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Black Sabbath - A Biografia - Mick Wall.pdf

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Tony Iommi, Geezer Butler, Bill Ward e Ozzy Osbourne. A escalação do time original do Black Sabbath está na ponta da língua dos fãs. Mas até mesmo o mais ardoroso admirador teria dificuldade em lembrar o nome dos outros 21 músicos que ajudaram a construir essa lenda do rock. Em 45 turbulentos anos de existência, foram tantas e tão profundas mudanças na formação que é quase um milagre que a aura da banda tenha chegado ilesa aos dias atuais. Sobreviver talvez seja a grande arte do Black Sabbath. É o que o leitor pode constatar em Black Sabbath: a biografia. Com a riqueza de detalhes característica das obras de Mick Wall – autor que se destaca como biógrafo de grandes lendas do rock –, o livro conta a história de um grupo que tinha tudo para nem sequer existir.

Típicos garotos proletários de Aston, subúrbio de Birmingham, Inglaterra, a rotina deles se dividia entre a paixão pela música e a urgência em ganhar a vida. O que significava encarar eventualmente trabalho pesado (Tony Iommi, por exemplo, era operário) ou atividades ilícitas (Ozzy Osbourne cometia pequenos furtos), com todas as suas consequências: Iommi perdeu a ponta de dois dedos numa prensa de metal, quase abortando sua trajetória musical antes mesmo de ela começar, e Ozzy cumpriu seis semanas de prisão.

Mais que uma paixão, a música parecia a via mais rápida para fugir desse ambiente pouco promissor. O livro conta como esse improvável sonho virou realidade. E como a realidade logo se transformou em pesadelo para todos a partir do momento em que o sucesso produziu seus previsíveis efeitos: egos inflados e nenhum freio para as loucuras com álcool, drogas, sexo e excentricidades. Nada de diferente de outros grupos da indústria musical. No entanto, no período em que os dinossauros do rock dominavam a Terra, o Black Sabbath alinhou-se entre os maiores de sua espécie – e fez por merecer a fama de mais temível entre todos.

Nascido no hiato entre o verão hippie do amor e a explosão do glam rock, o Black Sabbath chegou a ser a banda mais insultada do planeta – pela imprensa, por outras bandas, por quase todo mundo. Praticamente ninguém entendia aquela mistura de pesados riffs de guitarras, baixo explosivo, bateria detonadora e vocais lancinantes. Ninguém, exceto por legiões de moleques que vislumbraram ali as bases do que viria ser um dos mais cultuados subgêneros do rock: o heavy metal.

Black Sabbath: a biografia conta sobre a expulsão sumária de Ozzy da banda; revela como o grupo perdeu os direitos sobre as próprias canções para empresários ardilosos; relembra a brilhante era com Ronnie James Dio à frente dos vocais, bem como a incessante dança das cadeiras na formação da banda, e registra a volta por cima de Ozzy, amparado pela fama como celebridade de reality show e pela astúcia empresarial da mulher, Sharon.

Tudo é narrado em cores fortes, do ponto de vista de quem testemunhou ou conheceu em primeira mão boa parte dos fatos descritos. Em sua maioria, as citações do livro foram extraídas de entrevistas formais e contatos diretos com os personagens. Seja como jornalista da mídia especializada, seja como assessor de imprensa, Mick Wall se relacionou com o Black Sabbath, Ozzy e Dio ao longo de 35 anos, numa relação que alternou amor e ódio, mas que sobrevive até hoje alimentada pela mais profunda admiração: aos catorze anos, Wall foi um daqueles moleques que entendeu o que era o Sabbath – e teve sua vida mudada para sempre.

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ParteumFilhosdasepultura

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Um

Eu,acordado

ELES ERAM O LIXO e sabiam disso. Entulho humano saído das ruas cheias decrateras de bombas de um lugar esquecido na Grã-Bretanha do pós-guerra chamado Aston. Desajustados da região mineira que nãoconseguiam divisar nenhum futuro, presos a um passado do qual nãosabiam como escapar. Intrusos musicais que seriam sempre lembradosdisso, revelados pelo que sabiam que eram: os mais baixos dos baixos.Uma piada que ninguém achou engraçada, muito menos o palhaço queicava na frente. Pois, como Ozzy Osbourne iria relembrar, sem esboçarnenhumsorrisoemsuacaradebufãomelancólico:“ÉramosquatrotontosfodidosdeBirmingham,oquesabíamosdascoisas?”.

O timing deles estaria sempre errado. Muito tarde para o verão doamor, muito cedo para o genocídio roqueiro do glam, eles eram o BlackSabbath. E, não importa o que escrevam sobre eles um dia, eles sempreterão sidoa banda mais insultada do planeta. As pessoas sussurravamsobreoLedZeppelin,falavamsobreasecretamagiadeleseseuinsaciáveldesejo de poder; outros icavam encantados com as façanhas musicaistelepáticasdoDeepPurple.Hendrix aindaestavavivo, assimcomoBrian,Jimi e Janis. O rock estava no auge, mas o Sabbath era, oh, muito baixo.Críticos — gente de fora, bichas, principalmente de Londres —simplesmente não conseguiam entender. Os moleques, no entanto,adoravamos carasda formaque só osmoleques entendem.Como fumarumcigarronoseuquartocomasjanelasabertas;comoroubarmoedasdabolsa da mãe quando ela está fora, ou encontrar uma revista pornôdebaixo da cama do pai; como uma primeira olhada nos frios fogos doinferno,ocorpooscilandocomasensaçãodequenãohácomoescapar.

No entanto, ninguém se sentia mais desconfortável num show doBlackSabbath,quaseparalisadoporumódio contra simesmo,doqueosquatro membros da banda. Como o baixista e letrista Geezer lamentariamais tarde: “Durante anos, nós simplesmentenos achávamosumamerda

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— a imprensa nos odiava, dizia que não sabíamos compor, que nãosabíamos tocar… Outras bandas nos odiavam, todo mundo”. Algo quepoderia ser ouvido muito claramente na música deles: aqueles riffs deguitarra cruci icados, tocados com sabor tão pesado, marcados por umbaixoribombanteeumabateriadetonadora,tudoissojuntoproporcionavaumsomcomoodeumcorposendo tiradodeumrio.Aquelesvocais comtoqueshorripilantes:tãodramáticosepatéticosquantoosomdeumcisnemorrendo. Cheio de anseios antigos, de machucados autoin ligidos comcascasarrancadasegritosdealmasperdidas.Ostrêszumbiscaminhandopelo palco com cruzes e bigodes absurdos apodreciam em seus própriosvenenos, enquanto o quarto zumbi pegava fogo sozinho no fundo, osquatro se combinando para garantir um quinto elemento: o rostoesburacado domais brutalmente deformado estilo de rock que já forçousuaapariçãoentrenós,fedendoesujodesangue.

Tony Iommi era o líder. Trilhava o caminho dos canhotos, nada dediscursos nobres, sem nenhuma mensagem do alto, mas um verdadeiroalquimistamusical, o general de olhar duro em cujasmãos a guitarra setransformava em uma varinha mágica e uma metralhadora. Filho únicoquesempretinhasedadobem,nuncaprecisandoexplicarnada.Tonynãoaceitava “não” comoresposta,nãogastavapalavrasnemaguentavagenteestúpida. “Tony tem punhos que parecem martelos”, Ozzy se lembraria,seusolhosdeanimal ferido,aindacoma frescamemóriadesuas injúrias.“Alguémtinhaquedescerosarrafo”,eraatípicarespostadeTony,orostosem expressão. “E era eu.” Os riffs de Tony estabeleceram a pedrafundadora para o som do Sabbath, como uma britadeira cavando nascavernasdasmaisaltasmontanhas,atéqueelesmesmosviessemcaindo,pedregulhos aterrorizantes colidindo com a vegetação, trovõesziguezagueandopelocéusobseucomando.

DepoisdeTonyIommivinhaTerryButler—cujoapelidoeraGeezer,porcausadeumamaniadeinfânciadechamartodomundoqueconheciadeGeezer,oquefaziacomqueosadultosrissemeachassemcharmoso,eque acabou se tornando um nome que elemanteve durante toda a vida,comoutrasmaniasdeseusprimeirosanos:anecessidadedesermimado,acariciado, bem tratado e constantemente elogiado.O garoto brilhante daclasse, bom com as palavras, o queridinho da professora, bom em icar

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longe de problemas, ou nunca ser pego, o que signi icava omesmo paraele.OespertoGeezerseriaoautordetodasas letrasdoSabbath,porque,como contou Ozzy, “Geezer é muito inteligente”. Ele sabia tocar também,fazendo o baixo soar como uma guitarra, dobrando as cordas pesadas,ponderandocadanota,depoisprojetando-aparaafrente,comoseuherói,JackBruce,que,segundoele,“criavaumasombradoriffemvezdecopiá-lo”.

TambémhaviaBillWard,umpercussionistabrilhanteedeterminadoqueamavajazz,especialmenteodoidodoGeneKrupa,equeseriasempretratado comoobufãodamatilha.PobreBill, aquelequeeraqueimado—nãoumaúnicavez,enuncaporacidente,mascomoumhábito.Aqueledequemelesriam,nãopelascostas,masbemnacara.Bill,quevia tudo issodeseupoleiro, suandomuitono fundodopalco,osbraçosseagitando,aspernas em espasmos, sempre sem ar, sempre tentando parecerconvincente, sempre o último a saber o que até os outros, que nuncasabiamnada,descobriamprimeiro.PobreBill,aquelequepermaneceriaomaishonestoepagariaumaltopreçoporisso,chutadorepetidasvezesatéserecusarfinalmenteaselevantardenovo.

E, claro, havia Ozzy— ou Ossie, como ele foi creditado no primeirodisco do Black Sabbath. Desde que o reality showThe Osbournes otransformou num brinquedinho familiar com olhinhos de panda, Ozzyperdeu a credibilidade que tinha como vocalista de rock. Ele nunca tevemuita,paradizeraverdade;eraforçadoa icarnocantodopalco,pulandocomo um gorila numa jaula, enquanto Iommi recebia as luzes no centro.Mashaviaalgumacoisanele,paraaquelesqueperceberam,que indicavaumproblema realmente sem resolução; algumecodo espírito original dorock com um abandono incoerente que poderia ser falso ou proposital;algo real e pouco confortável. Como fã, você queria ser Robert Plant outalvezJohnLennon.VocênuncaquisseroOzzy.Eracorretoserumaalmaromântica atormentada: um Rod Stewart ou até um Elton John. Mas eraumacoisainteiramentediferentequerersofrerumadorverdadeira,saberque você é louco, que sempre foi louco. Saber, por im, que um dia vocêrealmentepodeperderaporradasuacabeça.

Mas, por trás disso tudo, eles eram tão comuns, tão simples, tão

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absurdamente óbvios. Todos nasceram no mesmo ano de 1948, todoscresceram nasmesmas ruas sombrias, vítimas domesmo ensino austerodo pós-guerra e dos bairros pobres — havia uma boa razão para quetodos se parecessem tanto, pessoalmente e no palco. Feitos da mesmamatériasombria,comoamúsicadeles,nenhumpoderiaterprosperadoemoutra banda, embora todos tenham tentado, desesperadamente, até odestino por im forçá-los a se juntarem, contra a vontade, num diatipicamente triste de 1968, depois do horário das fábricas e antes daaberturadospubs,somentecomoscigarrosbaratosparaesquentá-los.

Sendo o quarto ilho de seis, o mais esfarrapado de um bando deperdidosamontoadoscomocadáveresfrescosemdoisquartosdotamanhode caixões no no 14 da Lodge Road, onde a família Osbourne vivia, JohnMichael semeteuemproblemasquasedesdeoprimeirodiadevida. Seupai, JohnThomas— Jackpara seus amigosnopub—, trabalhava ànoitenumafábricadeaçochamadaGEC,fazendoferramentas,oquesigni icavaquedormiadedia.Obrigadoaandarnapontadospés,paranãoacordá-lo“e receber uma cintada por causar problemas”, o jovem John costumavafantasiarqueseupaiestavamorto.“Euentravanoquartodeleeotocavaparaverseacordava”,elemecontou.“Então,quandoacordava,elequeriamematar…”

Ozzy,comofoilogoapelidadonaescola,eraumacriançaextrovertida,que adorava brincar, embora se entediasse facilmente. Deixava asdi iculdadesparasuamãe,Lilian—eleselembradevê-lachorarquandonão conseguia pagar as contas —, e três irmãs mais velhas, quecontinuaramacuidardelepormuitotempodepoisqueLilianfaleceu.Ozzylogoencontrou seunicho comoopalhaçoda classe. “Eu sempre trabalheicomaseguinteideia:senãodáparabaterneles,faça-osrir.Façatudoquepuderparatrazê-losparaoseulado.Eseelesaindanãogostaremdevocêdepoisdisso,queimeaporradacasadeles!”Issosetornouumametáforaparaaformacomoeleviveriatodaasuavida.Deixeoscarasmausfelizesparecendoseralguémtranquilo, fazendocomqueriam,enquantovocêseesconde debaixo das saias de uma mulher forte. As piadas e asbrincadeirasestúpidas—aspioresincluíamespetarogatodatiacomumgarfo,tentarcolocarfogonairmãeseenforcarnovaral—tambémtinhama intenção de proteger o adolescente da grande monotonia das ruas de

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Aston.Aescolaeraalgototalmentedistante;suadislexianãodiagnosticadao impedia de acompanhar os estudos. Futebol era para as crianças quetinhamdinheiro.Ozzyentãosetornouumdaqueles“ruinsemtudo”queseofereciam para “cuidar do carro por um shilling” — quer dizer,concordavam em não quebrar nada em troca de um suborno— semprequeoclubeAstonVillajogavaemcasa.

Até que chegou a música, algo pelo qual ele imediatamente seapaixonou, icando fascinado pelos Teddy Boys: devotos de roqueirosnorte-americanos dos anos 1950 como Gene Vincent e Eddie Cochran, e,claro, do Elvis pré-exército. Os Teddy Boys usavam enormes topetes evestiam jaquetas estilo eduardiano, com sapatos brilhantes, e a iavam apontadopentedeferroparausarcomocanivete.“Euadoravairaoscafésque eles frequentavam”, Ozzy me contaria, anos depois, quando nossentamosemumdesseslugares,asjanelasmarcadasdegorduraefumaçadecigarro,amáquinade liperamaaindafazendobarulhoaofundo.Atéamúsica, no entanto, iria lhe trazer problemas. “A escola me mandava devolta para casa por usar botas e jeans em vez dos estúpidos uniformescinza.”

A mesma convergência entre escola, música e problemas teria umimpacto muito importante nos primeiros capítulos da história de OzzyOsbourne: seu encontro com Tony Iommi. Os dois rapazes estudavam namesma Birch ield Road Secondary Modern School, em Perry Barr, maseram pessoas bastante diferentes. Enquanto Ozzy era de uma família declassetrabalhadoracomvários ilhostentandosobreviver,AnthonyFrankIommi era ilho único de uma família com antecedentes italianos ebrasileiros.Umafamíliadeclassemédianocentrodemuitasrami icaçõesqueeradonadesorveteriasepadariasemCardiganStreet,entãoocentrodo distrito italiano de Birmigham; uma família de imigrantes típica,trabalhadora, que também gostava de música. “Toda minha família econhecidos tocavam acordeão e bateria. Meu pai tocava acordeão eharmônica, e minha tia e meus tios tocavam acordeão e bateria.” Elesmontavamgrandes “bandasde acordeão”na sala e tocavamanoite toda.“Tocavamemmuitoscasamentostambém,meupaietodososseusirmãos.”O jovem Tony tinha nove anos na primeira vez em que foi encorajado acolocar um acordeão sobre os joelhos — um especial para canhotos —

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“com os botões para baixo. Na verdade, eu ainda tenho um”. Ele queriauma bateria, “mas ninguém me comprou por causa do barulho. Entãotentarammeenganarcomumacordeão,ebasicamenteeuaprendiatocar,decertomodo”.Nãocontenteemaprenderasvelhasmúsicas italianasdopai, Tony logo estava apertando e soltando versões de sucessoscontemporâneos.“Eutentavatocarcoisasdiferentes,tentavatirarmúsicasdoElvisPresley,‘Woodenheart’ecoisasassim.”

FoiporintermédiodoseuamorporElvisqueeleprimeiropercebeuosentidodesuacontrapartidadosanos1950,CliffRicharde,emespecial,abandadeapoiodeCliff,TheShadows.LideradopeloguitarristadeóculosHankMarvin,TheShadowsfoiumgrupofundamental,cujosomeracriadoporMarvin a partir de um aparelho recém-criado chamado echo box e ouso prodigioso do braço de tremolo em sua guitarra Fender Stratocastervermelha e dourada. Foi esse som provocante, um pouco sinistro, quelevou The Shadows ao primeiro lugar nas paradas britânicas com seuprimeirosinglesemCliff,“Apache”,noverãode1960.QuandoTonypegounumaguitarrapelaprimeiravez, imitandoHankMarvin,aoscatorzeanos,The Shadows já tinha conseguido seis sucessos nas paradas, incluindo omais recente “Wonderful land”, que icou emprimeiro lugarnasparadasbritânicaspormaistempodoquequalqueroutrosingleemtodaadécadade 1960. Como se lembra Tony: “Muita gente ri dos Shadows agora,masacho que eles in luenciaram muitos guitarristas da minha época. DaveGilmourepessoasassimeramfãsdosShadows.BrianMay…”.

Incapaz de comprar uma Fender Strat—Marvin, na verdade, foi oprimeiro guitarrista na Grã-Bretanha a ter uma, e a sua tinha sidoimportada dos Estados Unidos especialmente para ele —, a primeiraguitarra de Tony foi umaWatkins, vendida nos anos 1960 como “a Stratbritânica”,compradaporintermédiodeumcatálogobaratoepagaporsuamãe indulgente em prestações mensais. “Ser canhoto, veja bem, limitavamuito o que eu podia conseguir. E esse era ummodelo que eles izeramparacanhotos,entãoeutinhaesse.Querodizer,naslojasdeinstrumentos,era muito raro naqueles dias encontrar uma guitarra para canhotos.” AWatkins foi seguida por uma Burns Tri-sonic canhota, com um somharmônicomuitomais rico,ouomaispróximoqueoadolescentepoderiaconseguir para imitar a Strat deMarvin com o echo box. Sua destreza no

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acordeãoajudouaaprenderacordessimples.IssoeoclássicolivrodeBertWeedon,Play in a day. Ele tentou conseguir um professor,mas só durouumaaula.“Nãogostei.Nãomesenticonfortável.Acheiquepreferiatentaraprender sozinho, e foi isso,nuncamais voltei.”Tony se tornouo clássicoadolescentesolitário,en iadoemseuquarto,acompanhandoosdiscosdosShadows.Quandosentiuqueestavabomosu iciente,levouaguitarraparaa escola e começou a se mostrar para jovens que só tinham visto umaguitarraelétricanaTV.“Eumelembronaescola,todasasgarotasaoredordele”, lembra-seOzzy, “eume lembrode ter pensadoque era umaótimaformadeconseguirgarotas.”

InfelizmenteparaOzzy,essanãofoiaúnicacoisaqueTonyfezequedeixaria uma impressão nele. Tony, que só era dezmesesmais velho doqueOzzy,masestavaumanoàfrentenaescolae,portanto,carregavatodaa autoridade de menino mais velho, sempre zoava Ozzy na escola. “Eucostumavame esconderquandoo via”,Ozzyme contou anosdepois, semachar muita graça. “Era só coisa de colégio”, Tony disse, quando oquestionei, desconfortável com minhas perguntas sobre tempos tãodistantes. “Em nossa escola, era bastante… Você tinhameio que… icar…hã…darunspetelecosnosmais jovens, sabe?Era isso, realmente.EOzzyera um deles, sabe? Ele só era um anomais novo, mas… Na escola, era,hã… Eles estavam acostumados a apanhar.” Ele ri, com um ar maldoso.“Ozzyeraumdeles.”

“Tony sempre intimidava o Ozzy na escola”, lembra-se Geezer.Posteriormente,permaneceriaumecodessasprimeirasbrigaspor todaacarreiradoSabbath.“Quandoascoisasacontecemnainfância,vocênuncatirada sua cabeça.”Naverdade, anosdepoisque a carreira solodeOzzytinha eclipsado a banda que deixara para trás, ele ainda icava muitoagitadoquandoapareciaonomedeIommi,referindo-seaelecomoDarthVadereoutrosepítetosmenosengraçadosemaisa iados.“Tentonãoodiarmais ninguém ou nada”, eleme contou, sentido. “Mas durante anos odieiTony Iommi. Se você tivesseme contado um dia que voltaríamos a tocarjuntos,euteriaridonasuacaraemandadovocêsefoder.”

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Geezer era diferente, claro. O membro mais jovem da banda, comdezoito meses de diferença, Terence Michael Joseph Butler era o sétimoilho de um casal de dublinenses recentemente chegados a Birmingham,bons católicos procurando um trabalho honesto que pagasse um bomsalário. Geezer era o bebê mimado da família. “Eu era realmente muitomimado. Meus irmãos costumavam me dar dinheiro, bem como minhasirmãsemeuspais; assimeueramais ricodoquequalqueroutrapessoadafamília”,eledeuumsorrisoirlandêsgeneroso,masportrásdoscabelosencaracoladosedabarbahaviaolhostãoescurosebrilhantescomoosdeumagralhavelha.

CrescendoemAston,pertodosoutros,GeezerfrequentavaosjogosdoVilla quando criança — sempre com sua bandeira do time, era um dossortudos com ingresso para todas as partidas da temporada.Quando eraadolescente, amúsica começoua superaro interessepelo futebol.Deumlado,pelasuaaparência,eramaisseguro.“No inaldosanos1960,quandoos skinheads estavam descontrolados, eu não podia ir aos jogos porquemuitasvezeselesdesciamocaceteemmim.Mesmose fosseumtorcedordo Villa, se tivesse cabelo comprido, não importava suas cores, osskinheads desciam o cacete.” Não importava. “Assim que os Beatlesapareceram,euqueriadesesperadamenteserumBeatle.”Aosonzeanos,eleconvenceusuamãeapagardezshillings(cinquentacentavosdelibra)porumviolãousadocomapenasduas cordasdeoutromeninodaescola.Ele não desistiu, no entanto, até seu irmão lhe dar de presente um novoviolão com todas as seis cordas, comprado na única loja da cidade quevendiaguitarras,aGeorgeClay’sMusicShop,noshoppingcenterBullRing,emBirmingham.Opreço:oito libras.Osaláriodeumasemanadamaioriados trabalhadoresna época.Obebêda família tinha conseguidodenovo.ElecomeçouaaprendertodasascançõesdoprimeiroLPqueteve,Please,please me, dos Beatles; depois foi icando mais aventureiro quandocomeçouaconstruiroquesetornariaumacoleçãocompletadosprincipaisdiscosdosanos1960.“EucostumavacomprarBeatles,Stones,TheKinks.Eentão, quando Mothers of Invention apareceu, foi aí que minha vidamusicalmudoucompletamente.”

Geezer já tinha começado a deixar o cabelo crescer. “Eu sempre fuium pouco rebelde na escola.” Quando estava ouvindo Frank Zappa, aos

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quinze anos, ele tinha se tornado “um verdadeiro hippie”. Sua aparênciacausouumacomoçãonasruasdeBirmingham.“Eueraoúnicoqueusavacontas,cafetãetodasessascoisas.Era,tipo,quantomaisatenção,melhor.”ComumamigodeescolachamadoRogerHope,queusavaomesmotipoderoupaetambém ingiaserumBeatleguitarrista—cujoapelidoeraDope[baseado],nãosóporquerimavacomseusobrenome—,Geezercomeçoua tocarguitarra—umaHofnerColoramabaratadecorposólido, ligadaaumampli icadorSelmerinstável—emseuprimeirogrupo“semipro”,quetinha o bizarro nome The Ruums. “Era só uma palavra estranha de umlivrodeficçãocientíficaqueovocalistatinhalido.”

Livros de icção cientí ica eram algo que Geezer e Dope tinham emcomum.“MeuautorfavoritoquandomolequeeraH.G.Wells.Aindaadorotodas aquelas coisas—Amáquina do tempo, O homem invisível, todos osclássicos.Eraincrível.EuestavavivendoemAston,opiorlugarnaTerra,ecomo sempre tive uma forte imaginação, a icção cientí ica me levava aoutros lugares, a coisas que poderiam acontecer e me inspiravam aimaginação.” Geezer era inteligente o bastante para ver que a melhoricçãocientí icanãoerasobreviagensespaciaisouavisãodo futuro.Nãoimportava o suposto tempo ou local, tinha sempre a ver com o agora.“De initivamenteH.G.Wells temtudoavercomasociedade.Eleescreviasobre[ofuturo],maserasempreumcomentáriosobreostemposemqueestava vivendo.” Um dos trabalhos deWells, The shape of things to come ,que postula umEstadomundial do século XXI estabelecido para resolverosproblemasdahumanidade,“erade initivamenteumcomentáriosobreasociedade”.

Com“outrocaranobaixoeseucompanheironabateria”,TheRuumscomeçouatocarcoversempubsealgunscasamentos.“Então,porvoltade1966, começamos a gostar deMoby Grape e um pouco de soul também,como ‘Knock on wood’ [e] Wilson Pickett, um pouco de Sam and Dave.”Condizente com o espírito de expansão de consciência da época, “segostassedeumamúsicaemespecial,agentetocava.Nãoimportavaseerasoul ou progressivo ou acid ou o que fosse, a gente tocava”. Eles foramicandomaispesados,entãosubstituíramaseçãorítmicapormúsicosmaiscabeludos,juntocomumnovovocalistadecabelocompridoquerealmenteconseguia gritar. Geezer já tinha o cabelo e o bigode. Agora ele tinha a

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música para acompanhar. “Era uma coisameio underground, da qual eueraumapartemuitoimportante,musicalmenteetudoomais.Eratudopaze amor, cara.”Oupelomenos eranos clubes locais emque eles tocavam,como The Penthouse and Mothers, ombro a ombro com outras jovensbandas de blues psicodélico, como a primeira banda de Robert Plant,Listen. “Eles erammeio que a coisa da Costa Oeste, comoMoby Grape eSpirit.AgenteeramaiscomooCreameJimiHendrix.”

A roupa de palco se tornou cada vez mais estranha. “Eu costumavatocar com meus olhos todos escurecidos, assim eu parecia com Satã —exatamente como Arthur Brown. Mas eu nem sabia que ele existia naépoca.Entãoacabeiindoverumshowdelee iqueitotalmentedoido.Tipo,eraoquedeveríamosfazer,maisoumenos.”Elepediaemprestadoolápisdemaquiagemdas irmãsepassavana carade todaabanda. “Estávamostodos vestidos com umas lores enormes estúpidas saindo das nossascabeçase coisasassim,emuitas contas,umadoideira.”Nãoajudouo fatodeGeezereorestodabandaestaremcomacabeçacheiadeblackbombs— cápsulas de speed superfortes. Geezer icava tão “emotivo” que elesdetonavam completamente o palco no inal de cada apresentação. “Obateristadestruíaabateria.Eupegavaummontedegarrafasdecervejaejogava contra a parede. E foi quando a gente foi chutado para fora edisseram para nuncamais voltarmos. Então, a única forma de conseguirshows foimudaronomeevoltar.”Assim,TheRuumsse tornouTheRareBreed,edepoisTheFuture—voltandoemseguidaparaTheRareBreed.“FoiquandooOzzyentrou.”

GeezerestudavanaMatthewBoulton,partedoqueagoraéconhecidocomo Birmingham Metropolitan College, cursando contabilidade, quandoconheceuOzzy.Nenhumdosdoisgostoudovisualdooutro.Era1967:Ozzytinha deixado sua fase teddy boy e agora era um mod, o mais opostopossível, musical e culturalmente, do proto-hippie Geezer. A única coisaquetinhamemcomumeraoamorpelosBeatleseumaadoraçãopor“Soulman”deSam&Dave—eohábitocadavezmaiscomumde icaranoitetoda acordado por causa das anfetaminas. “As pessoas nunca acreditamquandoconto”,sorriOzzy.“Maseucostumavarasparacabeçaeusarumajaquetadepelodecabra.VocêtinhaqueandarassimparaentrarnosAllNighters.”OsAllNighterseramclubesdedançaabertos24horasdurante

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todo o im de semana. O que Ozzy costumava ir no centro da cidade deBirminghamerao grandeMidnightCity. “Se você era roqueironãopodiaentrar ali sem estar doido. Entrava e tomava suaDexedrina ou qualquercoisa e aí icava de sexta até domingo. Você tinha que ir para casa nodomingodemanhãe ingirqueestavacansadocomosolhosquasesaindodacabeça,cheiodaporradeDexedrina,sabe?”

Ozzy tinhadeixadoaescolaem1963semqualquerquali icaçãoe sóumdesejo: “Nãome importavaoque eu ia fazer, desdequenão voltassenuncamaispara a escola”.Oúnicoplanoque ele tinhaparao futuro eraencontrar uma forma de ganhar algum dinheiro rápido o mais fácilpossível,começandoporroubarpostosdegasolina,rapidamentepassandoa arrombar lojas à noite e vender tudo que conseguisse pegar dos pubslocais.Maselenãoeramuitobomcomoladrãoe,quandoentrounamesmaloja de roupas femininas duas semanas seguidas, foi pego e preso. Aacusação: invasão e roubo de bens no valor de 25 libras. Sem dinheiropara pagar as quarenta libras demulta impostas pelo juiz local, Ozzy foisentenciado a noventa dias na prisão de Winsome Green, ondeeventualmente passaria seis semanas antes de ser libertado por bomcomportamento.

Falando sobre isso anos depois, seu rosto assumiria aquele olhardistante que o de iniu para a geração de TV do século XXI. “Eu estavaaterrorizadocomtodosaquelesassassinosfodidosecarasqueiriamtentarfoder meu rabo! Eles não são gays normais lá dentro. São como essescondenadosquesãotemporariamentegaysenquantoestãoládentro.Paraeles,umgarotodedezesseteanosera como jogarumaporradeumossosuculento para um cachorro.” Atacado nos chuveiros na sua primeiramanhã, “eu o espanquei com um penico de metal e terminei emcon inamento solitário por três dias”. No inal, sua melhor defesa era avelha tática— fazer com que rissem. “Passei pormuitas situações durascomoessaenquantoestavaládentro.”FoitambémnaprisãoqueOzzyfezsuas primeiras tatuagens; elemesmo fez usandoum al inete e umpoucode gra ite queimado para desenhar as agora imortais letras O-Z-Z-Y nasjuntas de suamão esquerda. Terminou sua obra desenhando dois rostossorridentes em seus joelhos. “Para me alegrar quando eu acordasse demanhã”,eleacrescenta.

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De volta às ruas de Aston em 1966, e com a ideia de uma carreiracriminal agora felizmente esquecida, aconteceu a previsível sucessão deempregosdemerda,debicosnaconstruçãocivilatestarbuzinasdecarrosna mesma fábrica em que sua mãe trabalhava, até o mais conhecido, otrabalho num matadouro. “Eu fazia qualquer coisa naqueles dias. Noentanto, no primeiro dia em que trabalhei ali, quase morri. Era tãorepugnante que vomitei o dia todo.Mas, depois de um tempo, realmentecomecei a gostar. Adoravamatar animais! Costumava espetá-los, furá-los,cortá-los,torturartotalmenteosporrasatéamorte.”Eleria.“Eucostumavatomarmuito speed e icava fora do ar o dia inteiro. Eu costumavamatarpelomenosumas250cabeçasdegadopordiaedepoisatacavaosporcoseascabras…”

Constantementedeslocado,nosentidodesemprepertenceraoúltimodegraudaescada, o sensodealienaçãodeOzzy sóaumentouquandoelepercebeuqueninguémsesentavaaoseuladonoônibusqueolevavaparacasaànoiteporcausadoseucheiro.Suasortemudouderepentequandoumencontropor acaso comumvelho amigode escola fez comque “essagrandeporta se abrisse na porra da minha mente”. Ele contou a Ozzysobre a banda que tinha formado, chamada Approach, e como eles jáestavam prontos para tocar, exceto por um detalhe: não conseguiamencontrar um vocalista. “Eu sou vocalista!”, anunciou Ozzy. Ele não eranadadisso, claro.Mas eraumaoportunidademuitoboaparaperder.Eracomover uma janela aberta no térreode uma fábrica à noite. Seu amigofez uma careta e cuspiu no chão. “Não, de verdade!”, gritou Ozzy. “Souvocalista!Souvocalista!”

Na verdade, as únicas vezes que Ozzy tinha cantado havia sido emfestasfamiliares,“quandomeupaichegavaemcasacomalgumascervejasnacabeça—velhascançõesdepubcomo ‘Showmethewaytogohome’.Euadoravatudoissoquandoeracriança”.Sabendoqueelenãoconseguiacantardireito,cimentousuaposiçãonoApproachcomacompradeumPAdecinquentawattsdesegundamãoedoismicrofonesShure.“Nuncaleveiaquelacoisaasério,sabe?Nuncativenenhumestudo,sópareciaumaboaideia, entende?” Mas apesar de o Approach ensaiar com certaregularidade,elesnuncapassaramdealgunsshowsempubse,frustrado,Ozzydeuotípicopassodecolocarumanúncionajaneladalojademúsica

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de George Clay, no qual se lia: “Ozzy Zig — Extraordinário Vocalista —ProcuraBanda—PossuiPApróprio”.

A mesma loja que Geezer frequentava, e quando The Rare Breedprecisoudeumnovovocalista—oanteriortinhasecansadodeserbanidodos lugares e saiu para cantar num cabaré no QE2—, ele se interessouimediatamente pelo anúncio. “O que chamou a minha atenção foram aspalavrasmágicas: ‘PossuiPApróprio’”, ele ri.QuandopercebeuqueOzzyZigmorava ali perto, foi até lá e bateu na porta. Ozzy tinha saído, entãoGeezer deixou seu contato. “Aquela noite eu estava em casa e alguémbateunaporta,meuirmãoatendeu,veioemedisse:‘Háalgoaíparavocê’.Perguntei: ‘Como assim, “algo”?’. Ele respondeu: ‘Bom, vai lá e dê umaolhada’.EaliestavaOzzycomumaporradeummacacãoensanguentado,comoumaventalgigantemarrom.Eleusavaisso,umavassouradelimparchaminé no ombro, um sapato pendurado numa correia de cachorro edescalço.Masoque realmentemechocou foio cabelodele.Elenão tinhacabelo! Usava tudo aquilo para tentar disfarçar que era um skinhead.”PercebendooqueGeezerestavapensando,asprimeiraspalavrasdeOzzyforam: “Tudo bem, estou deixando meu cabelo crescer”. Geezer pensou:“Essecaraélouco…”.

As lembranças de Ozzy sobre The Rare Breed são, previsivelmente,vagas.ElejátinhavistoabandatocarnoBirminghamPolytechnicabrindoparaCarlWayneandtheVikings,quemaistardepassouasechamarTheMove,enão tinha icado impressionado. “Pensei:queporraeramaquelescaras ali, pulando de um lado para o outro como umas bichas debaixodaquelas luzes azuis? Nunca tinha ouvido falar emmúsica psicodélica…”Mas ele não tinha nenhuma outra perspectiva e, além disso, “Geezer erarealmente bom comum estroboscópio e emdeixar tudo estranho”, entãoachou que a coisa poderia funcionar. A experiência durou apenas umshow. Era um clube de trabalhadores emWalsall e pediram que fossemembora depois de apenas trêsmúsicas. Geezer se lembra: “O gerente seaproximouedisse:‘Fora!Aquiestãocincolibras,agorapuxemocarro!’.EOzzy falou: ‘Pode en iar as cinco libras na bunda!’. Mas eu disse: ‘Opa,passaagranapracá’…”.

Ozzy tampouco gostoudeRogerHope. “Ele eramuito chato, o tempotodo, entãovireiparaGeezer edisse: ‘Foda-se, estou caindo fora’.”Oque

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Ozzy não sabia era que Geezer também estava cansado. O baixista e obateristatinhamdecididoencontraralgumempregodeverdade,masHopeparecia querer fazer outra coisa. “Ele escreveu uma música que eraabsolutamenteterrível.Nãomelembroonome,porémerahorrível.Entãoeueducadamentemerecuseiatocar.”GeezeranunciousuasaídadoRareBreednodiaseguinte.EntãofoiatéacasadeOzzyparafumarmaconhaetomarchá…

AomesmotempoqueOzzyZigeGeezerButlerestavampensandonoque fazer depois de The Rare Breed, Tony Iommi estava tentando fazersucessocomumquartetochamadoMythology.BaseadoemCarlisle,ondeobaixista e fundador da banda, Neil Marshall, vivia, Mythology era bemconhecida localmenteemCumberland, comshowsregularese seguidoresleais.Oestrelatoestavamuitodistante,mashaviadinheirosu icienteparaalugar um quarto num apartamento e sobreviver de um show para ooutro. Ele não procurava muito mais do que isso na época. De seusprimeiros shows semipro issionais, cinco anos antes, sentado com umcombo de piano e bateria em pubs locais, até se juntar a uma banda deverdade, o Rockin’ Chevrolets, aos dezesseis anos, Tony tinha sepreocupadomais com a diversão do que com o dinheiro. Ele entrava embandas “conforme iam aparecendo”, não com a intenção de “chegar aalgum lugar”, mas porque ele “gostava disso”. Com os Chevroletsconseguindo showsregulares nos pubs e no circuito de clubes dasMidlands,queestavamemascensão, tocandocoversdeChuckBerry comseusternosvermelhos,elesentiaqueeraumbomcomeço.Atéconseguiusua primeira namorada, Margaret, a irmã do outro guitarrista. “AmúsicaqueelestocavameramcoisasdoTop20,algumascoisasdesoul,diferentestipos de rock ‘n’ roll. Era aquilo que se tocava em pubs e lugares a ins.”Agoraeleestavaprontoparaopróximopasso:umshowcomTheBirds&TheBees,quetinhaorganizadoumaturnêpelaAlemanhaOcidental.

Noentanto,umdesastreaconteceunavésperadaturnê,quandoTonyperdeuapontade seusdedosdomeioe anulardamãodireita—amãocomquetiravaasnotasdaguitarra—numacidenteindustrialnafábricademetal onde trabalhava durante o dia como soldador. Ele tinha dezoitoanosquandoissoocorreu,nomesmodiaemqueiadeixaroempregopara

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viver de música. Depois disso, os médicos falaram que ele não poderiavoltar a tocar. Ele disse que icou “absolutamente devastado. Minha vidatinha acabado”. Por causa demuitas faltas, tinha trabalhado naquele diaemespecial na linhadeprodução, recebendoos itensqueo operadordaprensademetal enviavaparaele. “Comecei fazendo issoe, claro, aporradamáquinaveiodiretosobremeusdedosepegouminhamão.Eareaçãoera puxar amão para trás, e foi o que iz, arrancando a ponta deles! Sóficaramosossosparafora.”

Ele foi levado às pressas para o hospital— com a ponta dos dedosdecepados num saco com gelo — onde se esperava que os médicospudessem ser capazes de costurar cada ponta de volta, mas não foipossível. “Estava tudo esmagado. Então eles cortaram a ponta dos ossosnosdoisdedose só,nadamais.Disseramqueeununcamais conseguiriatocardenovo.”Elepassouomês seguinte sentadoemcasapensandoemsesuicidar.Então“umcaraqueeraogerentena fábricamecomprouumdiscodoDjangoReinhardtedisse: ‘Ouçaisto’”.Tonyachouqueeleestavatirando um sarro; uma tentativa disfarçada de fazer com que ouvissemúsicadenovo.Mashaviaummétodonaaparenteloucuradessegerente.Nascido na Bélgica, em 1910, de uma família de ciganosmanouche, JeanReinhardtcresceuemacampamentosromenosaoredordeParis, tocandobanjo, guitarra e violino. Apelidado de “Django” (“eu acordado”, emromeno), ele também tinha apenas dezoito anos quando se machucoubastante num incêndio — derrubou uma vela no caminho da cama aovoltar de um show tarde da noite—, tanto que perdeu o uso da pernadireita, que icou paralisada, e dois dedos damão esquerda. Ele tambémouviu que nuncamais voltaria a tocar. Mas, em um ano, com a ajuda doirmãoJoseph,tambémumexcelenteguitarrista,eleaprendeuatocarseussolos de guitarra com apenas dois dedos, usando os dedos lesionadossomente para fazer os acordes. Seu trabalho icou tão distinto queReinhardt in luenciou todos os grandes guitarristas de rockbritânicos dageração de Iommi, incluindo a trindade profana de Jimmy Page, EricClaptoneJeffBeck,comoúltimodescrevendoReinhardtcomo“delongeomaissurpreendenteguitarristaquejáexistiu—quasesuper-humano”.

Semsabernadadissonaépoca,noentanto,Tony icouespantado.“Eufalei: ‘Ah, não, nãoquero saber’.Mas ele insistiu: ‘Só ouça o disco’. Então

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ouviefoitipo:‘Sim,edaí?’.Aí,claro,elemecontoucomoDjangoReinhardttinha perdido dois dedos. Então isso meio que me encorajou a pensar:‘Cara, que porra! Talvez eu possa começar a tocar’.” Emumestilo “heróisconseguemresolver”,Tony começoua construir capas improvisadasparaseus dedos a partir de uma garrafa velha de plástico. “Eu a derreti e izpequenasbolas,depoisconseguiumferrodesoldare fuimoldando,paraconseguirquemeudedocoubessenesseburaco,parafazeressascapinhasquecobriam,edepoiscoleicouroparaqueelasseagarrassemàscordas.De outra forma eu não conseguiria tocar as cordas. Fiquei durante diaslixandoparaqueparecesseumdedo.Aícoloqueiooutroe…Toquei.”

Foiumasoluçãorudimentarparaumproblemaquaseinsolúvel,eeleteveque experimentar por semanas antes que funcionassemdemaneiraapropriada. “Eupulariaatéo tetose tocasseascordassemascapas. Issoaconteceu quando eu estava tocando e uma delas se soltou, e eu aperteisema capa e, oh,meuDeus! É como en iar um ferrode solda quentenasua garganta. Oh, é doloroso porque o osso está embaixo, sabe?A pele éumacamadamuito ina…”Os“novosdedos”tambémtiveramoimprevistoefeito de alterar o som que Tony agora estava tirando de sua guitarra.“Tive que mudar toda a forma como estava tocando. Eu tinha que usarcordasmais leves,algoquenão faziamnaquelesdias,entãoeumesmoasfazia, usando cordas de banjo. Porquemachucariameus dedos se usasseas cordas normais.” Anos depois, o som de Iommi seria tão imitado, tãoidolatrado e estudado que jovens guitarristas iriam discutiracaloradamente sobre trítonos, a inação mais baixa e voltagem deampli icadorescomose,dealgumaforma,possuíssemossegredosdosompesadoúnicoqueseriaimediatamenteidenti icadocomosomdoSabbath.Mas era como tentar segurar mercúrio na palma da mão. No im dascontas, tudo se resumiu ao que ele podia e não podia mais fazer semaquelesdoisdedos.Acomo“algunsacordeseununcamaispudetocar”eacomo ele conseguiu ultrapassar esse obstáculo, um rio de sonsultrapassando a barreira de impossibilidades apresentadas por tersomentetrêsbonsdedosparamanipularsuaferozStratoscasterbranca.

Elesabiaquetinhapassadoomaiortestedesuavidaquandoentrounuma nova banda— The Rest. Era 1965. “Eles estavam procurando umguitarristaevieramatéminhacasa,agenteconversoueeupensei:‘Porra,

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todostêmAC30s,todostêmequipamentoVoxe…Fenders!’.Pensei:‘Porra,eles devem ser realmente bons!’.” Até então, o único outro músico queTony conhecia pessoalmente que tinha uma Fender Stratocaster e umampli icadorVoxeraelemesmo. “EurealmentegostavadovisualdeumaStratporque, basicamente,The Shadowsausava e comTheRest a gentecostumava tocarmuitas coisas dos Shadows também. A gente costumavatocar instrumentais e coisas do Chet Atkins.” Outras in luências tambémestavam fazendo um impacto signi icativo em sua forma de tocar. A JohnMayall’s Bluesbreakers, com Eric Clapton, deixou Tony doido. “Eu sabia,era aquilo.” Ele também tinha icado encantado com The Big Three, umgrupo de Merseybeat em Liverpool cujo guitarrista, Adrian Barber,também era um gênio da eletrônica que construiu os ampli icadoresenormesdabanda,apelidadosde“caixões”.

Aoutradescobertabastantesigni icativaqueTonyfeznoTheRestfoiobateristadabanda,BillWard.Comumacabeleiraescuraedesalinhada,como Tony, com quem ele compartilhava a mesma determinação brutalquepoderiaàsvezesparecerpuracabeça-dura,WilliamThomasWardfoioutrodos ilhosdopós-guerradeAston,trêsmesesmaisnovodoqueTonye três vezes mais estranho. Ele tocara bateria em várias bandas locaisdesde os quinze anos, mas tinha começado a “bater em coisas quandotinha uns quatro ou cinco”. Sem dinheiro para comprar uma bateria, eletinhamontadoseuprópriokitusandocaixasdepapelão,latasdescartadasde cigarro, “sabe, qualquer coisa cilíndrica, qualquer coisa que separecesse comumabateria. Fizminhaspróprias baquetas e tudoomais.Foi oque iz quandoera criança”.Amúsica era “algoque estavana casaonde nasci, em Grosvenor Road. Minha mãe e meu pai sempre faziamfestas.Mamãetocavapiano,eumamigodafamíliavinhaetocavabateria,eelecostumavatrazerseuinstrumentonosábadoànoite;foiquando iqueifascinado pela bateria”. Quando a banda local Boys’ Brigade vinhamarchando na rua todo domingo, ele não conseguia tirar os olhos deles.“Ah,cara,eusimplesmenteamavaaquilo.Eeratãonatural.”

Seus pais adoravam especialmente o jazz norte-americano, as bigbands lideradas por verdadeiros dissidentes musicais como DukeEllington,GlennMillereCountBasie.“Foiondecomeçourealmenteminhaidenti icaçãocombateristas,quandoeu tinhaunsdezanos, comamúsica

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deCountBasie eGlennMiller.”Umde seus bateristas favoritos na épocaeraJoeMorello,opercussionistaamericanodoDaveBrubeckQuartet,quecriava tempos incomunsemclássicos como “Take ive”e “Blue rondoa laTurk”. “Eu não conseguia entender como ele fazia no começo, depois eumeio que comecei a improvisar minha própria versão.” Sua maiorin luência, no entanto, foi Gene Krupa, cujo estilo frenético e hiperativopodeserouvidoemtodososmelhorestrabalhosdeBill,atéhoje.“E,claro,Gene Krupa aparecia nos ilmes preto e branco daquela época. Então euassistiaaGeneKrupaepensava:‘Cara,issoésimplesmenteincrível’,sabe?Paramim,elerealmentefoiumdospioneirosdasbatidasderock,quandocomeçouamudarosritmos.No inaldosanos1940enos1950,elemudoualguns dos estilos de certos ritmos na bateria. E, basicamente, quando agenteouveahistóriadeKrupa,éfacilmenteidenti icávelondeocrossovercomorockaconteceu.”O“crossovercomorock”pessoaldeBillaconteceucomolançamentoem1957de“Jailhouserock”,osegundosucessodeElvisPresley a chegar ao primeiro lugar das paradas britânicas. “Até aquelemomento,eusóouviaasbigbandsamericanasdejazz.ABBCtocavamuitoessetipodemúsicanorádio.Masquando‘Jailhouserock’saiufoi incrível,eusimplesmentemeconecteiimediatamentecomorock‘n’roll.Efoiondeiqueidesdeentão.DeElvisvieram, claro,TheBeatlese todoo fenômenoinicialbritânicodocomeçodosanos1960.”

EletinhaquinzeanosquandoconheceuTonyIommi.“EuestavanumabandaqueprocuravaumguitarristasoloeencontramosoTonypormeiode um anúncio.Mudávamos de nome a cada três ou quatro dias,mas naépocanoschamávamosTheRest.”TheRestcomeçouafazershowspagos,porémissonãoevitouqueospaisdeBillseinquietassemcomaideiadeoilho de seguir uma carreira na música. “Eu passei pela coisa dos pais,assim como todo músico. Meu pai era meio chato com isso, sabe? Masminhamãe apoiava totalmente. Ela icoumuito feliz por eu estar fazendoaquilo.”Seuúnicoirmão,Jimmy,maisvelho,também“in luencioumuito,nosentidodoqueeuouvia.Tipo,elemeapresentouoEverlyBrothersetodasasbandasqueestavamtocandoemBirmingham.Veja,euaindaerajovem,tinha uns catorze anos nessa época, e elememostrou bandas como TheRedcaps,queeramrealmenteboasdeBirmighamnocomecinhodosanos1960.Entãoeutinhatodasessascoisasmeinfluenciando”.

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Com a cena das Midlands tão ativa na época, Bill também cruzou ocaminho de alguns outros bateristas incríveis. Ele primeiro viu JohnBonham tocar quando tinha dezesseis anos, em um pub emWorcestershire chamado TheWharf. O futuro baterista do Led Zeppelinestava tocando então com o Crawling Kingsnakes, com quem The Restdividiu o palco. Bill, que icaria amigo de Bonham, lembra-se de icarimpressionado com a capacidade de beber de Bonzo — “Ele tinha umacerveja ao lado da bateria o tempo todo, tomando uma garrafa atrás daoutra, mas nunca errava uma batida”— tanto quanto com suas batidaspesadas. Outro bom amigo era Pete York, então tocando na banda maispopulardasMidlandsnaépoca,oSpencerDavisGroup.“Incrívelbaterista,PeteYork tambémmeajudoumuito.Tinhaunsdezesseteoudezoitoanosnaquelaépoca, e então teralguémcomoPeteYork,que tinhauma iladesucessoscomoSpencerDavisGroup,prestandoatençãoemvocê,eraalgomuitoimportante.”

Bill já era um perfeccionista, um traço que mais tarde identi icariacomo o principal problema de seus eventuais distanciamentos do BlackSabbath, e sua conexão musical com Tony Iommi foi instantânea. “Tonytocava de forma excepcional para sua idade. Eu já tinha trabalhado combons guitarristas,mas Tony realmente sabia tocar a guitarra. Então, comTheRestnóstocávamosalgunsbluesejazzmaispopulares,eorestoeramcovers, coisas assim. Não tínhamos chegado ainda ao período deamadurecimento, em que se consegue compor música própria. Demoroumaisunsdois ou três anos antesde conseguirmos compornossaprópriamúsica.Massabíamosqueeraoqueíamosfazer…”

The Rest cruzou caminhos com The Rare Breed em várias ocasiões,masnãohouvenenhumaaproximaçãoentreeles.Eramrivais,nãoamigos.Geezer se lembra de conversar ocasionalmente com Bill. “Ele meperguntava que tipo de coisa a gente gostava e eu dizia, na semanaseguinte eles estavam tocando aquilo. Então a gente meio quecompartilhavaosgostosmusicaisnaépoca.”AslembrançasdeTonysobreoGeezerdeentãosãomenosagradáveis.“Elesempreestavadoido.Estavasemprecomunsácidosnacabeça.Querodizer,vocêpodiavê-lonumclube

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tentando subir pelas paredes e coisas assim. Eles tocavam, depois nóstocávamoseelesemprepareciaumdoidovarrido,sabe?”

Noentanto,nenhumabandafoiconstruídaparadurar,equandoTonyfoiconvidadoasejuntaraoMythology,emjaneirode1968,eleaproveitoua oportunidade. Neil Marshall tinha tocado em Peter and Gordon, cujosingle de 1964, “Aworldwithout love”, tinha chegado à primeira posiçãona Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, o primeiro dos vários sucessostransatlânticos que eles teriam nos quatro anos seguintes. No começo de1968, no entanto, Marshall tinha saído com dinheiro e experiênciasu icientes para fazer sucesso sozinho. Assumindo e recon igurando umabandalocaldeCarlislechamadaTheSquareChex,datípicabatida“direta”demeadosdosanos1960paraogrupoderockpsicodélicocabeludoecomroupas hippies, ele mudou o nome deles para Mythology e começou areconstruiraformação.JuntocomIommi,eletambémrecrutouovocalistadoRest, Chris Smith, cujo nome verdadeiro era ChristopherRobin Smith,masfoipersuadidoatirarseunomedomeioporque“todomundoachavaqueestávamoszoando”. [1] Empoucas semanas,Marshall ouviuo conselhodeTonyetambémtrouxeBillWardparaseronovobaterista.

Grandessaposemumlagopequeno,Mythologyatraiuumafortebasede fãs em Carlisle e redondezas, e foi considerada amelhor banda paraabrir shows, tocando comTheMove no 101 Club, por exemplo, em abril.Um “grupo cabeça” com maior probabilidade de abrir caminho com “Allyour love”, de John Mayall’s Bluesbreakers, do que cruzar com materialnormal do Top 20, foi no Mythology que Iommi e Ward começaram atransformarsuasintermináveisjamschapadasemalgomaisconcreto.“Foiquandocomeçamosaveraspossibilidadesdeacrescentaralgonosso,poraí.Aumentandoomáximoquepudéssemos, realmente—commuito solode guitarra no meio.” Era o nascimento da era de solos de guitarramonolíticos,comHendrixtendoinvadidorecentementeacenadeLondrese outros viajantes como Jeff Beck, Eric Clapton e Jimmy Page correndoatrás. No apartamento de Tony, na sede da banda—ComptonHouse—em Carlisle, o único que realmente o in luenciou no estilo de tocar foiClapton, cuja última banda, Cream, estavamudando a cara do blues rocknaGrã-Bretanha.

“Disraeligearstinhaacabadodesaireeraoquetodosestávamosmeio

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que querendo fazer, ou ir além, se pudéssemos. Aquele formato deguitarra,baixo,bateria,masquepareciasercapazdefazerqualquercoisa,sabe?”Espertamente, oMythology também começou a se especializar emcoversdebandasquesuaaudiêncianãoconheciamuito,comoTomorroweArt. A segunda era, na verdade, outra banda da região de Cúmbrialiderada pelo futuro vocalista do Spooky Tooth,Mike Harrison, que tinhalançado um disco “cabeça” certi icado no ano anterior chamadoSupernatural fairy tales ; a primeira era outra potência psicodélicainstrumental onde tocava o futuro guitarrista do Yes, SteveHowe, e umadasfavoritasdoprogramaoriginalde JohnPeelnaRadioOne.“Eleseramprovavelmentemaisumain luênciadoquequalqueroutrabanda,porquesentíamos que estavam mais perto, espiritualmente, do que estávamostentando fazer no Mythology. Realmente só queríamos tocar e solar omáximoquepudéssemos.Easpessoaspareciamgostardisso.”

No entanto, não foi só pela música que o Mythology se tornou bemconhecido localmente. Eles eram os defensores mais conhecidos de umacenahippie lorescentenonortequeagoradefendiaabertamenteousodedrogas—issoemumaépocanaqualpopstarscomooscarasdosBeatlese dos Rolling Stones estavam sendo presos por uso de drogas ilegais,histórias que o jornal mais escandaloso do país, oNews of the World ,transformavaem in initas “revelações”no tabloide.Assimquandoa forçapolicial da região foi pressionada a apresentar provas de suas tentativasde“repeliressaameaçaàsociedadecivilizada”,comodisseummagistrado,eles invadiram Compton House numa manhã do verão de 1968 eprenderam todos os quatro membros da banda por posse de maconha.PoliciaisincrédulosapontaramSmithcomo“olíder”quandoeleinsistiaemdizer que seu nome era Christopher Robin. A história ganhou os jornaisnacionais e, de repente, Tony e Bill icaram famosos emBirminghampormotivosequivocados.OMythology,incapazdeconseguirshowspagoscomregularidadeemCarlisle,seseparoulogodepois.

“Foi horrível”, contou Tony. Sem dinheiro e forçado a voltar para acasadospais,eleselembradesuamãe“chorandoegritando:‘Vocêtrouxea desgraça para esta casa!’”. Bill, que certamente tinha fumadomaconhamais de uma vez e gostaria de continuar fumando, achava que a únicasalvação deles era montar imediatamente outra banda, em Birmingham,

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“para meio que continuar de onde tínhamos parado com o Mythology,porque estávamos realmente começando a chegar em algum lugar, eusentia,quandotudoficouamargo”.

Assim, os dois acabaram vendo o mesmo anúncio na vitrine da lojaqueGeezertinhavisto;odeOzzyZigeseuPApróprio.ComoGeezer,elesimediatamenteforamatéLodgeRoadebateramnaporta.“EufaleiparaoBill: ‘Conheço um Ozzy, mas não pode ser omesmo. Não pode ser ele, ocaranãocantava’,porqueatéondeeusabiaelenãocantava.E fomosatésua casamesmo assim, e amãe dele atendeu. ‘John! Alguémquer vê-lo!’Entãoocaravematéaportaeeu faloparaoBill: ‘Oh,não!Conheçoessecara. Estudamos namesma escola. Não vai funcionar’. Porque eu achavaqueelenãosabiacantar,emborativessecolocadoumanúncio.Agentesesentiaumpoucomaispro issionaldoque isso, sabe,doquequemestavaapenascomeçando.EntãofaleiparaoBilldeixarpara lá…”Reconhecendoobrigãoque tinhabatidonelenaescola,Ozzy icoualiviadoquandoTonyfoiembora.“Davaparavernacaradelequepensou:‘Dejeitonenhum!’,eeutambém!”

De acordo com Geezer, Tony e Bill na verdade viram o anúncio nomesmodiaqueele.“OzzyeTonynãosederambemnaescola.FoiporissoqueOzzyveioatéaminhacasaaqueledia,enãonadoTony.”Noentanto,oproblema continuava: Ozzy e Geezer precisavam de um baterista e umguitarrista para formar uma nova banda; Tony e Bill precisavam de umvocalista e um baixista. Geezer, que lembrava dos dois na The Rest, que“tocava as mesmas coisas que a The Rare Breed”, pensou que elesdeveriam pelo menos conversar. Já tinham se passado cinco anos desdequeOzzyeTonyfrequentaramamesmaescola.Pareceoutravida,não?

Nodiaseguinte,Geezer levouOzzy,queestavamuitorelutante,atéacasa de Iommi emWashwoodHeath. O plano, ele disse, era tentar atrairBillWardetrazê-locomobaterista,deixandoTonyIommisemsaída.Tonyrecorda:“Billconversoucomelesedealgumaformadecidimosnosreunir.PorqueBillnãoqueriaseseparardemim,eeutampouco.Queríamos icarjuntos comoum time, porque a gente já tocava juntohaviamuito tempo”.NemGeezer,nemOzzy icaramespecialmentefelizescomanovasituação.Para Geezer, signi icava deixar a guitarra e se tornar o baixista — naépocaeles também tinhamseunidoaumguitarristabottleneck chamado

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Jimmy Phillips, e era assumir o posto de baixista ou sair, algo que oardilosoGeezernunca iria fazer.ParaOzzy, signi icariavoltaraopátiodaescolaqueeletinhaodiadotanto.Mas,damesmaforma,eraissoounada,eOzzyjátinhatidomuito“nada”navida.

Quando eles já estavam prontos para começar a ensaiar, umsaxofonistachamadoAlan“Acker”Clarketambémtinhasidoacrescentadoàgangue,juntocomumnovonome:ThePolkaTulkBluesBand.Umnomeroubadodeuma“lojapaquistanesaemHandsworth”,deacordocomOzzy.“Foi o caminho do nosso primeiro show.” Nós não tínhamos um nomeainda, então passamos por essa loja, a Polka Tulk, e eu disse: “Aqui; issopareceumbomnome”.

Viajando para o primeiro show deles — num lugar de trailers emCarlisle, um show conseguido graças aos bons contatos doMythology—,Tony admite que se sentiu desanimado. “Olhei ao redor e pensei, Cristo,ondefoiquememeti,sabe?Penseiqueaquilonãoiadurarmuito.”

Eleestavacerto.Nãoia.[1]ChristopherRobinéopersonagemhumanodashistóriasinfantisdoUrsinhoPooh.(N.T.)

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Dois

OintervalodoDiabo

ELESCOMEÇARAMAPULARnagargantaumdooutroquasequeimediatamente.ComTony e Bill antes tratados como heróis locais no Mythology, Tony, emparticular,estavaa litopensandonavoltaaCarlislecomoqueeleachavaserumaformaçãomenordemúsicossemexperiência.Elenãosabiaondese esconder quando viu Geezer tirar um baixo emprestado com apenastrêscordas.“Elenãotinhagranaparaaquartacorda.Eapareceucomtodaa indumentáriahippie, tododebrancocomessacoisa indiana—comosetivesse tomado um monte de ácido.” O fato de Jimmy Phillips aparecer“vestidocomoumtipodeRobinHood”deixouTonyeBill,trajandojeansecamiseta,aindamaisembaraçados.“Estávamos,eueBill,olhandoumparaooutroenosperguntandooqueestavaacontecendo…”

GeezereOzzytambémestavamdesconfortáveis.Inteiramenteforadasua zona de conforto, tocando com caras que já tinham alcançado certonível, eles se atrapalharam nos primeiros shows, icando para trásenquanto tentavam desesperadamente acompanhar. Mas foram asde iciênciasmusicaisdelesqueacabaramajudandoade inirofuturosomdoSabbath.AvozazedadeOzzynãocombinavacomozumbidoadocicadodoblues-rockconvencionaldoperíodo,comoTraf iceFleetwoodMac,masno contexto do bombardeio sonoro que mais tarde seria a base sobre aqualoBlackSabbathconstruiriasuareputação,elasetornariaobrilho,emcontraste com os riffs ameaçadores e os ritmos alucinantes— dolorosa,desconectada, descontrolada. Geezer tinha passado os dias anteriores aoensaio num quarto frio em cima de um pub em Aston, tocando suaTelecaster,mas coma inação graveparaparecero somdeumbaixo. Eleainda tocava como uma guitarra, no entanto, em vez de marcar o ritmo,comofaziaamaioriadosbaixistasconvencionais,elesimplesmenteseguiaoriffdeTony,aopéda letra,acrescentandoumocasionalpreenchimentoquando se tornava mais confortável com a música, um truque queaprendeu de Jack Bruce, do Cream. Parecia estranho no começo, mas

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depoisqueeleaperfeiçoouotruquenumbaixoverdadeiro—comtodasasquatro cordas — foi o que deu ao Sabbath o som mais pesado. “Eucostumava tocar com o riff. Eu gostava de dobrar as notas.” Dobrar asmentes.

Demorariaalgumtempo,noentanto,atéelesconvenceremTonyeBilldoseuvalor.Paraaquelesprimeirosshows,Ozzy, constrangido,usandoabata longa e feia que Geezer tinha emprestado para ele no The RareBreed,estavatãonervosoquepraticamenteseescondiado ladodopalco,felizporTony icardebaixodasluzes.Dequalquermaneiranãodavaparaouvir a voz dele, tal era o barulho escandaloso feito por uma cacofoniaexageradadeguitarras, saxofoneebateria, todosaparentemente tocandoo que queriam. “Era tudo blues de doze compassos”, lembra-se Geezer,“todos covers… Coisas tipo ‘Dust my blues’, do John Mayall’sBluesbreakers, e Cream, tipo ‘Spoonful’.” Eles deliberadamente seafastavam do que viam como as músicas mais óbvias para agradar asplateias.AtéJimiHendrixeraconsiderado“umpoucocomercialdemais,naépoca”. Mesmo nesse estágio embrionário, conta Geezer: “Queríamos irtotalmentecontratudoqueestavaacontecendo”.

APolkaTulkBluesBanddurousomentedois shows:numparquedetrailers em Whitehaven e num salão de danças em Carlisle. O primeiroterminou abruptamente quando a plateia de campistas horrorizadoscomeçou a se levantar e ir embora depois da primeira música. Até osantigos fãs do Mythology que tinham comparecido, posteriormente sesentiram obrigados a demonstrar seus sentimentos feridos. “Que merdavocêsestãofazendocomessevocalistahorrível,eleéuminútil!”,GeezerselembradeumfãperguntandoaTonyeBill.“Eooutrocarademerdanãosabetocarbaixo.Porquenãotrazemosoutroscarasdevolta?”Osegundoshowtambémterminoumal,depoisqueumgrupodecaras locaisdecidiuque a banda estava tentando roubar suas mulheres, e os atacou comgarrafasecadeirasenquantotentavamcarregaracaminhonetedepoisdoshow. “Eles praticamente nos mataram!”, contou Geezer. A polícia foichamadaeprendeuosagressores,massódepoisqueolíderdeles—“Umcara enorme — de verdade!” — tentou estrangular um dos cães dospoliciais.Tony:“Pensei:‘Porra,agorajáera.Nãovamosconseguirnenhumtrabalho’”.

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Eles tinhamcomeçadoaviagemdemaisde trezentosquilômetrosdevoltaaBirminghamquandoTonyperdeuacabeça.FelizmenteparaGeezereOzzy,suaraivavoltou-seprincipalmentecontraosaxofonistaeosegundoguitarrista,carasquenuncaoconvenceramequeagorapagariamopreçopor sua humilhação perante seus antigos fãs. “Eles estão fora. Podemvoltardebicicleta”,eleanunciou.Ninguémdiscutiu.MuitomenosOzzy,quetinha aprendido na escola a manter a cabeça baixa sempre que Tonyestava“demauhumor”.MasseOzzy icoutristeaoverJimmypartir(“Eu,Jimmy Phillips e um baixista negro chamado Rosko Gee, que mais tardeterminarianoTraf ic, costumávamosdormirnamesmacama,porquenãotínhamos grana”, eleme contoumais tarde), por outro lado icou aliviadoemverasaídadeClarke,queestavasempretocando“Takesix”.“Atéhojenãoaguentoessamerdademúsica!”

Aoutracoisaamudar foionome,agora transformadoemTheEarthBlues Band, rapidamente reduzido para apenas Earth. Na verdade, asmudanças não izeram muita diferença no som da banda. Ainda sebaseando no mesmo caldo musical de covers, blues e psicodelia,misturando Howlin’ Wolf e John Lee Hooker com Cream e rockscontemporâneosmenosconhecidos, comoRetaliation,deAynsleyDunbar,para o ainda pouco convencido Tony Iommi, na maioria das noites elesestavam simplesmente “repetindo várias vezes a mesma música, compequenas variações de tempo”. Felizmente, emmeados dos anos 1960, ocircuito de shows das Midlands estava no auge, com todas as grandesbandas da época, assim como muitos talentos locais. Ao contrário dahistória recontada que agora insiste que as Midlands foram o berço debandas de heavymetal, as principais in luênciasmusicais damaioria dosgruposimportantesemmeadosdosanos1960eramosouleoR&Bnorte-americano. Para começar, os contratos de gravação eram poucos, masnuma época em que, fora de Londres, somente Liverpool era vista comoumcentromusicalsério,acenaaovivoemBirminghamenasMidlandseramuitoboa.MúsicoscomoJohnBonhameRobertPlantconseguiramdarosprimeirospassosrumoaosucessoaparecendonoqueentãoerachamadodeMaReaganCircuit—umasériedeclubescommúsicaaovivocujadonaera a sra. Reagan, incluindo o Oldhill Plaza, o Handsworth Plaza, o clubeGarry Owen e a Birmingham Cavern—, tocando em grupos como Terry

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Webb&TheSpiders,NickyJamesMovement,LocomotiveeAWayofLife,onde tocava Dave Pegg, futuro baixista do Fairport Convention. Bonhamtambémtocou,porpoucotempo,noTheSenators,gravandoafaixa“She’samod”dodiscodecompilaçãode1964,Brumbeat.

AlémdocircuitoMaReagan,havia tambémuma in inidadedeshowsempubse,umtempodepois,lugaresmaisnamodaemBirmingham,comoHenry’s Blues House e Mothers, um verdadeiro paraíso de pontos paratocar em toda a área das Midlands, de onde surgiriam muitos doselementoscentraisdapróximageraçãodebandaspós-Beatles:RoyWoode Bev Bevan (mais tarde no The Move,ELO e Wizzard), que seencontravam com CarlWayne & The Vikings, com StevieWinwood e JimCapaldi, do Traf ic, duas bandas locais que icaram famosas (o último naSpencer Davis Group); Carl Palmer (Atomic Rooster eELP), Cozy Powell(JeffBeckGroupeoutros, incluindo,muitomaistarde,oBlackSabbath),opróprioBlackSabbath,TheMoodyBlues,Sladeemuitosoutros.

As drogas vinham em ocasionais parangas de maconha ou, maisprovável,emduasoutrêspequenaspílulasazuisde speed.Principalmente,conta Geezer, “a gente tomava umas cervejas”. O comportamentoextravagante erapouco tolerado.Obaterista doMove,BevBevan—quetambém terminaria, por um breve período, no Sabbath—, lembra-se decomooTheMove tinhapensadoem trocá-lopor JohnBonham,mas “TheMove não bebia nada em seus primeiros dias e eles achavam que elepoderiaserincontrolável”.

Encorajado, o Earth aproveitou, conseguindo shows em locais bonscomoMothers, ThePenthouse eHenry’sBlueshouse. Foi no últimodeles,dirigidopelo empresário local JimSimpson, que eles conseguiram fazer oprimeiro grande show. Simpson também eramúsico, mas dez anosmaisvelho,e tinhasidoastutoosu icienteparaseenveredarporoutrasáreasda música e conseguir viver decentemente. Como trompetista noLocomotive (onde já tinha tocado o jovem John Bonham, antes de serexpulso por não ser con iável) Jim tinha conseguido um sucesso com“Rudi’s in love”. Em 1968, ele tinha passado a ser empresário, faziatrabalhode agenciamento e tinha aberto seupróprio espaçopara shows,atividadesqueeramsupervisionadaspelaempresaBigBear.AssimcomoaHenry’sBluesHouse, ele tambémerao empresáriodeum triode rock

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pesadodeStaffordshirechamadoBakerlooBluesLine,eTea&Symphony,umabandaacústicaextravagantenãomuitodiferentedocomeçodoT.Rex.Quando o novato Led Zeppelin — ainda conhecido na época como NewYardbirds—fezumatumultuadaapariçãonoHenry’s,TonyeBillestavamnaplateia. Sentindo a conexão entre o “bluespsicodélico” queo Zeppelinestava tocando e o frenético blues pesado que o Earth também tentavafazer, Tony procurou Simpson com a proposta de que ele desse umachanceasuabandanoclube.

“Elesmepareceramumpoucoinocentes,confusosesemdireção”,mecontou Simpson. “Não sabiam realmente qual seria o próximo passo.”Conseguiramumtestenoclubenumatardefriadenovembro,eJim“viuosu iciente”para conseguiro showdeaberturaparaoTenYearsAfter—outra banda local que tinha se dado bem e agora estava morando emLondres. Liderada por Alvin Lee, natural de Nottingham, na épocachamado de “o guitarrista mais rápido da Grã-Bretanha”, ele icou tãoimpressionadocomosjovensmúsicosabrindooshowparaelenoHenry’s,que os convidounovamente para o showde abertura no clubeMarquee,emLondres,ondetinhamumaresidência.OMarqueejáestavaacaminhode conseguir seu status de lenda, como o lugar onde todo mundo, deRolling Stones a Led Zeppelin, tinha explodido para o sucesso. ComoGeezercontou:“Aíacoisacomeçouarolarparanós”.

Mas não foi tão longe, o Earth em seguida colapsou de volta para oburaco. Não foi só o Ten Years After que gostou do Earth. Quando elesabriram para o Jethro Tull, novamente no Henry’s, o líder do Tull, IanAnderson,fezumconviteparaqueelestocassemjuntosemLondres—sóquedessavezaoferta foi feitaapenasparaoTony.OdiscodeestreiadoTull,This was, tinha acabado de ser lançado e estava no Top 10. Elesestavam crescendo muito. Quando o guitarrista original, Mick Abrahams,saiu—coincidentemente,namesmanoiteemqueoEarthabriuparaeles—, o Tull precisava de um substituto de forma urgente. Ao receber umaligaçãodoempresáriodoTullnamanhãseguinteaoshow,perguntandoseele estaria interessado em fazer parte da banda, Tony aproveitou aoportunidade. Mas assim que desligou o telefone, começou a entrar empânico.

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“Contei ao resto dos caras. Falei que tinham me convidado para abandadelesetodoselesdisseram:‘Bom,vocêdeveriaaceitar.Devetentar.É uma grande oportunidade’ e essas coisas. Mas eu realmente me sentimalpordeixá-los.”PorémnãoapontoderecusaroconviteparasejuntaraoTullemLondres.Ele tomouumchoque,noentanto. “Euentrei,ehaviapelo menos uns cem guitarristas.” Músicos que incluíam nomes maisestabelecidos como Davey O’List, recentemente no The Nice, e MartinBarre—outrorapazdeBirminghamquejátinhaganhadoalgumnomenacena de Londres em várias bandas diferentes, sendo que amais recentetinha sido o projeto paralelo de Noel Redding, o baixista de Hendrix,chamado Fat Mattress. Tony: “Eu pensei: ‘O que está acontecendo?’. Naverdade era uma audição. Falei: ‘Ah, puta merda! Não vou conseguir’,entãofuiembora”.Maselese“persuadiu”asesentaremumcafédooutroladoda rua, esperandoqueo chamassem. “Então fui e comecei a tocar, eelesmeligaramnodiaseguinteedisseram,éisso,olugaréseu.”

Encantado e se sentindo orgulhoso, só quando Tony voltou a Astoncom a notícia de sua nova banda que o peso do que tinha acontecidocomeçoua icarevidente. “Osoutrospareciamfelizes,maseusabiaoqueeles estavam pensando.” Convidado a voltar a Londres, para começar aensaiarasmúsicasqueiriamaparecernodiscoseguintedoTull,Standup,Tony estava tão assustadoque convidouGeezerpara ir comele. “Porqueeu me sentia realmente sozinho sem eles. Então Geezer foi e icou alisentadoenquantoagenteensaiava.Eeuolhavaparaeleemesentiamuitomal,sabe?E,depoisdoensaio,faleiparaele: ‘Nãosei,Geezer,éestranho’.Eelefalou:‘Bom,aguentemaisumpouco’.Tenteimaisalgunsdiasedisse:‘Ah,nãoaguentoisso.Nãoestáfuncionandoparamim’.”

Não foi só a companhia dos amigos e companheiros de banda emBrum que fez com que Tony reconsiderasse. Ele se conteve quando oempresário do Tull disse para ele: “Você tem muita sorte de conseguirentrar na banda”. Podia ter um complexo de inferioridade, tendo que seencaixarnoqueparaeleeraumnovoambientedeartistas emúsicosdesucesso, mas tinha superado enormes obstáculos para se tornar oguitarristaqueera,enuncatinhapensadoemsimesmocomoalguémcomsorte. “Isso realmente me deixou bravo. Pensei: ‘Não é sorte. Eles mechamaramaquiporqueseitocar—nãoporquetenhosorte!’.”

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Houve tambémochoqueculturalde trabalharemLondres comumabanda na qual havia uma clara hierarquia de membros. Ou, como elecolocou,oTull“trabalhavadeumaformadiferentedaqueeuconhecia.IanAnderson sempre andava separado dos outros caras. Ele se sentava emuma mesa e os demais se sentavam em outra. E eu simplesmente nãosentiaqueeraumabandacompleta.EntãofaleicomIanedisse:‘Olha,vousair…’”. Incomodado,AndersontentoupersuadirTonya“tentarumpoucomais”,masoguitarristajátinhadecidido.“Falei:‘Não,eusintoqueissonãoé para mim e quero voltar para minha outra banda’. E ele respondeu:‘Bom,entãovocêfariaofilmecomagente?’.”

O ilmeemquestãoseriaomíticoRock‘n’rollcircusdoRollingStones.Umevento construído ao redorde concertos ilmadosno Intertel Studios,emTeddington, durantedois dias—11 e12dedezembro—, o conceitocentral era que todas as bandas apareceriam sob o que aparentava seruma lona de circo; daí o título. Tendo os Stones no centro e envolvendobandas estelares dos anos 1960 como TheWho,Marianne Faithful, JohnLennon e sua noiva, Yoko Ono, e um “supergrupo” da casa apelidado deTheDirtyMac, formadoporKeithRichards, Eric Clapton e o baterista deHendrix,MitchMitchell,comoJethroTullalipararepresentara“próximageração”deestrelasdorock,oevento foi ilmadopelaBBC2—que tinhase tornado o primeiro canal de televisão europeu a conseguir transmitirprogramasemcoresnoanoanterior—nocomeçode1969.MasquandoTheWho, chegando direto de uma turnê norte-americana, detonou todomundo no palco— inclusive os Stones, que não vinham tocando ao vivohaviaquasedoisanos—,Mick Jaggerbloqueouosplanosde transmitiroprograma e o ilme icou guardado, pensava-se que perdido, por quasetrintaanos,antesdesairemDVD—eacabarsendotransmitidopelaBBC—em1996.

Última apresentação pública de Brian Jones com os Stones, aquelatambémfoiaúnicaapresentaçãodeTonyIommicomoJethroTull,fazendoplaybackdeumsingledeles,“AsongforJeffrey”.Elesdeviamtocaraovivo,masanaturezacaóticadodiaosdeixousemtempoparaensaiar,eJaggertinha mandado que izessem playback, enquanto Anderson cantava aovivo.AperformancedanovafaixadoTull,“Fatman”,tambémemplayback,foimais tarde cortada da edição inal, tambémpor causa do tempo. Para

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aumentarodesastredaperformance,pediramparaTonyusarumchapéude caubói. “Um chapéu branco estúpido.” Lá no fundo, com nenhumaexperiência em produção de ilmes, muito menos em se relacionarpessoalmente com pessoas, como ele conta, que “só tinha visto antes natelevisão”, Tony admite: “Eu quase me caguei nas calças! Foi assustadorparamim. Porque eu estava sozinho, não conhecia ninguém, e estava aliparado com uma porra de um chapéu que nunca tinha usado naminhavida.EuoencontreinoDepartamentodeRoupasnofundoeelesdisseram:‘Oh,porquevocênãousa isso?’.Entãocoloqueio chapéu,edepois iqueifelizporqueelecobriaminhacara.Eupodiaabaixaracabeça,sabe,enãoficarenvergonhadoounervoso”.

Se trabalhar com Ian Anderson e Jethro Tull foi uma experiênciaesclarecedoraparaojovemguitarristacomdificuldadesderelacionamentosocial,tocarnamesmasalacompessoascomoLennon,JaggereClaptonfoialgorevelador—eteveseuladoengraçado.“Estávamostodossentadosalie então, de repente, eles começaram a discutir sobre algo, Brian Jones eKeith Richards, acho. Lembro queMick Jagger disse algo paramim tipo:‘Ah,putamerda!Elescomeçaramdenovo!’.Eeunãoconseguiaacreditarno que estava acontecendo! John Lennon entrava e Yoko estava ao seulado.Aondeeleia,elaoseguia.Elenãoconseguiasemoversemela.Então,ele subiu no palco e ela icou sentada aos pés dele, e depois começou acantar também! E, para ser honesto, foi uma merda. Absolutamentehorrível.Nuncavouesquecer IanAndersonvirandoparamimedizendo:‘Bom,oquevocêachadosseusheróisagora?’.”

Ele admitiu que, depois de fazer parte de algo assim, começou aduvidar da sabedoria de sua decisão de voltar a Birmingham e para aspoucasperspectivasdoEarth. “Eude fatopensei: ‘Estoudeixandopassarumaoportunidadee tanto aqui!’.Honestamente, pensei, bom,pelomenoscoloqueiumpéaquidentro.Foialgomuito importante, sabe?Derepente,eracomoseeuestivessenomeiodealgograndequeestavaacontecendoeeu tinha decidido sair. Mas senti uma vontade enorme de voltar com oresto dos caras. E foi o que izemos, mas posso dizer que mudou nossacarreira. Mudou tudo…” Se Ozzy Osbourne tinhamedo de Tony Iommi eseus socos voadores antes de partir para Londres, icaria ainda maisaterrorizado com a igura brutalmente determinada que voltou para

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“descerosarrafo”etransformaroEarthemalgoverdadeiro.RegressandoaBirminghamdecaminhonetenodia13dedezembrode1968,umasexta-feira, Tony disse a Geezer: “Vamos voltar e compor algumas merdas eensaiar,evamosfazerissosozinhos,sabe,eacoisavaiacontecer.Podemossergrandes,tipooTull,masvamostrabalhar”.

Tony se tornariao líder, semdiscussões, apartirdaí. ComodeclarouJimSimpson:“Tonytinhaa ixaçãodesetornarumaestrela.Eleeraquemfalavamaisabertamentedisso”.Nãosócomoquemcompunhaosriffsquese tornaram sua assinaturamusical,mas como o que guiava, ordenava emanipulava todos. Apesar de ser um cara de poucas palavras, ele nuncadeixavaqueninguémesquecesseque tinha sidoelequemsacri icouumavida de estrelismo e celebridade instantâneas para voltar e salvá-los. Elevoltou,mastudoseria inteiramenteaseumodo.Osdemais icaramfelizesporeletervoltado.Elogo,assimquecomeçaramacolherosfrutosdeseusesforçosmais pro issionais, passaram a contar com ele para impulsionartudo.ApalavradeTonysetornarialei.

“O que é bom e ruim”, ele iria meditar alguns anos depois. “Querodizer, ébomporquenosbotouna linha—alguémtinhaque fazer isso.Eachoqueelesesperavamqueeufosseolíder,sabe?Masaomesmotempoeu acabava me afastando um pouco dos outros. Porque eu meio quedeveriaparecerumtipode igurapaterna,sabe?Alguémquefalava: ‘Nãofaçaessamerda’.Entãovolteicomessaatitude,junteitodomundoedisse:‘Olha, vamos começar a ensaiar às novedamanhã. Vamosparar de icarfazendo merda’. E eu aprendi tudo isso, basicamente, de Ian Anderson,porque ele era o líder do Jethro Tull. E eu percebi que era disso queprecisávamos. Para nos organizar, para chegar cedo aos ensaios e nosdedicar de verdade. E foi o que aconteceu, realmente ajudou. Essamudança nos levou a começar a compormaterial próprio. E todomundoicou feliz quando voltamos, então todos se esforçaram mais. E issofuncionouapartirdeentão.”

Com Jim Simpson de volta ao barco para ajudar, foi feito um acordocom o Community Centre local em Aston Park Road para que o Earthusasse seu salão principal para ensaiar. Como eles só usavam durante amanhã, os costumeiros dez centavos por hora de aluguel (cinquenta, no

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valoratual)forambaixadosparacinco.Agoraatuandocomoempresário defacto, Jim tambémorganizouumasériede showsparaeles, abrindoparasuasoutrasbandas,comoLocomotiveeBakerlooBluesBand,noHenry’s,eocasionais shows como atração principal em lugares como BayHotel, emSunderland, onde a abertura foi do VanDer Graaf Generator e doDJ daRadioOneJohnPeel.EletambémassegurouvisitasdevoltaaLondresemoutros shows de prestígio no Marquee, abrindo para Colosseum, de JonHiseman,cujodiscodeestreiaestavachegandoaoTop20,econseguiuumshowemLondresabrindoparaJohnMayall’sBluesbreakers,ondeTonyeGeezer icaramtãotímidosportocarememfrenteaseusheróisquequasenãoconseguiamolharparaaplateia. “Nãohavianadadeespecialali,nãoimaginava como tudo ia icar grande”, diz Jim sobre seu papel deempresário,que foi crescendoaospoucos. “Agente foiassumindoa coisaaos poucos. Eu marquei uns shows com gente que con iava em mim osu icienteparaaceitarumabandasemconhecê-losmuito.”Masquandoeleconseguiuosprimeirosshowsnocontinentecomabanda—umshownoBrøndbyPopKlub,naDinamarca,seguidologodepoisporumaresidênciano Star Club, em Hamburgo, onde os Beatles tinham aprimorado suaperformance poucos anos antes—, eles começaram a con iar em Jim. Oúnico dos quatro que ainda duvidava das suas perspectivas era quem,nominalmente, vinha na frente: o vocalista. Simpson lembra-se que Ozzy“ icavabastanteconsternado.Suacon iançaeramuitobaixa,eleprecisavadeconstantereafirmação”.

Quando Simpson decidiu escrever um contrato de managementpro issional para que a banda assinasse, ele achou que isso poderia darumamelhoradanoegodeOzzy.Naverdade,teveoefeitooposto,deixandotodos com um pé atrás. Principalmente, Simpson agora sente, porqueexigiaconversarcomseuspais,queviamessacoisadegrupopopcomo“sóumabrincadeira”; algoque eles logodeixariamde lado. “Fui conhecer ospais deles e acho que todos pensavam que meu entusiasmo eraexagerado”,contaSimpson.“Eusabiaqueabandaiaconseguir.Nãohaviadúvidasnaminhacabeça.Masospaiseasmãesdelesestavamumpoucoconfusosportudoaquilo,acho.Oquê,nossopequenoTony?Comoelepodeserumaestrela?”

Oquerealmenteselouoacordonacabeçadeles—eograndeponto

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de virada, musicalmente — foi a primeira música original que elescompuseram,emabril.Título:“BlackSabbath”.“NocomeçodoEarth,aindaestávamos improvisando muito”, lembra-se Bill. Disso surgiria a base deseu primeiro material. “A primeira indicação do que começou a surgirdessesimprovisos”,disseBill,veiodocoverdeumamúsicachamada“Thewarning”,originalmentedoRetaliation,deAynsleyDunbar,àqualoEarthtinhaacrescentadoumaextensaimprovisaçãodeguitarra,baixoebateria.O que começou como uma jam longa foi tomando um novo formatomonstruoso durante a residência no Star Club, onde eles deviam tocarquatrosetsde45minutospornoite.“Agentecostumavaesticarasmúsicasporque tínhamosque fazermuitos sets tododia, e a gente se cansavadetocar as mesmas seis músicas ou algo assim”, conta Geezer. “Para a jamdepois de ‘Warning’, Tony fazia um solo enorme e a gente seguia, eeventualmente isso se tornou uma das nossas primeiras músicas.” Aprimeiraa surgir,queelesderamumtítulo, foiumbombástico rockmeioFrankenstein que chamaram de “War pigs”. “Durava quase quarentaminutos.Entãocomeçamosamodelá-laetransformá-laemoutrasmúsicastambém.AmaioriadasmúsicasdosprimeirosdoisdiscosdoSabbathsaiudessasjamsnoStarClub.”

Omomentode inidorque transformouoEarthemBlackSabbath,noentanto,ocorreuumamanhãnasaladeensaioemAston.“Daformacomome lembro”, disse Geezer, “foi que eu estava ouvindo Holst na época, asuítePlanetas, e adorei ‘Marte’.” Ele começou a cantarolar a dramática epesadaestrofedeabertura. “Eeuestava tocandonobaixoumdiaeTonymudou um pouquinho.” Ele cantarolou o riff de introdução do que setornou “Black Sabbath”. “E assim foi. Parece que começou a se comporsozinha.”Foimaisdoqueumsimplesacidente.O riffdistorcidoqueTonycriou pode ter começado como uma emulação da obra de Holst, mas oesqueletodoriff inal—Mi,oitavadeMi,Sibemol—baseava-senoqueospraticantesdemagianegraconhecemcomotrítono,oudiabolus inmusica,o intervalo mais venenoso na música, igualando a meia oitava, queperturbava tanto a ortodoxia da Igreja na Idade Média, que foiinstantaneamentechamadode“intervalodoDiabo”eproibidoemtodososlugares. Tony Iommi sempre a irmou que não sabia nada disso quandotocoupelaprimeira vezna guitarra comumefeito tãodevastador aquele

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dia,masadmitequeelesentiuque“algoestavamelevandoatocarassim”.Otítulo“BlackSabbath”—quenãoapareceemnenhumlugardaletra

e só foi acrescentadomais tarde— foi tirado de um ilme homônimo deMario Bava de 1963, também chamado deAs três máscaras do terror ,estrelado por Boris Karloff. A letra — uma das poucas em que Ozzyparticipou — descrevia uma experiência especialmente “negra” queGeezer tinha tido numa noite recente em seu apartamento, na cama. Eleestava, mais tarde confessou, “estudando coisas de magia negra eocultismonaépoca”.Nãoparticipavaderituaisdeocultismo,masdedicava-se à tendência central da época com seus vários aspectos de misticismohippie, de religiões verdadeiras do Oriente aosmais esotéricos trabalhosdo mais famoso mago inglês depois de Merlin — Aleister Crowley, cujacarreira teveumenorme renascimentono inal dos anos1960, comumaimagemsolenedoocultistachegandoatéacapadoSgt.Pepper,dosBeatles,noanoanterior.

“Eu apenas tinha ummórbido interesse na coisa. Estava lendo todolivroqueencontrava.Haviamuitasrevistasundergroundsobre isso,alémdoqueeucostumavairaLondresno imdesemana,numlugarchamadoMiddleEarth[noporãodeumamansãoemHolborn].Ealiseencontravamos grupos ocultistas— não grupos demúsica, grupos de pessoas. E elescostumavamdistribuirmuitaliteraturaetinhamsuaprópriarevista.Haviauma chamadaMadness&Magic, uma revistamensal que tratava de tudosobremagianegraeeucostumavaleressascoisas.”Descrevendo-secomo“um tipodemaníaco religiosoquandoera criança”,Geezer tinha crescidocolecionando cruci ixos, “imagens [sagradas] e medalhas — queria serpadre… Eu literalmente adorava Deus”. Em comparação com sua estritaeducação católica, o tema do oculto “era realmente intrigante — frutoproibido, esse tipode coisa, e comoumacriança impressionável eu iqueimuitointeressadonisso”.

Noentanto,quandoeleacordounaquelanoiteeviuhorrorizadooquepareciaserumtipodeapariçãodepénabeiradadesuacama—“a igureinblackwhichpointsatme”[uma iguradepretoapontandoparamim]daletra— “aquilome gelou o sangue! Acordei de repente, e lá estava, tipo,essa silhuetaescuraparadanabeiradaminhacama.Eunão tinhausadodrogas nem nada e não tinha bebido naqueles dias. Aquilo me deixou

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absolutamenteaterrorizado.Enaquelaépocaeutinhaumapartamentodeum dormitório, completamente pintado de preto e todas aquelas cruzesinvertidasespalhadaspelo lugar, todosospôsteresdeSatãeesse tipodecoisa.Eaquela igura…Poralgummotivoacheiqueeraoprópriodemônio!E isso me deixou aterrorizado pra caralho. Foi como se aquela coisaestivessedizendoparamim:‘Éhoradedeclararsualealdadeouparardefazermerda!’.Eapartirdaquelemomentoeumeafasteidetudoaquilo”.

