pois sou um homem decenteE percebo que a franquezaÉ a prova do competente):Minha atual embalagemÉ indigna do presente.

“A ocasião é solene:Festeja-se um casamento!Eu julgo de obrigaçãoEstar vestido a contento...A fim de um banho de lojaPeço um adiantamento!”

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O alemão, concordandoRecomendou: “Não esqueça!Faça o serviço direitoE a recompensa mereça!Bunsenfunken ZakanischenE depois, desapareça!”

Acertaram logo a coisa.Ficou tudo combinado.O gringo disse à esposaComo ia ser o riscado.E afastou-se na horaQue o negão tinha marcado.

Passou a manhã na praiaFeito um camarão no vinhoAlmoçou num restauranteEntocou-se num barzinhoPara esfriar a cabeçaCom as espumas do chopinho.

O negão foi pontual.No hotel, depois do café,Nua, de corda na mãoJá o esperava a mulher:“Tome, querido!Me amarreE faça o que bem quiser!”

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O crioulo obedeceuQue vinha pronto pro dramaPegou a corda, e com jeitoAtou a gringa na cama.Deixou-a toda ansiosa— E logo mudou a trama.

Num instante achou um maloteEm que tratou de botarTodo o dinheiro que viuE a máquina de filmarCartões de crédito, jóias Relógios e celular.

A gringa, muito espantadaLhe disse: “O que está fazendo?Pra que guardar essa tralha?Bom tempo estamos perdendo!Vem logo abusar de mimDepressa, Negão horrendo!

“Estou à disposiçãoDe teu instinto malvado!No mais profundo vexameDo corpo meu delicadoPronta a sofrer o martírio De meu amor desonrado!

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“Na cama das minhas bodasEu devo ser violadaPor tua brutalidadeFerozmente maltratada.Não poderei reagirEstou toda dominada!”

O preto olhou para elaSorrindo com mansidãoE fez uma reverênciaMostrando sua educaçãoEm voz suave, depoisFalou-lhe de coração:

“Que é isto minha senhora?Sou homem de consciência!Nunca bati em mulherNão gosto de violência!Para falar a verdadeAcho isso uma indecência!

“Violar esposa alheiaÉ um pecado medonho!É crime que me apavora...Cometo não, nem por sonho!Se maltratei a senhoraEu juro que me envergonho!

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“Não faço o errado por gostoMadama! Vou ser sincero:Agir assim não me agrada...Sucede, porém não quero.Pra lhe obedecer, já fuiDemasiado severo.

“Eu a amarrei nessa camaTalvez causando-lhe dor;Tirei-lhe um dia de solNas praias de Salvador;Roubei-lhe dinheiro e jóias...Quer sacanagem maior?

“Vejo que é muito granfina...Não posso me dar ao luxo...Com dama de tal nobrezaNão vou queimar meu cartucho!Gozo de bom apetiteMas sou alérgico a bucho!”

Dizendo assim, o criouloSaiu pela porta aforaLevando o malote cheioDeixando louca a senhoraQue se torcia na camaPior que uma caipora.

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Passou-se a manhã e a tarde;Já a noite havia caídoQuando, conforme com o trato,Chegou-lhe ao quarto o maridoQue ao ver a cena medonhaFicou muito estarrecido.

“Você ainda na camaZoando com tal furor?Negonen se recupera?A festa não acabou?É tão comprido o presenteQue o dia não lhe bastou?”

A gringa urrou-lhe de voltaFeito uma onça ferida:“Kommen, corno desgraçadoVergonha de minha vida!Vem logo soltar os laçosDe tua mulher traída!

“Ande depressa, Bichischen!Não me atormente mais não!Você é o grande culpadoDessa má situação!Eu esperava um taradoVocê mandou-me um ladrão!

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“Eu quero vingança logoSem muita diplomacia: Saia daqui, vá correndoA uma delegaciaDenunciar o tratanteQue me deixou na agonia!”

O gringo atendeu depressaA tudo que ela mandava.A um delegado aturdidoDaí a pouco narravaO que lhe tinha ocorrido;Força de lei reclamava.

Porém não era uma coisaTão fácil de resolverCustou que o homem da leiPudesse a queixa entenderE quando atinou com a históriaMal soube como fazer.

“Meus homens talvez consigamPrender o tal do negãoNo entanto, o caso é enroladoEm termos de acusaçãoSerá difícil pra nósMantê-lo aqui na prisão.