Ele icoutãoapavoradoquenãoconseguiudormirorestodanoite.Demanhã, tirou todas as cruzes e os pôsteres emais tarde repintou todo oapartamento de laranja. Também começou a usar uma cruz. Quando,alguns dias depois, Tony transformou a interpretação de “Marte” com obaixo de Geezer em um épico do rock genuíno, as letras que ele e OzzytinhamescritosobreaapariçãodeGeezerseencaixaramperfeitamente;anovamúsica—aprimeiraqueabandacompôsjuntadozero—setornouum aviso contra o satanismo e a adoração do demônio, algo de que elesseriam acusados, ironicamente, de defender, muitas vezes, por paisestressadose ilhosloucos.Ninguémqueouvisseasguitarrasinquietantes,sua base rítmica explosiva, seus vocais trêmulos, precisaria de umaexplicaçãosobreoqueelesestavamfalando.Eles jásabiam.ComoGeezercontou,nomomento“todaacoisadepazeamortinhapassado,aguerradoVietnã estava acontecendo e muitos jovens estavam se interessando portodo tipo de misticismo e ocultismo. Era uma coisa importante na época.Todo mundo estava interessado nisso, lendo sobre isso”. Eles podiam seconectarcomaquilo.

A certeza aconteceu mais tarde, naquele mesmo dia em quecompuseramamúsica,quando tocaramaovivopelaprimeiravezemumpub perto de Lich ield chamado The Poky Hole. “A reação foiabsolutamente incrível. Naqueles dias, quando tocávamos, todo mundoicava no bar bebendo, não prestavam atenção de verdade. Mas nóstocamosamúsicaetodossimplesmente icaramparados…eouvindo.Todoo lugar parecia estar em transe. Terminamos a música e todossimplesmente explodiram, icaram loucos! Não conseguíamos acreditar.Tipo,quemerdaestáacontecendo?Epercebemosentãoquetínhamosalgomuitobomnasmãos.”

Pegandoareaçãoànovamúsicadelescomodica,começaramatentar

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compormaismaterial comessamesmaveiamelancólica. “Gostávamosdecoisas totalmente diferentes, mesmo musicalmente. Eu gostava de FrankZappa e Mothers; Ozzy adorava Beatles. Tony e Bill gostavam de outrascoisastambém.Masumaligaçãocomumquetínhamoseraquegostávamosde ilmedeterrorecoisasde icçãocientí ica.E issosere letiunotipodemúsicaqueiríamosfazer.”Algumasdesuasprimeirastentativas—comoohiper-blues faladode “Wickedworld”—eramboas,mas commuitabasena era do Earth: ritmos piegas repetitivos reavivados pelo brilho daguitarra de Iommi. Algumas delas, no entanto, como a embrionária “Warpigs”,rapidamentesetransformaramemmomentosaindamaiscentraisdoshow.Paracimentaressanovadireçãoqueencontraram,poucassemanasdepois eles também tiveram quemudar o nome da banda—para BlackSabbath.

Eles tinham tentado pensar em um novo nome para eles desde quedescobriram que havia outra banda mais estabelecida no circuito deMidlands chamada Earth. Usar o nome da primeira música que elescompuseram foi uma escolha simbólica. Geezer: “‘Black Sabbath’ era tãodiferente de todo o resto, sabíamos que era o que deveríamos fazer.Colocar também como o nome da banda mudou tudo para nós, da noitepara o dia. Sempre adorei essa música. O único impasse foi todo oproblemacausadocomahistóriademagianegra…”.

Abanda fez suaprimeira apresentação comoBlack Sabbathduranteum show voltando ao Star Club, naquele verão. Agora eles eram umabanda totalmente diferente daquela que tinha lutado para preencherquatro sets por noite, três meses antes. E não era só o nome. Com umnúmero cada vez maior de músicas originais e uma con iança recém-descoberta no talento que ia se desenvolvendo, não era mais o caso deperguntar se eles mereciam estar ali, mas se o Star Club, agora já emprocesso de decadência, era um lugar grande o su iciente para eles.“Éramos como uns piratas fodidos, na época”, disse Ozzy. “A primeiraordemdodiaquandovocêchegavaaoStarCluberaqueprecisavaterumagarota. A razão era que o lugar para dormir era uma merda, então eraprecisoencontraralguémcomumapartamento,sabe?Eeladavacomidaequando ia trabalhar eu icavamexendonas gavetas ou tentavadescobrir

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seelatinhaalgummedidordegásparasabotaroualgoassim.Foramdiasdivertidos.Agentecostumava fumarmaconhae icardoidoo tempotodo,roubarcaixasdecervejadoscaminhõesdeentrega.”Osoutros icavamdeguarda enquanto Ozzy “conseguia coisas roubadas. Eu era o ladrão dogrupo”.

Em casa, Jim Simpson também estava roubando favores de ondeconseguisse. Armado com uma ita cassete recentemente gravada comduas faixas originais — “The rebel” e “Song for Jim”, a última era umhíbrido entre o tipo de blues psicodélico emblemático dos anos 1960 doEarth, repleto de backing vocals agudos, e o tipo de inais intermináveisbarulhentos que se tornariam o som de initivo do Black Sabbath, asparadasde guitarramais tarde reusadas em “Warpigs”; aprimeiraumafaixaleveepegajosaquepoderiatersaídodeumjazzdeCharlieChristiandos anos 1940 —, Simpson usava suas conexões para conseguir doisshows para mostrar a executivos de gravadoras. No maior deles, oMarquee, em Londres, Ozzy entrou com a blusa de um pijama listrado euma torneira amarrada no pescoço; Geezer com uma calça verde-limãocomumapernapreta;Tonycomumajaquetadecamurçadesegundamão;e Bill sem camisa e suado. Nenhum dos executivos e agentes que Jimconseguiuarrastarquiscontratá-los.

Sem opções, Jim usou a ita demo para persuadir um produtorindependentelocalchamadoTonyHallaviraumshow.Hall,quetinhasuaprópria agência, Tony Hall Enterprises, icou impressionado o su icienteparaoferecerseusserviçosnatentativadeconseguirumagravadora.“Euacheiqueeleseramumaótimabandadeblues”,Hallcontariamaistarde,“quatro bonsmúsicos quemereciam gravar. Eu teria tentado um acordocomo Earth, [mas] eles foram para a Alemanha e voltaram como BlackSabbath.” Por enquanto, não importava como eles se chamavam, com asgravadorasdeLondresmaisfocadas,nesseanode1969,emencontrar“osnovosBeatles”doquecontratarumabandadecididamentenãocomercial— leia-se: sem ternenhumsingleóbvio—comooBlackSabbath.Hall serecusouaaceitaraderrotaeofereceuum“empréstimo”aJimSimpsondequinhentas libras— e o trabalho de um jovem produtor que ele estavagerenciando, chamadoRodgerBain—para gravar umdisco do Sabbath,que eles então “venderiam” para asmajors. A banda icou sabendo disso

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graçasauma ligaçãotelefônicadeSimpsona Iomminamanhãdapartidaparaalguns showsnaDinamarca. “Agenteestava saindodeBirminghamemuma velha caminhonete. O empresário, Jim Simpson, disse: ‘Oh, vocêsprecisam ir até este endereço e gravarumasmúsicas’. E a gentepensou,ah,tudobem.”AochegarnoRegentSoundStudios,umestúdiomono,comcaixas de ovos no teto funcionando como isolamento, onde os Stonestinhamgravadoalgunsdeseusprimeirosdiscos,naTottenhamCourtRoaddeLondres,elescomeçaramagravarseushowaovivoemduasmesasdequatrocanais—aúnicaconcessãodoestúdioparaa“moderna”tecnologiade gravação. Bain, um engenheiro experiente que assumiu a função defazer esses diamantes brutos soarem razoavelmente convincentes, deutodasas instruçõesaeles—ondecolocarosmicrofones,quandoumtakeestavabom—baseando-semaisemsuaexperiênciadoqueemqualquerconexão real comamúsicadabanda.Mas foiBainquemacrescentouumtoque inalnotávelàmixagem,dandoumarsinistroaodisco,comachuvae os sinos de igreja que abrem o álbum. “Nós entramos”, disse Ozzy,“tocamos e doze horas depois voltamos a subir na caminhonete,guardamososequipamentoseseguimosviagem…”

Enquanto o Sabbath estava perambulandopela Europa, Jim Simpsoncomeçou a rodar os selos de Londres de novo e, como contou, “recebeuoutros catorze nãos. Eu estava muito entusiasmado — eles estavamloucamente entediados”. Tony Hall achou que tinha encontrado petróleoquando persuadiu o selo Fontana a contratar a banda— por um single.Subsidiária da Philips holandesa, a Fontana era especializada em discosinovadoresdeartistassemcredibilidaderealcomoDaveDee,Dozy,Beaky,Mick&Tich,cuja “LegendofXanadu” tinhachegadoaoprimeiro lugarnoano anterior, e The Troggs, cujo maior sucesso, “Wild thing”, tinha saídotrês anos antes. O melhor que a Fontana tinha conseguido no tempo doSabbatheraterlançado“Jet’aime…moinonplus”,deSergeGainsbourgeJaneBirkin,quechegouaoprimeirolugar,apesardeserbanidapelaBBC.SeminteresseemlançarumdiscocompletodoSabbath,aFontanasugeriuque o grupo gravasse um cover de uma música que tinha acabado dechegar ao Top 40 dos Estados Unidos chamada “Evil woman (Don’t youplay your games with me)”, escrita e gravada por uma banda deMinneapolis chamada Crow. Tony e Geezer icaram chocados com a

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sugestão, vendo isso como “vender-se”.Mas Jimos convenceudequeeramaisumdegraunaescada,eassim,naqueledia,elesincluíram,relutantes,amúsicanoRegentSound.

Elespodemnãotergostadodamúsica,masofatoéqueterumacordocomaFontana levououtrasubsidiáriadaPhilips—oselorecém-lançadoVertigo—aouvir“Evilwoman”.Impressionadoscomosomdodisco—ossoprosdooriginal substituídospela novaGibson SGpesadade Iommi—,eles quiseram conhecer mais sobre essa banda britânica aindadesconhecida e acabaram descobrindo que eles tinham todo um disco jápronto.QuandoJimSimpsonapareceunoescritóriodeLondresparatocarodisco,comsuacostumeiraamabilidade,aequipebarbudaemaconheirada Vertigo não conseguia acreditar em sua sorte. Lançado antes naqueleano,paracompetirdiretamentecomorecém-lançadoseloHarvest,daEMI—montadoespeci icamenteparapromoverapróximaondadegruposderock“progressivos”emaisvoltadosparaagravaçãodediscos—,aVertigojá tinha lançado em 1969 os álbuns de estreia do Colosseum, Juicy Lucy,ManfredManneRodStewart.Todostinhamenvolvidogastossubstanciais.Com o disco do Sabbath já gravado e pago, a ideia de simplesmentedistribuí-loseencaixavamuitobemnosobjetivosmodestosdaVertigo.JimSimpson conseguiu um acordo. Ele saiu correndo da reunião para otelefonemaispróximoeligouparaTonyIommicomaboanotícia.

A verdadeira surpresa aconteceu no Natal, quando Jim Simpsonchamou-os até sua casa para ver a capa do novo disco. Ozzy achou queteria fotosdelesna capa, “comoosBeatles”.MaseledeuumaboaolhadanaagorafamosarepresentaçãodoMapledurhamWatermill—ummoinhohistóricodaépocadoDomesdayBook,situadonasmargensdorioTamisaemOxfordshire,noqualosdesignersdaVertigotinhamposicionadosobreuma “ igura de preto”. Ozzy gritou de alegria. “Eu olhei a capa e adorei,com a mulher na frente, tudo preto no meio. Apesar de nunca ter lidoaquelepoema,acheimatador,sabe?”

Opoemafoiincluídonointeriordacapa,dentrodeumacruzinvertida—outracoisaacrescentadanopacotepelagravadora,queabandaestavadescobrindonaquelemomento.Escritoespeci icamentepensandonacapa,ele começa assim: “Still falls the rain, the veils of darkness shroud theblackened trees, which contorted by some unseen violence, shed their

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tired leaves…” [Ainda cai a chuva, o véu da escuridão cobre as árvoresenegrecidas, que contorcidas por alguma violência invisível deixam cairsuasfolhascansadas…].Eterminaassim:“…bythelakeayounggirlwaits,unseeing she believes herself unseen, she smiles, faintly at the distanttolling bell, and the still falling rain” [… perto do lago uma jovem espera,semvernadaelaacreditaserinvisível,elasorri,fraca,paraosinotocandoaolonge,eachuvaquecontinuaacair].EntãoJimcolocouoLPnavitrolaeeles icaramaindamaisencantadosquandocomeçoucomosomdeventoetrovões,umsinodeigrejatristenofundo,antesdaguitarradeTonyentrarcomo um machado. Ozzy icou doido: “Eu estava, tipo, uau! Pink Floyd,afinal!”.

O que nenhum deles poderia imaginar era que o disco — umasurpresaquandoouviampelaprimeiravez—estavadestinadoasetornarumdosmais in luentesálbunsderockde todosos tempos.Apesarde terrecebido poucos elogios da crítica na época,Black Sabbath — como elestinham decidido chamar o disco, seguindo a moda da época, à laLedZeppelin eDeep Purple, os dois lançados naquele mesmo ano — seriacitado, nas décadas seguintes, como a base de tudo que viria e seriaconhecidocomoheavymetal.DeartistaspioneiroscomoMetallica—“SemBlackSabbath,nãohaveriaMetallica”,comoLarsUlrichmedisseumavez—eNirvana,queKurtCobain caracterizava como “umcruzamentoentreBlack Sabbath e Beatles”, a imitadores com estilo próprio como MarilynMansoneHenryRollins.Comotempo,atéestrelasdehip-hopprocurandosubir na escala de autenticidade como Ice T, Busta Rhymes e o falecidoODB (Ol Dirty Bastard) iriam elogiar Black Sabbath, no palco, ementrevistas e até em discos. O que o Sabbath conseguiu fazer em seuprimeirodisconãoera sópesado, eramonumental; algo totalmentenovo.Tão diferente do que tinha sido feito que se tornaria os Manuscritos doMarMortodorockpesadoedoheavymetal.

Assim como a monolítica faixa-título, havia outros momentosigualmente incríveis como “Behind thewall of sleep”, título tirado de umconto de H. P. Lovecraft que falava sobre Joe Slater, paciente de umhospitalpsiquiátricoqueselevantavadacamapara“soarthroughabyssesof emptiness burning every obstacle that stood in hisway” [pairar sobreabismos de vazio queimando todo obstáculo que estivesse no seu

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caminho];seurifftempestuosotiradodiretodaveia.Abandamostrousuaverdadeiraversatilidadeno inal,quandoabateriadeBillWardascendeuatéumavibraçãoprofundadaCostaOesteantesdeobaixodominarcomumsolo chamado “Bassically”na futura versãonorte-americanadodisco,mas aqui no original apresentado mais opacamente como uma transiçãoaté o começo de outra faixa central do disco, “N.I.B.”. Praticamente ummodeloparaoqueorockpesadofarianocomeçodosanos1970,amúsicafoimontada ao redor de um tipo de ritmo de blues pesado que era umamarca do Cream, contrapondo-se com longos solos improvisados.Conhecidoduranteanoscomoumaabreviaçãopara“Nativity inBlack”,naverdade“N.I.B.”eraumtítulotipicamenteprovisórioparaumamúsicaquefalava sobre o amor do demônio por uma garota mortal, que a bandaapelidou de “Nib” [ponta], um dos muitos apelidos que usavam, nemsempredeformaafetuosa,paraopobreBillWard—nestecasoporcausada ponta de sua enorme barba. “Parecia a ponta de uma caneta, então agenteochamavade ‘Nib’”,riGeezer.“Eusócoloqueipontosparaparecermais misterioso…” A música em si não demonstra esse humor. “É nossaporrada contramúsicas de amor. A gente odiava ouvirmúsicas de amor,entãoacheiquedeveriaescreverumamúsicadeamorsatânico.Afrase‘I’llgiveyouthemoonandthestars’[Voutedaraluaeasestrelas]eraamaiorformadecantada,porqueodemôniopoderiarealmentefazerisso.”

A mais impressionante de todas, talvez, era “Sleeping village”, quecomeça comumminuto de um violão sinistro e o que parece uma harpajudaica metálica, enquanto Ozzy canta lamentando sobre um “Red sunrising in the sky…” [Sol vermelho subindo no céu…] e a vila que vaiacordando sob raios tóxicos. Então o silêncio, e em seguida a faixarecomeça com uma das guitarras de Iommi liderando a banda numinstrumental de três partes diferentes, do lúgubre ao inal num estilodervixe, antesde arrastar tudode volta à transição com feedbackpara apróxima faixa, talvezamaiordemonstraçãodopoderde fogodoSabbath,“Thewarning”.TendousadoaversãodelesdafaixadeAynsleyDunbar—tocadaatéamortenosclubespormaisdeumano—comoplataformadelançamento de praticamente toda música de seu repertório, aqui,inalmente, na última faixa do disco de estreia, chegamos ao coraçãoamargo do som essencial do Sabbath, como tinha sido criado em 1969.

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Mais lenta, in initamentemais agourenta do que o original do Retaliationde dois anosantes, também era quase cinco vezes mais longa. Os anos1960 foram a era dourada de artistas de rock pegando materiaisexistentesereinventandocomopróprios—daversãodeJoeCockerpara“Withalittlehelpfrommyfriends”dosBeatlesàversãolevanta-poeiradeJimiHendrix para “All along thewatchtower” deBobDylan.Mas o que oSabbathfezcom“Thewarning”foimaisdoquedarumnovosoprodevidaaumavelhamúsica;foicomorecon igurartodoouniversodorockpesadoe do heavy metal: de compor sua própria introdução de quase quatrominutos, em “Sleeping village”, até chegar ao ponto em que a versãooriginaldesapareciasurgindoumnovohorizontecheiodenuvens,emqueTony,GeezereBillpareciamserevezarparaumsuperarooutronossolosimprovisados. Ouvidos separadamente, os oito minutos inais de “Thewarning”poderiamserumjazzimprovisadonasmesmaslinhasqueMilesDavis tambémestava começando a explorar nas sessões que resultariamnoálbumBitchesbrew .Sóqueelesnãoeramanatados jazzistasdeNovaYork correndo para chegar à frente — eram “os quatro bostas deBirmigham”, como diria Ozzy, tocando o que vinha à cabeça sem queninguém conseguissepará-los, nemoprodutorRodgerBain, quedesistiude fazer o sinal de tempo depois da primeira meia hora, deixando queTonysolassepormaisdezoitominutos.Quandoterminou,abandanemsecumprimentou. Eles simplesmente guardaram o equipamento e foramembora, como se tivessem icado com vergonha da bagunça que tinhamdeixadonoestúdio.

Até os momentos mais leves do disco — como “The wizard”, umrhythm-and-blues psicodélico em staccato, ainda dos dias do Earth, comOzzy tocando uma gaita que parece uma sirene, e uma letra de Geezerbaseada em suaultraindulgência em J. R. R. Tolkien, comGandalf comoomagoemquestão;e“Evilwoman”,quetinhasidoumfracassocomosingle,mas foi incluída aqui para tentar tirar algum dinheiro da Fontana naimprovávelhipótesedealguémcomprarodisco—aindaseparecemcomalgodiferente;algo,sim,maispesado.Baindemorouodiaseguinteinteiroparaeditaremixaroqueelestinhamfeitoatéchegaraoquesetornouodisco inalizado. Ele conseguiu fazer tudo tão bem que até a últimaexplosãoderuídoqueencerrouoladoAtambémfechouoladoB.

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Se os quatro membros da banda tinham icado espantados quandoinalmente receberamoprimeirodiscoeoouviram, tomaramumchoqueaindamaiordepois.Lançadonumasexta-feira,13defevereirode1970—umgolpe demarketing que ninguémna época percebeu,mas que desdeentão foi comentado como se a data realmente fosse um presságio —,BlackSabbathentroudiretoparaasparadasdoReinoUnidoem28 o lugar.Aindanãohaviaaparecidonenhumaresenhasobreodisco,esótinhasidoouvido na rádio britânica por cortesia daquele adepto do underground,John Peel, portanto quase ninguém ao sul de Birmingham tinha ouvidofalar na banda. Mas com a força dos fãs em todos os lugares menosLondres numa época em que as vendas dos discos tinham, de repente,superado a dos singles, o Black Sabbath tinha quase por acidente seposicionado na vanguarda de uma plateia de rock emergente que sócomprava bandas “voltadas a produzir discos”. O Led Zeppelin tinhadesfrutado um sucesso parecido exatamente um ano antes, assim comoaconteceriacomoUriahHeepalgunsmesesdepoisdodiscodoSabbath.Aimprensamusical damoda foi pega desprevenida— e nunca realmenteperdoaria essasbandaspor colocá-losnessaposição. Seos fãsque iamaseusshowsnaMidlandseemoutraspartesestavamnafrentedamídiadeLondres, deveria ser porque as próprias bandas não valiam nada. Assimeraa lógicadistorcidadeles.Enquanto isso,oBlackSabbathcontinuariaavender,ederepenteosshowsdelesestavamficandomaiores.

“Jim Simpsonme ligounanoite anterior emeperguntou se eu tinhaouvido a notícia”, disse Ozzy. “Eu digo: ‘Que notícia?’. E ele: ‘O disco devocês entrou nas paradas britânicas!’. Eu: ‘Vai se foder!’.” Ozzy icouacordadoanoitetodaesperandoparacomprarasrevistasdemúsicaquetraziamasparadasnacionais.“Eraumaquartaànoite,eaMelodyMakereaNME saíamnaquintaeeunãoconseguidormirporque tinhaqueveracoisaimpressa,eapartirdasseisdamanhã,acadaminutoeufalava:‘Seráqueasrevistasjáchegaram?’.Quando inalmentechegaram,meusjoelhostremiam e eu me sentei na porta de casa e lá estava, na revista, ‘BlackSabbath, novidade…’. Não tinha palavras, não conseguia acreditar! E apartirdaquelemomento,minhavidadecoloucomoumfoguete!”

Geezer, que parece não ter lido as mesmas revistas de música queOzzy, tem outra lembrança de como icou sabendo que o disco tinha

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chegadoaoTop30: “Eume lembroatéhojedaprimeiravezqueouvimosno rádio. Estávamos indo de carro para um show no ManchesterPolytechnic e, naqueles dias, as paradas de discos costumavam aparecerna Radio One nos sábados à tarde, e a gente sempre costumava ouvir.Então estávamos na caminhonete e o apresentador fala: ‘E em 28o lugardesta semana, Black Sabbath!’. E a gente gritou: ‘OQUÊ?!?’. Todos quasemorreram. Não conseguíamos acreditar! Ficamos chocados, ouvindo orádioenquantoíamosparaManchester!”.

Empoucassemanas,BlackSabbathtinhachegadoaooitavolugar.Masseabandae seus seguidores icaramencantados, a imprensamusicaldeLondres icouconfusa,emalgunscasosatéhostil.“AimprensadeLondressimplesmente nos odiou quando estouramos”, conta Geezer, “porquenunca tinham escrito nada sobre nós, não nos conheciam. Quando nossodisco, na primeira semana, entrou direto nas paradas, a imprensa deLondres icou perdida, queriam saber, que merda era isso? E eles nosodiaramdesdeentão.”

Nãototalmente.OInternationalTimes,naépocaarevistamaisfamosade música e cultura, embora não tenha dado bola à “conversa iada daVertigo sobre o interesse da banda em magia negra”, como escreveu oresenhista Mark Williams, que chamou a banda com certa verdade de“hype, sem acrescentar nada à plasticidade inicial do produto inal”,concluiu, no entanto, que “o Black Sabbath encontrou uma fórmulabastantesimplescomlinhasmelódicasdiretasecontrapontos,acrescentoumuitopeso e fogo e executa tudo isso comexcelênciamusical (a guitarradeTommy Iommimerecemençãoespecial) egarra compulsiva”.Abandagostou, mas ingiu que não gostou, não enquanto o sucesso continuoucrescendo e os shows de cinco libras passaram a vinte libras por noite.Elessouberamquetinhamconseguido,contouGeezer,quandoapareceramparaumshownoTheBoatClub,emNottingham,emmarço, “e chegamosalinumcarroemvezdacaminhonete,eencontramosumpoucodehaxixenocamarim.Foi,tipo:‘Oba!Istosimqueévida!’”.

No verão, os shows de vinte libras por noite tinham chegado a cem.Issofoiconseguidosemsingles,semuminteressesustentadodaimprensamusical, pouquíssima exposição no rádio e nenhuma aparição na TV, sócomuma inacamadadeautoestimaentreeles.Avelocidadedaascensão

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foi tão incrível que os deixou ansiosos. Quando assumiram o nome BlackSabbath e sua identidade musical, a reação aos seus primeiros showssempre tinha sido positiva. Mas não tanto que os preparasse para avelocidadecomque icariamconhecidosdepoisdolançamentododiscodeestreia.ComocontouBill:“Fiqueisurpreso,poisestavaacostumadoavivernessa mentalidade de ‘nada vai dar certo’, sabe? Estava acostumado aviver na linha de pobreza, como todos. Foi maravilhoso, mas totalmenteinesperado”.

“Foi absolutamente incrível”, disse Tony, ainda sorrindo com alembrança, tantas décadas depois. “Todo mundo icou tão animado comtudo.Eupessoalmente iqueimuito louco com tudo, sabe, porque foi umaconquista tão importante, algo que a gente nunca pensou que iriaacontecer. E você não pode se esquecer que naquela época todomundonos odiava, então não aparecíamos na imprensa. Não sei por quê.Provavelmenteporqueéramosdiferentesnaépoca,acho.E, talvez,hum…talveznãofôssemossofisticadososuficiente,nãosei.”

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Três

Osquetrazemaguerra

O NOME BLACK SABBATH pode não ter signi icado nada antes de o discohomônimo explodir como um convidado inesperado batendo na porta doTop10,mas agora, no entanto, naprimaverade1970, o restodomundoestavacorrendoatrásdotempoperdido.Empoucassemanas,JimSimpsontinhasidocontatadopeloentãovice-presidenteexecutivodaWarnerBros.Records, Joe Smith, para conversar sobre o lançamento do disco BlackSabbath naAméricadoNorte. Smith, umex-chefedepromoçõesdeNovaYork muito falante, tinha estado à frente das recentes tentativas daempresa de deixar seu catálogo mais contemporâneo. Como um ramomusical da Warner Bros. Pictures, a Warner Bros. Records tinhadesfrutadodeumconsiderávelsucessonosEstadosUnidosnocomeçodosanos1960combandascomoPetulaClark,EverlyBrothersePeter,Paul&Mary. No entanto, só quando Smith se tornou chefe de A&R, em 1967, oselo começou a lançar a nova safra de artistas da “geração cabeluda”voltadaparadiscos.SeuprimeirosucessofoicontratarTheGratefulDead,cujoprimeiro álbum,homônimo, chegou a discode ouro.Mas as relaçõesde Smith comoDead nunca foram tranquilas. Quando, logo depois de setornarvice-presidentedaempresa,SmithfezumdiscursonumafestaparaabandaemSãoFrancisco,noqual anunciava “queeraumahonrapoderapresentar The Grateful Dead e suamúsica aomundo”, o líder do Dead,JerryGarcia,brincou,sarcástico: “SóquerodizerqueéumahonraparaoTheGratefulDeadapresentaraWarnerBros.Recordsaomundo”.Quandoo segundo disco do Dead,Anthem of the sun , consumiumais de 100mildólares e seis meses para ser feito, depois não conseguiu entrar nasparadas dos Estados Unidos, Smith lavou as mãos. Quando seu próximogrande projeto, VanMorrison, cujo primeiro disco para aWarner, Astralweeks, gravado em apenas três dias, foi aclamado como um clássico evendeu centenas de milhares de cópias, Smith sentiu que sabia comoavançar: bandas baratas do Reino Unido procurando fazer sucesso nos

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EstadosUnidosedispostasatrabalharduroparaconseguir.Umaideiaquefoi reforçada quando o disco seguinte de Morrison,Moondance, gravadotambém de forma relativamente rápida e barata, chegou ao Top 30 dosEstadosUnidoseterminouvendendomais3milhõesdecópias.

Foi enquanto se deleitava com o sucesso crítico e comercial deMoondance, emmarço de 1970, que Smith, folheando a revista britânicaMusicWeek,viuasparadaseencontrouumgrupoquenuncatinhaouvidofalarchegandoaoTop10:BlackSabbath.Elepegouotelefoneecomeçouafazer algumas ligações. Ao descobrir que a banda não tinha contrato nosEstadosUnidos,nemumempresáriopeso-pesadoportrás,Smithpulouemcima, oferecendo a Simpson um acordo totalmente favorável à Warner:quer dizer, um modesto adiantamento em dinheiro com um “contrato-padrão” de royalties (raramente mais do que uns poucos centavos porvendadedisco).OúnicopedidodeSmith,emtermosmusicais,foique“Evilwoman” fosse omitida da versão norte-americana do disco, pois era umamúsicamuitoconhecidae,Smithestavacerto,poucorepresentativadosomdo Sabbath. No lugar entrou uma faixa gravada em Londres na sessãooriginal, mas que tinha sido deixada de fora, “Wicked world”. Uma dasmuitasmúsicas que a banda tinha composto enquanto estavam “deitadosnochãodoestúdiofumandomaconhaeouvindoLedZeppelin”,deacordocom Geezer, eles icaram muito felizes por substituir no disco norte-americano“Evilwoman”,queodiavam.

AúnicaoutramudançanaversãodaWarnerBros.de Black Sabbathfoi na forma como as faixas eram listadas no selo e na capa. Preocupadocomapossibilidadedealgumsingleserlançadoantesdodisco,Smithtevea ideia de dividir as faixas mais longas, no título pelo menos, parapareceremmais facilmente acessíveis para a rádio norte-americana— efazercomquepotenciaiscompradoressentissemqueestavamrecebendomaispeloseudinheiro.Novamenteabanda,felizapenasporterumdiscolançadonosEstadosUnidos,aceitoutudo,apesardeaescolhadetítulosterre letidopoucoaseriedadedopedidodeSmith.Assim,“Behindthewallofsleep” foi listada como duas faixas; sua versão acústica bruxuleanterecebeuonomede“Wasp”.AintroduçãodequarentasegundosdeGeezerem “N.I.B.” se tornou “Bassically”. Damesma forma, as faixas centrais dolado B, “Sleeping village” e “The warning”, agora apareciam unidas pela

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recém-criadaintrodução“Abitoffinger”.“Aindaestávamosvivendonacaminhonete,entãonãoimportoumuito

na época”, lembra-seOzzy. Quando, no entanto, BlackSabbath foi lançadonos Estados Unidos em junho de 1970 e começou a subir nas paradasquase instantaneamente, Jim icou louco para contar as novidades aosgarotos.“Ficamostotalmenteembasbacados!”NãotantoquantoorestodaindústriamusicalbritânicaemLondres,cujosprincipaismembrosestavamagora começando a levar a sério o nome Black Sabbath. “Ninguém tinhaideiadequemeleseram”,ofuturoempresário,DonArden, iriamecontaranosmais tarde.O autointituladoAlCaponedoPop, comoamanchetedomais difamatório tabloide da Grã-Bretanha, oNews of the World , odescreveu em 1969, era então o mais conhecido empreendedor nomercado de Londres. Vindo dos musicais de teatro de Manchester efanáticoporfitness,Arden—queseformounosanos1950esetornouumpromotor de eventos, conseguindo organizar os shows das novas bandasde rock ‘n’ roll dos Estados Unidos comoBill Haley e Jerry Lee Lewis—tinha rapidamente expandido seu negócio nos anos 1960 e se tornadoempresário, agente e, eventualmente, até chefe de gravadora commuitosartistas internacionais, começando com Little Richard e Gene Vincent, epassadoasupervisionaracarreiradosTheAnimal,NashvilleTeens,AmenCorner,SmallFaceseTheMove.

Omodus operandi de Don, ele me explicou, era “subir no primeiroround e dar uma surra no outro cara”. Isso terminou em algumasaventurasinfamesque,desdeentão,setornarampartedofolcloredorock,como quando ele pendurou o empresário pop Robert Stigwood de umavaranda, ameaçando derrubá-lo por ousar tentar roubar o Small Facesdele; passando por ocasiões menos conhecidas, mas igualmenteperturbadoras, como a vez em que segurou o ex-empresário do Move,CliffordDavis,comumamãoenquantoapagavaseucharutonorostodelecom a outra. Como quando Don avisou ao repórter investigativo RogerCook, que o enfrentou num documentário para a rádio de 1979: “Euderrubovocêcomumamãoamarradanabunda”.

Quando o Black Sabbath entrou no radar de Arden, em 1970, Donestavanomeioda“persuasão”daCapitolRecordsparagastarfortunasnomarketingepromoçãododiscodeestreia, Scorch,deoutradesuasbandas

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estáveis,chamadaJudasJump.Formadaporex-membrosdaAmenCornereTheHerd, comomesmo tipodemisturademúsicauniversitária e rockprogressivoqueestava indobemcombandascomoDeepPurplee JethroTull.Atéentão,noentanto,nenhumcharuto.QuandoDonviuoutrogrupocomquase omesmomodelomusical, o Black Sabbath, pular nas paradassem nenhuma promoção, ele olhou com uma inveja frustrada. Quando abanda voltou a tocar em Londres, no Marquee, em maio, ele estava ali,assimcomováriosoutros igurõesdomercadomusical.Seguindoseulemade“chegarnoprimeiroround”,Donsemoveurápido,falandoabertamenteatodosquepodiamouvirque“abandaeraumacompletaperdadetempo,eles não tinham nenhuma chance”, enquanto se posicionava perto daentradadocamarimparagarantirqueseriaoprimeiroacumprimentá-losquando eles saíssem do palco aquela noite. Eleme contou: “Ozzy pareciaum louco genuíno, nunca parava de se mexer, nunca parava de secomunicarcomaplateia,incitandotodomundo.Elepodenãoseromelhorvocalistadomundo,mascomoartistatinhatudo.DecidinaquelemomentoqueoBlackSabbathseriaminhapróximacontratação”.

No pequeno camarim do Marquee, Don se apresentou anunciando:“Vocês são superestrelas e eu vou ganhar um milhão de dólares paravocês”. Mas a banda olhou incrédula. “Eles eram apenas garotos pobresquenuncatinhamvistoumanotadedezlibras,muitomenosummilhãodedólares, e eu os assustei de verdade.”Mesmo assim, Don insistiu que sereunissemcomeleemseuescritórionodia seguinte.Ali, esperandoparamostraroescritóriodeDon,estavasua ilhadedezoitoanos,Sharon,umajovemque, apesar de ninguém imaginar, teria umprofundo e duradouroimpactonavidaenacarreiradetodoseles.

Na gíria do showbusiness, SharonArden tinha nascido “comamalanamão”—viajavadesdecedo.A ilhamaisnovadepro issionaisdoshowbusiness— suamãe, Hope, também conhecida como Paddles, tinha sidodançarina na Irlanda antes da guerra, com o nome artístico de PaddyO’Shea;seupai,Don(nomeverdadeiro:HarryLevy),naépocaestrelavaoprograma de TVBlack &White Minstrels —, suas primeiras lembrançasenvolviamvárioshotéiseestaçõesdetrem,comospaisindodeumshowaoutro.Nascidaem1952,Sharoneramimadapelopai.Mas,apesardeseuirmãomais velho, David, ter passado a vida toda trabalhando com o pai,

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SharoneramuitoparecidacomDonparareceberordenspormuitotempo.Educadaemcolégiosparticulares,mais tardeentrandonaescoladeartesItalia Conte, ela queria ser dançarina, como a mãe. Mas, assim como océrebro e o temperamento, Sharon também tinha herdado as pernascurtas do pai, e na puberdade viu seus sonhos desaparecerem enquantosetornavaumacomedoracompulsiva,ganhandoopesoqueelapassariaoresto de sua vida lutando para perder. “Bolo, fritura, qualquer coisa.Semprequesentiaumpoucodemedo,eucomia”,elaselembra.

Don, cuja carreira como artista “tinha tido altos e baixos como umatampa de privada” — era a atração principal do Palladium de Londresnum ano, abria uma pousada para artistas de variedade viajantes noseguinte—,acreditavaque“dinheirocriadinheiro”.Nãobastavaserbem-sucedido, era preciso também que os outros notassem o seu sucesso.Quandoelesetornouoempreendedormaisfamosodomercadomusical—umtipodeSimonCowelldosanos1960,masquegostavadelevararmasareuniões—, passou a insistir que ele e Hope estivessem sempre com asroupas e as joias mais caras, que seus ilhos chegassem e saíssem daescolaemumdostrêsRolls-Roycesdafamília,equeelessócomessemnosrestaurantes mais exclusivos. Não era incomum que gastasse váriosmilharesdelibrasemumaextravagância—talvezumapeçademobiliárioantigo ou um quadro— e desse tudo que seus ilhos quisessem. David,comdezessete anos, tinha a permissãode organizar festas extravagantesem sua casa para todos os seus amigosmenos afortunados e tinha umaconta para jogar com um bookmaker. Sharon também convidava seusamigosdeescolaparaamansãoda família,ondeela faziaquestãode sersempreagarotamaisbemvestidaemaisnamoda.

Depois da escola e de algumas poucas tentativas de conseguir “umemprego de verdade”, ela seguiu David e foi trabalhar com o pai,começando como recepcionista no escritório deMayfair. Ela tinhadezoitoanos, era aparentemente inteligente e falante, mas no íntimo insegura efácil de magoar. Seu primeiro encontro sexual — com o jovem e bonitoguitarrista de uma das bandas de Don— a engravidara. Amãe, furiosa,mandouque ela “se livrassedaquilo”.Dandoonomedeuma clínica localde aborto, ela a mandou sozinha para lá no dia seguinte. “Eu estavaaterrorizada”, disse Sharon. “A recepção estava cheia de outras jovens,

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todas estávamos aterrorizadas, icávamos olhando uma para a outra eninguémconseguiaabriraboca.Eumearrasteiparaláefoihorrível.Foiapiorcoisaquejáfiz.”

Jogando-sedecabeçanonovoempregonoescritóriodopai,elatinhaidocomeleaoshowdoBlackSabbathnoMarquee.“Eupensei:‘Quemerdaé essa?’. Era diferente de tudo.” Quando a banda apareceu em CurzonStreetnodia seguinte, elapraticamenteseescondeudeles. “Eusabiaqueeles eram bons porque tinha visto o show noMarquee,mas pensei que,pessoalmente, eram uns hippies fedidos”, ela me contou. “Lembro quetodossesentaramnochão fumandoe tinhamcabelocomprido.Euestavamais acostumada ao tipo de artista norte-americano bem cuidado comquem meu pai se relacionava. Esses caras me pareciam uns doidos! Aúnica coisa que me chamou a atenção em Ozzy foi que ele parecia umdoidovarrido,eurealmenteacheiqueelefosselunáticooualgoassim.”

No entanto, alguns meses depois, Sharon conheceu Ozzy melhor,quandoseencontraramnafestadeAno-Novo,emLondres,nacasadeumdosnovosempresáriosdoSabbath,PatrickMeehanJunior.Aindacautelosacomessebandidinhoderoupaestranha,elasesurpreendeuaodescobrirqueeleeratímidoe,naverdade,muitoengraçado.Depoisdetomarmuitochampanheededesfrutaremacompanhiaumdooutro,houveumaclaraquímicasexualentreeles.Sóhaviaumproblema:paraoingênuonativodeBirmingham,aindacomumsaláriosemanal,apesardoestrondososucessoda banda, uma garota como Sharon — ilha nada menos do que doassustador Don Arden — estava muito acima de suas possibilidades e,mesmobêbado,elesabiadisso.ParaaobesaSharon,cujanecessidadedeaprovaçãodosexoopostoeraaindamaisfortedoqueadeOzzy,haviaummotivomais claropelo qual eles nãodeveriam icar juntos: ela sabia queOzzy tinha uma noiva em Birmingham chamada Thelma Mayfair. Ozzy aconheceranumclubedeBirminghamondeelatrabalhavacomoatendentedo vestiário, e eles tinham icado juntos desde então e iam se casarnaquele mesmo ano. Pior ainda, Thelma já tinha um ilho de cinco anos,Elliot,deumcasamentoanterior,eSharonnãoquissemeternessecampominado. Convencida de que Ozzy a via puramente como algo passageiro,ela não ia seguir com isso, não importava o quanto ele a izesse rir.Demoraria outros três anos para o caminho deles se cruzar de novo, e

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nessemomentosuasvidastinhammudadodrasticamente.

OquenemDonnemSharonArdensabiamnoverãode1970eraquedois dos assistentesmais con iáveis de Don, PatrickMeehan eWilf Pine,estavamconspirandopararoubaroBlackSabbathnãosódeJimSimpson,masdopróprioDon.Estenuncaosperdoariaporisso—nemasimesmopornãotervistoatempo.EMeehanouPinetampoucofacilitaramsuavida.Tendo aprendido com o mestre, os dois izeram suas jogadas paracontrolar o Sabbath o mais escondido possível. Meehan foi a primeiro asair, anunciando sua “aposentadoria” do mercado. Como Patrick já tinhacinquenta anos — ancião pelos padrões do mercado musical dos anos1970 —, Don não icou surpreso. Quando, apenas algumas semanasdepois,noentanto,WilfPine tambémanunciousuasaída, as suspeitasdeDon começaram a crescer. Wilf Pine “tinha alguns bons rapazestrabalhando para ele— personagens como Canadian Dave, Jinksy e BigArnie”. Don havia cuidado deles por anos, colocando-os nos melhoresquartos de seu antigo escritório em Denmark Street, pagado um salárionosbonsenosmausmomentos.OndeelesestariamsenãofosseporDon?E por que fazer isso agora, quando as coisas estavam indo tão bem? Elelogotevesuaresposta.

Enquanto isso, os quatro membros do Black Sabbath estavampassando por seus próprios problemas. Lançado na primeira semana dejunho,odiscoBlackSabbathrepetiuseuincrívelsucessonaGrã-Bretanha,indodiretoparaoTop30dosEstadosUnidos,onde icouporváriosmeses,chegando ao 23o lugar. Joe Smith da Warner Bros. icou extasiado e deimediato fez comque abanda assinasse comomaior agentedosEstadosUnidos,FrankBarsalona,querecentementetinhasupervisionadooincrívelpioneirismo do Led Zeppelin. Dezesseis shows foram rapidamenteorganizados, começando com três aparições consecutivas em julho noprestigioso Fillmore West, em São Francisco, o mesmo lugar onde oZeppelin tinha deixado sua marca no início de turnê no ano anterior. Abanda já estava pronta para ir ao aeroporto de Heathrow em LondresquandoJimSimpsonrecebeuumaligaçãotardedanoitedoestressadoJoeSmith. A turnê norte-americana estava cancelada. Não por causa de faltadevendade ingressos,comopoderia tersidoesperado—naverdade,as

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entradasdetodasastrêsdatasdoFillmorehaviamseesgotadoassimquecomeçaramasvendas—,masporqueaWarnerBros. temiaumdesastrede relações-públicas depois de notarem que os shows do Sabbath iriamcoincidircomoiníciodojulgamentodeumsatanistarealchamadoCharlesManson.

No inal,condenadopelosmúltiplosassassinatosdaatrizSharonTate,esposa de Roman Polanksi, e vários outros, em duas noites de agosto de1969, Manson e seus seguidores psicóticos tinham ganhado váriasmanchetes em todo o mundo, não só pelos assassinatos aparentementedesmotivados, mas pelo modo abominável como tinham sido cometidos.Tate, então grávida de oito meses e meio, foi esfaqueada no estômagodezesseisvezes,antesdeseusangueseresfregadonaportada frentedesuacasaparaescreverapalavra“Pig” [porco].QuandoMansonapareceuno primeiro dia do julgamento, em 24 de julho, tendomarcado umX emsuatestacomumafaca, issogarantiumaismanchetes,especulandosobresuas intenções ocultas. Quando foi descoberto que Manson tinhaembarcado no assassinato de suas vítimas inocentes depois de receber“sinais secretos” da música “Helter skelter”, dos Beatles, toda a área demúsicaderockoculto icoutãomarcadacomonovosigni icadoqueaideiade lançar uma turnê norte-americana de uma banda chamada BlackSabbath,cujopontoaltodoshoweraumamúsicachamada“Warpigs”,foiconsideradadeextremomaugosto,paradizeromínimo.QuandoMansonselevantounojulgamentoea irmou:“Porquemeculpar?Eunãocompusamúsica”, isso foi o ponto inal para aWarnerBros. A turnê do Sabbathestavacancelada—aomenosporaquelemomento.

O que não podia ser adiada era a Black Sabbath Parade, planejadaparaaconteceremFolsomStreet,emSãoFrancisco,namesmasemanaemque a banda deveria aparecer no Fillmore West, e organizadaostensivamenteporAntonLaVey, chefeda IgrejadeSatã, comoapoiodaequipe de promoções da Warner Bros. antes da decisão de cancelar osshows. LaVey, com a cabeça raspada, chegou caracterizado como o papanegro, vestindo um longomanto preto, um cruci ixo invertido penduradono pescoço e um cetro comprido na mão, olhando solene do alto daplataformaprincipalenquantoorestodosdoidosquesejuntaramembaixodavaumshowpróprio:umamisturadedragqueensvestidascomglamour

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efreakscomroupascoloridas,comváriostranseuntesrindo,nenhumdelesparecia entender o que estava acontecendo. Havia também grupos denegrosquepodemtercompreendidoerradoonomedogrupo,paradosaoredor, parecendo totalmente fora de seu ambiente debaixo de uma faixabranca onde estava escrito: “Warner Bros. Records Welcomes BlackSabbath—TheDawnoftheAquarius”[WarnerBros.Recordsdáasboas-vindas ao Black Sabbath— O Nascimento da Era de Aquário]. A paradasaiu caminhando, liderada por um Rolls-Royce branco, envolvido por umpano preto, e seguido por vários carros alegóricos representando cenasastrológicas, estranhas limusines estilo Kennedy cheias de maisdragqueens e várias outras apresentações bizarras, de banda mariachimexicanaaté lobisomemvestidodevermelho.HaviaumcaminhãoabertocomumabandatocandoversõeshorríveisdascançõesdoSabbath.Acena,interessantemas vergonhosa, foi mostrada pela TV local e alguns cortesapareceram no noticiário noturno de vários estados. Quando a banda,ainda em Birmingham, viu as fotos, mais tarde, o espanto foi geral. “Eupensei: ‘Que estúpido’”, disse Geezer. “Só me pareceu algo bizarro.Ridículo.”Ozzy levouacoisamaisa sério. “Eume lembrodepensar: ‘Issonão pode ser feito para nós, cara’. Mas era a Black Sabbath Parade eaconteceu em certo dia astrológico ou algumamerda assim. Quero dizer,iquei commedo, não saí domeu quarto por semanas. Foi tipo baratas epizzaporunsseismeses!”

No entanto, Tony Iommi tinha coisasmais sérias parapensar. ComabandaforçadaacancelaraestradaenquantoasdatasnosEstadosUnidoseram reorganizadas, ele icou espantado quando o novo single deles naGrã-Bretanha, “Paranoid”, de repente começou a subir nas paradas.Gravadoemcincodiasdurante junho,noRegentSound,comRodgerBainnovamenteatrásdacabinedecontrole,oplanotinhasidolançarosegundodiscodoSabbathdepoisque abanda tivessevoltadodosEstadosUnidos,emsetembro.Lançandoosingleem29deagosto,commaisesperançadoqueexpectativa,aVertigo icoutãoespantadaquantoabandaquandoelechegou aoquarto lugar.De repente, as coisas estavam indomuito rápidode novo. Mas enquanto o resto da banda estava simplesmente feliz poraparecernoTopofthePops ,entãooprogramademúsicamaispopularnaTV — “Seu single está no alto das paradas!”, Geezer icou encantado

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quandoouviuissodofamosoapresentadordoprograma, JimmySavile—,Tony Iommi já estava olhando para o futuro, e sentia-se especialmentesuscetívelàsaproximaçõesdarecenteequipedeempresáriosformadaporPatrickMeehaneWilfPine.Como ilhodePatrick,PatrickJunior,quelogoassumiria o controledodia a diadabanda, e coma companhia chamadaWorldWideArtists—quepareciatersidoescolhidaparafazeraoperaçãode Jim Simpson parecer aindamais paroquial e pequena—, inicialmenteTony reagiu cauteloso às ligações telefônicas que começaram abombardeá-lo.Massuaatitudemudourápidoquandofoiapresentado,porSimpson,aumalistadedatasdeturnêparasetembroqueincluíaburacoscomo o Spa Hall, Bridlington e o clube Greyhound, em Croydon. Com osegundo disco do Sabbath pronto para ser lançado na Grã-Bretanha nomesmomês, Tony sentiu que a bandadeveria voarmais alto.Os rapazesdaWorldWideArtistsconcordavam,prometendoacertarasituaçãoassimqueabandaassinasseumcontratodemanagementcomeles.Exatamenteduassemanasantesdeosegundodiscoserlançado,JimSimpsonrecebeuuma cartadeumadvogado informandoque ele não representavamais oBlack Sabbath, nem tinha mais permissão de contatá-los diretamente.Mesmo sendo experiente no “jogo do negócio da música”, como ele seintitula, icoudevastadocomanotícia.“Oquerealmentemedeixoumalfoiquea cartadiziaqueeles estavamsaindoporqueeunão tinha feitomeutrabalho direito. Mas quando eles me deixaram, tinham um disco nasparadas naGrã-Bretanha e nosEstadosUnidos, e um single noTop5 doReinoUnido.Eeunãotinhafeitobemmeutrabalho?”

Jimnãofoioúnicoespantadocomosúltimosacontecimentos.QuandoDonArden— ainda tentando conseguir chegar ao grupo por intermédiodoamigomútuoCarlWayne,antespartedogrupo favoritodeBrum,TheVikings,agoranoTheMove,contratadodeArden—descobriuqueforamdoisdeseusrecentesempregadosquetinhamconspiradoemsuascostaspara roubar o Sabbath, ele icou furioso. Além das ameaças de vingançacontra os dois Meehans, pai e ilho, ele também ofereceu assistênciainanceiraaSimpsoneoencorajouaprocessá-lospordanos.ComoapoiodeDon, Jim fez exatamente isso,mas o resultado foi desnecessariamenteprolongadoeresultou,depoisdeváriosanos,numapequenamultade35millibras.Jimbalançaacabeçaesuspira.“Oitomillibrasnosforampagas

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nodia—LegalAid levou6mil, [meuadvogado] icoucommileeu iqueicom mil. Demorou catorze anos para receber tudo. Eu iz o que podia,[mas]custacaroforçarumjulgamento.”

Quandoaquestãofoi inalmenteresolvida,oBlackSabbathjátinhaseseparado de Ozzy havia cinco anos, e a carreira deles como banda deprimeiroescalãoeraconsideradaencerrada.Mesmoassim,Jima irmaquenãotemódiodosquatrojovens“oportunistas”queeleajudouquandomaisprecisavam. “Eu gostava doOzzy e ainda gosto. Ele émuito honesto, leal,bastantediretoe foioúnicoquenãoqueriamedeixarnaquelemomento.Já passei muito tempo com o Ozzy, já o vi algumas vezes e ele éabsolutamente brilhante. Eume encontrei comTony algumas vezes e elefoi bem formal, mas amigável. Nós dois fomos muito dignos, educados eagradáveisumcomooutro—nãohámotivoparanãoagirassimdepoisdetodos esses anos. Eu me encontrei com Geezer no House of Fraser, emBirmingham,eelefugiudemim.NuncamaisencontreioBill.”

Estabelecendo um padrão para a forma como eles veriam, durantesua carreira, todos esses “momentos estranhos”, como Tony os chama, oBlack Sabbath simplesmente continuou como se nada tivesse acontecido.Mas foi aquele segundo disco — composto e gravado enquanto aindaestavam sob in luência de Jim Simpson — que se tornaria o primeiroclássico da carreira deles. Com um disco de sucesso agora debaixo dobraço,JimtinhaconseguidoqueaVertigodesseumorçamentosignificativopara o próximo álbum. O resultado foi que eles se mudaram para oRock ield Studios, em Monmouth, sul de Gales, para uma semana deensaios intensos, com o produtor Rodger Bain.“O prédio era um celeirovelho. Todo o teto na verdade se movia.” Voltando ao Regent Sound, emLondres, para organizar as faixas básicas, eles então tiveram o luxo defazernovasgravaçõesnoBasingStreetStudios,orecém-criadoestúdiodedezesseis canais da Island Records em Notting Hill Gate — o mesmoestúdioondeoLedZeppelintinhaacabadodedarostoques inaisnoqueseria seu quarto disco —, em tempo de completar os overdubs e amixagemfinal.

ElescomeçaramcomafaixaqueabririaoladoA,equeoriginalmenteseria a faixa-título do disco, “War pigs”. Um dos primeiros monstros a

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surgir totalmente formado do pântano primordial de suas jams dequarentaminutos no palco do Star Club, no qual tantos outros primeirosclássicos também ganharam vida própria, “War pigs” era poderosa nopalco.Commaisdeseteminutos,tambémeraumadeclaraçãomonumentalparaabrirodisco.“ComomuitasfaixasdeParanoid,elajáexistianaépocado primeiro disco”, conta Geezer. “Mas só gravamos para o segundoporquenão tivemos tempo.”Emtermosde letra,eraumagenuínacançãode protesto antiguerra que dialogava diretamente com uma geração dejovensnorte-americanosqueenfrentavaorecrutamentoparaaguerradoVietnã, comsuas linhas incendiárias sobre corposqueimandoemcampostomadosporbalas,“Asthewarmachinekeepsturning/Deathandhatredtomankind/Poisoningtheirbrainwashedminds…”[Quandoamáquinadeguerra ica girando / Morte e ódio para a humanidade / Envenenandosuasmentes doutrinadas…]. “Toda a ‘War pigs’ veio de quando tocamosnas bases militares norte-americanas na Alemanha”, explicou Geezer.“Eram como campos intermediários. Eles costumavam vir do Vietnã epassar umas duas semanas nessas bases na Alemanha antes deretornaremaosEstadosUnidos,sabe,sóparavoltarumpoucoàrealidade.E eu costumava conversar com eles, e eles me contavam essas históriashorríveissobreoVietnãeaheroínaecomoaspessoasusavamdrogasparafugir de tudo aquilo, de tão horrível que era. Foi daí que saiu a letra damúsica‘Warpigs’.”

Amaioriadasoutrasfaixasveiodamesmafonteobscura.Igualmentetitânica era “Iron man”, que até chegar ao disco tinha sido trabalhadadurantemeses sob o título de “Iron bloke”, até queOzzy disse que o rifflento e forte “parecia um cara de ferro caminhando”. Mas isso eradesvalorizarseuconsiderávelpoderio.Destinada,comoboapartedodisco,asetornarumapedraangulardoshowdoSabbathedeOzzyduranteaspróximas décadas, “Iron man” veio direto da mente devoradora dequadrinhos e obcecada por icção cientí ica de Geezer e, ele mais tardea irmou,eradestinadaa serumavisoàhumanidade sobreosperigosdedeixar a tecnologia sair do controle humano, mas deve ter sido maisprovavelmente o produto de uma doideira de im de noite fumandomaconhae fantasiando sobrea vida interiordooriginalTonyStarke seuternodeaço.Fumarmaconhaeraótimoparaescreverletras,disseGeezer.

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Umapenaquenemtodomundoentendeuapiada.“Atéondesei, todasasletrasquejáescrevemosforamsempremalinterpretadas.”Tambémnessemoldeestava“Fairieswearboots”,umriffpesadoadocicadoporumalindamelodia dolorosa, que Geezer mais tarde a irmou que era baseada numincidente em Birmingham, quando uma gangue de skinheads atacou abanda. Uma história desmentida pela linha inal da letra, na qual oprotagonistapedeajudaaomédico,masouvequeé tarde,ele já foi longedemais:“Cossmokin’andtrippin’isallthatyoudo”[Porquefumareviajarétudoquevocêfaz].

Maisafetadaseramasfaixasrealmentesérias,como“Handofdoom”,uma representação tão precisa e horrível do vício da heroína quantoqualquercoisaescritaporMickJaggerouLouReed.“Firstitwasthebomb/Vietnamnapalm/Disillusioning/Youpushtheneedlein…”[Primeirofoia bomba / Napalm no Vietnã / Desiludido / Você en ia a agulha…].Musicalmente, é tão importante quanto “War pigs”, tão comprida eexplosiva, mas com mais ousadia ainda na forma como passa deterrivelmente lenta a rápida, até voltar ao incêndio elétrico de estáticapulsante.Damesmaforma“Electricfuneral”poderiafazerospelosdeummortoseeriçarem:ahistória roboticamente imparcialdeummundopós-apocalíptico feito de seres as ixiados por radiação tentando aderir à suahumanidade sem conseguir. Se “War pigs” falava diretamente contra aguerra norte-americana no Vietnã, “Electric funeral” era umamensagemdo túmulo para todos os governos do mundo: a guerra nuclear não eramaisumaameaça,eraumaprofecia.

Ironicamente, no entanto, as duas faixas que mais distinguem osegundo disco do Black Sabbath da linha de excessos de outros discosconscientes de rock pesado lançados em 1970 foram duas músicas bemdiferentesdosompesadoquemarcavaabandanosprimeirosemelhoresanos: “Paranoid”, seguida no lado A por “Planet caravan”. A segunda eraumcaprichodebrilhofugazonde“starsshinelikeeyes”[estrelasbrilhamcomo olhos] e “black night sighs” [a noite escura suspira], uma surpresaquemostra os toques jazzistas da guitarra de Iommi e até um piano. Deacordo com Tony: “Os outros icaram pensando: ‘Bom, onde en iamosisso?’. Tentei explicar: ‘É bom colocá-la, porque então faz com as faixaspesadas pareçam [ainda mais] pesadas’. E dá um toque de força ao

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disco…”. Bastante. A primeira foi um sucesso que quase não entrou.“Paranoid” foi a última faixa a ser gravada para o disco, “um pouco semsentido”,disseTony;“ficamosespantadosquando[RodgerBain]falouparagravá-la”. O produtor lembrou-se: “Eles disseram: ‘Você está debrincadeira. A gente só está zoando. Acabamos de inventar’. E eu falei:‘Bom,éexcelente,vamosgravar!’.”

Geezer,detodos,eraquemestavamaiscontra.“EudisseparaoTony:‘Émuito parecido com Zeppelin, não podemos fazer isso’. Achei parecidacom ‘Communication breakdown’. Achei que era tão parecida que nuncapoderíamos negar. Mas todo o resto não pensava assim. Para mim,[‘Paranoid’] pareceum remakede ‘Communicationbreakdown’, e eunãoqueria gravar.” Geezer já tinha deixadopassar uma, ele sentia, quando apenúltima faixa do ladoB foi “Rat salad”, umamostra instrumental curtadeBillWardqueemtodoaspectoecoava“MobyDick”,a faixa igualmentecurta e feroz de bateria de John Bonham que tinha saído na penúltimafaixado ladoBdoLedZeppelinII,disco lançadonaqueleano.“Eraanossabanda favoritana época. Era tudooqueouvíamos”, contouGeezer. “E euconheciaPlanteBonhamdeBirmingham,etínhamosficadofelizesporelesestarem fazendo sucesso. Mas a gente costumava icar chapado juntos,sabe,deitadosnochão,fumandomaconhaeouvindoZeppelin.”

Tony,noentanto,sabendocomooZeppelintinhaoestranhohábitode“pegar emprestado” os melhores materiais dos outros, não via nenhumproblema.EletambémeraamigodeBonhamedePlant,sendopróximodojovembaterista demolidor,mas pouco conhecia JimmyPage ou JohnPaulJones,outrosnomesilustresnocircuitodemúsicosdeestúdiodeLondres— um mundo distante do guitarrista com pouco relacionamento socialnaqueles dias.(Iommi só icaria amigo de Page muito tempo depois dosdiasdeglóriadas suasbandas.)Gravadaemapenasdois takes comOzzygritando as letras rabiscadas apressadamente por Geezer — a palavra“paranoid” nem era mencionada na música —, não se tornou apenas oprimeiro e único single doméstico do Sabbath a chegar às paradas, mastambémohinodabanda,damesmaformaque“Wholelottalove”tinhasetornadoodoZeppelin,ou“Allrightnow”odoFree,naquelemesmoverão.Tanto que, quando aWarner Bros. nos EstadosUnidos foi contra o títulopropostododisco—“Warpigs”,repetindooqueabandasentiaqueeraa

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melhor música ali — com os mesmos argumentos pelos quais tinhamcanceladoaprimeiraturnênosEstadosUnidos,temendoproblemasdessavez com as lojas de discos, sensíveis com qualquer coisa se referindo àguerradoVietnã,quejáhavialevadoasituaçõescomplicadasem1969,deformacríticaoucontroversa,abandamudouotítuloparaParanoid.

De acordo comTony: “Achoque nenhumde nós sabia exatamente oque signi icava ‘paranoid’.Mas eraumapalavraquevocêouviamuitonaépoca e meio que resumia a era de outras formas também”. Era muitotardeparamudaracapadodisco—uma iguraembaçadaestranhacomumamalharosa,carregandoumescudoeumaespada,quesupostamenterepresentava um “war pig” —, mas eles foram recompensados com oprimeirodiscoachegaraotopodasparadasbritânicas.LançadonomesmodiaemquesedivulgouamortedeJimiHendrix,maisumavezfoinegadoao Black Sabbath o espaço nas revistas musicais que era dado ao LedZeppelin, visto agora como o mais próximo rival, cujo segundo disco,tambémlançadonaqueleano,umpoucoantes,haviachegadoaoprimeirolugar. Como Rob Partridge notou noRecordMirror , “o discoParanoiddoBlack Sabbath chegou às lojas há algumas semanas. Nenhumsensacionalismo.Olançamentofoitãosilenciosocomotinhasidoodiscodeestreia”. “A gente nunca teve boa cobertura da imprensa, nem quandochegamos ao primeiro lugar nas paradas”, lamentou Ozzy. “A gentepensava: bom, se eles não vão nos tratar bem agora, então nunca nostratarão.Enãotratarammesmo…”

Naverdade,agoraonomeBlackSabbathsetornousinônimoentreoschamados jornalistas de música sérios de tudo que eles consideravam“errado”naúltimageraçãodebandasderockpesadobritânicas,incluindoo Led Zeppelin, que escondia sua raiva simplesmente recusando-se acooperar coma imprensamusical. “AchoqueoZeppelin icou feliz comanossa presença”, brinca Tony, “porque a gente recebia as pancadas.” Namesma semana em que o discoParanoid foi lançado na Grã-Bretanha, aRolling Stonenos EstadosUnidos publicou sua atrasada resenha deBlackSabbath. Escrito pelo famoso jornalista de rock Lester Bangs — que,convenientemente, iriamaistardelouvarabandapelasmesmas“virtudeselementares” que ele atacou na época—, resumia a visão predominante,descrevendo o disco como “uma besteira— apesar dos títulos obscuros

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dasmúsicasealgumasletrasocasqueparecemoVanillaFudgeprestandohomenagem a Aleister Crowley, o disco não tem nada a ver comespiritualismo, ocultismo ou algo parecido, a não ser recitações duras declichêsdoCreamqueparecemqueosmúsicosaprenderamdealgumlivro,repetindo muitas vezes”, antes de dar o golpe de misericórdia:“ExatamentecomooCream!Maspiorado”.

Seria a primeira e última resenha naRolling Stone, que depois serecusou a até reconhecer a existência deles, exceto de forma sarcástica,poranos.

Mas se a banda não se sentia muito estrela na época — Geezerlembra-sedesaircaminhandodohoteldelesemShepherd’sBushparairaosestúdiosdaBBC,namesmaruaondeestavam,quandoapareceramnoTopofthePops,e icarespantadoaoverEngelbertHumperdinckapareceremumRolls-Roycecommotorista.TambémapareceramnoprogramaCliffRichard e Cilla Black. “Sempreme lembro, eu peguei o autógrafo de CillaBlack”, me contou rindo —, as coisas começaram a mudar quando elesinalmente chegaram aos Estados Unidos pela primeira vez, na últimasemanadeoutubrode1970.Comanovaestruturadeagenciamento,eJoeSmith da Warner Bos. insistindo que todos os pôsteres para os showstrouxessem a promessa: “Mais barulhento que o Led Zeppelin”, elescomeçaramcomdoisshowsparaesquentarnoGlassboroStateCollege,emNova Jersey, enaUniversityofMiami,naFlórida, abrindoparaoCannedHeat. Poucas pessoas nos dois shows conheciam o discoBlack Sabbath,muitomenosascincomúsicasqueelestocaramdoParanoid.Masnanoiteseguinte — segunda-feira,1o de novembro de 1970— eles voaram atéStatenIslandparaumshowimportanteemqueseapresentariamparaJoeSmitheorestodosexecutivosdaWarnernoRitzTheater,emUngano.Nãofoiumbomshow.

Ungano foi “o menor lugar que já toquei em toda a minha vida”,reclamouGeezer.Umclubedeporãopequeno,muito longedeNovaYork:“Foiomenorburacoquejávi”,lembra-seTony.“Pensei:queporra,issoéaAmérica?Umaboatefedida!Umalatrinasubterrânea!Éisso?”Noentanto,eramuitotardepara irembora,e,apesardeumasucessãodeproblemasde energia nomeio do set— “Nossos roadies não sabiamnada sobre as

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diferençasentreossistemaselétricosinglêsenorte-americano”,lembra-seOzzy—,abandafezoshoweesperavaquenãotivesseperdidoachance.No inal, entretanto, as notícias sobre a mais recente sensação do rockpesadobritânicocomeçaramaseespalhar.OSabbathpodenãotertidoamelhor cobertura da mídia impressa por trás deles, mas tiveram todo oapoiodeumaredeaindamaiornosEstadosUnidos,comobocaabocadegroupies e fãs. De repente, eles não podiam se dar mal. “O Zeppelin játinhaestadoalie issomeioqueabriuasportasparanós”, contouGeezer.“Mas foi como se eles nunca tivessem visto ninguém como nós antes.Simplesmente icaram malucos!” Vários shows melhores foramrapidamente acrescentados ao itinerário. No dia 10 de novembro, elesabriramparaoFacesnoFillmoreEast, onde, de acordo comTony, foramtãobemqueaatraçãoprincipal “se ferrou!Quandoentramos,amultidãoicouabsolutamentedoida!EntãoRodStewartentrouecomeçaramajogarcoisasnele.Foisimplesmenteincrível.EapartirdaínostornamosabandaundergroundnosEstadosUnidos”.

Entre 11 e 15 de novembro, eles completaram uma residência decinconoites(fazendodoisshowspornoite)abrindoparaoAliceCoopernoWhisky aGoGo, emLosAngeles. Eles continuaram comquatronoites noFillmore West, em São Francisco, abrindo para a James Gang. Quandochegaram a Detroit, em 25 de novembro, no entanto, conseguiram ser aatraçãoprincipal emdois shows,noEastTownTheater, comaberturadoSavoyBrownedoQuatermass.Isso,deacordocomBill,foi“omomentodemudança” nos Estados Unidos. Puto pela falta de reação à abertura doshow,Ozzycomeçouaxingaraplateia.EntãoBillperdeuacabeçae jogoupartedabaterianaplateiaefoiembora.Orestodabandaoseguiu.“Eissocausoufurorentreaaudiência,sabe?Eles icarampensando: ‘Quemerdaéessa?’.Depoisdeumtempo,agentevoltouaopalco,começouatocardenovo, muito alto, e gradualmente tudo foi mudando. Quando acabou, agentevoltouetocousetebisaquelanoite.NotíciasdoshowemEastTownTheater começarama se espalhar como fogo selvagempelo país.Quandovoltamos ali, estávamos tocando em arenas.” A turnê terminou em 27 denovembro, quando eles voltaram a ser a atração principal, dessa vez emum clube em Nova Jersey chamado Sunshine, com a abertura da bandalocalSteelMill,lideradapeloentãojovemBruceSpringsteen.

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OdiscoParanoidserialançadonosEstadosUnidosem1odejaneirode1972. Já era primeiro lugar no Reino Unido, e rapidamente se tornou oprimeiro disco do Sabbath a entrar no Top 20 dos Estados Unidos,chegandoao12o lugar.Empoucas semanas, elesestavamdevoltaparaasegunda turnê, tocando entre 19 e 20 de fevereiro, com dois showsesgotadoscomoatraçãoprincipalnoFillmoreEast.Duasnoitesdepoiselestocaram na enorme arena Forum, em Los Angeles, com a abertura doGrand Funk Railroad. Nesse momento, o nome Black Sabbath tinha setornado sinônimo de algo novo e importante, apesar de ainda serdecididamentedesagradávelparaamídiatradicionalcomoa RollingStone.Abandapareceunãonotar.Elesestavampreocupadoscommuitascoisas.“Eu não sabia o prestígio de lugares como o Forum”, admitiu Bill. “Sópensei, lá vamosnós, seráumbomshow…”ParaOzzy, osEstadosUnidoseram como um vasto playground de aventuras onde ele esperava verMachineGunKellyandandona rua. “Lembroquandoentreiemumaviãopara os Estados Unidos, a gente fez nossa primeira viagem com StevieWinwoodeoTraf ic, e foi, tipo, uau!Acheique todas as grandes estrelasde rock voassem no mesmo avião. Achei que era o Rock Star Express,sabe?Eentãomelembrodevoarporumasseishorasepensar: ‘Caralho,esta porra precisa parar para reabastecer em algum momento!’. Fiqueiespantado por aquela coisa conseguir voar tanto tempo sem parar parareabastecer.Lembrodesairnoaeroporto,eeraumatardequente,muitoúmida.Eumalimusinepassoupelagentecomumasdozeportas,umacoisaamarela grande. E a gente pensou: ‘Porra, cara, os carros aqui sãograndes!’.”

Os Estados Unidos também foram o lugar onde, apesar de seucasamento com Thelma, “tive minha primeira experiência com peitos desilicone”. Eles estavam de volta a Nova York em fevereiro de 1971 paradois shows comoatraçãoprincipal de FillmoreEast, coma aberturado J.GeilsBand.“Fomosparaohotel,umburacona8thcoma48thStreet.Masfoia primeira vez que icamos em quartos separados. E o gerente tinha ummontedeputaspor aí e eramhorrorosas, juroporDeus.Mas a gente aslevouparadentroetransoucomelas.LembrodebaternaportadoquartodeTony,aolado,efalar:‘Putamerda,Tony,vocêprecisaverestacoisaqueestánaminha cama,pareceo ganhadorda corridadeKelso’”, gargalhou,

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referindo-se a umdosmais famosos cavalos de corrida daGrã-Bretanha.“Tony disse: ‘Você acha que está mal, veja a porra que está no meuquarto!’.Eelastinhamunspeitosgigantes!Maseraoquetínhamos,entãotudobem.Éramos,tipo,violarepilharporondepassávamos.”

Maistarde,Ozzybrincaria:“Osroadiesdasoutrasbandasconseguiamgroupies melhores do que a gente. Elas eram tão ruins que era precisocolocarumsaconacabeçadelas.As realmenteruinsagentechamavadeDoisSacos.Umsacoparaacabeçadela,paranãovê-la,eumsacoparaasua cabeça — caso alguém entrasse no quarto, não saberiam que eravocê”. Mas essa era somente parte de sua conhecida palhaçada, paralivrar-se de Thelma e outras esposas. “Quero dizer, a coisa toda naInglaterra, naqueles dias, se você queria trepar com uma garota, erapreciso comprar vinho e convidá-la para jantar e depois levá-la para verumcinema,eassimtalvezconseguissetransarcomelaumastrêssemanasdepoisdepedi-laemcasamento.Esqueça,baby,elasnão têm tempoparaisso nos Estados Unidos. É, tipo, as garotas vinham até você e diziam:‘Quero dar uma com você’, e eu pensava: ‘Que porra quer dizer isso?’.Como um bobão, eu falava: ‘Oh, sim, eu também’. Não percebia o quequeriam dizer. Signi icava que queriam transar com você. E as garotasapareciamdonadaediziamissoparavocê!”

Commaisde25datasqueiriamterminarcomumshowcomoatraçãoprincipalnoSpectrumTheater,naFiladél ia, em2deabril, comaberturadeHumble Pie eMountain, para Bill “tudo sobre a segunda turnê norte-americanafoiincrível,efoiquandopercebiqueestávamosnomeiodealgogrande”. As coisas só foram crescendo até que eles chegaram a LosAngelesedescobriramqueiriamseraatraçãoprincipaldeduasnoitesnoInglewood Forum para 15 mil pessoas. “Ficamos totalmente espantadoscoma coisa toda”, disseTony. “Não achoque a gente sabia exatamente oque estava fazendo. Parecia que as coisas estavamacontecendo ao nossoredortãorápidoenãosabíamosoquerealmenteestavaacontecendo.Nãopercebemos como estávamos icando grandes e poderosos. Estávamos sósaindoparatocar,sabe?”

Havia também a imagem “oculta” da banda que era precisomanter.ComoTonyapontou:“Nósatraíamosumaquantidadeincríveldedoidos,desatanistasavítimasdeácido—vocêpodecitarqualquerum,elesestavam

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comagente”.Ozzyfaziaumacareta:“Eu icavacommedo.Haviaummontede pessoas que vinham até nós e diziam: ‘Cara, a gente sabe que vocêssabem que nós sabemos que vocês sabem’. E a gente dizia: ‘Certo, bom,continuem sabendo, cara’. Havia todo tipo de satanista que você poderiaimaginar, todo tipo de louco por Jesus…”. Esses eram os dias antes doscartões magnéticos, quando quase qualquer um poderia andar pelosbastidoresounohoteldabandaànoite.Nocomeço,abandaachavatudoengraçado. Tony lembra-se rindo de um show na turnê onde “tínhamostrêsmulheresvestidasdepreto,eelasestavamnafrente.Aparentementeeram bruxas, ou nos disseram que eram bruxas. E quando subimos nopalcocomcruzes,elassaíramcorrendo!Entãonuncamaisasvimos…”.

Em outro show da turnê, eles receberam a visita do chefe do Hell’sAngels norte-americano: “Não consigo me lembrar onde foi”, contouGeezer,“masfoicomoseoporradopresidentedosEstadosUnidosviesseparaoshow.Unscinquentaguarda-costasentraram,todasaquelasmotos.Direto para o camarim, expulsaram todos os seguranças—que falavam:‘Sim,senhor;não,senhor’.Entãoelenoscontouquemera,dissequeeradealguma divisão do Hell’s Angels e que dava sua aprovação. E vocês vãoicarbem,ondeforem—oqueissoquisessedizer.Efoiisso.Querodizer,parece um sonho agora. Eles icaram e assistiram ao show, depois foramembora,tudocomoumagrandecavalaria”.Eleri,nervoso.“Achoquefoiaformadefalarem:‘OHell’sAngelsgostadoBlackSabbath—éoficial’.”

OsEstadosUnidos tambémforamo lugaronde “descobrimosovelhopó”. Todos têm lembranças diferentes de como a coisa começou, mas oresultado foiomesmo, commaioroumenorextensãoemcadacaso:vícioquase imediato. De acordo com Tony, a primeira vez que ele cheiroucocaína foi antes de um show no Madison Square Garden em 1971.“Alguémme disse— acho que algum cara da equipe: ‘Você gostaria dealgoparaajudar como show?’, sabe?Eeununca tinha cheirado,maseledisse: ‘Oh, cara, só experimente um pouco, vai te levantar e ajudar naconcentração’etodasessascoisas.Detodomodo,eupensei,ah,não.Masocaracontinuou: ‘Vamos lá,vamos lá!’.Entãocheirei, subiaopalcoe iqueiconvencido de que tinha sido brilhante, sabe? Então, a partir daí foi:‘Vamosexperimentardenovonopróximoshow’,eentãooutro,emeioquefoi em todosapartirdaí, sabe?”ParaBill, tinhaacontecidoduranteessas

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duas noites em Los Angeles. “Ozzy e eu éramos os piores em termos deabusodedrogas.Descobri a cocaínananoite emque tocamosnoForum.Viciei imediatamente na droga. Estava usando speed, tipo pílulas e coisasassim,desdequetinhadezesseisanos.Eestavafumandomaconhamaisoumenos com a mesma idade. Mas as drogas realmente pesadas vieramquando chegamos aos Estados Unidos em 1971.” Ozzy a irma queconheceuacocaínaalgumasnoitesdepoisdosshowsdoForum,depoisdeser apresentado, quando a banda abriu para o Mountain no DenverColiseum. “Foi Leslie West, o guitarrista do Mountain. Ele nos deu umapedraenormeeeudisse: ‘Ah,não. Issoécocaína?Nãoquero tocarnessacoisa.Tirandomaconhaecerveja,nãoquerotocarnisso’.Masaíelefalou:‘Experimenteumavez’.Entãoaceiteiefoitipo…”Elefungoualto…“ebam!‘Ah,nãoé tãoruim…’Eeupuleianoite toda!”Bill suspirou. “Ozzyeeu,agente semeteu em todo tipode encrenca.A gente perdia a cabeça.” Elesicaram dessa forma pelos anos seguintes. “Quando descobrimos omaravilhosopóbranco”,disseOzzy,“nuncamaisolhamosparatrás.”

Atésertardedemais.

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Quatro

Papanapontadeumacorda

OS TRÊS ANOS SEGUINTES voaram sob uma nevasca de maconha, cocaína, álcool,sexoeamelhormúsicaqueoBlackSabbathpoderiaproduzir.Amúsicadaqual eles vivem desde então. Eles também ganharam dinheiro— váriosmilhões de dólares—mas nenhum deles iria ver muito desse dinheiro.Nãoantesdequeseusmelhoresdias tivessem icadopara trás,eonomeBlackSabbathsóviverianafumaçadeumpassadodespedaçado.VoltandodosEstadosUnidos,emabrilde1971,comoverdadeirasestrelasderock,cegospelosucesso,saciadosdesexoedrogasedaestressanteadulaçãodeuma geração debabyboomersdopós-guerra, aúnicacoisaqueosquatromembros do Sabbath queriam agora era fazer tudo de novo. Só quemelhor,sefossepossível.Porumtempo,pareciaqueera.

Os trabalhos do terceiro disco do Sabbath,Master of reality , tinhamcomeçadonoBasingStreetStudiosno iníciode fevereiro,novamentecomRodgerBainnoscontroles.Masabandanãotinhamaismateriaissobrandodosseusdiasdeclube.Oqueelestinham,nolugar,eraaenormeconfiançaque dois discos de sucesso internacional podem dar. Na Grã-Bretanha,onde eles completaram sua primeira turnê como atração principal emlugares grandes, em janeiro, eles até já tinham conseguido um single noTop5 e eram reconhecidos comouma força danatureza até por aquelesquesóosconheciamdenomeousóostinhamvistonatelevisão.“Eusentiaque estava envolvido em algo muito grande agora”, disse Bill. “Tinhaaceitado o fato de que estávamos fazendodiscos de sucesso e que íamostocar para plateias que eram as maiores que já tínhamos conseguido. E,sim,paramimissofoirealmenterápido.Apartirdoprimeirodisco,ficamosquasetrêsanosnaestradasemparar.”

No inal de janeiro, eles tinham sido a atração principal do festivalMyponga, em Adelaide, Austrália. Realizado nas colinas ao redor dapequena cidadeprodutorade laticíniosdaqual tirou seunome,Mypongafoi o primeiro festival de rock ao ar livre da Austrália, apelidado de

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“Woodstock australiano”. O Sabbath foi a atração principal de grandesestrelas domésticas como Daddy Cool, Billy Thorpe & The Aztecs, e umabanda jovem com um monte de barbudos chamada Fraternity, lideradapelofuturovocalistadoAC/DC,BonScott,queanosdepois icariaamigodeOzzy. De acordo com uma resenha no Sunday Mail local, a aparição doSabbath foimarcadapeloque eles caracterizaramde “10mil fãsde rockpesado…Acampadosnagramacheiadelixoparaumanoitedeamor,paz,rock esganiçado e álcool, álcool e mais álcool”. Acrescenta: “Havia umas2.500garotasno festival e aparentementenenhumsutiã entre elas”.Nãoque isso impedisse Ozzy, que estava desenvolvendo o hábito de semprever o lado merda da vida, de reclamar quando voltou: “A gente voou,destruiuohotel,jogouquatrocarrosnooceano”.OquenemOzzysabiaeraque Tony Iommi e Patrick Meehan Junior estavam no quarto ao ladotentando umménage comumadas dezenas de fãs que tinham aparecidodepois que Tony reclamou que estava “solitário” durante uma entrevistana rádio local. Quando a garota desmaiou, Meehan icou doido. “Elamorreu!” Totalmente chapado, Tony concordou. “Cristo, ela morreu. Elamorreu! A gente precisa se livrar dela!” Deviam jogar seu corpo davaranda e dizer que ela tinha caído, ele disse ao guitarrista em pânico.Estavam tentando arrastar seu corpo inerte até a janela quando elaacordou. “Poderíamos facilmente ter jogadoa garotapara fora, e eu teriametornadoumassassinoaos22anos”,eleselembrariamaistarde.Estavatotalmente careta quando a banda subiu no palco aquela noite. Ozzy,porém, nem tanto, pois quase não conseguia lembrar do show no diaseguinte,eledisse.AssimcomonovoodevoltaaLondres,quandooaviãoaterrissou em Perth para reabastecer, Ozzy icou sentado encostado emumaparedeaoarlivrepormeiahora,onde“ iqueiqueimadodesolcomoum ilho da puta. Depois tive que icar sentado por 36 horas em umdaqueles velhos 727 na econômica, fritando”. Como sempre, os outros sóriramdele.AívoltaramafazeroqueTonymandava.

Chegando em Basing Street no dia seguinte sem nenhum materialinalizado, mas cheio de ideias para novos riffs “estranhos”, Tony Iommicomeçou facilitando as coisas para si mesmo. Uma estrela agora, elecomeçouamoldarosomdoSabbathaindacomsuaimagemmonossilábicae de cara fechada. Noites in initas na estrada nos últimos anos tinham

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criadoumador constante em seusdedosdespedaçados. Ele agora a inousuaguitarramaisgrave,unstrêssemitons,reduzindoatensãodascordase facilitando a forma como dobrava as notas em seus riffs. Com Geezertambémforçadoamodi icaraa inaçãodobaixoparaseguiraguitarradeTony, o som do Sabbath mergulhou ainda mais na escuridão. Sem usarnem reverb, deixando o som tão seco quanto velhos ossos tirados dealguma escavação no deserto, a força brutal da música inalalarmariatanto os críticos que eles puniram o Sabbath nas revistas por serem tãoabertamente agressivos, propositadamente irracionais, estranhos einsolentes. Vinte anos depois, grupos como Smashing Pumpkins,Soundgarden e, em particular, Nirvana iriam escavar o mesmo somprofundo para delinear seu próprio “cenário de terra arrasada” emumacena musical ainda mais elaboradamente previsível do que a de rockpesadodocomeçodosanos1970—eseriamrecompensadoscomelogiosda crítica, criando todo um novo gênero que chamaram de “grunge”. Em1971, no entanto, o Sabbath e seunovo sompesado foram simplesmenterejeitadoscomolentos,ofensivos,semsalvação.

Para a banda, no entanto, foi uma época musical espetacular. Acapacidade de incorporarmais riffs puros emaismudanças inesperadasemumamúsica do que amaioria das bandas incluiria em todo umdiscotornou-seumcomponenteautoraldaobradeIommi.Nogeral,issosedavaapartirdeumacombinaçãodein luências,desuainicialpaixãopelojazzàobrigação da banda de desenvolver longos e extensos solos parapreencher os espaços intermináveis nos shows do Star Club. E, claro, ascoisasestavamseguindoporessecaminho—asextensas“jamslivres”—deHendrixeCreamaoZeppelinePinkFloyd,edevoltaà formavirtuosamaisconscientedoDeepPurple,YesematadoresdedragõesgigantescoscomoVanillaFudgee IronButter ly.Noentanto,nenhumdeles, incluindoJimmyPage,ovizinhomusicaldelesnaépoca, foi tãodeliberadamente—alguns poderiam dizer perversamente — na direção dos riffs sombrioscomoTonyIommi.Anosdepois,quandoasrelaçõesentreosdoisestavamnopontomaisbaixo,Ozzyaindasereferiaaseuantigoguitarrista-mestrecomoReidosRiffs.

ParaTony,noentanto,nãohaviaoutraescolhaanãosertocarassim.“Eraalgoquesimplesmentepareciaseencaixarcomagente.Pareciaalgo

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fácil para nós,mudar o tempobemnomeio de tudo.Onde amaioria daspessoasdizia:‘Issonãovaifuncionar,vocêsnãopodemfazerisso!’,agentefaziaacoisa funcionar.Pareciaapenasacoisanaturalaser feita.Tornou-sealgonormal—direto,aceleradooumudandoparaumriffdiferente—eascoisasfuncionavam.Àsvezes,agentecriavacomjams,outrasvezeseucriava as coisas em casa. Acho que por volta do terceiro disco comecei acomporemcasa.Porqueeuprecisava tentar teralgoprontoquepudessetocarparaosoutrosquandochegássemosaosensaios.Emvezdeesperare todomundo icarolhandoparaondevocêestá indo, ‘Certoentão,oquevocêvaicriar?’.Oqueacontececomfrequência,sabe?”Noentanto,quandoo riff já tinha sido criado, o restodependiadaquímica. “Cadaumera tãoimportantequantoooutro—eraissoquecriavaosom.OsomdeGeezer,aformacomoeletocava,oestilo,combinavaperfeitamentecomomeusomeestilo. E a forma como Bill tocava também. Ele era um músico poucoortodoxo, mas tudo isso combinava bem. E então a forma como Ozzycomplementava com sua voz incomum e seu jeito, quero dizer, a coisarealmentecombinavabem.Realmenteascoisasaconteciam.”

Com o disco terminado no começo de abril, poucos dias depois doshow deles no Philadelphia Spectrum, e com tanto oParanoid quanto oBlackSabbathacaminhodeganharodiscodeouronosEstadosUnidosporuma venda combinada demais de ummilhão de cópias, por enquanto oSabbath não estava mais tentando agradar os críticos, nem seusempresários ou os executivos da gravadora. Eles simplesmente seguiamemfrente.Oresultadofoioutrofuturoclássico.Da“tosse”persistentequeirrompenoriffbocejanteeespasmódicode“Sweetleaf”,doladoA,paraoinaldoladoBcomochoqueelétricodoencerramentode“Intothevoid”,odiscogiraemumaobliteraçãopesadaeecoante.Apesardenuncaalcançara altura de seu estonteante predecessor, Master of reality se juntou aosdoisprimeirosdiscosdoSabbathnaformaçãodomodeloparatodabandaderockpesadoquetentousegui-los.

O resto do disco estava carregado de monstruosidades metálicasigualmenteincontidas.Faixascomoabrincalhona“Afterforever”,comsuasfrases de irreverência religiosa chocantes na época, escritas direto docoraçãodeumestudantedeescolacatólica,Geezer:“WouldyouliketoseethePope/Ontheendofarope/Doyouthinkhe’safool?”[Vocêgostaria

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de ver o papa / Na ponta de uma corda / Você acha que ele é umestúpido?]. E outra pedra angular musical eterna em “Children of thegrave”,umbrilhodeesperançaemummundoondeaschancesestãotodascontravocê,comumavisofinalaos“childrenoftoday”[filhosdohoje]paraque sejam corajosos o su iciente para espalhar amor, senão se tornarão“children of the grave” [ ilhos da sepultura]… O som pesado, como umamáquina que acompanha aqueles sermões, e a voz quase monótona deOzzy signi icavam que o Sabbath iria ser comparado desfavoravelmentecom a nova sensibilidade “de volta ao jardim” de 1971 e os novosqueridinhos da crítica, como Joni Mitchell, Crosby, Stills and Nash, TheBandeJamesTaylor,paranomearalgunsdosmaisfamosos.Pertodeles,oBlack Sabbath parecia totalmente estúpido, sem educação e realmenteindesejado.NemmesmoquandoTonyIommiinsistiuemincluirmomentosde desvio como “Embryo”, uma estranha faixa instrumental com sommedieval, com Tony tocando com os dedos de couro uma música muitoantiga na qual, segundos antes, estavam balançando a cabeça juntos aosom do riff de “Children of the grave”. Ou “Orchid”, outra das músicasinstrumentais tradicionais de Tony, sua forma de criar raros espaços derespiração antes da lenta e primitiva “Lord of this world” começar aganhar vida, Ozzy atacando seu “evil possessor” [possuidormaligno] quese torna “your confessor” [seu confessor] por escolher “evil ways”[caminhosmalignos]emvezdoamor.Aquelapalavradenovo.

Até o Led Zeppelin, ainda atacado como também sendo um rockpesado secundário, era considerado uma banda com mais cultura e atécom certo charme comparado com o Black Sabbath. Foi uma das razõespelasquais,sócincoanosdepois,quandoanovaondadepunksestourouna Grã-Bretanha de forma súbita, uma das poucas bandas de rock “davelhaonda”quesobreviveunaimaginaçãodepessoascomoJohnnyRotteneRatScabieseraoBlackSabbath.Mesmocomfaixascomo“Solitude”—a“Planetcaravan”destedisco,commelodiastranquilasevocaismaislentos— não havia nada de lores ou hippies na banda, nem para seus fãs naépoca, nem para os punks destruidores que os seguiram, livrando oSabbathdosfortesataqueslançadoscontraseuscontemporâneos.QuandooSabbathcantavasobreae icáciadeumbaseado,comoem“Sweet leaf”,elesnão falavamde lindosmundoscheiosde ilhosdas lores,masvisões

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davidaentrecorrentesemqueaúnicaformadeescaparerapormeiodeuma nuvem demaconha barata. “My life was empty, always on a down”[Minha vida era vazia, sempredeprimido],Ozzy grita, “until you tookme,showedme around…” [até vocême levar,memostrar omundo…]. Se osBeatles tinhamestabelecidoopadrãopara amúsicapopde expansãodamente, o Sabbath agora fazia omesmopara a subclasse do rock, criandoum som bastante descompromissado, que, quando examinado de perto,apresentava letraspesadasquere letiamasverdadeirasraízesoperárias“no future” da banda. Não que parecesse assim de dentro do olho dofuracão. “Nossa música parecia totalmente natural para mim”, conta Bill.“Nãoestavaconscientequehaviaalguma imagemse formando.Achoqueeraingenuidadedaminhaparte,etambémpossivelmentedapartedetodoo resto. Mas, nos primeiros dias, a composição era tão natural e quaseinstantânea, que parecia muito bom e completo para mim. Pareciasimplesmente,tipo,issoéótimo.”

Mantendoohábitodosprimeirosdoisdiscos,aWarnerBros.lançouaversão nos Estados Unidos deMaster of reality com uma listadesnecessariamentemais longa de faixas, transformando suas oito faixasem doze, ao dar à introdução de “After forever” e “Lord of the world”títulospróprios(respectivamente), “Theelegy”e “Stepup”,decidindoquea coda de “Children of the grave” também deveria ter seu próprio título(“Thehaunting”)edividindo“Intothevoid”emdoissegmentos,aprimeiraparte chamada “Deathmask”. Não ajudou em nada e teve consequênciasdesagradáveis. Apesar de ter satisfeito o desejo de Joe Smith de tentartornarosdiscosdoSabbathmaisatraentesàsrádios,tambémteveoefeitonegativodefazercomqueparecessemmaisbidimensionais,comose icçãocientí ica e horror em quadrinhos fosse omelhor que pudessem aspirar.Como os anos 1970 foi o auge da rádio FM nos Estados Unidos, que seespecializava em tocar longas faixas de discos, não ajudou emnada parafortalecer a credibilidade underground da banda. As primeirasprensagensnosEstadosUnidos tambémmostraramcomooplanejamentoeramalfeitoquandoo títuloapareceunoplural:Masters of reality .O errofoi logopercebidoeaquelasprensagens foram tiradasde circulação.Masissosóaumentouapercepçãosobreabandaque iriapersistirpor todaa

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sua carreira: que eles eram o menor dos golias do triunvirato do rockpesado britânico, sempre colocados em último lugar depois de LedZeppelineDeepPurple.

Até os poucos amigos que a banda tinha nos meios de músicadesertaram, no auge de seu incrível sucesso. Umamudança liderada porJohn Peel, cuja tendência a abandonar artistas quando eles entravam nomainstreammaistardeseriapartedesualendapessoal,mascujassúbitasmudanças eram vistas pelos artistas que ele tinha defendido no começodos anos 1970 — Marc Bolan and T. Rex tinha sido o primeiro, BlackSabbathagoraeraomaisrecente—comotraiçõesinexplicáveis.“Agentesedavamuitobemcomo Johnno começo,masalgoparecequeodeixouchateado”, contou Tony para o Record Mirror em 1971. “É muito di ícildizeroqueessaspessoasquerem.”Naverdade,Peelestavaexpressandoumpreconceitocomumqueamaioriadoscríticosindependentesnaépocatinha por discos em vez de singles. Ao ter um sucesso gigantesco com osingle“Paranoid”,oSabbathtinhaagravadoseu“erro”anteriorde icaremfamosossemqualquerapoiodaimprensamusicalbritânica—elestinhamcometidoomaior, emaisodioso, crimequeera terumsinglede sucesso.Em vez de ser algo a celebrar, como aconteceria com o advento daMTVnosanos1980,umadécadaantes,TonyIommiprecisoudefenderabandacontra o próprio sucesso. “O single foi apenas uma faixa tirada do discopela gravadoraporque achavamque iria vender e era representativo dealgoquefizemos”,eleprotestounoRecordMirror.“Nãogravamossingles,eadecisãodelançá-losédagravadora.”

Internamente, a banda falou que não importava.Mas quandoMasterofrealityfoilançadonaGrã-Bretanhaemjulho—semumsingleantes,depropósito— e só chegou ao quinto lugar, eles começaram a duvidar deverdade. Nos Estados Unidos, a crítica agora estava dividida entre osguardiões do rock-como-poesia-e-arte — exempli icados pelo MonteRushmore dos críticos demúsica norte-americanos, Robert Cristgau, quedescreveu o disco noThe Village Voice como “tonto e decadente… umaexploração amoral e lerda” — e jornalistas menores, como Metal MikeStone,queresenhouodiscoparaarevistaundergrounddeSãoFrancisco,Rags,devidacurtamasultrarreverenciada, concluindo: “Sevocêgostaderock and roll barulhento e cru, seja o Kinks do início ou o Velvet

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Undergroundou o Stooges, de initivamente vale a pena ouvir este disco”.Mas as resenhas na imprensa tinham menos importância nos EstadosUnidosdoqueorádio,eorádiocontavamenosdoqueobocaaboca,querealmentefaziaadiferençaparaorockpesadonocomeçodosanos1970.QuandoMasterofreality foi lançadonosEstadosUnidos, emsetembrode1971, o Black Sabbath tinha mais boca a boca do que qualquer outrabanda,excetooLedZeppelin,eodiscochegouaoTop10,equilibrando-sena oitava posição por várias semanas— lugar que nenhum outro discodelesalcançariaali.

A terceira turnêdo Sabbath tinha começado em2de julhode1971,com um enorme show ao ar livre no Michigan State Fairgrounds, emDetroit. Com o disco chegando a ouro só com os pedidos de pré-lançamento,essafoiamaislongaturnênosEstadosUnidos:57showscomaaberturade,entreoutros,Yes,HumblePie,PocoeBlackOakArkansas.AúnicabandaparaaqualelesabriamagoraeraoLedZeppelin,comquemtocaram no mesmo show no Onondaga War Memorial Auditorium, emSyracuse, no dia 10 de setembro, e novamente na noite seguinte, emRochester, no Community War Memorial Auditorium. Como resultado,Master of reality se tornou o maior sucesso nas paradas até aquelemomento. Na verdade, todos os três discos do Sabbath estavam nasparadas aomesmo tempodurante toda a turnênorte-americanadaqueleano.ApedidodePatrickMeehan,elesimitaramnovamenteoLedZeppelin,quetinhadecididonãocooperarcomaimprensa,recusandoentrevistas,eTony e a bandadecidiramque a imprensapoderia ir se foder.Quando aRolling Stone inalmente se dignou a entrevistá-los, para uma matériapublicada em outubro de 1971, a banda simplesmente tirou um sarro.Geezera irmouserosétimo ilhodeumsétimo ilho,comacapacidadedeverodemônio,enquantoqueOzzypreviuqueseriaoprimeiromembrodabandaamorrer.“Sereieu,comcerteza”,eleinsistia.“Voumorrerantesdosquarenta,seidisso…”

Enquanto isso, na estrada, as coisas iam icando cada vez maisestranhas. Depois de um show em Los Angeles, o lendário produtor KimFowleydisseaOzzyqueeledeveria ir aoMéxico, comprarumcadáveredepois esfaqueá-lo no palco. Até a plateia agora estava icandodescontrolada. Como Ozzy, espantado, contou a um repórter da Creem:

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“DepoisdeumshownosEstadosUnidos,haviaumasmilseringasnochão!Fiquei espantado, me senti mal, realmente me senti mal ao pensar quetinha tocado para pessoas que estavam a umpasso do buraco…”.Mal ounão,elestinhamcomeçadoaconvivercomessascoisas.“Todosrecebemoscartas estranhas, todo tipo de coisa com sangue. Você imagina qualquercoisa, a gente já viu.” Quando chegaram a Memphis e descobriram quealguém tinha pintado cruzes enormes com sangue fresco na porta docamarim deles e trancado, eles simplesmente chutaram até abrir emandaramumroadielavartudo.“Agenteseacostumoucomaquilo”,Tonycontou dando de ombros, “não sabíamos que era sangue no princípio,achávamosqueeratinta.”

Quandoa turnê inalmente terminou, em28deoutubro, eles tinhamduassemanasdedescansoantesdocomeçodeumaturnêdetrintashowsnoReinoUnidoenaEuropaqueatravessariaoNataleoAno-Novo.Masnomomentosériosproblemasestavamcomeçandoaaparecer,easprimeirasdoze datas foram canceladas quando contaram que três membros dabanda — Tony, Geezer e Bill — haviam icado “doentes”. Uma nota foidivulgada para a irmar que a banda estava sofrendo de “exaustãonervosa”,comespecialmençãoàspedrasnavesículadeGeezer.MascomoBillWardcontariadepois:“Foiumagrandefestaparaagente,semdúvida.Foi como simplesmente icar chapado e se divertir. Estávamos icandodoidos, festejando, sabe, 24 horas por dia, na verdade”. A esse respeito,contouBill:“OdiscoMasterofrealityfoiumpontodevirada”.

Qualquer ideia de que o Natal em casa, em Birmingham, poderiaajudá-losaserecuperarfoidispersadarapidamentequandoelesvoltaramaos velhos lugares de antes, como o Henry’s e o Mothers, comoverdadeiros heróis conquistadores que todo mundo agora achava queeram.Cincodiasdepoisqueareagendada turnêbritânica terminounoStGeorge’sHall lotado,emBradford,emfevereirode1972,elescomeçaramoutraturnênorte-americana:31showsemapenas33diasquedeixariaasanidade deles pendurada por um io, como passageiros de um navioafundandoseagarramaobotesalva-vidas.

“Nos Estados Unidos, a gente perdia a cabeça!”, reclamava Ozzy. “Agente icavaacordadodurantedias!EueBill éramosospiores, éramosoComandodasDrogas—nuncaentrepelaportasevocêpodeatravessara

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janeladevidro!”ColocarfogoemBillsetornououtropassatempodaturnê.“Agenteesperavaeledesmaiare colocava fósforosentre seusdedosdospésedasmãos.”Muitobêbadoechapadoparaseimportar,Billnemabriao olho. Quando eles colocaram fogo em sua barba, ele apenas inalou afumaçaea irmouqueera“daboa”.Noentanto,Tonyfoilongedemaisumanoitequandoesguichouumpoucode luidodeisqueironaspernasdeBillantes de colocar fogo. Bill não conseguiu apagar as chamas e terminousendolevadoaohospital.“Agentepensou:‘Oh,merda,fomoslongedemaisdessa vez’”, riu Tony. “Mas não, ele estava mais preocupado por termosarruinadoseunovo jeans”,concordaOzzy. “Desdequetivessesuasidraesuas drogas, Bill estava bem. Ele era um cara muito tranquilo, semprecercado por parasitas. Um dia a casa de Bill [na Inglaterra] estava tãocheia de gente que ele se mudou para um galpão no jardim com umalanterna. Lembro que uma vez perguntei se ele tinha trazido toda suabagagemparaoaeroportoeeledisse: ‘Trouxe!’,emostrouquatrofrascosdesidra!EsteeraoBill…”

Quandoabanda icounoEdgewaterInn,emSeattle—famosoportersidoconstruídosobreabeiradaágua, sendoumponto idealparapescarda janela do quarto, e cena do infame episódio com o tubarão do LedZeppelin, já contada muitas vezes, e, entre os mais famosos, por FrankZappa, em seu discoLive at illmore east , de 1971, na faixa “The mudshark”—, onde o baterista do Zeppelin, John Bonham e o tourmanagerRichard Cole supostamente tinham amarrado uma groupie e forçado ofocinho de um tubarãomorto em sua vagina, Ozzy pegou o tubarão quepescou e simplesmente o colocou na banheira, depois encheu com água.Quando, como era de esperar, ele voltou depois do show e encontrou otubarão morto, começou a estripá-lo com uma faca, deixando sangue etripas de peixe por toda a parede. Tony, que também tinha pescado umtubarão, enquanto isso conseguiu arremessá-lo pela janela do quarto doBill, onde caiu sobre a cama. “Ele icoumuito surpreso”, disse Tony comtodasuacaradepau.“Nãodeformamuitoagradável…”

Abandaganhouumlongo imdesemana“defolga”no inaldaturnênos EstadosUnidos, uma ponte de três dias antes de voar ao Japão paradoisshowsnomesmolugar,oKoseinenkinConcertHall,emOsaka,ondeoDeep Purple faria sua estreia japonesa apenas três meses depois,

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gravando os shows para lançar como o disco duploMade in Japan. OSabbath poderia ter ganhado do Purple. Exceto porque eles tiveramnegados seus vistos de entrada, por causa das várias condenaçõescriminais: Ozzy por roubo. Tony e Bill por posse de drogas. O mesmoproblemaocorrerianoanoseguinte,antesque, frustrado,PatrickMeehanconseguisse persuadir aWarner Bros. em Tóquio a contratar advogadosin luentesobastanteparaconseguirvistos temporáriosparaabanda.Naverdade, essa parada ajudou. O Sabbath estava agora em pedaços, acabeça girando, os ossos quebrados: fodidos. Os shows japoneses foramcancelados,assimcomoasdatasnaAustrália,enquantoabandavoavadevoltaaLondres,edepoisseguiaparacasaemlimusinescomchoferesatéBirmingham. Geezer tinha sido o primeiro a desmontar, reclamando decansaçoextremo,conformeumshowseseguiaaooutro. “Oproblemaeraquenaquelesdiasnãoera,oh,descansemumassemanasatésesentiremmelhor”, ele reclamaria. “Era: ‘Aqui, cheire uma carreira disso ou fumeaquilo. Tome estas pílulas, elas vão ajudá-lo a continuar’. Não tinha a vercomsesentirmelhor,erasóparamantê-lonaestrada.Atéquederepente,umdia,eusabiaquenãopodiaaguentarmais—esimplesmentetinhadeparar.Osoutrosnão icaramfelizes,maseunãopodia fazernada.Pensei,estoudesmontando,sabe?”

QuandoBillfoidiagnosticadocomhepatiteB,elessabiamqueestavamcom problemas. “Ainda tínhamos 22, 23 anos”, Bill me contou, “mas jáéramos bemveteranos, sabe?Aí eu peguei hepatite e cheguei bempertodemorrer.Oníveldeálcoolnomeucorpoeratãoaltoque iqueiamareloporuns trêsmeses.Estavamuitomal…”AhepatiteBnãoéuma infecçãoque pode ser contraída por contato casual, mas um vírus sério quasesemprecontraídoporusodeseringasinfectadas—ou“agulhassujas”,nalinguagem coloquial — para injetar drogas. Ou, como Bill disse em umaentrevista para a Rádio BBC de Birmingham, em julho de 2011: “Pegueihepatite B por causa do abuso de narcóticos e de álcool”. Até então, elecontou: “Pensei que era invencível… Não me senti tão invencível depoisdisso”. Apesar dos avisos dos médicos, no entanto, assim que a icteríciadiminuiu, ele continuou a fazer o mesmo de antes. Era 1972 e erasimplesmente“oquese fazia”.Eleparou,riueacrescentou:“Tenhomuitasortedeestarvivo,paraserhonesto”.

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Em poucas semanas, no entanto, o Black Sabbath estava de volta aotrabalhoemseupróximodisco.Ou,pelomenos,Tonyestava.Pelaprimeiravez,elestiveramtempoparacompornovomaterial.OtempodeensaiofoiagendadolocalmenteepelaprimeiravezdesdequeTonyvoltoudoJethroTull,estabelecendoasregrasdefuncionamento,abandatevequeprestarmuita atenção ao que estava fazendo. Chega de discos gravados nacorreria, entre as turnês. Era um momento importante, eles tinham quemanteronível, e comoomarcantequartodiscodoZeppelin, lançadoseismesesantes,esperava-semuitodopróximodiscodoSabbath.Sóhaviaumproblema:umpubsituadoamenosdeumquilômetroemeiodoestúdiodeensaioemBirmingham.Namaioriadosdias,depoisdesearrastaremporumasfaixas“paraesquentar”,principalmente jamssoltas,Tonypassavaatrabalhar em alguns de seus famosos riffs enquanto os outros oabandonavam—pegandoaestradaatéopub.Horasdepoiselesvoltavame perguntavam: “Já tem alguma coisa?”. Tony começou a icar puto. Umasemana nessa rotina e ele explodiu. Quando PatrickMeehan sugeriu quegravassem o próximo disco em Los Angeles, em parte por um esquemapara evitar pagar impostos, e em parte porque era mais barato alugarestúdios em Los Angeles do que em Londres, Tony gostou da ideia. Osoutrosconseguiramsairdopubatempoparasegui-lo.

Já sepassaraumanodesdeque tinhamgravadoMasterofreality —uma era em termos de rock nos anos 1970, quando os artistas eramcontratados, no geral, para lançardoisdiscospor ano.Mas amaioriadosartistasderocknãoeratãograndequantooBlackSabbath,aindaignoradopeloscríticos,mascadavezmaisadoradoporumpúblicodescon iadoquetinha começado a ver a sua exclusãodamídia central comouma insígniade honra. Eles também eram ricos— ou achavam que eram. “Enquantotínhamos umas libras no bolso e um carro novo para icar dirigindo porBirminghametransarcomumasputas,estavatudobem”,lembra-seOzzy.“A gente nunca percebeu o potencial de quanto estávamos ganhando equal era o acordo, porque nossos empresários sempre nos mantinhamcontrolados.”

Até que icou claro para Ozzy quando ele foi até Patrick Meehan epediudinheiroparacomprarsuaprimeiracasa,umapropriedadeluxuosaemWelford-on-Avon,quevalianaépoca15millibras.Eleestavamorando

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com Thelma em um apartamento no centro de Birmingham. A primeirailha do casal, que se chamaria Jessica, estava a caminho e “eu só queriacomprarumacasa.Eununcatinhavividonumacasaisolada.EntãofuiatéessalindavilapertodeStratford,eraumaverdadeiracasadecampoestiloTudor,ligueiefalei:‘Patrick,possocomprar?’.Elerespondeu:‘Não,émuitodinheiro’.Termineicomprandoumacasaumpoucomaisno imdaruapor20 mil libras. Mas eu não sabia quanto se ganhava com a porra de umdisco.Denãoternadaatéchegaraoadiantamentoderoyaltiesdoprimeirodisco,queforam105libras,pensei:‘Porra,cara,cemlibras!’.Nuncapenseique ganharia cem libras. Então, no inal da primeira turnê norte-americana, que izemos acho que emdoismeses, dois shows por dia, elenosdeuumchequedemil librasenóspensamos: ‘Nossa, cara, a genteéfoda,porra!’.Epensamosqueera isso, sabe?Nuncapensamosnoquantoeleestavaganhando”.

Em 1971, “a coisa toda [tinha] mudado para nós”, lembra-se Tony.Quandoeles izeramsucessonosEstadosUnidos:“Estávamosviajandoemaviões privados para todos os lados. Quando queríamos algo a gente sóligava[paraoMeehan]. ‘Querocomprarumcarronovo.’Eele falava: ‘Oh,tudobem,quecarro?’.Nomeucaso,umLamborghini.‘Ondeestá?’Eudiziaonde estava. ‘Quanto custa?’ Eu dizia quanto custava. ‘Vou enviar umcheque para eles emando entregarem o carro.’ E era isso. Se eu queriacomprarumacasa.‘Ondeestáacasa?Quantocusta?’Eeutinhaacasa.Eraassimquevivíamos”.

Geezeraindaestava levandosuaroupaparaamãe lavarquandoeleconseguiu tirarsuacartadehabilitação—ecomprouumRolls-Royce.Ouligou para Patrick e pediu que “mandasse um cheque”. Bill tambémcomprou umRolls-Royce, enchendo o banco de trás com caixas de sidra.Ozzy, agora marido e pai — embora no geral à distância —, tambémmudousua jovemfamíliaparaumacasa.Aúnicacoisaquenenhumdelesvia era dinheiro vivo. Havia salários depositados em uma conta bancáriaparaelestodososmesese,comocontaTony,“deondevínhamos,terumascentenasde librasnobancoeraalgoespetacular”.OucomodizOzzy: “Eleestava metendo a mão na gente, e não tínhamos ideia”. Eles estavamsimplesmente felizes porque “éramos estrelas e não tínhamos problemasparaconseguirtransar”.

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Em junhode 1972 eles estavammorando emLosAngeles, dividindoumamansão em Bel Air que rapidamente se tornou famosa. Alugada deJohn Dupont, milionário rebento da família Dupont, que era dona dacorporação multinacional de químicos (uma das mais importantes nodesenvolvimentodearmasquímicaseatômicas,uma ironiaqueGeezer,oautor de “War pigs” e outras diatribes antinucleares, não percebeu, poisestavamuito ocupado cheirando colheradas de cocaína), a casa tinha umenormesalãodefrenteparaumapiscina,queabandausavaparatocarecompor.Meehantambémmontouseuescritórioali,juntocomduasgarotasaupair francesas, incluídas no contrato de aluguel. A gravação, enquantoisso,acontecianoestúdioRecordPlant,aliperto,umdosmelhoresestúdioscomequipamentosdeprimeiraqueofereciaaosmúsicosotipodevibraçãotranquilaparaelestrabalharemmelhor.Dessaforma,oRecordPlanttinhana época se tornado o estúdio favorito de bandas de rock pesado. Oambienteperfeito, decidiuo Sabbath, paraproduzir odisco elesmesmos.Decidiram chamá-lo simplesmenteBlack Sabbath Vol. 4 , outra ideiainspiradabastantepelo fatodequeo Zeppelin se recusava a dar título aseusdiscos(umhábitoqueelesentãomudaramnosseguintes).Nadamaisde Rodger Bain para responder — ou procurar ajuda —, este seria otrabalhodaprópriabanda,umasituaçãoquemuitocontribuiupara fazerdas sessões asmais longas que a banda já gastou emumdisco (mais dedoismeses,no inal)e tambémasmaisagitadas.Oque tambémajudouoprocesso foi a enorme quantidade de cocaína que a banda estava agoraconsumindo.

“A gente estava fodido de verdade”, Ozzy se lembra, “os tra icantesvinham todo dia com cocaína, a porra doDemerol,mor ina, tudo entravanaporradacasa.” Iommi: “Tornou-seumritual.Sempreque fazíamosumdisco, a gente fumava um monte, depois cheirava um pouco de coca ouqualquer outra coisa, e só aí começávamos. Eu nunca queria sair doestúdio. É por isso que gostamos tanto de fazerVol. 4, porque tínhamosuma casa e havia um climamuito bom.Mas icou um pouco insano…”. Acocaína era entregue numa caixa selada, grande como um alto-falante, echeiadeampolasdadrogalacradascomcera.AceraeracuidadosamenteretiradaerevelavaacocaínamaisforteepuraquesepodiaconseguirnosEstados Unidos. A banda começava a babar de expectativa quando as

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enormespilhasdepóbrancoeramespalhadasemumadasgrandesmesasde jantar da mansão, de onde a banda pegava o quanto quisesse, quesempre signi icava muito. Logo a notícia se espalhou, e a mansão doSabbath emBel Aire se tornou umdos lugares damoda emLosAngelesnaquele verão. Multidões de tra icantes e groupies se juntavam na casanoiteedia.Havia tantagentequeabandaobrigavaasgarotasa fazeremfilanagrama.Iraoestúdioerealmentetrabalharera“apartechata”,contaGeezer. Não para Tony Iommi, no entanto, que agora tinha começado apassar mais tempo no estúdio, enquanto as noites de cocaína giravamcomo as luzes de um trem. “Você sempre lia sobre bandas como o DeepPurple ou o Faces que iam jogar futebol juntas, mas a gente levava amúsicamuitomaisasériodoque isso.Oueu levava,pelomenos.Quandoeuentravanoestúdio,eraisso,nãosaíaenquantonãoterminasse.”

Uma noite, Ozzy icou tão chapado que acidentalmente se sentou nobotão do alarme, conectado com a delegacia de polícia local. Quando doiscarros chegaram e policiais armados começaram a bater na porta dafrente,abandaentrouempânicoecomeçouatentarjogarváriosquilosdemaconha e dezenas de ampolas de cocaína pelos vários banheiros damansão. “Foi uma correria louca”, lembra-se Geezer. “A gente deve terjogado pelas privadas uns 10 mil dólares de cocaína [e] maconha.”Convencidodequeiamserpresos,quandofinalmenteelesmandaramumad a sau pair atender a porta e descobriram que os policiais estavamsimplesmente respondendo a um falso alarme, houve outra corrida loucapara ver se eles conseguiam destapar um dos banheiros e recuperar adroga.Eratardedemais.

Geezer a irma que foi também na casa em Los Angeles que elesexperimentaram LSD. “Eu tinha tomado ácido na Inglaterra, mas semsaber;realmentenãoconheciaoqueeranaInglaterra.Eodiei,cara.Nuncamais quis tomar. Eu tive uma experiência realmente horrível com aquilo,realmenteruim.Quasemematei.Anamoradaquetinhanaépocatevequeliteralmentesedeitarsobremimparaevitarqueeupulassedajanelaemematasse,detãoruimqueeuestava.Jureinuncamaistomar.AífomosparaaCalifórniaeestávamosnacasadeumagarota,umlugarenormenapraia,emLaguna.Eelanosdeuessacoisa,psilocybin.Nuncatinhaouvido falar,nãosabiaqueeraoutronomeparaácidoesimplesmentetomei—eu,Ozzy

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e essas garotas. Foi louco. Ozzy foi nadar— pelomenos ele achava queestavanadandonooceano,maseleaindaestavanapraia,debatendo-senaareia.” Ozzy balançou a cabeça: “Naquela época, nos Estados Unidos, aspessoas gostavam de batizar suas bebidas com ácido. Eu não meimportava.Costumavaengolirmuitoscomprimidosdeácidodeumavez.Oinal disso chegou quando voltamos à Inglaterra. Eu tomei uns dezcomprimidos de ácido e fui dar uma caminhada pelo campo. Termineiparado ali conversando com um cavalo por quase uma hora. No inal, ocavalosevirouemandouqueeufossemefoder.Foiomeulimite…”.

Apesar ou até por causa do caos ao redor de sua criação,Vol. 4 setornououtroclássicoabsolutodoBlackSabbath.Abrindocomumépicodeoitominutos “Wheels of confusion”, o que se destacava era a guitarra deIommi, um pouco mais leve que o som pesado deMaster of reality .Tentandoprovarqueoscríticosdabandaestavamerrados,desesperadospara, de alguma forma, alavancar sua credibilidademusical para algumaestratosferaestelarqueoLedZeppelintinhaalcançado,aênfaseestavanaversatilidade, musicalidade, técnica. Tony se sentou para tocar pianoenquanto Geezer operava o mellotron em “Changes”, a balada maisso isticadadeles, e a primeira cançãode amor que compuseram. Poderiater sido um single norte-americano, também, se eles tivessem seguido oconselho da equipe de promoção de rádio da Warner Bros., mas Tonyaindanãotinhachegadoatanto.Mantendosuapolíticadenãolançarmaisde um single por disco, eles decidiram lançar “Tomorrow’s dream” comosingle,umrockimperturbávelquepoderiatersidoumasobradeMasterofrealitye,porisso,umadasfaixasmenosexcepcionaisdonovodisco.

Apesar disso, era uma excelente música. Com seu ritmo feroz edançante,umriffa iadíssimo,“Supernaut”eratipoumaversãowhitemetalde “Theme from shaft”, de Isaac Hayes, um enorme sucesso no anoanterior, a voz de Ozzy pareciamercúrio jogado sobre a colher de pratadas guitarras e bateria, a letra de Geezer, que ele a irma quase não selembrar como escreveu, fala da nova era de devassidão emque a bandatinhaembarcadoagora,dequerer“touchthesun”[tocarosol]ea“needtoly” [necessidade de voar]. Não havia nem um solo de guitarra, só umpouco de percussão que vai crescendo no meio, antes de inalmentepermitirqueoriffdistorcidovoltepelaportadofundo.

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O assunto principal — a inspiração deles para o disco, eles iriamagradecer, não muito sutilmente, nas notas de capa com as palavras:“Gostaríamos de agradecer à grande COCA-Cola de Los Angeles” — foitratadoaindamaisdiretamenteem“Snowblind”,comOzzycantandosobreseus sonhos de ser “ laked with snow” [coberto pela neve] enquanto abanda descia a mão no ritmo pesado, atacando o riff como uma giletedividindo carreiras brancas sobre um gigantesco espelho quebrado.Novamenteomelodramaéexpandidocomosurpreendenteacréscimodeumquartetodecordasnoúltimominuto,maisoumenos,enquantoIommivai abrindo caminho através de um solo de guitarra frenético. Até nosmomentosmaislevesqueTonysempreinsistiaemincluir,paracontrastarcom a escuridão fosca das partes pesadas, eram de alguma forma maismalévolos. Dos dois interlúdios instrumentais, o primeiro, “FX”, erasimplesmenteTony, commuita cocae fumo,depénuna salade controledo estúdio, brincando distraído com sua guitarra, como se estivessemandando sinais para o espaço, que na verdade era exatamente o queestava fazendo,daíseutítulo. “Ele tiroutodaaroupanoestúdio”, lembra-se Geezer, “e estava batendo nas cordas da guitarra com as cruzes queusava no pescoço.” A segunda faixa, “Laguna sunrise”, veio totalmenteformada de sua imaginação infantil, instrumental acústica rica, quase emestilo lamenco, acompanhada de uma seção de cordas romântica,ascendente e alegre. Era música para icar olhando o nascer do solcaliforniano—massódepoisdeter icadoanoitetodaacordadocomaluae as estrelas. Havia também outro hit que nunca foi reconhecido, nasurpreendentemente curta e pegajosa “St. Vitus dance”, sua irresistívelharmonia contraposta somente pelos acordes brutais com os quais Tonymarcacadaverso.

AverdadeiravozdeBlackSabbathVol.4,noentanto,foicapturadaemsua última faixa, “Under the sun”. Um suporte perfeitamente executadopara “Wheels of confusion”, outra faixa viajante, longa, intricada, e tãodi ícil de segurar como a cauda de um grande tubarão branco. Passandopor três seçõesmusicais bemdiscerníveis, foram faixas como “Under thesun”quesetornariamoguiasonoroparaaquelasbandasqueseguiriamoSabbath nos anos seguintes; grupos como IronMaiden e Metallica, cujascarreiraspoderiampraticamentesertraçadasapartirdosdoisminutose

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meio inaisde“Underthesun”;conceituada,dolorosa,quaserepelenteemseu insistente magnetismo; autoenvolvente e desesperadamente séria;épicaatéseusúltimosinglóriosacordespesados.

As mixagens inais deVol. 4 aconteceram em Londres, mas só Tonyestava lá para supervisioná-las. Ozzy tinha voltado para Thelma e suafamília em Birmingham, Geezer tinha se retirado para sua nova casa nocampo e Bill estava, como ele conta, “levando um estilo de vida Sid eNancy”,comsuanovanamorada,quetinhaviajadocomeledeLosAngeles,“vivendo em hotéis [e] chapado o tempo todo”. Ele acrescentou: “Foi oprimeiro disco no qual quase fui chutado da banda”. Uma coisa era Billestar doidão o tempo todo com sidra, maconha e cocaína; outra bemdiferente era levantar alguma objeção à música “mais so isticada”, comoTonyavia,queseapresentavanessenovodisco.Quandoelesugeriuqueesquecessemosmellotronseosquartetosdecordae“ izessemumasjamsdeblues”,Tonyvirouas costaspara ele.Depoisdisso, “houveum tipodefrioassustadornoestúdioepercebiqueestavaemperigo”.

As resenhas das revistas de música britânicas sobre o novo disco,quandofoilançadoemsetembro,foramdenovouniversalmentecontra—MaxBellodescreveunaLetItRockcomo“umachaticemonumental”.NosEstados Unidos, no entanto, os críticos pareciam começar a gostar deles,inalmente. Até Lester Bangs, que tinha detonado seus dois primeirosdiscos, agora realizou uma reviravolta desavergonhada, descrevendo oSabbath naCreem como“moralistas”ecomparandosuas letrasàsdeBobDylan e aos livros de William Burroughs. “Vimos os Stooges tomarem anoite ferozes e depois caírem de cara e Alice Cooper está atualmenteexplorando tudo que tem direito, transformando os shows em um circo”,eleescreveunaCreem.“Massóumbandalidoucomacoisahonestamenteemtermossigni icativosparaamaioriadaplateia,nãosócombatendocomuma estrutura mítica que é tanto pessoal quanto universal, mas naverdade conseguindo prosperar também. Esta banda é o Black Sabbath.”Paradoxalmente, no entanto, bem quando a mídia estava girando a seufavor,oSabbathexperimentouoprimeiroproblemasérioemsuacarreira,comVol.4chegandoapenasao13olugarnasparadasnorte-americanas—a colocação mais baixa desde o primeiro disco. Na Grã-Bretanha, foi a

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mesma história, chegando ao oitavo lugar, o mesmo queBlack Sabbathhavia chegado em 1970. Hoje, ironicamente, é um dos discos do Sabbathqueamaioriadoscríticos cita comoo favorito,masnaépocaTony Iommiviu oVol. 4 como um fracasso. Iommi culpou as pressões que a bandaestava sofrendo para criar uma sequência de seusmaiores sucessos nosEstadosUnidos. Ele tambémculpouo resto da bandapor, como ele dizia,“ter deixado tudo nas costas dele”. Estava determinado a garantir que odiscoseguintedelesseriadiferente.

Nada disso impediu que os fãs invadissem a última turnê norte-americana deles, onde a reputação do Sabbath como monolíticosmercadores da destruição precedia sua chegada. No começo da turnêamericana deBlack Sabbath Vol. 4 , na primeira semana de julho, elestinham um tra icante de coca próprio, viajando com eles. “Elesimplesmente apareceu”, contou Ozzy, “e tinha uma mala cheia de umaporrada de quilos dessamerda. Então, um dia eu estava no quarto dele,abrisuamalaehaviasacosdecocaembarra,empó,diferentestipos.Eeupeguei um dos sacos e havia um revólver embaixo! Pensei: ‘Isso nãomecheirabem!’.”

Foi também nessa turnê, de acordo com Ozzy, que “as groupiessabiammais sobre nosso itinerário do que a gente”. Umamanhã, ele foidespertadoporumavoznotelefonedizendo:“SouaRainhadoBoquete.Equem é você?”. Cauteloso, Ozzy disse que eraGeezer e deu o número doquarto dele. Dezminutos depois, Geezer estava no telefone com Ozzyreclamando amargamente que tinha uma garota louca em seu quarto eque não conseguiamandá-la embora. Quando parou de rir, Ozzy chamouTonyeBill,e foramcomeleatéoquartodeGeezer.“Entãofomosaté láedissemos: ‘Por favor, vá embora’, e ela dizia: ‘Não! Por quê? Faço osmelhores boquetes do oeste. Não acreditam em mim?’. Não queríamosmachucá-la, não sabíamos o que falar ou fazer, então inalmente todosameaçamosmijarnela,senãofosseembora,aíelasaiu.”Ozzypareciatristeao contar isso. “Shows, bares, hotéis, entrevistas de rádio… estavam emtodolugarondeíamos.Nóssofremososresultadostambém.Agentepegougonorreia, chato— todo tipo de doença. Depois tínhamos que nos curar,comenormesedolorosasinjeçõesdepenicilinanabunda…”

Haviamuitas outras turnês norte-americanas, emuitas outras dores

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de vários tipos, mas os shows de 1972 foram os últimos antes que umacombinação de problemas com dinheiro e drogas acabasse roubando afagulha original da banda. De todas as desventuras na estrada norte-americana, eles nunca mais voltariam a ser tão inocentes de novo. Oscríticos agora chamamo Sabbath de “música depressiva”; a trilha sonoraperfeitapara a geraçãode sedativos e vinho tintode futuros recrutasdoVietnã que iam aos shows da banda no começo dos anos 1970. Era umaimagem que sua plateia cada vez mais volátil parecia fazer questão demanter.Nopalco doHollywoodBowl, em1972, Iommi, cujo equipamentoestava falhando, icou tão iradocomomau funcionamentoqueavançouechutouumgrandegabinetedealto-falantes.“Quandoeusaí,haviaumcaraatrás de mim, que não percebi em momento algum, com uma adagaenorme! Ele iame esfaquear! Tinha conseguido passar pela segurança eestavatododepreto.Eeraumdessessatanistasouloucosreligiososouseilá o quê, e ia me en iar a porra da faca. E eu não percebi emmomentoalgum. Eu me afastei e eles pularam sobre o cara e ele estava no chão,mesmo assim não percebi nada! E entrei no camarim [depois] e elesdisseram:‘Putamerda!’,eeudisse:‘Oquefoi?’.Eumesentidesconfortávelcomacoisa,masachoquenaquelesdiasagenteusavatantasdrogasqueas coisas pareciam luir, sabe? ‘Oh, alguém veio me esfaquear? Putamerda!Vamoscheiraroutracarreira!’”Maisrisadasnofundodopoço.

A banda tentaria racionalizar os efeitos que suamúsica causava naspessoas.ConversandocomMikeSaundersdarevistaCircularumasemanaantes do lançamento do novo disco, Geezer a irmou: “As pessoas sentemcoisas ruins,mas ninguém canta sobre o que é assustador emau. Querodizer,omundoéumaporradeumazona.Detodasasformas,todomundocanta sobre as coisas boas… Tentamos aliviar toda a tensão nas pessoasque nos ouvem. Para tirar tudo de seus corpos — todo o mal e essascoisas”.Osmalfeitorespareciaque iam icar.Outravez,Tony lembrou-se,semdemonstraremoção:“Tínhamostodosessessatanistasebruxas,seiláoquemais,queapareciam,etodosvinhamnohotel.Tínhamossempreumandar inteiro, naquela época, reservado para a banda. E a gente voltavapara o hotel e, puta merda, havia umas vinte pessoas sentadas nocorredor, todas de preto [e] segurando velas pretas, todas sentadascantando. E estavam todas na frente dos nossos quartos, sabe, e a gente

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pensou: ‘Putamerda!’. Mesmo assim, a gente se despediu e cada um foipara seu quarto — sabe, passamos por cima deles, pisamos neles efechamosasportas—eaícadaumligouparaooutro.‘Oquevamosfazercom essa gente aí fora?’ Então sincronizamos nossos relógios e saímostodosaomesmotempo,sopramosasvelasecantamosparabénsparaeles.Eeles icaramtãoputosqueforamembora!Saírammuitorápido!Maseraissoouchamarasegurança”.

Os eternos deslocados, muito nervosos e tensos com esse jeito dasclasses pouco educadas inglesas— sem nunca saber qual faca usar emquais costas —, sem conseguir fazer amigos, eles simplesmente usavammais drogas para conseguir suportar toda essa chatice. Tony: “A gentesimplesmentenãoeraessetipodebanda—sabe,oh,vamosjantarcomaporra do presidente da [gravadora] tal e tal. E, claro, a gente terminavatendoquefazeressascoisasenamaioriadasvezesnãoqueriair.Entãoagente ia e usava drogas. E, claro, todo o resto usava também, algo que agente não sabia na época, mas eles também estavam chapados! A gente[conheceu]todotipodegenteedepoisdescobrimosquetodoschapavam,erainacreditável”.

Eles se sentiam bem mais em casa soltando fogos de arti ício emcorredores de hotéis, ou simplesmente bebendo e se drogando atédesmaiarem.Apesardisso,mesmoentreosquatromembros,começavamaaparecer algumasdivisões.Emseusdiasdedividirquartos,Bill eGeezertinhamocupadoumquarto,enquantoTonyeOzzyocupavamoutro.Agoratodostinhamdinheiroparapagarporsuítesseparadas,eramBilleOzzy—osmaischapadosdogrupo—queandavammaisjuntos.EnquantoTonyeGeezer, os principais compositores da banda, formavam sua própriaaliança.

Ozzy: “Era porque eu e Bill estávamos sempre chapados e bêbados,éramosunsporrasdeunspiratas invadindoos lugares, fazendoascoisasmais doidas”. Tony e Geezer, ele disse, “usavam suas próprias drogas,bebiam seu álcool, mas em lugares privados. Quero dizer, daria paraescreverumlivrosobreosepisódiosdeOzzyOsbourneeBillWard.Elemesalvoudeafogamentosmilharesdevezes”,elebrinca,referindo-seàúltimaloucura na turnê: engolir muitos “vermelhos” — um barbitúrico pesadochamado Seconal, popular na época. “Eram coisas maravilhosas”, ele

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acrescentavasarcástico.“Erasótomarunsvermelhose…”,suacabeçacaíaingindo estar inconsciente. “Era esperar pela pancada [da cabeça]. Vocêestava bebendo então alguém falava: ‘Vai um vermelho?’. E, claro, vocêrespondia: ‘Oh,ótimo!’.Então trintaminutosdepoisvocêestavadormindodozehorasdireto.Euestavatomandoquatroouseisdessasporrasdeumavez.Grandespílulasdecemmiligramas.”

Metrospan, umantidepressivopopular na época, foi outra pílula queOzzy começou a tomar muito, sempre que icava de mau humor, o quenormalmente acontecia depois do show, toda noite. “Eles realmentesigni icavamumaporrada na cabeça”, ele explicou a um jornalista norte-americano.“Ummédicomedeuparadepressãofazalgunsdias.[Mas]elasme deixam louco.” Ele continuou, taciturno. “Eu vou icar bem enquantotiver minha esposa, meus ilhos e meu grupo. Mas às vezes começo apensarseminha famíliavaiesperarpormim.Meperguntoseelanãovaiterminar puta enquanto estou por aí, gravando e todo o resto. Não sei oque faria sem ela.” Novamente, isso tudo era só uma cortina de fumaçaparaqueasesposasemcasa lesseme icassemcompenadeles.OzzyeoBlack Sabbath sabiam exatamente o que estavam fazendo sem suasesposasefamílias.

Como Ozzy contaria mais tarde: “Eu me lembro de uma ocasião,estávamos em Virginia Beach. Tinha acabado de falar comminha esposa[Thelma], desliguei o telefone e alguém bateu na porta. Era uma lindagarotaqueentroueeupensei: ‘Porra,hojemedeibem!’.Eualevoparaacama e a gente transa. Ela vai embora. Bam-bam-bam na porta de novo.Achei que ela tinha esquecido algo… É uma garota diferente na porta.Lindapracaralho!Juroquepareciaumanjo.Eeutrepocomessatambém.Elavai embora.Bam-bam-bam, epenso: ‘Nãopossoacreditarnisso’.Três— cinco garotas entram e trepo [com elas]. De onde estão saindo essasgarotas?Começoaandarpeloscorredoresepenso:‘Masqueporra?’”.Elecontinua:“Quandovocêé jovemevemdeAstonparaosEstadosUnidosevê todas essas gostosas querendo trepar, parece um touro no pasto.Transforma-se num lunático— eu estava fazendo todas as perversões…todotipodedoideiraestavaacontecendonaminhavidasexual.Ébizarro,eraselvagem”.

Ograndepassatempoforadopalco,noentanto,eraacocaína.“Sabe”,

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contaOzzy, “acocaínaéumasubstância incrível.Vocênuncaestásozinhocomumsacodecoca.Dáparairaumaporradeumailhadesertacomumpouco de coca e garanto que umas dez pessoas vão bater na sua portaantesdo inaldanoite.Garanto.Pessoasquevocênãoconhecemasquenoinaldanoitesãotodosseusamigosenamanhãseguintevocêvaiolhareperguntar: ‘Merda, quemé você?’.”No inal da turnênorte-americanade1972,eledisse,abandaestavarecebendoacoca“pelocorreio,porqueeradi ícil conseguir aqui [na Inglaterra]. A coisa aqui era mais anfetamina...Entãoagentepediaparamandarempelocorreio”.

Elepara,depoisacrescenta,melancólico:“Nessaépoca,nãoimportavamais em que país estávamos ou o que deveríamos estar fazendo comobanda, era tudomeioborrado, na verdade.Olhopara trás agora e pensonaquelesdiascomoosmelhoresquetivemos.Éengraçado,noentanto,comquerapidezissopassouederepenteelessetransformaramnospiores.Enão havia nada que poderíamos ter feito para evitar isso. Estávamostotalmentefodidos…”.

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Cinco

Matando-separaviver

DEZESSETEDEMARÇODE1973.RainbowTheatre,noFinsburyParkdeLondres;o24 o

de25showsportodaaGrã-BretanhaeEuropaqueoBlackSabbathtinhacompletado num período de 32 dias. Todo mundo está exausto, ísica eemocionalmente.Todomundoestá seapoiandoemspeed, coca,maconha,ácido— qualquer coisa que consigam encontrar para seguir em frente.EsteéosegundodosdoisshowsqueiamfazernoRainbow.AúltimanoiteemLondres,vaiterumafestadepois.Mashaviaumafestaapóscadashownaqueles dias. No dia seguinte, todos estão desmaiados, em pequenosassentosdeumpequenoaviãovoandobaixoaonortedeNewcastle,paraapróximaparadanoCityHall.

Nomomento,entretanto,OzzysóselembradasluzesdoRainbowedoqueaquilofezcomsuacabeça.Segurandoopedestaldomicrofonecomasduasmãos,paranãocair,elegritaparaaescuridão.

“Vocêsestãodoidos?”Amultidãorespondecomumfraco“Yeeaaahhhh…”.Eletentadenovo.“Eudisse:vocêsestãodoidos?”Mesmaresposta,sóumpoucomaisalto.Aindanãoeraosu iciente,no

entanto.“VOCÊSESTÃODOIDOS?”,elegritacomtodaaforça.Dessavezolugarvemabaixo.“Ótimo!”,eleconta.“Porqueeutambémestou!”Nesse mesmo momento, Tony começa a tocar em sua guitarra o

poderosoriffde“Snowblind”.GeezereBillentramquandooprédioparecetremer. Essa é a experiência do Black Sabbath em sua apoteose: escuro,voltadopara si, cegoporqualquerpontopequenode luz, tão sufocante eabrangente como uma gigantesca teia de aranha na qual a plateia estácolada como moscas perdidas. Isso é 1973, cara. Não toda aquela coisaglamquevocêvênaTV,masaverdadeiracascaesvaziadaqueorock—pesado, cruel, imparável — inalmente se tornou, agora que os Beatles

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tinham acabado e os Stones eram passado. A visão esplêndida do baixo-ventrepodredachamadamúsicacivilizada,dachamadaculturamodernadoscabeludos.Opontoaltodoquehádemaisbaixo,baby…

O que ninguém sabe ainda é que esse será o último show do BlackSabbath por quase um ano. Não haverá nenhum grande discurso comrepercussões em manchetes de jornais, como o que Bowie vai fazer nopalco uns três meses depois, nenhuma saídamelodramática entre gritosangustiados de mais-mais-mais. Haverá simplesmente uma ligaçãotelefônica, feita alguns dias mais tarde, depois que o último fã tiver idoparacasalevandooprogramadaturnê,cancelandooquedeveriatersidoapróxima turnêamericanadabanda.Ospromotoresvão icar furiosos, agravadora vai entrar em pânico pensando em como prolongar a vida doVol.4,que jáganhououro,masqueseriaumaapostacertaparachegaraplatina depois de outra turnê de três meses. Mas não será assim. Umaaparição num festival na Alemanha agendada para julho também écancelada. Oito meses na estrada em todo o mundo quase mataram osquatro.Agora tudoqueTony Iommiquerévoltaraoestúdioeproduziraobradeartequevai, inalmente—eleestádeterminadoa isso—provarque o Black Sabbath é tão importante, tão profundo e merecedor daatenção da imprensa quanto bandas que vendem até menos que eles,como Stones e Deep Purple, como qualquer outra banda, com a únicaexceçãodoLedZeppelin,quenessemomentoémaiordoquetodomundo.Os outros querem isso também, mas não tanto quanto Tony. Os outrosainda sentemque seu lugar,no inal, éno fundoda classe, zoando comoprofessor.Tonypensadiferente.TonyquerqueoBlackSabbathtenhaseupróprio lugar abençoado no panteão, que o nome Tony Iommi sejacolocadoali,ondeéseulugar,eletemcerteza,juntocomodeJimmyPageeRitchieBlackmore;JeffBeckeEricClapton.

ComoelereclamoucomKeithAlthamemumaentrevistaparaa NMEnaquele ano: “Em termos de quantidade de gente nos shows e venda dediscos,podemosnos comparar comgrupos comoZeppelin eWho, apesardequenão recebemosquasenenhumreconhecimentopelo fato”.Elenãoerasóumguitarristaderockpesado,disse.Haviamaiscoisasquegostavatambém. “Tenho umas itas do Deep Purple no carro, mas pre iro ouvircoisascomoPeterPaulandMary,Sinatra,MoodyBlueseCarpenters.”Ele

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era um artista e deveria ser tratado assim. “Queromemudar para umacasamaior”,disse.Para icarcompletamentedistantedaspessoasepodertrabalhar, criar. “Quero dizer, tenho uma casa grande com piscina agora,mas quero uma com quadra de tênis e um estúdio, assim tenho tudo nacasaenãoprecisosairparanada…”

Sua vida pessoal seguiu um arco similar.Mais cedo, naquelemesmoano,eletinhaconhecidoSusanSnowdon,umaamiga“elegante”dePatrickMeehan por quem Tony se apaixonou. Susan tinha se apresentado comouma aspirante a cantora; Tony tinha se oferecido para compor para ela.Mas a primeira vez que eles se encontraram icou claro que Susan nãosabia cantar— e Tony não tinha composto nada para ela. Em vez disso,elesforamjantareTony icouencantadocomoardecon iançaeocharmefácil dela. Viviam em mundos distantes; os opostos que se atraem. Masicou claro, desde o dia em que se casaram, em novembro de 1973, queestavam destinados a permanecer estranhos durante todos os oito anosque passariam juntos. O pai de Susan convidou os recém-casados paramoraremsuamansãodeduzentosaposentoscercadadeváriascentenasdeacres entreBirminghameLondres, eTony tinha sua casa com “tudo”,incluindo seu próprio estúdio, e não precisava sair—nunca. Susan icouchocada, no entanto, quando percebeu que ele dizia isso literalmente.Entre as turnês, enquanto o resto da banda levava suas esposas enamoradaspara longas férias, Tony icavapara trás trabalhando sozinhoem seu novo estúdio, cheirando cocaína e compondo a noite toda. TalvezSusan deveria ter percebido os sinais desde o começo quando Tonyescolheu JohnBonham, famosoporsua impetuosidade,comopadrinhodeseucasamento,eobateristaquasedestruiuarecepçãoquando icouclaroque depois do brinde de champanhe só havia suco demaçã para beber.Tony tinha visões de “antiguidades explodindo contra as paredes” antesque suamãe salvasse o dia convidando Bonham e o igualmente sedentoOzzyparairbeberemsuacasa.

Maisdoquetudo,TonyIommiqueriaaúnicacoisaqueodinheironãopoderia comprar: respeito. E ele agora estava disposto a fazer quasequalquercoisaparaconseguir—mesmoquesigni icassecancelar turnêse arrastar a banda de volta ao estúdio durante semanas. Qualquer coisaparacolocaroBlackSabbathondeeledeveriaestar:no topo.Eles tinham

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pensadoemlançarumdiscoaovivo,à laDeepPurple,cujoduploaovivo,Made in Japan, lançado em dezembro de 1972, tinha sido um sucessointernacional impressionante— e havia custado praticamente nada paraser produzido; uma ideia que deixou todos animados, principalmentePatrickMeehan.MasquandoTonyouviuas itasdosshowsdeLondreseManchesteraotérminodaturnê, icouhorrorizado.EsteeraoSabbathdavelha escola, pesado como uma bota com pregos correndo pela neve,insolente,altoeautoritário.Excitanteparaaplateiaqueestavaláparaessetipo de show, mas absolutamente enervante em disco, esgotante como aressacadecocaína,esemrelaçãocomolugarondeTonyqueriacolocaroSabbathnessemomento.Eleengavetouaideia.AgoraeraavezdeMeehanicar alarmado, vendo potenciais milhões de dólares desaparecendo noespaçodeumaligaçãotelefônica.Eleacabariasevingando,eissoteriaumcusto para a banda, mas por enquanto era Tony Iommi quem mandavamusicalmente, epor issooBlackSabbath acabouvoltandoaLosAngeles,noverãode1973,paratrabalharemseuquintodisco.

AbandavoltouàmesmamansãoemBelAirondetinhacompostoVol.4, imediatamente ligouparaosmesmostra icantesegroupiesquetinhaminspiradootrabalhodelesnoanoanterior.Masenquantoorestodabandapensavaqueeles iamsimplesmente fazeroqueseriaoVol.5,Tony tinhaoutras ideias, muito maiores. Ao contrário dos discos anteriores doSabbath,amaioriadosquaistinhasidogravadonacorreria,entreturnês,dessavezascoisasseriammarcadamentediferentes,decidiuTony.Emvezdesimplesmenteevocarumclimaeseguircomelecomosefosseumajamao vivo, eles iriam tirar algum tempopara pensar no que tinhame comopoderiammelhorar; depois iam se preocupar se iriam ou não conseguirreproduziracoisaaovivoeconstruiralgoqueosfãseoscríticospoderiamvercomoalgodiferente.AssimoBlackSabbathnãotrabalhariamaissobaimagemdeumabandaderockpesadoebarulhento,modi icando-separaalgomaisdivertidoeinteligente,algoemqueamúsicarealmenteviriaemprimeirolugar,aimagem icariadelado,emquepoderiaserpermitidosereabilitar em algo mais seguindo a linha das novas bandas, como o Yes,cujoousadonovodiscoduplo,Talesfromtopographicoceans ,trariasóumafaixadecadalado,eoPinkFloyd,quetinhadeixadosuaimagemanteriordeprofetaspsicodélicosde ladopara semetamorfosearemumGoliasdo

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rockprogressivocomo lançamento,naquelemesmoano,de Thedark sideof themoon . Discos conceituais agora eram a regra para artistas de rockque queriam ser levados a sério. Tony ouviu o disco duplo do TheWho,Quadrophenia, e sentiu que o Sabbath estava sendo deixado de lado,empurrado para fora da estrada pelos novos conhecedores que tinhamchegado no começo dos anos 1970 e que consideravam David Bowie eRoxy Music como a vanguarda, e bandas como Mott The Hoople e TheSensational Alex Harvey Band como muito diferentes, mais estilosas eprovocadoras,formasmaisgenuinamentedesa iadorasderockpesadodoquequalquercoisaqueoaindabrutalizadoSabbathpoderiacriar.

Havia também pressões comerciais a serem consideradas. Nãoobstante toda a satisfação com a forma comoVol. 4 tinha saído — oprimeirodosdiscosdoSabbathquenão foi feitocomorçamentocurto—,tinhasido,essencialmente,maisdomesmo,emtermosmusicais,apesardobrilho mais polido. Algo que seu desempenho vacilante nas paradasmundiais tinha deixadomais claro. Embora tenha ganhado disco de ouronosEstadosUnidos,Vol.4sóchegouao13o lugardasparadas,menosqueParanoid ouMaster of reality . Foi a mesma história na Inglaterra, ondeicou parado em oitavo lugar. De repente, a trajetória anterior decrescimentodevendastinhaterminado.Elesaindavendiamentradasparaos shows, suas turnês estavam lotadas, mas sua base de fãs tinha dadouma clara indicação de que já havia discos su icientes do Sabbath e queprovavelmentenãoeramnecessáriosoutros.Enquantoisso,bandasquejátinham aberto shows para o Sabbath em turnês, como o Yes, estavamvendendo mais que o dobro de discos. Até o Deep Purple, que sempretinha icado atrás do Sabbath em termos de vendas mundiais, agoratambémtinhasuperadoabanda.Emapenasquatroanos,oBlackSabbathhaviapassadodeamaiorbanda—estrelasinstantâneasnasparadasdosdois lados do Atlântico, aparentemente sem precisar se esforçar — aperdedores. Ao contrário do Purple ou do Zeppelin, o Sabbath tinhaestagnadomusicalmente.SevocêtinhadoisdiscosdoSabbath,tinhatodos.Com o advento dos gigantes do rock progressivo, como o Yes, e ocrescimentodapopularidadededeusesglams,comoBowieeRoxyMusic,oSabbath era visto cada vezmais como ummágico de apenas um truque.Uma banda pesada somente para fãs demúsica pesada. Com as cabeças

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cheiasdeálcoolecoca,Ozzy,GeezereBillpodemnemternotadoisso,masno verão de 1973, com o guitarrista lutando para criar algo que fosserealmente novo e surpreendente, Tony Iommi estava consciente de queseriaagoraoununcaparaoBlackSabbath.

OproblemaeraqueTonynãoconseguiagerenciarisso,nãoimportavaquantacocaelemetessepelonarizemseusturnos,agorarotineiros,de36horasnoRecordPlant.“Tinhasetornadoumritual,sabe:‘Oh,o.k.,estamosno estúdio, traga um pouco de coca’.Meio que era parte do que a gentefazia. Sempre que fazíamos um disco, a gente fumava ummonte, depoischeirava um pouco de coca e aí começávamos, sabe? A gente passava aporradanoitetodaescrevendomaterial,eeununcaqueriasairdoestúdio.Euficavaanoitetoda,sempre.”

Dessa vez, no entanto, não importava quanto tempo ou com queintensidade ele tentasse, Tony simplesmente não conseguia transformarem algo concreto a música que ele estava ouvindo em sua cabeça. Oglorioso som de uma banda renascida escapava dele sempre que focavaseusolhosepegavaaguitarraparatocar.Eleselembra:“Agentepensouem voltar a Los Angeles, entrar no mesmo estúdio. Fazer tudo de novo,entrarnacasaeensaiaraliecompor.E,claro, foioque izemos,masnãoconseguíamos pensar em nada, por isso nada acontecia. A gente estavaseco. Nada estava acontecendo… As coisas começavam a desabar eestávamos detonados. ‘Oh, é isso, sabe, não conseguimos pensar emnada…’”.

Elecomeçoua icar furioso,depoisdesesperado.Umdia,numataquede raiva, foi até um cabeleireiro emHollywoodBoulevard emandou quecortasse o cabelo dele — curto. Quando voltou à mansão de Bel Air,também raspou o bigode. Ele icou irreconhecível até para sua própriabanda; até para si mesmo. Mas as coisas não se resolveriam no estúdio.Chegando tarde em casa depois de outra longa tentativa no estúdio,encontrou Ozzy e Geezer bêbados, brigando no chão. Finalmente, emjunho,elejogouatoalhaemandouabandadevoltaàInglaterra,ondeelesdariam uma parada — para tentar restabelecer algum sentido denormalidade—antesderecomeçar.

Ironicamente, o lugar onde o Sabbath decidiu conseguir uma ideia

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mais clara do que precisavam fazer era ainda mais estranho do que aatmosferadementequeachavamestardeixandoparatrásemLosAngeles.

O Castelo Clearwell, uma construção neogótica do século XVIII naFloresta de Dean, em Gloucestershire, tinha sido construído peloparlamentar ThomasWyndham em 1728 para substituir uma casa maisantiga que antes ocupava o mesmo lugar. Feita com pedras locais, commuralhas e um portão ornamentado formado por duas enormes torres,tinhasidorestauradoparavoltaraseuestadogloriosonosanos1950peloilho do ex-jardineiro, Frank Yeates. Quando Yeates morreu, em 1973,deixouumarecém-construídasaladeensaioeumestúdiodegravaçãonoporão.Tendonotadoaquantidadecrescentedegrandespropriedadesnocampoagoraocupadasquasede graçaporumanovageraçãode artistasderock,eledecidiuganhardinheirocomatendência,eorestodadécadaveriaoporãoescuroeatmosféricodoCastelodeClearwellsetornaro lartemporáriodeváriosartistasdealtonível,incluindoMottTheHoople,BadCompany, Deep Purple e Led Zeppelin. A primeira banda a alugar apropriedadeparaessesobjetivos—umtantoquantoadequado,porcausadoaspectosubterrâneodolugar—foioBlackSabbath.

“A gente tinhaque ensaiar noporãode todos os lugares”, lembra-seGeezer,rindo.Oqueelesnãodescobriramantesdedormiremnaprimeiranoite foi que o castelo tinha a reputação de ser assombrado por umamaliciosafantasmamulhercujomodusoperandieraaparentementeentrarem quartos trancados e deixá-los bagunçados, como se um forte ventotivessesopradoporali.Tambémdiziamqueelacantavamúsicasdeninarpara seu ilhinho fantasma no andar de cima à noite, enquanto brincavacom uma caixinha de música. Abanda não icou sabendo de nada disso,para que não se desencorajassem de alugar o lugar. Mas certamentesentiram o clima. Nos primeiros dias que estavam ali, ensaiando novomaterialnoantigoporão,elesviramuma iguracomumalongacapapretapassarcorrendopelaporta.Preocupadoscomtantasexperiênciaspréviasde fãs comcapaspretasquase atacandoabanda,Tonyparoude tocar e,comumroadie,correuatrásdafigura.

“Eles viram como ele entrou em outra porta no inal do corredor”,disseGeezer. “Estavamgritandoparaele,porqueacharamqueeraalgumlunáticoquetinhaentradonocastelo.Entraramnasalaondeeletinhaido

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e não havia ninguém ali; tinha desaparecido totalmente.” Perguntado sehavia algum outro visitante que poderia estar no castelo, o dono contou:“Ah,ésóumfantasma”.Ocasteloestavacheiodefantasmas,elecontou.

Com todomundo agora usando tanta cocaína, parecia que já tinhamum milhão de fantasmas dentro de suas cabeças sempre que tocavam,portanto a bandadeude ombros, como sempre. Tonyhaviamuito estavaconvencidodeseuprópriopoderoculto. “Abandasecomunicanumnívelde muita proximimidade”, ele disse em tom solene a um entrevistador.“Tipo, temos o que poderia se chamar quase um terceiro olho. Podemossentir o que vai acontecer um com o outro. Tivemos experiências reais.Umaqueme lembro—Geezer estavadormindoe eledeve ter feitoumaviagem astral. Eu estava preso no elevador. Ele sonhou isso e quando oacordei, ele disse: ‘Ainda bem que é você porque acabei de sonhar quevocê estava preso no elevador’. Essas coisas acontecem com frequência.Elascostumavammeassustarnocomeço,masjámeacostumei.”

Desesperadapara cumprir comas exigênciasdeTonyporalgonovo—qualquercoisa—paraacrescentaraosomdoSabbath,abandatentoudetudonosentidodeencontrarsonsetexturasdiferentesparautilizarnonovo disco. Com tanta cocaína, paranoicos com fantasmas e pesadelos,intimidadoscomocrescenteperfeccionismodeTony,issotudogeralmenteresultavaemmaistempoperdido.“Agentepassavaodiatodopeidandoeterminavasemnadautilizável”,reclamavaTony.Aospoucos,noentanto,ascoisas começaram a acontecer. “A gente terminou fazendo coisas,montando todos esses trechos e conseguiu essas ideias brilhantes”, disseTony,“tentandocoisassempiano,compiano,depoiscolocandoomicrofonenascordasdopianoparaouvirsonsdiferentes.”Emumponto,Billpegouumabigornaqueencontrouenquantocaminhavanosarredoresdocasteloe se gravou jogando-a num barril de água. Tony também trouxeinstrumentos incomuns que ele sentia que iam bem com o ambientepermanente de meia-noite do castelo: violinos, violoncelos, até gaita defolesparaoquesetornariaograndeépicododisco,seumomentoprópriode“Stairwaytoheaven”,chamado“Spiralarchitect”.

Por toda a intensidade da nova postura autoconsciente, haveria umtoquemaislevenonovomaterialtambém.ComTonyagoracomocontroletotaldaprodução,o somdoSabbathse tornoumuitomenosvoltadopara

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riffs agressivos e ritmosbrutais, epassou a termais a ver comumestiloagradável quepoderia enfeitar até os riffsmais gigantescos comoa faixapeso-pesado que se tornou o título do disco, “Sabbath bloody Sabbath”,comsuasmudançasinesperadas,jazzísticas,guitarraseviolõesvigorososeo pulsante baixo de Geezer, deixando-a tão boa — possivelmente aindamelhor—quantoosclássicoscomo“Warpigs”e“Ironman”.

Quandoelesacertaramamãocomafaixa-título,queiriaabrirodisco,orestodasmúsicasfoisendocriadorapidamente.Então,quandoamúsicaseguintedoladoA,“Anationalacrobat”,começaamodificarosomparaumterritório mais malévolo, reconhecidamente Sabbath, mesmo então amudança é tão tranquila, tão cheia de espaços e tempo, que Iommirealmente consegue liderar a banda para uma nova galáxia sonora. Emtermos de letra, a banda também está se divertindomais. Ozzy cantando“Whenworlds collide I’m trapped insidemy embryonic cell” [Quando osmundoscolidemestoupresodentrodaminhacélulaembrionária]poderiasoarcomoalgotiradodiretodamentedeGeezerButler,obcecadaporH.G.Wells,masnaverdade“Anationalacrobat”,elemecontou,“temavercommasturbação,ninguémentendeu”.Ou,maisespeci icamente,éumamúsicasobremasturbaçãocontadadopontodevistacoletivodoesperma.

Na realidade, o único momento caído do disco é a agoraaparentemente obrigatória instrumental acústica, chamada “Fluff”.InspiradaemAlan“Fluff”Freeman,quese tornouavozdorocknaRadioOnenosanos1970eera,naverdade,oúnicoDJnaGrã-BretanhaaaindatocarregularmentefaixasdoSabbathnarádio,seusprogramasdesábadoàtardeeramfamososporsuascartas:“CaroFluff,maisSabbs,maisELP…”.A novidade de tais momentos, no entanto, já havia começado a passar.Tony insistia que o Sabbath deveria continuar com esses instrumentais,comoparte de sua tentativa de demonstrar como eles erammais do queuma banda de metal pesado. Utilizando guitarras e violões, com piano ecravo,acabouficandomuitoaçucarada.

Orestodonovomaterial,noentanto,realmentefezoSabbathalcançarnovas alturas. “Sabbra Cadabra” era rock ‘n’ roll puro e forte, sua letra,“Lovely lady make love all night long” [Adorável garota que faz amor anoite toda], criadanoatoporOzzy, baseadanadesajeitadadublagememinglês de uns ilmes pornôs alemães aos quais a banda tinha assistido.

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Geezer colocou-as na letra e Rick Wakeman do Yes foi convidado paraacrescentarumalegrepianohonky-tonkesintetizadoresestilocatedral;osvocais e as guitarras passaram por um processador, dando um brilhofuturista. Rick, contou Iommi, “era selvagem na época”. Certamente,selvagemdemaisparaoYes,quetinhaabertoparaoSabbathnosEstadosUnidosalgunsanosantes.“Rickcostumavaviajarcomagente,enãocomoYes, por algum motivo”, ele acrescentou maliciosamente. QuandoWakeman,quepreferiacervejaecurry,deixouoYes,queelogiavaoarrozintegral e icava lendo sânscrito, naquele mesmo ano, houve algumadiscussão sobre trazê-lo como membro do Sabbath. Mas Rick já estavacansadoagoradosexcessosdoestilodevidarock ‘n’ roll.Quando,algunsmesesdepois, ele sofreuoprimeirodos três ataques cardíacosque teria,sua decisão de não se juntar ao Sabbath, bem quando seus integrantestambém estavam chegando ao ponto mais baixo de seus próprios“problemasdesaúde”,pareceualgoprudente.

As quatro faixas do lado B deSabbath bloody Sabbath também erammusicalmente inspiradas, alegres em termos de letra, apesar de menosarticuladas.Na estimulante “Killing yourself to live”, elesderamumadicaautobiográ ica de que nem tudo andava bem por trás do palco, o baixomastigadoeabateriapuracriandoumacamaparaosvocaissintetizadosepara a guitarra, que emprestava um ar de drama verdadeiro, Ozzymandando seu pedido sobre a ponte perdida no espaço, “Smoke it… Gethigh!”[Fume…Fiquechapado!].

É omesmo sentimento de bem-estar arti icial nomeio da depressãoautoadministrada em “Looking for today”, os dias de riffs carniceirosdeixadosparatrásquandoabandaescolheumnovocaminhoquenãotema ver nem com rock genérico — não com esses sons de lauta e órgãopiscando como velas no escuro —, mas é tão pegajoso que poderia tervindodoperíodo intermediáriodosBeatles, seestivessemusandodrogasmais pesadas na época. O clássico ar de mistério antigo do Sabbath nãotinhasidoperdido,sórenovadoparaosanos1970.Em“Whoareyou”,ossintetizadores cortantes novamente, emprestam uma atmosfera deparanoia insonequandoOzzygrita:“PleaseIbegyoutellme, inthenameof hell, who are you?” [Por favor, eu imploro que me diga, em nome doinferno, quem é você?] antes que o piano ascendente que lembra bolero

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completeamonstruosidadedemente.O outro ponto alto deSabbath bloody Sabbath , no entanto— a base

góticaparaatremendaabertura—,éseu inal:“Spiralarchitect”.MaistipoThe Who do que Led Zeppelin, indo de um violão romântico e cordaspálidas, nummomento— chamada quase como um pedido de desculpasnacapadeThePhantomFiddlers—,aumrocképicocomRmaiúsculonomomento seguinte. E, no meio, os típicos futurismos oblíquos de Geezer,com a mensagem inal universal: “I look upon my earth and feel thewarmth and know that it’s good…” [Eu olho sobreminha terra e sinto ocaloreseiqueébom…],osomdeaplausosno inalemprestandoumnívelextradegrandiosidadedivertida.

Eles sabiam o que estavam fazendo ou estavam inventando tudo nahora?Nãoimportava.ComoGeezerse lembraria:“Eraumanovaeraparaa gente. Nos sentimos realmente abertos nesse disco. Havia uma grandeatmosfera,muitadiversão,ótimacoca!”.Era,eleconta, “comoaParteDoisda vida… Pouco antes de entrarmos numa depressão terrível. Estávamosexaustos de tanta turnê. Não estávamos nos dando tão bem. Então Tonycriouoriffde‘SabbathbloodySabbath’etodomundoganhouvida”.

Foiuma falsaaurora.ComoOzzy iriamecontarmais tarde: “ Sabbathbloody Sabbath foi nosso disco inal, para mim. Quando começamos,atirávamosparatodolado.Veja,nossaideiadefazerumbomdiscoerairaalgum lugardiferente. Pensávamosque, se viajássemospara algum lugarnovo,issomeioqueseriaumanovaaventura.Então,íamosenosprimeirosdias icávamos fazendoumpoucode jams,masdepois a gentevoltavaaode sempre. Ficávamos presos em nossas próprias cabeças. Alguémchegava comumpoucodepóe a gente icavaali falandomerdapor trêssemanas,sabe?”.

Ossinaisdeestressejáestavamaparecendonaépocaemque SabbathbloodySabbathfoilançadonaGrã-Bretanha,em3dedezembro.Tornou-seomelhor disco do Sabbath nas paradas desdeParanoid, três anos antes,chegando ao quarto lugar. Nos Estados Unidos, onde foi lançado ummêsdepois, tambémreverteuatendênciadequedanasparadas,chegandoao11olugar.Oquenãofez,paraTonyIommi,pelomenos,foiesmagarosqueduvidavamenegavamabanda,queelesentiaagorateremassumidocomomissão trucidar injustamente tudo que o Sabbath izesse. Nos Estados

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Unidos, onde aRolling Stone resenhou o disco em fevereiro, Tony icousurpresoporleralgofavorávelsobreumdiscodeles, inalmente.“Amaiorcontribuição do Black Sabbath foi capturar tão bem a essência de umaculturasetentistaatravésdesuamúsica”,escreveuGordonFletcher.“Elesse relacionam com essa década impessoal e mecânica tanto quanto osbluesmen doDelta e seus seguidores emChicago se relacionavam comoseutempo—sintetizandosentimentoscoletivosedandoesperançaaseuscontemporâneos quando revelam o distanciamento que une todos eles.Nesse sentido remoto, mas real, o Black Sabbath poderia bem serconsideradoosverdadeirosbluesmendosanos1970.”

Mas esse elogio parecia tímido e atrasado, comparado com aselvageria que a banda tinha recebido da imprensa musical britânica.QuandooprincipalcríticodaMelodyMaker,AllanJones,escreveuumanotasobre a banda, ele a usou como saco de pancadas para treinar suadestreza verbal. “Musicalmente, o Black Sabbath é uma piada irlandesa”,ele começou, acrescentando que no palco eles “pareciam as groupies doMotttheHooplemascaradascomocossacosgays”,chegandoatéazombardo sotaque Black Country deles: “Aquele sotaque cômico que afeta osinfelizesquenasceramnavizinhançacoloridadeBirmingham”.

ComoTonydisse: “Você só se lembradas críticas”.No casode Jones,isso é especialmente verdade, e Tony conseguiria se vingar alguns anosdepois. Por enquanto, apesar de apresentar o que ele estava convencidoque era “um dos melhores discos já feitos”, Tony sentia que o Sabbathtinha sido condenado sem um julgamento justo, pervertendo a causa dajustiçamusical,eele,trancadoemseusváriosquartosdehotel,cheirandooutrogramadecoca, icouloucoporvingança.Algoteriaqueaconteceroualguém teria de pagar. No inal, seria a banda que teria de pagar; acarreira deles que iria sofrer. Pois, se pensavam antes que fantasmas osestavam assombrando, eles agora descobririam que omal se disfarça deváriasformas,atécomoalguémcomumsorrisoeumamãoqueajuda.Outalvezumcanudo,ouumanotadedólarenrolada…

OBlack Sabbath fez só 52 shows em sete países entre dezembro de1973enovembrode1974.OpontoaltonosEstadosUnidos,ondeSabbathbloody Sabbath já tinha ganhado disco de ouro, foi tocar como atração

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principalnoprimeiroCaliforniaJam,paraquase200milpessoas,napistadecorridaemOntario,aolestedeLosAngeles.(Eondeabandaconheceuo recém-contratado baixista do Deep Purple, Glenn Hughes, alguém queteriaumpapelnahistóriadoBlackSabbathumadécadadepois,quandoasduasbandasestavamcomsériosproblemas.“Fizemososhow,doqualnãome lembro muito, mas lembro mais que passei o resto da noite icandolouconohotelcomOzzyeBill”,contaHughesagora,“muitossacosdecocae tudo que estivesse à mão, por vários dias. Eu e Ozzy somos muitoparecidos.Nósdoisgostamosdeficarloucostodanoiteeanoitetoda.”)

Também havia uma turnê de catorze dias no Reino Unido com asúltimassensaçõesnorte-americanas,oBlackOakArkansasareboque,cujolíder, o infatigável “Big” Jim Dandy, rivalizava até com Ozzy quando setratava de loucura dentro e fora do palco. (Três anos antes, ele tinharecebidoumasentençasuspensade26anospor furtoeagoraviviacadadiacomose fosseoúltimo.)Emnovembro,houveuma turnêde setediastriunfantespelaAustrália,ondeoshowdeaberturafoidosnovatosAC/DC,e outro sobrevivente britânico do inal dos anos 1960, agora renascidocomoumsucessodorockpesado,chamadoStatusQuo.

Poderiatermais,noentantoabandanãoestavaemformapara icarmesessem imnaestrada.E1974tambémfoioanoemqueomundotodocaiusobresuascabeças.Oanoemqueelesdescobriramaverdadesobreparaondeestava indoodinheirodeles—eparaondenãoestava indo.Oano em que sua empresa de management, a World Wide Artists, foicolocadacontraaparede.

DeacordocomOzzy,asdúvidastinhamcomeçadoaaparecerduranteassessõesdoSabbathbloodySabbath .“Derepentemeocorreu,quandofuiaoescritório[emLondres]umdiae[PatrickMeehan]tinhaumquarteirãointeirodeescritórioseRolls-Roycesparadiasdiferentesetodaessamerdaeagênciasdiferenteseseilámaisoquê.Enãoéprecisoserumgênioparapensar:‘Esperalá,eletemquatroRolls-Roycesagoraeeuaindaandocomum VW’, ou algo assim.” Para Tony: “A situação com Patrick” já tinha setornado“impossível”muitoantesdecomeçaremaquestionarseusacordosde negócios. “A gente nunca conseguia encontrá-lo quando as contasprecisavam ser pagas e, tirando uma garota no escritório, nunca havianinguémcomquempudéssemosconversarsobrenada.Eraumpesadeloe,

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no inal, iqueisemoutraopçãoquenãofosse iraté láe tentarrecuperarospedaços.”Ozzyfoimaisdireto.“Sabe,elenosconseguiacoca—oqueagente quisesse. Se quiséssemos dinheiro, ele nos dava. Ele não dava tipoumas vinte ou cinquenta libras, se você quisesse tipo mil ou cinco millibras,eletambémnosdava,sabe?Maselesempretinhaocontrole.Porémquando a casa caiu, quem tomou a porrada fomos nós. Não ele, o carasalvouoprópriorabo.”Abandahaviamuitosuspeitavaqueascoisasnãoestavamcomopensavamquedeveriaestar, eledisse,mas tinhamedodequestionar abertamente a forma como seus negócios eram feitos.“Continuouassim,masera tipo: ‘Nãoseioqueestou fazendo,entãoseeuabrir a caixa de pandora e soltar algo que realmente não sei comocontrolarnessenível,comopossoesperarcontrolarquandoabriratampaetudosairvoando?’.”

Aresposta,queelesdescobriramnoverãode1974,eraqueelesnãoteriamcontrolenenhumsobreoqueaconteceriadepois. “Era tipoquantomais você descobrisse, menos você queria saber”, disse Geezer. “Foihorrível.”O Sabbath tinha sido enganadodamesma formaque inúmerasoutras bandas na indústria musical dos anos 1960. “Da forma como eletinha nos amarrado em seus contratos, acabamos tendo que pagar paranos livrardele.Nãotínhamosadvogadosoualgoassimquandoassinamososcontratos,porquenãosabíamosdenada.”Abandagastouumafortunaem questões legais só para descobrir que, na verdade, eles não tinhamnenhumdinheiropróprio.Oscarrosquedirigiam,ascasasondemoravam,tudoerapropriedadedaempresademanagement.Apiorpartede todas,mais dolorosa e potencialmente fatal, é que eles não eram donos de suaprópriamúsica.

“Agentenuncasentoueconversou,certo,temosesteproblema”,contaOzzy. “Oquevocêachaquedevemos fazer?Vocêcomeçava, tipo, talvez,eentão alguém dizia: ‘Puta merda, sabe o que aconteceu comigo estamanhã…?’. E tudo terminava. ‘Você tem algum pó?’ E então fodia toda areunião.Nãoestouculpando[orestodabanda]enãoestoumeculpando,era assim que todos éramos. A gente nunca soube como lidar com oproblema, porque não tínhamos tanto conhecimento. A gente não teve acapacidadedelidarcomisso,nãoconhecíamosnadadeleis.Nãosabíamosque um contrato era uma obrigação. A gente só pensava que era um

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pedaçodepapelquenospermitiafazeraporradeumdisco.”“Foi por isso que chamamos o disco seguinte deSabotage”, conta

Geezer. “Acho que ele pegou todo o dinheiro e comprou uma rede dehotéis. Estávamos sem um centavo, totalmente quebrados. Se a bandativesse terminado aí, estaríamos totalmente destituídos, mas ainda bemqueagentecontinuoueconseguiuganharumagrananaturnê.AchoqueconseguimosnoslivrartotalmentedelenofinaldodiscoSabotage.”

Naverdade,demorariaanosatéoBlackSabbathse livrardasgarraslegais de seus contratos comaWWA;uma situaçãoque teria re lexosnacarreira deles durante as décadas de 1980 e 1990, pois Meehan ecompanhiacontinuariamaganhardinheiroatravésdeumasériedediscosde compilações de baixa qualidade do material mais reconhecível doSabbath, administrandomal o catálogo deles nummomento em que issoestavasetornandoafonteparaaqualasfuturasperspectivasdetodasasbandasderockdosanos1970estavamfluindo—comoseusvelhosheróis,oLedZeppelin,que,aocontrário,administravaseucatálogodoperíodotãobem que acabou redimindo sua reputação entre os críticos. O ouroprecioso da carga do Black Sabbath, no entanto, seria tão maltratado nomercadoquequasedestruiuasperspectivasalongoprazodabanda.

Ironicamente, o famoso salvador deles seria um dos mais infamesempresários gangsteres no mercado musical: Don Arden. Para qualqueroutrograndeartistaderockdoperíodonumasituaçãosimilar,issopoderiater signi icadosair da frigideira e ir direto para o fogo. Mas Tony tinhaicadoamigodeDon,apesarderecusarsuaofertaoriginaldemanagementem 1970. Arden, por sua vez, não aceitavamuito bem ser recusado poralguém. Ele tinha feito uma exceção, no entanto, para o Sabbath. Por umlado, eles ainda eram uma das bandas de rock que mais vendiam nomundo,principalmentenosEstadosUnidos,ondeosartistasanterioresdeArden nunca izerammuito sucesso. “Os Estados Unidos sempre foram osonho”,elemecontou.“Enquantonãochegasselá,nãopoderiadescansar.”Entãoestava a satisfaçãode conseguir, comoele relata, “recuperaroqueerameudedireito”,dePatrickMeehan,queeleodiava.

Quando,nocomeçode1975,TonyIommiveioverDon,pedindoajudapara resolveros acordosdesastrososdoSabbath comMeehane aWorldWideArtists, nãoprecisoupedirduasvezes.EncorajadoporSharon,Don

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concordouemcuidardabanda.Dopontodevistadosnegócios,pareciaummomento triunfantepara

Tony e o Sabbath. Agora com cinquenta, Don Arden estava chegando aoápice de sua longa carreira no mercado musical. Em meados dos anos1970,eleeraoempresáriodoWizzarddeRoyWood,quetinhaconseguidocolocar dois singles em primeiro lugar das paradas no ano anterior; e aElectricLightOrchestrade JeffLynne,quetambémtinhaconseguidoumasérie de singles de sucesso e agora tinha acabado de conseguir estourarnos Estados Unidos comEldorado, o primeiro dos seis discos a chegar aoTop10dosEstadosUnidos.Ele tambémestava, astutamente,noprocessodemontarsuaprópriagravadora,aJetRecords,cujoprimeirolançamento,o single “No, honestly” de Lynsey de Paul, tinha chegado ao Top 5 dasparadasbritânicas.

O Sabbath, no entanto, seria outra coisa, ele decidiu. “Minhaprioridade número um era conseguir algum dinheiro para eles. Issosigni icavairatéagravadora—VertigonoReinoUnido,WarnerBrothersnos Estados Unidos— e fazer com que entendessem que a banda aindaera viável e agora estava em boas mãos. Falei às duas gravadoras paraesqueceremabagunçaanterior,deixartudocomigo.Issoeraexatamenteoque eles queriam ouvir, e recebi um bom adiantamento, que usei paracolocarabandadevoltanoestúdioefazeroutrodisco.”Doncorretamenteidenti icou a necessidade da banda de “parar de se preocupar comdinheiro e começar a pensar de novo emmúsica”. Ele tambémpercebeuqueelessópodiamcontarcomodinheiroqueviessedostrabalhosfuturos.“Queriaalgonovodoqualeles realmentepudessemreceber royalties.”E,porextensão,claro,queDonpudesseganhardinheirotambém.

Parecia um plano bastante simples. Mas mesmo com a formidáveligura de Don Arden por trás deles, a briga com Meehan continuaria ajogar uma sombra profunda sobre o Sabbath nos anos 1970. Depois demeseseanosdelitígioentreosdois lados,abandafoiforçadaafazerumacordo;o inalfoiqueelestiveramqueconcordarempagaraMeehanumasomanãoespeci icadapelarupturadecontrato,assimcomoconcordaremdesistir de seus direitos sobre o catálogo lançado enquanto Patrick era oempresário;amaiorpartedomelhortrabalhoqueelesproduziriam.

Falandocomigosobreissomaisdevinteanosdepois,Ozzytentouser

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ilosó ico.“Abelezadacoisadomanagementéquedepoisquevocêassinaoyin-yang [contrato]elespodem icarsentadospordezanose lutarcomaçõeslegaisecivis.Masvocê[oartista]nãotemdezanosparaperder.Emdez anos sua carreira terminou, sabe? A arma está sempre contra suacabeça, então você acaba fazendo um acordo só para se livrar disso, e oque aconteceu com o Sabbath foi que, em vez de os empresários nosroubarem, os merdas dos advogados agora estavam cobrando por tudo,das porras das gorjetas no aeroporto à porra dos dez centavos por umacagadanumbanheiropúblico—tudoeracobrado!”

Não tinha a ver só com dinheiro, no entanto. O Sabbath agoracomeçavaaperderdevistaacoisamaisimportantedetodas,aúnicacoisaque poderia tê-los salvado: a música. O disco seguinte do Sabbath,Sabotage, lançadoemnovembrode1975, seriaoúltimodaeraOzzy comalguma importância. Gravado no Morgan Studios, em Londres, emfevereiro emarço, foi um caso demesmas drogas,mas expectativas bemdiferentes.Qualquerpensamentosobrequalpoderiasero legadodeles,oqueos críticospoderiampensarouporondeandavaoSabbathagoranopanteãodorock,tudoagoraestavasubordinadopelaextremanecessidadedesimplesmenteganhardinheiro.

Havia muitos momentos bons, quase todos alimentados pela raivacompleta.Afaixadeabertura,“Holeinthesky”,temotipoderiffdeportabatida que não estaria deslocado emParanoid, com Ozzy gritando ereclamando sobre passar num buraco no céu, “seeing nowhere throughtheeyesofalie”[nãovendolugarnenhumpelosolhosdeumamentira].AraivadacançãoéenfatizadaporseufinalabruptoseguindoimediatamenteparaoquepareceseroprimeirodeoutrodospasseiosacústicosdeTony,“Don’t start (too late)”, porém que tambémmorre cedo, sobreposto pelaferoz e atordoada introdução de “Symptom of the Universe”, outra dasmelhores faixas do disco mas que, novamente, é muito distante daconsiderada finesse deSabbath bloody Sabbath , sendo positivamente“neandertal”. Um ano depois, grupos como Sex Pistols e The Damnedtransformariamessesriffsraivososeasbatidasagressivasemvirtudes,eseriamcreditadasporinventarumnovogênero:opunkrock.MasissoeraBlack Sabbath e, naquele ano de 1975, que de outra forma poderia serapático, uma época de “rock” fraquinho, quando todo mundo, de Rod

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Stewart a David Bowie, estava lertando com a disco, o que eles izerampareciadesnecessariamenteperturbador,antitudo,automutilatório.Então,bem quando as coisas pareciam estar icando descontroladas, em doisminutos Tony leva a banda para o tipo de movimento que se escutavaantes, para onde eles achavam que estavam indo comSabbath bloodySabbath, antesde toda amerda chegar aoventilador: uma seçãoacústicapercussiva maravilhosa, jazzística e espacial, mas também propulsora eestranha, uma mistura de ódio-amor, a voz de Ozzy falhando ao cantarsobre“love’screation”[acriaçãodoamor]e“ridingthroughthesunshine”[viajandopelonascerdo sol], enquantoparece soar como se estivesse sepreparandoparajogarterrasobreumcaixão.

As faixas seguintes seguem bem, indo de riffs duros e diretos paramelodramas estilo “O corvo” de Edgar Allan Poe. Os títulos em si já sãosu icientesparainduziraumsentidodeclaustrofobia,paranoiaeobsessãoquenãopodeserexplicadototalmentepelapsicosedacoca.Osquasedezminutos da arrastada “Megalomania”, com a investida de ummellotron eguitarrasrobóticasassassinas;osritmosdearquearascostasde“Thrillofit all”, e seu título sarcástico, vangloriando-se comoum zumbi enrugandoseuslábiosroxosquandoOzzysorri:“Won’tyouhelpmeMr.Jesus…Whenyou see this world we live in, do you still believe in Man?” [Não vai meajudar, Sr. Jesus… Quando você vê este mundo no qual vivemos, aindaacreditanoHomem?];osomdocânticodemongessobrea introduçãodainstrumental “Supertzar”, a única faixa forçada emumdiscoquaseduplosobre seu signi icado pesado, o tipo de coisa estilo ilme de terror B quebandas de metal como Slayer e Megadeth poderiam alcançar em seusmomentosmaischapados,masqueTony,emseuisolamentoinduzidopelacocaína,gostavatantoquesetornouamúsicadeintroduçãodosshowsdoSabbath por vários anos. O outro momento menos inspirado é a faixalançada como single solitário do disco, com o título sombrio “Am I goinginsane (Radio)”. Compreensivelmente, os cínicos assumiram que era abandasendocínicaaoacrescentarapalavra“radio”entreparênteses.Naverdade, foi só outra de suas piadas bobas, como “N.I.B.” tinha sido anosantes: radio era a simpli icação de “radio rental”, gíria rimando com“mental”.Nãoqueissotivesseimportânciaalongoprazo.OSabbath,quesótinhalançadoumsinglepordiscodesde“Paranoid”,nuncatinhatidooutro

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sucesso.“AmIgoinginsane(Radio)”,comseuriffdesegundamãoevocaldolorido, manteve essa façanha. A faixa inal do disco, no entanto, ‘Thewrit’,eradeumníveldiferente,muitomaisalto.InspiradopelofatodequePatrick Meehan tinha iniciado outro processo enquanto eles estavam noestúdio, “Thewrit” se tornou outra forma de liberar a bílis, um épico dequasenoveminutos,montado em cimadeum riff fumegante, a dançadeguerra da banda, enquanto Ozzy grita “vultures sucking gold from you”[abutres sugando seu ouro], imaginando de forma autocompassiva: “Willtheystillsucknowyou’rethrough?”[Elesaindavãosugaragoraquevocêestáacabado?].

“Estávamos sendo atacados por todos os lados”, conta um exaustoIommiquandotudoterminou,“foiumperíodoterrívelparaagente.”Haviauma coda inal, brincalhona, um pouco de besteira boba que contradiz aseriedade de tudo que estava se passando, que eles desnecessariamentederamotítulode“Blowonajug”(OzzyeBillzoandonoestúdio,ah,sim)eque teria sido melhor deixar de fora. Mas todo o resto de Sabotage, dostítulos ao conteúdo, de sua capa horrível com a banda parada de costasparaumespelhoenorme,pareciaautoprofetizaradestruição iminentedoSabbath.