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“Não dá pra falar de estuproQue ele não fez a besteira.Negar-se à fornicaçãoDe qualquer modo e maneiraNão é um crime previstoEm nossa lei brasileira.

“Registro a queixa de roubo.Mas temo que esta raposaDaí também nos escapeCom suas artes de prosa:Alegará que seguiuAs ordens de sua esposa.

“O senhor mesmo confirmaO que falou sua mulher:‘Amarre-me nesta camaE faça o que bem quiser!’O negro isso mesmo fez.Quem pode contradizer?”

O alemão protestou:“E o trato dele comigo?É certo que o descumpriuMostrando-se um falso amigo!Será que esse miserávelNão há de sofrer castigo?”

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O delegado porémTornou-lhe, de imediato“Tem o senhor testemunhas?Pôs no papel o contrato?Fez o registro em cartório?Tirou as cópias no ato?

“Responda de boa féUsando de consciência:Que multas estipulouEm caso de inadimplência?Se nada disso existiu,De provas temos carência!”

O gringo lhe retorquiuMuito vermelho e zangado:“No entanto, o fato é que fuiTerrivelmente lesado:O prometido não tiveMe sinto prejudicado!

“Um dia inteiro passeiDiscreto a me prepararPra ser um corno perfeitoDaqueles de admirarJá orgulhoso dos chifresQue nem cheguei a usar!”

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O delegado tornou-lhe:“Eu sinto! Mas ora, vamosReconhecer as lacunasDas leis pelas quais juramos:É um caso de habeas cornus— Que ainda não inventamos!”

Um preso, que atrás das gradesOuvia essa discussãoInterrompeu a conversaTomado de compaixão:“Saiba que estou solidárioMeu caro gringo alemão!

“Já viu como é a justiçaQue rege esses legalistas!Temos, do lado de cá,Um outro ponto de vista:Deviam tratar melhorOs nossos caros turistas!

“Nós cá não admitimosA falha do seu contratoQueremos lhe compensarAgora mesmo, de fato... Se o delegado nos derA permissão para o ato!

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“Basta que sua senhoraNos faça uma visitinha...Será muito bem servida!Garanto, por honra minha,Que sairá satisfeitaCom a festa na passarinha!

“Até que eu tire o atrasoFaremos grande viagemAqui, atrás dessas gradesLhe dobro a quilometragemMostrando como se fazA lei do peru selvagem!

“Ouvi dizer que a madamaO jogo duro apreciaGosta de uns catiripaposE curte pancadaria...Com um festival de sopaposGaranto sua alegria!

“Assim Vossa SenhoriaPor fim será coroado,Com a máxima galhardiaDevidamente enfeitadoVoltando pra sua terraEm muito melhor estado:

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“Sua testa se elevaráAcima da maioriaFazendo à Floresta NegraInveja sua galhariaE esquecerá o fracassoQue padeceu na Bahia.”

O delegado irritou-se:“Cale essa boca, mané!Já chega de malandragem!Ninguém aqui lhe dá fé!A minha delegaciaNão vai virar cabaré!

“E quanto ao senhor queixosoSugiro que agora váDe volta pra seu hotelSua mulher consolarNa certa, o que os dois procuramUm dia vão encontrar.”

Depois de ter o alemãoDessa maneira partidoA seu amigo escrivãoCom a triste queixa aturdidoO delegado falouAinda compadecido:

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“Amigo, também confessoA minha admiração.Da grande raça cornalJá vi uma multidãoJulgava ter esgotadoA sua variação.

“Já conheci corno alegreE triste, e resignado,Indiferente e discretoSereno e apavoradoReligioso e ateuProclamativo e calado.

“Já vi do manso e do braboDo furioso e do frouxoO pálido desmaiadoE o fulo com aquilo roxoO mais estranho que viFoi hoje: esse corno mocho.

“Demorarei a esquecerSua cara de depressãoPois ele esforçou-se tantoMostrou tanta devoçãoQue, sem querer, lamentamosA sua decepção.

“Porém eu tenho certezaDe que pra ele é fatalChegar ao alto destinoTornado seu ideal.O mais ligeiro dos cornosSustento que é o virtual.”

Leitores, aqui terminoFazendo votos ao céu:No amor há de ser felizQuem compra do meu cordelDesfrutará do carinhoDe sua amada fiel.

Aos outros desejo sóQue achem graça na festaDe seus galhardos amoresEnriquecendo as florestasE lindos ramos de floresProtejam as suas testas.

Assim seja!

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