Maisumavez,a imprensamusicalbritânicameteua faca. “Istonãoéumpsicodrama”,escreveuMickFarrennoNME,“éumtremfantasma.Temomesmodenominadorcomumbarato,cocientedeemoçãodúbioenquantofalta totalmente o tipo de inocência brega que poderia resgatar seucharme. Tambémé bastante bem-sucedido e provavelmente pode causardanoscerebrais.Dáparatirarodiscoagora?”

Paramanterodinheiroentrando,Don fezoSabbathvoltaràestradaantes mesmo do lançamento do disco, e na segunda parte de 1975 elesizeram turnês de forma contínua entre Estados Unidos, Grã-Bretanha eEuropa.QuandoSabotagefoilançadono inaldoverão,conseguiumanterabanda no Top 10 da Inglaterra, onde chegou ao sétimo lugar. Mas nosEstadosUnidosfoiodiscomenosbem-sucedidoatéaqueladata,chegandoapenas ao 28o lugar. No entanto, eles ainda iam muito bem ao vivo, equando voltaram para suas últimas datas em Nova York— no MadisonSquareGardenem3dedezembroenoWarMemorial emSyracuseuma

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semana depois, com abertura, respectivamente, de Aerosmith e Kiss —,lotaramasduascasas.

Atrás do palco, no entanto, as coisas continuavam a ir mal. Justoquando o Sabbath sentiu que tinha começado a se livrar da bagunça emque tinham se metido depois da ruptura com Patrick Meehan, o antigoempresário deuoutro golpe, autorizandoo lançamento, emdezembro, deumdiscoduplode compilaçãochamadoWesoldour souls for rock ‘n’ roll .Com todososmaiores sucessosde seus cincoprimeirosdiscos, e lançadoparacoincidircomoNatal,abandanãosabiasedeveria icaragradecidaounãoquandoodisco—doqualelesnãoganhariamnenhumdinheiro—não chegou nem ao Top 40 do Reino Unido. Isso pode ter bloqueado osesforçospóstumosdoex-empresáriodeganharumagranadabandaqueeleprovavelmenteachouqueafundariasemele,mastambémcontavaalgosobreondeestavaomelhordoBlackSabbathnacabeçadosfãs.

Don Arden disse para esquecerem aquilo; terminarem a turnê egravarem um novo disco que pudesse vender, um sem as marcas deMeehan.Masoquesobravademelhorentreelesdepoisdasprolongadasbatalhas com seu ex-empresário agora estava totalmente perdido peloimpressionanteusodedrogas.Anoite inaldaturnêmundialde Sabotagefoi no Hammersmith Odeon, em Londres, em janeiro de 1976, um showoriginalmenteagendadoparanovembroanterior,quetinhasidocanceladodepoisqueOzzy,bêbadoechapado,tinhacaídodeumamoto,machucandoas costas.Não foi sério, e elepassouuma semanadescansando,namaiorparte, conta, com mor ina e analgésicos. Agora, pouco antes do showreagendado, enquanto ensaiavam em Willesden, tiveram uma longadiscussão (que já estava atrasada) sobre até onde a reputação da bandatinhadecaídonosúltimosdoisanos—eporquê.

“Agentedisse: ‘Olha,precisamosdeixaressasporrasdedrogasparatrás. Isso está fodendo a gente. Quando a gente começou, tudo quetomávamos eram umas cervejas, além de uns baseados, e era o queprecisávamos. Agora temos pó por todos os lados e todo mundo estáfalando merda. Vamos parar com a coca’. Então izemos um show noHammersmith Odeon e pensei: ‘Puta merda, o que vou fazer depois doshow?’. Porque, depois do show, era como o prêmio no inal da corrida,umacarreiradecoca.Entãosubimosnopalcoeeutododeprimidoporque

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não tem nenhum pó e estão tocando ‘Hole in the sky’, e a banda estátocandocomounsdemônios,sabe?Eeupenso:‘Sabeoquê?Estoucerto,émelhorsemcoca!Nãoprecisamosdessamerda!’.Masnasegundamúsicacomeçaa icarmaislento.Todaamúsicacomeçaaparar.Aterceiramúsicaé tipo…” Ele faz um riff arrastado. “E eu penso: ‘Que porra estáacontecendo?’. Então olho para eles e todos estão…” Ele imita alguémesfregando o nariz e com os olhos ixos. “Antes, todos tinham cheiradoumascarreiras!Eeu,comoumabesta,nãocheireinada!”

Oanoseguinteveriaumrápidodeclíniodasituaçãodabanda,pessoalepro issionalmente.Comoumprego inalnocaixão,nasegundametadede1976chegouàcenamusicalbritânicaaprimeiraondadelançamentosdasbandas punks como Sex Pistols (“Anarchy in the UK”) e The Damned(“Newrose”).Nocomeçode1977,TheClash,TheStranglers,TheJameashordasqueseguiramtambémlançaramseusprimeirosdiscos,eacaradacenamusical britânica tinhamudado de initivamente. Se o Sabbath tinhasempre se sentido por fora das tendências centrais do rock na primeirametade dos anos 1970, eles agora sentiam-se totalmente deixados paratrás.“Paranoid”podetersidoumadasmúsicasfavoritasdeJohnnyRotten,mas a imagem do Sabbath com cabelos compridos, jeans boca de sino eaquelas cruzes enormes que eles ainda usavam dentro e fora do palcocolocavam a banda entre Os Inimigos. Para piorar, das revistas musicaisainda mais conscientes do que estava na moda, as mais vanguardistas,comoaNMEeaSounds,tinhamsejogadodecabeçananovaaurorapunk.Atéorockpesadoeoheavymetalestavampassandoporumareinvençãoradical. Como o editor daSounds na época, Alan Lewis, conta agora: “Derepente, bandas como Sabbath e Purple eram vistas comoultrapassadas,deslocadas, até pelos fãs de rock que estavam icandomais interessadosem bandas mais novas como AC/DC, Van Halen e Kiss. Por um tempo,realmente pareceu que o Black Sabbath e o resto estavam com os diascontados. Não havia como voltarem, exceto talvez nos Estados Unidos. Emesmo ali eles estavam sendo suplantados por essa nova geração debandasderockpesadoquetinhasurgido”.

AssimcomoaGrã-Bretanhaestavamudandodeguarda—musicaleculturalmente—, o Black Sabbath se tornou aindamais distante do queestavaacontecendoporliteralmenteseafastarem,apedidodeDonArden,

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fugindodoselevados impostosbritânicos; ironicamente, tentando impediras alegações da receita britânica em um momento no qual sua fonte derendaeraamaisbaixadesdequetinhamcomeçadoavenderdiscos,cincoanosantes.A respostadeTony Iommipara tudo isso foi simplesmenteseenterrar ainda mais no processo de gravação. Trabalhando em materialparaopróximodiscodelesnoCriteriaStudios, emMiami—oestúdiodomomentoparabritânicos fugindode impostosqueprocuravamsol,marerelaxamento como cenário de gravação, enquanto evitavam ao mesmotempo as armadilhas de trabalhar em outro estúdio de Hollywood —,distante da nova direção que o resto domundodo rock estava seguindo,IommicomeçouaconceberumnovoemaisgrandiososomparaoSabbath.Programados para permitir que Tony levasse a música para onde elequisesse,depoisdeanosconcordandoqueele izesseascoisasdoseujeito,os outrosnemmesmoapareciammaisno estúdio, esperandoque fossemchamadosparatocarsuaspartes.

“Devoadmitir”,Tonydiriamais tarde, “que se tornoualgo insano. Seeuentrassenasaladeensaioenãoconseguissepensaremnada,agenteterminavaprovavelmentenão fazendonada [aquele dia]. Então chegou aumpontoemquetínhamosquecriaralgoe,senãoestivesseacostumadoame sentir tão mal, já teria me frustrado por completo. Eu simplesmentesentiaqueelesmeioqueolhavamparamim,tipo: ‘Ah,bom,elevaiacabarcriandoalgo’.Eissopassouasetornarirritantenofinal”.

Foi o começo do im do Black Sabbath como força criativa em disco.Quanto mais tempo eles passavam em estúdios cada vez maisextravagantes e distantes, quanto mais cocaína e heroína e maconha ecerveja e conhaque e o quemais eles usassem para “ajudar” o processocriativo, piores icavam seus discos. A única coisa que a coca agora faziacomeleseraalimentaraindamaisasensaçãodeparanoiaeinsegurança,eestragar amúsica. Disciplina não era parte do estilo de vida rock ‘n’ rollnosanos1970,masagoraabandaestavaforadecontrole,quasealémdasalvação. Esses foramos últimos dias deRoma, e o Black Sabbath estavaqueimandoenquantoTonyIommicontinuavaatocarnomeiodaschamas.

Naqueles dias, Tony contou à revistaCircus, emumclássicoexemplode ilusão levada pela coca: “Temos mais controle sobre o que estáacontecendo… somos obrigados a pensar em negócios, o que não nos

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preocupava no passado. Isso nos dá uma visão mais ampla, porquepodemosfazeroquequisermosagora”.Aofundo,quasedavaparaouviragileteraspandonoespelho.“Quaisquerdecisõessãotomadaspelosquatro,e todos a apoiamos totalmente.” As lembranças de Ozzy deMiami forammarcadamente diferentes. “O período dourado do Sabbath, paramim, foiMasterofreality,Vol.4,edepoisvemoaugedoSabbath,naminhaopinião,quefoiSabbathbloodySabbath .”Dosdiscosqueseseguiram:“Háalgumasboasfaixas,masfaltavaumaemoçãoaliporqueestávamosbrigandocontraaporradomundo.Eestávamoscansadosdelutarcontraosistema”.

Parapiorara situação, abandacomeçavaa sentirqueestava saindoforadoradardeDonArden.BemquandoasvendasdoSabbathestavamemdeclínio,asdaELOtinhamcomeçadoacrescermuito.Odiscodelesde1975,Facethemusic,tinhasidooprimeiroachegaraoTop10dosEstadosUnidos. Os trabalhos do disco seguinte,A new world record , estavamacontecendoemMuniquebemquandooSabbathtentavaredescobrirseutesão em Miami. A ELO estava conseguindo muita repercussão mundialtambém com seus singles; algo que o Sabbath nunca conseguiu. Haviaoutradiferençacrucial:JeffLynneeaELOmoviam-serapidamenteeagoraerammuitorequisitados.EnquantoTonyIommilutavaparacompletarumnovo disco do Sabbath pelo qual a gravadora agora esperava apenasretornosrelativamentemodestos,ospedidosantecipadosdonovodiscodaELOeramsu icientesparagarantirumdiscodeplatina jáno lançamento.NãoéprecisodizerqueDonagorapassavamais tempodooutro ladodomundocomaELO,prontaparatrabalhar,doquecomoBlackSabbathemlentadesintegração.

Quando, no meio das gravações em Miami, o Sabbath icou semdinheiro,esemconseguirencontrarDon,Ozzylembraqueabandaenviouum telex para a Warner Bros. “Dissemos: ‘Olha, vocês precisam nosmandar alguma grana, estamos vivendo neste Thunderbird Hotel emMiamieestamos semgrana’.Elesmandaram [um telex]devoltadizendoquehaviaquatroMcDonald’spertodagente.Elesestavambrincando,masentendeo quequerodizer? Foi tipo, foda-se, a gente vendeu todos essesdiscosparavocêsevocêsestãotirandoumsarrodagente?”

Todos os sinais estavam cruzados.Mas osmembros da banda aindanão faziam nada para se ajudar. Quando a Warner Bros. acabou

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adiantando algum dinheiro, conta Ozzy: “A gente chamou todos ostra icantesdecoca,estávamoscheiradosotempotodo,sabe?Acocaínanosdominavamuito.Euestavatododetonado.Entãochegaomomentoemquevocê pensa: ‘Como consigo trabalhar sem isso?’. Você se acostuma comaquelaeuforia,queno inalsobeedesce.Nãoduratantoquandovocêusasempre”.

O fato era que, no entanto, conta Ozzy, nesse momento: “A músicaestava pagando as contas dos advogados, e toda boa ideia que tínhamosera esculhambada não só por Patrick, mas por todo mundo envolvido,sabe?”.Osoutros compartilhavamo sentimentodeque tudoestavavindoabaixo? Geezer: “Sim, de formas diferentes. Quero dizer, Tony é quemsempremantinha todomundo juntomusicalmente, ele sempre acreditouna coisa e era quem sempre costumava dar um chute na bunda de todomundo quando icávamos desesperançados. Se não fosse por ele a genteprovavelmenteteriaseseparadoem1975,1976.Foielequemmanteveabandeira tremulando quando todo o resto estava começando a deixar deacreditar”. Mas nem Tony Iommi poderia arrastar o Black Sabbath parafora do buraco criativo em que eles trabalharam seu sétimo disco,intituladoTechnicalecstasy.

Lançadoemsetembrode1976,bemquandoopunkestavaganhandoespaço na Grã-Bretanha,Technical ecstasy , com seus tecladosserpenteantes,somdeguitarramaisgenéricoemomentosesquisitoscomoafaixa“It’salright”,umabaladadesegundalinhaestiloBeatlescomvocaisdeBillWard,nãoerasomenteodiscoerradonomomentoerrado;era,delonge, o pior disco que o Sabbath já tinha feito. De sua capa bizarra ebrilhante—criadaporHipgnosis,osdesignersdecapasderocknamoda,e parecendo algo que até o Pink Floyd teria rejeitado por ser muitoanônima(“Supostamenteeramdoisrobôstrepando”,disseumexasperadoOzzy, “mas para mim estava uma merda”) — até as músicas poucoinspiradas,Technical ecstasy estavamuito distante da banda que já tinhasidoumadasmaisoriginais.OmaiorsucessodoverãonosEstadosUnidosaquele ano tinha sido “More thana feeling”, doBoston.Em faixas comoanervosa “Gypsy”, parece queTony tentou fazer algumas concessões paraqueoSabbathseencaixassenomesmoformatodasrádios.MasenquantoTom Scholz do Boston era um gênio talentoso que tinha tocado todos os

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instrumentos em suas gravações, com exceção da bateria, Tony Iommiagora era uma vítima das drogas em recuperação. Em vez de liderar ocaminho, como o Sabbath tinha feito com seus discos anteriores, criandoum som tão indiferente às palavras da crítica, quedeixou a bandaquaseinvulnerávelamodismospassageiros,agora—aténasmelhoresfaixasdeTechnicalecstasycomo“Backstreetkids”(excepcionalparaumacoletâneado Kiss, quem sabe, decididamente de segunda classe para um disco doSabbath) ou “All moving parts (stand still)”, uma lenta aproximação aoAlice Cooper, talvez, com suas linhas entediantes sobre professores quenãoseguemasregrasmasqueGeezeragoradizquefaladeuma“travestique se torna presidente dos Estados Unidos porque o país era umasociedademuitomisóginanaépoca”—oSabbathsoavacomoseestivessetentandosemodernizar.

Em faixas como a totalmente embaraçosa “Rock ‘n’ roll doctor”, comseu riff “sub-Stones” e letra juvenil, ou a igualmente desastrosa “She’sgone”,comascordascinemáticasrisíveiseaparteacústicaclichê,opapelde Ozzy reduzido a dar gritos de “Ooh,my baby”, o Sabbath começava aparecer uma piada. No entanto, na horrível faixa inal, os sete minutosfúnebresde“Dirtywomen”,umhinoàprostituiçãocomobservações inascomo “Dirty women, they don’t mess around” [Mulheres sujas, elas nãofazem besteira], o disco chegou a um nível ainda mais calamitoso, atéofensivo,deestupidez.

OsinstintoscomerciaisdeIommipoderiamestarcorretos—ofuturo“rock tranquilo” que iria vender zilhões comoHotel California eRumoursestava se aproximando—,mas tentar forçar esse som no Black Sabbathera tentar fazer uma armadura com lã de ovelha. Simplesmente nãofuncionava,não agradavaninguém.Nemmesmoo restodabanda.E comcerteza não agradou os fãs, amaioria teve o bom-senso de se afastar dodisco.NosEstadosUnidos,onovodiscodoBlackSabbathmorreunapraia,nem chegou ao Top 50. Na Grã-Bretanha, também foi um desastre,chegando ao 13o lugar, antes de desaparecer das paradas por completodepoisdeapenasseissemanas.

“Pessoalmente, gosto deEcstasy”, Tony contou a Steve Rosen naSounds, em outro artigo comicamente imerso na autoilusão e na negaçãoemocional. “A maioria das pessoas que ouviu achou que era um grande

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passodepoisdeSabotage,emuitagentedizqueétotalmentediferentedetudoquefizemosantes.Achoqueprovavelmenteéotipodediscoquevocêprecisa ouvir algumas vezes antes de realmente entender. Não acho quesejaalgoqueseentendanomesmoinstante.”

Eassimfoi.

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Seis

Nascidoparamorrer

OSQUATRO SEMPRE nervososmembros do Black Sabbath podem ter icadomalpelas vendas desastrosamente baixas deTechnical ecstasy , mas foramcapazes de acalmar seus medos, pelo menos por um tempo, voltando àestradanosEstadosUnidos,ondeas turnêsnooutonoe invernode1976lotaram. Nisso, entretanto, eles foram muito ajudados pela banda deabertura,oBoston,cujoprimeirodiscoeosingledesucesso“Morethanafeeling” estavampegando fogonasparadas.DonArden,queerapioneiroem organizar turnês em pacotes nos anos 1960 — shows com váriasbandas voltados para o consumidor mainstream —, agora usava desseconhecimento para garantir que o Sabbath tivesse, aonde quer que elesfossem, bandas de abertura capazes de encher pelo menos metade doslugares.Assim, asbandas somadasaos showsnaquele ano foramBoston,BlackOakArkansas,TommyBolin,BobSeger,TedNugenteJourney,todaspróximasdeconseguirturnêscomoatraçõesprincipais.

DevoltaàInglaterraparaumaturnêdedezdiasemmarçode1977,que culminou em quatro shows lotados no Hammersmith Odeon deLondres,abandatinhareconquistadoseuespaço.Chegandoemcasabemquando os discos das bandas The Damned, The Clash e The Stranglersestavam ganhando as manchetes da imprensa musical britânica, Tonysimplesmenteolhoufuriosodesuatorredemar im.Seaquiloeraoqueaimprensaachavabom, então eramelhorqueo Sabbathnão izessepartedessa conversa. “Eu admito, não vi nada disso chegando”, Iommi mecontariadepois. “A coisadopunkparamimera sóumamodapassageiranas revistasmusicais. Eles ainda não tinham começado a falar sobre issonos Estados Unidos, e essas bandas ainda estavam tocando em clubes. Agenteachouqueelestinhamumlongocaminhoatéchegarpertodagente.”

Geezer, sempre o mais sensível às novas tendências, e o maistemerosodasmudanças,rapidamentepercebeuaameaçaàprosperidadeda banda que essa nova geração do rock representava e como o futuro

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deles parecia limitado. “A gente perdeu a direção. Acho que o punk foimuito ruimpara a gente. Eu tambémachava que o Sabbath estava velhoagora,depoisdeterouvidooSexPistols.Apesardenossascoisasduraremmaisqueasdeles,eacoisadopunksódurouunsanos,mesmoassimelessoavamtão…Novidadeparamim.Emeioqueme lembravacomoagentecostumavaser.Eusópensei: ‘Bom,estamosperdidosagora,simplesmenteperdemos todaaraivaeaenergia’.E foidi ícil [aceitar]porque tínhamosvendido milhões de discos, passamos por horríveis brigas comempresários.” Todos os problemas oriundos da dupla punk/Meehan“simplesmentecausaramumgrandeimpactonagente”.

O resto deles estava tão confuso pela nova realidade do punk que,quandoconcordaramqueoAC/DCabrisseparaelesnaEuropaemabril,acharamqueerampunkssimplesmenteporcausadoscabelosmaiscurtosedouniformeescolardoguitarrista. Como complexode inferioridade seentranhando,olharamcomhorrorcrescenteenquantooAC/DCdestruíaopalcodepoisdeapenasvinteminutosnoprimeiroshowemParis.Elesnãosabiam que a banda estava reagindo com fúria a problemas nosequipamentos. Eles acharamque era tudoparte do showdoAC/DC.Nãoimportouqueovocalista,BonScott,outro frontmanquegostavamuitodedrogas e álcool de todos os tipos, se tornou um visitante frequente docamarimdoSabbath,passandoumtempocomOzzy.Tonyviaabandacomsuspeita. Depois de um show emGotemburgo, quando Geezer brincandopuxou uma faca de brinquedo para Malcolm Young, que o briguentoguitarrista e líder do AC/DC achou que era de verdade, recebeu comorespostaumsoconacara.Percebendoseuerro,Malcolmpediudesculpas,mas Geezer icou muito bravo e insistiu que o AC/DC fosse expulso daturnê imediatamente. Eles foram, e as quatro datas inais da turnêacabaramcanceladas.

Foi nessa atmosfera de casulo que Tony Iommi pensava em comofazercomquesuabandavoltasseaserimportante.Maisdoqueosdiscosanteriores do Sabbath,Technical ecstasy foi, como Ozzy diz, desdenhoso,“umdiscodoTony”.Tendototalcontrolepelaprimeiravezefazendooquequisesse,TonytinhaproduzidoodiscodoSabbathquevendeumenos.Emvezdeduvidardesimesmo,algoqueacocanãopermitiaque izesse,eleculpou os outros. Todos os outros. As gravadoras que não tinham

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divulgado o disco de forma apropriada; as estações de rádio que nãotinham dado uma chance ao disco. Mais do que os outros, ele culpava aimprensa musical, que tinha, conforme ele achava, com certa razão,sistematicamente minado a reputação do Sabbath ao longo dos anos,fazendocomqueagoraacredibilidadedeleschegasseaopontomaisbaixodacarreira.

Oúnicoqueescapoudesua ira foio tecladistaGeraldWoodroffe,ex-integrante da banda de jazz-fusion Matibu, que tocava regularmente nocircuitodeclubesdeBrumequehaviasidocontratadoparatocarnodiscoe na turnê deTechnical ecstasy como acompanhante. Jezz, como ele eraconhecido, tornou-se o primeiro dos dois tecladistas que iriam fazer aturnêegravarcomomembrodabanda,maseramnaverdadecontratados,tocando no canto do palco, atrás das cortinas ou dos ampli icadores nosprimeiros anos, antes que o eventual substituto de Jezz, Geoff Nicholls,tivessepermissãodeaparecernopalco.OqueelestinhamemcomumeraadisposiçãodepassaranoitetodatrabalhandoemmateriaiscomoTony.Os outros havia muito tinham desistido disso, mas Tony agora tinhaencontrado um “parceiro de trabalho” mais equitativo para compor etentar coisas novas. Não queWoodroffe ou Nicholls recebessem créditosnasmuitasmúsicasqueelescompuseramcomoguitarrista.

MesmooutrosparceirospróximoscomoLedZeppelineDeepPurple,que também não tiveram espaço na imprensa, pareciam ser mais bem-vistos que o Black Sabbath. Sentado sozinho em sua suíte de hotel, todanoite depois do show, tomando suco de laranja e tentandomelhorar comquantidades gigantescas de cocaína que agora ele ingeria todo dia, umScarfacedoheavymetal cercadopor traidores, tontosegente falsa,TonycomeçavaareclamardasortedoSabbath.Ondeelestinhamerrado?Oqueprecisavam fazer agora para endireitar o barco? Como poderiamrecuperar alguma credibilidade aos olhos da imprensa e dos críticossérios?ComoevitarqueoSabbathsetornasseumapiadaaindapior?

Não ajudava muito que Ozzy estivesse em queda livre também.“Naquelemomento,estávamostodoscompletamentedoidos!Agente icavaacordado durante dias. Algumas vezes eu colocava fogo emmimmesmocom um cigarro, deitado na cama, chapado. Eu acordava e havia umalabareda no meu peito.” Outras vezes, Ozzy acordava molhado com a

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própria urina — se é que ele acordava. A maioria das noites alguémsimplesmenteopegavaondeeletinhacaído, jogavaemcimadoombrodeumroadiequeocarregavaatéacama.Tony,quesemprepensouemOzzycomo um palhaço, agora começava a vê-lo como um problema. Pior,começou a canalizar sua frustração com a queda das vendas da bandadiretamente sobre Ozzy, comparando-o desfavoravelmente com RobertPlant, o problemático, mas mesmo assim deus dourado à frente doZeppelin, e com David Coverdale, do Deep Purple, outro vocalistapoderoso,combomvisual,quenãodeixavaseuvícioemdrogasroubarsuadignidade—certamentenãoempúblico.

Tony, que sempre tinha visto Ozzy como um mal necessário —aguentandofelizsuaspalhaçadasquandoabandaestavaemascensão—,agora começava a se ressentir com o fato de que sua banda, o BlackSabbath,tinhaumbufãocomovocalista.PelomenosemrelaçãoaBill,cujosproblemas de droga e álcool eram iguais aos do Ozzy, sabia-se que elecontribuía com coisas no palco ou no estúdio. Bill também era o alvo demuitas “brincadeiras” de Tony. Como quando, durante a gravação deTechnical ecstasy , Tony e um roadie esconderam um grande pedaço dequeijogorgonzoladebaixodacamadeBill.SabendodoshábitosdeBillderaramentemudarderoupas,bemcomosuarelutânciaempermitirqueasempregadas limpassem seu quarto mais de uma vez por semana, empoucos dias o cheiro era tão horrendo que dava para sentir de longequando Bill vinha chegando. Ou quando Tony mandou que a equipevestisse o bêbado Bill comoHitler, usando ita adesiva para prender seucabelo — depois descobriram que a única forma de tirar a ita semarrancar seu cabelo era cortá-lo bem curto e pontudo. Ou quando Tonymandou que umBill inconsciente fosse carregado até o lado de um lago,colocadoemumbotee lançadonaágua—edepoisabandonado.Bill eraum alcoólatra e viciado em cocaína, mas era engraçado. E raramenteerravaumabatida.

QuantoaGeezer,eleaindatocavabem,escreviaótimasletrasefaziaoquemandavam.MasOzzy...

Paul Clark, que começou a trabalhar com a banda nessa época,primeiro comomotorista, mais tarde como tour manager, lembra-se que“Tony sempre costumavame encorajar a icar longe deOzzy”. Clark, que

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tinha conhecido Iommi em 1973 enquanto trabalhava como leão dechácaranoclubeRumRunneremBirmingham, tinha “entradoesaídodaprisãotodaminhavida,sabedoqueestoufalando?Prisõesjuvenis,centrosde detenção e merdas assim. Eu era assim. Mas consegui icar limpo[trabalhando comoSabbath] e consegui terumacarreira.Aprendimuitocomelesemedediqueimuitotambém”.AtéoinabalávelClark icouatônitoquando Iommi avisou para se afastar do vocalista da banda. “Ozzy mepediaparapegar algopara ele. ‘Não, não façanadapara ele’, diziaTony.‘Elevaitemandarparatodososlugares.’Maseutratavatodosdamesmamaneira. Lembro que Ozzy, se eu estava levando-o para algum lugar ealguémemoutrocarrofaziaalgumabesteira,elefalava:‘Quandoeleparar,vou cagar em sua capota!’. Ele começava a descer do carro e eu falava:‘Porra,Oz’. Ele continuava: ‘Não, vou cagarnele!’.O cara conseguia cagardentrodeumchapéu,oOzzyconseguiaisso.Eraengraçadopracaralho.”

“Pelo fato de não tocar nenhum instrumento”, dizia Ozzy, “eu mesentiasóovocalista.Tipo,nãoprecisavameenvolvero tempotodo.”UmasituaçãoquenãoajudavacomoagoracompletocontroledeTonyportudoque acontecia dentro e fora do palco. “Então, sabe, você tinha algumconfronto— eu achava que eramelhor do que ele e ele achava que eramelhordoqueeu.MasrealmentenãosoumelhordoqueBilleBillnãoémelhor do que eu.Nenhumdenós eramelhor do que o outro. Enquantotivéssemosumsacodepóeumtijolodemaconhaeumagarrafadeálcoolnabotaeumcarroparadirigireumhotelbompara icarecheiraranoitetoda,estávamosfelizes.”

Querdizer,excetoTony.

Finalmente Ozzy não aguentou mais. Nenhum deles aguentava, masOzzy, que sempre tinha sentido medo de Tony, que sempre se encolhiaquandoTonychegavapertodele, foioprimeiroacairfora.O imde1977tinha sido especialmente di ícil paraOzzy. Seupai, Jack, estavamorrendode câncer. Sua banda não parecia mais algo real. Seu casamento comThelmaestavasedespedaçando.OuOzzyestavadescontroladonaestrada,ou sem sorte fora dela. Quando ele saía, cercado pelo mesmo grupo develhos amigos e parasitas, sentia-se uma atração de circo, assistida ouencarada,eamelhorformaqueeletinhaparalidarcomaquiloeracheirar

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mais coca e beber mais álcool, fumar mais maconha e trepar com mais“putas”. Não havia limites. “Eu iz de tudo”, eleme contou. “A única coisaquenuncatomeifoiheroína.Tenteialgumasvezes,masacoisasómefaziadesmaiareeujátinhaoálcooleosantidepressivosparaisso.Tenhosorte,acho,porqueteriasidoomeufim.”

Em vez disso, o im o encontraria sozinho. De volta aos estúdiosRockfield,pertodeMonmouth,pelaprimeiravezdesdeParanoid,seteanosantes,abandadeveriaestarcompondoeensaiandonovosmateriaisparaopróximodisco,agendadoparagravaçãonoanoseguinte,emToronto,maisuma vez por motivos de impostos, mas a sensação na sala onde elestocavameraapiorpossível.Sentindomaispressãodoqueonormalparacriar algo bom, Tony não conseguia encontrar a vibração correta. AtéGeezer,normalmentebastanteligadodesdequetivesseumbaseadoeumabebidanasmãos,lutavaparacriaralgoútil.ParaTony,issoerainaceitável.EleestavaacostumadoqueOzzyeBill fosseminúteis,masGeezereraseuparceiro de composição, seu outro guitarrista, o único na banda quedeveria saber que merda Tony estava tentando fazer. Tony o mandouembora.

“Havia simplesmente uma sensação na banda de que alguémprecisava sair”, Geezer daria de ombros ao contar isso anos depois.“Primeirofuieu.Eles izeramumareunião,entãoBillveioatéaminhacasaedissequeeuestavafora.Nãohavianenhummotivo.Erasóqueeuestavaforadabanda,orestopensavaqueeunãoestavanoclimaequedeveriasair. Fiquei puto, mas, sabe, não queria discutir. E não estava muitopreocupado,paraserhonesto.Játinhaperdidomeuinteresse.

“Então, umas três ou quatro semanas depois, recebi uma ligação doBill, dizendoque abandaqueria se encontrar comigonoHoliday Inn, emBirmingham. Então pensei: ‘Quemerda esses caras querem agora?’.Masfuiatéláemeencontreicomelesefoi,tipo,queremosquevocêvolteparaa banda, e eu não estava fazendonada então disse que tudo bem. Foi sóumareviravoltanabanda.Foi,tipo,alguémprecisasair,meioqueisso,masquemvaiser?Eaprimeirapessoafuieu.Entãovolteiparaabanda,emeioquefoióbvioqueissocausouumasensaçãoruim.Nãoimportavaoquantotodo mundo tentava disfarçar, havia [agora] uma sensação ruim nabanda.”

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Umasemanadepois,elesreceberamumavisitaemGalesdocontadordeles, Colin Newman, que trabalhava para Don. “Eu sabia que tinha algomuitoerradoacontecendo”,disseOzzy, “pelo fatodequenunca tínhamospagado impostos, porque Patrick Meehan costumava dizer: ‘Não sepreocupem com isso, eu cuido de tudo’. Tudo era resolvido, sabe? Entãodeixamos Patrick, e Colin Newman veio até Monmouth e passou umasquatro horas nos expondo todos os problemas. E basicamente ele estavadizendo:‘Olha,vocêsnãopagaramimpostodesdeaporradoprimeirodia.Vocêsprecisampagaralgumimposto’.Edepoisdissotudo,Billestavaputoe disse: ‘Você pode repetir isso tudo, por favor?’. E eu disse: ‘Oh, putamerda, Bill! Isso não tem solução!’. Entãome levantei e fui embora. E euestavamaisbêbadodoqueeles,masfuidirigindomeucarrodessejeitodeMonmouthemGalesatéStaffordshire.Nemtinhacarteirademotorista.Sóqueriairemboradali…”

Tony icou louco. Como ele ousava, o mais baixo na hierarquia, iremboraedeixarabandanamerda?GeezereBill icarammaistemerosos.Ozzy era o vocalista da banda. Como Geezer conta: “Não dá parasimplesmente ir a uma loja e comprar outro”. A saída dele signi icaria aruptura da banda? Mas Tony estava determinado. Como se lembra PaulClark: “Coloque Tony contra a parede e ele é um lutador, sempre virácontra você. Sua atitude era, tipo, foda-se. A gente consegue um novovocalista.Efoioqueeletentoufazer”.

O vocalista que Tony encontrou era tão indicador do tipo demovimentocontraintuitivoqueeleiriafazerfrequentementenospróximosvinteanos,semprequeoSabbathprecisasseencontraroutrovocalista.Emvezdeprocurarporalguémcujavozpoderiafacilmentecombinarcomumcatálogoagoraextremamenteconhecido,eleiaatrásdealguémquefosseomaisdistantepossíveldoOzzy—emtermosdepersonalidadeevoz.Nestecaso,oex-frontmandoSavoyBrown,DaveWalker.Davecantavabem,masnaqueleestilogenéricodeblues,endêmicoentrevocalistasdesuageração:voz rouca, raspandoa garganta, vibrato ehonesta.Alguémparaquemaspalavras“Oohbaby”viriamnaturalmente.Masqueiriasematartentandocantaralgotipo“Ironman”ou“Childrenofthegrave”.

Tonynãoseimportava.ApesardeagoraviveremSãoFrancisco,ondetinhapassadoumperíodobreveenadabomnoFleetwoodMac,Daveera

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outro garoto local de Birmingham que Tony e Bill tinham conhecido emseusdiasnoMythology.Eleeraumpoucomaisvelhodoqueosoutros—33 em janeiro —, mas tinha sempre admirado Tony, que o ajudara aconseguirentrarnoSavoyBrownanosantes,eoguitarristasabiaqueelenão causaria problemas. Certamente nãomais, claro, do que o Ozzy. E omelhor é que ele estava disponível para voltar de imediato — e sabiacompor.UmbrevetelefonemadeTonymaistardeeDaveestavadentro.

Mas seWalker imaginava que estava entrando em um emprego dossonhos com uma superbanda de rock, ia ter uma grande surpresa.Chegando emMonmouth num dia especialmente frio e chuvoso antes doNatalde1977,elenãosesentiumuitosegurocomacenaqueencontrou.Tony parecia feliz em vê-lo — pelo menos, alguém com quem pudessecomporequeestavafelizporentrarnabanda.MasTonynãofalavamuito.Você deveria simplesmente saber o que ele estava sentindo a todomomento. Dave podia aguentar isso, a guitarra de Tony é que falava porele. O vocalista rapidamente começou a trabalhar no novo material,incluindotrêsmúsicasqueacabariamsendogravadasnopróximodiscodoSabbath. Geezer, que não conhecia Dave, estava quieto, no entanto,distante, preocupado, Dave imaginou, com a perspectiva de um novoletrista na gangue. Enquanto Bill… Bill só falava com Bill nesses dias,parecia, quando estava sóbrio o su iciente para isso. Olhando para essesdias,DaveparecialocalizarnaausênciadeOzzyalgoqueainda lutuavanoar sobre eles, fazendo comque um ambiente precário icasse aindamaisestranho emais dissoluto. Ele se lembra queOzzy uma noite se juntou aeles para beber emumpub. “Fiquei commuita pena dele porque estavanum péssimo momento, acho, naqueles dias. Senti então, sabe, que Ozzynão tinha realmente certezadoqueestava fazendo.Elenão tinha certezadequea coisa correta era sairdoBlackSabbath.”Trabalhar como restodabandaera“comoirparacasaenãosaberondevocêestava”.

Talvez.Mas issonãoo impediude “escreverumaporradade letras”para eles enquanto estava ali.Novas fotogra iasdabanda também foramtiradas,paraumanúnciooficialnaimprensamusical.

Ozzy respondeu rapidamente, dando uma entrevista chorosa nomesmomêsparaTonyStewartdaNME.Isoladoporumalareiracrepitantena sala enorme de sua casa em Staffordshire, ele, assustado, contou ao

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repórterque senão saíssedoSabbath “eu estariamorto emdoisou trêsanos[e]nãoachoquehajaalgopeloqualvalhaapenaentregarsuavida”.Ele falou que estava em uma “bebedeira contínua” havia dois anos,mencionandosuaculpapordesapontarosfãs,“porquenuncamaisvaisercomoantesnovamenteparaaspessoasquegostavamdoSabbath”.Porémelenãotinhaescolha.“Eunãovoufalarqueabandameferrou.Mashaviamuitos choquespessoais.”Eleadmitiuquenão tinhagostadodeTechnicalecstasy,noentantoestavacansadodetocarasmesmasvelhasmúsicastodanoiteemturnês.CriouparaleloscomosprimeirosclássicosdoSabbatheanova onda emergente das bandas punk. “Não estou dizendo que éramospunksantesdopunk,masdenossaprópriaformaéramosoqueosgrupospunk são agora: um bando de gente. Não quero tocar isso, porém gostodessa nova onda porque você não precisa ser um neurocirurgião paraouvir isso. É só uma música com o pé no chão, simples, que as pessoasconseguem tocar em uma lata.” Principalmente, ele havia decidido, era aindústria que estava na verdade destruindo o Sabbath. “A indústria”, eledeclarou,“écomoumamaçãvermelhanafrentecomumgrandeferrãonapartede trás.”No inal, ele tambémanunciou,profeticamente,queestavaformandosuaprópriabanda,queseriachamadadeBlizzardofOzz. “Voufazer tudo de novo”, ele deu de ombros, “mas vou fazer de uma formaconfortável.Nãovoumaismedeixarprostituirnovamente.”

Emjaneirode1978,o“novo”Sabbathmarcouonovoanoaotocaraovivo em um programa de almoço numa sexta-feira, em Birmingham,chamadoLookHear,apresentadoporToyahWillcox,tocando“Warpigs”euma nova faixa composta com Dave chamada “Junior’s eyes”. Amigos efuncionários do escritório de Don e a gravadora disseram que eramaravilhosoepreviramcoisasgrandesparaanovaformação.Portrásdascenas,noentanto,Donnãoestavanadaencantado.Maseleesperouparasemoverequandosemexeufoidecisivo.

Duas semanas depois, o pai de Ozzy morreu. Era 20 de janeiro, amesmadataemquesua ilhamaisvelha, Jessica, tinhanascido, seteanosantes. Ozzymais tarde contou ao jornalista David Gans como, durante osúltimos dias de seu pai no hospital, ele tinha sido tirado da enfermariaprincipal para um quarto lateral, onde os esfregões e baldes eramguardados normalmente. “Era muito estressante para o resto dos

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pacientes,entãoelesocolocaramnumacamadobrável,umtipodeberço,umberço gigante. Eles o amarraram…comoumboxeador, umaporradebandagensnasmãos,comumtubodeglicosenobraço.Eleestavachapadootempotodo.Sabe,acoisamaisincrívelqueelemefalou.Conteiameupaium dia: ‘Eu uso drogas’. Disse a ele: ‘Antes de você morrer, vai usardrogas?’. Ele respondeu: ‘Prometo que vou usar’. Ele estava tomandomor ina. Totalmente doido com a mor ina, porque a dor deve ter sidohorrorosa. Eles izeram a operação na terça e elemorreu na quinta…Euaindanãoaceitei.Dia20dejaneiro, icoloucoeuivocomoumlobisomem.Choroerioodiatodo,porqueéodiaemqueminhafilhanasceueodiaemquemeupaimorreu.Comoumporradeumlunático.”

Ummês depois, Ozzy estava de volta ao Sabbath, e eles estavam emToronto fazendo um novo disco. No inal, o dinheiro foimais importante,comosempreaconteceriacomOzzyeSabbath.Dondeuamánotíciaparaeles: não podiam esperar o mesmo nível de adiantamento de suasgravadoras ou promotores de concertos com o que ele chamou, semnenhumcarinho,mas tambémsem injustiça, “esteninguémdo caralho” àfrentedabanda.EspecialmentenãoagoraqueOzzyqueriavoltar.OucomoOzzymais tardemecontou: “Nãosabiaquemerdaeuqueria.Tudooqueeu sabia era que estava a caminho de estar quebrado de grana se nãoconseguisse algo, mas eu estava tão fodido que sabia que nada iaacontecer.Entãoquandoelesdisseram: ‘Ah, estamos indoparaoCanadá,você quer vir também ou o quê?’. Pensei: bem, que outra coisa tenho afazer?”.

No entanto, todos icaram felizes. TodosmenosDaveWalker, que foidispensado, mas pelo menos sentia que seu tempo deveria sercompensado com alguns créditos de composição no novo disco. Porémquando Don vetou isso também— “As pessoas só estavam interessadasem Ozzy cantando as letras de Ozzy”, ele me contou, com aquele típicoduplo discurso de pro issional endurecido da indústria de música,esquecendoofatodequeOzzydi icilmenteescreviaasletras—,Walkersetornou uma nota de rodapé na história do Sabbath. Um verdadeiro sinaldas coisasqueviriam, agora eno futuro.Pois ahistóriadoSabbath serialonga e geralmente dolorosa, mas foi tantas vezes reescrita que hoje osquatro membros originais só concordam no que é mais circunspecto,

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dependendodequemestápagandoaconta.Umaatitudequecomeçoucomoqueeraefetivamenteaverdade inaldoBlackSabbath:o ironicamente,mas,emretrospectiva,bastantecorretotítulodeNeversaydie.

Don Arden tem uma frase muito famosa: “Você não pode polir umcocô”. Isso nunca icoumais claramente demonstrado do que no abismalNeversaydie.AtéTonyIommimaistardeconfessariaqueessefoiumdiscoque“ninguémnabandagostou”.Umcompêndiodeideiasmeiocozinhadas,processadas através de um prisma de cocaína, álcool, maconha e umafrouxa visão que os levou a acreditar que tudo que tinham a fazer paracontemporizarosomdoSabbathecolocá-loemlinhacomanovaideologiamusical punk era aumentar a velocidade dos riffs, como exempli icadopelas faixas calamitosas, como “Johnny Blade” (“themeanest guy aroundhistown”,opiorcaradacidade)e“HardRoad”,queparecemaisumavoltaaseupassadodebluesdosanos1960doqueumnovopresentepunk.

Ensaiandodesdeasnovedamanhãnumcinemapoucousadoondeoaquecimento não estava funcionando, eles fariam jams com casacos ecachecóis, bufando e tentando se esquentar, enquanto tocavam músicascomo“Shockwave”e“Airdance”,depoisparavamparajantarequasenãofalavam um com o outro antes de ir para o Sound Interchange Studios,para gravar o que tinham composto. Como se quisessem enfatizar amudançaemsuas vidas, “o estúdio acabou sendoum lixo”, a irmouTony.Ele se culpava. Só tinha alugado, contou, porque tinham falado que osStoneshaviamgravadorecentementeali.“Masosomeramuitomorto.”

Eles tentaram enrolar os tapetes para trazer alguma vida à acústicaabafada,masquando issonão funcionoueles simplesmente jogaram tudoforaegravaramcorrendoparaterminaromaisrápidopossível.Não icoutão mal. Várias das faixas, incluindo “Over to you”, “Junior’s eyes” e“Swingingthechain”,tinhamsidocompostasenquantoDaveWalkerestavana banda. Mas Ozzy “se recusou” a cantar qualquer uma das letras deWalker, forçando Geezer a reescrever “Over to you” e Bill a cantar osvocaisde “Swinging the chain”; enquantoabanda simplesmenteenganouOzzydizendoque“Junior’seyes” tinhasidoreescritaquandonemmesmopossuíamumabasemusicalparaconstruiremcimadela.Masoutra faixadaeraWalker,“Breakout”,simplesmentesetornouinstrumental,comuma

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falangedesaxofonesparaacrescentarumpoucodecor,poiseramaisfácildoquetentarpensaremoutraalternativa.Acoisatoda,disseTony,“estavapredestinadaaofracassodocomeçoaofim”.

De acordo com Ozzy: “O que aconteceu foi que no inal estávamoscompondoamúsicapelosmotivoserrados.Estávamoscansados.Asdrogaseoálcoolestavamcobrandosuacontaeéverdadequeascoisasque[maistarde] falei sobre Tony eram umpouco injustas porque estávamos todosfodidos e esperávamos que ele nos tirasse da merda. Por isso ele iriapassardiasnoestúdioeestavaemseuambiente.Masagentedeixoutudonos ombros dele para fazer um bom disco, e se não fosse bom e nãogostássemos, icaríamoscondenando-osecretamente,emnossascabeças”.Geezer concorda. “Era horrível. Odiei aquele disco. Odeio muito aqueledisco.Atéhoje, não consigo aguentar aquelaporcaria, porque é um tantofalsa.”

O único ponto positivo era a faixa-título, um thrash frenético querealmentenão teria icadodeslocadonumdiscodoSexPistols.Nãohavianem um solo de guitarra, só um riff esplêndido rápido que entrou, fez oque tinha que fazer e foi embora, deixando o ouvinte sem fôlego eimpressionado.Quando foram convencidos a lançá-lo como single, “Neversay die” se tornou o primeiro single de sucesso na Grã-Bretanha desde“Paranoid”, oito anos antes. Eles até voltaram ao estúdio do Top of thePops,emmaio,parafazerumplayback.Nessemomento,estavamnomeiodocaminhodeumaturnêde29diasnoReinoUnido,incluindocincoshowsemLondresequatroemBirmingham.Comodiscochegandoao12 o lugarnasparadas,pareciaqueosfãsemcasaaindaosadoravam,nãoimportavacomqueafincoosquatromembrosdabandatentassemmancharalenda.

Mesmoassim,contaGeezer, “haviaumclimahorrívelnabanda.Ozzyrealmente só estava ali porque não tinha outra perspectiva. Nenhum denós na verdade gostava das músicas que estávamos tocando, mas nãoconseguíamoscompornadamelhor.Eagentesófezaquilo,gravouodiscosóporgravaredepois[ izemosaturnê].Aturnêfoiótima,masestávamoscomoVanHalen, e oOzzy simplesmente icouperdido. Ele achavaqueoVanHaleneradezvezesmelhordoqueagente”.

Foradopalco,elestentavamsedivertir.PaulClarklembra-sedeumapiadaqueenvolveuatentativadeconvencerGeezerdequeseumotorista

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e roadie pessoal, apelidado de Concorde porque tinha um nariz enorme,“nãoeranadamaisdoqueumfazendeirofedido.Eraumgarotolegal,masagente tiravaumsarrodele,dizendoparaoGeezer: ‘Putamerda,o carafede!Elesecagou?’.EGeezer icavadizendo:‘Nãoestousentindonenhumcheiro,me deixem em paz’”. Copiando a piada antiga comBill, uma noitedepoisdoshowPauleTonyjogaramumpedaçoenormedegorgonzolanoaquecedordocarrodeGeezer.ComoelemoravaentãonacidadedeClowsTop, nas Midlands, tinha pedido que Concorde o levasse para casa todanoite.“Nodiaseguinte”,contaPaul,“Geezerentraetemumlençocobrindoo nariz. E tem ummonte de desodorantes pendurados no espelho, paraque o carro cheire melhor. Literalmente, dúzias deles. Ele diz: ‘Vocêprecisademiti-lo!Contrateoutromotoristaparamim!Nãoconsigorespirarnocarro!’.EueTonyestávamostentandonãorir.”

No entanto, foi Bill, como sempre, que recebeu o maior impacto do“humor”deTony.PoucoantesdeentraremnopalconoIpswichGaumont,emmaio,Billcolocouoqueeleachavasersuanova“roupapunk”—calçae jaqueta camu ladas compradas naquele dia, mais cedo, numa lojapróximadaArmy&Navy.QuandoperguntouaTonyoqueeleachavadesua nova roupa, Tony respondeu: “Uma merda”. Bill insistiu: “Não, falasério,Tony”.Tonydesaprovou:“Chocante”,saiuevoltoucomumbaldedeáguaejogousobreBill.“Comopossoentrarnopalcoassim?”,reclamouBill,masTonyjátinhaidoembora,correndopelocorredorerindo…

Noentanto,ascoisassofreramumaviradamenosengraçadaquandoaturnêchegouaGlasgoweTonydescobriuquehaviaum“velhoamigo”daMelodyMaker ali: Allan Jones. Tony nunca esqueceu o famoso jornalistapelosataquesquetinhafeitoàbandaanosantes.Decidiuqueerahoradese vingar. Pediu que Paul convidasse Jones para o camarim “paracumprimentá-lo”, eTonyestava tirandoseucaro relógiodepulsoquandoJonesentrou.Quandoesticouamãoparacumprimentá-lo,Tonymandouoque mais tarde descreveu como “um excelente gancho de esquerda” noqueixodojornalista.Naturalmente,ganhouasmanchetesdaMelodyMakere outras revistas na semana seguinte e fez com que a banda tivesse suareputação mais arranhada com as plateias punks mais militantes, masTony não estava nem aí. Isso não tinha a ver com a música. Isso erapessoal.

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Lembrando-se do encontro anterior, Tony explicou como ele haviaconhecido Jones na estação e o levou de carro para sua casa emLeicestershire, onde eles jantaram. “Foi tudo bem”, contou Tony. Excetoque,mais tarde, Jones tinha cometidoopecadocapital, paraoguitarrista,de criticar e tirar um sarro de seu estilo de vida. “Ele esperava que euvivesse em uma caverna. Ele tirou um sarro porque eu colecionavaantiguidades e quadros.” Jones zombou de sua crescente coleção dequadros“queamaioriadaspessoasnãoteriaespaçoparacolocaremsuascasas”.Agotad’água,noentanto, foiquando,deacordocomIommi, Jonestirou um sarro de seus enormes pastores-alemães, que, ele a irmou, “oatacaram”.Cedooutarde,Tonydecidiuenquantodividiaoutramonstruosacarreira de cocaína, Jones teria depagar. EmGlasgow,maiode1978, elepagou. Por im, Tony decidiu, todos eles teriam que pagar. E no inal domesmoano,elespagariam.ComeçandocomOzzy.Antesdesevoltarcontraorestodabandaequalquerumqueficassenoseucaminho…

No inaldaquele ano, oBlackSabbath era troncoocoqueimado.ElestinhampassadoamaiorpartedoanoemturnêcomoVanHalen,umnovocontratadodaWarnerBros.queameaçava fazermaisparadesestabilizaro Sabbath do que qualquer quantidade das melhores bandas de punkpoderia fazer. Com os anos 1970 chegando a seu inglório im, nenhumabandaderockresumiamelhoramudançadeguardadoquearapidíssimaVan Halen. Liderada por David Lee Roth, outro palhaço com capacidadevocal limitada, mas apelo convincente, Roth era quase sete anos maisjovem que Ozzy e dez vezes mais atlético; seu treinamento em artesmarciais e montanhismo faziam com que parecesse voar no palco. Oguitarrista deles, Eddie Van Halen, era aindamais impressionante. A ummundodedistânciadotipodeestiloclássicodeIommicomsuaorientaçãoao blues, Eddie tinha levado a guitarra de rock a um novo nível,introduzindoumestiloqueiriadominarosomdofuturodorocknosanos1980: oshredding. Umverdadeiro virtuoso, ele também trouxe umamalade truques totalmente nova para a mesa, incluindo o finger-tapping(embora ele não usasse este nome), que iria dominar a forma como ageraçãodeguitarristasdosanos1980tocariaseuinstrumentoatéosdias

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dehoje.O disco de estreia, homônimo, instantaneamente visto como um

clássico,havia sido lançadonaquelemesmoanoe já estavaa caminhodeganhar platina nos Estados Unidos quandoNever say die chegou, malproduzido e mal-amado, às lojas de discos do país. Quando o disco doSabbathquasenementrounoHot100dosEstadosUnidos,não foramsóos críticos que agora estavam comparando desfavoravelmente o Sabbathcom sua banda de abertura. Para fãs, não poderia existir um contrastemaior entre a velha banda em rápida decadência e a nova em rápidaascensão.

Previsivelmente, a banda começou a xingar sua “presunçosa” bandade abertura. Paul Clark tentou consolá-los dizendo que eles estavam“pagandopara oVanHalen ser famoso”.MasnosbastidoresTony Iommisabiaaverdade.Encantadocomasnovas técnicas incríveisdeEddieVanHalen, icou amigo do jovem guitarrista, levando-o para seu quarto dehotel, onde eles passavam a noite cheirando o aparentemente in initosuprimento de cocaína de Tony. Como se icando amigo, ele pudesse sercomo um mentor que recuperaria a própria credibilidade do Sabbath.Como se eles fossem simplesmente dois lados da mesma moeda. Mas averdadeeramuitoevidente.NãoeraapenasqueoSabbathseapoiavanabanda de abertura para vender entradas para eles — estavamrotineiramente sendo ofuscados no palco toda noite. Em qualquer outromomento,elesteriamselivradodabanda,masdessaveznãotinhamcomofazer isso. Amenos que quisessem cancelar a turnê e voltar a tocar emteatroseclubes.

Noentanto,ninguém,nemmesmoOzzy, icouamigodobizarroDavidLee Roth. Um cara que abandonou a faculdade, ilho de um milionáriocirurgião oftalmologista, Roth tinha um QI acima da média e suapersonalidade exuberante se equilibrava sob um pavio curto. Ele era, naverdade, tudooqueosquatromembrosdaSabbathnãoeram:de famíliarica,inteligente,declassealta.Piordetudo,pareciafeliz.

“A gente começou tendoproblemas”, contaTony; “isso e as drogas etodo o resto izeram com que a banda começasse a se despedaçar.Provavelmente deveríamos ter parado antes.” Em vez disso, o Sabbathcontinuou até o inal amargo, que aconteceu semmisericórdia, com dois

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shows no Tingley Coliseum, com seu nome nefasto,[1] em Albuquerque,Novo México, duas semanas antes do Natal de 1978. Eles não sabiamainda,masseriaoúltimoshowdeOzzycomabanda.

Quando a turnê inalmente terminou, todos foram para casa naInglaterra, mas qualquer esperança de umas férias prolongadas foramlogofrustradasquandoDonArden,agoravivendoemLosAngeles,ondeoELO estava no auge de seu sucesso norte-americano, insistiu que oSabbath também se juntasse a ele permanentemente em Hollywood.Aliviaria a carga de impostos se eles voltassem a morar fora da Grã-Bretanha e os aliviaria da odiosa tarefa de estar sob a in luência daimprensamusicalbritânica,queagoraestavavoltandosuasarmascontraosvelhos“dinossauros”dorocksetentista.Mais importante, issomanteriaabandasobocontroledeDon,cujoimpériotinhaseexpandidoapontodedaraeleasensaçãodepoderconsertartudo—atéachamuscadacarreiradoBlackSabbath.

Agoravivendonavastamansãoe terrasque antes eramdeHowardHughes — “Que eu comprei à vista, em dinheiro!” —, amigo íntimo dochefe da má ia de Nova York, Joe Pagano, contribuinte do PartidoRepublicano, junto com seu outro bom amigo, Tony Curtis, e ganhandodinheiro rápido como empresário do ELO, Air Supply, Sabbath e váriasoutras bandas que ele estava agora reposicionando em seu novo selo JetRecords,Donnãoseviacomoogângsterqueandavaarmadodaindústriamusical britânica, mas como um player importante na indústria deentretenimentonorte-americana.ElesabiaqueTonyeoSabbathestavamem péssima forma. Tudo bem! Ele os instalaria numa das váriaspropriedadesespaçosasquetinhaeresolveriatudo,erasóesperarever.ComeçandocomumnovoedesproporcionalmentealtoadiantamentoparaopróximodiscodaWarnerBros., tudooqueTonyeabanda tinhamquefazereracompor.

Haviaoutra razãomaisobscurapelaqual o Sabbath agora recebiaostatus de ilho favorito do Don: Tony tinha começado recentemente umcaso não tão secreto com a ilha de Don: Sharon. “Foi louco”, Don mecontaria anos depois. “Ela estava louca, apaixonada por ele, era o queparecia paramim.Mas ele não queria saber. Eramúsico. Tinha esposa e

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ilho em casa. Para ele, era só algo passageiro.Quando ela percebeu queelenãosentiaomesmo, icoudoida.”Eleriu,masseusolhoscontinuaramfriosedurosenquantodiziaisso.

Na verdade, Tony e Sharon tinhammuito em comum. Os dois erambastante vulneráveis — ele com uma carreira rapidamente sedesintegrando e um vício em drogas que estava piorando, ela com osmesmos problemas de autoestima que sofria desde criança—, eram dotipo que disfarçavam essas inseguranças com uma cara ousada,aparentemente inexpugnável. Duas pessoas carentes em busca de curasrápidasque,nofinal,nãoiriamsatisfazernemum,nemoutro.

SharonArdeneraa ilhadeDonArden,ealguémquetinhaganhadoum espaço na indústria musical anos antes trabalhando com várias dasprincipais bandas do pai. Durante os anos e décadas seguintes, Sharonpegou Ozzy e o transformou em uma estrela maior do que Tony Iommipoderia ter sonhado, a ponto de Iommi terminar voltando, de chapéu namão,praticamentefelizporreviveraformaçãodoBlackSabbath,umlanceinteiramente organizado por Sharon Osbourne, como ela agora sechamava.

Tony,porsuavez,sentia-seobrigadoa fazerSharon felizenquantoopaidelaainda tinhaaschavesparaseurenovadosucesso.ElegostavadeSharon. Ela era alegre, aventureira, inteligente e divertida. Mas ele nãoestavaapaixonado.

Nessaépoca,Tonyconheceuumnotóriodr.FeelgooddeHollywood—odentistadr.Max Shapiro. Shapiro tinha sidoodentista favoritodeElvisPresleynaépocadamortecheiadecontrovérsiasdocantor,dezoitomesesantes.Conhecidoporsuas“visitascaseiras”aqualquerhora,Shapiromaistardeseriaacusadocomoumdosváriosmédicosqueregularmentedavamreceitas a Presley para drogas pesadas, incluindo cocaína líquida. Clarkconta que o dr. Shapiro agora prescrevia cocaína farmacêuticarotineiramenteparaTony,entreguesemformatodegrandespílulas.

“Uma[pílula]seriacomoumgramadepó”,elecalcula.“Eelasvinhamnessesfrascoscomumasquinzepílulas.Naverdade,Tonytinhaumacoisa,acho que era um apontador de lápis, e ele colocava [uma pílula] nessamáquinae triturava.”Depoischeirava.Clark lembra-sequeShapirovinhaao estúdio onde o Sabbath supostamente estava trabalhando. “O cara

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estava coberto de cicatrizes.” Ele desaparecia em uma sala com oguitarrista, realizavaum“exame”qualquernabocadele, entãodavaumareceita,queTonypagavaemdinheiro.

Nemmesmoaspílulasmágicasdodr.Shapiroconseguiam levantarohumor do guitarrista, que lutava para criar algum material novo paraoutro disco do Sabbath. Quase toda semana Don ou a gravadora vinhaperguntarcomoestavamindo,eTonymentiaediziaquetudoestavaindobem. Mas, na verdade, ele nem sabia onde estava o resto da banda, namaior parte do tempo. Então, quando eles surgiam, isso só aumentava afrustração, já que nenhum deles parecia ter alguma ideia. Ozzy, emespecial,agoracomeçavaaincitarmaisaraivadeIommi.

Tony suspiraria quando lhe perguntei, alguns anos depois, se eleculpavaOzzypelosproblemasdabandanaquelaépoca.“Achoquesim,dealguma forma.Você tambémculparianaépoca.Achoque todosculpavamumaooutro,porqueestávamospassandoporestranhosestágiosde…Nãoseiseeramasdrogasouoquê,maserade initivamente…Complicado.Porcausa da saída e volta de Ozzy, todos tínhamos esses traumas vivos. Eramuito di ícil lidar com tudo aquilo. E acho que a gente icava puto com asituação, com a forma como tudo estava acontecendo.” Eles estavam emLos Angeles havia uns meses, “e não tínhamos feito basicamente porranenhuma— tirando as toneladas de drogas. Estávamos ensaiando, nadaacontecia, eOzzy, acho, estava passando pormuitos problemas na época.Eleestavaseen iandocadavezmaisnasdrogaseagentetambém,etudofoicaindoaospedaços.Tudoexplodiu,esimplesmentetínhamosquefazeralgo”.

DeacordocomGeezer,agotad’águasedeuquandotodoschegaramaoestúdioumdiaeencontraramOzzydeitadoinconscientenumapoçadoprópriomijo. “Tony simplesmentedisse: ‘Não consigo trabalharmais comele.Elenãoestámais interessado,precisamosadmitir.Ozzynãoestámaisinteressado; então, ou continuamos aguentando ou conseguimos outrocara’.”

DeacordocomTony,noentanto,quandofaleicomele,foiGeezereBillque deram o ultimato. “Bill e Geezer me procuraram e disseram: ‘Olha,sabe, temosque fazeralgo.OuOzzy saiounósvamos sair’.Eudisse: ‘Oh,obrigado deixe comigo’, sabe? Então só cheguei a uma situação onde

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tivemos que dizer a Ozzy: ‘Olhe, se você não izer algo vamos ter queencontraroutrovocalista’.Realmentechegouaesseponto,quefoihorrível.Masabandaiasesepararentão…Foiqueaconteceu,realmente.”

Naverdade,todoselestêmsuasprópriasversõesdecomoeporqueOzzy foi demitido do Black Sabbath. De acordo com Geezer, ele icou tãoconsternado com o que sugere que tenha sido uma decisão de Tonyexpulsar Ozzy que elemesmo saiu da banda logo depois. “Eu chorei pordoisdias.Porquesemprefalei:‘OSabbathsomosnósquatro—Ozzy,Tony,Bill e eu. E se algum de nós sair ou for expulso, não é mais o BlackSabbath’.”Enãoera.Geezer icoutãobravoque“algumassemanasdepoisque o Ozzy saiu, também saí. Eu também estava com vários problemaspessoais e não conseguiria seguir sem o Ozzy. Então iquei fora por unstrêsmeses”.

Bill,queosoutrosobrigaramadaranotíciaaOzzy,agoraa irmaqueele também icou devastado pela decisão da qual nunca se recuperoutotalmente—umasituaçãoquelevouasuaprópriaecomplicadasaídadabanda quase um ano depois. “Eu me senti muito mal sobre ascircunstânciasquecercaramacoisatodasobreoOzzyeterquepedirqueelesaísse,eeununcadeixeidemesentirmalporisso.”AtéOzzydariasuaprópria versão da história várias vezes ao longo dos anos, uma veza irmandoqueeleexagerouparaserdeliberadamentedemitido,depoisdereceberconselhosdeumadvogado,quenuncadisseonome,queoavisouqueseeleconcordasseemsair,perderiatododinheiroaquetinhadireito.

AprimeiracoisaqueOzzy icousabendo,noentanto, foiqueeleteriaque deixar a casa onde estavam morando em Beverly Hills. Umaempregadaveioeempacotousuascoisas,eummotoristafoichamadoparalevar Ozzy para o hotel Le Parc, emWest Hollywood, onde um pequenoapartamento tinha sido reservadoparaele. “Euestavapensando: ‘Ei, nãogosto do que está acontecendo aqui, mas e se eu estiver pulando dafrigideira direto para o fogo?’. E quando realmente entendi que estavafora, iquei devastado! Porque pensei, agora é isso, está tudo terminado,estoudevoltaàvidademerda,perdi tudo.Então foi tudoque izquandoacabeirealmenteexpulsodaCalifórnia…AchoqueBillmecontouqueelestinham feito uma reunião e que eu tinha de sair… Simplesmente iqueidestruído,sabe?

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“EntãoeumetranqueinumapartamentonoLeParc.Nãosaídomeuquarto.Nãoabriascortinasoudeixeiaempregadaentrarportrêsmeses.CostumavapedirpizzasDominos,meufornecedordecocavinhatododiaeeupediacervejaeálcooldoGilson’snaSunsetporqueelesentregavamali.EssaéabelezadaCalifórnia,tudoquevocêquiser,dáparaentregar,nãoépreciso sair nem para comprar papel higiênico. Tudo é entregue se vocêquiser. Eu estava pensando, ah, bem, eu poderia fazer minhas últimasloucurasedepoismeprepararparaaporradobigbang.Naverdade,tivemaisdinheironaquelemomento,comminhasaída,comavendadaminhaparte do nome do Black Sabbath, do que nunca. Acho que recebi 96millibras e iquei tipo: ‘Porra, cara!Noventa e seismil!Não acredito!’. Era aprimeiraveznaminhavidaqueeutinhatantodinheiro.”

Don icou furioso ao ver que a expulsão de Ozzy acontecia no piormomentopossívelparaabanda. Já lutandoparaconvencera indústriadeque o Sabbath ainda tinha força comercialmente, isso passavadecididamenteumpéssimosinal.MasTonyestavadeterminado.OueraoOzzy ou ele. EmesmoDon não era arrogante o su iciente para acreditarqueelepoderiareconstruiroBlackSabbathsemseuprincipalcompositor.Oqueeleestavaconvencido,noentanto,eraqueseOzzyrealmente fosseexpulso,aindahaveriaapossibilidadedeumacarreirasoloparaele.Dessaforma,eparacriarumparaquedasparaovocalistaforadoSabbath,elefoicontratado — com um adiantamento modesto, que essencialmenteconsistianopagamentodesuasdespesasdodiaadia—pelaJetRecords.Sempre capaz de encontrar uma forma de ganhar dinheiro no meio daconfusão inanceira,Don raciocinouquea separaçãopoderia até ser algobom — se isso o deixasse como empresário de duas bandas de rockpotencialmente bem-sucedidas. Tudo dependia exatamente de quem oSabbathconseguisseparasubstituirOzzy.Nãoseriafácil,Donsabia,masjápensavaemváriossubstitutospossíveisquepoderiamdarconta.

No entanto, antes de conseguir discutir esses nomes com a banda,Tonyjátinhasedecidido.

“A porra de um anão!” Don ainda gritava com desprezo quandodiscutimosoassuntovinteanosdepois.“Aporradeumanão,eraessequeelesqueriam!Faleiparaeles:‘Nãopodemteraporradeumanãoàfrentedo Black Sabbath. Todos vão rir de vocês!’. Mas era quem eles queriam,

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então mandei à merda. Pensei, sou muito velho, muito rico, muitointeligenteparaestamerda.Efoiisso.”

O anão em questão era, na verdade, um dos vocalistas maisrepresentativos do rock no inal dos anos 1970. Alguémbaixo em altura,mas alto na estatura, com uma voz que parece um leão rugindo e umimpulso e ambição— e talentoso na composição—, que iria conseguir oque parecia totalmente impossível naquele longo, quente e confuso(principalmentepelacocaína)verãode1979:realmenterecuperaroBlackSabbath,torná-lomaioremelhordoqueantes.

Seu nome era Ronnie James Dio e ele representava um futuro.GostassemounãoTony,GeezereBill…

“Não tem a ver só com ser capaz de cantar.” Ronnie James Dio mecontariamaistarde,quandoosanguetinhacoaguladoeofogojáhaviasidoapagado. “Tem a ver com ser capaz de formar uma ponte entre você, abandaeaplateia.Emalgumlugartodaessaenergiapodeseencontrar—eexplodir!”

AocontráriodeOzzyOsbourne, cujaatuaçãocomopalhaço tristeeraparcialmenteporseucaráter,forjadaemumainfânciaterríveldepobrezae humor negro, e parcialmente pelo peso coletivo da própria baixaexpectativadoBlackSabbathsobreelesmesmoseosoutros,RonnieJamesDio se via como um matador de dragões, um alquimista de sonhos quepoderia transformar a situaçãomais complicada em vantagempela forçapoderosade suavontadede ferro.ComoOzzy, ele gostavadeumapiada;aocontráriodeOzzy,vocênuncasonhariaemrirdeRonnie—pelomenosnão na sua cara. E onde Ozzy parecia simplesmente ir à deriva em suacarreira,oucaindonoprimeiroobstáculooudealgumaformasaltandodapilhaporpurasorte,Ronnieviamuitoseriamente todosospassosdesuacarreira. Elenão era tão altoquantoOzzy, não tinhaumbomvisual, nemerafácil,maspodiaentrarnamentedaplateiae icaralicomoumvermemental, como uma força da natureza, como o vento e a chuva, que eleparecia ser capaz de comandar sempre que abria a boca para cantar eaquela voz incrivelmente poderosa saía, renascia, o sol que sempre selevanta,logodepoisdapartemaisfriadaauroramaisescura.

Umprodutodaquelaeraoriginal,livredeironiasdefrontmenderock

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totalmentehonestos,elemecontou: “Quandosubonopalcoecanto,gostode imaginar que estou olhando nos olhos de todas as pessoas na plateia,que estou cantando especi icamente para elas. Mesmo quando estou sófalando para elas, apresentando uma música, nunca grito, simplesmentefalo comelas comose fosseumaconversaparticular.Emparte, éporquesempre odiei frontmen que simplesmente gritam e olham para a plateia,tratandoaspessoascomosefossemumagrandebolha.Sempreacheiissomuitorude.Eprincipalmenteporquelevomuitoasériooquefaço.Nãomeentendamal, gosto deme divertir ali em cima. Mas realmente falo sériocom cada palavra que canto ou digo. E quero que as pessoas saibamdisso…”.

Nascido Ronald James Padavona em 10 de julho de 1942, emPortsmouth, New Hampshire, ilho único de uma família de imigrantesitalianos,RonniecresceuemCortland,aonortedoestadodeNovaYork.Foicriado como católico, mas sua verdadeira religião sempre foi a música.Tendoaprendidoatocarbaixo,pianoetrompetenocolegial,eleentrouemsua primeira banda, os Vegas Kings, aos quinze anos. Começando comobaixista, quando a banda mudou o nome para Ronnie & The Rumblers(mais tarde Ronnie and The Red Caps), ele já tinha sido promovido acantor.Mas só, ele insiste, “porque ninguémmais queria cantar. Não erameuplanoliderarabanda”.

A primeira vez que cantou, ele disse: “Eu soube que tinha algo. Aocontrário de aprender a tocar um instrumento, aquilo simplesmentepareciaalgo imediato—umdom”.Mesmoassim, foi suahabilidade comotrompetista que inicialmente deu vantagem como vocalista. “Tinha a ver,emparte,comsabercomorespirar,empartecomofatodequeotrompetetem sua própria voz, sua própriamaneira de criar frases. Aprendimuitosobrecantarsóporsabercomotocarotrompete.”

Quando a formação mudou de novo, ele também mudou seu nomedecidindoquePadavonasimplesmente“nãoerabomosu iciente,eramosanos 1960, não se esqueçam” — para Ronnie Dio, por causa de umainfame iguradamá ialocal,JohnnyDio,“quesoavamaislegal”;abandasetornou, então, Ronnie Dio and the Prophets. Foram os Prophets que, em1967, semetamorfoseariam em sua primeira banda de rock de verdade:The Electric Elves— mais tarde com o nome diminuído para Elf. “Foi a

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primeirabandaquetentoufazermaterialpróprio.”Tambémfoiaprimeirabanda em que tocou que conseguiu algum grau de sucesso. Quando elesassinaram como recém-criado selo doDeep Purple, o baixista da banda,RogerGlover,setornouoprodutordeleseoElffoiconvidadoparaabrirosshows da lendária turnê Burn, de 1974, na qual Ronnie conheceu ohomem que iria transformar sua carreira: o mal-humorado guitarrista elíder Ritchie Blackmore. “Foi um elogio e tanto para a gente porque oPurpleeraumadasmaioresbandasdomundonaépoca.”

Tornou-se um elogio ainda maior — e imprevisto — quandoBlackmoreconvidouRonnieeoElfparase transformarememsuabandade apoionoque seria seuprimeirodisco solo, em1975,masna verdadeeles acabaramse tornando suanovabandapós-Purple, pois o guitarristaestavainsatisfeitocomodirecionamentocadavezmaisfunkqueamúsicadoPurpleestavatomandonessemomento.Odiscoquefoigravado,Ritchieblackmore’srainbow,Ronniesempreiriafazerquestãodecontar,“deveriatersechamado ‘RitchieBlackmoreandRonnie JamesDio’sRainbow’”.Eletinhacertarazão.Encantadocoma incrívelvozeos inexploradostalentosdecomposiçãodeseunovovocalista—queresultouemclássicosdometalcomo“Manonthesilvermountain”—,senãofossepelopotencialdanovaparceria com Dio, é de duvidar que Blackmore tivesse tido coragemsu iciente para sair do Purple, que estava no auge de seu sucessocomercial, quando isso aconteceu. Como Blackmoremais tarde admitiria:“Eu saí porque conheci Ronnie Dio e era fácil trabalhar com ele. Ele iaoriginalmente gravar só uma faixa de um disco solo, mas terminamosfazendotodoodiscoemtrêssemanas,algoquemedeixoumuitoanimado”.

No entanto foi o disco seguinte deles,Rainbow rising, que iriaalavancar abandaparaos anaisdahistóriado rock. Lançadoem1976eapresentando o que é agora considerado a formação central doRainbow— todos os ex-membros do Elf substituídos por veteranos do rock: obateristaCozyPowell, obaixista JimmyBaineo tecladistaTonyCarey—,Rainbow rising estabeleceu o padrão pelo qual todos os discos de heavymetal seriam julgadosduranteorestodosanos1970.Certamente, foiumdosmelhoresdiscosnosquaisDiocantaria. “É,euconcordocomisso”,eledisse,sereno.

Infelizmente, coma formação se fraturandodenovo (nemBain,nem

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Careysobreviveram)antesqueagravaçãodoseguintepudessecomeçar,opotencial da banda nunca chegou a ser totalmente explorado. “Foi umapena,maseraa formacomoRitchiegostavadetrabalhar,paramanterascoisassemprerenovadas”,Ronniemecontou.Seuolharfrioedurodiziaoresto. Em um ano, Dio também estava sentindo a ponta dura da bota deBlackmore.Eles se separaramporque “nãoqueria fazero tipodemúsicaque ele queria fazer. Ele queria ser uma estrela pop e eu não queriacompor essas coisas. Queria aindamanter as raízes na inteligência e elequeriamúsicas sobre casos de amor”. Dito isto, Long live rock ‘n’ roll em1978foiumdiscomuitomelhordoqueosqueoBlackSabbathtinhafeitoem anos. Novamente, Dio compôs todas as músicas com Blackmore (eocasionalmente comPowell), e quando começaramas turnês parecia quesuas preocupações tinham terminado. Não tinham. “As pessoas aindamedizem como icaram surpresas quando saí da banda logo depois. Averdade é que também iqueimeio surpreso”, ele acrescentou sarcástico.“No inal,foiumaescolhadoRitchie,sim.Mastambémfoiminhanosentidode que eu não poderia dar o que ele queria. A resposta está no que abandafezdepoisquesaí,queforamsinglescomo‘Sinceyou’vebeengone’.Éumaótimamúsicaefoiumgrandesucessoparaeles,masnãoéalgoqueeuteriacompostooucantadocomeles.Eraumpop-rockmainstreameeraparaondeRitchiequeriair.Seeuquisesseirnessadireçãotambém,tenhocerteza que poderíamos ter continuado a trabalhar juntos. Mas eu nãoqueria.”

Ele estava se preparando para começar a compor e gravar seuprimeirodiscosolo,conta,quandoaconteceuumencontroporacasoentreovocalistaeoguitarristadoSabbath,umanoite,noclubeRainbow,emLosAngeles, que mudou tudo. “Foi o destino”, ele me contou. “Com certezadevetersidoporqueagenteseconectouimediatamente.”QuandoIommioconvidouparairaoestúdioparaumajamde inaldenoite,“eucertamentenãoviacoisacomoumteste.Eramapenasdoismúsicossedivertindo”.

Essadiversãoemespecial,noentanto, resultouna faixa—“Childrenof the sea”— que terminaria sendo parte do próximo disco do Sabbath,Heaven and hell. “Tony tinha um ótimo riff que ele tocou para mim, masnadaparaseguir.Falei: ‘Medáumminuto’efuiatéumcantoecomeceiaescrevera letra.Aíagentegravou.Quandoagente tocou, eraóbviopara

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osdoisquehaviaalgointeressanteali.”Certamente havia.Heavenandhell, lançadonoverãode1980,não só

foiodiscomaisbem-sucedidocomercialmentedesdeoaugenocomeçodosanos 1970; não só foi um dos melhores discos do Sabbath de todos ostempos, com ou sem Ozzy; foi também, e permanece sendo, um dosmelhores discos de heavy metal de todos os tempos — ponto. “Se mepedissem para apontar um disco que realmenteme dá orgulho em todaminha carreira, seria esse”, diz Ronnie. “Claro, há outros que eu amo damesma forma, mas havia tantos elementos nesse — das viagens pelomundo para gravar diferentes partes, de como icamos todos contentescomamúsica, aograndesucessoque fez—tudo isso fazHeavenandhellsermuitoespecialparamim.”

Seorestodabandaaomenossesentissedamesmaforma...[1]“Tingle”significa“arrepio”,“formigamento”,“picada”,eminglês.(N.T.)

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PartedoisAzarparaalguns

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Sete

NoitesdeNeon

FEVEREIRODE1980. O hotel George V em Paris. É uma hora damanhã quandoPaul Clark abre a porta da suíte de Bill Ward para deixar entrar oencanador do hotel. Bill, que está “mal”, esteve vomitando por horas eagoratodaaprivada,apiaeabanheiraestãoentupidascomseuvômito.Oencanadorlevantaasmãoscomnojo,masPaulcolocaumrolodenotasdedólaremseubolso,tiraumasnotasdecemeen ianobolsodomacacãodocara. Vai demorar alguns dias para “monsieur le plombier” desentupirtodos os canos, nesse momento Bill já vai ter deixado o lugar. Mas, porenquanto, ele foi levado a um pequeno salão na absurdamente espaçosasala de sua suíte, comPaul, a esposanorte-americanadeBill,Misty, eu euminfelizjornalistadarevistaSoundsquecertamentegostariadeestaremqualqueroutrolugardomundo.

Comoorecém-contratadoRPdabandaemLondres,recebiatarefade“cuidar”doBlackSabbath.Aocontráriodealgumasdasbandascomquemtinhatrabalhado—Journey,REOSpeedwagoneoutras—,conheçomuitobem a música do Sabbath, pois era fã desde o tempo da escola, quandoParanoid se tornouoprimeiroLPquecompreinavida.Nessaépoca, com21 anos, já era um veterano de turnês com Thin Lizzy, Dire Straits,Motörhead e Hawkwind, e sentia estar mais quali icado para lidar comtodasasvicissitudesqueoBlackSabbathpoderiater.

Estava errado. Sem saber como a carreira deles estava seequilibrando em uma situação complicada, fui recebido pelo que pareciaserumacrônicaapatiaporumlado—depoisdeanossendochutadospelaimprensa britânica, parecia que Tony e Geezer simplesmente tinhamdesistido,semnemprestaratençãoemquemeueraouquaiserammeusplanosparaapróximacampanha—eumdesejoexageradoporglóriadooutro,quemecolocavadeformapermanentecomopéatrás,vindodeseuultra-ansioso novo vocalista, Ronnie James Dio, que queria que as coisassaíssemperfeitas.Sempre.

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E também estava o Bill. Quando Bill não apareceu em nenhuma denossas reuniões iniciais, ninguém viu nenhum problema. Bill estava mal,eles disseram, quando perguntei. Ou Bill simplesmente estava em outrolugar.Ninguémsabiaonde;elesfalaram.

No entanto, ele certamente estaria na sessão de fotos que eu tinhaorganizadoemSacréCoeur,Paulmegarantiu.Quandoeleapareceu, iqueisurpreso, depois consternado, pois pude vê-lo de perto. Os olhos escuroscomo um panda, o cabelo desalinhado, uma barba cheia, a barriga decervejaaparecendoporcimadeumcintodesgastado.

Fui me apresentar. “Que merda estamos fazendo aqui?”, eleperguntoudesesperado,comoseolhasseatravésdemim.

“Vamostirarumasfotos,Bill,paraaimprensa…”“Não me importa isso”, ele interrompeu, quase como se suplicasse.

“Quero saber por que estamos fazendo pose na porra do frio quandodeveríamosestarnoestúdiotrabalhandonodisco.”

“Não ligue para o Bill”, Paul me disse, afastando-me. “Deixe que eutomocontadele.”

“Paul!”,contestouBill.“Queporraestamosfazendo?”De alguma forma conseguimos fazer a sessão de fotos. Mais tarde,

quando recebemos as fotos, iquei feliz por termos imagens su icientesparausar.Então,quandoleveiasfotosatéohoteldabandaparamostrar,descobriqueGeezereBill tinhamraspadoasbarbasgrossasque tinhamdeixadocresceremParisequeteríamosquefazeroutrasessão.

Enquanto isso, de volta à suíte de Bill nas primeiras horas de umamanhã de segunda-feira, nenhum de nós sabia por que tínhamos sidochamados ali; era como uma cena de algum ilme antigo de vampiro. Asjanelasdaenormevarandatinhamsidodeixadasabertas,mostrandoumavisãodaTorreEiffel, o ardanoitede inverno esfriandooquarto, ondeoaquecimentopareciaestar ligadonomáximo.BilleMistyestavamusandorobes de banho, o deBill aberto até a barriga, o que fazia comque vocêfechasse os olhos cada vezque ele se sentava e cruzava as pernas ou seabaixavaparaencherocopo.Mistyestavamaisarrumada,masseurosto,inchadopelabebidaoutalvezpelochoro,ouquemsabepelosdois,eseusolhos,comodoismachucadosnegros,ocabelosujo,tinhaumaaparênciadeumpacienteàbeiradamorte.Eleseramumcasalmuitodoente.

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“Tenho uma surpresa para você”, Bill anunciou quando todosencontramos algum lugar para sentar quepermitisse não olharmuito depertoparaeles.Haviaumcheirodevômitonoar.Vômitoecigarroeálcoole… algo mais. Ozzy se lembraria como, naquele momento: “Estávamostodos fodidos, a cocaína estava sempre por perto e a porra do Demerol[um opiáceo sintético parecido com mor ina], mor ina, tínhamos tudo alicomagente”.Haviaaindamaisdoqueodesempreali.Davaparasentir.Asensaçãodebriga, explosõesde raiva, coisas sendo rompidasnomeiodanoite.Mistyestavaparadanassombrasdavaranda,olhandocomosefossese jogar.Você tentava imaginaroque tinha acontecido, comoeles tinhamchegado a esse ponto? Mais tarde, Paul me contou que quando Billconheceu Misty uns anos antes, “ela só se divertia com Bill. Quando elaapareceu eram só risadas, na verdade. Ela era muito, muito magra. MasnãoeraboaparaBillporquebebiademaistambém.Osdoiseramterríveis.Em alguns shows, os festivais, a gente tinha uns barris cheios de gelo ecerveja. E quando eles saíam do palco, consigo me lembrar de Tonyperguntando:‘Ondeestãoasporrasdascervejas?’,eelatinhabebidotudo.Empoucotempoestavamuitogorda.Seuirmãotambémcostumavaviraosshowsàsvezes.Eleseramumbandodealcoólatras”.

“Tenho uma surpresa para vocês”, Bill falou, icando de pé ecambaleando até onde estava montado um sistema de som. Ele ia tocarparanósonovodisco,Heavenandhell.Sóumaressalva:“Aindanãotemosvocais”,disseBill,“maspelomenosvocêspodemterumaideia”.

Oh,agentetinhaumaideia.Sentamosemnossascadeiras,enquantoamúsica retumbava de dois alto-falantes que Bill tinha montadoespecialmente no quarto. Sem vocais, mas um monte de baterias eguitarrasmuito altas. No inal de cada faixa, Bill gritava para a gente: “Oquevocêsacham?Brilhantepra caralho,não?”.Agenteassentiae sorria,tentando parecer entusiasmado. De vez em quando eu olhavadisfarçadamente para o meu relógio. O tempo passava. Então eu olhavadisfarçadamenteparaMisty.Elanãopareciaestarmaisfelizdoqueeu.Elae Bill estavam vivendo num mundo paralelo ao que o resto do Sabbathvivia.Maistarde,quandoaturnêcomeçou,eumeacostumeiaserchamadoao camarim depois de cada show, assim Bill poderia ditar seu própriopress releaseparamim.Tudoque acontecia comBill durante o show, de

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uma baqueta quebrada até um erro de entrada ou qualquer coisa queachavaqueprecisavadealgumaexplicação,elequeriaquefossecolocadono press release e transmitido de forma urgente para a mídia local emqualquer cidadeemqueestivessem.Ele se sentava, umamassade carnebrancaensopadadesuor,comacaratotalmentedoidaemefaziaescrevertudoedepoislerdevoltaparaele.“Agoratransmitaessaporrahoje!”

Então,quandoeusaíadocamarim,PaulClarkestavameesperandonaporta. Às vezes ele pegava o papel, dobrava e colocava em seu bolso.Outrasvezespiscavaumolhoedizia:“Sójoguenolixo,estábem?”.

QuandoRonnie JamesDioconcordouemse juntaraTony Iommi,em1979,oBlackSabbathjáeraumnaviofantasma.SeDiotivesseentradonoSabbath um disco antes, a história poderia ter sido diferente para todoseles, incluindo Ozzy. Na verdade, poderia ter realmente acontecido. Noverãode 1977, bemquandoOzzy estava a pontode deixar a bandapelaprimeiravez,RonnietinhacomeçadoafazerumdiscocomoRainbowqueele jásabia,nofundo,queseriaoúltimo.SeRonnietivesseseencontradocomTonynessemomento,emvezdedoisanosdepois,oSabbathpoderiater se poupado a ignomínia deNever say diee, em vez disso, poderia terrelançado sua carreira com o tipo de música que Tony sempre tinhasonhado em fazer: rock melódico de alta qualidade, o tipo de coisa queoutrosmúsicosdaépoca teriamadmiradomais facilmentedoqueos riffsvagabundoseosritmosespasmódicosdaformaçãocomOzzy.OguitarristadoRainbow,RitchieBlackmore,teriaseguidocomseusplanosmuitoantes,voltando sua carreira para uma direção mais “paradas de sucesso”. Oúnico que, dentro dessas probabilidades, teria perdido seria Ozzy. Comoele me diria milhares de vezes nos anos seguintes, sem a eventualintervençãodeSharonArden,“euestariadormindonumbancodepraça”.

Emvezdisso,quandoTonyIommicomeçoua“fazerjams”comRonnieJames Dio em Los Angeles, na segunda metade de 1979, os dois agoraestavam procurando intencionalmente formas de ressuscitar suascarreiras. Encorajado pela armadura emocional que a cocaína costumaemprestarasuasvítimas—pelomenosnocomeço—,Tonyagiacomoseademissão de Ozzy fosse a solução dos problemas do Sabbath. A portasfechadas,noentanto,eletinhamedodopior.GeezereBill,quenãotinham

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as personalidades mais fortes, agora se escondiam atrás do escudofarmacológicodeTony.Alémdomais,osdoistinhammaiscoisasaresolverdo que as canções de um novo disco. O casamento de Geezer estavaterminando. Embora ele esperasse que sua esposa ignoraria todas as“travessuras” em que ele se envolvia com as fãs do Sabbath,principalmente nos EstadosUnidos, onde ele achava que longe dos olhossigni icasse longe do coração, foi diferente quando suspeitou que elaestava tendo um caso secreto com um amigo músico; Geezer não serecuperaria facilmente e agora tinha caído mais fundo em seu próprioinfernodebebidasedrogas.

QuandoTonypor imchutouOzzyesugeriuquetrouxessemDioparao lugar, Geezer icou desconcertado. Sua reação imediata foi apoiarOzzy.“TonymecontouquetinhaconhecidoRonnieDioequeria fazerumdiscocomele.EueOzzyíamosfazerumdiscojuntos,eBillestavaindecisosobresequeriaircomTonyoucomigoeOzzy.Então,no inal,estávamosfazendoreuniões o tempo todo um com o outro, e sempre havia traições e gentefalando pelas costas, essas coisas.”No inal, Geezer simplesmente fugiu eseescondeu.ComoBill,ele tinha icadotãoembaraçadoemseusprópriosproblemas que não conseguiamais ver a situação geral. Também estavaentrando em depressão, apesar de não diagnosticada, que iria fazê-losofrerduranteanos.

“Nem sabia o que tinha até fazer exames apropriados e começar atomarumaspílulas”, ele confessouao jornalista JoelMcIverem2005. “Aspessoas costumavam pensar que eu só estava triste, mas era realmentedepressão.” Naqueles dias, no entanto, “as pessoas nem falavam sobreisso”.Se falasse, “vocêeravisto literalmentecomoumdoido.Costumavamfalarparaqueeumeanimasseotempotodo.Vocêsóachaqueépartedasbebedeiras ou algo assim, mas não, é uma coisa clínica, algo no seucérebro”.NaépocaemqueOzzyfoiexpulsodabanda,aúnicaajudaàmãoera a cocaína e, eventualmente, de formabreve,masdolorosa, a heroína.“Não conseguiria explicar qual era o clima,mas não havia ninguém paraconversar na época. Eles costumavam falar para você sair e levar seucachorro para passear ou algo assim.” Ao contrário de Bill, no entanto,Geezer teve a sabedoria de dar um passo para trás quando estava nabeirada.Masnãoantesdeseafundarnamelancoliaporváriassemanas.

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QuantoaBill,comasaídadeOzzyeGeezerafastado,erao imdojogopara o Sabbath, e ele não queria ser parte disso. “Há coisas que seapagaram naminhamente, o quemostra como eu estava paralisado pordentronaépoca.Entãotenhopoucaslembrançasdaúltimapartedanossacarreira.Mas a demissãodeOzzy…Achei que tinha sido algo errado. Em1984, quando realmente iquei sóbrio, olhei de novo aquelesacontecimentose tudo fezsentidoparamim.A formacomoeu tinhameioquedesistidoetinhameviradoparadentrodemimmesmo.OdieiofatodequeOzzynãoestavamaiscomabanda.”

BilltinhadescidotantonahierarquiadoSabbathqueagoraeleestavaemalgumlugarabaixodosroadies,algumlugarpertodeondeasgroupieseostraficantesseocultavamnaconsciênciacoletivadabanda.Quandoelescortaram a perna de uma de suas calças uma noite, por brincadeira, elesimplesmente apareceu na manhã seguinte com uma perna de fora.QuandoTonytentoucolocarfogonele—denovo—outranoitenoestúdio,eBill reclamoudeverdade,elesearrependeutantoquevoltouumahoradepoisepediudesculpasaTonyantesdeconvidá-loacontinuar.“Agentesempre fazia, era como um pequeno show”, Bill insistiria, como se elerealmente gostasse da piada. Dessa vez, quando o guitarrista repetiu—agarrando uma garrafa de um luído altamente in lamável usado paralimpar itasejogandosobreosjeansdeBill,paradepoisatirarumfósforoacesonele—,quaseterminouemdesastre.ComBillrolandopelochãodoestúdio,seucorpopegandofogo,Tony,rindo,jogouaindamais luídonele.Os jeans de Bill se derreteram contra suas pernas com as chamasaumentando de intensidade, agora chegando aos braços e à cabeça,quando ele começou a gritar. “A gente o levou ao hospital”, Paul Clark selembraagora,“eeletevequeimadurasdeterceirograuportodoocorpo.AmãedeBillligoueameaçoumatarTony.DissequeBillestavamorrendoeque teriaqueamputaraspernas.Tonysecagoudemedo.”FoicomoseoBlack Sabbath tivesse inalmente se tornado o que seus críticos haviamuito o acusavam de ser: um zumbi descerebrado. Oportunistas do rock‘n’roll.

RonnieJamesDionãoeravítimadasdrogas.Massuasperspectivasdecarreira não eram, certamente, melhores. Sua então esposa, Wendy Dio,lembra-se como, depois queRonnie tinha sido demitido doRainbow, eles

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estavam quebrados. Como foi só uma pequena herança de sua avórecentemente falecida que deu certo alívio. “A gente não tinha nenhumdinheiro, nada.” No Rainbow, Ronnie tinha ganhado uma casa emConnecticut,umcarroeumsaláriosemanalde150dólares.Tudoperdidoquando Blackmore o demitiu em 1978. “A gente veio até Los Angeles,porqueeraondesabíamosquehaviapessoascomquempoderíamosfazeralgo, mas não tínhamos nenhum dinheiro. E estávamos lutando muito.Foram dias di íceis, e, honestamente, quando Ronnie entrou no Sabbath,eleestava falando: ‘Nãoseisequero fazer issoounão’.Eudisse: ‘Ronnie,temos oitocentos dólares no banco, precisamos fazer algo’. A gente teveumasbrigas.Fizemososacrifício,comodiziaRonnie.”

Quando conheceu Iommi, Dio tinha começado a conversar sobre aperspectiva de uma carreira solo, trabalhando com o velho amigo e ex-parceiro de banda, tanto do Elf quanto do Rainbow, o tecladista MickySoule,massemumcontratocomumagravadora,elesestariamcomeçandodozero.Enquantoisso,eleestavaampliandoasapostasemváriosprojetosmusicais diferentes, incluindo compor com o guitarrista britânico PaulGurvitz, na época parte do power trio ThreeMan Army. Também estavafazendojamscomoguitarristaJeff“Skunk”Baxter,ex-SteelyDaneDoobieBrothers, cuja carreira também se encontrava numa encruzilhada.(Quando Dio entrou no Black Sabbath, Baxter estava para se tornar umdos melhores músicos de estúdio da época.) Havia também conversassobre uma colaboração com o ex-baixista do Rainbow, Bob Daisley (que,ironicamente,terminariasendoobaixistadabandasolodeOzzy).

Quando Tony sugeriu que simplesmente reconstruíssem juntos oBlackSabbath, agoraqueOzzyestava fora,Ronnieaprincípionãoqueriaentrar de novo na banda de outra pessoa, apesar dos avisos deWendysobre o saldo bancário em rápido declínio. Mas Tony garantiu que nãoseria comooRainbow, emqueBlackmore era sempre o chefe, livre paracontratar e demitir quem quisesse. Ronnie seria colíder do grupo, comTony, musical e em todos os outros sentidos. Não havia — ainda —nenhum detalhe que precisasse ser trabalhado em termos de quemescreveria as letras. ComGeezer agora ausente da banda, possivelmentedevez,eBilltãodescontroladoemrelaçãoaoálcoole,suaúltimanovidade,heroína,nãoimportavamuitooqueelespensavam.Geezertinhacomeçado

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a “odiar” escrever letras. “Eu costumava escrever as letras e dar para oOzzy. Ele dizia: ‘Não vou cantar isso’. Então era preciso repensar toda acoisa de novo.” A forma como Tony vendeu a ideia a Ronnie foi que elesorganizariam tudo como quisessem. Parceiros iguais, acontecesse o queacontecesse.“Foiassimqueconversamosnaépoca”,Ronnieiriamecontarmais tarde. A forma como Ronnie via o Sabbath “vinha de alguns discosterríveis,erao imdeles.AminhaentradaparatrabalharcomTonyeraoquepoderiatrazê-losdevolta”—elevantarRonnie,claro,comeles.

Tony também pensava isso. “Nunca tinha visto Tony tão animado”,lembra-se Paul Clark. “Ronnie foi como um sopro de ar fresco paramim.Eleestavabem,emforma,etinhaumaporradeumavozincrível!Tambémescreveu ótimas letras. Tony deve ter se sentido como um cachorro comdois pintos. Depois de anos tendo de trabalhar praticamente sozinho, eleagora tinha um vocalista que poderia realmente tirar muito peso dascostasdele.”

AWarnerBros. nosEstadosUnidos e a PhonogramemLondresnãogostarammuito.Coma trajetóriadevendasdabandaemdeclínio, eles játinhamdesistidodepensarqueoBlackSabbathpoderiarecuperaralgumabasecomercial.Foi sódepois,quandoouviramas incríveisdemos iniciais,queacordaramparaoquetinham.Eles icaramaindamaisentusiasmadosquando conheceram Ronnie e perceberam que poderiam inalmente teralguém no Black Sabbath com quem podiam negociar; alguém que naverdade gostava de dar entrevistas a rádios e à imprensa, que erabrilhanteearticulado,equeentendiaanecessidadedagravadoraquandose tratava de fazer promoções emarketing com a banda. Acima de tudo,alguémquenão ia bater em jornalistas oudormir bêbado eurinar em simesmo durante as reuniões. “A banda tinha chegado a ponto de nemmesmo dar entrevistas”, conta Clark. “As pessoas apareciam e Tony memandava dizer que ele estava doente ou tinha ido embora. EntãoRonnieentroueelegostavade trabalhar.Podia falarcoma imprensaeorádioodia todo, pessoalmente, por telefone, como fosse. Ele também era muitobomcomos fãs.Abanda tinhacolocadonacabeçaqueelesdeveriamsercomo o Led Zeppelin — distantes. Não conversar com ninguém. MasRonnie ia até a entrada do palco depois dos shows e icava ali durantehoras, conversandocomos fãsedandoautógrafos.Acoisaseespalhou,e

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elescomeçaramasegui-loportodososlados.Elesaíadohoteldemanhãehaviaumamultidão esperandopor ele.O caranão se importava.A genteterminavatendoquearrastá-lo,sóassimpoderíamoschegaraoaeroportoououtrolugar.Deixavaabandanervosa,masosfãsoadoravamporisso.”

O único que não gostava do que estava vendo era Don Arden. Eleestava absolutamente determinado: Tony estava cometendo um erroterrível.SejáeraumriscotirarOzzy,esperarqueopúblicorecebesseumnorte-americanoquepareciaumelfocomosucessorcomcredibilidadeerasimplesmente insano. Quando icou aparente que Tony não ia aceitarnenhuma interferência, Don puxou a tomada. Primeiro na casa ondeviviam, depois na banda em si. Por um lado, ele ainda tinha Ozzycontratado; Ozzy, que não tinha ideia de nada e faria o quemandassem.Por outro lado, ele tinhaTony Iommi e os outros; Tony insistia em trazerum substituto totalmente erradoparaOzzy. “Que se fodam”, decidiuDon.“Se quisessem cometer suicídio na carreira era problema deles, mas eunãoiaserpartedaquilo.”

DonvendeuocontratodemanagementparaSandyPearlman;alguémqueeleconsiderava“incapazdeamarrarmeussapatoscomoempresário”.Na verdade, Pearlman já era uma igura bem-sucedida na indústriamusical,muitofamosocomoBlueÖysterCult,umabandanorte-americanaclaramenteinfluenciadapelocomeçodoSabbath.Filhodeumfarmacêuticobem-sucedido de Smithtown, Pearlman tinha se formado em iloso ia etrazia consigo praticamente uma biblioteca. Era um especialista emmitologia antiga. Tinha sido jornalista de rock naCrawdaddy, letrista doBOC, depois produtor e empresário. Também era agora empresário dabanda punk-metal The Dictators, de Nova York, e a ascendente bandafrancesa Shakin’ Street, liderada por uma linda ex-modelo tunisianachamada Fabienne Shine e cujo disco de 1980,Solid as a rock , atrairiabastante a atenção da imprensa musical aquele ano. Ele também tinhaproduzido recentemente o segundo disco do Clash,Give ‘em enough rope.Resumindo, Pearlman não tinha nada do estereótipo do empresário derock. Sempre vestido com boné de beisebol e jeans, ele aparecia nasreuniões com umamochila em vez de umamaleta e estava sempre commaisvontadedefalardepoesiasimbolistafrancesadoquedodiaadiademanagementderock.ComoobaixistadoBlueÖysterCult,JoeBouchard,já

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falou: “Sandy não sente que precisa reter um vocabulário normal, e éassim quando você conversa com ele. O cara cria umas palavras muitoboas;elesentequeaspalavrasdevemservi-loequesedaneosoutros”.

Outras caras novas na cena incluíam outro músico jovem, nascido ecriadoemBirmingham,chamadoGeoffNicholls,queTonytinhaconhecidona banda local de Birmingham, Bandylegs, que tinha aberto para oSabbath em uma turnê alguns anos antes. Da mesma idade de Tony,Nicholls era guitarrista, tecladista e vocalista talentoso, que não tinha orostoouapersonalidadeparaconseguirsedestacar,masotipodeatitudedócil que iria torná-lo estimado pelo dominador Tony Iommi durantemuitos anos. Também ajudava Tony Iommi na hora de compor. “Ele eracomo uma sombra de Tony”, conta Paul Clark. “Geoff gostava de cheirarcoca, e se sentava comTonyanoite toda.EusavaumpequenomedalhãodoBlack Sabbath que elemesmo tinha feito. Então colocava uma jaquetaque tinha o nome do Black Sabbath e, mesmo se estivesse uns duzentosgraus, ele saía com aquilo nos braços, assim dava para ver as palavras‘Black Sabbath’. Mas era um bom compositor. Apesar de não recebernenhumcrédito, ele de initivamente ajudou a compor algumasdas coisasdeHeavenandhell.EleeTonyemLosAngeles.”

Ronnie também trouxeoutrovelhoamigodoElf edoRainbow,CraigGruber, para tocar baixo enquanto eles esperavam para ver o queacontecia com Geezer. Foi esse conglomerado que voou até o CriteriaStudios,emMiami,no inaldoverãode1979,paraverseelesconseguiampelomenoscomeçarafazeroutrodiscodoBlackSabbath.

ParaTonyIommi,trabalharcomRonnieJamesDiofoiumarevelação.Músico tarimbado, elenão cantava só seguindoo riff, queeraoqueOzzyfazia no geral,mas suamelodia vocal funcionava em contraste com o riffprincipal, “cantando cruzando o riff”, como expõe Tony, “o quemusicalmente abremuitomais portas… uma nova forma de pensar paramim”.

Certamente, o discoHeaven and hell seria um grande avanço para abanda.“NãodiriaqueestávamosfelizespelasaídadoOzzy.[Mas]quandoRonnieentrou,eleeraumapessoatotalmentediferente.Cantavadiferente,era mais entusiasmado. Porque, obviamente para a gente, tínhamos

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passado muitos anos juntos, e quando você sai disso, é di ícil icarentusiasmadocomqualquercoisa.Entãoprecisávamosdessaparada.ComDio ali, isso abriu outra porta para a gente compormúsicas com alguémcantando de uma forma diferente do que fazia Ozzy. Então isso mepermitiu, em especial, ser capaz de escrever de uma formadistinta, numestilomaismelódico.”

Quando Geezer foi arrastado de volta, as canções já estavam todascompostas. Quando Bill foi trazido ao estúdio, ele simplesmente teve quefazeroquemandaram.Nenhumdosdoisgostou,maseraproblemadeles,decidiuTony.EsteeraumnovoSabbath, eninguém iriaestragar isso.DaproduçãodeMartinBirch—umveteranodetodososmelhoresdiscosdoDeep Purple, e vários sucessos do Fleetwood Mac, Wishbone Ash eRainbow—,trazidonovamenteporsugestãodeRonnie,para tiraropesode Tony, e também, apesar de que Ronnie não falou isso em voz alta,especi icamente para garantir que esse disco não soasse como nenhumdosanteriores comOzzy.Quantoàsmúsicasemsi, elas eramde longeasmais fortes e mais con iantes que eles tinham composto desdeSabbathbloodySabbath,seteanosantes.

Abrindocom“Neonknights”,afaixamaisviciantedesde“Paranoid”eum clássico instantâneo, o resto do disco foi de inido por boas músicasparecidas. A faixa seguinte, “Children of the sea”, a primeiramúsica queTony escreveu comRonnie, foi outro clássico direto no coração. Cheia deluzesombra,construindoo tipodeclímaxépicoqueabandanunca teriaconseguido com Ozzy. Parecia que estavam icando para trás os dias emqueamúsicadoSabbatheraummetalbarulhentoparabalançaracabeça,oulânguidasinstrumentaisacústicas.Agoraelesconseguiamfazerasduascoisas, de forma igualmente convincente, no espaço de uma faixa. Pelomenos estavam chegando perto do ideal que Tony e Geezer tinham atéentão pensado como sendo o verdadeiro domínio do Led Zeppelin. Derepente,oBlackSabbathnãosó tinhapoder,nãosó tinhaódioe raiva—elestinhamalma,tinhamemoção,estavamsentindomuitoprazer.

Tudo isso foi capturado de forma mais perfeita na faixa-título. Umépico,umadeclaraçãodeprincípiosseguindoasbatidasdocoração,eraoBlackSabbathemsuamaiorglória.Umhino,profundo,adoradonosshows,mastambém funcionando igualmente bem quando ouvido em casa, só

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você,a letraeavitrola comovolumenomáximo,ouexplodindonopalcoem frente a uma plateia de milhares de pessoas, “Heaven and hell”pertence ao mesmo panteão dos clássicos eternos da banda, como “Warpigs”e“Ironman”,como“Snowblind”e“Childrenofthegrave”.Demuitasformas, foimelhorque todaselas.Elas tinhamsidoúnicas,mensagensdealgum distante barco chocando-se com a terra, quebrado, queimandoenquanto explodiam na atmosfera. Estrelas moribundas que brilharammais forte quando explodiram no espaço. “Heaven and hell” era umfoguete movendo-se na direção contrária: para fora, enviado do céu,levantado do inferno, um veículo para levar o ouvinte com ele em seubrilhoenvolvente.OvelhoSabbath comOzzy sempreestevevoltadoparadentro,desajustado,umaviagemcerebralparadeslocadosemalfeitores.OnovoSabbathlideradoporDioestavavoltadoparaheróisepessoasfelizes,para amantes e guerreiros da luta correta. Era a irmativo, verdadeiro ediferentedequalqueroutrabandadaépoca.Atéemrocksestilo“courodoinferno” como “Die young”, era um Sabbath do futuro, que traziaesperançapormeiodacaridademusical.Omelhordetudoeraquepareciaumavingança.AlgoqueaformaçãodaeradeOzzynãotinhafeitoporumtempotãolongoqueageraçãoqueagoracorriaparacompraronovodiscodoSabbathnãoconseguianemse lembrardealgoantigobom.Até faixascomplementarescomo“Ladyevil”e“Walkaway”pareciamboas;perfeitaspara uma banda que não tinha aparecido com algo novo na rádio FMnorte-americana nos últimos anos. Havia inclusive um tipo de balada, nafaixa inal, “Lonely is theword”, apesardequeatéopoder cavernosodafaixa era tão grande que poderia apagar velas a muitos metros dedistância.

“Foi um disco no qual eles tinhammuito para provar”, Ronnie maistarde re letiria. “A banda tinhamorrido uns três discos antes… Então derepente chegou esse disco. Fez com que o Sabbath voltasse a serimportante. Mostrava que esses caras não eram um bando de músicostontos. Que Tony, Geezer e Bill eram excelentesmúsicos e que poderiamfazer coisas que ninguém achava que poderiam. E foi um recomeço doheavy metal. Foi um excelente disco. Demorou muito tempo [para sergravado],maséumdosquemaismedáorgulho.”

De repente, semqueBill eGeezer tivessementendidoainda, eraum

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excelentemomentoparaestardenovonoBlackSabbath.AtéTonypoderiainalmente se permitir desfrutar da banda, sem se preocupar com o queseu vocalista poderia fazer em seguida para estragar os planos, ou se onovo disco estava vendendo.Heaven and hell foi um sucesso imediato naGrã-Bretanha, onde chegou ao nono lugar, o posto mais alto dos últimoscincoanos, enosEstadosUnidos,ondeelesvoltaramàsparadas, sendooprimeiroavenderummilhãodecópiasdesdeSabbathbloodySabbath.ComRonnie ali à frentede tudo isso, pareciaquenãopoderiadar errado.Umlíder nato, como a irmaWendy: “Ele liderava um bando aos dez anos deidade.Roubavacarrosquandotinhaonzeoudoze.Elesemprefezcoisas”.

Uma verdadeira história americana de vontade férrea que superaadversidades, Dio não estava isento de suas próprias insegurançasprofundas.Com37anosnaépocaemqueentrounoSabbath,eleeliminavasete anosde sua idadenas entrevistas;umhábitoquemantevenosanosseguintes. Também tinha muita consciência de sua altura— ou da faltadela. Com apenas 1,62 metro em suas botas de caubói, icou tãoincomodado com isso quemais adiante pediria aWendy, sua empresáriapessoal a partir demeadosdos anos1980, quemandasseum faxpara arevistaKerrang!,pedindoqueseusjornalistasparassemdesereferiraelecomo“diminuto”—algodoqualaequipedecidiutirarumsarroequesógarantiuqueelessempresereferissemaeleassim,oucomoutrostermosigualmentepejorativos,pormuitosanos.Oque faltavaneleemtermosdemetrose centímetros,noentanto,Ronniemaisdoquecompensavacomaforça de sua personalidade. Lembro-me de entrar em uma sala nocamarim do Madison Square Garden, onde Ronnie estava brigando comSandyPearlmanporalgo,e icarchocadocomaescaladafúriadocantor,que chegou a literalmente colocar Pearlman contra a parede com a suaraiva.

Ronnieeraumcaradi ícil,eeledemonstrava issosemprequepodia.“Ronnie podia ser pequeno, mas de initivamente sempre estava nocontrole de tudo”, diz Wendy. Essa qualidade terminaria levando-o aentrar em confronto direto com Tony Iommi, mas por enquanto, pelomenos,eraoqueforneciaafaíscaqueoSabbathtinhaperdidodesdeseuaugeno começodosanos1970.PorqueRonnieeraesperto também. “Eleeramuito,muito inteligente”, dizWendy. “Tinha se formado em farmácia

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na Universidade de Buffalo, algo que podia ter seguido, mas não quis.Tinhasidoalgoquefezparaseuspais.Eleerabrilhante.Costumavalerumlivropordia,sóparasemanteratualizado.”

Acima de tudo, Ronnie sabia como lidar com Tony e os outrosbritânicos na banda. “Apesar de ser do norte do estado de Nova York,Ronnie sempre esteve cercado por britânicos. Até no Elf ele tinha unsroadiesbritânicos.Esempregostoudohumorbritânico,sempresesentiaconfortávelcomingleses.”Haviamaisemsuaanglo iliadoqueumaquedaporMonty Python, curries indianos e cerveja preta forte. “Ele gostava daforma como os músicos britânicos pensavam a música, mais do que osnorte-americanos exibidos. Eramaismelódico e acho que é por isso quedepois ele preferiu ter músicos ingleses [em sua própria banda]. Eraquasecomoseeletivessesidobritânicoemoutravida.”

EhaviaalgomaisqueRonnie JamesDiotrouxeparaoBlackSabbath—equeelelegouaomundodoheavymetalparasempre.

“Queroperguntaralgoavocê”,Ronniedissequandonosconhecemos.“Oquevocêachadisso?”Ele levantouamãodireita, fazendoa formaqueagora, trintaanosdepois,omundoconhececomoasaudaçãodochifredodemônio. Fiquei perplexo. Nunca tinha visto ninguém fazer isso. Elelevantou a outra mão, e fez de novo, dessa vez com as duas mãoslevantadas, como se estivesse se dirigindo à multidão. Ele se levantou ecaminhou pela sala, os braços levantados, fazendo os sinais, como seestivessemandandoumamensagemdamaisaltaimportância.Oque,claro,eleestava—oulogoestaria—,quandofezsuaprimeiraapariçãonopalcocomoonovovocalistadoBlackSabbath.

Foi em Paris, no Studio Ferber, onde ele e a banda estavamterminando o discoHeaven and hell. O sentimento por trás do disco eraforte, com os pensamentos de como o Sabbath poderia substituir OzzyOsbourne rapidamente desapareciam. “A única coisa quemepreocupavaagora”, ele falou, era comoele seria recebidopelos fãsdeOzzyquandoabandasaísseemturnê;decomo“seconectarcom”aplateiadoOzzy. “Seiquevãosentirafaltadele”,con idenciou.“Entãoestoutentandopensaremalgo que diga: olha, não estou aqui para tentar ser como o Ozzy, masrespeitooqueelefezcomabanda.Epenseinisso…”

Elefezochifredodiabodenovo,asduasmãosnoalto.

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“Oqueéisso?”,perguntei.“Algo que minha avó siciliana costumava fazer para evitar o mau-

olhado. Percebi que o sinal da paz pertence ao Ozzy. Não posso fazeraquilo.Talvezpossafazerestenolugar.”

Finalmente, a icha caiu.Ozzy era conhecidopor fazer o sinal dapaz(“V”) em todo show do Sabbath. Essa seria a versão altamentepersonalizadadeDiodamesmacoisa.Claro,no inaldoprimeiroshowdaturnê, toda a plateia estava fazendo o sinal de volta para ele. Em poucosanos se tornou uma visão comum em shows de metal; um signi icadoculturaldealgoespecí icodaquelaexperiência:irmandadeerebelião,tudoenvolvidoemumapeçamuitobemexecutadadegrafitefísico.

EmturnêpelaprimeiravezcomDio,naprimaverade1980,oSabbathvoltouaserlevadoasério.Pelaprimeiravez,otimingdelesestavacorreto.Na Grã-Bretanha, a revista Sounds tinha começado a mostrar um novofenômeno musical que apelidaram de “Nova Onda do Heavy MetalBritânico” — uma reação forte à chamada morte do rock pesado e doheavy metal anunciado pelo punk. De repente, a imprensa musicalbritânicafoi inundadacomnovasbandasderockcomoIronMaideneDefLeppard,SaxoneDiamondHead.Rockcom“R”maiúsculotambémestavade volta às paradas, depois da calmaria pós-punk, com pilaresestabelecidos da comunidade como Motörhead, Judas Priest, Gillan eAC/DC, todosconseguindo lançardiscosquevenderammuitobemaqueleano. O renascido Black Sabbath, com o novo som cintilante, o novo eincomparávelvocalistaeoexcelentedisconovo,foivistocomopartedeumrenascimento geral entre os fãs. Não era mais um retrocesso aos anos1970;elesagoraeramvistoscomoafuturaondadorocknos1980.

QuandooSabbathchegouemLondres,emmaio,paraaprimeiradasquatronoitesnoHammersmithOdeon,todaacidadeveiocumprimentá-los,incluindomembrosdopassadoedopresentedoRainbow,ThinLizzy,PinkFloyd e, mais sensível para Bill Ward, o baterista do Zeppelin, JohnBonham.Osdois carasque tinhamsaídodoesgotoda cenanasMidlandsnos anos 1960, que tinham alcançado o sucesso, de forma um poucoimprovável,tocandootipodemúsicaqueadoravam.Osdoisagoratinham

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idênticas insígnias de honra: fazendas em Worcestershire e selvagenshábitosdeusodedrogas.HaviaoutrosbateristasfamososnasMidlands—BevBevandoELO,CozyPowellentãonoWhitesnake—,masBill sempregostou especialmente de Bonzo, como todos, aliás. Quando não estavamtocando,eles se juntavamnaDrumShopdeMickEvans, emBirmingham.“Todos íamosatéa lojadoMicke icávamos falandomerdaeeraótimo.EBonzosempreestavaali.Elesempreeraomaior,nocentro,comoocentrodaroda.Sempremelembrodelecomoochefe.Suatécnicaeespecialmenteseu tempo e seu equilíbrio são excepcionais — até hoje. Nunca houvealguém como ele, ninguém chegou nem perto, sabe? Ele era muito bom,comobateristaecomopessoatambém.”

Nãonessaocasiãoemespecial,noentanto.Bonhamestavaensaiandono momento para o que seria a primeira turnê do Zeppelin desde adesastrosa excursão norte-americana de 1977, que foi canceladarepentinamentedepoisqueBonhameoempresáriodabanda,PeterGrant,atacaram brutalmente ummembro da equipe de produção, em Oakland,Califórnia. Dois dias depois, o vocalista Robert Plant recebeu uma ligaçãotelefônicainformandosobreamortedeseu ilho,Karac,porcausadeumainfecçãovirótica.Desdeentão—apesarde seusdois showsemotivosemKnebworth no verão anterior — o Zeppelin tinha icado parado. Aperspectiva deBonham, comoBill agora viciado emheroína e totalmentealcoólatra,devoltaràestrada,enchiaobombásticobateristadeansiedade.Eissoolevavaasecomportarempúblicodeformaaindamaisofensivadoqueonormal.

Paul Clark se lembra como, naquela primeira noite noOdeon, BonzotinhapedidoparasesentaratrásdeBillduranteoshow,nopontoondeoroadie de Bill, Graham, icaria normalmente, sem ser visto, mas perto osu iciente para ajudar Bill, se ele precisasse. Bill concordou— depois searrependeu quando, no meio do show, Bonham começou a puxar suaspernas, tentando impedi-lo de tocar. “Bill tocou como um ilho da putaaquelanoite”, contaClark. “Foi incrível. Era comoumBillWard renovadoporque ele tinha John Bonham sentado onde deveria estar seu roadie.”Clark icouputo, no entanto, quandoviu como “Bonham icava agarrandosuas pernas, fodendo com ele, porque estava muito chateado ao ver Billtocandotãobem”.

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Osproblemas pioraramquandoBonham,mandado para a lateral dopalcoparaverorestodoshow,disse:“Eleérealmenteumbomcantor—para a porra de um anão”, e Ronnie ouviu. Este se virou e marchou atéondeestavaobaterista forte. “Seubicha!”,gritounacaradele.Bonhamiareagir, mas Tony interveio, tentando esfriar o baterista, mandando Paullevá-loparaosbastidoresparaquebebessealgumacoisa.

NocamarimdoSabbath,depois,vicomoBonhamzombavasempararde Bill. “O que você achou, Bonzo?”, Bill perguntou com sua voz chorosa.“Vocêfoiumamerda!”,Bonhamdisseparaele,eentãofezumbarulhoqueseaproximavadeumarisada.“Foisimplesmenteterrível”,concordaClark.“Geezer não gostou e disse para mim: ‘Tire ele daqui’. Eu falei [paraBonham]: ‘Certo, você, fora!’. Ele disse: ‘Com quem você acha que estáfalando?’.Eeu:‘Estoufalandocomvocê.Querovocêforadaquiagora!Pediumavez comeducação, agoravai se foder—agora!’. Ele estava comseuguarda-costas,masmandeiosdoisàmerda.Elesnãoqueriamvocêsaqui.E eles foram embora.” (Mais tarde, naquele ano, eles estavam na turnêpelos Estados Unidos quando ouviram falar que Bonham tinha morrido.Paul lembra-se do promotor do show entrando no camarim para dar anotícia. “Ele disse: ‘Tenho uma má notícia para vocês. John Bonhammorreu’.Geezerfalou:‘Ótimo’.Semprevoumelembrardisso.”)

Ninguém, aparentemente, poderia vencer o Sabbath durante aquelelongoeexcelenteverãode1980. “Ronnieestavaviajandoaltoporqueelerealmente sentia que essa era a banda dele”, lembra-se Wendy Dio.QuandoabandachegouparaaprimeiraturnênoJapão,Ronniefoitratadocomo realeza porque já tinha tocado alimuitas vezes com oRainbow. Aocontrário do Rainbow, no entanto, onde Dio cocompôs as músicas, massempre se sentiana sombradeRitchieBlackmore, “estarnoSabbath eratotalmente diferente. O tempo que Ronnie passou com Ritchie, porconseguir estar ali, tinha sido suagrandeoportunidade.Entãono começoele aceitava tudo; “sim, senhor”; “não, senhor”; “as três malas estãoprontas,senhor”.ComoSabbathasituaçãoeramaisigual,porqueeletinhaas coisas mais controladas no momento… Ronnie sentia-se mais nocontrole”.

Tonytambémestavadevoltaaoseutrono,transformandotododiaemnoite.Emtodasuítedehotelqueelesehospedava,pegavaos lençóisnão

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usados e colocava sobre as janelas para evitar a entrada da luz. Velaspretas icavam queimando dia e noite e galões de suco de laranja eramcolocados na geladeira, perto das caixas de metal cheias de cocaínafarmacêutica. “A gente chamava de Caverna do Morcego”, conta Clark.“VocêiaveroTonyeeledizia: ‘Cheiraumacarreira’.Eera isso;vocênãoconseguia sair mais. Uma vez deixei uma garota esperando por mim narecepçãopor24horas.PorqueeuestavanoquartodoTonyeessaputinhatonta icousentadaali, esperando.Nãopercebio tempopassar, sabe?Eleicava ali com seu suco de laranja e seu Charlie.[1] E não era nenhumamerda.Eracoisadealtíssimaqualidade…”

OoutroqueacampavafelizeraGeoffNicholls.Aindasemsermembroda banda, ele tocava teclado toda noite atrás de uma cortina ao lado dopalco, ou atrás, ao lado da bateria, para ser quase invisível para amaiorparte da audiência. Com um salário semanal de 750 dólares, maisdespesas, Geoff ainda desfrutava de todas as outras vantagens doemprego. Durante uma breve parada na turnê, em Los Angeles, ele segabou para mim de agendar diferentes namoradas em vários horáriospara “visitas ao hotel”, dando adeus a uma às duas da tarde, depoisdescansando antes da chegada de outra às quatro da tarde. Na maiorpartedo tempo, no entanto, ele icavapertodeTony, suas cruzes e velaspretas e seu aparente in inito suprimento da melhor coca. “Eu e Ronniecostumávamos apostar até que ponto Geoff iria se vestir igual a Tony”,conta Clark. “A gente icava sentado no lobby esperando que elesdescessempara ir ao showe colocávamosunsdólaresnamesa.Claro, asportasdoelevadorseabriamesaíaTony—seguidoporGeoffexatamentecomasmesmasroupas.”

Geezer, que tinha deixado as drogas pesadas depois de seu colapsoemocional no ano anterior, ainda gostava de beber, ainda gostava de darum tapa de vez em quando e transar com alguma groupie quandoestivessea im,masagora icavamaisnadele;aindainsegurosobreoquefazer no novo Sabbath que Tony tinha montado sem ele, por enquantosimplesmente seguia a onda, imaginando que merda iria acontecer emseguida.Nãoprecisariaesperarmuito.

Doisanosantes,quandoabandatocounaCheckerdomeArena,emSt.Louis, eles estavam indo do aeroporto para o show quando um Porsche

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icouao ladodelesnaestrada.DentrohaviaduasgarotasqueTony tinhaespiado antes pegando suas malas da mesma esteira rolante da banda.Quando as garotas começaram a acenar para o ônibus da turnê, TonymandouqueoônibusdiminuísseequePauldesseaelasentradasparaoshow, passando-os pela janela do carro. Uma das garotas, uma lindamorena de cabelo enrolado chamada Gloria, terminou a noite com Tony,enquanto sua amiga estava na cama com Albert, um dos membros daequipe.Doisanosdepois,quandoabanda,entãocomDio,voltouatocarnomesmo lugar,Gloria estavadenovonaplateia.Dessa vez, no entanto, elaterminoucomGeezer,aindaparabaixoeinfelizdepoisdeumanonoqualsua banda tinha se separado e se recon igurado sem ele, e sua esposatinha tido um caso, algo pelo qual ele não conseguia perdoá-la. Ou comoPaul conta: “De alguma forma, Geezer agora tinha se apaixonado por ela[Gloria]”.No inaldaturnê,elevaicomprarumacasaemSt.Louisemorarcomela.Enquantoisso,“cadaporrademinutododiaelevai icartocando‘Threetimesalady’.Tinhaoquartoaoladodele,eamúsicaatravessavaaporradasparedes”.QuandosedescobriuqueGloriaerauma habituée dacena musical local, gostando de sair com bandas que vinham tocar naenorme arena local, isso pareceu não perturbar Geezer nem um pouco.“Eleestavaloucamenteapaixonadoporela”,contaPaul.“Ofatodeestaremjuntosdesdeentãojádizmuito.”

Tony, cujo casamento agora estava em frangalhos, tambémencontrariaonovoamordesuavidanaturnêdaqueleano.SeunomeeraMelinda, uma modelo de meio período de Modesto, que ele conheceuquando Tony e Geoff saíram uma noite em Dallas, depois do show dabandanoConventionCenter.Melinda tinha cabelos escuros, linda,magramasnãomuito—exatamenteotipodeTony—,eelegostoubastantedela.Mas quando Melinda acompanhou Tony na estrada pelo resto da turnê,Paul Clark icou perplexo. De acordo com alguns dos membros norte-americanos da equipe da banda, Melinda era bem conhecida por váriosgruposde roadies, incluindoosdo Journey, comquemo Sabbath fezdoisshowsemumfestivalalgumassemanasdepois.“Umdoscarasaconheciaedisse que ela já tinha chupado toda a equipe do Journey”, conta Clarkagora. “Então, como amigo, contei isso ao Tony. E a gente se afastou. Elemudoucompletamente.Agenteerainseparávelatéentão,maispróximodo

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que irmãos, mas ele não queria ouvir isso de sua nova garota, então foiisso.”

Quando, durante uma breve parada de volta em Los Angeles, emoutubro, Tony, louco de sedativos e coca, pediuMelinda em casamento, acerimônia foi realizada no quarto do hotel no Sunset Marquis. Quando ojuiz de paz perguntou quem seria a testemunha, Tony apontou para umursogigantequeeletinhacompradoparaMelindaefalou:“Estaéaporrada sua testemunha!”. O juiz deu de ombros e a cerimônia foi concluída.PaulClark,queestavanoquartoaoladododeTony,nãofoiconvidadodepropósito.Nemmesmo informadodurante as semanas seguintes, atéqueTonymandouquelevasseMelindaparamudaronomeemseupassaporteparaMelindaIommi.

Paulnãogostavaquandotodasasesposasenamoradaseramlevadasnaestrada.“No inaldaturnê,estavamWendy,Melinda,Gloria…todasnaestrada, pedindo cadeiras, assim elas podiam se sentar ao lado do palco,brigando para ver quem conseguia omelhor lugar. Era: ‘Paul, queromesentaraoladodopalcoestanoiteequeroeladooutroladodopalco’.Eeutinha que aguentar toda essamerda. Ou então: ‘Vou icar na frente estanoite, Paul, de pé ali, então vou precisar de algum segurança’. Elasandavamcomcasacosdepeleesabe-selámaisoquê.Eeu,tipo,peloamordeDeus…”

Depoisdeanossendovistoscomodeslocados,nomelhordoscasos,outotalmenteporfora,nopior,paraosmembrosdoSabbath,todoaqueleanotinhasidoumamudançaenormeeinesperada,etodossedivertiramcomafama e a fortuna redescobertas. Todos, quer dizer, menos Bill, cujosproblemasestavamapenascomeçando…

Emum esforço paramanter algum tipo de equilíbrio, Bill, que haviamuito tinha decidido que simplesmente não aguentava mais voar parashows,nemmesmonoaviãoprivadodabanda,agoraviajavaparatodososlados nos Estados Unidos em seu próprio ônibus. Dessa forma, ele podiaterMistycomele,e seuscachorros,enãosepreocuparcomosrolosquearrumava com os outros. Também signi icava que ele poderia usar suasdrogas em paz, sem interferência ou comentários. Ele agora estava seinjetandoenemmesmotocarnosshowspareciasatisfazersuaalma.

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Em 20 de agosto, depois de um show na noite anterior noMetropolitan Sports Center, em Bloomington, Indiana, Bill Ward nãoaguentoumais e foi embora. Ele já tinha feito isso—mais recentemente,durante os ensaios em Londres, num dos quais a banda viu a versãoinalizadadovídeode“Neonknights”,eBill saiudasalagritando: “Lindo!Simplesmentelindopracaralho!”.Eleviroualgumasmesasederrubouumcopo. Houve um breve silêncio quando ele saiu, depois o som derisadinhas. “Eleestábem?”,perguntei. “ÉoBill”, disseGeezer.Mais tardeiqueisabendoqueaadoradamãedeBilltinhamorridopoucosdiasantesequeeletinhatomadoumporredeváriosdias.MasparamimpareciaqueBill tinha vivido de porre muito mais tempo do que isso. Você seperguntavasealgumdiaeleiriavoltar.

Essavez,noentanto,foidiferente.“AgentechegouaDenver”,Geezerselembra,“eraanoiteantesdetocarmosnaMcNicholsArena,ondecabem18milpessoaseque jáestava com todosos ingressosvendidos semanasantes. EBill decidiuquenessemomento ele ia sair. Simplesmente entrouno ônibus e foi embora. E eu estava tão acostumado a ouvir Bill dizendocoisasquedepoisnãorealizavaquepensei,oh,elevaivoltaramanhã,maselenãovoltou.”

Forçadoacancelaroshow,opromotorameaçouprocessá-lospor100mildólares.Quando icouclaroqueBillrealmentenãoiavoltar,noentanto,o promotor icou com pena, e os quatro shows seguintes foram todosreagendados para uma data mais adiante naquele ano. Felizmente, osshowsseguinteseramnoHavaí ehaveriaumacurtaparadapara levaroequipamento de avião, e a banda aproveitou a oportunidade pararapidamenteencontrarumsubstituto:VinnyAppice,nova-iorquinode22anos. O irmão mais jovem do ex-baterista do Vanilla Fudge, CarmineAppice, agora tocando na banda de Rod Stewart, Vinny tinha tocado nabanda do guitarrista Rick Derringer e em sua própria banda, Axis.Ironicamente,VinnytinhaacabadoderecusarapossibilidadedeseuniràprimeirabandasolodeOzzyOsbourne(“Meuirmãomeavisouqueeleerarealmente doido”, conta agora) quando concordou em se juntar aoSabbath,temporariamente,em1980,parasubstituirBill.

“Eu fui conhecê-los e Tony entrou, ele tinha o meu disco do Axis edissequetinharealmentegostado.Entãovolteinodiaseguinte,foiquando

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conheciRonnieeGeezer,e izmeuteste.Depoisdetocarmosporumahoramais ou menos, todo mundo foi para o pub e decidiu que eu icava nabanda até Bill voltar.Mas com a continuidade da turnê, Bill não voltou eentão era hora de fazer outro disco— eBill nunca voltou. Então, pensei,issoéótimo.Ótimoparamim,nãoparaoBill.”Elefalaque,“musicalmente,era como umamáquina. A gente tocava bem juntos. Não tenho nenhumabagagem comigo e a gente só focava namúsica”. Igualmente importante:“Ronniemecolocousobseuscuidadosimediatamente.Porqueeutinhaqueaprender todas as músicas e tal. Então começamos a conversar. Ele éitaliano. Eu também. Ele é do norte do estado de Nova York. Sou doBrooklyn,NovaYork.Entãotínhamosmuitascoisasemcomum”.

Sempresorrindo,semprepositivo,sempre,comoeledizagora,“muitoconsciente de quem mandava na banda”, depois das doideiras de Bill àmeia-noite,VinnyAppiceeraumabrisadearfresco.“Billestavaemoutroplaneta nesse momento”, diz Geezer, solene. “Claro, não dava para dizerisso a ele. Não se consegue falar a um alcoólatra que ele está em outroplanetaporqueelesimplesmente icalouco.Eentãonãodáparafalarcomocara.NãoeramaisoBill,eletinhasetransformadonumlunático.”

ViBillpelaúltimavezpoucassemanasantesdeelefinalmentepuxarocarro de vez. Tinha sido em Brighton, onde a banda tocou um showreagendado no inal de junho. Quando ele falou, parecia que estavachorando. Não era só seu sotaque de Birmingham. Eram as lágrimas emsua voz colocadas ali pelo álcool e a cocaína, e a percepção de que Ozzytinha ido embora, assim como sua juventude e os bons tempos. Tinhamdesaparecido para sempre. E que logo, com todo o autoconhecimentoprofético do verdadeiro junkie, seria sua vez também. Talvez já tivesseacontecido. TalvezBill já tivesse saído e simplesmente não soubesse.Nãohavianenhumroadieparachamá-lo,paracolocá-lona linhaparao show.Agora ele tinha ido embora de forma permanente para onde quer queprecisasse ir para se recuperar desse estranho inferno em que estavavivendo.

A gente não voltou a se falar por mais de quinze anos. Quandoconversamos,eledisse:“Achoqueoalcoolismoeovícioemdrogastiveramuma grande in luência na ruptura da união do Black Sabbath. Não achoqueissopodeserignorado,precisaserreconhecido”.Mesmoassim:“Uma

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das razões pelas quais tive que sair da banda era porque simplesmentenãopodiaaceitaroBlackSabbathsemOzzy.Essefoiocomeçodo imparamim, doBlack Sabbath. Eramuito di ícil tocar qualquer coisa do SabbathoriginalcomRonnie.NãotenhonenhumproblemacomRonnie.Tinhaumaboa relação com ele na época. No entanto, não era o Black Sabbath paramim. Não podia aceitar que o Ozzy não estivesse ali. Então esse foirealmente o começo da queda, se você quiser. Eu sabia então, era umaquestãodeporquantosdiaseuconseguiriaserpartedabanda”.

A gota d’água, ele disse, foi quando ele percebeu que “era incapaz,agora,desubirnopalco.As[drogaseoálcool]tinhammedominadodetalformaqueeuerabasicamenteincapazdeandar,muitomenostocar.Meusproblemas com drogas e álcool pioraram depois que Oz foi convidado asairdabanda.Nãoconseguiaaguentarasmudançasnabanda.ViaGeezerdesaparecer como compositor. Sempreme apoiei muito em suas letras…Quandoeu tocavacomoSabbath,ouviaos riffsdeTonyeouviaas letrasde Geezer ou o fraseado de Ozzy ou qualquer coisa assim, e trabalhavadentrodomovimentodeles.Équasecomoseeureagisseaumanota,nãosoubateristanosentidodetocarnotasoualgoassim.Reajoaelas.Assim,quando Ronnie entrou na banda, ele tinha todas as suas coisas intactas,sabe, ele escreve suas próprias letras, cria suas própriasmelodias, entãoeu ico sem trabalho,dealguma forma.EGeezer também.EeuolhoparaGeezerepenso,sabe,todooambientequetínhamos,ouqueéramos,tinhaacabado”.

No entanto, havia outros motivos também, ele admitiu. “O querealmenteaconteceucomigonãotevenadaavercomRonnie[Dio]ouOz.”Acoisaprincipalfoiqueseu“vícioemdrogassetornoualgoprimordialnaminhavida,a coisamais importanteparamimdiariamente,eeupareidefuncionar comomúsico e como pessoa. Então saí da estrada e fui para acama—porumano.Tudoquefaziaera icarnomeuquartochapando—porumano”.

Eledissequeaporrada inalveioapenasummêsdepois,quando,namanhã de 25 de setembro, ele icou sabendo que John Bonham tinhamorrido— sufocado no próprio vômito depois de outra noite no próprioinfernodeálcooledrogas.“Seiexatamenteondeeuestava.TinhadeixadoaturnêdeHeavenandhell.Ozzynãoestavamaiscomabandaeeuestava

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lutandomuito,porqueestavatendodi iculdadesparameencaixarnanovaformação doBlack Sabbath. Estava sendo di ícil, e eu deixei a banda. E oque iz foi, a tra icantevinha todamanhãcomaquantidadededrogasdodia. E umamanhã ela veio chorando e estava absolutamente destroçada,chorando,porqueeraumagrande fãdoLedZeppelin, ela absolutamenteadorava o Led Zeppelin. Eu pensei: ‘Porra, cara, o que aconteceu?’. Eladisse: ‘Bonhammorreu’.Oprimeiropensamentoque tive foibemegoísta:‘Vou ser o próximo’. Tipo: ‘Estou bem atrás de você, Johnny. Estou indobematrásdevocê’.”

“Porqueeuestavadeitadonacamacomoumesqueleto,meinjetandotododia.Estoutãochapadoquenemconsigosairdecasa.Nessepontoeuera incapaz de sair de casa porque não conseguia funcionar emnenhumlugarforadoquarto.Entãoestefoimeuprimeiropensamento:‘Estouindobematrásdevocê’.”

Eleparou, suspirou, avozde repente trêmuladenovo. “Issopoderiater acontecido comigo, sem dúvida. É incrível que não tenha acontecido.Poderia ter acontecido em qualquer momento. Na verdade, eu estavachapado na noite anterior, só que sobrevivi. Tinha tomado tudo. Sabe,minha tra icante estavavindopara renovaro estoque, então eu já estavaparalisadopordentronamanhãemqueficamossabendodanotícia.”

Billcontinuariaassimpormuitotempoainda.[1]Gíriapara“cocaína”,eminglês.(N.T.)

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Oito

Choquedetrem

“RECEBI90MILDÓLARES.Emandarameumefoder!”Erajunhode1979eeutinhaacabadodeserapresentadoaOzzyOsbourne,emLondres,poucoantesdesuaexpulsãodoBlackSabbath.Estávamosemumafestaparaoex-baixistado Rainbow, Jimmy Bain, e todo mundo que era alguém na cena rockestavaaliaquelanoite,incluindomembrosdoThinLizzy,UFO,IronMaidene várias outras bandas. Todo mundo estava feliz, menos Ozzy, que viviachapado, aparentemente gastando todos os 90 mil que havia recebido omais rápido possível. Se alguém olhasse de perto, parecia que ele estavababando. “Eu fui deixado para morrer”, ele continuou, olhando diretoatravés de mim. “Quero dizer, o que você faria?” Mas ele não estavaesperandoumarespostae foiembora,ao ladodedoisguarda-costascomsotaquedeBrumqueo levavampelasalacomoumprêmio. “Noventamildólares…Mandarameumefoder…”,elebalbuciavanadireçãodapróximamãoesticada.

“Pensei,éisso,minhavidaterminou”,Ozzyre letiriaquandoolembreidaocasiãoalgunsanosdepois.“Realmentepenseiqueestavaacaminhodaporra da ila dos desempregados.” Com o Sabbath já de volta aos trilhoscom Ronnie James Dio, a situação de Ozzy parecia totalmente semesperança. Foi nessa situação precária que duas coisas ocorreram e quetransformariamavidadeOzzyOsbourneeterminariamminandoqualquerchancequeoBlackSabbathteriademanterseualtolugarno irmamentodosdeusesdo rockalémdanovidadede seuprimeirodisco “de retorno”semele.Aprimeirafoiadecisãoda ilhadeDonArden,Sharon,decuidarde Ozzy, tanto pessoal quanto pro issionalmente. Sharon queria provaralgo ao pai, a quem ela tinha adorado muito desde criança, mas agoracomeçavaaodiar,assimcomoseuabsurdoestilodevida,alimentadopeloenormelucrocomaELO,queotinhalevadoaabandonaramãedeSharonna Inglaterra por uma nova vida em Hollywood, junto com uma novanamorada norte-americana chamada Meredith Goodwin. Usando Ozzy

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como uma forma de se libertar das garras do pai, Sharon estavadeterminadaafazerdeleumaestreladenovo.Desuaparte,Ozzy,semprecom autoestima baixa, sempre precisando de aprovação, viu Sharonsimplesmentecomosuasalvadora.

“Era ‘ou vai ou racha’ para os dois, eu sabia disso”, ela me contou.“Ozzyestavasimplesmentefelizquealguémgostassedele,acho.Enquantoeusabiaqueseconseguissecolocá-lodepédenovoeprovarquesabiaoqueestava fazendo, aspessoas teriamqueme levara sério também.Nósdois tínhamosmuitoaganhar—emuitoaperder se ferrássemos tudoeerrássemos.”“SempremesentiatraídopelaSharon”,disseOzzy.“Eagentese juntou. Pormuito tempo, as pessoas iriampensar que éramos irmãos,que a gente separecia. Então, umavez, ela estava levandoGaryMoore esuanamoradaparaSãoFranciscoparapassaro imdesemanaemedisse:‘Você quer vir também?’. Pensei: ‘Putamerda, estou nessa!’. Mas depoisiquei tão chapado que não consegui encontrar o quarto dela. Então amágica não aconteceu por algum tempo. Acho que estávamos no estúdio[RidgeFarm,em1980]quandocomeçouaacontecer.Mascomoumidiotademerda,eu jáestavacasadoe icavachamandoaSharonpelonomedaminhaprimeiramulher,Thelma.”

Anos mais tarde, Don falaria que tinha sido ele, não sua ilha, quetinha transformado Ozzy numa estrela. Sentado com ele em seuapartamento de Park Lane, resmungaria que havia sido ele que “levaraOzzyparaminha casa,dadoalgopara se limpare cuidadodele. [Sharon]tinha só cuidado do dia a dia. Quando ele começou de novo, estavaganhando5mil dólares por noite.No inal, estava ganhando100mil pornoite.Quem tinha feito issopor ele?Minha ilha?Nãome faça rir.Oh, elafez um bom trabalho nos anos seguintes, concordo. Mas as pessoasesquecem que ele já era uma estrela nesse momento. E quem otransformouemestrela?Eu,fuieu!Eu!”.SabiaqueSharoneraigualmentecapaz de reescrever a história também, quando a ajudava. Mas pareciahaverpoucasdúvidasdequetinhasidoSharon—nãoDon—quereuniraos cavaleiros do rei quando chegou o momento de recompor HumptyDumpty. Não só isso, mas colocá-lo de volta no alto do muro, de algumaforma ela conseguiu mantê-lo ali pelos 25 anos seguintes. Dito isso, noentanto,nãohádúvidasdeque tantoSharonquantoDon—eOzzy—se

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bene iciaram desde o começo demuita sorte que nenhum deles poderiatercriadosozinho.Equefoiadescobertadapessoaqueiriaescreverumanova trilha sonora para a nova vida de Ozzy e construir a base de umacarreirasoloprópria.Nãoconstruídaapenasàbasedeloucurasgrotescasoureputaçãocontroversa—exatamenteascoisasquetinham,naverdade,levado a sua expulsão do Sabbath—,mas também de conceitos antigos,comofazerboamúsica,gravardiscosincríveisefazershowsmatadores.OnomedessapessoaeraRandyRhoads.

AhistóriadeRandyRhoadséadeváriaspessoas.Aprimeiraéumaiguramagra, 1,67metro, pesandopoucomais de44quilos.Uma criançaenfermiça,sempretendofebreseresfriados,obebêdafamíliaquegostavadebrincarcomtrenseestudouparaserprofessor.Tambémhaviaocaraduro. Omoleque com vivência nas ruas de Los Angeles, que saiu de suaprópria banda para encontrar o estrelato com outra, manteve a cabeçabaixa enquanto as pessoas ao seu redor eram expulsas, ou se ferravam,depois decidiu sair dessa também, desprezando a mente fechada dachamada vida de estrela de rock. Também havia uma terceira pessoa. Aque seu melhor amigo descreve como tendo “um coração angelical; elenuncaquismachucarninguém”;umaalmainocente,queiaàigrejaecujasmaneiras tímidas e a voz baixa poderiam encantar e acalmar aspersonalidades mais tumultuadas. E também havia outra; o adolescentebrincalhãoqueroubavadacasadosricos,colocoufogoemsuaprópriaruaeexperimentou cocaína.O carapequenoque sonhavaemser tão grandequefaziamaiscoisasnumasemanadoqueorestodaspessoasemumano.Amais importante de todas as pessoas, no entanto, era o incrível jovemque segurava uma guitarra FlyingV comvárias bolas desenhadas e que,quando morreu, deixou para trás uma obra muito pequena, mas quemesmoassimiriamudarosomdorockcomoconhecíamos—parasempre.

SeunomeeraRandallWilliamRhoads—Randy,paraosamigos—,ea lembrança que as pessoas têm dele é diferente uma da outra. Para afamília e a noiva que ele deixou, Randy era uma alma doce e gentil cujodestino era, no inal, ensinar. Para aqueles que só conheciam a personaarrogantequeaparecianopalco,emsuasbotasdeplataformaeroupadeveludoazul,seusbraceletesecolares,ocabelopenteadocomoumaplumado glam rock, ele tinha “nascido uma estrela”, como o homem que o

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deixaria famoso, Ozzy Osbourne,mais tardeme contou. O próprio Randynunca se viu dessa forma. “Quando subi a primeira vez e toquei [e] aspessoas começaram a bater palmas, foi um golpe de sorte. Fiqueiespantado.”Eraessamesma insegurança,noentanto,quealimentavasuaoriginalidade. “Pensava que todomundo eramelhor do que eu. Portanto,nãopodiacopiarosoutros.Precisavaaprendersozinho.”

Ogarotodevozsuavetambémtinhaumladoescuro:acançãofavoritaqueescreveucomOzzyfoi“Mr.Crowley”,emhomenagemaoocultistaquejá tinha sido chamado de o homemmais maligno do mundo. “Vocês vãoadoraresta”,Randycontouaosamigosquandoa introduçãoinspiradaemLaranjamecânicacomeçouatocar.TambémfoiRandyqueinspiroualetrade outra das melhores músicas de Ozzy, “No bone movies” — porqueRandyadoravaoquechamavade“filmesdefoda”:pornô.

No entanto, para os mais de 10 milhões de fãs que até hojecompraramosdoisdiscosqueRandyeOzzy izeram,outiveramasortedevê-los ao vivo nos dezoito meses em que tocaram juntos, ele erasimplesmente o som do futuro. “Era omelhor guitarrista que eu já tinhavisto”,comooamigoetambémmúsicoDanaStrumcontaagora.“FoiosomdeRandy—juntocomodeEddieVanHalen—quemudoutodaaformacomoageraçãoseguintedeguitarristaspensavaamúsicanosanos1980.Houve os que tentaram copiá-lo, mas nunca conseguiram. Foi umaverdadeiratragédiaqueelenãopudessetercontinuado…”

Randy Rhoads estava destinado a tocar música. Nascido em 6 dedezembro de 1956, em Burbank, poucos quilômetros ao nordeste deHollywood,eleeraomais jovemdetrês ilhos.Suamãe,Delores,36anos,eraprofessorademúsica, formadanaUCLA,eomarido,William,tambémprofessor de música, tinha fundado a agora famosa escola Musonia —onde estudariam seus três ilhos. O mais velho, Douglas Rhoads —conhecido como Kelle (pronuncia-se Kelly) —, agora com 61 anos, é odiretor daMusonia, além demúsico pro issional. Sua irmã, Kathy, quatroanosmaisnova,dirigeoSantaRosaWinery,emSonomaCounty,queédeseu marido, Richard D’Argenzio, e do irmão gêmeo, Ray. Eles seencontraramnacasadeKathyemBurbankparafalarsobreRandy.

Eles explicaram como a mãe deles tinha estudado com Herbert

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LincolnClark—ocornetistaemaestroquecriouamarcha“Thestarsandstripes forever”— e Arnold Schoenberg, cujas inovações em atonalidadecolocaram o mundo da música clássica de cabeça para baixo. Por outrolado, o pai, William, tinha sido clarinetista e saxofonista no exército,enquanto a avó materna tocava piano e o avô era médico que tocavaguitarra: uma Gibson 1918 modelo Army Navy Special. “A genética estátoda aí”, conta Kathy. “Mas Randy levou isso a um novo patamar eespantouatéminhamãeporsertãotalentoso.”Eletinhaseisanosquandopegou a guitarra do avô. “Ele nem sabia como segurar”, conta Kathy,“colocavanochãoetocava.”Notandosuaaptidão,DeeorganizouparaqueRandyeKathy—queerammuitopróximos—começassemateraulasdeguitarra juntos em Musonia. Quando, depois de apenas nove meses, oprofessordisseaDeeque“nãotenhomaisnadaparaensinar-lhe.Elesabetudo que eu sei”, ela não acreditou no professor. Eramuito incrível.Masera verdade. Folk, guitarra havaiana, jazz, clássica, blues e, claro, rock—Randyeramestredetodoselesantesdechegaràadolescência.

Mas a vida em família estava longe de ser idílica. Seus pais sedivorciaram quando ele tinha dois anos. “Isso criou um forte estigma”,contaKelle.“Naquelesdias,issoeracomofalarquesuamãeeraalcoólatraoualgoassim.”Naverdade,Deeeramuitorepressora.Quandoascriançassaíamdalinha,apanhavamcomumcintodecouro.“Ouqualquercoisaqueconseguisse pegar”, conta Kathy. “Não era uma pessoa muito afetuosa.”KathyselembradeverDeedizendoaRandy,comdozeanos,comoeleeratalentoso. “Ele começoua chorar,porqueelanãoeramuitodeelogiar.”Aoutrabasedavidafamiliareraaigrejaeaescolaquetodosfrequentavam,aFirstLutheran,ondeDeetambémeraaprofessoradocoro.“Randyera,naverdade,meioreligioso”,revelaKelle.“Eleeradevoto.Nãoiacorrendoàigrejaacadadezminutos.Massempreusavaumacruzeachoquelevavaacoisaasério.”ApesardeosRhoadsesseremumadasprimeirasfamíliasnavizinhança a ter TV colorida, eles não tiveram gravador até RandyfinalmentecomprarumcomGreenStampsquandotinhaquinzeanos.Eleeoirmãotambémtinhamcomeçadoairashowsderock.Kellelembra-sedelevar Randy a um show do Alice Cooper, em 1971. “Isso o in luencioumuito.Naqueleponto,achoqueeledecidiu:‘Talvezeupossafazerissoumdia’.”

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Como amaioria dos jovens guitarristas nos anos 1970, ele admiravaJimmyPageeJeffBeck.TambémgostavadeLeslieWestdoMountain.MasoqueRandygostavamesmoeradoglamrock.Ele adoravaa grati icaçãoinstantâneadoguitarristadabandadeCooper,GlennBuxton;admiravaatécnicadeBillNelsondoBe-BopDeluxe.Acimade tudo, estava loucoporMickRonson,guitarristadeDavidBowie,que tinhavistonoagora famososhow de Bowie no Santa Monica Civic Auditorium, em outubro de 1972.“Quando Mick Ronson colocou seu dedo na guitarra com uma mão ecaminhoupelopalcodurante ‘Moonagedaydream’, issocausouuma forteimpressãoemRandy”, lembra-seKelle. “Eraumgrandevisual,ótimosom,realmente uma excelente encenação. Randy terminou conseguindo umaLesPaulbemsemelhanteedeixouocabelomuitoparecidocomodeMickRonson.”

Randytambémtinhacomeçadoasevestircomtodaaparafernáliadoglam.EleeomelhoramigonaBurbankHighSchool,KellyGarni,passavamos insdesemanaembrechóscomprandoroupasusadas. “Elevinhacomessas roupas, vestidos e bijuterias. Eu perguntava: ‘O que você vai fazercom essas roupas, Randy?’. Ele dizia: ‘Vou consertá-las, você vai ver’. Elecortava e fazia ótimas camisas. Tinha bastante estilo. Era muito artístico.Costumava desenhar bastante. Teria sido um fantástico designer deroupas.”Kathyacrescenta:“Eleerabonito,tinhaumvisualquasefeminino,lindo, para um menino”. Orgulhoso de suas novas roupas glam, Randycomeçou a atrair aindamais atenção— algo nem sempre bom para umjovemtímido. “Aspessoasrealmenteo tratavammal.Costumavamquererbaternele. Issomedeixavamuitobravaeeugritavacomelas,porqueelesimplesmentenãoseencaixava.”

UmanomaisjovemdoqueRandyeinspiradoporseuexemplo,Garnicomeçoua tocarbaixo(“Tinhamenoscordasdoqueaguitarra”).Quandoosdoisadolescentesnãoestavamnarua“fazendoocaos”,tocavamjuntos,algo que ele agora a irma que izeram “todo dia durante nove anos”.Quando Randy estava pronto para formar a própria banda, Garni era aescolha natural como baixista. “Não tínhamos nenhum interesseacadêmico”, conta Garni. “Os garotos menos privilegiados eram os quegravitavam ao nosso redor. As garotas geralmente não eram tão castas.”Como Garni sugere, Randy pode ter sido tímido e quieto, mas isso não

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signi icava que era um santo. “Ele era, por natureza, a pessoa angelicalcomofrequentementeédescrito.Mastambémtinhaumsensodehumoràsvezes perigoso.” Deslocados na escola, o par iria se vingar do que viamcomouma sociedade careta, realizandouma série de “brincadeiras” cadavez mais perigosas. Como na noite em que jogaram gasolina na rua emfrenteacasadeRandy,depoiscolocaramfogoquandoviramumcarroseaproximando — “Escondidos no meio das árvores rindo!”. Às vezes ospoliciaiseramchamados. “Geralmentenãoacontecianadaporqueéramosmoleques e os policiais não queriam ter trabalho. A gente aprendeualgumas lições.Mashaviaumsentidode inocência também.Randynuncaquis machucar ninguém. Éramos apenas jovens. Não entendíamos queestávamoscausandoestresseemalguém.”

Inevitavelmente, com o tempo, começaram também as experiênciascom drogas. “Tínhamosmedo de qualquer coisa que alterasse amente eque fosse realmentepsicodélico”, explicaGarni. “A gente fumoumaconhaalgumas vezes, mas decidiu que aquilo não era para nós. Cheiramos umpouco de cocaína. Todo mundo icava nos oferecendo. A gente via issocomo uma droga bastante inocente, como algo que permitia que a genteicasse acordado a noite toda, bebesse e se divertisse. Era só isso para agente.Nãoconsiderávamosquenosdeixavachapados—dejeitonenhum.”Nãonessemomento,masRandyteriaumacompreensãomaispragmáticade comodrogas “inocentes” realmente funcionavamquando foi trabalharcomOzzyOsbourne,entãonoaugedeseusváriosvícios.Elepodetertidoum “choque” ocasional,masRandy icou afastadodas farras noturnas deOzzy,preferindotreinaremseuquartoouescrevercartasparaDeeousuanamorada,Jodi.

Quando não estavam aterrorizando a vizinhança, os dois faziammúsica.HouveumabandanocolégiocomKellenabateria,equeosirmãoschamaramdeViolet Fox (onomedomeiodeDee eraViolet).Mais tarde,Randy e Garni começaram a acompanhar um cara chamado Smokey naRodney’sEnglishDisco.Masfoisóquandoelesmontaramaprópriabanda,LittleWomen, que as coisas começarama icar sérias. Eles tinham “saídopara fazer uma festa” com uma amiga chamada Hillary. Quando elacomeçouafalarsobreumvocalistaqueelaconhecia,“quecantaestiloRodStewart”, eles pediram para apresentá-lo. Entra: Kevin DuBrown, um

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angló ilodedezoitoanosquemoravaemVanNuys,naépocaà frentedaquemais tarde seria conhecida como a banda punk de Los Angeles, TheDickies.DuBroweraoutrofãdorockinglês,apesarde,paraele,ascoisasboas estarem noHumble Pie, não emDavid Bowie. Tudo bem; amaioriados jovens que Randy conhecia não gostava de Bowie também. DuBrowtampouco era um grande cantor. Mas o que faltava em talento, elecompensava com energia e entusiasmo. Também sabia escrever letras.Juntos, ele e Randy acabariam criando um conjunto de músicas quesoavambemnopalco—altas,explosivas,fortes—eàsvezesboasaténosdiscos. “Slick black Cadillac”, uma de suas últimas músicas de 1977, foitocada como cover por outras jovens bandas de Los Angeles, a maisconhecidaeraLeatherCharm,abandaemqueJamesHet ieldtocouantesdo Metallica. DuBrow descrevia sua principal contribuição no Quiet Riotcomo “o motivador. Encontrava empresários e coisas assim. E você sabequeesses caras tinhamacabadode sairdo colégio.Eles [eram] caóticos”.Se isso signi icava entrar em atrito com as pessoas às vezes — ou atémesmo muitas vezes —, não importava para DuBrow. Ele tinha umamissão.

RandyRhoadsacabariapassando cincoanos tentando transformaroQuietRiotemumsucesso.Porémomaispróximoquechegaramdisso foium contrato de segunda classe comuma gravadora no Japão—de ondesaíramdoisdiscosmaisoumenos,Quietriot (1977)eQuietriotII (1978)— e aparições regulares, mas pouco inspiradas em lugares sórdidos deLos Angeles, como o Starwood. “Eu ia ao Starwood só para ver o Randytocar”,lembra-seDanaStrum.“Foiaprimeiracoisaparamimquenãoeraboa ou ruim—era extraordinária—,meuqueixo simplesmente caía. EuadoravaoQueeneviRandyfazendoumsoloacapellaemefezpensaremBrianMaytocando‘Keepyourselfalive’.Pensei:queméessapessoa,essecaracomroupacheiadebolasecabeloqueparececongelado?”

A banda conseguiu shows regulares, tocando quatro noites porsemana, àsvezesdoisou três showspornoite.Masnãoestavaganhandomuito dinheiro, e Randy, ainda vivendo na casa de suamãe emAmherstDrive, começou a dar aulas para complementar sua baixa renda. KelleRhoads cita Kevin DuBrow como “a maior razão pela qual não foramcontratados”.ApesardeoQuietRiot—aindalideradopelosempremagro

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DuBrow — acabar conseguindo um grande sucesso com o discoMetalhealth(chegouaprimeirolugarnosEstadosUnidosem1983),comocontaKelle,quandoRandyestavanabanda, “aspessoasvinhamverediziamaRandy: ‘Adoro sua banda, cara. Quando você vai se livrar do vocalista?’.MasenquantoareputaçãodeDuBrowpareciairdiminuindoacadadia,ade Randy começava a crescer. Greg Leon, outro jovem guitarrista queliderava a Suite 19 com a futura estrela doMotley Crüe, Tommy Lee, nabateria, lembra-se de conhecer Randy nos bastidores de um concerto doQuiet Riot e Van Halen em 1976 no Glendale City College. “Eu tinhadezesseteanoseeraomelhorguitarristaemGlendale,masviRandytocarepensei: ‘Oh, cara!’. Ele tinhaumaaura ao seu redor. Estavausandoumcolete azul de veludo, calça igual e sapatos plataforma. Adorava usarsapatosplataformaporqueerabaixinho.Eleentrouepareciaumaestrela.Então,sevocêconsegueimaginarqueoVanHalenseriaabandaseguinteatocar,eraisso—minhavidanuncaseriaamesmadepoisdaquilo!”

Os dois iriam se tornar bons amigos, e quando Randy saiu do QuietRiot recomendou Leon como seu substituto. O jovem guitarrista, grato,pagariao favormais tarde, ajudandoRandya escreveroque se tornariaum de seus riffs mais conhecidos com Ozzy Osbourne: “Crazy train”.“Estávamos por aí e mostrei a ele o riff de ‘Swingtown’ de Steve Miller.Disse: ‘Olhaoqueacontecequandovocêaumentaavelocidadedesteriff’.Edepoiselepegouacoisatoda,levouaoutroníveleterminouescrevendooriffde‘Crazytrain’.”

Aúnicacoisaquefaltavaeramalgumaspalavrasealguémparacantá-las.

Dizemquequandoaoportunidadevembaternaporta geralmenteéda fontemenos provável. Assim foi com a história de Randy Rhoads. Umherói localnoambiente fechadodeBurbankedaSunsetStrip, eleestavaacostumado a receber elogios pelos shows do Quiet Riot de jovensaspirantes a músicos. Uma noite, no inal de 1978, no entanto, icougenuinamente espantado com a conversa de um rapaz alto com cabelocomprido.DanaStrum,então tocandobaixonasuabandaBad-Axe,agoramaisfamosocomoumdosfundadoresdostitãsdorockmelódicoSlaughtere,mais recentemente,diretormusicaldogrupo solodeVinceNeil, cantor

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doMotleyCrüe,tinhavistoRandytocarporsemanasantesdearmar-sedecoragemparaconversarcomele.“Falei:‘Precisodizer,cara,achoquevocêé muito bom’. Ele só olhou para mim, tipo, ‘acha mesmo?’. Ele eraextremamente humilde, falava baixo, não era uma pessoa com umapersonalidade muito extrovertida. Falei para ele: ‘Sabe, cara, você podeconseguir coisa melhor. Você é bom demais’.” Seis meses depois, Strumfinalmentedescobriuoquepoderiaseraquela“coisa”.

Eracomeçode1979etinhaseespalhadoanotíciaemHollywoodqueOzzy Osbourne tinha sido demitido do Black Sabbath por ser, comodeclarou Tony Iommi, atémenos do que a verdade, “demais— até paranós”. Ozzy foi deixado para apodrecer numa suíte no hotel Le Parc emWestHollywood.“Otra icantedecocacostumavavirtododiaenquantoeuicava sentado ali numa pilha de garrafas de cerveja vazias e caixas depizza.Duranteseismeseseunemabriascortinas…”ComoeleaindaestavacontratadopeloselodoSabbath,o JetRecords,deDonArden,noentanto,tentativas pouco entusiasmadas foram propostas para tentar fazer comqueOzzypelomenospensasseemcomeçarumanovabanda.EncorajadoporSharon,tinhamagendadohorasdeensaioparaqueOzzycomeçasseatentaralgocomoguitarristaGaryMoore,recentementenoThinLizzy,eoex-bateristadaIanGillanBand,MarkNauseef.MooreeracontratadodaJeteterminariagravandoumdiscocomNauseefcomonomedeG-Force.MasSharonqueriatirarOzzydofundodopoçonoLeParcefazercomqueelepelomenospensasseemtrabalharcomoutrosmúsicos.No inal,eletinhacomeçadoa resmungar sobreabrirumbar emBirminghamcomThelma.“Lembro que alguém do escritório estava se hospedando no hotel e elesme deram um envelope com seiscentos dólares para entregar a Sharon.Gasteiemcoca.Elaficoudoidacomigo!”

No entanto, ainda precisando de um baixista, quando Ozzy foiapresentadoaStrumnoStarwoodumanoite,foifeitooconviteparaqueojovembaixista izesseumtestecomele.“NãoeracomoagoraemquetodabandajovemhomenageiaoBlackSabbath”, lembra-seDana,“naépocaouvocê amava ou odiava. Eu era um grande fã, então iqueimuito animadoporconheceroOzzy.FoinoestúdiodeensaiodoFrankZappanaSunset.Gary Moore estava lá. Não tinha ideia de quem era ele, [mas] erafenomenal, impressionante.PorémquandocomeceiaconversarcomOzzy

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termineifalandoparaele:‘Estecara[Moore]nãoéocaracertoparavocê’.Eu gostava tanto do Black Sabbath e achava que o estilo mais blues deMoorenãotinhanadaavercomoqueoOzzyfazia.Entãodisseaele:‘Maseuconheçoocaraquevocêprecisa’.”

Ozzy ignorou isso, mas contratou Dana como novo baixista. No diaseguinte, Dana começou a levar Ozzy por Los Angeles, procurandopotenciais guitarristas. “Ele tinha uma lista com nomes e endereços, e agente simplesmente ia na casa deles. Era bizarro. E ico falando para oOzzy: ‘Olha, esqueça isso, euconheçoo cara certo’…” Ele já ligou paraRandytodoanimado.“Falei:‘Sabequeeudissequehaviaalgomelhorparavocê? Bom, conhece a banda Black Sabbath…?’. Mas antes que pudessefalar algo, eledisse: ‘Conheço, cara, eu realmentenãogostodeles’. Fiqueidesanimado. Nunca tinha considerado essa possibilidade. Mas RandyrealmentenãogostavadoBlackSabbath.Achoqueelenemsabiaonomedovocalista.Eeu falei, tipo: ‘Olha,venhaaqui,vamosveroqueacontece’.Elediz:‘Vãopagaragranadagasolina?Tipo,dezouquinzedólares?’.Eeu:‘Claro.Venhaparacá’.”

Como con irma Kelly Garni, quando eram mais jovens, ele e RandyachavamqueoBlackSabbathera“umacoisaridícula…umapiada”.Mesmoassim,DanaacabouconvencendoRandyairaquelatardetocarparaOzzynoDaltonRecords,oestúdiodeSantaMonicaondeDanatrabalhavameioperíodo. Mas nesse momento Ozzy tinha começado a virar váriasHeinekensesemantinhacomcheiradasregularesdecoca.“Eunãousavanenhumadroga.PorémagendeiumhorárionoestúdioepersuadiRandyavir tocar e não podia deixar a coisa desandar.” Dana, que faz uma boaimitação de Ozzy chapado, lembra-se como Ozzy o provocava: “Certo,vamos ver esse Jesus da guitarra, essa superestrela que vocêsimplesmentesabequeéocaracerto!VaisercomoaporradoMessias”.

Anos depois, Ozzy iria se lembrar de “estar deitado na mesa doestúdio eDana jogandoágua e outrasporcarias emmim.Olhopelo vidro[doestúdio]eRandydizalgotipo[vozmuitobaixa]:‘Oquevocêquerqueeutoque?’,eudigo:‘Vocêfazalgumsolo?’.Elediz:‘Bom,maisoumenos…’.Então digo: ‘Bom, toque qualquer coisa’.” Randy plugou em seu pequenoampli icador de treino e começou a tocar. E eu iz… o quê!?! Lembro depensar, atordoado, isso não está acontecendo, eu ainda estou dormindo.

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Porque, esse cara… Nunca tinha ouvido nada igual antes”. Dana: “Estoucomeçando a desejar quenunca tivesse aberto a boca.Ozzyquer ir paracasa.RandydizquenãogostadoSabbath…Maseutinhaasaladecontrolecomluzbaixa,porquequeriaqueOzzysimplesmentefocassenamúsica.ERandy está sentado num banco do outro lado do vidro. Quase não davaparavê-lo.Mas faleiparaele fazerosolodeguitarraquetinhatocadonoStarwood, só para Ozzy ouvir”. Ozzy tinha desmaiado e Dana teve quepraticamente carregá-lo até a sala de controle. “Então coloquei o volumesuperaltoporacaso.Maspensei:deixeassim,issovaidespertá-lo.”

Tão logo recebeuoo.k.,Randycomeçoua tocar. “Eramaisaltoqueoinferno, estava ótimo.” Menos de umminuto depois, Ozzy cambaleou atéDana e falou: “Diga ao garoto… Diga ao garoto que o emprego é dele. Eagorameleveparacasa…”.MuitoenvergonhadoparapararRandydepoisdeapenassessentasegundos,DanalevoucorrendoOzzyaoseuhotel,comRandy ainda tocando, depois voltou para dar a boa notícia. “Ele falou: ‘Eagora,oquevaiacontecer?Comosegueacoisa?’.Eeudigo:nãosei,cara,realmente não sei…” O que aconteceu em seguida foi exatamente nada.Houve uma breve reunião no hotel de Ozzy na tarde seguinte durante aqualRandynãocaiunasgraçasdeOzzyporbeberCocaDietesevestirdeforma tão extravagante que praticamente a primeira coisa que Ozzyperguntou foi se ele era gay. O senso de humor de Randy acabouconquistandoOzzy.Randy respondeu: “Não, Igrejada Inglaterra”. Seguiu-seumajamsessionalgunsdiasdepoisnoestúdioPashaMusic,ondeOzzy,Dana e Randy se juntaram, por sugestão de Randy, com o baterista doQuiet Riot, Frankie Banali. “E foi isso”, suspira Dana. “Nunca ouvi maisnada,excetoqueOzzyestavasepreparandoparavoltaraoReinoUnido…”

Entra o homem de bom-senso e inteligência com palavras, que setornaria o yin do yang de Randy quando se trata de compor asmúsicasque iriam, apesar de não imaginarem na época, ressuscitar a abaladacarreira de Ozzy: Bob Daisley. Agora com 63 anos, o baixista australianotinha ganhado nome no Reino Unido no começo dos anos 1970 com ainovadorabandadebluesChickenShack,antesdeformaroWidowmakercomoex-guitarristadoMottTheHoople,ArielBender,outrocontratadodaJetRecordsquenuncatevemuitosucesso.QuandootrabalhoseguintedeDaisley,comobaixistadoRainbow,terminou,em1979,oirmãodeSharon,

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David—naépocadirigindoosescritóriosemLondresdaJet—,convidou-oatrabalharcomOzzy.“Elesqueriammanterumabandainglesa”,Daisleylembra-seagoraemsuacasaemSydney.Eentãorecomeçouabuscaporumnovoguitarrista. “Masrealmenteninguémna Inglaterraqueria saber.Então Ozzy me falou sobre esse guitarrista que ele tinha visto em LosAngelesequeeraprofessor.Euvisualizeiumcaracomcachimbo,chineloejaqueta.MasOzzydisse que eraumexcelente guitarrista, então eudisse,bom, vamos trazê-lo aqui. David Arden não queria fazer isso no começo,porémno inal eledisse, e aspalavrasdeDavid foramexatamenteestas:‘Contraminhaopinião,concordoemtrazerestemolequedesconhecidodeLosAngeles’.”

OqueninguémsabiaeracomoorelutanteRandyiadaressesaltoaodesconhecido.DeacordocomKathyRhoads,“minhamãeoobrigouair.Eleestavadandoaulanaescoladaminhamãeeadorava ensinar.Masminhamãe disse que essa provavelmente era a chance dele, chance de serconhecido. Sabia que ele tinha o talento [e] ela achou que seria suaoportunidade de inalmente ser notado. Porém ele não queria ir. Minhamãefalou: ‘Vocêvai’. ‘Bom,nãotenhocasaco.’ ‘Entãovamoscomprarum.’QuandoelechegouaLondres,emsetembrode1979,passoua ligarparacasaeescrevercartões-postaisecartastododia,reclamandocomoestava“comsaudades”decasa.Kathy:“Nuncatínhamos icadolongedecasapormuito tempo, nenhum de nós.Então, de repente, ser lançado no mundo,especialmente com alguém como Ozzy Osbourne, que era o oposto deRandy, deve ter sido di ícil para ele”. Quando Bob por im encontrou orapazdesconhecidonasededaJet,emLondres,“pergunteiaoOzzy:‘Eleégay?’,porquetinhaasunhasperfeitaseocabelotodoarrumado,asroupascombinandoetudoisso.Mas icoubastanteóbviologodepois;não,elenãoeragay”.

Randy e Bob formariamumaparceriamusical que iria ressuscitar acarreiradeOzzyeajudaramudaradireçãodorocknorte-americanonosanos 1980. “Ozzy estava doido, fumandomaconha e bebendo o dia todo.Passei a encher o saco dele e ele começou ame chamar de Sid Serious.Randy tinha os acordes e a gente trabalhava para transformá-los emmúsicas.Aítocávamos,eOzzycantavaemcimadeles,criandoumamelodiavocal.Entãoeu levavaa ita comamelodiavocal e escrevia letrasque se

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encaixavamcomofraseadoeamelodia.”De acordo com Daisley, nunca icou claro que estavam trabalhando

numdisco solo doOzzy,masnodisco de estreia de umabanda chamadaBlizzard of Ozz. Certamente, essa foi a impressão que teve Lee Kerslake,ex-baterista do Uriah Heep, quando assinou o contrato em dezembro de1979. E era o que Randy queria ouvir também — uma impressãoreforçadaquandoeleperguntouaOzzyseeleseimportavadecolocarumafaixa instrumental acústica de cinquenta segundos emhomenagem a suamãe,Dee,aoqueOzzyrespondeu:“Éoseudiscotambém”.Ou,comoRandycontouaumentrevistadornaépoca: “AmúsicadeOzzy tambéménossa.Muitas vezes, ele tem umamelodia e eu tenho um riff que combina. Elecanta algo e eu falo: ‘Ei, tenho uma progressão de acordes que combinacom isso!’.Muitas outras vezes, estou sentado treinando e ele diz: ‘Gostodisso—nãoseesqueça’.Naturalmente,nuncaconsigome lembrar.Entãoagenteparaaliecomeçaacompor”.A ideiadequeeraumabandanova,noentanto,durouatéoprimeirodisco.Umamensagemdeixoutudoaindamais claro quando as primeiras camisetas da turnê começaram a servendidas— marcadas com as palavras OZZY OSBOURNE. O conceito deBlizzardofOzz foimantido como títulodoprimeirodiscodeOzzy,que foilançado como projeto solo, independentemente do que preferissem osmembrosda“banda”.

Gravando na Ridge Farm, um estúdio residencial em Surrey, com onovato Max Norman nos controles, o resultado foi uma obra-prima doheavymetalcomsuasnovefaixasquecontinuamentreasmelhorescoisasqueOzzyjálançou.Naverdade,quatrodasfaixas—aincrívelabertura“Idon’tknow”;o incrívelhino “Crazy train”;aodeao recentemente falecidovocalista do AC/DC Bon Scott, “Suicide solution”; e a realmenteperturbadora“Mr.Crowley”—permaneceriamcomopontosaltosdoshowdeOzzynospróximostrintaanos.LançadonoReinoUnidoemsetembrode1980,odiscochegouimediatamenteaoTop10superandoasdúvidasqueRandy ainda tinha quando embarcou em sua primeira turnê pelo ReinoUnidocomOzzy.“AntesdeconhecerOzzy,eueramuitoinseguronopalco”,Randyre letia. “Semeusamplisnão funcionavam,ouseosistemadesomnão era bom, isso realmente afetava minha atuação. Estar com Ozzy medeumuitomais autocon iança. Eleme empurrava a tentar e fazer coisas

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quenunca teria feito sozinho.”Mesmo assim, com apenas umdisco comobase, o show terminava toda noite com três clássicos do Sabbath: “Ironman”, “Children of the grave” e “Paranoid”. E Randy odiava os três. “Elenão conseguia entender por que ainda tinham que tocar as músicas doBlackSabbath”,contaKelleRhoads.

Randyesperavaquequandoabandagravasseumsegundodisco,nãofosse mais necessário continuar carregando o passado de Ozzy. QuandoSharonArden—que recentemente tinha voltado a tomar conta do dia adia da carreira de Ozzy — decidiu levá-los de volta a Ridge Farm paragravaroutrodiscoantesdemandá-losparaaprimeira turnênosEstadosUnidos,Randyassumiuqueesseeraomotivo.

Estavaerrado.

AprimeiracoisaqueRandyRhoadsfezquandorecebeuseuprimeiropagamento importante de royalties foi comprar um violão “muito, muitocaro”, que elemandou fazer na Espanha, para começar seus estudos deguitarra clássica. O custo: 5mil dólares; uma soma importante em 1981.Isso, no entanto, foi sua única extravagância. Falando sobre seu recentesucesso,Randydizia: “Aindanãomeatingiu.Euaindatenhomeupassadoemmim[e]achoqueestoutentandoamadurecer,masnãotenhomeuspésnochão.Nãoseiquemsououoquesou.Aspessoasdizemqueissosobeàsua cabeça e faz comque a gente ique egocêntrico. Isso é ummonte demerda. O que isso faz é com que me sinta totalmente amedrontado ehumilde”.

Ao contrário da primeira visita ao Ridge Farm um ano antes, haviapoucascançõesnovasescritasquandoabandavoltouaoestúdio,noiníciode 1981. Algumas eram construídas em cima de partes de canções dasvelhasbandasdeBob:oriffdebaixodeumacançãochamada“BlackSally”que Bob tinha composto paraMecca se tornou a parte central de “Littledolls”.OutroriffdebaixodeBobdeoutrabanda,KahvasJute,tornou-seoque eles usaram em “You can’t kill rock and roll”. Randy se afundou emseupassadoglamcomoQuietRiotparao riff de “Flyinghigh again”.Umperfeccionistaquenãoestavaacostumadoacomprometersuamúsicaparacumprirosprazosdagravadora,RandynãoficoufelizcomosegundodiscodeOzzy.“Eurealmentenãogostodealgumasdasmúsicas”,eleconfessaria

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mais adiante. “Éramos pressionados a ir rápido no estúdio, porquetínhamosquevoarparaosEstadosUnidosparacomeçaraturnê.”

Mesmo assim,Diary of amadman, como foi chamado a partir de umdos momentos mais inspirados de Randy, tem seus pontos altos. Paracomeçar, a épica e genuinamente incrível faixa-título. Randy icouespecialmentefelizquandoSharondecidiuquesuaintroduçãoatmosféricairia substituir “CarminaBurana” comoaaberturados showsdeOzzy.Eleicariamenosfelizcoma loucuradamídiaqueestavaapontodeexplodirnos Estados Unidos quando se espalhou a notícia de que Ozzy tinhaarrancado as cabeçasdeduaspombas vivasduranteuma reunião comagravadoraemLosAngeles.NinguémnaCBS—aempresadistribuidoradaJet nosEstadosUnidos—estava levando a carreira solo deOzzy a sério,Sharon me contou. Então ela decidiu que Ozzy deveria “fazer bonito”aparecendo na convenção anual deles e pressionando os executivos.Também foi organizado para ele fazer um discurso curto, elogiando osesforçosdaforçadetrabalhodaempresanolançamentonorte-americanod eBlizzard of Ozz. Apièce de résistance era que Ozzy terminasse seudiscurso soltando três pombas brancas na plateia de executivos efuncionários da CBS. O problema era que Ozzy tinha tomado toda umagarrafa de brandy no carro a caminho da convenção. “Sóme lembro deessamulherRPmeenchendoo saco”,Ozzyme contaria anosdepois. “Noinal, perguntei: ‘Você gosta de animais?’. Então peguei uma dessaspombasearranqueiacabeçadela.Sóparaqueelacalasseaboca.Entãofizdenovocomaoutrapomba,cuspindoacabeçanamesa,eelacaiunochãogritando. Foi quando eles me expulsaram. Disseram que eu nunca maistrabalhariaparaaCBS…”

E poderia ter sido isso, mas não para Sharon, que tinha aprendidotodosostruquesdaindústriamusicalnocolodopai.Assimqueelavoltouao escritório da Jet aquele dia, começou a fazer ligações. Na manhãseguinte, as notícias do “ultraje” de Ozzy tinham ganhado as primeiraspáginasde todo jornal respeitávelnosEstadosUnidos.Ahistória tambémseespalhouportodasasrádios.QuandoBreakfastTVtambémdivulgou,aonda de publicidade tinha se tornado um tsunami. “O disco começou avendernomesmodia”, disseSharon, catapultandoodisco BlizzardofOzznasparadasdosEstadosUnidos.EraoiníciodareinvençãodeOzzycomoo

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selvagem do rock. Antes no Sabbath, ele era visto, no melhor dos casos,como o triste porta-voz de uma banda impossivelmente séria de heavymetal;nopiordoscasos,umpalhaço.Agoraelesetornou,paraumanovageraçãodeadolescentesouvintesdemetal,apersoni icaçãodorockdoidoe“satânico”estiloanos1980,enosanosseguintesseriamcontadasmuitashistóriassobreospresenteshorríveisqueosfãslevariamaosshowsparaele. Haveria, no entanto, um preço a ser pago por essas coisas. Pode terfornecidoaOzzyotãonecessárioimpulsocomercialnosEstadosUnidos—ondeasvendas iniciais tinhamsido tão fracasqueRandy,emcartasparacasa,preocupava-sedeque “talvezanewwaveeopunk tenhammatadonossamúsica”—,masRandy icava chateado coma forma, emsuavisão,com que o incidente das pombas detratava a música que ele estavatentandofazer.“ElecontouquenumshowtrouxeramumbodemortoparadardepresenteaOzzy”,lembra-seKelleRhoads.RandycontouaKellequenãoqueriaserpartede“umcirco”.

Outras mudanças, no entanto, provaram ser menos perturbadoraspara oguitarrista de boasmaneiras com surpreendentes nervos de aço.Quando Daisley e Kerslake foram demitidos poucas semanas antes daturnê nos Estados Unidos — por “toda essa reclamação e fofoca sobredinheiro”,comoexpõeOzzy,emboraDaisleyinsistaqueelesófoidemitidoporquenãoconcordoucomademissãodeKerslake(parcialmente,Sharonme contou, por sua imagem de velho sujo)—, Randy foi o único que sepreocupou em ligar e desejar omelhor para eles. Também foi o único aimediatamente falar com Sharon com sugestões para substituí-los: seusvelhos amigos doQuiet Riot, o baterista Frankie Banali e o baixista RudySarzo. Sharon, no entanto, já tinha contratado Tommy Aldridge, ex-bateristadaPatTraversedoBlackOakArkansas,entãooúnicolugarqueaindaprecisavaserpreenchidoeranobaixo.Sarzofoiconvidado—ecomoQuietRiotentãoparado,eleaceitounoato.Falandoagora,DanaStrumserecusa a admitir que se sentiu mal com isso. “Talvez meu nome tenhasurgido e não tenham ouvido [o Randy].” Ou talvez Randy simplesmentepreferisse Rudy tocando. De todas as formas, isso mostra que Ozzy eSharonnãoeramosúnicosqueestavamatrásdosmelhores.

ComosegundodiscodeOzzyjápronto,masquesóseria lançadoemnovembro de 1981, o resto do ano foi passado quase inteiramente na

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estrada. Principalmente nos Estados Unidos, mas também em turnênaqueleoutononaEuropa,ondeabriramparaoSaxon,ealgumasdatasnoReinoUnido antes doNatal.No palco,Ozzy eRandy tinhamdesenvolvidoum bom show, o vocalista interagindo bem com Randy de uma maneiraqueelenuncateriasonhadocomosempresérioTonyIommi,puxandoseucabelo,empurrando-o,rindomuitoquandoRandyfaziaseussolos.“Aquelaprimeira turnê foi divertida”, Rudy Sarzo se lembraria mais tarde. Deacordo comRudy, Randy até admitiu ter icado umanoite com Sharon. AesposadeOzzy,Thelma,tinhavisitadoaRidgeFarmduranteagravaçãodeDiary, deixando Sharon, que tinha começado um caso secreto com Ozzy,sem lugar para dormir. Randy tinha oferecido seu quarto. Ele contou aSarzo: “A gente começou a beber e de repente estávamos nos beijandoe…”.

“Vocês transaram, não?”, Sarzo gritou feliz. Randy respondeu: “Olha,eu respeito o Ozzy e a Sharon e não quero me meter”. Além disso,acrescentou, ele amava a garota que tinha deixado em Los Angeles, suafutura noiva, Jodi Raskin. Da parte de Sharon, foi também somente umanoite. Ela não iria sacri icar sua cada vez maior ligação com Ozzy porRandy Rhoads, por mais talentoso e bonito que ele fosse. Em suasmemórias,escritasmaisde25anosdepois,elaatésugerequeOzzysabiade seu encontro com Randy e entendera o que tinha sido. “Ozzy sabe enunca quis discutir”, ela escreveu. “Mas não leiam nenhuma insatisfaçãopor isso. Ozzy sabe que aquilo aconteceu uma vez e foi adorável, nãoluxurioso.”Naverdade,OzzysóficousabendomuitosanosdepoisdamortedeRandy.

Durante uma curta paradanaquele verão, de volta à casa da famíliaem Burbank, Randy contou a Delores, Kelle e Kathy histórias de seusúltimos nove meses com Ozzy. Ele icou com Jodi e brincou com seutrenzinho.Nas férias,quandoseus ilhoserampequenos,Deloressempretomavatrem,enãoavião—aprimeiravezqueRandysubiunumaviãofoiquando viajou ao Reino Unido para se unir a Ozzy. Quando era criança,Randyadoravaessaslongasviagensdetrem,olhandopelajanelaomundopassandoesoltandoaimaginação.Agora,comoadulto,ocoautorde“Crazytrain” parecia reviver aqueles momentos construindo seu próprio eelaboradotrem.Kathy:“Eletinhaarmadootrememseuquarto.Davapara

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construir asvilas e ele trabalhava semprenelasquandoestavaemcasa”.Kelle: “Tudo que Randy bebia devia ter uma daquelas pequenassombrinhas.Sabe,umpoucodelicoremuitoaçúcar.Eelepreparavasuasbebidas açucaradas, com seus cigarros e ouviamúsica clássica enquantotrabalhavaemsuapequenaestradadeferro.Nossa,eleadoravaaquilo”.

De volta à turnê, no entanto, a pressão estava começando a icarevidente. Durante um tempo livre na Alemanha, Randy icou feliz aodescobrirosmenores trensdebrinquedoque já tinhavisto.Mas tambémfoinaEuropaqueOzzyrealmentesaiu—comodizamúsica—dostrilhos.SeucasocomSharonsetransformouemumromancecompleto—umfatoque a esposa Thelma ainda não sabia—, Ozzy estava começando a icarquebrado depois demeses vivendo no ônibus da turnê. A cada noite elereclamavaquesuascostasdoíam,tinha icadosemvoz,estavasesentindomal,nãopodiacontinuar.Eacadanoite,Sharon—sabendodeseumedode palco quase patológico — o incitava a continuar. No inal, depois deoutranoitededrogaseálcool,asdatasforamcanceladaseabandavoltouaLondres,onde icouatéocomeçodasegundaturnênoReinoUnido,emnovembro.ComoOzzymecontoumaistarde:“OsprimeirosdoisdiscosdoSabbath foram divertidos e os dois primeiros discos solo de Ozzy foramótimos,quandovocêperdeu tudoe tem tudoa ganhar.Enquanto sevocêtemumpardesucessos,temtudoaperdereprecisamanteroimpulso”.

Rudy Sarzo lembra-sedeuma visita comRandy a umbordel de altaclasse em Londres, apesar de o guitarrista a irmar que tinha fugido doquartoquandoa “dama”aquemtinhasidoapresentadocomeçouabaternelecomumchicote.“Tudoqueeuqueriaeraalguémparaconversar”,eledisseaRudy. “Hámuitas incertezascercandoestabanda.Nãotenhomaiscertezasobrenossofuturo.”Apressãosófoiaumentandocomocomeçodapróxima turnê nos Estados Unidos, em janeiro de 1982. ComBlizzardeDiary, discos de platina nos Estados Unidos, Ozzy já estava pronto paratocar em arenas — algo fácil para ele, teoricamente, por seus anosapresentando-se emgrandes lugaresnopaís comoSabbath.Mas isso foino passado e agora eram os anos 1980, quando começou a onda degrandes produções e palcos elaborados. Determinada a manter Ozzycontemporâneo,Sharontinhacriadoumnovoshowparaaturnê,comumafachada de castelo, repleta de torres, pontes e roupas medievais para a

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bandausar.Eumanão—apelidadodeRonnie,porcausadosubstitutodeOzzynoSabbath,opequenoRonnieJamesDio.

Ninguémdabanda icou felizcomasnovidades.AbateriadeTommyAldridge icavamuito alta entre as torres do castelo e ele reclamava quenão conseguia ouvir o que o resto da banda estava fazendo, enquanto osampli icadores de Randy e de Rudy icavam escondidos tão atrás das“paredes” do castelo que eles também tinham problemas para serelacionarcomoprópriosom.Piorde tudoparaOzzy,eledeveriasubirauma gigantesca mão mecânica para o bis, que iria levantá-lo acima dasprimeiras ileirasdaaudiência.“Seétãoseguro,vaivocêlá!”,OzzygritavaparaSharonantesdeirembora.Agora,noentanto,asbrigasdeOzzycomSharoneramtãoregularesqueabandaaceitava-ascomopartedocenárioda turnê. Randy “odiava todas as merdas das brigas deles e quandojogavamcoisasumnooutroegritavam,tudoisso”,contaBobDaisley.

Uma coisa é certa: Sharon era dura. Seu irmão, David, dizia a todomundo: “Sharon é Don de saia”, e todos pensavam que ele estavabrincando. Mas ela provou que era verdade muitas vezes nos primeirosanos do sucesso de Ozzy pós-Sabbath, enfrentando promotores quegostavam de tentar a sorte não pagando a banda, ou molengasrecalcitrantes das gravadoras que simplesmente não faziam direito seutrabalho.Umavez,numatardedeautógrafosemumaloja,elasaltousobreumfotógrafoqueidenti icoucomoumbootlegger—otipoquetiravafotosde um artista depois vendia as imagens na porta dos shows, ganhandomuito dinheiro no processo — e começou a socá-lo. Ela pode ter poucomais de um metro e meio, mas quando um promotor tentou cobrarequivocadamente6mildólaresporpublicidadepré-concerto,elacomeçouabaternacabeçadeleechutouseusaco.Comoeladiria:“Tirandomeupai,não tive nenhum outro modelo, então até certo ponto tive que criar asregrasnocalordomomento”.Espalhou-seanotícianomercado:ninguémdiziaaSharonArdenoquefazer.Ouentão…

No começo de 1982, apesar de ser eleito oMelhor Novo Guitarristapela revistaGuitar Player , nos Estados Unidos, e Melhor Guitarrista pelaSounds,noReinoUnido,Randyestavaemmauestado.Rudy lembra-sedeRandy con idenciando para ele: “Não sinto que sou eu mesmo”. EstavadesconfortávelatéemcasaemLosAngeles,ondederepente“todomundo

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quersaircomigo”.Elecontavadanoiteemque icoubêbadoe“comeceiajogarmóveispelajanelacomoOzzy.Essenãosoueu.Nãoéomotivopeloqualcomeceiatocarguitarra”.

Em20de janeiroaconteceuo incidenteemDesMoinesnoqualOzzymordeuacabeçadeummorcegonopalco.Eleinsistiriaquehaviapensadoqueera“aporradeumbrinquedo—atécolocaracabeçanaminhabocaeas asas começaremabater”.MasRandynão acreditoumuito. EntãoOzzycomeçou a reclamar do treino contínuo de Randy com um violão comcordasdenylon.Asestrelasdoshowestavamcomeçandoadeixarumaooutro nervoso. Não era um bom sinal, e Randy começou a se afastar deOzzy, ligando para professores de música clássica locais em cada cidadeque a turnê parava para ter aulas de teoria musical e compor suasprópriascomposiçõesneoclássicas.AúltimagotaparaRandyveioquandodisseramqueelesiamgravarumshowinteiramentedecoversdoSabbathparaumdiscoduploaovivo.FalaramqueaJetqueria.SharonmaistardemecontouqueerapartedoseuacordoparatiraroOzzydaJet—edeseupai. Independentemente de ser ou não verdade, isso causou uma grandebriga entre Ozzy e Randy. Randy tentou convencer a banda a não fazerisso.Ozzy icouputoedemitiutodaabanda.Sharonamenizouascoisas.Ovocalista provocou Randy dizendo que tanto Frank Zappa e Gary Mooretinham concordado em tocar no disco se Randy não quisesse. Randysuspirouevoltouaseusestudosclássicos.

As crescentes diferenças entre guitarrista e cantor não eram sómusicais. Quando, em fevereiro de 1982, Ozzy foi preso durante umaparada em San Antonio, por urinar no Álamo (vestido como Sharon, quetinha roubado suas roupas na tentativa de evitar que ele saísse), Randyicou horrorizado. Isso não era o tipo de coisa queMickRonson deve teraguentadoquandotocoucomDavidBowie.AliceCoopertambémeraloucoe alcoólatra, mas nem ele tinha feito algo tão abertamente nojento comomijaremumdosmonumentosmais importantesdopaís.Maisumavez,aúltima “aventura”deOzzyganhouasmanchetesdomundo;asvendasdeingressos para a turnê também aumentaram, assim como as vendas dosdiscosBlizzardeDiary,quechegariamaumtotalde7milhõesdecópiassónosEstadosUnidos.Elescontinuamsendoosmaisvendidosdacarreirade

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Ozzy.Nodia seguinte, entretanto,Randysoltouabomba.Ele fariaodiscoao vivo dasmúsicas do Sabbath, gravariamais um disco de estúdio comOzzy, se insistissem, mas seria isso, ele não se sujeitaria mais àshumilhaçõeseprivaçõesdeumaturnêcomOzzyOsbourne.Estavasaindo.Emvezdisso,nofuturoimediato,elefalou,iriavoltaràescolaparaestudarmúsica clássica.Ozzy, ainda bêbadoda noite anterior, icou furioso e deuumsocona caradele.BobDaisley: “Eunão estava lá,mas conversei comTommy Aldridge e [o tecladista] Don Airey, que contaram que quando[Ozzy]ouviuqueRandyqueriasair,deuumsoconacaradeleeochamoudemerdinha ingrato. Tommy disse que foi um golpe baixo, que o Randynão estava esperando, nem mesmo estava olhando…”. A atmosfera noônibusdepoisdisso icouhorrível,nenhumdoshomensestavafalandoumcom o outro. Rudy lembra-se de uma noite, durante uma parada em LosAngeles,emqueumOzzychapadoebêbadodisseparaele:“Vocêprecisaconvencerseuamigoqueémelhorelereconsiderarasaídadabanda.Digaqueestáfodendoamelhorcoisaquejáaconteceucomele.Estápatinandosobregelofino”.

No inal, Ozzy iria aceitar melhor a situação. Quando falei com elesobreissoanosdepois,contouquenãoachavaqueRandyteriacontinuadoatocarrockcommaisninguém.Nessaúltimaturnêelejáestavacompondosuaprópriamúsica, comoera tudomodalecommuita técnicaequenemmesmoDelores,comestudosdemúsicaclássica,conseguiaentenderoqueRandy estava fazendo a partir das notas que deixou. E como, quandoRandy disse que estava deixando Ozzy, falou para ele: “Você está doido?Maisunsdiscosevocêpoderácomprarsuaprópriauniversidade!”.

Assim como pediu a suamãe para entrar em contato com a UCLA epedirinformaçõessobreummestradoemmúsicaclássica,Randytambémfalou com John Stix, então editor daGuitarWorld , que se ofereceu paraapresentá-lo a gente da cena de Nova York, como Steve Gadd, Jean-LucPonty e Earl Klugh. Randy já estava em contato com Richie Podolor, ex-produtordoSteppenwolfeThreeDogNighteumreconhecidoguitarristaclássico que havia estudado com Segovia e que tinha concordado empermitir que Randy participasse de sessões clássicas com ele. Kathy dizquesuamãe“sabiaqueRandynãoestava feliz.MaselasabiaoqueOzzyfezpormeuirmãotambém.NãoéqueeletenhaseenchidodeOzzy.Elese

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encheudaestrada.NãoéqueelenãogostavadeOzzy.Issonãoéverdade.Elesónãogostavadaqueleestilodevida.Nãofoicriadodessaforma”.

Osdoisprimeirosshowsdavoltadaturnênorte-americana foramnaOmni Arena, Atlanta, em 17 de março, e na noite seguinte no CivicColiseum, em Knoxville. Aquela noite, numa viagem de mais de milquilômetrosatéapróximaparadaemOrlando,todaabandasesentounofundo do ônibus para assistir ao épico da Segunda Guerra Mundial,Midway. Rudy foi o primeiro a se retirar para o seu canto: “Depois demuitossuicidaskamikazesna teladaTV”.Omotoristadoônibusda turnêera Andrew Aycock, de 36 anos. Contra a vontade de Sharon, ele tinhadadoumacaronaasuaesposa,dequemestavaseparado,epermitidoqueelasesentassepertodelenaviagemparaOrlando.Nocomeçodamanhã,oônibus parou emuma garagem, aRedBaronEstates, perto de Leesburg.Aldridge se lembra de comoAycock icava falando que era piloto e comoprometiaàbanda “umavoltinha”numdospequenosaviõesquehavianolugar. Cumprindo sua palavra, Aycock ofereceu às únicas pessoasacordadas — Don Airey e o tour manager Jake Duncan — um rápidopasseio pelo ar. O avião, um Beechacraft Bonanza F35 de 27 anos, deualgumas voltas por cima do ônibus da turnê, depois aterrissou comsegurança.Nesseponto,AycockofereceuaRandyeàcostureiradabanda,uma mulher negra de cinquenta anos chamada Rachel Youngblood, umpasseio rápido pelo ar. O medo de Randy de voar era bem conhecido,assim como os problemas de coração de Rachel. Mesmo assim, os doisconcordaram em subir, persuadidos pela promessa de Aycock de que“seria subir e descer”, como se recorda Rudy Sarzo. “Nenhuma besteira,nadalouco…”

Randy,queagoralevavaumacâmeraparatodososlados,agarrousuamochila, depois en iou a cabeça no beliche de Sarzo, convidando-o a virjunto, mas o baixista estava meio dormindo e não se interessou. O queaconteceudepois,quandooaviãoestavanoar, tornou-sedesdeentãoemobjetode longadiscussãosemnenhumaconclusão.Masporalgumarazãooaviãoderepentemergulhouepareciavirdiretoparaoônibusdaturnê.Don Airey, que estava usando uma lente tele para tirar fotos do avião,a irma que viu iguras lutando dentro da cabine. A esposa de Aycock,Wanda, estava parada na porta do ônibus, e muitos que estavam ali

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acreditam que o piloto, que tinha dirigido a noite toda e aparentementehavia discutido com ela, tinha decidido matá-la jogando o avião contra oônibus. SarzoconcluiuqueRandy tinha salvadoavidade todosao forçarAycock a não voar contra o ônibus. Desde então, no entanto, rumorescircularam de que Rachel, que estava sentada na frente do avião comcontroleduplo,teveumataquedocoraçãoe,quandoelacaiuparaafrentesobre os controles, forçou o avião amergulhar—que as iguras lutandoque Airey viu eram, na verdade, Randy, sentado atrás, tentando puxar ocorpoinertedeRachelparatrásenquantoAycocktentavaforçaroaviãoasairdatrajetóriadequeda.

Qualquer que seja a verdade, o resultado foi que a asa esquerda doaviãobateunoônibusamenosdedoismetrosdochão,aívirouebateuemum enorme pinheiro, cortando o tronco, depois foi se arrastando diretopara a garagemdamansãoestilo georgiana situadaaunsdezoitometrosdo ônibus. A explosão matou todos a bordo imediatamente. A autópsiadepois revelou que Aycock tinha traços de cocaína no organismo nomomentodoacidente, aopassoqueo relatório toxicológicodeRandynãorevelou nenhuma droga ilícita. A investigação doNational TransportationSafetyBoardtambémdeterminouqueocertificadomédicodeAycocktinhaexpirado e que sua revisão de voo bienal, exigida de todos os pilotos,estava vencida. Em outras palavras, ele não tinha permissão nem paradirigiroônibusdaturnê,muitomenosumavião.RudySarzolembra-sedepular de seu beliche no ônibus e verDuncan de joelhos, chorando: “Elesmorreram, elesmorreram…”.Enquanto isso, Sharonestavagritandoparaele:“Comovocêdeixouaquelacriançasubirnoavião?Comopôde!”.

O funeral de Randy aconteceu em sua cidade, Burbank, em 24 demarçode1982.Eraumdiacinzentotriste,LosAngeleslutouparaacordardebaixodeumcéucinzento.Nãofaziamuitofrio,tampoucoestavaquente,e todomundo tirou o casaco quando começou amissa na First LutheranChurch,queRandy tinha frequentado todososdomingos comamãeeosirmãos,eondeatéhojeDeloresRhoadsdáaulasnocoro.ArleneThomas,amiga da família, tocou umamúsica no violão e cantou. Ela ensinava emMusoniajuntocomRandyesuapresençafoimuitoapreciadaporDelores.Nada,noentanto,poderiaamenizaroseudesespero. Issonão tinhaavercomsedespedirdealguémcomquemtinhacompartilhadosuavida.Erao

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reconhecimento inaldaabsurda tragédiaque tinhacaídosobrea famíliaRhoadsedecomoascoisasnuncamaisseriamasmesmas.

Ozzy chorou no ombro de Delores. Uma Jodi chorosa foi confortadapor Rudy. Ozzy, Tommy, Kevin DuBrow e Rudy estavam entre os quecarregaram o caixão, junto com os velhos amigos de Randy, Frank SantaCruzeKimMcNair.OausentedofuneralfoiKellyGarni.“Nãotivecoragemde ver o caixão”, ele explica. Kelle Rhoads também tinha sido chamadopara levar o caixão, mas não conseguiu. “Eu estava em choque”, ele dizagora. “Nem conseguia acreditar. Fiquei pensando, tudo bem, émais umgolpe publicitário, como o morcego e mijar no Álamo. Todos esses anosdepois, ainda não aceitei. Penso nele todo dia. É quase como se elemorresse todo dia para mim. Eu consigo seguir com minha vida, masrealmentenuncaaceiteicompletamente.”

Delores, cuja força nesses últimos dias terríveis tinha sidoimpressionante,fezquestãodeagradeceratodosquevieram,confortandoaqueles que ela pouco conhecia tanto quanto fazia com a própria família.Mas por trás dos gestos gentis estava um coração irremediavelmentepartido. “Elanuncamais foiamesma”, contaKathyRhoadsagora. “Nuncamaismontououtra árvoredeNatal até hoje.Manteve o quarto deRandyexatamentecomoelehaviadeixado.Écomoseotempotivesseparadoemsua casa. Se você for até lá, é como se voltasse a 1982. Ninguém podeentrar no quarto dele. Está como no último dia em que ele esteve ali…”Depois da cerimônia, uma longa ila de carros partiu de Burbank a SanBernardino, ondeestãoenterradosos restosdeRandynummausoléunocemitériodeMountainView.“Éumlugarlindo”,contaKelle,“meiocomoode Lady Di…” Greg Leon lembra que o funeral “foimuito triste. Isso nãodevia acontecer com nenhum de nós. Randy partindo dessa forma, foiterrível. As pessoas vinham tentar conseguir autógrafos. Havia algumaspessoas do outro lado da rua, meio desrespeitosos, de alguma forma,porqueestavamgritando:‘Randy!Randy!’.Eraoenterrodocara,sabe?”.

Dana Strum estava andando no mesmo Triumph TR7 cupê brancocom o qual havia levado Ozzy para passear pela cidade dois anos antes,quando ouviu a notícia pelo rádio. Ficou tão chocado que atravessou umsinal vermelho. “Perdi totalmente o fôlego, parei e comecei a chorar.” Elecontaquesentiuculpapormuitosanos.“Porforçá-loair,porconvencê-lo

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a aceitar…” Sua voz falha com as lembranças. Anos depois, quando suabandaSlaughterabriuparaOzzy,eleàsvezesolhavaparaZakkWylde,umdosdescendentesdeRandycomoguitarristadeOzzy,epensava:“DeveriaseroRandy”.

Exceto, claro, que Randy já tinha decidido que não seria parte dofuturo a longo prazo de Ozzy. Este me contou depois como, a partir domomento emque conheceuRandy, sabia que “seria algo passageiro”. Eledisse que sentiu o mesmo quando viu Jimi Hendrix tocar no festival demúsicadeWoburnAbbeyem1967.Apesardesuagenuínador—“Pensei,é isso, acabou tudo”—,eleestavadevoltaàestradapoucomaisdeduassemanas após a morte de Randy, com o ex-guitarrista de Gillan, BernieTomé.Sharonorganizoutudo.

“Depois da tristeza damorte de Randy, eu simplesmente sentia quenãodavamaisparaencarartudoaquilo”,disseOzzy.“FaleiparaSharon:‘Éo im, estou acabado’.” Sharon, no entanto, estava determinada a nãodeixar que nem mesmo esse revés evitasse que Ozzy aproveitasse aomáximoseunovoestrelato.Eladisseparaele:“Émelhorvocênuncamaisfalaralgoassimparamim,JohnnyOsbourne.Agora,subanopalcoefaçaoseutrabalho!”.

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Nove

Aleidaturba

EM 1981, com omundo de novo a seus pés, o Black Sabbath deveria estarbem. Tudo, em teoria, parecia estar funcionando. Sem Ozzy e Bill, elestinham removido os pontos mais fracos. Tinha sido incrível enquantodurou,mas aquela formação tinha chegado ao auge dez anos antes. Nãoeram só as drogas — Tony Iommi estava cheirando mais coca do quenunca—, era a falta de autocontrole deles. A forma como se enrolavamcomsuasprópriasemoções,aformacomodestruíamtudoquetocavamatéfoderemporcompleto.AgoraelestinhamsubstituídoOzzyeBillporcaras— Ronnie e Vinny— que eram o exato oposto, que gostavam de fumartoneladasdemaconha,maseramsemprecon iáveis,eprontosquandoerahora de subir no palco ou entrar no estúdio, e que não precisavam sertratados como crianças teimosas, sempre tendo que ser impedidos decorrerembaixodoônibusouroubardocedeumaloja.

O que ninguém perceberia até começarem a gravação do segundodisco juntos, no começo de 1981, era como estava desequilibrado oecossistemacriativodabanda.ComBill eOzzy felizesemdeixaropesoaTony e Geezer, em termos de composição, vindo ao estúdio só quandoeram chamados,mesmoem seus últimos discos quando o talento pareciatê-los abandonado, pelo menos todo mundo sabia seu lugar. Agora, noentanto, a química criativa tinha sido dramaticamente transformada. Nãoimportavaoqueoscréditosdacapadissessem, todomundosabiaqueasmúsicas deHeaven and hell tinham sido compostas por Tony e Ronnie.Geezer e Bill tinham estado completamente fora, por escolha própria, enem podiam reclamar. Mas quando o disco se tor nou um sucesso, claroquefaziasentidoumpróximodiscodoSabbath—omaisrápidopossível.

NãoparaGeezer,noentanto,queagorasemovimentavapelascostasda banda para ser recolocado como o letrista principal, sussurrando noouvido de Tony sempre que tinha oportunidade, atacando seu rivalenquanto lembrava o guitarrista como tinha permanecido leal durante

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toda a prolongada crise de identidade da banda. Tony, que odiavaconfrontos, simplesmente assentia, depois deixava que Ronnie e Geezerresolvessem entre eles. Ronnie, enquanto isso, não se preocupava comessa questão. Não no começo, pelo menos. Sua forma de trabalhar eradeixar que a banda izesse jams até encontrar um riff ou ummovimentocomoqualpudesse se relacionar, criandomelodias vocais e letrasquaseinstantaneamente.Paraqueeleprecisavadeumparceirodecomposição?Já omodus operandi de Geezer era totalmente diferente: ele preferia sesentar sozinho, com uma cerveja e um baseado, enquanto compunha osversos. No inal, foi alcançado um compromisso, em que Ronnie seriacreditadopelas letras,enquantoGeezerreceberiacréditosdecomposiçãoem todas as músicas. Por ora, então, enquanto trabalhavam em novomaterialemLosAngeles,elesmantiveramapretensãodetentartrabalharjuntos, cada um deles permitindo que o outro tivesse a oportunidade departicipar nos seus pensamentos e ideias. Não poderia durar, e oressentimento começou a se in iltrar na relação deles como sangue quetomacontadeumabandagem.

As coisas tinham iniciado bem com a faixa que se tornou o título dodisco,“Themobrules”.EscritaegravadanavelhacasadeJohnLennonemTittenhurstPark,pertodeAscot(a famosacasabrancaondeelegravouodiscoImagine),naverdadecomopartedeumatrilhasonoraparaum ilmede animação,Heavy metal — uma animação “viajante”, estrelando JohnCandy, baseada na revista de icção cientí ica de mesmo nome —, quereunia grupos parecidos como Blue Öyster Cult, Journey, Cheap Trick eGrandFunkRailroad,pareciaalgonormalparao “novo”Sabbath.Rápido,com muitopunch, umaextensão impressionantedo som formuladodesdeque Dio tinha entrado. O ilme seria um fracasso, mas a faixa era muitoboa.(Porumatristecoincidência,Lennonfoiassassinadopoucosdiasantesde a banda chegar ao estúdio. Não que a banda tivesse deixado issoatrapalhar seu humor. “Toda a equipe icou mexendo nos discos [deouro]”,lembra-sePaulClark.“Tivequemandarguardá-losemumarmáriono fundo.Tirei fotosdoquartoebemao ladohavia [umpequenopainel]comJohneYoko,comdois interruptoresde luz,assimumpodiaapagaraluzdooutro.Nobanheiro, omaldito tinhauma câmeradevídeo. Isso erararonaquelesdias!Entãoelespodiam icarvendoooutrocagar,acho,não

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sei.”)OrestodeMobrulesfoiescritoegravadoemLosAngeles,ondetodos

viviamagora.UmacompanhamentoparaHeavenandhell,asnovasmúsicasseguiam amesma fórmula, com a abertura de “Turn up the night”, uma“Neonknights” partedois. “Falei aTonyquepareciaThinLizzy, e elemeolhou com cara feia”, lembra-se Paul Clark. Da mesma forma, “Voodoo”tentavaocuparomesmoespaço emMobrules como “Childrenof the sea”tinha feito no predecessor, sendomais fragmentada. Uma boa faixa,masnão incrível. Por isso teríamos que esperar pela melhor faixa do disco,“Sign of the southern cross”. Esse era o Sabbath com o melhor metalprogressivo — a brilhante introdução acústica, Ronnie em um registromaisalto,atéabandasoltaraartilhariapesada,como“Childrenofthesea”e “Heaven and hell” abrindo uma issura funda na alma, o soloemocionantedeIommifeitoàvelocidadedaluz,avozdeRonniecomtodooespaçoqueprecisavaparabrilhar.

Havia outros pontos altos, como “Falling off the edge of the world”,uma balada enorme, cheia de alma, de dar calafrios, a introdução comviolino e guitarra, marcada por coros e cordas antes de a banda entrardescendo a mão, ummonstruoso sino tocando numamonolítica torre demar im, o tipo de épico de viagem do metal em que o Iron Maiden e oMetallica baseariam suas carreiras mais tarde, naquela mesma década;“Country girl”, que começa com algo parecido com o primeiro disco doSabbath, toda a psicodelia folk e escuridão encantada, até as luzespiscaremeabandacomeçararegerasestrelas;e“Slippingaway”,naqualTony e Geezer inalmente conseguiram assumir suas fantasias de LedZeppelin ao máximo, como algo dePhysical graf iti, com Vinny maisparecido comBonzo do que comWard, o solo elástico de Tony como umPagevintage, comGeezer criandouma linhadebaixo estilo funkmaisdoqueaceitáveleosvocaismultitrackdeRonnieacrescentandoumtoquedePlant.

Havia também momentos menos inspirados. Entre eles, aconscientemente estranha “E5150” — “EVIL”, em algarismos romanos,entendeu?—umainstrumental“captadadoespaço”porGeezer,quepodiamuitobemtersidoignoradanessecontexto,masqueacabariasetornandoa introdução de todos os shows seguintes. E o fechamento exagerado,

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“Over and over”, que tenta encerrar intensamente o disco comuma notaelevada,massesufocaemumcaleidoscópiodistorcidodesons.

O tempo no estúdio foi bom para a banda também. Quando oguitarrista ScottGorhamdoThinLizzypassoupor ali, TonymandouPaullevá-lo para dar uma volta em seu Rolls-Royce. Depois piscou para Paulquando ele ia saindo. O tour manager entendeu a mensagem e “dirigiucomoumlouco,chegandoa160quilômetrosporhora,cantandoospneusnascurvas.EScott,nofundo,gritando:‘Oh,Deus!’.”

Tony também cansou Martin Birch “a tal ponto que ele quase sematou” depois que o produtor, acostumado a trabalhar com RitchieBlackmore, que às vezes realizava sessões espíritas em seu quarto dehotel, icavaperguntandoseeleestavaenvolvidoempráticasdeocultismo.Adupla icava trabalhandoaté tardedanoite, atéo cérebroexplodir, atéque Birch começou a resmungar para Iommi. “Ele icava fazendo estasperguntas: ‘Você pratica magia negra?’. E eu carregava uma pequenamaleta preta eme cansei de tanto ele perguntar isso, então comprei umpedaçodemadeira, prendi umabonecadepano e coloquei umpoucodecabelonelaetodoorestodascoisas,depoisenvolvicomumpanopretoecoloquei na minha maleta. Então fui ao estúdio e abri o envoltório umpouco,osu icienteparaeleveraboneca.Abrieeledisse:‘OQUEÉISSO?’.Coloquei de volta namaleta, fechei e perguntei: ‘O quê?’. E ele começou:‘Soueu,nãosou?Soueu!Euseiquesoueu!’.Estavamorrendodevontadederir,mascontinuavacomacaraséria. ‘Doquevocêestáfalando?’ ‘Abrasuamaleta!’‘Não,porquê?’‘Soueuaídentro,seidisso!Euseiquesoueu!’E ele icou doido, absolutamente descontrolado. Continuei com isso pormuitotempo.Elefalavacoisastipo: ‘Sentidordecabeçaontemànoite.Foivocê,nãofoi?Vocêmecausouessadordecabeça’.Eeufalava: ‘Nãoseioque você quer dizer com isso’. Então ele se acalmava um pouco depoisdisso e eu falava: ‘Você está com algum problema ultimamente,Martin?’.‘PORQUÊ?OQUEVOCÊFEZ?’”Eleria,maldoso.

Mobrulesfoilançadoemnovembrode1981eimediatamenterepetiuo sucesso de seu predecessor, chegando ao 12 o lugar na Grã-Bretanha enovamente ao Top 30 nos Estados Unidos. As resenhas também forambastante positivas. Isso permitiu que o Sabbath se reinventasse bem a

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tempo de assumir um lugar na nova onda de golias do rock pesado quedominaramo rockdosanos1980, como JudasPriest,Whitesnake,AC/DC— e Ozzy Osbourne, cujo segundo disco solo,Diary of a madman, foilançadonomesmomês,efezmaissucesso.

FoichatoparaTony,GeezereespecialmenteparaRonnieverodiscode Ozzy fazer mais sucesso que o deles. Musicalmente, havia poucascoincidências, com o Sabbath essencialmente se mantendo iel a seusprincípiosdosanos1970,enquantoOzzyabraçavacomtudoosanos1980,baseando-seemseujovemguitarrista,RandyRhoads,paracriarosclimasda música. Nos shows, só seis das treze músicas do Sabbath em 1982,incluindoobisde“Paranoid”e“Childrenofthegrave”,vinhamdosdiasdoOzzy.Paraos fãs,nãoparecia serumproblema, felizesemapoiarosdoislados.MasparaTonyeRonnie,eraalgoqueosincomodavacomoumossodegalinhanagarganta,algoquenuncaconseguiramcuspir.

“Somos uma bandamuito diferente de quando estava Ozzy”, Ronniemantinha. “A única semelhança é o nome.” Enquanto para Ozzy, “eu nãoestounemaíparaoqueelesfazem.Estouaquimuitofelizcomissoemuitoobrigado”.Eraalgoquefalavadabocaparafora,elemaistardeconfessou,com muita raiva contra a banda que, como ele via, o tinha abandonadoparamorrer. “Era comoumaguerra total”,Ozzymecontou. “Querodizer,nãoaceito todaessamerda, sabe, soudemitido,masainda somosamigos.Sevocêaindaéamigo,porquedemitir?”

OqueOzzynãosabiaeraqueRonnietambémestava icandocadavezmaisinfeliznoSabbath.Ovocalistapodetersentidocertaa inidadecomosbritânicos— até um tipo de parentesco:Wendy, a inal, tinha nascido emEpping, só mudando-se para os Estados Unidos em 1973—, mas ele sesentia cada vezmais distante de Tony e Geezer. O segundo nem era tãoimportante: era um baixista sólido, que falava pouco e agora estava comsua nova namorada norte-americana, Gloria, na turnê e icava na dele.EnquantoentendessequeRonnie era agoraoprincipal letristadabanda,ascoisas icariambem.AúnicacoisaqueRonnienãotinhacertezaeraseGeezer gostava mesmo dele. Costumava pegar aqueles olhos castanhosprofundos virados para ele às vezes e se perguntava o que estariarealmente pensando. O principal era que Geezer bancava o que Tonyqueria:seTonyestivessebem,Geezertambémestaria.

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De acordo com Paul Clark, cuja distância cada vez maior do seu“irmão” Iommi, que ainda não tinha perdoado sua tentativa de avisá-losobre sua nova esposa norte-americana, Melinda, o fez se aproximar deDio: “Era Ronnie quem mandava agora”. Ele continua: “Não eracoincidênciaqueabandacomRonnietivessevoltadoasergrandedenovo,apesar de não termos empresário. Sem Ronnie aquela banda não teriasobrevivido depois da saída de Ozzy, simples assim. Ronnie e eutrabalhamosemtudojuntos.Ronniemeensinoumuito.Ah,porra,sim.Eleeraumcaramuitobom.Erarealmentemuitoadorável.Maselesefodeunofinal”.

O problema era que Ronnie não tinha mais certeza se Tony estavagostando de tudo. O guitarrista ultimamente tinha começado a fumarcocaína—umprocedimentocomplicadoenvolvendoágua,amôniaemuitoiltro, para terminar com uma pedra cem por cento pura de cocaína nãoadulterada, e depois fumar. “Ele icava completamente doido”, lembra-sePaul Clark. Quando estavam hospedados no Sunset Marquis, em LosAngeles, “a gente usava um taxista, Tip era o seu nome, e era ele quemconseguia a coisa. Ele e aquele maldito tecladista, Geoff Nicholls. Tonyfumavatantoaquiloquenãoconseguiafazerasporrasdasentrevistas.Eucostumava fazê-las por telefone no lugar dele, pois tinha o mesmosotaque”.

Ronnie gostava de fumar maconha e beber cerveja, mas não usavacoca,nãogostavadeQuaaludesouMandrax,sedativospoderosos,enãoiaatrás de groupies. Ele e Tony podiam combinar quando estavam tocandooucompondojuntos,massocialmenteviviamemmundosremotos;Tonyseen iavaemsuacavernamaliluminadanosquartosdehoteldepoisdecadashow, enquanto Ronnie gostava de sair e ver o que estava acontecendo.Gostava de ler e conversar e pensar e conversarmais umpouco. Algunsdias, Tony quase não falava nada. Era isso então?, perguntava-seRonnie.Comosempreseria.Elesjátinhamchegadoaotopo,essabandaquehaviadesfrutado tanto sucesso na primeira vez, enquanto Ronnie ainda tinhasonhosnãorealizadossuficientesparaencherumcastelomágico?

Sandy Pearlman, cujo estilo tranquilo de management não tinhaimpressionadonenhumdeles, tinhasidodemitidonomeiodocaminhodaúltima turnê norte-americana. Ele parecia tranquilo com aquilo, quando

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nos encontramos alguns anosmais tarde, a irmando que ainda era fã doSabbath, e sempre tinha sido,mas que talvez amáximade quenunca sedeve conhecer seus heróis era correta. Pearlman continua uma iguraenigmática, seu breve encontro com o Sabbath parece eliminado de suahistória o icial. Com a banda sem empresário, Ronnie, um líder nato,inevitavelmente assumia o papel sempre que a ocasião exigia, o que erafrequente; umposto evitadonamaiorpartedas vezespor Iommi, que seperdiapordiassemfimemilusõesdecristaisdecocaesedativos.

Ronnie também estava icando preocupado com outros aspectos dapropriedade de Tony sobre a banda, depois que Paul o alertou sobre aexata natureza das contribuições no palco do tecladista Geoff Nicholls acadanoite.Paulmetocouamesma itagravadadeumshowdoSabbathdaturnê que ele obrigou Ronnie e Geezer a ouvir na época. Estávamos em“Heaven and hell”, que traz Geoff no órgão. Ele parece uma criançatocando ocasionais acordes em um teclado barato. Há um pouco de u-huvocaltambém.

Paul suspira: “Geezer me perguntou uma noite: ‘Que porra é essebarulho?’. Respondi: ‘É o Geoff’. Ele falou: ‘Como é? Livre-se dele! Não ocoloque na mix!’. Achei que se contasse isso para alguém, ninguém iriaacreditar em mim! Se contasse que a maior banda do mundo tinha umotário fodido no teclado…”. Ele balança a cabeça sem acreditar. “Quandotoquei para Ronnie, ele falou: ‘Você precisa falar isso para o Tony’.Respondi:‘Nãovoufalarcomele.Vocêfalacomele’.”Emvezdisso,Geezerdisse que ia conversar com Tony: “Mas ele não conversou, e a gentecontinuoumaisdoisanoscomomerdadoGeoffNichollsnosteclados”.Pauldizqueaequipe icavaaindamaisdesgostosaquandotinhaquelimparoscabelosdeGeoffdotecladotodanoite.“Poiselescaíamsuadosquandoelebalançavaacabeça.”

As coisas inalmente chegaram a um ponto inal em julho de 1982,quando começou a mixagem do que seria o próximo disco do BlackSabbath—umduploaovivochamadoLiveevil.

Elesiriamdiscutirpublicamentesobreissoduranteospróximosanos.ComoDioeAppiceentravamnoestúdioànoite,depoisqueIommieButlertinhamidoparacasa,ecomeçavamafodercomamixagem,deixandoavoz

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eabateriamaisaltaseabaixandoaguitarraeobaixo.Como isso levouaumabriga inalque fezcomqueRonnieeVinnysaíssem.Ouainda: comoTonydemitiuRonnieportentarliderarabanda.ComoelesemprequisqueVinny icasse, mas que Ronnie tinha jogado seu feitiço sobre o jovem,forçando-oaseguirovocalistaparaarua.Masnadadissoeraverdade—oumuitopoucoera.Eatéaspartes reais—discussões sobreamixagemdo discoLive evil — eram na verdade só a última escaramuça em umacrescenteguerraqueestavaapontodefazeroBlackSabbathexplodir.

Geezer já estava bastante bravo com a in luência cada vezmaior deRonnie nos negócios da banda. Ele não só o tinha suplantado como oletristadabanda,mastambémpareciaestardirigindoosnegóciosdoBlackSabbath fora do palco — o que, na ausência de um empresário ou dequalqueroutra igura fortenabandase interessando, eraverdade, claro.“Agentesóviaaquilocomoumaformadecontrolarabanda”,disseGeezermaisde25anosdepois,“enãogostávamosdaquilo.”

Falando agora, Vinny Appice se lembra de como “as relações entreTony e Ronnie, e Geezer e Ronnie, estavam começando a desabar”muitoantesdeentraremnoestúdioparafazeramixagemdasfitasaovivo.“Tonye Geezer não tinham problemas comigo. Era só com Ronnie.” O que eledescreve como “o choque demuitos egos”. No inal da turnêmundial deMobrules,havia“brigasnocamarimcomTonyeRonniegritandoumcomooutro”. Ele acrescenta: “No inal da turnê dava para sentir o clima entreeles—TonyeGeezerentravamnumcarroeRonnieentravaemoutro.Eutentavamemanterneutro,merevezandoentreoscarros…”.

Quanto à acusação posterior feita por Tony de que Ronnie estavaentrando escondidono estúdio sem ele saber para alterar amixagemdodisco ao vivo, algo que diz ter descoberto por intermédio do engenheiro,LeeDiCarlo,queemumdadomomentocontouparaele (“Ele falou: ‘Nãoaguento mais. Vocês vão para casa depois de fazer a mixagem e entãoRonnieapareceequerrefazertudo.Nãoseimaisoquefazer’.”),contradizofatodequeRonnieeraumapessoadiurnaeteriasidoimpossívelqueeleesperasse Tony e Geezer irem para casa antes de “entrar escondido” noestúdio, uma vez que os outros raramente terminavam antes damadrugada.

Naverdade,comoVinnyAppiceexplica:“Oqueaconteciaeraqueeles

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agendavam o estúdio para as duas horas da tarde.Mas [Tony e Geezer]nãochegavamaliantesdasquatrooucincohoras,eeraumestúdiocaro.EueRonniechegávamosàsduas.Eunãotinhanenhumpoderdedecisão,só aparecia quando eles me chamavam. Mas Ronnie queria trabalhar,entãoelecomeçavaafazeroqueerapreciso,eelesfalaramissodequeoRonnie entrava escondidono estúdio emexia nas coisas semautorizaçãodeles”. Outras vezes, ele sugere, “eles podiam ir até o pub ou ir emboracedo.Bem,Ronnieficavaali,eleécompulsivo…”.

Nãoimportaqualéaverdade,Tonysentiaqueestavasendocolocadonuma posição impossível. Por um lado, ele era seu vocalista, realizandocoisas sem consultá-lo. Tinha se passado mais de uma década sem queIommi permitisse que alguém izesse algo sem seu conhecimento econsentimento em algum disco do Sabbath. Por outro lado, ele tinha seubaixistasussurrandoemseuouvido,dizendo-lheparatomarumaposição,que estava tudo errado, que não era assim que se faziam as coisas noSabbath. Em um esforço para simplesmente calar as vozes deles, Tony,mentalmente preso a sua psicose da cocaína, tentou banir Ronnie doestúdio.Nestemomento,ele fala,umtantodesnecessariamente, “ascoisastinhamficadofeias”.ElemandouGeezerdaranotícia.

Ronnie já tinha decidido que toda a situação tinha se tornado “umabsurdocompleto”quandoGeezerfaloucomele.“Tínhamoschegadoaumpontocrítico,eGeezereTonysãoespecialistasemevitarcon litos.No inal,Geezer me telefona e diz: ‘Acho que não está funcionando. RealmentequeremosqueTonyproduzaodiscosozinho’.Agoraeuconheçoesse tipode conversa em código, então digo: ‘Se vocês não querem que eu meenvolvacomestedisco,estãodizendoqueterminou?’.EGeezer:‘Bom,er…é, acho que sim’. Eles não conseguiam simplesmente dizer na cara. Eratodo um estratagema para forçar minha saída.” O tiro de misericórdia:sabendo que ele não gostava quando seu nome era cortado porconveniêncianasresenhas,TonyeGeezerdeliberadamentecolocaramseunomenacapadeLiveevilapenascomoRonnieDio.

Perdidanomeiodetudoissoestavaamúsica.Nofinal,Liveevileraumdiscobastantebom,apesardemaistardeserchamadoporRonniede“umpedaçodemerda”, jogandomaisgasolinano fogoaoa irmarqueamaiorpartedosupostamentediscoaovivoestavacheiadeoverdubsdeestúdio.

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“Não o vocal, claro”, ele insistiu. “Só todo o resto.” O que ele estavaignorandoeraqueosmelhoresdiscosaovivo,naépoca,comoagora,eramemsuamaioria essencialmente construçõesde estúdio. Falandododuploao vivo do Thin Lizzy,Live and dangerous, lançado quatro anos antes deLiveevil,edepoisvistocomoumdosmelhoresdiscos“aovivo”dogênero,oprodutorTonyVisconti não tinhaproblemas emadmitir que “75% foramfeitosnoestúdio”.EnquantoosucessodevendasUnleashedintheEast doJudas Priest, de 1979, era chamado de gozação comoUnleashed in thestudio. O mais importante, o aspecto mais importante deLive evil era aúnicacoisaqueDioinsistiaquenãotinhasofridooverdub—suamagní icavoz. Ironicamente, ela se destaca mais nas faixas da era de Ozzy como“Warpigs”,“Childrenofthegrave”e,deformamaisespetacular,em“BlackSabbath”,emqueelenãosóacrescentasuaprópriacoraoquadromusical;na verdade recon igura a original, deixando-a mais triste, maisencantadoraeaindamaiscrível.

Tudo isso tinha sido enterrado debaixo da onda de má publicidadequeseseguiuaoaparecimentodanotíciadasaídadeDio.OSabbathdiriaolá e adeus amuitos vocalistas nos anos seguintes,mas nenhum tocou ocoraçãodosfãscomoDio.PermaneceriaumagrandenostalgiapelosdiscosantigosdaeraOzzy, e comrazão,masparaa geraçãode fãsde rockquecresceunosanos1980sóhaveriaumúnicosupremovocalistadoSabbath,sóumvocalistadeheavymetalporexcelência,eseriaRonnieJamesDio.

Osfãsnão icaramfelizes.Adiferençaeraquenosanos1970abandajá estava bastante morta, musicalmente, quando Ozzy foi colocado nocanhãoemandadopelosares.AsaídadeBillWard foi toleradaporqueanova era da banda, liderada por Dio, estava em ascensão. Eles sempreconseguiriam bons bateristas e encontraram um. No entanto, a saída deRonnie, quando aconteceu, destruiu essa versão do Sabbath em seunascimento. Do ponto de vista de um fã, tirando uma reunião com Ozzy,nada poderia curar essa ferida. E isso nunca ia acontecer, agora que acarreira deOzzy tinha explodido comoum foguete. Tony Iommi eGeezerButler podem ter pensado que estavam evitando a ameaça deDio tomarcontrole do Sabbath quando expulsaram o cantor, uma situação que elespodiam argumentar que estava descontrolada, mas eles agora seencontravam numa posição ainda mais complicada: pareciam não

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conseguirmanteracesaachamadoSabbath,aparentavamserpoucomaisdo que impostores, tentando fustigar um cavalo morto. O fedor dessecavalomortoosperseguiriaporondefossemnasdécadasseguintes.

RonnieJamesDio,enquantoisso,pro issionalmentevoltariaa icardepéquasedeimediato.Maistarde,elesedescreveu“cheiodeotimismocomminha nova banda e tristeza pelo que tinha acabado de acontecer. Nãoiquei feliz pela forma como as coisas terminaram, mas conseguia sentirorgulhopeloquetinhaconquistado…DeitantoaoSabbathquantoabandamedeu,provavelmentemais”.

Quando, no dia seguinte ao telefonema de Geezer, Ronnie convidouVinnyparajantarnoRainbowecontousobreseusplanosdecomeçarumabanda própria e queria Vinny nela, o jovem baterista quase morde suamão de alegria: “Eu falei: ‘Claro. Porra, claro! Vamos fazer isso!’. Eu erajovem, mas Ronnie era um cara muito legal e um ótimo líder, e já eraconhecidoegrandeeeramuitopositivotrabalharcomele.Olhavaparaelecomoumirmão,sabe?AdoravaTonyeGeezertambém.Elespediramparaque eu icasse, mas isso signi icava ir para a Inglaterra e passar muitotempo lá. Era uma atmosfera e um clima diferentes. Eramuitomais fácilicar comRonnie e começar algo novo”. E se terminasse sendo a decisãoerrada,“euerajovem.Nãoimportava”.

Poucas semanas depois, Ronnie tinha completado a formação de suanovabanda—chamadasimplesmenteDio,nãodeixandonenhumadúvidadessa vez de quemmandava— com o acréscimo do ex-companheiro doRainbow e bem conhecido festeiro, o escocês JimmyBain, no baixo, e umguitarrista novo, garoto-prodígio de vinte anos, da Irlanda do Norte,chamado Vivian Campbell. (Em outro estranho cruzamento do destino,RonnietinhaantesrejeitadoumjovemguitarristadeLosAngeleschamadoJake E. Lee, que entraria na banda de Ozzy como substituto de RandyRhoads. A primeira escolha de Ronnie como baixista, outro ex-companheiro do Rainbow chamado Bob Daisley, recusou a chance, poistambémtinhaacabadodesercontratadoporOzzy.)

OprimeirotrabalhodeDio,Holydiver,lançadonocomeçodoverãode1983, seria aclamado como um dos três discos clássicos do cantor. Masondeosdoisprimeiros—RisingdoRainboweHeavenandhelldoSabbath— tinham feito deRonnie omais celebrado recuperador de carreiras do

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rock,Holy diver provou que ele era um frontman em todos os níveis. Naverdade,numanoemquetantooRainbow(comseudisco inal,oterrívelBent out of shape) quanto o Sabbath, agora lutando para encontrar umnovo vocalista que fosse crível, pareciam estar nas últimas,Holy diver sedestacava muito. No inal do ano, ele tinha conquistado platina etransformadoDionumartistadeprimeiralinhaganhandomilhões.

“A alegria foi total”, conta Wendy Dio. “A inal, as coisas estavamacontecendo,ostesteseasatribulações,semdinheiro,semnada,edepois,de repente, estava tudoacontecendo.Foi fantástico!Nadade ‘eu tedisse’porque nunca pensei que ia ser assim. Mais para um ‘eu mostrei!’.Realmente foiótimo para Ronnie. Foi inacreditável.” Uma conquista queRonnie iria estimar para o resto de sua carreira. “Sinto como se tivesserecomeçado minha vida”, ele me contou. “Só que dessa vez estou nocomandodomeuprópriodestino.DepoisdoRainbowedoBlackSabbath,sentiquetinhaodireito.”

Para o Black Sabbath — o que tinha sobrado deles — a sorte nãoestava mais sorrindo. Tendo demitido dois vocalistas e perdido doisbateristas em menos de dois anos — embora Tony Iommi continuasseirmeemsuacrença,alimentadapelacoca,dequeelestinhamfeitoacoisacerta ao cortar Dio —, o Black Sabbath agora estava enfrentando aperspectiva realmente séria de extinção. Na verdade, Geezer já tinhacomeçadoafalaremdarumnovonomeaqualquerprojetomusicalqueosdois membros originais criassem. Geoff Nicholls ainda estava a bordo,claro, e apesardeGeoff terumpapel, ele era sóummembroassalariadodo time. Ninguém fora do círculo íntimo cada vez mais enlameado doSabbathconheciaseurosto.Sóaquelesfãsqueliamascapascomlentesdeaumentoreconheciamonome.PioraindaeraasúbitaconsciênciadequesemRonnieabandanãotinhamaisnenhumtipodemecanismodetomadade decisão e iciente. Não precisavam só de um vocalista e um baterista,mastambémdeumnovonome,umnovoempresárioeumnovoemelhorsentidodequemerdaelesachavamquedeviamfazer.

Precisavam de alguém forte, que pudesse pegar o bastão deles erealmente levá-lo adiante. Um novo líder, sem medo de mostrar aondedeveriamirecomochegarlá,ecomonãotermedoporqueeleiriaresolver

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tudo, queridos, deixem tudo comigo. Eles o encontraram, depois de umcruzamentoporacasonoaeroportodeDetroit,umamanhã,quandoTonyIommitrombounovamentecomDonArden.

Conversando com Don quase vinte anos mais tarde, sua postura de“eufalei”estavaclaraquandoTonycontouaformacomoabandatinhaseseparadodepoisqueDonosdeixouaoescolheremDio.Tony,agoravindoatéele,dechapéunamão,comoelevia,arrependendo-sedeseuspecadose pedindo ajuda, também era um grande apelo à vaidade do velhotrapaceiro.Nadadissoajudava,noentanto,aavaliarasituaçãodopontodevista inanceiro.Oqueopersuadiu,ao inal,avoltarareconstruiroBlackSabbathforamduascoisas.Aprimeira,quecomTonyeGeezerpelomenosoSabbath tinha icado “comametade criativadosquatrooriginais, entãoaindahaviaesperançaparaeles”.Asegundarazãoigualmenteimportanteeramaispessoal.Em4dejulhode1982,nailhahavaianadeMaui,SharoneOzzytinhamsecasado.Apesardasa irmaçõesdeDondequetinhadadoocontratodemanagementdeOzzycomopresentedecasamento,quandoelaentãotentoucortarocontratocomoselodeDon, Jet,e fazerumnovoacordo com sua empresa distribuidora, a CBS, ele icou tão furioso “quecomeçouumaguerra entrenósqueduraria anos”.Quando, em1983, elenovamente teve a chance de ser o empresário do Sabbath, Don viu issocomoaoportunidadedeourodeenfrentar sua ilhadistanciadaeprovarquemeraaforçadominantenafamília.

Pai e ilha tinhamchegadoaumgraude relacionamento catastró icoquandoDon começou o que seria um caso longo com a atraente emuitomaisjovemMeredithGoodwin.ParaDon,essaeraumasituaçãocomaqualsuaesposaPaddles,muitomaisvelha,naInglaterra,nãoseimportava.Elesnão sedivorciaram, eDon continuoua cuidardelanaexcelente casaquetinham comprado juntos anos antes. Mas Sharon não tinha gostado deMeredith desde o começo, ele a irmou, vendo sua chegada na casa dosArden em Hollywood como, no mínimo, uma ofensa à sua mãe, e, nomáximo, comoo golpe premeditadode umaoportunista.Don, no entanto,ignorou as ansiedades de sua ilha. Ele estava, admite, “completamenteobcecado”porGoodwin.IssodeixouSharonaindapior.Sempreapreferidado pai, ela agora imitava o famoso temperamento do velho, ao jurarvingança contra ele. Ao longo do ano de 1981, ela passou de

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acompanhante-empresária de Ozzy amulher dele, assumindo o papel deempresária em tempo integral. Don reagiu bem a isso, inicialmente, masquandoSharondeixouclaroqueelatinhaaintençãodetirarocontratodegravaçãodeOzzydaJet—negociandocomaCBSnumcontratoquevaliamilhões no auge do sucesso incrível dos dois primeiros discos solomultiplatinados—, isso levou a uma briga entre eles que des iguraria ahistóriafuturadoBlackSabbath.

Sharon,quenuncafugiadeumabriga,estavadeterminadaafrustraro pai a todo momento. Vendo, certo dia, Meredith almoçando numrestaurante emLosAngeles, ela foi até lá e calmamente jogouuma tigelade sopa em cima dela. Don icou ultrajado e começou a fazer ligaçõestelefônicasameaçadorasparaa ilha.Issoagoraeraalgomaisdoqueumadisputa pai- ilha; eram negócios, e a forma como Don lidava com osadversáriosdenegócioserabemconhecida.UmamigopróximodeSharonlembra-se de encontrá-la uma noite “aninhada num canto chorando etremendodemedo”depoisdeumadessasligaçõesdopai.

OqueSharon tinhaaseu favor,equeadeixoubemposicionadanasprimeirasbatalhascomDon,foiosucessorápidodacarreirasolodeOzzy:em1982,BlizzardofOzzeDiaryofamadman tinhamvendidoumtotaldemais de 5 milhões de cópias nos Estados Unidos. A outra coisa que elatinhaaseu ladoeraa in initaboavontadedasvárias igurasda indústriamusical que, emprivado, queriammuito ver amorte do dragão cuspidorde fogo que era Don Arden no começo dos anos 1980. Todo mundo,parecia,estavadispostoaajudarSharoneOzzyemsualutaparaselivrardopassadoemcomum.Quando,comopartedoacordo,Ozzy foi forçadoagravar mais dois discos para a Jet, Sharon planejou o que via como umduplogolpe:umdiscoaovivoduplodeOzzy,lançadoaomesmotempoqueLiveevil,e formadointeiramentedemúsicasdoSabbathdaeraOzzy.Algoque não só entrava em competição direta com o Dio-Sabbath de TonyIommi,mas diluiria omercado para umdisco tão signi icativo. Ela não seimportavacomasvendasdosdiscosdeOzzy,poisestarianoselodopaieelatinhacertezadeque“nuncaveríamosumcentavo,mesmo”.SeajudasseaaniquilaroSabbathdeIommi,seriaacerejanobolo.Comoelamecontoumais tarde: “Tínhamosquedaraovelhodoisdiscos,bom,umdiscoduploao vivo contava como dois. Eu sabia que ele aceitaria porque não teria

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nenhum custo para fazer e podia ser terminado rápido, enquanto Ozzyaindaestavafazendosucesso.MasDonestavaesperandoalgocomRandy[Rhoads], e eupensei: foda-se.Não voudar isso a ele. Pode ter algo comummontedemerdasantigasdoSabbath”.Ofatoéqueodisco, Talkofthedevil(Speak of the devilnos EstadosUnidos) vendeumais de três vezes oqueLiveevilconseguiu,colocandooutropregonocaixãodoSabbath.

Quando Tony Iommi inadvertidamente acabou entrando no meiodessadisputaentrepaie ilha,elenãosabiaainda,masestavaselandoseudestino — e o do Black Sabbath — para sempre. Sim, Don aceitaria abandadenovoeajudariaoguitarristaareconstruiracarreira,queestavachegandorapidamenteaumpontoridículo.Masissoteriaumpreço,tantonosentidoimediatoquantoemoutromaisalongoprazoequecontinuaatéosdiasdehoje.

Recuperando seu posto como empresário do Sabbath, Don estavamais determinado que nunca a “dar uma lição na puta da minha ilha”,como ele falava. Ele iria fazer tudo que fosse preciso para colocá-los devolta no topo—ou, pelomenos, à frentedeOzzy. Tony, no entanto, teriaque fazer tudo queDonmandasse. Tony, que já tinha vendido a alma aodiabo tantas vezes que estava pronto para tentar qualquer coisa, nãodiscutiu.NemmesmoquandoDonsugeriuuma ideia tãoabsurdaque fezTonyriraltonaprimeiravezemqueouviu: trazeroex-vocalistadoDeepPurple, Ian Gillan, como novo vocalista do Black Sabbath. Don tambémtinha outra ideia inédita na manga. Para restabelecer a credibilidade damarca Sabbath, eles trariam de volta Bill Ward. “Achei que ele estavabrincando”, disse Tony. “Tinha que estar, não é?” Mas Don não estavasorrindoquando falouaquilo.Tinhasinaisdecifrãonosolhos.Logo,Tonytambémteria.

ElesjátinhamfeitotestescomdiferentescantoresantesdeonomedeGillanaparecernadiscussão.Abrindoasportasparatodososcantos,elescomeçaram a distribuir itas com a base do Sabbath, que potenciaisrecrutas poderiam usar para gravar seus próprios vocais. Dessa forma,elespoderiam iltraros“loucos”,comoa irmaPaulClark,antesdeconvidaraqueles com reais chances para um teste. No inal, isso se resumia a umpequenonúmero, nenhumdos quais animou a banda.O que estavamais

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noaltoeraovocalistadoSamson,NickyMoore,queGeoffNicholls lembrater“umavozfenomenal,absolutamentebrilhante”.MasMooreerabaixoerechonchudo, “simplesmente não tinha o visual correto”. John Slomantambém fez um teste, porém sua imagemmuito limpinha e a voz afetadaforam consideradas leves demais para cantar as músicas do Sabbath. Ojovem Michael Bolton, na época tentando começar uma carreira comovocalista de rock cabeludo, também foi considerado. Mas apesar de terumatremendavoz,como icouevidenciadaporsuaascensãoposterioraostatus de superestrela como crooner de baladas pop, Bolton tampoucotinha uma boa presença para rock pesado. Além disso, a banda já tinhatidocantoresnorte-americanossuficientes,tinhamdecidido.

Em seguida, num estranhopercurso para terminar trabalhando comIan Gillan, Tony convidou o sucessor de Gillan no Deep Purple, DavidCoverdale,agoraliderandosuaprópriabanda,oWhitesnake,paraseuniraoBlackSabbath.GeoffNichollsse lembrade ircomTonyaumareuniãocom Coverdale no Rainbow, em Los Angeles, para discutir a ideia. Paratornar a possibilidade de uma aliança ainda mais atraente, CoverdaletrouxetambémobateristadoWhitesnake,CozyPowell.“Agenteteveumaboaconversaemeioqueconcordamosaprincípioquepoderiafuncionar”,lembra-seNicholls.“TonysempretevevontadedetrabalharcomDavid.Detodasasformas,agentedeixouacoisaassim,masdepois icamossabendoque eles tinham acampado em Dartmoor e estavam remontando oWhitesnake.”

Foi quando Don decidiu intervir e pediu que Tony entrasse emcontato com Ian Gillan, cuja carreira pós-Purple com a banda que levavaseunome tinha conseguido algum sucessonaGrã-Bretanha e naEuropa,mas havia fracassado em avançar nos Estados Unidos. Quando o últimodiscodeGillan,Magic, lançadono inalde1982,quasenemchegouaoTop20doReinoUnido,Gillandecidiuterminarabandaetentarumaeventualreunião com o Deep Purple, na ocasião um dos segredos mais malguardados da indústria. O único problema era a obrigação contratual deRitchieBlackmorede fazermaisumdiscodoRainbow,que seria lançadoem1983etrariaobaixistadoPurple,RogerGlover.OtecladistaJonLordtambémia icarparamaisumdiscodoWhitesnake,Slide it in, lançado nomesmoano.Enquantoisso,obateristaIanPaiceestavafazendoodiscode

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GaryMoore,Victimsofthefuture,de1983.O único membro do Deep Purple com tempo livre antes da reunião

planejada em 1984 era Ian Gillan. Quando, no começo da primavera de1983, ele recebeu a ligação de Tony Iommi, perguntando se gostaria dediscutir algum trabalho conjunto, Gillan não pareceu se interessar, aomenosaprincípio.Comoelemaistardeadmitiria,“nuncarealmentegosteida imagemdeles”.Naverdade, ele sempre teve tendência amenosprezá-los.Gillannãoeraumcaradoheavymetal.Eleseviacomooriundodeuma“tradição blues mais pura”. Os rapazes de Brum simplesmente nãopertenciam à mesma linha do Deep Purple, mais livre-pensador emusicalmentemaisaberto.

Mas Tony Iommi não era o único com um empresário que pensavamais estrategicamente. FoiPhilBan ield, o empresáriodemuitos anosdeGillan,quepersuadiuovocalistaapelomenosseencontrarcomIommi.Oque mais Ian ia fazer com seu tempo livre até a reunião do Purplerealmenteacontecer?

Eles concordaram em se encontrar no meio do caminho entre aresidência deTony eGeezer, emBirmingham, e a de Ian, emReading—numpubchamadoTheBearinWoodstock,Oxfordshire.PaullevouTonyeGeezer em umdos Rolls-Royces de Tony, “porque eles achavam que iamimpressionar Gillan aparecendo assim”. Gillan foi dirigindo sozinho — ebateuocarronaestrada.“Algumpalhaçobateunatraseiradomeucarro,entãochegueicomocarroemformatodeLelongedeestarcomomelhorhumor”,elelembrou-semaistarde.DizqueasprimeiraspalavrasdeTonyparaeleforam:“Oh,vocêéumabicha,não?”.

“Claro, icamos todos travados”, disse Tony. “Não me lembro nemmesmo de conversarmuito sobre o Black Sabbath, só falamos com Ian arespeito de um trabalho juntos, talvez. No entanto, todos rimosmuito, foiisso,acho.Emseguida, tudocomeçouaacontecer.”Comumaressaca feia,Ian Gillan acordou no dia seguinte com um telefonema de Phil Ban ielddizendo:“Sevocêvaitomardecisõessobresuacarreira,nãoémelhormeconsultar primeiro?”. O vocalista lutou para se lembrar como haviachegado em casa. Ban ield refrescou sua memória com as palavras:“Aparentemente ontem você concordou em se tornar o novo vocalista doBlackSabbath!”.

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QuandoseespalhouanotíciadequeIanGillaneraonovovocalistadoBlack Sabbath, a reação dos críticos e dos fãs foi variada, para dizer omínimo. Uma coisa era cruzar as linhagens Sabbath-Purple com RonnieJames Dio— ele pode ter trabalhado com o guitarrista fundador RitchieBlackmore,masnuncatinhatocadonoDeepPurple.IanGillan,noentanto,tinha estado à frentedoPurple na formaçãoquehavia colocado a bandaentre a trindade sagrada do hard rock britânico nos anos 1970: LedZeppelin,DeepPurpleeBlackSabbath.Chamá-lo, entre todos,para seronovo vocalista do Sabbath foi algo que deixou muita gente abalada. Eracomo se, uma década antes, Mick Jagger tivesse entrado nos Beatles, ou,emalgummomentomaisrecente,DamonAlbarndoBlursubstituísseLiamGallagher no Oasis. Algumas coisas simplesmente não combinam. ComoGillan, com sua profunda voz de blues, conseguiria cantar as faixasestridentes como “Iron man” e “Children of the grave”? Na verdade, elenãosesairiamal—quandoconseguiaselembrardasletras.Elesevestiriade preto e usaria uma cruz? A resposta do vocalista para ambas asperguntas seria um de initivo não, embora ele tenha secretamenteexperimentadoalgumasdasroupasdeTony,desistindonoentantodeusá-las.

AtéRonnie JamesDioexpressouseuespanto. “EstavaesperandoqueelestentassemresolverascoisascomoOzzyouprocurassemdeterminadotipodevocalista,masnuncaemummilhãodeanoseuteriafaladoemIanGillan.Todomundosabiaqueissonãoiadurar.”

Para Don Arden, no entanto, era simples. Como ele me contoumaistarde: “Isso os colocou de volta àsmanchetes. Era umótimopacote! AlgoqueeupodiavendernosEstadosUnidos”.ParaGeezerButlere,emmenorgrau, para Tony Iommi, era uma perspectiva duvidosa, pelo menosteoricamente. “A gente tinha terminado com a versão Ronnie da banda”,lembra-seGeezer, “e eu falei aoTony: ‘Émeiopiada continuar chamandode Sabbath, não é?’. E ele concordava totalmente. Acho que [DonArden]sugeriu que conseguíssemos Ian e chamássemos deGillan/Iommi/Butler/Ward, não deBlack Sabbath, que era a forma comonós e Gillan nos sentíamos. A gente só achou que seria uma coisainteressantedesefazersempensarmosemumabanda.”

Noentanto,nãoseriaaúltimavezqueTonyera logopersuadidopor

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Dona jogarcomsegurançamantendoonomeBlackSabbath.“Faleiaelesque podiam acrescentar outro zero ao adiantamento se mantivessem onomedabanda”,disseDon.“Qualqueroutracoisanãoteriafeitosentido.”Geezer icou profundamente infeliz com a decisão; suas objeçõesterminaramcompensadaspelosgrandesadiantamentosemmerchandisingda gravadora e dos promotores garantidos ao “novo” Sabbath. “AquelediscocomIanGillan…NãodeveriaserdoBlackSabbath.Foioempresárioeagravadoraque insistiramparaqueusássemosonomeeeufuicontra,mas sãoelesque conseguemmudara situaçãoquandocomeçamapagartudo, então virou umdisco do Black Sabbath. Não seria a última vez queissoiriaacontecer.”

No entanto, de acordo com Gillan, sempre pensaram em chamar deBlack Sabbath. “Não tenho ideia de onde surgiu essa ideia de‘Supergrupo’”, ele insistiu. “Desdenossasprimeiras conversas, icouclaroqueeu estava entrandonoBlackSabbath.”Naverdade, apesardenuncater icado abertamente claro na época, para Gillan era uma aliançaestritamente temporária. Algo que ele e seu empresário, Phil Ban ield,acharam que iria levantar o per il dele de novo nos Estados Unidos,permitindoqueaproveitassecompletamenteareuniãodoDeepPurplenoanoseguinte.

MaisimpressionanteaindafoiotruquedeDondeconseguiravoltadeBillWard à banda. Amorte de seu amigo John Bonham quase três anosantes tinha abalado totalmente Bill. Não o impediu de continuar sedrogando,mas,“indiretamente,umasementehaviasidoplantadaemmim,que era: há uma possibilidade de que você não tenha que morrer. [Aocontrário deBonham] você pode ter uma saída. Porque amorte delemechocouprofundamente.Eu iqueitotalmenteatônito.Óbvio, iqueibravoe,sabe,muito,muito triste… Indiretamente, no entanto, umadas coisas quemeajudaramaficarsóbriofoiamortedele”.

Não foi fácil, e sempre que ele tentava voltar a tocar, em poucassemanasapressãotinhaprovadoserfortedemaiseelerecaía.“Euestavamorrendo,masmesmo sabendo que estavamorrendo, isso era ofuscadopela questão: quem se importa se eu morrer? Em outras palavras,autocompaixão.Aautocompaixãonãoseimportavaseeuiamorrerounão,sabe? Mas eu pensavamuito em John.” Quando ele recebeu a ligação do

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escritóriodeDonArden,perguntandosobresuasaúde,Billestavaemseuperíodo sóbriomais longo desde a adolescência. Ele viu a oferta de umachanceparavoltaraoSabbath—pararecomeçarumanovavida—como“algum tipo de recompensa cármica” por seus esforços em temposrecentespara icar limpo. Era o típicopensamento confusopós-vício—oBlack Sabbath só queria se autorrecompensar: apesar de não conseguirverisso,Billerasóoutropeãonotabuleirodexadrez—,mastodomundoficoualiviadoquandoeleconcordou.

Em poucas semanas, os contratos tinham sido assinados e a bandacomeçou a trabalhar no material em uma pequena sala de ensaio emBirmingham.Billnãoestavanasprimeirassessões,seulugarfoiassumidonaocasiãoporMalcolmCope,obateristadaQuartz,antigabandadeGeoffNicholls. Uma boa quantidade dematerial eventualmente usada no discosubsequente — que eles já tinham decidido que se chamaria, comsegundas intenções,Born again — tinha sido escrita quando Gillan sejuntou a eles. “Eume lembrode ele escrevendo as letrasno estúdio”, dizCope. “Eu só mantinha a bateria bastante simples porque sabia que Billviria para a gravação.” Quando Bill voltou à Inglaterra, todas asmúsicastinhamsidoescritasegravadasemdemos.Tudooqueeleprecisavafazererajuntarospontoseacrescentarsuaparte.Casotudodesseerrado,Copefoi mantido durante o período, o icialmente para “ajudar o Bill”. Naverdade, para assumir se fosse preciso. “Ele tinha alguns problemasemocionaisnaépoca,peloquemelembro”,falouCope,comtato.

Com Gillan e Ward a bordo, em abril de 1983, o Black Sabbathcomeçouagravarseu11odiscodeestúdio,noManordeRichardBranson,em Oxfordshire, um estúdio residencial numa propriedade espaçosa,resplandecente, com um canal ao lado, pista de kart construídaespecialmenteepiscinailuminada.Emumaindicaçãoinicialdequeonovovocalista deles ainda se via separado da banda como um todo, Gillaninsistiuemterumatendamontadadoladodefora,paraele,usandocomodesculpao fatodequeelepreferiadormirdo ladode fora. “Todomundoachou estúpido”, conta Paul Clark, “especialmente depois que eu e Tonyvimoscomoeleentravaescondidonacasaparadormirquandoachavaquetodosestavamnacama.”

AprincipalpreocupaçãodePauleracuidardeBill,queestavadevolta

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e tocando bem de novo, mas claramente ainda muito frágil. “Bill tinharenascido, era assim que eu via”, ele conta hoje. Quando Paul icouencarregado de comprar um carro para cada membro da banda para apróximaturnêbritânica—FordGranadas funcionaisqueelesvenderiamdepois da turnê—, ele contou a Bill que nunca tinha sido aprovado noteste de habilitação: “A gente pode ir na pista de kart e você aprende adirigir”.Sua ideiaerasimples:“Issopodeocuparsuamenteeafastá-lodabebida”.Oscarroschegaram.QuandoPaulfoiparacasano inaldodia,atéBirmingham,evoltounodia seguintee encontrouescritona lousa,usadapara recados: “Paul, as chaves do Granada de Bill estão na piscina”, elepensou: “Osmerdasestão inventandoalgo”.Masele foi caminhandoatéapiscina, onde encontrou o carro: na piscina. Ele foi procurar a banda eicou sabendo que Ian Gillan tinha colocado o carro ali na noite anterior.“Pensei,seumerda ilhodaputa,porqueeuestavatentandolevantaroBill,sabeoqueissosignifica?Seufilhodaputa,issofoiumasacanagem!”

Paul,furioso,foiprocurarIan,masnãoconseguiuencontrá-lo.Atendaestavavaziaeelenãoestavanoestúdio.Elesevingou,noentanto,quandoviuobarcoin láveldocantorcommotorexternoancoradonasmargensdocanal. “Pensei, certo, seu bosta. Peguei o barco,molhei comumpouco degasolina, coloquei uma camiseta dele, que estava ali, acendi e joguei nobarco. Depois chutei o barco para o meio do canal. E foi isso. Ele nuncamaisviuseubarco.Deiumfuneralvikingaele.”

Gillanestavadeixando todomundonervoso.TotalmentediferentedosérioDio,masnãotãosorrateiroemsuasbrincadeirascomoTony,oucomtantasprobabilidadesdeseroalvodelascomoOzzyouBill,Iangostavadebebere fazerbagunça.CorrernocarrodeBillpelapistadekartnomeioda noite, “completamente descontrolado e capotar”, foi a última de umalonga lista de absurdos pela qual o cantor seria responsabilizado. Outranoite,bêbadodenovo,eleeRichardBransoncorreramportodaamansão,jogando pedras em todas as janelas. Bill, enquanto isso, recentementesóbrioedesesperadoporsemanterassim,enquantoestavapresoentreasbrincadeiras violentas dos antigos companheiros, parecia perdido. Eletocariaaspartesdabateriaeseriaisso,tinhadecidido.

Born again estava destinado a se tornar um disco controverso no

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cânonedo Sabbath.Ou você adoravapor suabizarrapreocupação comaescuridãoea irrealidade,ouvocêodiavaporsuainsistênciacansativaemser levadoa sério, apesarda claramente forçada formaçãoque se juntoupara criá-lo. Ironicamente, Dio — famoso compositor de épicos de rockgótico — tinha levado o Sabbath a uma direção mais melódica emainstream em seu disco inal com a banda, enquanto Gillan— famosoembaixador do blues que fazia as mulheres balançarem as cadeiras —agora levou-os de volta a suas raízes de horror-fan tasia. Do órgão estilocatedral que vai desaparecendo como uma neblina sobre a introdução àabertura do disco, a furiosa “Trashed” — apresentando uma letraautobiográ icabaseadananoiteemqueovocalistadestruiuocarrodeBill—, à assombrada e exagerada instrumental que se segue, intitulada“Stonehenge” (escrita, apesar de não creditada, porGeoffNicholls depoisqueelevisitouolugarconsagradoduranteumaparadanagravação),atéafanfarrona“Disturbingthepriest”,repletaderisadasestranhasdeGillan,enovamente baseada em um incidente real que aconteceu em Manor,quandoumpadre local bateunaportadeles umamanhã, reclamandodobarulhoquevinhadolugarnoiteedia,esseeraoSabbathemsuamáximainsolência. Onde funcionava bem, deixava uma convincente trilha desangue — na breve faixa com efeitos sonoros estilo casa de horror dainstrumentaldeGeezer“Thedark”,quevaiespiralandoatéabrutal“Zerothehero”,umadiatribeamargasobreum“zero”cuja“headis irmlynailedtoyourTVchannel”[cabeçaestá irmementepregadaaseucanaldeTV],mascom“someoneelse’s inger’sonthecontrolpanel”[osdedosdeoutrapessoa no controle remoto] e que não merece nada de simpatia,aparentemente. Onde funcionava menos, como na faixa seguinte, “Digitalbitch”, sobre “the richestbitch in town” [aputamais ricada cidade] cujo“big fat daddy is a money machine” [pai gordão é uma máquina dedinheiro], com seu refrão gritado estilo falso-punk e um ritmo pesado, édi ícil não sentir que estamos de volta ao território de “Dirty women”.Grande, mau e totalmente indiferente. Com certeza o famoso humor dasletrasdeGillanparecequeoabandonou.Quandomaistardeespalhou-seorumordequeamúsicaerasobreSharonOsbourne,todosnegaram,claro.No entanto, independentemente de para quem eles escreveram, oressentimentoapareceperturbadoramentereal.

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De longe a melhor faixa do disco — e uma fascinante visão de atéondeelespoderiamter levadoessa formaçãose todomundotivessevistocomo algo permanente — é a incrível faixa-título: uma músicagloriosamente estudada, seu ritmo de procissão elevado até alturasemocionantespelovocalrealmenteincríveldeGillan,empregandotodosostruquesaprendidosnoDeepPurple,degritosestranhamenteadocicadosasufocadosapartes,masaquicomalgoamais,algodiferentequeelenuncatinhafeito,umsentidoquaserealdemaisdegenuínodesesperoepaixõesmortas repentinamente reavivadas, o fogo na lareira retornando à vidapara um último e glorioso brevemomento antes de voltar amorrer. Suamensagem,enviadaparaaquelesque “useus for fortuneand fame” [nosusampara ganhar fortuna e fama], parecendo realmente escrita em algomaisverdadeirodoqueosanguefalsoquedominaorestododisco.

Asúltimasfaixas—orockpoucoinspirado“Hotline”eabaladalenta“Keepitwarm”(aúltimadedicadaàentãonamoradadeGillan,maistardeesposa,Bron)—parecemoquesão: tentativasbregasdecasarosomdeGillan — quente, amplo, inclusivo — com o aspecto do Sabbath —arrastado, cabeça baixa, heavy metal —, criando um ilho híbrido queninguémrealmentequer.

Nada disso, no inal, importava. QuandoBorn again foi lançado, emagosto de 1983, o Black Sabbath já estava desordenado de novo. O discopode ter levado a banda de volta ao Top 5 do Reino Unido, mas nãoalcançouasvendasdenenhumdosdiscoscomDio.BillWardjátinhasaídonesse momento, vítima, como ele disse mais tarde, do grande “medoantecipatório” que ele “compartilhava”. A verdade era que ele nãoaguentava icar perto dos outros. Não enquanto Tony ainda estivessetotalmenteimersonacocaínaeGillancorrendocomoumloucoalcoolizado.Os outros pareceram entender— “Bill estavamuito doente”, disse Gillan—,masIommieButler,emparticular,trocaramumolharepensaram:“Lávamos nós de novo”. Para Bill, no entanto, simplesmente não havia outrasolução,pelascircunstâncias.Seutriunfoeraqueeletinhagravadoodiscolimpo e sóbrio. “A primeira vez na minha vida que tinha feito isso.”Considerandoqueem1980“eusaícomvergonhaeculpa,quandosaíem1983 foiumaboadecisão.Saí sabendoqueeudeviaagoraprocurarumanovavida,basicamente, independentedeondeelapudesseme levar”.Ele

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estavaemcasanosEstadosUnidospoucomaisde três semanasantesdevoltarabeber.

Abandanãoestavamuitomelhorsemele.Quandofoianunciadoqueo substituto paraBill no Sabbath seria o baterista doELO,BevBevan, osúltimosvestígiosdetodasasreservasdecredibilidadequeabandaaindatinha com a plateia de rock mais hardcore foram inalmente eliminados.BevaneraumbombateristaeoELOtinhaterminadoosanos1970comoumadasmaioresbandasdomundo.TambémeraumvelhoamigodeBrume, pelomenos teoricamente, cumpria todos os requisitos. Mas havia umadivisãoculturalnamentedosfãsderock—edoscríticos—entrebandascomoBlackSabbatheELO.UmadivisãoqueTony IommieGeezerButlertambémteriamreconhecido.MascomacontrataçãodeGillaneoretorno,embora temporário, de Ward à banda, o pensamento por trás dorecrutamentodobaterista,como“umnomeconhecido”,comoelerelata,foiobra de Don Arden. “Bev era um cara ótimo”, insistia Don. “Eles tiveramsortedecontratá-lo.”A imprensamusicalnãopensoudamesmamaneira.PrimeiroaameaçadoDeepSabbath,agoraumasugestãodeElectricBlackPurple?

Aumentando a sensação geral de falta de conexão, surgiram osprimeiros rumores de brigas sérias entre a banda e o “novo” vocalista.Maisumavez,ocorreramdiscussõesfortessobreamixagem inaldodisco.“Estáum lixo”,disseGillanamargo. “Nãoháoutrapalavraparadescrevê-lo.”Gillana irmouque tinha icadoatrásdamesanoestúdioemManoredado sua aprovação a todas as faixas antes de partir para umas fériascurtas enquanto o disco estava sendo mixado. Então, já de volta, icou“francamente espantado” com o que ouviu, colocando a culpa toda “nosombros de Geezer”, que, ele sugeriu, “dizia que não conseguia ouvir obaixo”. Mas, como a irmou Geoff Nicholls, “Tony Iommi foi o responsável[pelamixagem]comosempretinhasido”.Nãoalterouofatodequeosominal deBornagaineraruim,paraserdelicado.DeacordocomNicholls,amixagemdeTony tinhasidodirecionadaà rádionorte-americana,quenaépoca “tinha o horrível hábito de comprimir tudo, então você precisavaapresentarosomdodiscodecertamaneiraparacombinarcomaquilo.Senão izesse assim, havia um grande perigo de que a música soasse umamerda na rádio dos EstadosUnidos”. Aqui, no entanto, dá para suspeitar

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das desculpas do tecladista. Nada nas rádios norte-americanas em 1983parecianemremotamentecomosomenterradodeBornagain.

Aindahaviadiscussõessobreamixagemquandotudoexplodiucomacapadodisco.Mantendoo tema“bornagain”,odesignerSteve “Krusher”Joule— então trabalhando para a revista Kerrang!, e que também tinhaelaborado capas para Ozzy Osbourne — criou o que achava ser umaimagem“satânica”apropriada:adeumbebêrecém-nascido,comchifresegarrasdemoníacas.TonyIommigostouosu icientedacapaparaaprová-la.Masquando IanGillanbateuosolhosnela, comocontoumais tarde: “Viacapa e vomitei”. Antes acrescentou: “Então ouvi o disco e vomitei”. Eraligeiramentecômica,tambémligeiramentedesagradável.MasnãochegavaasertãoofensivaquantoofatodequeTonycomeçouasereferiraobebênacapacomoAimee—onomeda ilhadeOzzyeSharon,nascidapoucassemanasdepoisqueBornagainfoilançado.

QuandoSharondescobriu isso, icou louca.Elamais tardeme contoucomoterminousevingandodeIommifazendocomqueumaamigadela—umamodelo capadaVogue—combinasseumencontrocomoguitarristanumdos restaurantesmais famosos de Los Angeles, LeDome. Quando oguitarrista apareceu “vestido com toda a porra das suas cruzes”, haviaumacaixadepresentesesperandoporele.Assumindoquedeveriaserdagarota, Iommiabriuas itasrosae levantouatampaesperandoencontraralgumpresente.E encontrou. “Doismontesdemerda—ummeueoutrodoOzzy!”, ela ri. Éprecisoadmirar suaaudácia. Seupai icariaorgulhoso—senãotivesseaintençãodeeliminá-ladafacedaTerranaépocaevice-versa.

No entanto, de acordo com Krusher Joule, falando agora, a base dacapadeBornagaintambémselocalizanacrescenteguerraentreSharoneo pai brutal. De acordo com o designer, Don tinha “decidido que iria sevingar”da ilha,“fazendodoBlackSabbathamelhorbandadeheavymetaldomundo”,oqueincluía,alémdetrazerGillaneWard,“roubaromáximodegentedaequipedeSharoneOzzypossível,ecomoeuestavacriandoascapas do Ozzy na época, claro que eleme pediu para apresentar algunsdesenhos. Como não queria perder o trabalho com os Osbournes, acheiqueamelhorcoisaafazerseriacolocaralgunsdesenhosridículoseóbviosnopapel,apresentaredepoistomarumascervejascomataxaderejeição”.

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No total, ele apresentou “quatro ideias toscas”, uma da quais era obebê demônio, imagem tirada da capa de uma revista de 1968 chamadaMindAlive(creditadacomo“RizzoliPress”).“Entãopegueiumasfotocópiaspretoebrancodaimagemquesuperexpus,coloqueioschifreseasgarrasnaequação,useiacombinaçãodecoresmaishorrívelqueoácidopoderiacomprar,distorciumpoucoa fonteOldEnglishemesentei,balançandoacabeça e rindo.” A história que ele me contou mais tarde foi que, nareunião que aconteceu, Tony Iommi e Geezer Butler estavam presentes,masnãoIanGillannemBillWard.Aparentemente,“Tonyadorou,eGeezer,se estoubem informado, olhoupara aquilo e falou: ‘É umamerda.Mas éótima!’.Então,derepente,eumeencontreitendoquefazeramalditacoisa.Também me ofereceram uma quantidade ridícula de dinheiro (quase odobrodoquemepagarampelacapadoOzzy)seeuconseguisseentregara arte da capa da frente, de trás e interna até certa data”. Trabalhandocomumamigo,ele icouacordadoanoitetoda,tomandospeedebebendocerveja,enquantoterminavaaarteatempoparacumpriroprazo.

QuantoaofamosocomentáriodeGillandeque“tinhavomitado”,comoKrusher ironicamente observa: “Com a passagem dos anos, eu falei amesma coisa sobre a maioria das capas dos discos de Gillan”. Ele contacomoficousabendoqueovocalistajogouumacaixacom25cópiasdodiscopela janela de um hotel. E num toque inal extraordinário, ele reconta ahistóriadequeKurtCobain,umautoproclamadofãdoSabbath,gostavadacapa.“Umaincrívelhistóriaquenuncaverifiquei,porémno16oaniversáriodeKurt,suamãeolevouaoWalmartedissequepoderiaescolherodiscoque quisesse. Ele pegouBornagain, [mas] suamãe olhou a capa e disseque não havia lugar na casa dos Cobain para aquela monstruosidade!Sempre me perguntei se isso havia in luenciado a presença do bebê nacapadeNevermind.”

A sensação de que a história do Black Sabbath estava começando adespedaçar só piorou com o show da banda como atração principal noReading Festival aquele verão. Quando logo icou evidente que Gillan—quemais tardebrincariaqueelenemconseguia se lembrardasprópriasletrasnamaiorpartedotempo—simplesmentenãoconseguiaselembrardenenhumadasletrasdasmúsicasdoBlackSabbath,aimprensacomeçoua a iar suas canetas. Quando Gillan achou que tinha criado uma solução

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seguraaoescreverasletrasemfolhasgigantesqueelepregavanafrentede seus monitores, que só não funcionou porque o gelo seco tornouimpossível para ele ler sem literalmente se ajoelhar nomeio da névoa, amultidão deixou claro seus sentimentos quando alguém gritou: “É o Dio,elestrouxeramoRonnieJamesDiodevolta!”.QuandoabandafezumbiscomavelhapauladadoDeepPurple,“Smokeonthewater”,asensaçãodeirrealidade — de absurdo, de falta de vergonha — icou completa. Oprimeiro grande show britânico juntos foi como Paul Clark brinca agora,“dois shows em um para a formação com Gillan: o primeiro e o último”.(Maistardesurgiuocomentáriodequeelestambémtinhambrincadocomaideiadetocar“Blacknight”doPurple,fazendojamnapassagemdesom,masnunca tiveram coragemde tocá-la.)Omais impressionante, comBevBevan agora na banda, também foi sugerido — por Tony, mas com umsilencioso pedido de Bev: que também tocassem “Evil woman” do ELO.Porém sempre queTony começava a tocar a sequência de acordes, falouNicholls,“todomundocomeçavaarir!”.

Ninguém mais estava rindo, no entanto, e com a turnê mundial deBorn again terminando depois de se estender dolorosamente por setemeses,tornou-seumadaquelasturnêscomhistóriasparaseremcontadasdurante anos, mas pelas razões erradas. Uma semana antes de Reading,todosquasetinhamsidopresosquandoGeezerjogouumcoquetelmolotovdasuajaneladohotel,destruindoumFordCortinadeoutrohóspede.“Fuiaté o quarto dele, que era o único com as cortinas abertas e havia ummonte de fósforos na janela”, conta Paul Clark. Quando, no entanto, opessoaldohoteldecidiuquePauleraoculpado,Geezernãofeznadaparadissuadi-lo.

Menos de três semanas depois do vergonhoso show no Festival deReading,abandaafundoumaisaindaquandoGeezerePaulforampresosapós uma briga iniciada por Gillan num clube em Barcelona. “Estávamossentados a uma mesa numa discoteca de merda com o promotor. Gillantinha tomado muitas e pegou meu isqueiro, então começou a queimar abundadogarçomcomo isqueiro.Eufalei: ‘Nãofaçamerda.Vaiacabarsemetendoemproblemas.Estanãoéanossacidade,parecomisso’.Maselecontinuou,fezdenovo.Entãooespanhol icouputoecontouatodomundono bar, e os outros garçons contaram às outras pessoas, que são

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frequentadoresdali. Foi como causarproblemasnoRumRunner.Nãodáparasairileso.Entãoferroutudo.”

Paulconseguiuperceberqueacoisaestavaapontodeexplodir,entãomandou que a banda saísse devagar e o seguisse até a escada. Tardedemais. “Assim que chegamos ao alto da escada, os porteiros meempurraram para fora — e trancaram a porta. Eu conseguia ouvir osgritos e a briga.” Derrubando a porta, Paul foi atingido por um cassetetepelo porteiro. “Eu tirei a coisa dele e comecei a surrá-lo. Gritei para abanda: ‘Saiam correndo! Entrem nos carros!’. Mais uma vez, no entanto,eratardedemais,eabrigasangrentacontinuounaruadoladodeforadoclube,duranteaqualGeezerePaulforampresosdepoisdepularemcimadeumcarrodepolícia,confundidocomumtáxi.

“Quando chegamos à delegacia, Geezer estava chorando. ‘Vamosmorrer, vamos morrer!’ Foi vergonhoso pra caralho. Eu falei: ‘Não sepreocupe.Vai icartudobem’.Euestavacommedotambém,massósorriaparaosbostas.”Dooutroladodasala,outromembrodaequipedabanda,Harry Mohan, estava apanhando de três policiais. Quando outro policialdeuumsoconoolhodePaul,elerevidou,“derrubando-o.Entãoospoliciaiscomeçaram a me bater com cassetetes. E durante todo o tempo Geezerestavareclamandoechorando.Molecomoumamerda…”

Depois de uma noite na cadeia, durante a qual uma ligação aoconsulado britânico local trouxe a resposta: “Espero que vocêsapodreçam”, eles foram levados a um tribunal onde também estavamdezenas de pessoas da noite anterior. “Todos com faixas, talas e tudo,falandoemespanholeapontandoparamimeparaGeezer.”Paultirousuacamisa e mostrou as costas cheias de cortes e contusões, onde tinhaapanhado. Ele começou a apontar para a multidão. “Ele, ele, ele! Elesizeram isso.Éramosapenasdois.”Emseguida, eles foram liberados. “Atéhojenãoseioqueaconteceu.Nãosabíamosseestávamoslivressob iançaouoquê.”

De volta ao hotel, eles descobriram que o resto da banda tinha seacovardado junto no quarto de Geoff Nicholls. “Ele se recusou a abrir aporta.Tipo, ‘Quemé?’,Geezer falou: ‘ÉoGeezer, seupateta,abraaporradaporta!’.Ele inalmenteabre.Tinhacolocadoacamaeoarmárioatrásdaporta. Ele, Gillan e Tony estavam no quarto, cagando demedo. Nunca se

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importaram,nuncaenviaramninguémparanossalvaroualgoassim.Sósepreocupavamcomapossibilidadedeseremospróximos…”

O aspecto mais embaraçoso da turnê Born Again, no entanto, foi onovopalco.Os anos1980 tinhamvisto turnêsde rockpassandoporumarevolução em termos de produção de palco. Não era considerado maissu icienteparaumabandatocandoemgrandesarenassimplesmenteligaroequipamentoetocar.Eraagoranecessárioevocarumaproduçãomusicalcompleta,maisparecidacomumshowdaBroadwaydoquecomumshowde rock da velha guarda. Ronnie James Dio logo seria visto no palcolutando contra um gigantesco dragão animado, enquanto os recém-chegadosdesa iadoresdotronodoheavymetal, IronMaiden,tinhamumaigura recorrentechamadaEddie,quenãosóapareciaem todasas capasdos discos e camisetas, mas também surgia como uma igura cada vezmaiornosshows.

Semprerápidoparanotarumatendência,Dondecretouqueonovoemelhorado Sabbath deveria ter algo parecido em sua turnê mundial de1983. O que seria icou em debate durante os cinco segundos antes deGeezer dizer a frase imortal: “Stonehenge”. Ele estava pensando na faixainstrumental deBornagaincomoopontodepartida.Hoje,pensamoslogoemSpinalTap.Corretamente,naverdade,jáqueosprodutoresdo ilme—ou “rockumentário, se quiserem”, como o personagem de Rob Reinerdescreve—maistardeconfessaramquefoideondetiraramaideiaparaaagora famosa parte no ilme em que a banda iccional também adotaStonehenge como o tema de seu novo palco, só para descobrir que osmodelos foramconstruídos tãopequenosqueumanãopoderiapularporcimadeles.

Naverdade,oSabbathexperimentouoproblemaoposto:omodelodeStonehenge deles era tão grande — construído em escala real, comoGeezer tinha sugerido — que só cabia em algumas poucas arenas queforam agendadas nos Estados Unidos. “As malditas coisas tinham dozemetrosdealtura”, lembra-seGillan.Comosenão fosse su iciente, o toqueinal de Don — o acréscimo de um anão vestido como o bebê-demôniovermelho da capa deBorn again — garantiria que ninguém que viu osprimeirosshowsdaturnêmundialdoSabbathem1983iriaesquecê-las—

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ouselembrardelassemrir.Osensaiosparaoprimeiroshow—naarenaMapleLeafGardens,em

Toronto—começavamcomuma itadeumchoroesganadodeumrecém-nascido tocado no PA, “distorcido para parecer totalmente horrível”. Oanão vestido como bebê-demônio então aparecia engatinhando sobre ospilaresdeStonehenge, antesde cairpara trás, comumgrito, emcimadeuma pilha de colchões — que não estavam à vista, claro. O grito entãoparavaeumsinocomeçavaa tocar, comumaparadade roadiesvestidoscomo monges cruzando o palco, como se estivessem orando. Quando oshowcomeçouaquelanoite,noentanto,Gillanselembra:“Quandoobebê-anão caiu para trás, seus gritos não pararam, só pioraram. Alguém tinhaesquecido de colocar os colchões! Eu estava olhando do lado do palco edavaparaver aspessoasvirandoumaparaaoutra eperguntando: ‘Queporraéessa?’”.

Foipiorandoapartirdaí.QuandoGillananunciou,antesdoNatal,queiriasairpertodoAno-NovoparavoltaraoreformadoDeepPurple,abandasentiu-se traída. Gillan ingiu espanto. “Eu, Tony e Geezer sempresoubemos que quando a turnê mundial terminasse, eu voltaria ao DeepPurple… A coisa do Purple sempre esteve ali desde o primeiro dia eagendada para quando eu saísse do Sabbath. Tudo se encaixou bemquandoaconteceu.”Eleacrescentou:“Nosseparamosdeformaamigável”.

Não tanto. Geezer, que continuaria a insistir que nunca foi parte doacordochamaraaliançacomIanGillande“BlackSabbath”,agoraatacavaa decisão do vocalista de sair, a irmando que a história deGillan icar sóaté a volta do Deep Purple nunca tinha sido discutida. Não com elepresente,pelomenos.Ficoutãodesanimadoquejogouatoalhaeanunciouque ele também deixaria a banda assim que os compromissos da turnêtivessemterminado.

Paul Clark também tinha pedido demissão, deixando-os depois doshowemChicago, emnovembro,desiludidopela formacomoera tratado,primeiropeloantesamigoTony,mas tambémpelasaídadeBill, edepois,inalmente, pela forma como Don conseguia piorar tudo. Ele deu umagrandefestaparasimesmoeaequipedevoltaaohoteldepoisdoshow,noinalmandouacontade10mildólaresparaoquartodeDonArden.“MasassineiDonArd-On.Falei:‘Foda-se,nãoestounemaí’.”

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ComGillan,Geezer,BillePaul,eOzzyeRonnieeVinnyantesdeles—e a estúpida ideia do anão e o cenário fodido de Stonehenge—, tambémtinham partido a reputação do Black Sabbath como uma banda de rockséria. Algo que eles nunca chegaram a recuperar totalmente. LevoudécadasdeerroserupturascomplicadasatéOzzy—e,maiscrucialmente,Sharon—trazeremareputaçãodevolta.Outracaixadecocô,quemsabe,masdessavezembrulhadaemouroeprata.Ei,seelesforembonsrapazeseobedecerem,talvezatéplatina…

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Dez

Cruzesdecabeçaparabaixo

13DEJULHODE1985.EstádioJFKnaFiladél ia.EraamanhãdoLiveAid,oeventode inidornamúsicapopulardosanos1980,eosquatromembrosoriginaisdoBlackSabbathestavamapontode subirnopalcoe tocar trêsmúsicasparamaisde90milpessoas.TransmitidopelaTVparamilhõesdepessoasao redor do mundo, isso signi icava um evento enorme — globalmente,para as pessoas do Chade, do Sudão e todos os outros paísestremendamente empobrecidos da África para os quais o dinheiro estavasendoarrecadado,enumnívelpessoalparaabanda:fazendooquetodososquatromembrosdisseramquenuncairiaacontecer.Agora,derepente,ali estavam eles, juntos outra vez. Mas toda a articulação foi um casoaleatório. Cheio de confusão, amargura, gerando um cansaço total só porestaremjuntosnamesmasala.Abandadeveriaentrarnopalcoàsdezdamanhã, mas, antesmesmo de tocar a primeira noite, todomundo estavacompressa, torcendopara que tudo acabasse logo, assim eles podiam sesepararecuidardasprópriasvidas.

Apesardenão trabalharmais comorelações-públicasdeles, eu tinhacomeçado a trabalhar recentemente nas memórias de Ozzy, Diary of amadman, e estava ali por isso, além de escrever matérias para algumasrevistassobreoevento.Estavaviajandocomabandadohotelaoshownofundo de uma Transit branca. Bem quando estávamos fechando a porta,umcarademeia-idadecombastantecabeloelongascosteletasestiloElvisPresleyveiocorrendosemareperguntousepoderiaircomagente.Todosnosmovemosumassentoparaoladoeavanpartiu.

“Aliás,mechamoMartinChambers”,eleanunciou.“Oh,oi”,falouBill.“Vocêconhece?DoThePretender?”“Oh,oi.Oquevocêtoca?”“Souobaterista.”“Oh,o.k.”

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Avanficouemsilêncio.Aindaeracedo.Nãohavianadaafalarainda.Martin se encostou no banco. “Você é o Ozzy Osbourne, não é?”, ele

perguntou.“Exato,amigo.”“Então,orestodevocêsdeveseroBlackSabbath”,eledisse.“Sempre

gosteidamúsicaquevocêsfizeram…‘Paranoid’,éisso?”Ninguémfalounada.Ele tentou de novo. “Então, o que vocês vão fazer, só três músicas

comoorestodagente?”“Issomesmo”,disseOzzycomorostosério.“Mastemosumasurpresa

especialparaeles.Paraobisvamostocar‘Foodgloriousfood’.”Orestodavancomeçouarir.Martinpareciavagamenteperturbado.

Então Ozzy começou a cantar: “FOOD GLORIOUS FOOD! HOT SAUSAGETOMATO!”.

Martinsorriu,masestavaclaramentedesconfortável.Martineracomoa maioria das pessoas. Elas nunca sabiam realmente se Ozzy estavabrincandoounão.Elasnuncasaberiamcomcerteza.

“Seiqueéporumaboacausa,mas,para serhonesto, realmentenãome importa”, Ozzy tinhame contado na noite anterior. A gente estava nobar, onde ele estava bebendo Diet Coke. Ozzy tinha parado de bebero icialmente desde que havia se internado na Betty Ford Clinic algunsmesesantes.“Écomomeupaicostumavadizer:naguerra,todomundoeraamigo e se ajudava,mas assimque a guerra terminou, voltarama ser osmesmosbostasdeantes.Eapostoquehaverápessoasamanhãmandandoasoutrassefoder.”

Isso era importante desde que o dinheiro fosse arrecadado? Sim enão. “Aquestãoé”,ele falou, “elesconseguemodinheiro,eacomidaserálevada e eles vão alimentá-los e elesaindavão icar famintos! Porque acomida, não importa quanto seja arrecadado hoje, não vai durar parasempre.Achoquenãosãosóosgruposderock‘n’rollquedeveriamfazerisso,mas a indústria também— as IBMs e as GECs. Elas deveriam falar:‘Certo, uma semana por ano nosso lucro vai para a caridade’, o que for.Quero dizer, gastam centenas de milhões em defesa nuclear, mas elesalgumavez falaram: ‘Certo,vamosusaruns100milhõeshojeealimentaressesfodidos?’.Issonãoénadaparaogoverno;éumamijadanooceano!É

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comodarumamoedaaummendigo.Mas,não,elespreferemqueimarassobras de trigo do que impedir que as pessoas morram. Eles esmagambilhõesebilhõesdemaçãsporcausadoexcessodeestoque…querodizer,seique sãoapenasmaçãs, e elesprovavelmentenãopodemse sentarnovelhodesertocomendoaporradeumatoneladademaçãs,masémelhorqueaporradeumapilhademerda,nãoé?”

Ozzyestavaentediadoedistraído.Umacoisaeraestarsóbriodenovodepois de tantos anos, outra era testar esses limites reunindo-se com oBlack Sabbath. Foi ummomento complicado para todos eles. Geezer nãotinha tocado com Tony desde o inal da complicada turnê Born Againdezoitomesesantes;BillWardnãotinhatocadoaovivocomabandadesdea sua fuga no meio da noite, cinco anos antes; e Ozzy não tinha nempassadopertodeumpalcocomelesemquaseseteanos.Vocêsentendemo que estava em jogo ali? Fama, certamente. Um lugar nos livros dehistória,claro.Masseriapoucomaisdoqueumanotaderodapé,evidente,em termos de Live Aid. Aquele dia pertenceria a verdadeiros nomesconhecidoscomoQueeneEltonJohn,BowieeBobGeldoff.AtéoStatusQuoicariamaisassociadoaoconcertoqueaapresentação“umapiscadaeelesterminaram”doSabbathàsdezdamanhãnaFiladélfia.

Naverdade,aideia,comotodasasgrandesideiasdeOzzyagora,tinhasidodeSharon.AonãoconseguirencaixarOzzynoshowcomoartistasolo,ela tinha recebido a dica de que o Black Sabbath reformado poderiaconseguir. E foi o que aconteceu, teoricamente pelomenos. Entretanto, oshow do Sabbath foi inconveniente, para dizer o mínimo. Enquanto“Children of the grave” tinha alguma semelhança distante com o assuntododia,eradi ícilveroque“Ironman”ou“Paranoid”tinhamadizersobreoproblemadosafricanosfamintos,mesmonosentidomaismetafórico.Naverdade, a banda soava velha, sem sincronia. Eles pareciam o que eram:umarelíquiaempoeiradadeumaeraultrapassada.Ozzy,quehaviamesesnão cantava ao vivo, estava sem fôlego e gordo, seus gritos bobos de “Gofucking crazy!” di icilmente re letiam os desejos expressos do resto doshow.Seupapoestavacomeçandoa icarevidente.Nãoimportava.Sharonlogo daria um jeito nisso. (Anos depois ele reclamaria de como estava“muito feio e totalmente gordo” aqueledia. “EupareciaMamaCassnumafestagaydefimdesemana.”)Orestodavaaimpressãodenãoseimportar.

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Era su iciente queestivessemali.Então,de repente, terminou.Abanda foilevada para o camarim. Não era nem dez e meia da manhã. Agoratínhamosorestododialivre.

De volta ao Four Seasons aquela tarde, perguntei a Ozzy qual era averdadeira razãodaquilo, levandoemcontaocinismodeleemrelaçãoaoevento? O Sabbath estava se preparando para voltar, talvez, à la DeepPurple?Ele icou totalmenteespantado. “De jeitonenhum, cara!”Masporquenão?Ele icoumatutandoumpouco,segurandosuaDietCokenaboca,pensativo, antes de inalmente dizer. “No inal do dia, eu preciso meperguntar, seoBlackSabbathestivesse tãobemquantoeuestouagoraetivessecontinuadocomRonnieDionogrupooualgoassim,eeuestivesseonde eles tinham me deixado, fodido em uma porra de um bar em LosAngeles, eles fariam tudo para me trazer de volta ao grupo?” Ele olhouparamim. “Cristo”, falou, “sabequantosanosdemorouparaeu sairdessaporra de confusão com o Sabbath? E todos esses bostas quevoltama sejuntar,nãoacreditequandodizemqueéporoutromotivoquenãosejaodinheiro.Sehouvesseoutrarazão,eles,emprimeirolugar,nuncateriamsechamado de bichas e separado. Não, isso tudo é bosta. Já tenho muitosproblemastentandodeixardebeber,sabe?”

Outro grande obstáculo a qualquer possível reunião com o BlackSabbath,emboraOzzynãodissesse,eraofatodeosogrodeleaindaseroempresáriodabanda—ou,naverdade,deTony Iommi,oúnicomembroativoquecontinuava.EquenemSharonnemDonestavamcomvontadedese reconciliar. Algo que icou muito claro quando, no meio de umaentrevistaaovivo,doisdiasantesdoshowdoLiveAid,Ozzyrecebeuumaordemjudicial,emitidapelosadvogadosdeDon,proibindo-odetocarcomoSabbath.Claro,todaabandaignorouecontinuoucomoshow.Masfoiumtípico golpe baixo do velho, com o objetivo de irritar— e ele conseguiu.“FoiaúltimagotaparaSharon”,mecontouumamigopróximo. “QualquerpequenachancedeOzzyvoltarasereconciliarcomTonyterminoudepoisdisso.”

Iommi também não icou feliz. “Achei que seria ótimo voltarmos atocar juntos”, elemecontoumais tarde. “Ensaiamose conversamossobreosvelhos tempos.Nuncavouesquecer,Madonnavinhadepoisdagenteeelaestava tentandoentrare icavaandandodeum ladoparaooutro,ea

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gente ainda estava lá falando sobre os velhos tempos. Haviamuita coisapara colocar emdia, e foi ótimo ver todomundo emuito bom tocar.Masclaro… Ozzy recebeu uma ordem judicial do Don… E isso deixou todomundoputoporváriosmeses,sabe?”

Se Don não tivesse dado esse golpe, a retomada poderia ter sidopossível depois do Live Aid, como os boatos sugeriram na época? “Nãotenho certeza naquele momento se teria sido possível.” Ele suspira,esboçando um sorriso. “Havia coisas que teriam continuado…Especialmente porque eu estava com Don e Ozzy estava com Sharon. Etinhase tornadoumaespéciede…Guerracontra todomundo,sabe?Eeuestava preso no meio dela. Então se tornou muito estranho para nós,pessoalmente. Embora quando sentamos e conversamos, eu e Ozzy, eracomo se nada tivesse acontecido. Forammais as coisas por trás da cenaquecausarammuitosdosproblemas.”

Sharon vinha monitorando a situação do Sabbath cuidadosamente.Mesmo quando Don tinha tentado roubar o melhor da equipe de Ozzy,Sharon tinha estado em contato regular com Paul Clark enquantotrabalhava com eles. “Sharon costumava me ligar todo dia enquanto euestavaemturnê[naBornAgain]emechamarparatrabalharcomoOzzy.Todo santo dia. Eu dizia: ‘Olha, o Tony é meu camarada e não posso,Sharon’.Issoduroumuitotempo.Entãoelameconvidouparaoaniversáriodo Ozzy em algum lugar no Sul da França. Ela falou: ‘Já comprei umapassagem para você’ e que eu estaria em casa em tal data [da turnê doSabbath]. E eu pensava, de onde caralho ela consegue toda essainformação? Nem sei onde vamos estar nesse dia. Ela falou: ‘Eu compreiuma passagem, é primeira classe, você precisa vir. Ozzy vai adorar seencontrar com você’. Então eu entro no avião. Falei à banda que ia. Elesconcordaram, não se importaram. Acho que pensaram que eu ia espiarparaeles.Porqueestavamsempreinteressadosnoqueosoutrosestavamfazendo.MaseununcaconteiqueSharonmeligavaquasetododia.”

Agora, no entanto, Sharon tinha peixes maiores para tentar pescar.Ozzy estava a ponto de gravar um disco,The ultimate sin , que venderiamais cópias nos Estados Unidos do que qualquer outro disco do BlackSabbath, antigo ou atual. O Sabbath, enquanto isso, não existia mais,o icialmente.ComapenasTonyresistindo,mesmoeleestavaagoraaponto

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dedesistiregravarseuprimeirodiscosolo.PorqueSharoneOzzy iriamajudaraspessoasquetinhamdeixadoosdoisparatrás?ComoSharonvia,seu trabalho agora era preparar para ela e Ozzy o melhor ninho quepudesse, enquanto o sol ainda brilhasse. Com o Sabbath parado e quasemorto, e a carreira de Ozzy começando a ressurgir, por que ela iria sepreocuparemtiraressestontosdacova?

Ozzy fazia aquele olhar distante, tão conhecido agora. “Sharon icavamedizendo: ‘Vocêquercantarquandotiverquarentaanos?’.Masnãosei.Fico me dizendo, vou continuar por mais dois anos. Vou continuar poroutrostrêsanos.Masatéchegarodiaemqueosmolequespararemdesedivertir,atéeuparardemedivertir,provavelmentevoucontinuar.Étardedemais para parar agora, de qualquer forma, não é? E tenho muitorespeitopelosfãs.Elesenchemosacoàsvezes,massenãofosseporelesnão haveria Ozzy Osbourne, não haveria Queen, não haverianenhum denóspulandocomodoidos!Desdequeminhabandanãosepareçacomumtimedevelhos caídosnopalco, é aminhaúnicapreocupação, sabeoquequero dizer?” Ele olhou triste para o fundo do copo de Diet Coke eacrescentou:“Éacoisamaissimplesdomundoserumcuzãoavidainteira.É a vezde outro ser um cuzão.Nãoquero ser umaporra de umbundãoquesobealitodanoite,umfodidovelhoechato…”.

Tinha sido Sharon, claro, que havia forçado Ozzy a entrar na BettyFordClinic.ElanuncadeixariaqueeleterminassecomoBill.Depoisdetersaído do Sabbath pela segunda vez, dois anos antes, Bill tinha “tentadoicarsóbrioemdezouonzeocasiõesdiferentesefracassadoemtodas”.Naprimeiravezemqueeleparou,os suoresnoturnosduraram“unsquinzemeses”.Ele chegouapontode terminarpedindomoedasnas calçadasdeHuntington Beach, perto de onde vivia. “Eu estava pedindo moedas. Sóparaconseguir tomaroquechamamosde ‘cão forte’.Umcão forteéumabebidabem forte,entãopoderiaserumagarrafapequenaouumgoledealgo. Eu estava fazendo isso em 1983, depois que tinha gravadoBornagain…Não havia dinheiro. Eu não tinha dinheiro. Eu detonava tudo querecebia.Todosospagamentosquerecebiaeusimplesmente…Bebia tudo.Bebi minha fazenda. Cheirei junto com a cocaína. Meu Rolls-Royce, eucheirei.MeuBentley, eu cheirei. Vendi tudo que eu achava que cobiçava.

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Era uma piada, eu gradualmente vendi tudo, cara. Precisava icarchapado.” Ele ainda não tinha chegado ao fundo. “Eu simplesmente nãoconseguia me aguentar quando estava sóbrio. Então estava querendomorrer.Basicamente,queriabeberemorrer.Épossívelchegaraumlugarcomo esse. Não porque estava acontecendo algo ruim. Só que a bebidasigni icava mais para mim na época do que meus ilhos, minha esposa,signi icavamaisdoqueoBlackSabbath.Umagarrafadebebidasigni icavamais para mim do que qualquer coisa na Terra. Porque ela eliminava ador, eliminava a dor porque é isso que ela faz, e dá uma sensação deeuforiaporunstrintaminutos.”

Mesmoassim,TonyIommi,semdemonstraremoçãoecheirandomaisdoquenunca,estavasepreparandoparainiciarumanovaeranoSabbath,tão facilmente quanto tinha se livrado da antiga. Osmeses anteriores aoLive Aid tinham sido cômicos. Com Bill ainda nos primeiros estágios dereabilitação, mas precisando urgentemente de dinheiro, Tony mais umavez o convenceu a se juntar a uma nova formação do Sabbath. Geezertambém, apesarde aindaestar chateado como fracassodeGillan, estavadisposto a voltar e ver o que poderia acontecer. Enquanto isso, GeoffNicholls—oconstantealiadotantonacriaçãodemúsicasnovasquantonainalação de quantidades gigantescas de cocaína — icou ao seu lado,esperando novas ordens. Tudo que eles precisavam— como sempre—eradeumvocalista.

Tony estava vivendo num apartamento em Sunset Boulevard, com anovanamorada,LitaFord,ex-guitarristadoRunaways,agoraemcarreirasolo.ElestinhamcomeçadoumcasoquandoFordabriuparaoSabbathemalgumas das datas de Born Again e tinham ido morar juntos em 1984.Apesar de ainda estar casado com Melinda, com quem tivera uma ilha,Toni,em1983,eleseseparoudelalogodepois,eagoratinhapedidoamãodeFord,quehaviaaceitadoecomeçaraafazerplanosparaumcasamentonoqualestariaresplandecentenumvestidodenoivapreto.Elaatégravouum disco, com Iommi produzido, inicialmente intituladoThe bride woreblack, que nunca seria lançado. Elesapareceriam juntos numa edição de1986 deMTVGuitarHeroes. Lita, no entanto, não cheirava coca, e o usocada vezmaior deTony terminou coma relação. Iommi sabia que estavaindolongedemais, lembraemsuasmemórias,quandoeleeGeoffNicholls

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estavam trabalhando no apartamento um dia e decidiram que deveriamacorrentaraportadafrenteecolocarmóveiscontraela,“porquevocê icaparanoicoquando tomamuita coca. Estávamos trabalhandonessamúsicaquando ouvimos um barulho alto. Era Lita”. Ele acrescentou: “Foi umavergonha, porque eu detonei a relação icando ausente o tempo todo”.QuandoTony convidou o então baterista de Lita, Eric Singer, para entrarnoSabbath,foiagotad’água.Elessesepararame,umanodepois,SharonOsbournesetornousuaempresáriaecriouumaparceriacomOzzynoqueseria o maior single que os dois teriam, o dueto produzido por MikeChapman,“Closemyeyesforever”.

Enquanto isso,Tonysóconseguiaolharparaa frentee lamentar seuúltimo erro. Na verdade, os equívocos e voltas estavam se acumulandotantoqueonomeBlackSabbathestavase tornandoumapiadadentrodaindústriamusical.Umapiadamuitoruim.Nabuscaporumnovovocalista,elesnovamenteconvocaramaspirantesamandar itas,queTonyeGeezerouviriam no escritório de Don Arden, convidando quem realmente sedestacasseparaumteste. Isso levouaumasituaçãocômicadeumcantor,“queagenteachou incrível”, serconvidadoporcausadeuma itaquenaverdadenãotraziaelecantando.“Sóquandoestávamosnasaladeensaio,eueGeezerestamosolhandoumparaooutroeperguntando,oqueéisso?Estecaranãosabecantar!Maselepareciatãobomna ita.”Sómaistarde,quando eles tocaram a ita, o aspirante a novo vocalista admitiu que nãoeraavozdelenafita,equeelestinhamouvidooladoerradodocassete.

Então, em maio de 1984, eles acharam que tinham encontrado o“Escolhido”quandoumex-modelo chamadoDavidDonato cruzouaportado estúdio. Alto, musculoso, bronzeado de Los Angeles, com cabeloscompridosdescendoatéomeiodascostas,seelecantassetãobemquantoseuvisual, estavadentro,Tonydecidiu. Infelizmente, elenão cantava, suavozperdidaentreumDiocansadoeumIanGillanasmático.Noentanto,eletinhaumvisualmelhordoqueosdoisjuntoseerabemmaisjovem,eTonysentiu-secon ianteobastanteparaagendarumanúnciogeraldequetinhaencontradoumnovovocalistaparaoSabbath,pormeiodeumaentrevista,que logo se tornaria notória, com aKerrang!, apresentando várias fotos“glamorosas” de um Donato fazendo poses com o cabelo todo arrumado,que contou ao jornalista: “Tudoparece estar indobem tranquilo. Sempre

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imagineicomodeveriaserovocalistacorretoparaoSabbath—eeraeu!”.Geezertambémdeudeclarações,como:“Estamostentandovoltaraovelhoestilode letras,porqueantes, quandoOzzyestava conosco, eu costumavaescrever todas as letras para ele, e alguns fãs criticaram nossas letrasdesdequeRonnieeIanentraramemcena”.

Um mês depois apareceu a notícia de que Donato estava fora dabanda. Tony Iommi mais tarde chegaria a sugerir que ele nunca entrourealmente.“Davidestavaali,masnadaestavarealmentedecidido…Acoisado Donato foi feita às pressas, nunca deveria ter chegado tão longe. Agente apareceu em público antes de ter certeza.” Mostrava como, nesseponto, no Sabbath “tudo tinha se transformado em caos”. A verdade eraqueDonatotinhafeitoumbomtrabalho imitandoDioeGillannomaterialmaisantigo,masquandochegouahoradeinterpretaronovomaterialqueabandaqueriacompor,ficouevidentequeelenãoeracapaz.

Aquele caos foi piorando ainda mais quando foi anunciado na MTVque outro vocalista norte-americano, Ron Keel, de 24 anos, que tambémtocava guitarra, era o novo cantor do Black Sabbath. Outro caprichopassageiro—dessavezdopossívelprodutordoSabbath,SpencerProffer,responsável pelo discoMetalhealth doQuietRiot,quevendeumilhõesdecópias,equehaviaouvidoalgumasdemosdabandadeKeel—quelevouaumbreveencontrocomTonyeGeezernasaladeensaiosantesdevoltaraozero.DeacordocomKeel,“eu izumasdemosdomaterialqueSpencerqueriaqueelesgravassemeagenteseencontrouunsdias,pensandonofuturo”, que, ele acrescentou, essencialmente envolvia “Tony e GeezerquerendoconseguiroOzzydevolta”.Quando,noentanto,“algoazedounoacordo deles com Spencer Proffer”, Keel também foi descartado. “Elespassaramporváriosvocalistas,mastudoquequeriammesmoeraoOzzy.Sei com certeza que nenhum vocalista, inclusive eu, esteve ‘dentro’ doBlackSabbath,excetoOzzyOsbourne.”

As coisas começaramadesabardevezquandoBill—novamente—nãoaguentouesaiu, jurandoqueseriaaúltimavez.OuatéodiaemqueOzzyvoltasse.“EutiveamesmasensaçãodequandoRonnieeIanestavamnabanda”,elemais tardecontoua JoelMcIver. “Foibasicamentequenãosentiaque eraomesmoquandoOzzy estava.Eu teria adorado continuar,mas senti que estava sendo desonesto comigo mesmo. Eu falei adeus.

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Depois disso, basicamente sabia que não havia retorno. E foi naquelemomento que decidi — de vez — que não poderia haver Sabbath semOzz.”

Quando Geezer, inalmente cansado da bagunça que tinha setransformadotudo,epelaincapacidadedeTonydemanterqualquercoisaquenãofosseseuvícioemcocaína,seguiuBillnaportadesaída,pareciaoim. “Geezer tinha começado a compor coisas quenão tinhamnada a vercomo somdoSabbath e estava cansado, queria tentar tocar essas coisasemoutro lugar”, contouTony, desesperadopor remendar as rachaduras.Eraverdade;quandoobaixistaformousuaprópriabanda,comomodestonomedeGeezerButlerBand,eracomo“umgrupoparasedivertirtocandonaInglaterraummontedemúsicasque tinhaguardadonobolsodurantecatorze anos”. Eleminimizou a coisa, mas na demo que rodou em poucotempoas grandes gravadorasdeLosAngeles eLondres, eranotávelqueDavid Donato era o vocalista, oferecendo a perspectiva, se tivesse sidocontratado,deoutro ilhotedoSabbath.DeacordocomGeezer,maistarde,tentando livrar suacara, sairdoSabbathenão ternenhumcompromissopro issional “era ótimo porque eu não via muito meus ilhos antes. Meusegundo ilhonasceuem1984eeletevemuitosproblemas.Euqueria icarcomeleeteralgumtempolivre”.

AtéTonyIommiagoracomeçavaatitubear.NãoimportavaoqueGeoffNicholls podia falar para ele quando se sentavam no apartamentocheirando cocaína dia e noite e compondo músicas para um disco doSabbath, o guitarrista agora sabiano fundoque issonão ia acontecer.Noentanto, Don Arden estava determinado: enquanto Tony tinha o nomeBlack Sabbath, ele deveria usá-lo. Então, em seguida, ele trabalhou emnovo material por um curto período com o cantor norte-americano JeffFenholt, de 34 anos, que tinha chegado à fama depois de ter estrelado opapelcentraldaproduçãooriginaldaBroadwayde JesusChrist superstar .SemGeezereBill,erammúsicasescritasprincipalmenteporTonyeGeoff,algumas depois apareceriam como faixas inalizadas do Sabbath— mascom letras de Fenholt tiradas das versões inais. Mais tarde, a irmou-seque Fenholt, que logo depois de sair do Sabbath “encontrou Deus” etornou-setelevangelista,foiforçadoasairdepoisdeentraremconflitocoma suposta imagem “satânica”dabanda.Na verdade, Fenholt respondeu a

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essas a irmações sugerindo que foi uma discussão com Don Arden quequaselevouaumabrigadosdoisefezcomqueelesaísse.Novamente,noentanto, IommitentariacobrirsuaspegadasaoinsistirqueFenholtnuncafoiummembropleno.

Agora isso pouco importava. Ninguém conseguia acompanhar toda ahistóriae,depoisdeumpoucomaisderuídosobrea“reunião”doLiveAid,o“agrupamento”doSabbathcaiu,finalefelizmente,emsilêncio.

O Black Sabbath agora estava o icialmente terminado, pelo menosparaTonyIommieosoutrosmembrosoriginais.Elessimplesmentetinhamtentadoressurgirdosmortosmuitasvezesparaqueacoisacontinuasseafuncionar. Eles tinham enfrentado o declínio de venda e qualidade nosúltimos anos de Ozzy e, de alguma forma, milagrosamente, conseguiramtrazer um substituto plausível com Dio. Mas Dio tinha trabalhado duropara ganhar os fãs e ajudado a banda a gravar um de seus melhoresdiscos, comou semOzzy,queeraHeavenandhell.Quandoeles tambémoexpulsaram, acharam que poderiam repetir o truque trazendo um nomeaindamaior, IanGillan.MasoSabbathnãoestavaemdeclínioquandoDiosaiu, não havia uma desculpa para sua saída que pudesse justi icar a jádúbia indicaçãodocantordoDeepPurple.Atéentão,eles tinhamtentadocontinuar trazendoBill de volta e praticamente obrigandoGeezer a icar,mas isso tinha levadoao aindamaisdesmoralizador iascoda entradadeDonato,ovazamentodoacordocomRonKeeleaevidentepressacomquetodosforamemboradepoisdoLiveAid.

TonyIommijátinhasedecidido.Eleiafazerumdiscosolo.OzzyeDiotinhamconseguidofazertrabalhosdecentes,porqueelenãoconseguiria?Pensava em trazer uma grande variedade de músicos e cantoresconvidados.Masaesperançade Iommideconseguirvocalistasdocalibrede Robert Plant e David Coverdale foi vista com espanto, no caso doprimeiro, e teve uma desculpa polida do segundo. Quanto aos outrossondados, Rob Halford do Judas Priest e até Ronnie Dio, tambémrejeitaram — pois suas carreiras estavam em ascensão, e portanto nãoviram nenhuma vantagem em emprestar sua estrela crescente para onavioafundandoqueeraoBlackSabbathe,portabela,TonyIommi.

Nomomento, o trabalho já tinha começado no Cherokee Studios, em

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WestHollywood,comasfaixasinstrumentaisbásicas,comGeoffnoteclado,obateristaEricSingereobaixistaDaveSpitz,dabandadeLitaFord.Aindasemnenhumvocalistanaformação,oguitarristacomeçouadiminuirsuasambições. Quando alguém sugeriu que trouxessem Glenn Hughes paracantar algumas faixas, Tony se agarrou à ideia comoalguém se afogandoagarra-seaumpedaçodemadeira.

Hughes era outro ex-vocalista do Deep Purple, mas, ao contrário deGillan, sua reputação precedia e suplantava seu envolvimento com abanda. Outro produto damesma cena superfértil nasMidlands dos anos1960queviunasceroSabbath,Hughes tinhasidomembro fundadordospioneirosdofunkrockTrapeze,ondesuavozsecaecheiadesoulebaixoextremamente rítmico ajudou a levar a banda ao status de atraçãoprincipal em arenas nos Estados Unidos, de forma breve, no começo dosanos 1970. Hughes se tornou um artista aclamado mundialmente, noentanto, quando se tornouparte de um time comdois vocalistas— juntocomoantesdesconhecidoDavidCoverdale—quesubstituiuIanGillannoDeepPurpleem1973.OstrêsdiscosdoPurpleemqueHughesapareceu,antes da eventual dissolução da banda em 1976, tinham visto o DeepPurplesemovendonomesmoterrenofunkrockqueoTrapezetinhasidoum dos primeiros a explorar. As vendas acabaram sofrendo entre acomunidade mais conservadora do rock. Mas eles continuariam sendoalguns dos mais duradouros discos que o Deep Purple faria. Quando ocantor baixista saiu, sua reputação estava no auge. David Bowie seofereceu para produzir seu primeiro disco solo; Jeff Beck conversou comele para fazerem um disco juntos; Ozzy Osbourne falou em deixar oSabbatheformarumabandacomele.

Em 1986, a carreira de Hughes tinha começado a decair. Seu discosolo, apesar de muito bem recebido, tinha desaparecido. Seu projetoseguinte, juntar-se com o extraordinário guitarrista Pat Thrall, então noaugecomaPatTraversBand,paraumdiscoem1982,resultouemoutrofavorito da crítica que não conquistou os fãs. Desde então, houve vários“projetos” discutidos — inclusive, num ponto, uma banda com o ex-guitarristadoThinLizzy,GaryMoore,contratadodoselodeArden,Jet,quefoi rebaixado para convidado em algumas faixas do disco de Moore de1985,Runforcover.Pelomenos,oúltimotinhachegadoaoTop20.Todas

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as esperanças de Hughes de voltar ao seumelhormomento, no entanto,eram bloqueadas por, em suas próprias palavras, “múltiplos vícios — omaisdestrutivodosquais,era,claro,acocaína”.

Limpo e sóbrio agora, já fazia alguns anos, e com uma carreira devoltaaos trilhos comdiscosnaparadadoReinoUnido recentemente comBlack Country Communion — o supergrupo também apresentando oguitarrista Joe Bonamassa e o baterista Jason Bonham — e, maisrecentemente, seu atual projeto com os ex-membros do Stone TemplePilots,oguitarristaDonDeLeoeseuirmão,obaixistaRobertDeLeo,GlennHughesestá,comoelediz,“emmelhorformaagoradoqueprovavelmentejáestiveemtodaminhavida”.Ooposto,naverdade,decomoeleestavaem1986,quandoTonyIommioconvidouacantarnumafaixadodiscosolodeTony.

Hughesdiz:“ConheciTonydequandooTrapezeabriuparaoSabbathnuma disco em Birmingham, logo depois que ‘Paranoid’ saiu e elesapareceramnoTopofthePops.Acheiqueeraabandamaispesadaquejátinha ouvido”. Eles tinham se encontrado de novo quando o Sabbath e oPurple tocaramjuntosnoCalifornia Jamde1974. “Agentesaiudepoisdoshow.”Aprincipaldiferençanosanos1980,contaHughes,éque“nosanos1970,agenteouviaqueacocaínanãoeravicianteequedavaparapararquando quisesse. E quando você é jovem, consegue en iar quantamerdaquiser no seu nariz. A gente fazia umas farras de seis, sete dias.Mesmoassim,naqueletempoeuestavaaindameiocontrolandoasituaçãoetenhocerteza que Tony se sentia igual. Mas nos anos 1980, eu estavacompletamentedescontrolado”.

Comotambémestavaviciadoemchocolateefast-foodtantoquantoemcoca e álcool, Hughes também estava muito acima do peso — “uns 95quilos”, segundosuaprópriaestimativa, “esentindo-memuitomalcomigomesmo. A autoestimamais baixa possível”. Bem inanceiramente quandoestavanoDeepPurple,eletinhavistosuacontabancáriareduziraquasenadanosanosseguintes,comacocatirandoseudinheiro,depoissuavida.Aúnicacoisaque tinhacontinuadoerasuavoz—vistapor todoscomoaque tinhamais soul no rock. Foi essa última qualidade que impressionoutantoTonyIommiquandoelereencontrouGlennnoCherokee.

“Tonynunca tinhamevisto trabalhar.Masmesmoquandoeuestava

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chapado, conseguia cantar — não no palco, porém no estúdio. Eu nãoconseguia falar,massempreconseguiacantar.”Aprimeiramúsicaparaaqual Glenn “rabiscou algumas linhas” foi uma baladamal-humorada queeleschamaramde “Nostranger to love”,umabaladapowermelódicanosmoldes dos anos 1980. Dava para sentir o gelo seco subindo enquantoIommimandava ver na guitarra eHughes extrapolava emgrande escala.Foi tão bem que Tony convidou Glenn para voltar na noite seguinte etentaroutramúsicaqueeletinhacomposto,concebidaduranteassessõesFenholt, chamada “Danger zone”. Novamente, Hughes escreveu algumasletrasimprovisadaseelesgravaramafaixanumpardehoras.

Nesse ponto, lembra-se Hughes, “Tony deve ter ligado para DonArden porque foi quando ele me perguntou se eu poderia fazer o discotodo.Eeuconcordei,porquegostavadeTony.Elesnãoestavammedandoálcool.Nãoestavammedandodrogas.Euencontrava tudosozinho.Masagentefalavaamesmalíngua.Erabom,eugostavadeondeestávamosindocomaqueledisco.Eradivertido.Tonyde initivamentenãoestavaolhandoparaelecomoumdiscodoBlackSabbath”.

OdiscoqueseriachamadoSeventhstarcomcertezanãoeraumdiscodo Black Sabbath, o único DNA do grupo original encontra-se emocasionaispartespesadasdeTonyIommi.Elenuncafoiumartistasolodamesma categoria de Ritchie Blackmore ou Jimmy Page e isso deixou amaiorpartedodiscoparecendoumrockmelódicogenéricodosanos1980.Até a agora mini-instrumental obrigatória, “Sphinx (The guardian)”,completa com sons de vento soprando e sintetizadoresmelancólicos, quesegue a faixa-título, ainda está mais próximo de um Bon Jovi com oscabeloseriçadosdoquedeumBlackSabbath.MasnuncadeveriatersidoumdiscodoBlackSabbathmesmo.Nessenovocontexto,então,faixascomoomelodramático inaldodisco, “Inmemory”,umamisturasussurrantedeviolões leveseguitarraselétricas sombrias, encaixava-sebemcomo rockque estava então agradando o pessoal da rádio nos Estados Unidos:alguma coisa entre o peso falso do Scorpions e o igualmente seguidor defórmulasWhitesnake.Enquantoalgocomo“Angryheart”pareceForeignerouqualqueroutrogigantedemeadosdosanos1980.

Como um disco solo de Tony Iommi com Glenn Hughes nos vocais,Seventhstar cumpreoquealmeja:bom,masnão incrível.Umarespirada,

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talvez, até que o verdadeiro Black Sabbath pudesse resolver seusproblemas.Masnãofoiassimetudo“paroudeserdivertido”quandoTonyinformou Glenn de que agora eraum disco do Black Sabbath. Iommilembrou-semaistardecomotinhasidoumareuniãonaqualDono levaraaoescritóriodeMikeOstin, ilhodopresidentedaWarnerBros.MoOstin,que forçou a decisão. Foi Ostin Jr., disse Iommi, “quem sugeriu quedeveríamosmanteronomeBlackSabbathe lançaressediscocomoBlackSabbath”.Quemeraesse“nós”aquemIommiserefere?EleeDonArden,claro. Tirando isso, a decisão era inteiramente de Tony. Não pela últimavez,eleescolheriaasaídamaisfácilepermitiriaqueonomeBlackSabbathfosse usado e abusado, em troca de dinheiro e da chance de evitar oinevitáveleadmitir,finalmente,queoSabbathtinhaterminado.

O raciocínio de Ostin era claro: um disco do Black Sabbath poderiaesperar um nível mais alto de adiantamento inanceiro e apoiopromocional do que um disco solo de Tony Iommi. Também poderiaesperarmelhoresvendas.Quantoàturnê,aescolhaerasimples:continuarcom bons cachês fazendo shows em arenas como Black Sabbath oucomeçardebaixoemclubeseteatroscomoartistasolo.ParaTonyIommi,sentado em seu apartamento e cheirando carreiras com o sempre ielGeoffNicholls, não havia nemo que pensar. Para GlennHughes, sentadodo outro lado da cidade, também cheirando carreiras, era a causa de“medo total e uma puta dor”. Ainda dá para ouvir em sua voz hoje. “Foionde icou foda paramim. Pensei que seria uma grande ideia fazer umaturnê comabanda solodeTony Iommi.Quandoeleme ligoupara contarque tinha mudado para um disco e uma turnê do Sabbath, pensei, ohporra!Umacoisaeracantar comTony.Mas seronovovocalistadoBlackSabbath… Dio tinha feito muito sucesso com sua coisa de dragões ecalabouços.DepoisGillan,quetinhafeitosuapartetambém.Eupesavaunscemquilos.Tinhabarba.Estavasemumdente.Tinhaquedeixarobaixoesimplesmente ser o vocalista. Comecei a sentirmuitomedo antesmesmode começarmos a ensaiar, medo de enfrentar 15 mil jovens irados, amaioriacarascomjaquetasdecouropretasedeterquecantar‘Warpigs’!Sem querer desrespeitar quem compôs e tocou aquela música, masquando olho para trás, era como se James Brown fosse o vocalista doMetallica.”

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A maioria das pessoas concordaria. QuandoSeventh star foi lançadona Grã-Bretanha como um disco do Black Sabbath featuringTony Iommi ,issosópiorouaconfusão.EraumdiscodoBlackSabbathounão?EraumdiscodoIommisoloounão?Arespostapareciaser:eramasduascoisas—e nenhuma delas. Chegando por pouco no Top 30 do Reino Unido, nosEstadosUnidos, tornou-seodiscomenosbem-sucedidodoSabbathdesdeNeversaydie, evendeupoucomaisdametadedascópias.EracomoseosdeusesdorockquetinhamolhadotãofavoravelmentepeloBlackSabbathportantotempoagoradessemascostasparaeles.Apróximaturnênorte-americana foi um desastre completo. A formação com Glenn Hughesconseguiu fazerapenascincoshowsantesdeovocalistaserchutadosemcerimônias e substituído por um jovem desconhecido de Nova Jerseychamado Ray Gillen. Algo do qual Hughes a irma que ainda não serecuperouatéhoje.“ApiorcoisaquejámeaconteceucomoserhumanofoiquandodesaponteiTony”,eleconta.“Euestavabêbado.NãoeraocaraquesouhojeeestavatentandoserperfeitoparaoTony.”Masele“nãoestavasóbrio”o su icienteparadescobrir como fazer issode formaconvincente.“Quando você está chapado como eu estava, não tem autoestima e sentemuitomedo,erasimplesmenteimpossível.”

OgatilhofoiumabriganavésperadoprimeiroshowentreHugheseoempresáriodepalcoJohnDowney.OsdoistinhamidobebernopubinglêsCat&Fiddle.Maistarde,devoltaaohotelemHollywood,Glenntinhaficadosem coca,mas sabia que John tinha um pouco com ele e tinha guardadoumas carreiras. “Fiquei um pouco beligerante porque ele não queriamedarmaiscoca.”Downeydecidiuquenãoiriaaguentarmaisedeuumsocono nariz de Hughes, “Eleme acertou tão forte que caí como um saco debatatas. Eu mereci? Sim, mas não na porra do nariz.” No dia seguinte,quando a banda completou os ensaios de roupa para a turnê, o aindabravoHughestinha“umolhoroxoquecobria todoorostoeumcorteemcimadoolho”.Eletentoucobrirtudocommaquiagem,masnãohaviajeito.“Você poderia ter acertado no estômago!”, Arden reclamou comDowney.Tony,enquantoisso,deacordocomGlenn,nemqueriafalarcomelesobreisso.“Só:‘Oh,aquivamosnós’,isso.”

Noentanto, foi apenasdepoisdosprimeiros showsqueoverdadeiroproblema com Glenn apareceu. “Eu não conseguia cantar! Minha voz foi

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piorando a cada show.” Quando chegaram a Worcester, Massachusetts,para um show na arena Spectrum, “tinha desaparecido completamente.Não conseguia respirar, não conseguia cantar pelo peito, só pelo nariz”.Ninguémparouparaseperguntaromotivo.ElessimplesmenteassumiramqueGlennestavacheirandotantacocaquefinalmentetinhafodidosuavoz.Comoumamedidadesesperada inalpara tentarajudá-loa se recuperar,DonArdencontratouumassistentepessoalchamadoDougGoldsteinparaqueviesseecuidassedele.Goldstein,quetrabalharianoanoseguintecomo Guns N’ Roses, fazendo um trabalho parecido com usuários de drogasrecalcitrantes do Guns, como Slash e o baterista Steve Adler, era tãodedicado a seu trabalho comoum sargento. “Ele era um assistentemuitobom”,contaHughes.“Elemeseguia,esperavaforadobanheiro.Amarravaum cordão ao redor do seu dedo que se unia à minha porta. Se minhaporta se abrisse, ele acordava. Desde o momento em que esse caraapareceu,nãouseimaiscocaína.Tentei,masTonycontouatodomundonaequipe:‘NãodeemcocaaoGlenn.Sederem,serãodemitidos’.”

Mas com sua voz icando pior a cada show que faziam, isso não foisu iciente para salvar Glenn.No segundo show, eles já tinhamRayGillennotelefone.Noterceiro,emMeadowlands,NovaJersey,Gilleneramembrodogrupo.QuandoHughesnãofoimaischamadoparaapassagemdesom,ele sabia que havia algum problema,mas não percebeu que era porqueestavam usando o tempo para ensaiar seu substituto. Quando, depois delutar pelo show no Spectrum, quase sem conseguir cantar, Glenn icousabendoqueestavademitido, ele icoudoido, correndoatéo camarimdeTony,exigindofuriosoquepudesseentrar,porémaportaestavatrancadae ele icou ali por meia hora gritando e batendo na porta, até que,inalmente,GoldsteinlevouHughes,choroso,embora,aindareclamandodainjustiça de tudo isso. “[Tony] não me deixou entrar. Fiquei batendo naporta e gritando: ‘Queporra está acontecendo!’. Fico feliz por elenão terme deixado entrar porque provavelmente teria me dado outra porrada.Mas Doug Goldstein me pegou e muito calmamente me levou ao meuquarto,medeuumapassagemdeaviãoparacasaefalou:‘Glenn,sentimosmuito.Nãopodemoscancelarnenhumshow.Precisamoscontinuarcomumsubstituto. Talvez a gente possa refazer tudo mais tarde’. Foi quando acoisatodameacertoucomoumatoneladadetijolos:eutinhadesapontado

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oTony.”Pressionadosobreoassuntoanosdepois, tudoque Iommi falariaera

que Glenn Hughes era “um ótimo vocalista, mas não era o certo para oBlackSabbath,comoaquelespoucosshowsque izemoscomeleprovaram.Nãoajudouo fatodequeGlennestavamuitomalpessoalmentenaépoca.Ele usava muitas drogas e bebia demais, e estava sempre cercado detra icantesetodotipodepersonagensestranhos”.Umadeclaraçãoetantoconsiderandoque Iommiaindaestava imersoemdrogaspesadasemsuaprópriaviagemautodestrutivanaépoca.Parapiorarasituação,namanhãseguinte, antes de partir para o aeroporto, Doug levou Glenn a umespecialista emouvido,nariz e garganta, que tirouumraioX edescobriuquetinhaumossoquebradonabasedacavidadedoolho,doladoemqueDowney tinha dado o soco. Tinha estilhaçado no alto do nariz, causandodrenagem do muco e sangue que se juntavam nas cordas vocais e nagarganta,por issoadi iculdadecomnotas, timbrese todooresto. “Estavaprejudicandominhas cordas vocais.Omédicome contouqueo que tinhaacontecidoquandoDowneymeacertou foiumdanobastante fodido.Massódescobriissoquandoeratardedemais…”

Porém seGlennHughes sentiu-semal, atacado pelo que começava aservistocomoamaldiçãodoBlackSabbath,TonyIommiteriaumaviagemainda pior, pois ele e sua banda mergulharam fundo, durante os anos1980,chegandoao inaldadécadacomopoucomaisdoqueumapiada,tãodistante do centro do mundo do rock quanto um bando de velhospeidorrentosmuitoestúpidosparasaberquandodeveriamseaposentar.

Aturnênorte-americanacontinuouporoutrosdozeshows,depoisfoicancelada. Ninguém pareceu se incomodar. Ray Gillen provou ser umvocalista excepcional e, de muitas formas, o jovem frontman ideal quetinhamprocuradoquandoGeezereBillaindaestavamnoconjunto.MasafranquiadoBlackSabbathestavacadavezmaisgasta.Umaturnêbritânicadedozedatasemmaioacrescentouumpoucodecarneaosossos—anovaformaçãocomGillenàfrentefoibemrecebidaporfãsecríticosreclamões,que agora olhavam tudo que Iommi fazia de forma preconceituosa. Comseu cabelo comprido, sua igura escultural e seu senso de humor bempouco americano, Ray Gillen parecia fazer novos amigos onde a banda

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fosse. Com27 anos, omais próximoque ele tinha chegado de algo dessenível foi quando cantou, brevemente, na banda solo do ex-baterista doRainbow, Bobby Rondinelli. Ele conseguiu a vaga no SabbathprincipalmenteporrecomendaçãodeDaveSpitzeporestardisponívelnomomento.“Nãotinhatempo[paramepreocupar]”, falouGillen.Apesardeprecisar de cartões com as letras para se lembrar nos primeiros shows,quando a banda chegou à Grã-Bretanha ele estava pulando pelo palcocomosetivessenascidoparafazerisso.

Talvez tivessemesmo.Autocon iança certamentenãoparecia ser umproblema. “Entrei durante o auge da resposta a Seventh star . Tudo erasobreoGlenn,Glenn,Glenn…Algumasvezes, aspessoas falavamcomigo:‘Ei,Glenn,comovocêestá?’.Elesnãosabiam.ElesouviamGlennHughesemeviamnolugar.Ninguémsabiaquemeraeu!Osshowsque izajudarama me deixar conhecido. A banda começou a recuperar um pouco dacon iançaperdida[e]enão iquei intimidadopelonomeSabbathoupelosseus fãs.” Ao contrário, “cantei como se izesse parte da banda durantetoda minha vida. Esse é o tipo de atitude que precisei tomar e tive demostrar a eles que era assim que iria ser. Vou dar o melhor de mim,gostemounão.CantartodasasmúsicasdeOzzyeRonnieédivertido,masnãopossoesperarparamostrarminhasprópriasmúsicas”.

NemTony Iommi.Reconciliadocoma ideiadecontinuarcomonomeBlackSabbath,quandoassessõestinhamcomeçadoparaumnovodiscodoSabbath, comGillen instaladoagoracomovocalista,Tony,queainda tinhaesperança de conseguir que Geezer voltasse à banda um dia, cedeu olugar, ironicamente, para Bob Daisley, o baixista e letrista original deBlizzardofOzzdeOzzy.Assim,apesardeDaveSpitztersidocreditadonodisco seguinte, foi a formação Iommi-Nicholls-Singer-Gillen-Daisley doBlack Sabbath que voou aos Air Studios emMonteserrat, em outubro de1986, para sessões de pré-produção com o veterano produtor norte-americanoJeffGlixman.SemGeezeraliparafornecerotipodeletracomaqualTonysabiaquepodiatrabalharesemconhecerotrabalhodeletristadeGillen—asprimeiras tentativasdesseúltimopareciammais o tipodecoisa estilo vinho-mulheres-e-canções que o Whitesnake poderia gravar,tudo estava longe do que Iommi visualizava para o Sabbath restabelecersua reputação. Daisley não era só um baixista sólido e con iável, ele

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também era um bom letrista que tinha escrito as melhores músicas deOzzy desde que este saiu do Sabbath. Tony esperava que Bob izesse omesmopara ele, aindamais porqueDaisley estava então brigado comosOsbournesqueotinhamrecentementedemitidodaturnêdeOzzy—pelasegundavezemtrêsanos—pornãosertãojovemebonito.

Aúnicapessoacompermissãoparafalarcomaimprensasobretudoisso, no entanto, era o encantado Gillen, que disse alguma besteiraprevisívelsobreSpitzter“problemaspessoais”queprecisavaresolvereoquanto todos queriam que ele voltasse logo— depois que as partes debaixo e as letras do novo disco estivessem completas, mas isso ele nãoacrescentou.Perguntadocomoeragravaremsuaprimeiragrandebanda,Gillen balançou a cabeça feliz e falou: “Quando [Tony] está pronto paraentrarno estúdio, vocêprecisa ter feito sua liçãode casa. Elenãomedizcomo cantar. Ele simplesmente me fala se está bom ou ruim… Ele temaqueleolharqueémuitodominadoreintenso…Elepodeolharparavocêedeixá-lo congelado em sua cadeira. Adoro esse feedback do Tony. Todomundosealimentadessaenergiadelee icamostodosanimados…Quandoele se senta perto de você e diz algo, você sabe que ele pensou bemnaquilo”.

O que Ray Gillen não conta foi como ele e o baterista Eric Singerestavam secretamente planejando sair da banda. Feliz por ser pago— emuitobempago—paragravarumdiscocomTony Iommi,elesnãoviamnenhumfuturoalongoprazonumabandaquesoavatãovelhaquantoumjornal do dia anterior. Rock pesado e heavy metal nunca tinham estadotantonamodaquantoemmeadosdosanos1980.BemquandooSabbathtinha entrado no mainstream com seu disco mais fraco, Seventh star , amaior banda do mundo, de repente, era o Bon Jovi, cujo disco de 1986,Slipperywhenwet,eraparaorockmainstreamoque ilmescomo Topgun—Ases indomáveis,também lançado naquele ano, era para o cinema: umpirulito comercial, com alto conceito, ultrarrápido, bidimensional ecomercial, que englobava um impacto muito além das inescrutáveisponderações de um disco do Black Sabbath com Tony Iommi. Aomesmotempo, bandas demetal britânicomais novas como IronMaiden tambémestavamalcançandoseuaugecomercial—odiscoSomewhereintimetinhachegado no topo da parada britânica aquele verão. Enquanto isso,

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novamente, assim como o Sabbath estava expondo sua barriga brancamole,omundodoheavymetal estava sendoviradode cabeçaparabaixoporumaganguedeverdadeirosdesajustadosanarquistasmusicaisdeSãoFrancisco chamados Metallica, cujo disco de 1986,Master of puppets,mostrariaquetudoqueoSabbathtinhafeito,mesmonosdiasdesucesso,agora soava como ultrapassado na nova década, cada vez mais voltadaparaaMTV.

Gillen e Singer eram ambos uma década mais jovem do que TonyIommieBlackSabbath, eumageraçãomaisesperta também.Quando,noinalde1986—emoutrabizarramudança—,oguitarristadoOzzy, JakeE.Lee,de28anos,ligouparaRay,queeleconheciaporintermédiodesuaesposa, Jade,paracontarquetinhaacabadodeserdemitidodabandadeOzzy,opróximomovimentopareciaóbvio—pelomenosparaRay, JakeeEric.

No momento, havia sido concluído o trabalho do que se tornaria odécimoterceirodiscodoSabbath,quesechamariaTheeternal idol (tiradodafamosaesculturahomônimadeRodinedeondetiraramtambémaartedacapa,usandomodelosvivosmasculinosefemininospintadoscomspraydecorbronzeparareplicaroestudooriginal).TalvezRayeEricpudessemachar que estavam fazendo um favor a Tony esperando até o discoterminar antes de dar a notícia. Talvez eles só quisessem conseguirmaisdinheiroantesde sair.Ou talvez simplesmenteachassemquenão tinhamescolha. Singer foi o primeiro a sair, assumindo as baterias na lucrativaturnêmundial de seismeses com GaryMoore. Gillen seguiu logo depois,mas voou direto para Los Angeles, onde também ganhou dinheirogravandodemosparaanovabandadeJohnSykes,BlueMurder.Noverãoseguinte, no entanto, Ray e Eric tinham se voltado para o novo projetoprópriocomJakeE.Lee,quesechamariaBadlands.

Em uma das suas primeiras entrevistas depois que o Badlands foiformado, Gillen falou: “O último guitarrista com quem trabalhei [Iommi]era um pouco estranho, a banda [Sabbath] não era estranha, mas elestinham um jeito próprio de como queriam trabalhar e não se abriam anovasideias”.Eleacrescentou:“ComSabbatheOzzy,Jakeeeutínhamosdenos encaixar, e não dava para realmente projetar seus sentimentosinternossobreoquesequeriafazer,vocêtinhaqueseguirasdiretrizesda

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banda. Agora estou cantando mais as minhas próprias melodias eescrevendo minhas próprias letras e fazendo o que quero. Não é quequerofazerissoouaquilo.Oestilodabandaéesse”.

Ele estava tentando ser educado. Qualquer que tenha sido a razão,quandoseespalhouanotícia,emmarçode1987,dequeoBlackSabbathtinha perdido outro vocalista e outro baterista, a imprensa só podiamostrarsuadescrença.ParaTonyIommieraoutrogolpeduro.Mas,comosempre,eramuitotardeparapararagora.Odiscoestavagravado,jáhaviadata marcada para o lançamento e a agenda da turnê estava sendoinalizada.Elenãoaceitarianunca,noentanto,lançarumdiscodoSabbathnoqual o vocalista já tivesse saído. Emvezdisso, procurououtra soluçãorápida: alguém que pudesse vir e reproduzir as faixas vocais de umaforma igual. A pergunta era: onde ele encontraria alguém com essacapacidade musical, mas cuja própria carreira estivesse tão distante domapa comercial que estaria preparado para deixar de colocar suacriatividadesópelachancedeentrarnoBlackSabbath?

Como já tinha acontecido antes, ele encontrou o que estavaprocurando em sua cidade natal Birmingham. Seu nome era AnthonyMartinHarforde,apesardejáterquasetrinta,omaispertoquechegoudoestrelatotinhasidonumasessãocomasuabanda,TheAlliance,noFridayRockShowdeTommyVance,naRadioOne,doisanosantes.TonyMartin,comoelesechamava,eraumbomcantor.NãotantonosmoldesdeDio,suavoznãoeratãopoderosaparaescalaraquelasalturasestratosféricas,nãocomtantocaráterparasecompararcomosricostonsmelódicosdeGlennHughes.Maselesabiacantar.Melhordetudo,eralocaleestavadisponível.Comumempresário,AlbertChapman,quetinhasido iguraimportantenaequipedoSabbath,trabalhandojuntocomPaulClark,nosdiasdeglóriadabanda, Tony parecia perfeito e, apesar de tentar se fazer de di ícil, elenuncaiadeixarpassarachancede inalmentevirarpro issionaldepoisdetodaumavidasemchegaralugaralgumsozinho.

Falando em 2012, Martin lembra-se de como Chapman ligou derepenteumdia.“Elemeligouefalou:‘Olha,rapaz.Queroquemeencontreemalgumlugar’,eeurespondi:‘Certo,oquevocêquer?’.Entãoelepassouparame pegar de carro,me levou até um casarão, tocou a campainha eIommiabriuaporta!Eu iquei, tipo: ‘Porra,vocêpoderiatermeavisado!’.

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De todas as formas, a gente repassou umas músicas, eu cantei para elealgumas coisas e ele falou: ‘Certo, vamos para Londres, vamos fazer umteste’. Cantei ‘The shining’ e foi isso; consegui a vaga. E foi excelente.”Mesmo assim, Martin sabia muito bem em que situação se encontrava oBlack Sabbath, na primavera de 1987, quando entrou no estúdio degravaçãopelaprimeiravez com Iommieo restodabanda. “Elesestavamrealmente em tempos di íceis quando entrei”, ele contou mais tarde.“Porque tinham passado por um bom número de vocalistas e estavacomeçando a se tornar uma piada aqui e em outros lugares.” Depois deanos lutando sem chegar a lugar algum, ele não ia deixar que isso oimpedissedeentrarnumabandafamosanomundotodo.

Infelizmente, para os dois Tonys — Martin e Iommi — o Sabbathestava a ponto de se tornar uma piada ainda pior quando elesconcordaram em realizar seus shows no Superbowl Arena, para 6 milpessoasemSunCity,ÁfricadoSul.Ali,naverdade,eraondeTonyMartinestaria estreando ao vivo com o Black Sabbath. Como introdução para avidanoBlackSabbath, foiapiorpossíveldese imaginarnaquelesdiasdeapartheid restrito, quando amaioria das superestrelas do showbiz e dosesportes não queria aparecer nem morto ali, pois seriam acusados deapoiar o regime brutalmente autoritário que se mantinha havia mais detrintaanos,trazendomisériaamilhõeseacondenaçãodomundo.

Mesmoassim,oluxuosocassinoresortinternacionalmentefamoso,naprovíncia noroeste da África do Sul, a umas duas horas de carro deJohanesburgo,tinhaconseguidomuitasestrelasderockbritânicasenorte-americanas para seus shows só para brancos simplesmente comhonorários muito além dos números que poderiam esperar para otrabalhodeumasemanaemqualqueroutrolugardomundo,tirandoumaresidênciadealtoper ilemLasVegas—umconceitoquetambémviriaaseutempo,sóemalgunsanos.OQueentinhafeito;RodStewart,EltonJohneStatusQuotinhamtocado;atéCliffRichardtocaria.EcomoIommiadmitiuprivativamente para amigos, eles tinham dado um Rolls-Royce novinhoparaelesópelaassinaturadocontrato.Comopoderiarecusar?

Talvez o pior aspecto do mau negócio foi que pouca gente em casaicaria chocada. Um ano antes, o guitarrista de Bruce Springsteen, SteveVanZandt,tinhachegadoàsmanchetesemtodoomundocomseudiscode

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protestoSun city, apresentando celebridades do rock como Bono, PeterGabrieleKeithRichards.Amensagemparecia clara:nãovamos tocaremSun City. Pelo menos não os membros da comunidade do rock com umpingodedecênciaouconsciênciapolítica.ClaroqueTonyIomminãosevia,nem aqueles que iriam voar agora ou no futuro sob a bandeira doBlackSabbath, como participante dessa categoria. Mas então, como seu novovocalista nada espantado diria, em 1986 tanto Iommi como a banda daqual ele já esteve tão orgulhoso “estavam começando a se tornar umapiada”. QuandoOzzyOsbourne ouviu isso, ele falou: “Pensei, putamerda,elesfoderamdevezagora!Eumepergunteioquefariasemeoferecessemtoneladas de dinheiro para tocar ali?”, eleme contou. “E pensei: bom, sefosse o imdaminha carreira, provavelmente aceitaria também.Mas nãoseeuquisessequeminhacarreiracontinuasse.”

Exato.Mesmoassim, a reaçãoemcasa foi nula.A verdadeeraqueoBlack Sabbath voava tão baixo no radar da mídia que não houve nadapertodosentimentodeultrajequandooQueeneRodStewarttocaramali.ComDaveSpitzdevoltaaobaixo,masEricSingertendopartidocomGillenparatrabalharcomJakeE.LeenoBadlands,TonytinhaperguntadoaBevBevan se ele queria ganhar um dinheiro fácil. Porém o baterista do ELOrecusou no ato. Ele não foderia sua carreira por uma mala cheia dedinheiro.NovamenteTonypermitiuqueapressamandasseecontratouoprimeiro bateristamaios oumenos decente que estava disponível: TerryChimes, ex-The Clash e uma peça regular em vários shows e sessões deJohnnyThunders&TheHeartbreakers eHanoiRocks, para citarosmaisconhecidos.

Questionado sobre o assunto na entrevista seguinte que IommiconcedeuparaaKerrang!,emnovembrode1986,oguitarristaofereceuadesculpamaisesfarrapada: “Muitosartistas tocaram [emSunCity], entãonão achei que seria um problema para nós, mas eu estava errado.Pessoalmente,nãoachoquepolíticaemúsicadevamandar juntas.TemosfãsnaÁfricadoSultambémetocamosparaeles,nãoparaospolíticosouafavordapolíticadealguém”.

Sem esquecer, também, aquele Rolls-Royce novinho. No que TonyMartin tinha se metido, ele pensou. Já temia o pior. Como tudo aquiloacabaria?Elelogoiadescobrir.

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Onze

Desumanizado

NINGUÉM SABIA MAIS quem era o Black Sabbath. Nem mesmo Tony Iommi.Certamente,TonyMartintambémnão.Erahumilhante.Como imdosanos1980, rock emetal reinavam supremos, os proponentesmais conhecidosvendendomaisdiscoseentradasdeshows,emaismilhõesdedólaresemmerchandising do que em qualquer outro momento na história daindústriamusical.OGunsN’Rosesagoraeraabandademaiorsucessoemaisadmiradadomundo,oMetallicaeraamais in luente.MasenquantoosfãsderockhomenageavamOzzyOsbourneeoimpactoquesuamúsicatinha tidonaqueladécada, e respeitavammuito os discosde sucessoqueRonnieJamesDiotinhagravadocomsuabandasolo,oBlackSabbathtinhadesaparecido tão fundo da mente da maioria dos fãs, especialmente nosEstadosUnidos,quepareciaquetinhaacabado.

QuandooprimeirodiscocomTonyMartino icialmenteinstaladocomovocalista,The eternal idol, foi lançado emnovembro de 1987, tornou-se omenos vendido na história da banda, chegando apenas ao 66o lugar noReino Unido, onde icou por uma única semana, quase nem chegando aoTop 200 nos Estados Unidos. Pela primeira vez desde que tinhamcomeçadoalançardiscos,oSabbathnãoconseguiufazerumaturnêpelosEstadosUnidos,ondeademandaporeleseratãobaixaqueospromotoresnãosearriscariamacontratá-los—amenosqueconcordassemempassarde arenas a clubes e teatros, algo que o ego planetário de Iommi nãoconsentiria,consolando-secomopensamentodequeanovaformaçãocomTonyMartin como frontman precisava “se acomodar” primeiro com seusfãs ali. No entanto, poucas semanas depois do lançamento do primeirodisco com Martin, tanto a Warner Bros. nos Estados Unidos quanto aPhonogramnaGrã-Bretanha(eorestodomundo)tinhamrompidocomoBlackSabbath.

Não que o disco fosse muito ruim— faixas como o agradável hino“The shining” ou a faixa-título lembravam o melhor dos anos de Dio;

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enquanto as faixas com rock melódico mais genérico como “Hard life tolove” e “Glory road” estavammais perto do que Glenn Hughes trouxe àfesta emSeventh star , também havia outra tacada convincente em umapowerbaladadirigidaàsrádiosem“Nightmare”—sóquecomodiscodoBlack Sabbath em si, ninguém conseguiu se animar. QuandoTony Iommi,Geezer Butler, BillWard eOzzy Osbournegravaramclássicos como “Warpigs”,“Paranoid”e“Ironman”,elesnãosepreocuparamsepodiamounãose encaixar na rádio. Nem com o que os críticos poderiam dizer. Nemmesmo com o que qualquer um pensava sobre o que estavam fazendo,exceto eles mesmos e sua crescente legião de fãs. A razão pela qual setornaram tão colossais e tão rapidamente foi porque eles soavam comomaisninguém.Soavamcomoelesmesmos,realmentenãoestavamnemaí,e convidavamoouvintea sedivertir com isso.Quasevinteanosdepois,osomdeTheeternalidoleracriadoporumacoleçãodemãoscontratadas—umconjuntodemúsicosecantoresnocomeço,outrono inal—tentandodesesperadamente se encaixar no que exigiam as atuais tendências norock. Incapaz de produzir o tipo de metal rápido e pesado de bandasjovens comoMetallica,Anthrax e Slayer—que faziamo somdo Sabbathparecermuito leve—,elesoptaramporposeemelodrama.Ouoque issoqueriadizernocérebrodeTonyIommi,tomadopelafebredasdrogas.Noentanto,incapazdemelhorarsigni icativamentecomobandasvelhascomoWhitesnake, Scorpions e Van Halen tinham conseguido, o Sabbath foideixado de lado, como uma banda acabada. Nem na mesma corridacomercialcomnovasbandinhasimpulsionadaspelaMTV,comoPoison,DefLeppardeMotleyCrüe.Resumindo,estavamferrados.

Para piorar, a situação demanagement deles tinha chegado ao caos.Em 1986, as coisas tinham icado feias para o lado de Don Arden.Processado pelo ELO por anos de royalties e comissões não pagas,perdendosuaguerracoma ilhaSharon,cujaastúciaeinteligênciatinhamtransformadoOzzynumaestrelamaiordoqueelejátinhasidocomoBlackSabbath,agotad’águaparaoimpérioArdenveioquandoelefoipresoporacusaçõesdesequestro,chantagem,torturaeagressãodeumex-contadorchamado Harshad Batyu Patel. Quando Don descobriu que Patel tinhadesviadodinheirodeváriascontasdaJetRecordsparaumacontasecretaprópria,emvezderesolveroproblemapormeiodostribunais,comofaria

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a maioria das pessoas, as raízes de Don como briguento de ruaaparecerameelefezcomqueocontadorfossesequestradoetrazidoparasua casa em Los Angeles, onde se dedicou a agredi-lo. “Dei um golpe nonariz dele com a coronha da minha arma”, Don me contou. Em umasegunda reunião, dessa vez em Londres, para onde tinha fugido oaterrorizadoPatel,DonnovamentemandouseuscapangasopegaremeolevarematéacasadeArden,ondeeleotorturouaindamais.Pegandoumacaixadeferramentas:“Queriatercertezadequeelenuncateriaum ilho”.Quando terminou, trancou o espancado e ensanguentado Patel numquarto.

Quandoo ilhodeDon,David,chegoueviuoqueestavaacontecendo,forçou o pai a liberar Patel. A polícia foi chamada e o caso ganhou asmanchetes dos jornais na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. OjulgamentochegouaOldBaileyumanodepois,e tantoDonquantoDavidforamconsiderados culpadosemváriasacusações.Don,noentanto, tinhagastadouma fortunaparacontratara representação legalmaisespertaecara, conseguindo sair dos tribunais livre, apesar de muito mais pobre.Davidnãotevetantasorteefoisentenciadoadoisanosdeprisãocomumanodasentençasuspensa.Eleacaboupassandosetemesesemumaprisãoaberta, mas quando saiu, Don estava quebrado. “Depois do julgamento,tireiumas longas férias”, elemecontou. “Já tinha tidoaventura su icienteporumtempo.”Donagoraestavacomsessentaanos;elerenunciouaseucontrolesobreoBlackSabbatheamaioriadeseusoutrosnegócios.Nãoseaposentou — pessoas como Don Arden não sabem o que signi icarealmenteseaposentar—,voltariaàbriganocomeçodosanos1990comaventuras na indústria musical que eram apostas ainda mais altas, masseusdiastentandomanterTonyIommifeliztinhamacabado.

Em pânico, com medo e, em suas próprias palavras, “cheirandonovamente muita coca”, Tony Iommi fez “uma coisa estúpida” e trouxePatrickMeehan Junior de volta para ser seu empresário. “Não funcionoudesde o começo”, ele mais tarde admitiu. Mas não antes de Meehan terorganizado o show do Sabbath na África do Sul, supervisionado olançamentododiscoquemenosvendeunahistóriadelesevistocomoelesperdiam o contrato com as gravadoras. “Todo mundo simplesmente foiembora”, Iommi escreveria mais tarde em suas memórias. “Mas eu não

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podiairembora.Tinhaquemanteroforteeremontartudo.”Nocomeçode1988,PatrickMeehantambémtinhadesaparecidodacena,deixandoTonyIommi onde ele o havia encontrado, rastejando na sujeira em busca deuma forma de resolver seus problemas. Ele sentiu, disse, “como setivéssemos caído tão baixo que o único caminho possível era para cima.Felizmentefoiassimquefuncionou”.

Suasortemudouquandoele inalmenteencontrouumempresárioemquem con iar: Ralph Baker, um veterano do mercado musical entãotrabalhandoemparceriacomoempresáriodeJeffBeck,ErnestChapman.Quando a primeira pergunta que Chapman fez a Iommi foi se ele usavadrogas, já que nunca fazia negócios com alguém envolvido comdrogas, oguitarrista contou a Chapman que não. “Mentindo na cara dura.”Acreditando no guitarrista, Chapman o apresentou a Baker e a novaequipemontadaparatentarcolocaroSabbathdevolta—começandocomum acordo com a Receita Federal britânica, que estava querendo queIommi vendesse sua casa para pagar anos de impostos atrasados.Enquanto isso, eles tinham congelado seus bens, deixando-o na práticainsolvente.Chapmanfezsuamágica,mascontinuouindiferente.“Estesnãosãoproblemasdoseucontador,são seusproblemas”,disseaele.“Euaindatinha uma conta enorme a pagar”, falou Tony, mas Chapman conseguiutirar o cobrador de impostos das costas dele enquanto Baker tentavareconstruiroBlackSabbath.

Comoantes,TonysabiaqueachaveparareconstruirareputaçãodoSabbathestavaemconvencerpelomenosalgumdosmembrosoriginaisavoltar. Semnenhumapossibilidadede trazerOzzy—os cincodiscos soloquehavialançadodesdequeTonyodemitiradoSabbathtinhamganhadoplatinanosEstadosUnidosevendidooutrosmilhõesnaGrã-Bretanhaenoresto do mundo, e Bill sem vontade de arriscar sua sobriedadeconquistadacommuitalutaporalgomenosdoqueumareuniãosériacomOzzy —, Tony novamente se voltou para Geezer Butler para ajudá-lo asalvar sua pele. Ele começou a ligar e contar a Geezer como o novovocalista era ótimo, como a situação com o novo empresário estava boa,mas, oh, como seria muito melhor se Geezer pudesse voltar no tempo econcordaremtocarcomeles.PorémGeezertinhaoutrosplanos.“Ficoutão

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ruim”, eleme contou na época, “que Tony começou a aparecer naminhacasa, icava ali na frente sentado em seu carro, como se estivesseesperandoqueeufugissecomeleoualgoassim.”

Quandofoianunciadonoverãode1988queGeezer—naviradamaisenroladada aparentemente in inita sagaOzzy-Sabbath—não voltaria aoBlack Sabbath, mas entraria na banda solo de Ozzy, o pesadelo de Tonyicoucompleto.Oprego inalno caixãopareceu serquandocomeçaramacircular rumoresdequeatéTonyMartin tinha saído,poishavia recebidoumaofertaparase juntaràBlueMurder,novabandadoguitarrista JohnSykes, ex-Whitesnake e Thin Lizzy — originalmente para substituir RayGillen,quetinhaidoparaaBadlands.Irritado,Iommitevequecobririssoomelhorquepôdecomumadeclaraçãoquedizia: “ElerecebeuaofertadetrabalharcomJohnSykeseestavaprontoparaaceitar,masfoiconvencidoa icar conosco e, ao contrário dasmatérias, nunca deixou o icialmente oSabbath”.

Como sempre, tinha tudo a ver com dinheiro. Sem um contrato degravação e com Iommi enfrentando seus problemas de solvência, Martintinhapesadoasopçõesde icarcomumabandahipotéticachamadaBlackSabbath—sembateristaebaixista—,quenaverdadenãopoderiapagarnenhum salário, naquele momento, ou partir para uma situaçãofrancamente mais promissora com um grupo que tinha o apoio total daGeffenRecords—lardoGunsN’RosesedoWhitesnake.Martinchegouacompor uma música comSykes chamada “Valley of the kings”, queterminouentrandonodiscode estreiadoBlueMurderumanodepois.Oque acabou convencendo-o a icar com Iommi foi a oferta de um novocontrato de gravação para o Sabbath que Ralph Baker tinha conseguidocom o selo independente norte-americano IRS — que tinha o R.E.M.Igualmente signi icativa foi a chegada, no verão de 1988, de Cozy Powell,então um dos mais conhecidos e mais respeitados bateristas de rock domundo. Um ano mais velho que Iommi e veterano de vários gruposimportantes, do Jeff Beck Group ao Rainbow, Whitesnake e até umarecon iguraçãoestiloanos1980doEmerson,LakeandPalmerrebatizadocomo Emerson, Lake and Powell, Cozy (nome real: Colin Flooks) era umgarotodeCotswoldquegostavadecarrosvelozesemulheresmaisvelozesainda, mas estava atualmente sem banda. (Ele também tinha passado

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recentementepelasescalaçõesdoBlueMurder.)Alémdetermuitatécnicaevelocidade,Cozyeraexpansivoejáhavia

lidado bem com outras personalidades complicadas, como RitchieBlackmore e David Coverdale. Ele não seria simplesmente o “novo”baterista no Black Sabbath. Sua indicação traria verdadeiro status erespeito para Tony Iommi. A ponto de que nos dois próximos discos doSabbath, Powell funcionaria na prática como o braço direito dele, antesocupadoapenasporRonnie JamesDio—umasituaçãoque Iomminuncateriaconsideradoumaopção,masmendigosnãopodemescolher,eeleseagarrou com as duas mãos a qualquer credibilidade que a aliança comCozypoderiaoferecer.ComCozytambémveioapossibilidadederesolvero problema do baixista, quando ele sugeriu o ex-companheiro noWhitesnake,NeilMurray.MasMurray—outroveteranodorockbritânicoque tinha ganhadonomenoWhitesnake, a bandadeGaryMoore, emaistarde comoo improvável baixista na banda demetal japonesaVowWow—recusou.

Como ele conta agora, “Depois que Cozy entrou no Sabbath, meconvidaramparaentrar também,maseunão tinha icadomuitoanimadocomTheeternalidol,eestavacomeçandoatocarcomoVowWownaqueleponto. O Sabbath testou muitos baixistas e não conseguia encontrar apessoacerta,entãousaramLaurencceCottle,baixistadejazzesessõesdegravação, com quem Cozy tinha trabalhado no projeto Force ield de RayFenwick”.

Cottle foi mantido para a gravação do próximo disco do Sabbath,Headless cross. O primeiro a mostrar as capacidades de composição deTonyMartineaapresentarCozyPowellnumfortepapeldecocompositorecomo um ajudante de Iommi,Headless cross, lançado em abril de 1989,deixouadesejar.Emumaaparente tentativade levar abandadevolta àimagem de seu auge como supostos ocultistasmusicais emercadores dadestruição em suas letras, há uma vaga linha conceitual no disco. MasnenhumaquecheguepertodoníveldostrabalhosclássicosdaeraOzzyouDio.Todososerrosefalhaspodemservistosnoprimeirosingleevídeododisco, a faixa-título “Headless cross”. Com a câmera focando no primeirominutoquaseinteiramenteemPowell—comoexigiaaproduçãodosanos1980,mostrando-seatrásdabateriacomumsomcomprimido—eIommi,

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paradocomofaziahaviaduasdécadas,àdireitadopalco,sério,vestidodepreto, as cruzes penduradas, mais velho agora, no entanto, com menoscertezas—,Martin,osuposto frontman, icaumpoucoescondidonomeiodeummardegeloseco.Quandoele inalmenteentraem foco,nãovaleapena a espera. Seus vocais retorcidos e ensopados de vibrato; suas“formas” tiradasquase inteiramenteda enciclopédiado rock— tudo issochegaaopontodoclichêderockgenérico.

Nesse período, a imprensa de rock tinha começado a chamarMartinpor seu suposto apelido, The Cat. Na verdade, ele tinha se chamadosimplesmente Cat na sua banda anterior, The Alliance, por ser parecidocom um personagem de programa infantil do começo dos anos 1970,Catweazle — um mago sujo e cabeludo, alquimista fracassadotransportadoacidentalmentedaInglaterramedievalparaoséculoXX.Erauma descrição horrivelmente verdadeira para a postura pesada, no inalsemsentido,do“teatro”queosvocaishistriônicoseapresençadepalcodeMartin conjuravam. O resto do disco não eramuitomelhor. Abrindo comuma instrumental pesada, ameaçadora, chamada “The gates of hell” eterminandoquasequarentaminutosdepoiscomoutrabaladacriadaparaoutrovídeocomraiosegelosecochamada“Nightwing”,eraotipodediscocomum e pouco criativo que o Scorpions já tinha levado a um nívelsuperior,masque funcionavabemo su icientepara satisfazerasplateiasna Europa, onde o inglês não é a primeira língua e onde, não ésurpreendente, o disco vendeu respeitavelmente. Também foi melhor naGrã-Bretanha, onde chegou ao 31o lugar. Mas não tanto nos EstadosUnidos,ondesósearrastouatéo115olugar.

ApesardeCottle teraparecidonovídeode “Headless cross”,quandosingle e disco foram lançados, o Sabbath estava de volta à turnê—mascom Neil Murray agora trazido à formação. Ele concorda que era ummomento estranho para estar no Black Sabbath. “Tocar em Sun City etc.deixouabandaemumlugarruim,cujamúsicaereputaçãoprecisavamserrecuperadas.” Embora Tony agora con iasse em Cozy para carregar umaparte do peso, na mente das pessoas sempre seria Tony Martin que dealgumaformarestabeleceuaidentidadedoSabbathcomoumabandaquedeveriaserlevadaasériodenovo.

Sempre seria uma tarefa árdua para um vocalista desconhecido e

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inexperiente como Martin. Como conta Murray: “Encontrar alguém quepodesertãoindividualecarismáticocomoOzzyépraticamenteimpossível;encontrar alguém que pode cantar tão bem quanto Ronnie James Dio—alémdesuapresençadepalcoetalentodecomposição—épraticamenteimpossível. Há pouquíssimos vocalistas de rock no Reino Unido, entãoencontrarumvocalistaque conseguisse fazerum trabalho razoável comoTonyMartineraomelhorqueoSabbathpodiaconseguir.Infelizmente,elenão temocarismaeacredibilidadeparaser frontmandoSabbath,oquenão é compensado nem por toda a capacidade vocal do mundo. Mas,comparadocomqualquerumadasalternativas,eleerabom”.

E esse detalhe foi dolorosamente enfatizado pelo desastroso inalprematuro da primeira e única turnê norte-americana da formação comMartin.Originalmenteagendadapara36shows,demaioa julhode1989,asvendasdeingressosforamtãobaixasqueaturnêtevedesercanceladadepoisdeapenasoitoshows.DeacordocomNeilMurray:“Atéquepontoéverdade, não sei,mas falou-semuito na época que osOsbournes izeramtudo que podiam para destruir a turnê, pagando para que pessoascolassem faixas de ‘Cancelado’ nos pôsteres dos shows etc. Porém achoqueoproblemaprincipal foia faltade in luênciaquea IRSRecordstinhanosEstadosUnidos—houvepoucapromoção”.Comosempre,foiculpadeoutrapessoa.NaspalavrasdeIommi:“CozyeeufomosalojasdediscosemToronto, Canadá, onde éramos muito populares— ninguém conseguia odisco, não estava nas lojas, ninguém conseguia comprar— inacreditável.Tivemos que brigar com o representante local — eu realmente chegueipertodedarumaporradanele!Foi feioassim.No inaldodia,somosnósquesofremos:elesdizem: ‘Oh,nãovendeu’.Comopodevenderseodisconãoestánaslojas?”.

Tony Martin pode ter a irmado na época queHeadless cross foi “odiscomaisimportantequeoBlackSabbathlançoudesdeHeavenandhell”,mas poucos fãs do Sabbath concordariam com ele. As principaisreclamaçõesdosfãsnaépocagiravamemtornodeumapercepçãocomumdequeorecrutamentodemúsicoscomoMartin,PowelleMurraylevaramoSabbathaumadireçãomuitomaismelódicadoqueahistóriadabandapoderia aguentar tranquilamente — quase contra a vontade de Iommi.UmaideiaquefazMurrayrir.“Naverdade,foiumaescolhadeTonyIommi

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seguir nessa direção melódica. Ele criou quase todas as ideias musicais,depoisTonyMartinacrescentavaasmelodiasvocaiseas letrasaosriffseàsestruturasdascanções.NãoépossívelobrigarTonyIommiafazeralgoque ele não queira.” Ele acrescenta que “apesar de tecnicamente ser umexcelente cantor, TonyMartin tinhaum tomdistinto, então eradi ícil queas músicas, não importa o peso, se parecessem com o som antigo doSabbath”.

Quando a banda tentou reequilibrar comonovodiscoTyr, em 1990,noqualváriasfaixasparecemsairdamitologianórdica,notavelmenteumasuítedetrêsfaixasdoladoB,começandocom“ThebattleofTyr”(TyréoilhodeOdin),levandoa“Odin’scourt”e“Valhalla”—oitominutosemeiode rock progressivo em grande escala, repleto de sintetizadores, pontosacústicos e guitarras elétricas, baterias grandiosas e vocais místicos —pareciaqueelespoderiamrealmente iniciarumanovaeraparaabanda.“Durante o período 1988-90 da banda”, conta Neil Murray, “houve naverdadeumacoparceriaentreTonyIommieCozycomolíderesdabanda.CozyiaatéacasadeTonyeelestrabalhavamemcimadograndenúmeroderiffsqueTonytinhagravado.GeoffNichollsàsvezescriavaideiasparamúsicas, e ele era a sombra de Tony, estava com ele o tempo todo,especialmentenasturnêseemgeralcomoumparceiroleal.”

OdiscoTyrnãofoiumgrandesucesso,masrecebeunotassimpáticasna imprensa de rock britânica e europeia, levando ao melhor lugar naparadabritânica,pelomenosnosúltimoscincoanos,quandochegouao22o

lugar. Em Londres, em setembro de 1989, eles conseguiram ser atraçãoprincipalnoHammersmithOdeon,algoquehaviaanosnãoconseguiam.Nomesmo ano, completaram treze shows lotados no Olympski Hall emMoscou, seguido por doze em Leningrado, no EKS Hall, para um total de230milpessoas.Asdatasda turnêeuropeiaebritânicadeHeadless crossnoanoseguinteforamdeescalasimilar.Bastanteencorajado,TonyIommifalavasobreo iminenteretornodabandaparaosEstadosUnidos,masnarealidade a formação com Tony Martin não conseguiu capturar aimaginaçãonummercadoagorasaturadocombandasderockemetalcomverdadeiropoderimaginativo,nãosóemtermosteatraisebaseando-seemglórias do passado, porém realmente inovando. Ao mesmo tempo queHeadlesscrossnãoconseguiunemchegaraoTop200,discosdoMegadeth,

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Slayer, Anthrax, Judas Priest, Iron Maiden e, pior, Ozzy OsbournechegavamaoTop30dosEstadosUnidos.

O resultado foi que não houve turnê norte-americana para divulgarTyr; toda a “turnêmundial” durou apenas trêsmeses, focada nos únicosterritórios do mundo que ainda compravam entradas do Black Sabbath:Grã-Bretanha, Itália, Suíça, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Noruega,HolandaeFrança.

DevoltaaolarnoNatalde1990,TonyIommiolhavaparaoAno-Novocomumolhardistorcido.Cadavezmais“frustradopela faltadesucessoerendacomparadacomosanos1970”, contaMurray,oguitarrista “culpouprincipalmente a IRS Records”, embora eles sempre tenham apoiadobastante.“AsensaçãoeraqueMilesCopeland,queeraodonodaIRS,nãoentendiaderockpesadoequeabandanuncavoltariaàposiçãoquetinhaalcançadonosdezanosanteriorescomaqueleselo.”

Iommi queria brigar. Ele tinha trabalhado duro, montado a melhor,maisestáveleprodutivaformaçãodoSabbathdesdeotempodeDio,masdepoisdequatroanostentando,tentando,elesestavam—comercialmentefalando — piores do que nunca. Algo teria que ser feito. Ralph Bakerconcordava.

E,felizmenteparaeles,RonnieJamesDiotambém.

O começo dos anos 1980 tinha sido de Ronnie James Dio. Agora, noentanto,nocomeçodosanos1990,eletinhasidoatingidopelomaucarma.DepoisdosprimeirosdoisdiscosdeDio—Holydiver (1983)eThe last inline(1984)—, ambos chegandoaplatinanosEstadosUnidos, elepareciaestar a caminho de uma carreira pós-Sabbath pelo menos tão grandequanto a de Ozzy Osbourne. Na verdade, houve muitos paralelosfascinantes entre as carreiras dos dois vocalistas. Ambos tinhamperdidoseulugarnoSabbathporcausadeumguitarristatãoin ladoemseuegoepelas drogas que estava convencido de que sempre poderia encontraralguém melhor; os dois tinham as esposas como empresárias, e elasqueriam muito proteger seus homens, que, elas sentiam, tinham sidobastanteenganadosepisados;eosdois tinhamconseguido fazer sucessorapidamentecomsuasprópriasbandas.

MasondeSharonOsbourne tinha superado todososobstáculospara

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manter Ozzy no auge de sua carreira durante os anos 1980,constantementemelhorandosuabanda,sua imagem,atéseusom,WendyDio tinha trabalhado para que nada atrapalhasse ou alterasse o cursomusicaldeRonnie,nemmesmoaspessoasquetinhamajudadoaescreversuas músicas de mais sucesso: duas estratégias diferentes que tinhamlevado,nocomeçodosanos1990,adoisresultadosbemdiferentes.OndeOzzy ainda parecia relevante, garantindo credibilidade por associação,durante anos, ao sempre fazer turnês com qualquer que fosse a novabanda da moda como abertura — Motley Crüe em 1984, Metallica em1986, Anthrax em1988—, a audiência deDio tinha diminuído bastante,estreitando-se cada vez mais a ponto de seu disco de 1990,Lock up thewolves, ter sidoumdesastre completo, não chegandoaoTop30doReinoUnido e só chegando ao 61o lugar nos Estados Unidos. Todos os trêsmembros originais do Dio— o baixista Jimmy Bain, o guitarrista VivianCampbell e, mais importante, o baterista Vinny Appice — tinham saídodesiludidosporqueabandaque tinhamambiçõesde transformarnoqueBainagorachamade“umZeppelindosanos1980”tinhasedissipadoemumgrupodesegundalinha,agorasebaseandobastantenopassado.

“Eleestavamuitopresoaopassado”,contaCampbell.“Erameiocomoestarnumabandacomseupai.Excetoqueseupaieraumaestreladerockcoma qual vocênão tinhanenhuma relação.” Ele lembra-se de icar comRonnieemsuacasaemLosAngelesemmeadosdosanos1980.“Isso icouespecialmente aparente para mim naqueles meses, quando vivi em suacasa. Como quando eu saía à noite. ‘Onde você vai?’ Vou ao Rainbow. ‘Aquehoravocêvaivoltar?’Nãosei!LembrodemesentaraliparaassistiraMTVepassaremvídeosdoDefLeppard.Eleperguntava:‘Oquevocêachadessa banda? O que você acha desse som que eles estão fazendo?’. E eumeioquegostava,sabe?Eledizia:‘Éumamerda!’.Eramuitovelhaguardaemeiociumentodetudo.Elesesentavaali,enrolavabaseadosecriticavatodos os vídeos de todas as bandas que apareciam. E eu icava sentadocom ele e falava pouco porqueminhas opiniões contrastavam totalmentecomasdelenamaioriadasvezes,sabe?Eramuitoestranho.”

Campbell saiu em1985, logodepoisdo lançamentodo terceirodiscode Dio— e o último a vender ummilhão—Sacred heart . Houve brigasfeiassobredinheiro,disputassobrecréditosdecomposição, todosos três

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membros da banda agora insistindo que tudo pesava a favor de Ronnie,algoqueWendyDionãodiscorda, somenteapontandocomoelaeRonnietinhamhipotecadoacasadelesparacriarumfundoparaabandaemseusestágios iniciais, que a banda estava sempre recebendo adiantado esemprerecebiadinheirodasmúsicasqueescreviamemparceriacomseumarido. “Vamos colocar desta forma”, ela diz, “a banda se chamava Dio.”AntesdeRonnieescolherosmúsicosquequeriaquesejuntassemaelenacarreirapós-Sabbath:“Todosessesoutroscaraseramdesconhecidos”.

Mas esse tipo de discussão é comum no mercado musical. O querealmente fezcomqueprimeiroCampbell,depoisBaineAppice, saíssem,elesdizemagora,foiasensaçãoquetinhamdeumaoportunidadedouradaperdida pela determinação míope de Ronnie em fazer tudo do seu jeitoagoraquenão tinhamaisqueresponderaogroscomoRitchieBlackmoreou Tony Iommi, e a visão estreita de Wendy sobre como gerenciar acarreira dele. “Ela sempre falava para Ronnie que não importava quemestavanabanda”, contaBain, “queeraonomedele, suabandaequeelepoderiafazeroquequisesse.”

Independente de quem estava certo ou errado, ninguém poderiadiscutirofatodeque,nocomeçode1991,quandoRalphBakercomeçouafazer discretos contatos primeiro com Gloria Butler — agora tambémempresária do marido — e Wendy Dio sobre uma possível reunião doBlackSabbath,todosestavamprontosparaouvir.Empoucassemanas,umanúnciotinhasidofeitonaimprensamusicaldoReinoUnidoedosEstadosUnidos: Dio, Iommi, Butler e Appice (e Nicholls, apesar de não ser maismembro o icial da banda, voltando a seu papel metafórico atrás dascortinas) estavam de volta e iriam gravar o primeiro disco juntos desdeMobrules,exatamentedezanosantes.

ParaTonyeGeezer,eraum“salva-vidas”,comoa irmaobaixista.ParaDioeranadamenosque“umnovocomeçoparaamelhorbandadafacedaTerra. Achei que provavelmente todos terminaríamos nossas carreirascomessabanda”.

A primeira vez que TonyMartin ouviu isso foi numamanhã quandoestava se preparando para se encontrar com a banda. “Eu estava naverdade saindo para ir ensaiar. Eles tinhamme passado todas as datas,horários de ensaio e tudo. Literalmente a caminho da porta, o telefone

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tocou, eerameuempresário.Eledisse: ‘Émelhor se sentar’.Martin icoudevastado, espantado,magoado. Quando recuperou seu equilíbrio, temposu icienteparaconsiderarsuasituação,paraseucrédito,elegarantiuummodesto contrato solo.Mas as feridas nunca chegariam a ser curadas devez. Falandoem2012, aindavestidoda cabeça aospésde couropreto, acabeça agora raspada, ele se lembra de que Tony nunca ligou para elediretamente. “Sempre passa por outra pessoa. É tudo muito bizarro, e aúnica coisa que consigopensar é que eles não estão acostumados a lidarcomoutraspessoascaraacara.Viviamnumabolha,nessegrandeespaço,pormuitotempo,etem‘pessoas’aoredordeleseeunãosouassim.Gostode resolver as coisas cara a cara. Gosto de resolver meus própriosproblemas.”

AprimeiravezqueNeilMurrayouviuissofoiquando…Elenãoouviunada. “Depois dos shows europeus no outono de 1990, as coisas icarammisteriosamente quietas”, ele conta. “No inal, acabei ligando para osempresários para ver o que estava acontecendo. Eles admitiram queGeezerestavavoltandoparaabanda, juntocomRonnieDio.”Murray,quejátinhavistoesse ilme,quandofoitiradodoWhitesnakepoucodepoisdegravaroquesetornariaumdosdiscosderockmaisvendidosdadécada,Whitesnake 1987, icou chateado, mas nada chocado. “Este é um bomexemplodecomoTony Iomminãogostadeconfrontoscaraacara,poisépreciso ser sensível ao humor dele — se você começa a irritá-lo e nãopercebeossinaisdecomovai icandoagitado,derepenteeleexplodecomraiva e o joga contra a parede, o que já vi acontecer algumas vezes. Eletambém é pouco articulado, apesar de muito inteligente, engraçado ecriativo,entãoéprecisoseligarnohumordeleemvezdeesperarquedêordensdiretas.”

Cozy Powell, que era menos sensível ao humor dos outros, viu issosimplesmente como “uma traição”. Ele tinha sido mais do que apenas obateristaquehaviasalvadoopescoçodeTony.Eletinhasidocolaborador,coconspiradorecon identenaformaçãocomTonyMartin.Oplanooriginalde Iommi, na verdade, tinha sido manter Cozy. Mas quando o bateristaazaradoquebrouapélvisnumacidentedecavalo—ocavaloemqueeleiamontado teve um ataque cardíaco e caiu sobre ele— e icou sem podertocar por váriosmeses, Ronnie, que icara apreensivo com a convivência

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com o baterista cheio de opiniões com quem já tinha batido cabeça noRainbow e que tinha começado a se acostumar nos últimos anos a ver oSabbath como parcialmente seu, sugeriu rapidamente que trouxessemVinny Appice de volta. Desesperado para não atrasar o projeto, menosaindaqueDioeButlermudassemdeideia,Tonyaprovouamudança.Cozyficouloucoderaiva.

“Fuichutadodabandaporqueumcavalocaiuemcimademimenãopude tocarporseismeses”,ele fumegava. “Tambémalguns truquessujosforamusados,eTonyderepentepartiucomumaversãonorte-americanado Black Sabbath. Ronnie James Dio foi contratado como vocalista, e eleexigiu que Vinny Appice fosse contratado como baterista. Não concordeicom a escolha de Dio porque já tinha trabalhado com ele no Rainbow.Fiquei desapontado comas escolhasdeTony e especialmenteporque elenãoqueriaesperarqueeumerecuperasse.SeeuiriaquerertocarcomoDio era outra coisa, mas achei que Tony fosse meu amigo. Fui muitoingênuo,claro,deveriaconhecermelhoressenegócio.”

PorémTonydiminuiuaimportânciadisso,dizendoquea“coisacomoDio”erasomenteumdisco,pararestabeleceronomedabanda.QueCozyvoltaria assim que fosse possível. Nada disso era verdade, embora fosseexatamente o que aconteceria no inal, apesar de muitas promessasquebradaseesperançasfrustradas.

Paracomeçar,foiexatamentecomonosvelhostempos.RonnieeVinnyestavam instalados numa casa em Stafford, onde Tony e Geezer sejuntariam a eles na maioria dos dias, “para fazer jams e ver o quepodíamoscriar”, lembra-seVinny,comseuequipamentomontadonasala,“com pequenos ampli icadores, era bastante divertido!”, e o bateristaresponsável por gravar as várias jams em itas cassetes, depois tocavamarcando os pontos altos antes de começarem a trabalhar a cada dia.“Quando cheguei, eles já tinham três ou quatro músicas escritas”, elelembrou.“Agentefezorestodacomposiçãoemumasduassemanas,tudoera tranquilo de novo. A gente gravou uma demo em Monnow Valley,voltouparacasaporumasduassemanaseaí fomosgravaremRock ield.Entãolevamosdoisperíodosdeseissemanasparaagravação.”

Odiscocompleto,chamadoDehumanizer, foibemmelhordoquetudo

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quetinhamfeitonosúltimosanos;omelhor,certamente,desdeHeavenandhell. O que faltava de calor e exuberância nesse foi compensadosimplesmente por ser o disco do Black Sabbath mais convincente desdeentão. Sem as pretensões melódicas dos discos de Hughes e Martin,injetandootipodevigorsanguíneoquenãoeraouvidohaviamuitotempo,desde os distantes dias de verdadeiras declarações monstruosas como“Symptom of the Universe” e “Snowblind”, era cru e incontido. OmelhortrabalhoqueDioouIommitinhamgravadohaviamuitotempo.ComofalouGeezer:“Musicalmente,estamosdevoltaaosomoriginaldoSabbath;eraoquetodosqueríamos.Emtermosdeletra,achoqueRonnieavançou.Entãoéumpoucodosdois.Voltaràsraízes,masavançando”.

Pela primeira vez, otiming deles também era bom. QuandoDehumanizer foi lançado, em junho de 1992, o mundo do rock tinhapassado por uma revolução. O hair metal era história; tinha sidosubstituído por um novo fenômeno que os críticos tinham apelidado de“grunge”.AbandaquesozinhamudoutudoerachamadadeNirvana,cujovocalista, guitarrista e principal compositor, uma mistura de raiva esentimentos doloridos com um rosto de a lição chamado Kurt Cobain,gostava de se descrever como “um cruzamento entre Beatles e BlackSabbath”.Cobainnãoestava falandoda formaçãocomDio,claro,mas issonão diluía o apoio que agora ele parecia dar àqueles veteranos do BlackSabbath—independentedequemestivessenaformação.

NaondadoNirvanaagoravinhaumageraçãodebandascomoPearlJam, Soundgarden, Stone Temple Pilots, Mudhoney e Alice in Chains.Imagemearti ícioestavammortos.Vocaishonestoseprofundos,guitarrasemotivas e com a inação baixa estavam dentro, junto com bateriastrovejantes e produções tempestuosas. De repente, o novo disco doSabbath,comsuasmúsicassobre“coisasreais”como“TVcrimes”(odanocerebraldasbaboseirasnaTV),“Computergod”(onovomestreeescravoda tecnologia) e “Sins of the father” (demônios da infância que crescemaindamaiscomapassagemdotempoecongelamnamentedoschamadosadultos comosangueseco), colocouabandadevoltaao lugaremqueelaprecisava estar. “I am the crazymanwho lives inside your head” [Sou oloucoquevivedentrodasuacabeça],avisaDio,evocêmomentaneamenteacreditanele.

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“É realmente bom”, diz Geezer entusiasmado, “eu e Ronnie nossentamosparadiscutiradireçãodasletraseelenãoqueriafalarsósobrecalabouços, dragões e arco-íris, nem eu. Então falamos: ‘Vamos tratar doque está acontecendo no mundo agora’. Havia muito material paramergulhar e escrever.” Musicalmente, também, a banda tinha por imconseguidochacoalharainérciadosanosHugheseMartineredescobertoseus pontos fortes. “O que aprendemos é que se você icar polindo otrabalho, vai perder a alma da banda. Mais que isso, sabíamos que nãotocaríamosnarádio,entãonemtentamossercomerciais.”

E, por não tentarem, inalmente conseguiram vender quantidadessigni icativas de discos de novo. Eles ainda estavam longe de seu augeplatinado,masDehumanizerfoiodiscomaisvendidodoSabbathnaúltimadécada, chegando ao Top 30 do Reino Unido e,mas incrível do ponto devista da banda, conseguindo entrar no Top 40 dos Estados Unidos pelaprimeiravezdesdequeDioesteveà frentedabanda.Atéa capapareciaconscientemente voltada para queimar as camadas indesejadas dachamada classe que tinha crescido como cálcio no cérebro deles: umdesenho cinzento daMorte como umRobô Terminator, “desumanizando”umfãdoSabbathaoapontarraiosdiretamentenocoração;no fundo,umdeus computadoremcimadeumaltar.Nãoo tipode coisaqueum fãderock “maduro” poderia querer que o vissem carregando para casa, masalgomaisousadoedeliciosamentedemaugosto.Otipodecoisadaqualospais de uma nova geração de fãs do Black Sabbath de initivamente nãogostariam, nem pensariam em considerar. Até os momentos mais fracoscomo“Timemachine”,originalmenteescritaegravadaparao ilme Quantomais idiota melhor —e mais tarde lançada na trilha sonora o icial, quechegouaoprimeirolugarnosEstadosUnidos—,sãoapresentadoscomtalritmoqueganhamumbrilhoespecial.Noentanto,sãorealmenteasfaixaspeso-pesado que icam na sua cabeça, em especial a penúltima, “I”, tãogrande e épica quanto qualquer coisa que a banda tenha realizado comOzzy ou Dio. Há até um aceno ao rock dos anos 1990 com a faixa inal,“Buriedalive”,seuriffemstaccato,comguitarrasebaixorasgadostocandoemuníssono,diretodosestiloscontemporâneosdegigantescomoPantera.Como um Sabbath canalizando um Metallica canalizando um Sabbathcanalizandoalgomuitopróximo,naverdade,deumpuroprazerdolorido.

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“Está tudo ali para mim”, conta Vinny agora. “O som é bem alto eagressivo.Realmentemexecomvocê.LembrocomoeueRonnieestávamosouvindoosomjuntos,fumandoumbaseadooualgo,eestávamostipo,putamerda, cara! Ouça isso!” Dio festejou positivamente a força sinistra dodisco,mais tarde contando a JoelMcIver: “Tenho certeza de que amídiaestava pensando, agora vamos ver outroHeaven and hell. [Mas] não é oque queríamos fazer. Ao icarmos tão obscuros, nos alienamos um poucodas pessoas que estavam esperando isso. Provavelmente estava pesadodemaisparaseutempo”.Maselenãoseimportava.ParaDio,“issoerasóocomeçodoquepoderíamosfazeragora”.

Mesmo assim, a gravação deDehumanizer não tinha sido fácil. DeacordocomTonyMartin:“Assimquecomeçaram,poucassemanasdepois,eles me ligaram e falaram: ‘É estranho, não está indo bem. Você podevoltarparaagenteconversar?’.FuiveroTony,masnãopodiafazernadaporque já tinha começado a gravar meu disco solo”. Eles foram icandomais duros, como sempre tinham feito. “Não tivemos nenhumproblema”,explicou Dio, falando algum tempo depois. “Terminamos criando nósmesmos[e]criamosmuito.”Essediscodemoroumaisoumenosumanoemeioparaserfeito,docomeçoao im.Umdisconãodeveriademorartanto.Mas tudo era realmente político. No inal do disco, um não falava com ooutro…Oumelhor,elestinhamsimplesmentevoltadoacomoeram:RonnieeVinny estavam conversando; Tony e Geezer estavam conversando.Masnãoumaduplacomaoutra.

AturnêcomeçouumdiadepoisqueDehumanizerfoilançado,comoitodatas no Brasil e na Argentina. Tony estava em seu território, capaz deconseguir uma dasmais fortes— emais baratas— cocaínas nomundo.Geezer estava bebendo muito. Tanto que “eu estava tentando comprarbrigacomtodomundo.No inal,acerteiumaestátua!Corteifeiomeurostoeestava tãobêbadoquenempercebi. Fuiparaa camaequandoacordeino dia seguinte minha cabeça estava grudada no travesseiro. Nãoconseguiaentenderoqueestavaacontecendo,estavacobertodesangue”.

Comoemmuitasocasiõesantes,Dioviatudoissocomvariadosgrausde consternação e desprezo. Como ele me contou anos depois, “eu naverdade achei que voltar com aqueles caras seria totalmente diferentedessa vez. Pensei, sabe, já se passaram dez anos, todos mudamos, isso

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pode ser algo na verdade bom. Eu tinha continuado e gravado algunsdiscosmuitobonssemeles,eelestinhamcontinuadoefeitooque izeram.Estávamos iguais nesse momento, pensei. E estava muito orgulhoso dodisco que gravamos juntos, embora, para ser realmente honesto, quandoterminamos,queriamuitoquetudoacabasse,assimeupodiairparacasa.EracomoseTonynãotivesserealmentemudadotanto.Outalvezfosseeu.Mas aí saímos em turnê e foi quando eu soube. Algo estava errado. Ouiríamos nos juntar e voltar a ser uma grande banda de novo, uma dasmaioresdetodosostempos,eraoqueeupensavapelomenos.Oualgumaoutracoisairiaacontecer.Eusimplesmenteaindanãosabiaoqueera…”.

No verão de 1992, bem quando o discoDehumanizer estavaconseguindo colocar o Black Sabbath de volta ao mapa, Ozzy Osbournerecebeumásnotícias.Ele tinhasidodiagnosticadocomesclerosemúltipla.“FoioquealgummédicodemerdaemLosAngelesnoscontou”,Sharonmedissedepois.“E,claro,acreditamosnele!Ozzytremiahaviaanos,vocêsabedisso,masderepenteelecomeçouamancar,entãoeuomandeifazerumcheck-up, e logo eles estavam fazendo exames de sangue e tomogra ias,dizendo que estava nos primeiros estágios de esclerose múltipla. Quasemorriquandomecontaram!”Foialgunsmesesantesqueumasegundaeumaterceiraopiniãosecontrapuseramàprimeira,eOzzytevecertezadenãoteressadoença.Enquantoisso,elepreparouseutestamentoecompôsuma novamúsica chamada “See you on the other side” (quemais tardeapareceria em seudiscode1995,Ozzmosis). “Era sobre issoque falavaamúsica”,disseSharon.“Realmenteachamosqueelesótinhamaisunsanosde vida. Então, além de tentar tirá-lo da bebida e das drogas, decidimosque ele não deveria fazer mais turnês. Por isso a coisa toda daaposentadoria.”

“Acheiquejáera,tinhachegadominhahora”,Ozzymecontaria.“FaleiparaaSharon: ‘Agente sevêdooutro lado…’.”Terminou sendoumerrode diagnóstico. Mas Ozzy e Sharon descobriram isso muito mais tarde.Nesse momento, tudo parecia muito crível. Ozzy vinha tremendo —literalmente sofrendo de tremores e gagueira— por anos. Todo mundoque o conhecia achava que eram os efeitos colaterais de décadas debebidas e drogas. Uma década entrando e saindo de clínicas de

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reabilitaçãoparecianãoterajudado.Comoelegostavadebrincar:“SaídostrilhostantasvezesquemesintocomosefosseumporradeumíndionumfilmedeJohnWayne!”.

Quando, no outono de 1989, ele foi preso na Inglaterra acusado detentativa de assassinato— o resultado de uma briga alucinada que tevecomSharonnumanoitedebebedeiraemsuamansãodeBuckinghamshire—, novamente, quase parecia seguir o padrão. Eu tinha me encontradocom ele e Sharon poucos dias antes em Londres. Assim que começou afalar,eraóbvioquehaviaalgoerradocomele.Outrolegadodasperiódicas“limpezas” de Ozzy tinha sido sua transformação num farmacêuticoambulante. Junto com o pacote de notas grandes que ele tambémcarregava habitualmente — uma ressaca de seu passado de pobreza,explicava—, ele agora carregava garra inhas de pílulas que faziam comque se parecesse um chocalho. No entanto, isso era algo diferente. Eleparecia não estar ali. Não em sua forma meio tonta de sempre. Pareciagenuinamenteterdesaparecidoemalgumlugardentrodelemesmo.Noteique estava transpirando forte também. Ele parecia um fantasmaacorrentado.Umdessesfantasmasquecarregaacabeçadebaixodobraço.

Sharonescondiaoqueestavarealmentesentindoportrásdosorrisoe do charme que sempre demonstrava quandoOzzy estava tendo umde“seus dias ruins”. Eles iam até Hamley’s, em Piccadilly, ela contou, paracomprar um presente de aniversário para a ilha Aimee. “Meu bebêprecioso vai fazer seis anos”, sorriu Sharon, segurando forte o braço deOzzy.Elesiamfazerumafestinhaparaelanosábadoànoite.

Aquele domingo à noite eu estava em casa vendoNews at Ten natelevisãoquandoapareceuumanotíciaquedemorei algunsminutosparaentender.“OzzyOsbourne,aestreladorock,foipreso…”Concluíquetinhaalgo a ver com drogas. Não tinha. Em vez disso, “Osbourne, 41 anos, foipresonasprimeirashorasdestedomingodepoisde supostamente tentarestrangularsuaesposaeempresária,SharonOsbourne…”.

Nos próximos dias, os jornais publicaram muitas coisas a esserespeito. “AMEAÇA DE MORTE — OZZY ENVIADO À CLÍNICA DEREABILITAÇÃO!”, gritava a manchete do Sun. “PROIBIDO DE VER AESPOSA!”, gritava oMirror. “MALDITA DESINTOXICAÇÃO”, reclamava oStar. De acordo com os relatórios, a polícia chegou à casa dele nas

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primeirashorasdamanhãdodomingoesubsequentementeprendeuOzzypor tentar estrangular Sharon ou “levando-a a crer que a ameaça seriacumprida”, como aparece no relatório o icial da polícia. Eles tambémpublicaramuma sériede rumores sembasesquepodemounão ter algode verdade: Ozzy estava clinicamente insano; Sharon estava tendo umcaso;Don tinha convencidoOzzya se livrardeSharon.Típicas fofocasdetabloides,emborabastantenocivas.

Quando falei com Sharon alguns dias depois, ela explicou que tudotinha começado com uma caixa de vodca russa que os organizadores dealguns shows que Ozzy tinha acabado de fazer emMoscou haviam dadoparaele (oMoscowMusicPeaceFestival,umeventodedoisdiasnoqualOzzy tinha tocado poucas semanas antes). Ele tinha tomado uma garrafaduranteojantaraquelanoitequandoumadiscussãomesquinhaacabousetornando algo “completamente descontrolado”. Ela suspirou. “Já tivemosmuitasbrigasantes”,disseSharon,“vocêsabecomosomos,masnadacomoisso. Soube que estava fodida quando ele começou a falar em ‘nós’. Tipo,‘nósdecidimosquevocêprecisamorrer…’.NãoeraOzzy,eissomedeixouaterrorizada. Ozzy nunca teria feito isso comigo, porque ele não é capazdisso. Mas quando ica chapado, Ozzy desaparece e outra pessoa tomaconta…”

Depoisdaprisão,Ozzy foi liberadosob iançacomacondiçãodequefossediretoparaHuntercombeManor:umcentrodereabilitaçãoprivado,custando 250 libras por dia, em Buckinghamshire, já conhecido dovocalista,quetinhasidoadmitidoaliparaumtratamentobreveduasvezesno ano anterior. Sharon retirou as acusações de tentativa de assassinatoassimqueOzzyconcordouemfazerotratamento.“Oálcoolestádestruindosuavida.Seralcoólatrasigni icaquevocêtemumadoença.SeOzzytivessecâncer,aspessoassentiriampenadele.Mascomoéalcoólatra,aspessoasnãoentendem.Elesóprecisadeajuda.”

Elameconvidouavisitá-loemManor.“Elequercontarmuitascoisas.”Alguns dias depois, numa noite escura de domingo, quase duas semanasapós sua prisão, me apresentei ali na recepção. O lobby era parte umarecepção dehotel,parteumasaladeesperadedentista.Domingoeraumdos dois dias da semana nos quais os pacientes tinham permissão dereceber visitantes, e várias pessoas entraram e saíram enquanto eu

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esperava por Ozzy na sala de TV comunitária. Era fácil separar os“convidados”dos“visitantes”:osprimeiroseramosqueestavamsentadosparecendorelativamenterelaxados;osoutroseramosquesearrastavameolhavamfurtivamenteparaseusrelógios.

De repente, lá estava ele, “sentindo-me nervoso”, ele disse, e“precisando de um cigarro”. Ele tinha acabado outra sessão com seuterapeutae“aporradaminhacabeçaaindaestágirando”.OsaposentosdeOzzy englobavam um quarto grande com sala, além de um banheiro etoalete, mais outra sala de descanso pequena. Com bons móveis, massóbria. Notei que também havia um telefone e uma máquina de fax noquartoprincipal.NadadeTV,noentanto.“Elesnãoqueremquevocê iquesentadonoseuquartopormuitotempo”,eleexplicou.

“Éumpoucocomoumhotel”,comentei,tentandoaliviaroclima.“É,excetoquenãodáparadescereiratéobar…”Conversamospor várias horas, eOzzy contou como tinha se tornado

um “bebedor com amnésia havia um ano”. Ele já tinha sido preso antes,claro,masasduasnoitesemqueOzzypassounadelegaciadeAmershamforam“aspioresdaminhavida.Eusimplesmentenãoconseguiaacreditarnoqueelesmecontavamqueeutinhafeito”.Felizmente,apolíciaotratoubem. “Eu estava numa cela sozinho, e eles me davam cigarros econversavam comigo de vez em quando. No entanto, as condições eramnojentas.Seiquenãoprecisasercomoumhotel,maseraterrível.Nemumratopodiaviverali…”

O que realmente o incomodava, ele falou, era a forma como toda ahistória tinha sidomostrada na imprensa; de rumores sem base de queSharonestavatendoumcasoequeissotinhainiciadoadiscussãonaquelanoite, a rumores de que Ozzy estava querendo demitir Sharon como suaempresáriaevoltaraopaidela,DonArden,iniciandoumareformatotaldoSabbath. Ele balançou a cabeça, cansado. “Eles tiraram a coisa toda daproporção.Não estou me divorciando de Sharon.Não estou voltando aoBlack Sabbath.Não estou voltando a Don. Só gostaria que todo mundodeixasseminhafamíliaempaz,sabe?Queremosficarempaz!”

Perguntei que tipo de medicamento ele estava tomando.“Antidepressivos, principalmente. Por causa dos efeitos colaterais dacortisonaquemedeixamdeprimido,vocêachaqueomundotodoestáem

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cima de seus ombros. E estou tomando vários remédios porque estavatendomuitosespasmos.”Eleexplicoucomo,quandodeixoudebeberálcoolumaoutravez,teveespasmosporque“nãopasseiporumadesintoxicaçãomédica”. Ele continuou: “Isso foi há seis meses. Não é tão ruim quantoparece, mas se você tem registro de passar por esses ataques, elescontinuamcomamedicação.Estoutomandotodotipodemedicamento”.

Sua “prioridade número um agora”, contou Ozzy, era “ icar sóbrio econtinuarsóbrio.Seiquetenhodeiramuitasterapiaspelorestodaminhavida. Preciso ir a reuniões [do AA]… Preciso me encontrar com outrosalcoólatrasemrecuperação.Doisalcoólatrasemrecuperaçãopodemfazermaisumpelooutrodoquequalquerpsiquiatraouterapia.No inal,tenhoduasescolhas:oufazeracoisadireitodessavezouferrartudodenovo.Esenãofizerdireito,voumorrerouficarlouco…”

Perguntei se havia alguma verdade nas histórias dos jornais de queDontinhaentradoemcontatocomeledenovo,eparaminhasurpresaeledisse que tanto Don quanto o irmão de Sharon, David, tinham tentadoentraremcontatocomele,chegandoatéamandarfaxesaseuquartoemHuntercombe. Ele levantou e me mostrou um no qual Don se referia aSharoncomo“aquelabruxa”ebasicamenteseofereciaparacuidardeleseSharon decidisse levar adiante sua ameaça de se divorciar dele oucontinuar com a ação na justiça. “Eles até tentaram me ligar na prisão”,contouOzzy.“Recebitelegramasetudoisso.Querodizer, icosatisfeitoquepensaramemmim,masachoqueelesprecisamcuidardeseusnegóciosemedeixar sozinho.Eu eminha família estamos indobem.Nãoprecisodaajuda deles. Já sou grande agora. Não sou mais o vegetal, comocostumavammechamar.”

Ele continuou: “Sempre fui paranoico. Sempre. Ultraparanoico.Também sou muito nervoso e tímido. Quando estou tocando, sou umapessoadiferente.OOzzyartistanãotemnadaavercomapessoaquevocêestávendoagora.Pelomenos,esperoquenão…”.

Antes de virarmos a página elemencionouqueTony Iommi tambémligouparaeleenquantoestavanareabilitação.“Noentanto,nãoatendisualigação.Não faleicomoporradesdeoLiveAid,emesmonaquelaocasiãoele não se despediu. Então para que ele quer ser meu velho amigo derepente? Quero dizer, não sou tão estúpido que não consiga ver. Estou

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chapado,nãoestoumorto!Aindanão,dequalquerforma.Aindabem…”Encontrei-me novamente com Ozzy dezoitomeses depois. Ele estava

emLosAngelesgravandoumnovodisco,quesechamariaNomore tears ,e, pelas demos que tocou paramim, parecia amelhor coisa que já tinhafeitodesdequeperdeuRandyRhoads,muito tempoatrás.Também tinhavoltadoabeber, fumavamaconhanumnovocachimboque tinhaacabadode comprar e cheirava coca de uma enorme bolsa de polietileno. Estavachapado de tudo: álcool, drogas e da qualidade do novo disco. Claro,quandoNo more tears foi lançado, naquele mesmo ano, tornou-se seumaior sucesso desdeBlizzardofOzz,dez anos antes, chegando ao sétimolugarnosEstadosUnidosevendendoquase5milhõesde cópias.A turnênorte-americana na qual ele embarcou, em novembro de 1991, parapromoverseuúltimosucessomultiplatinado—comaaberturadosucessodomês,UglyKidJoe,e,maisadiante,doAliceinChains—durariasólidosdoze meses, incluindo dezesseis datas na Grã-Bretanha e na Europa naprimaveraseguinte.AmaiorturnêdavidadeOzzy.

Ele estava nomeio da turnê, em casa durante sua única parada, emmaio de 1992, quando recebeu a notícia de que estava morrendo. Umapro issional até o inal, quando descobriram que ele tinha sido maldiagnosticadocomesclerosemúltiplaeviveriapormuitomaisdiasainda,Sharon continuou e revendeu a turnê como a de despedida de Ozzy. Elepoderianãoestaràbeiradamorteainda,maselaastutamenteaproveitouaoportunidadeparaquesetornassemalgumasdasmaismemoráveis—ebem-sucedidas—turnêsdeOzzy.Elenuncaseriaesquecidoporninguém.IncluindooBlackSabbath.Algoque,paradoxalmente, iria levarao imdaformaçãodabandacomDio—parasempre.Umbônus,dopontodevistade Sharon, e que elamais tarde exploraria aomáximo. Pode ter certezadisso.

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Doze

Salvador

NOVERÃODE1992erao icial.OzzyOsbournecontinuariaagravardiscos,diziaopress release,mas deixaria de fazer turnês. Chamada de turnêNoMoreTours,aturnêdedespedidadeOzzyreunia63showsnosEstadosUnidos,culminandoemduasapresentaçõesincríveisnoPaci icAmphitheatercomcapacidadepara18milpessoasemCostaMesa,noOrangeCounty,suldaCalifórnia,em14e15denovembrode1992.Comosempre,asdatasnosEstadosUnidosdeOzzyseriamcomplementadascombandasdeaberturafortes:UglyKid Joe e Slaughter nos primeiros shows, as duas comdiscosvendendo muito bem naquele verão; depois, Alice in Chains, estrelasprincipaisdo grungede Seattle cujo segundodisco,Dirt, estava chegandoao statusdeplatinaquádruplanosEstadosUnidos, emais, pelo caminho,váriosnomesfortes,comoBlindMeloneMotörhead.

SharonOsbourne,noentanto,tinhaplanosparaqueumabandaaindamaior se juntasse e ajudasse Ozzy a terminar a turnê com toda a glórianaquele show inal em Costa Mesa: o Black Sabbath. Era uma ideia quedemonstravatodasuaastúciacomoempresáriamusicaleemblemáticadesuaatitudeprotetoraemrelaçãoaomarido,aquemelahaviaarrastadodotúmulo em termos de carreira quando o Sabbath o abandonara, umadécada antes. Com a formação Dio-Iommi-Butler-Appice de volta, elesseriamabandadeaberturadanoite—mostrando,assim,comoOzzyerabenevolentecomsuaantigagangue—ovelhoebomOzzy—,mastambémcolocandoaeracomDioemúltimaperspectiva:debaixodeOzzyatéofinal.Então, para piorar, para o bis, a original — e, claro, ainda a melhor —formaçãodoSabbath, comOzzy,Tony,GeezereBill se reunindoparaumúltimoegloriosofinaldeumanoiteinesquecível.

Essafoialinhaoficialpelomenos.Mas,claro,Sharonjáestavaolhandomuitoalémdisso.QuandooerrodediagnósticodeOzzyforacon irmadoeela soubeque sua carreira comoartistanão tinhaacabado,mesmoassimmanteve a publicidade de que essa seria a última turnê de Ozzy,

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aumentando a vendade entradaspara aNoMoreTours.Nem tinha sidomodesta sobre o “gentil” convite que Ozzy tinha feito à formação Dio-Sabbathparasejuntaraelenoseushow“ inal”,emnovembro.Apropostadequeaformaçãooriginalsereuniriaparaobis,noentanto,nãofoinemcon irmada nem negada,masmantida da forma como os “segredosmaisbem guardados” sempre são mantidos na indústria musical: quer dizer,todo mundo sabia. Novamente, isso signi icou que as entradas dessesshowsfinaisseesgotaramlogo.

A coisa toda era simplesmente perfeita demais. Tão perfeita, naverdade,quequandoRonnieJamesDio icousabendodaideia—chocadocom a sugestão de queseu Sabbath deveria abrir para Ozzy, e que oSabbathdoOzzyentão fechariao showsemDio—eserecusouaaceitar,ameaçandosairdabandaseelesnãooapoiassem,Sharonviuaquilocomoadeliciosacerejaemumbolo jámagní ico.Aparte inaldeseuplanoerausaroshow inaldeCostaMesacomobasedelançamentodeumareuniãototal Ozzy-Sabbath. Sabendo muito bem que Tony e Geezer não seriamcapazesderesistiramuitodinheiroparavoltaraumaturnêmundialcomOzzy e Bill, o único problema seria encontrar uma forma de tirar Ronniesem que Ozzy e os outros parecessem frios e cruéis. Dio saindo sozinhoantesqueo circo chegasseà cidadeerabomdemaispara serverdade: aresposta perfeita para esse problema. O Sabbath, como sempre,simplesmente traria alguém no último minuto para substituir Ronnie noshow de Costa Mesa: quando o substituto comum, Tony Martin, nãoconseguiuumvistonorte-americanoa tempo,elesprocuraramovocalistadoJudasPriest,RobHalford,outrocantordeMidlandsquetinhaacabadode deixar o Priest e icou encantado com essa ajuda extra à sua novacarreirasolo.EnsaiandoduranteumdiadedescansodaturnêDio-SabbathnoArizona,umasemanaantesdasdatasdeOzzy,abandadeixoudeforaamaior parte do show da era Dio que eles agora estavam tocando e sevoltaramparaumshowmaisdaeraOzzy,especi icamenteemconsonânciacommúsicas como “Symptomof theUniverse”, que agora estava alémdoalcancevocaldeOzzy.

OqueRonnieJamesDiofezduranteessedia“livre”,ninguémpensouem perguntar — nem em se preocupar com isso. Um homem muitointeligente, que sentiu que já sabia tudo sobre como antigos

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empreendedores da indústria musical como Sharon Osbournefuncionavam, Dio sabia de tudo que estava acontecendo — incluindo opontocego,queosoutrospareciamnãover,decomoeradegradanteparaessa formação do Sabbath abrir paraOzzy— e ele não ia aceitar isso. Oque piorava a situação, em sua mente, era com que facilidade os outrosaceitaramaofertadeSharon:ecomopoucoseimportaramcomoqueissosignificavaparaele.Nuncaperdoariaabanda.

Em uma entrevista que deumenos de dois anos depois do show deCosta Mesa, ilmada no ônibus de sua turnê para um canal de TV demúsicaeuropeia,eleaindaestavabastantebravocomacoisatoda.“Todosnos dedicamos a fazer outro disco doBlack Sabbath com [a formação deVinny e Geezer]. Então, quando eles sentiram que era mais importanteganharodinheirooferecidoporOzzypara serabandadeaberturadele,discordei totalmente”, ele explicou. Quando eles continuaram e izeram oshowmesmoassim, trazendoRobHalford: “Issomemostrouoquantoeuera importanteparaeles.Masnão importavaoqueelesachavam.Eunãoquisserpartedocircoqueiriaaconteceraquelanoite”.Elea irmouqueoassunto nunca foi nem mesmo discutido de forma apropriada com ele.“Nãoimportaoqueelescontarem,nuncafoinemmesmodiscutido.‘Ronnie,porquevocênãoquerfazer isso?’Nuncanemmeperguntaram,entãoeunãofaleiparaeles…Tudoquetinhamquefazereradizerqueessabanda[a formaçãoDio-Sabbath]eramais importanteparanós,paraessabandadurarmaisdoisoutrêsdiscos,ouatéo inaldasnossascarreiras,doquedois shows perda-de-tempo comOzzyOsbourne. Então podemos ter umareuniãoe ganharmilhõesdedólares…Desta forma, sim,poderia ter sidoresolvido.Masnãofoi”,elecontinuou,suaraivaaumentando.“Nãoimportaas histórias que Tony Iommi ou Geezer Butler inventaram para explicaragora, nunca conversamos sobre isso. Estávamos num ônibus [da turnê]como este. Eles icavamno fundo e eu icava na frente. É uma pena, nãoqueria fazer isso, mas foi assim que eles escolheram. Eles detonaram amelhor banda que poderia ter existido na face da Terra. Aquelesestúpidos.”

OshowdeCostaMesa,apresentandoRobHalfordeaformaçãodaerade Dio, seguido por Ozzy e sua banda solo — a seguir pela granderevelaçãodosquatromembrosoriginaisaparecendoparaumbisdetrinta

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minutos —, foi como um fogo de arti ício meio molhado. O show comHalford foi super icial, o vocalista obrigado a usar teleprompters paracantar as letras, que depois quebraram e o obrigaram a improvisar. OshowdeOzzycomoSabbathfoimuitomelhor,masnadamaisqueumbisglori icado, com poucas dicas públicas do que aconteceria em seguida, anãosermantendoa linhacentraldequeesseeraoúltimoshowdeOzzy.Foiumclímaxbomparaumbomshow,queagradoumuitoaplateia,masnão ofereceu nenhuma ressonância permanente além disso. No diaseguinte,osquatroforamlevadosaoutroeventodeRP:pressionandosuasmãos para assinar o cimento fresco no Hollywood RockWalk, junto comlendascomoJamesBrowneJimiHendrix—que,comoshowde“reunião”,foi acompanhadopelaMTVeoutros canaisdedicadosàmúsicade todoomundo.Entãoeraisso.Maisumavez,ahistóriadoBlackSabbathpermitiubasear-sena fofocaena faltade informações, só comasdicasocasionais,maisesperançadasdoqueúteis,doquepoderiaounãoestaracontecendocomcadaumdeles.

Quando, quase um ano depois, ainda não havia notícias sobre asupostareuniãoetinhasidoanunciadoqueestavasendogravadoumnovodisco do Sabbath, sem Ozzy nem Dio, parecia que a história tinhamergulhadomaisfundonocaos.Nofinal,surgiramduaslinhas.Aprimeira:que depois de oito meses de negociação entre quatro diferentesempresárioseváriosadvogados,Ozzy(eSharon)desistiramdeumaturnêde reunião apenas 24 horas antes da assinatura inal, informando osoutros por fax. “A turnê estava de inida”, disse Geezer. “Passamos seismeses assinando contratos.” Então “Ozzy desistiu por fax”. Falando anosdepois, Iommi contou: “Na época, senti que Ozzy deixou muita gentedesapontada.Foielequeminiciouadiscussãodequetodomundodeviasejuntar. E as negociações duraram oito meses entre empresários eadvogadosetodooresto.Assinamososcontratos,BillWard,Geezereeu,efoiquandoOzzydesistiunofinal”.

Quando falei com Bill alguns anos depois, a dor ainda era evidente.“Nãotenhoideia”,eledissequandopergunteioqueaconteceu.“Tudoqueseiéquerecebium faxdeSharonOsbourne,bemnahoraemque íamosassinaroscontratose foiassim.Ozzynãoqueria fazera turnê.Enão tivenenhuma explicação ou qualquer outra coisa. Não sei se Tony ou Geezer

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receberam alguma explicação. Não havia nenhuma relutância da minhaparte.” Ele acrescentou: “Fiquei muito puto. Tinha parado todo meutrabalho por seismeses, sabe, parame preparar e icar em forma, tudoqueeuprecisava,parateraordemeadisciplinaqueeunecessitavaparaa turnê do Sabbath. Sim, então eu recebo um fax dizendo que Ozzy nãoqueriafazer.Porissopensei,tudobem,dane-se…”.

No entanto, a mística compartilhada pela virada de Ozzy no últimominutonão édi ícil de entender. Para SharonOsbourne, oBlack SabbathestavaterminadosemOzzy.TendotiradoDio,aúnicaalternativaviáveleraOzzy. Não era preciso prolongadas negociações, o acordo era muitosimples:venhamcomOzzye façamoqueSharonmandarouvoltemparaonde estavam, enquanto Ozzy continua com sua bem-sucedida carreirasolo. Sharon recentemente tinha passado pelo processo de se livrar demuitosdosoutroscompromissos,deixandodeserempresáriadeLitaFord,o grupo Bonham, Lemmy do Motörhead e os roqueiros britânicos TheQuireboys,todosqueaindaeramfamososnaépoca.Elanãotinhafeitoissopara agora ter que lidar com quatro equipes de empresários, todoscompetindoparaterapropriedadedeumareuniãodoBlackSabbathquenãopoderianuncafazersentidosemOzzy.Emparticular,noentanto,dizia-sequeTonyeGeezer tinhamconcordadoem fazera reunião,nos termosem que Sharon oferecia, mas que foi a organização de Bill que tinhadeixado tudo lento a ponto de Sharon ter inalmente decidido contra. Emparticular,tambémsefalavaqueBillsimplesmenteera“muitodi ícil”deseadaptar,comsuainsistênciaemviajaremseupróprioônibusdeturnê,emvezdevoardeumshowparaooutrocomorestodabanda,entreoutrascoisas.Ouainsinuaçãodequeeleestavasimplesmentemuitodoente.Maso problema do ônibus deBill foi facilmente resolvido quando a formaçãoacaboufazendoa turnê juntapoucosanosdepois.EasaúdedeBill, comoelemecontou, “nunca foiumaquestãoparamim.Seéumproblemaparaqualquer outro, ninguém me disse nada”. O problema, como sempre, foisimplesmente questão de dinheiro. Bill, a vítima de alcoolismo e drogascuja autoestima já tinha sido tão baixa que ele convidou Iommi a colocarfogonele, tinhasidoabandonadoemalgumpontonareabilitação.Onovo,limpoesóbrioBillqueriaserpagodeformajustapeloseutrabalho.Masoque ele considerava justo não era necessariamente o que todo o resto

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considerava.Eraumtemaaoqualabandavoltariamuitasvezesnosanosseguintes.

O que ninguém sabia era que algo tinha acontecido na véspera dosshows em Costa Mesa, em 1992, que iria alterar o curso da história doBlackSabbathparasempre.Quarentaeoitohorasantesdoprimeiroshow,Tony Iommi tinha sido preso em Sacramento por não pagar pensãoalimentícia: uma açãomovida em nome de sua ex-esposaMelinda, agoravivendodenovo comsua família emModesto,Califórnia.Ele foi tiradodoônibus da turnê do Sabbath pela polícia, algemado e acorrentado naspernas,levadoatéaprisãodeModesto,ondepassouanoitecommedodeser morto pelos outros presos, enquanto a iança de 75 mil dólares eralevantada às pressas — uma quantia substancial de dinheiro que TonyIommi, ainda se recuperando de suas recentes batalhas com a Receitabritânica,nãotinhafacilmenteàmão.

Em suas memórias,Iron man , Iommi escreve que foi Gloria Butlerquem informou os seus empresários, Ralph Baker e Ernest Chapman,sobreosapurosdoguitarrista,equeelesmandaramumadvogadolocalàcadeia com uma maleta contendo 75 mil dólares em dinheiro, liberandoassimoguitarristaaterrorizadoepermitindoquechegasseaosshowsemCostaMesaemtempo.Mas,em1994,naépocaemqueSharondecidiunãoseguir com a reunião Ozzy-Sabbath, ela me ligou para dizer que agoratinha adquirido os direitos legais sobre o nome Black Sabbath depois deajudar Tony Iommi a resolver um problema inanceiro complicado que olevoua serpresobrevementedepoisque seus cartõesde crédito tinhamsido cancelados, enviando seupróprio avião—eadvogado, comdinheiroparaa iança—pararesgatá-loemtrocadosdireitosdonomeSabbath.Naépoca,elaqueriaqueessesproblemasfossemconhecidosdomundocomoumavingançapor todososanosdedorque Iommi tinha causadoaelae,especialmente, a Ozzy. Ela me pediu para publicar a notícia. “Ozzy foichutado por muito tempo”, ela simplesmente disse. “Eu garanti que issonuncamaisiriaacontecer.”Realmente.

“Esseéocomeçoouo inal,então,dequalquerpossívelreuniãoentreOzzyeSabbath?”,pergunteimais tarde.Elamedeuaquelemaravilhosoecompleto sorriso “eu tedisse”. “Sóposso a irmarque se existeuma coisa

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que aprendi em todos esses anos é que você nunca está morto nessenegócio.Quantasvezesmeumaridodeveriaestar fora,masaquiestamos,aindabem,aindacheiodesurpresas.Quemsabeoquepodeacontecernofuturo?”

Comotantasvezesantes,opânicotomoucontadeIommieButler,queprocuravamdesesperadamenteencontrarumnovovocalistaebaterista—Appice, damesma formaque antes, tinhadecidido ir comRonnieDio emvezdeparticipardaturnêdereuniãodeOzzy.Osempre ielNichollsaindaestavaalinos teclados, a sombrapermanentedeTony; todoo resto tinhafugido. Eles rapidamente tentaram persuadir Rob Halford a se juntar demaneira mais permanente, mas ele estava a ponto de lançar o primeirodiscodesuanovabanda,Fight.HouvesugestõesdetrazerCozyPowelldevolta, porémele aindaestavabravo coma formacomo tinha sido tratadodepoisdoacidentee, alémdisso, estava fazendo shows comabanda solodeBrianMay.

De forma previsível, eles se voltaram para Tony Martin tentandoreviver seu papel como vocalista improvisado — algo que ele pareciadisposto a fazer, pois seu disco solo,Backwhere I belong, uma coletâneaboa mas nada extraordinária de rock melódico lançada no ano anterior,fracassouemcausarqualquer tipode impacto.Eles tambémcontrataramoutro músico com muita experiência, o baterista de Nova York BobbyRondinelli,quejátinhatocadoemgruposfamososcomoBlueÖysterCulteRainbow,masestavanomomentotrabalhandocomomúsicodeestúdio.Odisco resultante, intituladoCross purposes , era tão bom quanto qualquerum dos de Martin, melhor do que a maioria. Mas os problemas com areputaçãodabandaeram irreparáveis. Crosspurposes quasenemchegouao Top 40 do Reino Unido e novamente fracassou de forma terrível nosEstados Unidos. Houve uma série de shows nos Estados Unidos, parapromover o lançamento do disco no começo de 1994, mas a banda quetinha sido vista anteriormente na arena gigante de CostaMesa estava devolta aos teatros. No show, eles agora incluíam nada menos que oitomúsicas dos discos da era de Ozzy, quatro dos discos de Dio e somenteduasdodiscoatualcomMartin.EmNovaYork,a turnêacabouumanoiteno Roseland Ballroom com capacidade para 3.500 pessoas. O show nãolotou.

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Nessa época, um jornalista de uma revista de guitarras perguntou aGeezerseele tinhaalgumarrependimentosobreaabortadareuniãocomOzzy. Ele respondeu: “Já que você está perguntando, sim”. Apesar deconcordarque“teriasidoótimoparaos jovens fãsquenuncanosviram”,ele acrescentou, “e ótimo para nós, porque teríamos ganhado algunsmilhões de dólares”. No inal da turnê mundial de Cross purposes , queincluiu somente três showsnaGrã-Bretanha e nenhumemLondres—aprimeira turnê do Sabbath sem nenhum show na capital—, Geezer saiujurandoquedessa vez era realmente o impara ele. Tony Iommi, apesardeaindanãosaber,logooseguiria,sóqueeleteriadeserempurrado.Comforça.

Ficoupior—muitopior—antesdecomeçaramelhorar,claro.Houvemais um disco do Black Sabbath, chamadoForbidden, e lançado paraespanto geral em1995. ProduzidoporErnie C (Cunnigan), guitarrista doBody Count, a banda de rap metal liderada pelo rapper Ice-T — quedividiuos “vocais” comTonyMartinna faixadeabertura, “The illusionofpower”—,numaépocaemquebandasderap-rock“numetal”comoLimpBiskitestavamdesfrutandodeseusquinzeminutosdefama,Forbidden foiuma embaraçosa última jogada de uma “banda” que tinha perdido seucaminhotãofeioquecertamentenuncairiaconseguirvoltar.

ComGeezersumido,NeilMurrayconcordouemvoltar.Apreferênciade Iommi era manter Bobby Rondinelli na bateria, mas ele por imconvidouCozyPowelldevoltatambém.ComoMurrayexplica:“Tonyachouque era provavelmente melhor ter a mesma seção rítmica de 1989-90,porémascoisasnãoeramasmesmas.Em1994,oSabbatheramuitomaisa banda de Tony, e Cozy estava esperando que fosse uma situação deduplaliderançacomoantes,masnãofoiocaso,algoqueCozyachouchato.Musicalmente, Cozy queria que o Sabbath soasse como tinha sido noHeadlesscross,porémissojáestavadatadoeeramuitoanos1980”.

Murray lembra-se de como, durante os ensaios prévios na fazendaBluestone no oeste de Gales, em outubro de 1994, “Cozy quase sempreentravanabatidaerradaquandoestavaaprendendoumnovoriff,comoseelenãoestivesseouvindooriffda formacomoTonytinhaemsuacabeça.Issoaconteceu tantasvezesquedeixou todomundodesconfortável.GeoffNichollstinhaassumidoolugardeCozycomotenentedeTony,etampouco

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ajudava que eu e Cozy tivéssemos alguns compromissos marcadosanteriormentecomshowsnaSASBanddeSpikeEdney—basicamente,aBrianMay Band sem Brian,mas com vários cantores convidados. EstavasubentendidoquedeveríamosnoscomprometeremtempointegralcomoSabbath,emboraninguémtenhafaladoissonaépoca.Tony,TonyMartineGeoff,detodomodo,costumavamirparacasaemBirminghamnos insdesemana.”

ComaIRSpedindoqueabandativesseumsompós-grungemaisanos1990, “a ideia era ter um produtor que desse um sommais atual e, poralguma razão, Ice-T foi a escolha, talvez porque Tony Iommi o tivesseconhecido anteriormente e gostasse dele. No entanto, Ice-T deu lugar aErnieC, que terminounão tendomuitas ideias deprodução e não estavanamesmaondaqueabanda.Cozyespecialmentenãogostoudeouvirquedeviamudarospadrõesdebaterianosquaistinhatrabalhado.

Mas enquanto a produção seria culpadapelamaioria dos problemasdodisco,eraopróprioconceitoqueestavaerrado.OBlackSabbathcomosenhores do rap metal? Que drogas eles estavam usando agora? Naverdade, os dias de Iommi enterrando sua cabeça em montanhas decocaína estavam acabando,mas ele nunca se sentiu tão perdido antes. Aturnêsubsequentefoidesastrosa.DepoisdeummêsdeshowsnosEstadosUnidosenoCanadá,Cozysaiudesgostoso.

“A faltadevozdeCozynadireçãodabanda, sua insatisfaçãocomosshows que estávamos fazendo, que eram grandes clubes algumas vezes,achandoGeoffNichollseTonyMartinirritanteseinfantis,oqueeleseram,tendo a expectativa de ganhar mais etc., levaram à sua saída”, contaMurray. Bobby Rondinelli foi chamado de volta e assumiu o lugar paralongas turnês pela Europa, onde a banda ainda era importante, Grã-Bretanha, onde não eram, e Japão, onde amaioria das pessoas não tinhaideia de quem estava na banda, mas esperava pelo menos ouvir“Paranoid”. Não saíam desapontados. Houve uma turnê australianaagendada para o inal do ano, mas que foi cancelada por insistência dopromotor depois que icou claro que ninguém estava interessado osuficienteparacomprarentradas.

“Tony Iommiestavamuitomais felizcomBobbyRondinellidevoltaàbanda”, contaMurray, “e a turnê europeia e no Extremo Oriente que se

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seguiu foi bem melhor e divertida. Nos Estados Unidos, as pessoas nãoconheciam as músicas deForbidden, o que era desmoralizante, emboraparecessembemmaispesadasdoquenodisco.”

Entretanto,maispesadosimplesmentenãoerasu iciente.TonyIommifez seu último show no Black Sabbath sem Ozzy Osbourne no modestoSankei Hall, em Osaka, Japão, no dia 22 de novembro de 1995. Ninguémmais icaria por aí fodendo com o nome do Black Sabbath. SharonOsbournegarantiriaisso.

O anjo que desceria inalmente do céu para salvar Tony Iommi e oBlack Sabbath foi Sharon Osbourne. Ela já tinha feito isso uma vez,espetacularmente, com Ozzy. Salvando-o de seu próprio buraco cheio depena induzidapela cocanohotelLeParce transformando-oemumadasmaiores,maisbem-sucedidasemaiscomentadasestrelasderockdosanos1980— a década em que o Black Sabbath tinha passado de uma criseinterna a outra antes de por im desmoronar de forma aparentementetotalnorankingdorock,tãoincapazdedecidirseuprópriodestinoquantoummendigocegoemummercadodeescravosromano.Elatinhafeitoissocom astúcia, inteligência e sorte. Agora essas mesmas qualidades iriamajudá-ladenovo. Junto coma cabeçadurae a sededevingançaherdadado pai, a única que ela tinha vencido totalmente, mas cujo tempo agoratinha passado. E embora tudo fosse inicialmente feito a serviço, comosempre,deseumarido,Ozzy,oefeitoseriatantoqueTonyIommieorestodoBlackSabbathoriginalseriamlevadosjunto.

Furiosa,enemumpoucoenvergonhada,aoouvirdePerryFarrell—oex-frontmando Jane’sAddictionquehavia se tornadooorganizadordofestival de verão itinerante Lollapalooza, então o evento ao ar livremaisimportanteno calendáriodo rocknosEstadosUnidos—queoOzzy “nãoeracoolosu iciente”paraserconsideradonaversãodo festivalde1995,elafezoqueelaeopaisempretinhamfeitoemtaiscircunstâncias: jurouvingança. “Eles realmente riram da ideia de Ozzy tocar no Lollapalooza”,elamecontou,orostodistorcidoderaiva.“Disseramqueelenãoera coolosu iciente,essespunheteirosfodidosquenãotinhamnemnascidoquandoOzzyestavainventandooheavymetalcomoBlackSabbath.Então,pensei,foda-se!Vamosfazernossoprópriofestival…”

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O resultado—Ozzfest, um festival itinerante liderado porOzzy,masapresentando dezenas de novas bandas em vários palcos, assim comoatrações secundárias como áreas para “refrescar”, tendas de tatuagem epiercing e todo tipo de barraquinhas vendendo de tudo, de parafernáliaNewAgearemédiosdeervasecachorro-quente—feztantosucessoetãorapidamente que no segundo ano tinha eclipsado o Lollapalooza para setornar o festival mais lucrativo do calendário de rock norte-americano,deixando o Lollapalooza comendo poeira. (Quando não conseguiu atrairumaatraçãoprincipalgrandeosu iciente,o festivalcancelouosshowsde1998 e foi suspenso pelos cinco anos seguintes, antes de Farrell, usandoumtruquedolivrodeSharon,talvez,reformaroJane‘sAddictionparaumLollapalooza reagrupado do século XXI.) “Fiquei muito satisfeita”, falouSharon. “Pensei: engulam esta, seus viadinhos! Chamar meu marido deuncool!Queméuncoolagora,seusfodidos?”

Mas ela ainda tinhamais um truque na sua largamanga: conseguirqueOzzyvoltassecomosmembrosoriginaisdoBlackSabbath.Nãosóparaumanoite,masumaturnêinteira, talvezatéumdiscoeumDVDtambém.Ozzy e o Sabbath tinham inalmente começado a organizar o retorno—nãocomastrombetasnasmanchetescomoantes,masquaseumtestecomaturnêOzzfestdosEstadosUnidosnoverãode1997.OúnicofaltanteeraBill, que tinha dito “não estar bem”. Seu lugar foi assumido por MikeBordin, baterista do FaithNoMore: umbom substituto, os fãs decidiram,poisoFaithNoMorejáerabemconhecidopor incluirsuaprópriaversãode “War pigs” no show. Então, em novembro daquele ano, eles foram aatraçãoprincipaldaprimeiraturnênoReinoUnido,eassimfoiporquasevinte anos com shows no NEC, em Birmingham. Dessa vez Bill estava lá.Inevitavelmente,osshowstiverammuitapublicidade.NosEstadosUnidos,maisumavezoOzzfestfoiomaiorfestivalderockaoarlivredoano,enaInglaterra,ondeonascentemercadoderockclássicoestavacomeçandoasurgir,tambémfoienorme.

Aproveitei a oportunidade enquanto estava no Reino Unido paraentrevistartodoseles—denovo.Tentarentenderoquenaépocapareciaumestranhopost-scriptumparaahistóriadabanda.ComeceifalandocomTonyIommi.Então,comoelesesentiafinalmentevoltandocomOzzydepoisdetudoquetinhaacontecidonosúltimostrintaanos?“Étotalmenteótimo.

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Quero dizer, é inacreditável. É, é como uma maldita novela, realmente.Como um conto de fadas em algum sentido. Podemos nos juntar agora erealmente respeitar um ao outro, acho, muito mais do que antes. Epodemos sentar e conversar, e todo o lixo desapareceu agora. Passamospor tudo quenósquisemos experimentar e deixar tudo aquilo de lado econtinuar,sabe,realmentedesfrutandooqueestamosfazendo.

“Foimuitobomfazeraturnê[Ozzfest]porqueerarealmentedivertidoestarjuntosdenovo.Eachoquetodosapreciamosofatodeconseguirmossubir no palco e — osom de quando a banda começou a tocar junto ésimplesmente… Você percebe como ele é único. Quero dizer, todas asformaçõesquetive—eomesmocomOzzy—,nuncaé igualaquandoosquatro sobem ali e começam a tocar. Ou, neste caso, nós três…”, eleacrescentarápido.

E comoestavaoBill?Tonydisseque tinha acabadode falar comelepor telefone “sobre fazer esses shows no NEC e Bill icou totalmenteencantado. Sempre converso bastante comoBill e iquei em contato comele nesses anos”. E ele realmente está sóbrio? “Está, sim, está. Eleconseguiu resolver seus problemas agora e está tocando bastante erealmente quer tocar. Acho que para o Bill é algo muito importante sercapazdevoltaratocarcomoSabbath,sabe?Vaiseralgomuitobomparanós entrarmos todos juntos no palco. Porque não há sensação melhor,sabe?Entrarcomaformaçãooriginal.”

Ese forbem? “Bom,nomomentoestamos trabalhandouma faseporvez e vamos ver como os shows acontecem antes…Não estamos dizendoque vamos voltar por dez anos ou nada no estilo. Só estamos dando umpasso de cada vez e até agora tudo tem sido bom.” Por que demoraramtanto? “Não acho que estivemos tão distantes um do outro nos nossoscorações; é só que todos izeram suas coisas e, sim, tivemos muitosdesacordoseascoisasnãoforamcor-de-rosa.Masagorapodemossentareconversar, algo que não foi possível em todos esses anos. Éramos muitojovensenãoapreciávamosoquetemosagora.”

SentimentosecoadosporGeezer,quandofaleicomelenodiaseguinte.“Não há nadamelhor que a formação original. É a formação original e éinsubstituívelparamim.”

Por queBill não foi convidadopara participar nos showsdoOzzfest,

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então? “Porque Ozzy precisava de uma decisão rápida.” De acordo comGeezer: “A última vez, Bill demorou oitomeses para se decidir, e a coisatodadesmoronou.Dessavez,agentesótinhadoismesesparadizersimetocar, ou para dizer não. Quando Ozzy sugeriu, Tony falou sim e euconcordei, a gente não podia esperar para ver quanto tempo Billdemoraria para falar sim”. Ele riu,masme espantou ver como a históriamudou em cinco anos, quando a informação era de que todos tinhamassinado e que foi a mudança de último minuto de Ozzy que haviaatrapalhado tudo. Isso, no entanto, agora pareciamais perto, pelomenos,daverdade.

“Não é só o Bill, são seus empresários”, falou Geezer. “Sabe, é, hã…Di ícil. E tínhamosque tomarumadecisão rápida, então foi isso.Tocamossem ele.” E como eram as coisas agora que Bill estava voltando para osshows no NEC? “Ótimo. Mas então você não pode con iar na gente,provavelmente poderíamos nos matar nos ensaios e isso seria o im doNEC.Éessetipodebanda.Nuncadáparapreveroquevaiacontecer.”

Em um mundo ideal, Geezer falou, ele adoraria fazer outro disco ecolocar todo o bando de novo na estrada. “Mas se há algo que pode nosdetonar de novo é icarmos presos num estúdio por dois anos juntos.Tenhocertezadequenosensaiosvamossabersepodemosfazeralgonovoounão.Seafaíscaaindaestiverali,entãotudobem,euadorariafazer.Maseuodiaria fazerumdisco sópelodinheiro, o que arruinaria totalmenteonome para sempre. Deveria ser tão bom quantoParanoido uSabbathbloodySabbath,pelomenos. E esta é a forma que teria de ser. Se vai seroutroNeversaydie,entãonão,esqueça…”

Finalmente falei com Bill, pelo telefone, pois ele ainda não tinhapartidoparaoReinoUnido,deumaformabastanteinesperadaquandoelemechamouderepenteumanoiteparacontarquenãotinhaideiadeondeessa “doença do Bill” tinha aparecido e que na verdade ele estava tristepornãotersidoconvidadoparafazerpartedoOzzfestnaqueleverão.

“Acho, às vezes, não sei por quê, mas, sabe, fui deixado de lado emvárias situações ultimamente nas quais sinto como se me culpassem, àsvezes”,elecomeçou incerto.Faleicomoorestodabandatinha faladoqueestavamesperandoparaverseeleestava“bem”osu icienteparafazerosshows no NEC. “Estou ótimo!”, ele protestou. “Estive fazendo shows nos

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Estados Unidos desde fevereiro com minha própria banda. Estou bem.Sabe, não sei de onde surgem essas preocupações, mas sei que não sãominhas…Sómedigaondetenhoquetocareeuvouetoco.”

Então por que ele não tinha tocado nas primeiras datas do Ozzfest?Porquetinhamseapresentadosemele?“Nãotenhoideia.Nãomederamuma explicação.” E se o tivessem chamado? “Eu estaria lá num segundo.Estavamuito a im. Totalmente a im de tocar! Fiqueimuito desapontadopornãotersidochamado.Fiqueitriste,mesenti,sabe,bastantechateado.Experimentei, pela primeira vez naminha vida, a banda original tocandosemmime foibastantedoloroso.”Elecontinuou,a irmandoquenunca foinem chamado. “Nunca me deram uma escolha. Ninguém falou, ninguémperguntouseeuqueriaserpartedaquilo;elessimplesmenteorganizarametocaram,foiassimqueaconteceu.E,sabe,fuiconvidadoparafazeroNECedisse sim…Não sei oque temiam,nãoentendo.Comcertezanãoé algoque vem demim. Estou disposto a tocar no Sabbath, ponto. Na formaçãooriginal.Nãovourecusarisso,sabe?”

EestariaconfortávelcomaideiadoSabbathsejuntandoagora,talvezaté gravandoumoutrodisco? “Oh, sim!Oh, sim, é claro!Paramim, seháoportunidades nas quais a banda original pode fazer algumas coisasjuntos,euadorariacontinuaratrabalharassim…Nãohánenhumareservadaminhaparte.Épartedaminhavida.Semprefoipartedaminhavida.Eumesentiriatotalmenteconfortávelfazendoisso,sabe?”

Terminei com uma visita à enorme mansão de Ozzy emBuckinghamshire. O mesmo lugar onde ele tentou estrangular Sharonquasedezanosantes.Nósnossentamosno“salãode jogos”enquantoelefumavaumcharuto—oúnicovícioquesobrara,eleinsistiu,emboraseusbolsosaindaestivessemcheiosdepílulas.

“Querodizer,eufumoumbaseadoaquieali,sabe?”,elefalou.“TomoaporradeumValiumaquieoutroali,eessascoisas.Masdaformacomoeuvejo, antigamente eu costumava acordar deitado em cima da minhaprópriaurinaevômito, todamanhã, todas.Evocê imaginaque,depoisdeissoacontecertantasvezes,umapessoanormalpensaria: ‘Porquemerdaestoufazendoisso?Olhemparamim,estoudeitadonamerda,novômitoenomijo, tudo isso’.Normal,pessoas racionaisdiriam: ‘Nãosouaporrade

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umanimal’.Maseuentravanochuveiroequandocolocavaroupaslimpas,mesentianovomaisumavez.Aprimeiracoisaqueiriapedirnodiaseria,porra,eramnovehoras,elesvãoabrirlogo.Eesseeraomeupensamento.Sair da porra da casa e ir a um pub. Comprei minha última casa, BealHouse, porque tinha umpub no inal da rua. Gasteimilhões de libras naporradeumacasanãoporquegostavadela,masporquegostavadopubno inal da rua. Eu poderia ter comprado a porra do pub!” Ele dá deombros. “Para mim não existe a moderação. Tenho realmente que mecuidar porque é fácil começar a deixar a coisa rolar. Sabe, nem gosto[mais]defumarmaconha,paraserhonestocomvocê.Ficonaneura,sabe?Ficoparanoico.”

Comotinhasido, inalmente,voltaraseunircomoBlackSabbathparaos showsdoOzzfest aqueleverão? “Devo confessar, euestavaesperandouma coisa… Porque Tony e eu nunca realmente tivemos um bomrelacionamentopro issionaleeuaindamesintoumpoucoestranho.Masémuitomais fácil trabalhar com ele agora do que antes. Elemudoumuito.Seuspaismorrerameelepassoumomentosdi íceiscomocasamento—ailha [comMelinda] teve que ter cuidados especiais e todo o resto—, emuitaáguapassoudebaixodaponte.Enãopossohonestamentefalarquesinto omesmo que antes por ele. E não estou dizendo isso por causa dareunião, porque não preciso do Sabbath reunido. Posso muito bemconseguiroutrabandaesairemturnê.Masas trêsperguntasque izemtoda a minha carreira foram: você realmente mordeu a cabeça de ummorcego? Você mijou no Álamo? E alguma vez veremos [você com o]Sabbath de novo? Eu costumava responder sim, sim, não. Mas, sabe,Sharonémuito,muitoesperta,elaofazpensarqueésuaideia.Nocomeçoeu iquei: ‘Não! Não! Não! Não!’. Mas Sharon fala: ‘Dê uma chance, vejacomosaiacoisa’.Elaémuitoboaenuncameguiouparaolugarerrado.”

PergunteiqualeraoproblemacomBill,eOzzy icouquieto.“Nãosei,émelhorperguntaraoBill.Nãopossofalarporele.Nãoestousendorudeounada no estilo, mas não posso falar pelo Bill porque não sei o que ele…RespeitooBill,porémqualquercrençapessoaldealguém,achoquevocêdevedeixarsuascrenças—estaésóaminhaopinião—,qualquercrençaqueeutenho,sejamboas,ruinsou indiferentes,seelasvãoafetarorestodas pessoas no palco, devo deixá-las no camarim e pegá-las de novo

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quandoacabaroshow.”BillaindatinhaquevoltaraoReinoUnidoparaosensaiosdosshows

do NEC, mas Ozzy falou que estava com muita expectativa. “Sharon mefalou: ‘Oh, você só precisa vir daqui uns dias’. Respondi: ‘Não, não. Vouicaraquidesdeaporradoprimeirodia’.Porquequandonosconhecemoseu quis desde o começo me sentir confortável com todos os outros epassavaumpardehoras só conversando…Bom, agora comuma taçadechá,sabe?Agentecompletouocírculo.”

Ozzy estavamais feliz agora? “Não, ainda soumuito inseguro, aindasou louco. Ainda acho que vou fracassar em tudo que faço. Acho que éminha compensação. Ainda estou tomando Prozac.” Ele parou. Então: “Sealguémmedissesse: ‘Ozzy, empoucas palavras, como você descreveria oBlack Sabbath?’. Eu diria estranho. Bem, quando eu colocava uma linhavocalemcimadeumriff incrível,Tonymudava tudo.Nãosóo riff,masoritmo, e eu pensava, bom, como vou fazer essa coisa encaixar? Era umdesa io.Massendo tão jovem,nãohavia treinamentomusical, a coisa saíanatural”.

Os dois shows no NEC seriam uma revelação. A primeira vez que aformação original tinha completado um concerto inteiro em quase vinteanos foi uma ocasião para ser apreciada. Tendo visto Ozzy durante suasváriasmutaçõessolo—primeirocomo insubstituívelRandyRhoads,queacrescentava brilho a sua lenda como verdadeiro músico; depois Jake E.Lee, que acrescentava glamour a sua imagem numa época em que Ozzyestava em perigo de se tornar conhecido somente como o homem quearrancoua cabeçadeummorcego; até e incluindoomais recenteemaisconvincente retorno ao fundamentalismo do rock com o guitarrista ZakkWylde—, foi emocionante vê-lo de volta ao palco ao qual ele realmentepertencia,nãosócomTony Iommi,queohaviaperseguidonaescola,quetinha “colocadoomedodeDeusemmim”nosdiasdeaugedoSabbatheque agora se apoiava totalmente na generosidade deOzzy (e de Sharon)para tentar reviver,mas comGeezer eBill, quevieramdasmesmas ruaspobres que ele, que tinhampassado pelosmesmos espelhos bizarros, doaspecto branco e preto deAston no pós-guerra, uma cidade ocupada emmorrer antesmesmodenascer, até oHollywoodBowl e além, comoumadas maisfamosas e maiores bandas de rock de todas. Isso era Ozzy e o

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Sabbath inalmente voltando para casa e era uma ocasião alegre. Asegunda noite talvez tenha sido ainda maior, a banda superprecisa,sabendo que os shows estavam sendo ilmados e gravados para oinevitável CD e DVD ao vivo. Na plateia estavam tantos fantasmas dopassadodoSabbath, de ex-membros—no restaurantedohotel antesdoprimeiroshoweumeencontreicomNeilMurrayeCozyPowelljantando—a amigos e ex-colegas, como Paul Clark e Albert Chapman, até o ilho deDon,DavidArden.Masnopalcoeracomoseotempotivesseparadonumanoiteespecialem1973,quandooSabbathaindadominavaeorockemsiaindaerajovem.

EssesshowsatuaiscomoSabbathseriameventosisolados,pergunteiaOzzyalgunsdiasdepois,ou levariamaalgomais, talvezatéaumdisco?“Bom, vamos colocar desta forma”, ele falou, soltando o ar, “não queromordermaisdoquepossoengolir.Nãoseioquevaiacontecerhoje,queéquandovamosouviras itaseconversarsobreo lançamentodeumdiscoao vivo.Mas amanhã, Bill poderá dizer eu odeio você e pegar o primeiroavião de volta. Posso falar que não quero fazer isso para sempre. Nãoquero me comprometer e dizer que vou colocar toda minha própriacarreiranaprateleiraevoltarcomoBlackSabbath.Nãosei.”

Eumdisconovodeverdade,noentantocomnovasmúsicas,comonosvelhostempos?“Oh,sim![Mas]nãoseisepoderíamosvoltaracompordenovoporquemudamosmuito.Não sou tão lexível comoera, sabe?Nãoétão fácil me dobrar como era antes, sabe? Aprendi muito sozinho todosessesanos.Seiquandotenhoalgobomaoferecer.Muitaspeçasdexadrezmudaramnotabuleiro,entãonãoseiseaquímicaaindaexiste,mas,seforpossível,euadoraria.”

Comohaviasidodito,haveriasóumdiscoduploaovivo,simplesmentechamadoReunion, e acompanhado por um DVD, os dois vendendo osu iciente para encorajar a banda a voltar no verão seguinte para umaavalanche de festivais europeus. Mas de novo, infelizmente, sem Bill —Vinny Appice agora estava em seu lugar. No entanto, no inal de 1998,houveuma turnê com22 shows emarenaspelosEstadosUnidos— comBilldevoltaàformação,queelesiniciaramemoutubro,comaapariçãonoprogramaLateNight ,deDavid Letterman. OOzzfest voltaria no verão de2001, tanto comOzzy quanto comoBlack Sabbath—eBillWard.Dessa

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vez, no entanto, havia planos de seguir com um disco, produzido peloprodutor da moda, Rick Rubin, um autoconfesso fã do Sabbath desde ajuventude, entãonoauge comsua sériedediscospremiados com JohnnyCash.Dizemquehaviaseisfaixasemvariadosestágiosde inalização,masquandoopluguefoitiradodatomada,ninguém icousurpreso.AspessoashaviamuitotinhamparadodeseguiroqueacontecianoreinodoSabbath,passadoepresente;erasimplesmenteimpossívelacompanhar.

Nolugar,haviaagoraoutracoisasurgindonohorizontequecolocariaoBlackSabbathemsegundoplano—pelomenosparaOzzyeSharon.

Foi na casa de Ozzy em Buckinghamshire que ouvi a primeirasugestãodacoisa,apesardenãoterideiadoqueestavasendofermentado.Eu tinha mencionado um documentário de TV que havia revistorecentemente em vídeo, um tipo de Estilo de Vida dos Ricos e Famosos,feito comOzzy— e apresentando Sharon— que tinha sido hilário: Ozzyen iando a cabeça de seu papagaio de estimação na boca como se fossearrancá-la, Sharon caminhando por seu palácio em Hollywood como sefosse a rainha de Sheba. Os dois tinham feito uma parceria e tanto —naturalmente engraçados e, claro, interessantespor causadapompaqueosacompanhava—eme lembroucomosempre foramengraçados juntosquandoeusaíaparajantaroupassearcomeles.

“VocêsdeveriamesqueceramúsicaeficarcomaTV”,brinquei.Sharon riu e falou: “Sabe, outras pessoas falaram isso ao ver aquele

programa. A gente pensou nisso. O problema é: o que faríamos? Ozzy éhilário,masnãoéumcontadordepiadasoualgoassim,equemvaiquerermever?”.

“Talvezalgocomoumprogramadeentrevistas?”,sugeri.“Não”, ela balançou a cabeça. “Ozzy seria mais interessante que os

convidados.”Eraverdade.OzzynaTV seriaengraçado;assimcomoSharon.Masem

que tipo de programa eles poderiam se encaixar? Nada que alguémpudesseimaginarfacilmente,pelomenosnaépoca…

Os anos 1990 não tinham sido tão gentis para a única outra pessoaque tinha contribuído signi icativamente para a lenda do Black Sabbath:Ronnie JamesDio.TendosaídodoSabbathcomsuadignidade intacta,Dio

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fez um disco muito mais avançado do queForbidden, mas sem sacri icarsuacredibilidade.Apresentandooutroguitarristanovo,TracyG(Grijalva),um caramuito bom de Los Angeles que tinha participado das primeirasformações de futuras bandas platinadas, como GreatWhite e Love/Hate,Ronnie, junto com Vinny Appice de volta à bateria e a ex-estrela doDokken,JeffPilson,nobaixo,produziramcomoumabandaverdadeiraumdisco chamadoStrange highways, no qual Ronnie deixou suas letras defantasia para explorar um realismo que re letia sua visão mais geral deseupapeldepoetaeporta-vozdorock.

“O mundo da música mudou”, ele me contou na época. “Não ésu icientemais cantar sobre reis e rainhas, ou dragões emonstros. É sóolharparaum jornalparaverqueomaldeverdadeestáespalhadopelomundo,queahumanidadenãoémelhorqueumcâncer.Comocompositor,como alguém que leva a sério o que faz, não posso deixar de falar algosobreisso.”

Quando nos reencontramos, eu estava novamente trabalhando comoseu relações-públicas britânico em 1996, ele tinha lançado um segundodisco com a mesma formação, chamadoAngry machines. Uma coletâneaainda mais brutal do que a antecessora, ainda com uma camada deteclados atmosféricos de Scott Warren, Ronnie queria espalhar amensagem de que estava de volta e melhor do que antes. Mas haviapoucosnamídiaqueestavamdispostosaouvir.Emmeadosdosanos1990,o grunge tinha ajudado a restaurar a reputação do Sabbath comoinovadores, mas eles se preocupavam com a era Ozzy; a era Dio estavamarcadanahistória comoum tempodemetal lorido, sobrecasaca,muitoTolkien e engraçadinho para ser levado a sério numa época na qualbandascomoNirvana,AliceinChainsePearlJamlutavamcom“questões”muito mais reais. Não importava queAngrymachines ocupasse o mesmoterritório lírico, Dio estavamais fora demoda do que se podia imaginar.Nãoimportavaquesuasaudaçãodochifredodiabofosseagoraderigueuremtodososshowsderock,grungeounão,eunãoconseguianinguémquequisesse entrevistá-lo. Depois de dois dias com redatores de fanzines eapresentadoresde rádiopirata, a gente jogoua toalha. “Não sepreocupecomisso”,Ronniemefalou,seurostoabatidoevaziopelofracasso.“Vamostomarumacerveja.”

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“Houve alguns momentos nos anos 1990”, Vinny Appice diz agora,“quando eu tocava comRonnie, nosquaisme sentimuitomal por ele. Eupensava:estamosnesteclubevaideussaberonde,eesteéRonnie JamesDio cantandonesta porra de lugar estúpido com este camarimdemerdaounemtemcamarim.Eupensava,elenãomereceisso,sabe?”

Felizmente,paraRonnie,foialgotemporário.Em2000,elevoltoucomum dos discos mais extraordinários da sua carreira: Magica. Um discoconceitual baseado num de seus próprios contos, que ele narra,combinando todos os elementos mais potentes de seu estilo clássico decomposição — presságios de destruição, amuletos de outros mundos,interpretação dos sonhos e escapadas noturnas para outros mundos—,com sua visãomais contemporânea de ummundo que quase não vale apena salvar, apenas os indivíduos que realmentemerecemuma segundachance.Nãomaispreocupadoem fazerdiscosparaasparadas, era comose esse fosse o verdadeiro Ronnie James Dio inalmente pisando irme.Como resultado,Magica tornou-se seu primeiro sucesso independentesigni icativonosEstadosUnidoseseumaiorsucessoeuropeudosúltimosanos.

Encorajado,elelançouumasequênciaem2004,comumaligaçãomaisdiretacomseucatálogoclássiconoRainbowenoSabbath,chamadoMasterof the moon , e levou sua banda pela turnê mais longa em anos, com oAnthrax abrindo. O plano então era, ele disse, compor e gravar duassequências doMagica: IIe III; trabalho ao qual estava se dedicandoquando,em2006,veioanotíciadequeaUniversal,queagoraeradonadaPhonogram na Grã-Bretanha e da Warner Bros nos Estados Unidos, ialançar uma compilação de alto nível, que se chamariaBlack Sabbath: theDio years. No mesmo ano, Tenacious D — apresentando a estrela decinemaJackBlack—incluiuacançãotributo“Dio”emseudiscodeestreiamultiplatinado; eles também convidaram Ronnie a aparecer no ilmeTenaciousD in thepickofdestiny comoelemesmo.De repente, a carreiradeRonnietinharecebidoumnovosoprodevida.

A compilaçãoDio years vendeu bem o su iciente nos Estados Unidospara levarumpromotor canadense aperguntar sobrepossíveis datas aovivo. ComTony Iommi eGeezerButler sempoder tocarmais comoBlackSabbath, sob coação de Sharon Osbourne — que agora era dona da

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franquia e esperta o su iciente para perceber que o dinheiro não estavamais numa reunião Dio-Sabbath, mas com o Ozzy, e quemanter o nomeforadecirculação,enãoterseuvalordiminuídoporumaversão“falsa”dabanda fazendo turnê, iriaaumentaropreçodeumareuniãocomOzzynofuturo —, foi feita a sugestão de que eles izessem turnê juntossimplesmente comoHeaven and hell. Haveria duas turnês Ozzfest com aformação original do Sabbath, incluindoBillWard, em2004 e 2005.Mascom o festival agora suspenso temporariamente, e com Ronnie e VinnyAppice a bordo, Tony e Geezer concordaram felizes. Assim, emmarço de2007,HeavenandHell, comoa formaçãodoSabbathcomDioseriaagorachamada,marcou umameia dúzia de datas no Canadá, seguido por umaapariçãotumultuadanaBestBuydeManhattan.

Deveriasersóisso.Masquando,noverãoseguinte,elesreceberamaofertade ser atraçãoprincipal da turnêUSMetalMasters comdezessetedatas, aceitaram de novo e icaram encantados com a recepção quetiveram.FoinessepontoqueoselodeLosAngeles,Rhino,conhecidopelaalta qualidade das apresentações de seu catálogo, ofereceu um contratopara que oHeaven andHell izesse umdisco. De repente, como se fossemágica, a velha formação do Black Sabbath Dio-Iommi-Butler-Appice —independente do nome que usassem — estava de volta. Ninguém icoumais encantado do que Ronnie. Ele teria quase 67 anos quando o disco,chamadoThedevil youknow, foi lançado,emabrilde2009,enãopareciater estado tão bem desde o discoHeaven and hell original, três décadasantes.Nem,porfalarnisso,TonyIommieGeezerButler.

Iommi, claro, haviamuito tempo era reconhecido como omestre dosriffs, e em titânicas faixas novas como “Bible black”— o primeiro singlepesado demais para a rádio— ou a esplêndida brincadeira “Eating thecannibals”—prova de queRonnie, apesar de seu rosto sério, realmentetinhasensodehumor—,elenãodesapontou.Diotambémestavanoauge.“Come lieonabedofnailsandslumber” [Venhasedeitarnumacamadepregos e descanse], ele grita em “Follow the tears” com aquela voz quepareceumcorpo sendoarrastadodo rio.Emoutras faixas, como “Doublethepain”(comobaixoqueretumbanoestômago,marcadeButler),“Rockand roll Angel” (montado em cima de um tipo de riff agitado que oMetallicausouportodaacarreira)eo inalcom“Breakingintoheaven”(o

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máximo em termos de canções com anjos atacando o paraíso), fez os fãsperceberemoquetinhamperdidoemtodosessesanossemoSabbath.

“É como completar um círculo”, Ronnie me contou na época. Com odisco chegando ao oitavo lugar nos Estados Unidos— o lugar mais altopara um disco do Sabbath desdeMaster of reality , quase quarenta anosantes—,pareciaqueahistóriadeRonnieJamesDio—umcontogóticodetriunfo repetidamente frustrado pela tragédia, para que ele ganhasse noinal— teria chegado a seu “felizes para sempre”. Só que não seria tãoperfeito.

Naúltimavezquefalamos,Ronniepareciapoucomudadoemrelaçãoao homem bastante orgulhoso e determinado que conheci quase trintaanos antes. “Fui muito afortunado”, ele disse. “Ser parte de uma bandafamosanomundotodoémaisdoqueamaioriadosmúsicospodesonhar.Estar emduas é quase ser ganancioso.Mas conseguir fazer sucesso pelaterceiravez,especialmentequandoécomsuaprópriabandadessavez—bem, como posso dizer, eu me considero alguém extremamenteafortunado.”

Poucosmesesdepois, ahistóriamudoudenovo, comoquase sempreacontece comoBlackSabbath,paraquenãohaja inais felizes.Em13denovembro, sexta-feira, Ronnie foi diagnosticado com câncer de estômago.Ele tinha, conta Wendy Dio, sofrido de problemas estomacais por cincoanos.Em2004,elaselembra:“Eletinhaumadorterrívelnoestômagoeeuoleveiaumespecialista.Agora icomuitobravacomissoporqueachoquehoje,seeusoubesseoqueseiagora,teriainsistidoparaqueoespecialistafizessemaisexames.Masocaradisse:‘Oh,sãoapenasgasesqueeletem’”.

Aliviado por não ser nada grave, embora o estômago continuasse aperturbá-lo, dizWendy, Ronnie começou a “engolir toneladas deTums” eoutros digestivos. Quando, naquele último ano, as dores de estômagotinham icado mais severas, Ronnie ainda achava que era um problemagravedeindigestãoeserecusouairaomédico.“Elesimplesmentetomavaum monte deTums o tempo todo, porque achava que tinha indigestão,comoumahérniadehiatooualgoassim.”

Em novembro, depois de passar por testes no hospital, inalmentechegaram ao diagnóstico: “Foi devastador.Mas eu escondi dele— talveznão deveriater feito isso e me sinto um pouco culpada agora — mas

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escondi dele o quanto estava doente. [Porque] simplesmente não queriaacreditar. Pensei: ele vai superar.Vamos fazerde tudo. Passei todoo imde semana na internet procurando o melhor hospital para câncer deestômago,queeraoMDAnderson,emHouston”.

Nosmesesseguintes,ocasalvoariaaHoustonacadaquinzediasparaostratamentosdequimiodeRonnie.“Semprefaleiparaele:‘Vamosvencerisso. É um dragão! Estamos derrotando o dragão! Estamos matando odragão!’.Eparaserhonesta,elenãosofreumuito—atéaqueleúltimo imde semana. Ele era positivo, estava para cima, estava escrevendo, estavafazendocoisas.Agentesópensou,vamosvencer. Issonãovainosvencer.Vamosvencer.Masinfelizmenteéumadoençaterrível.”

Quandoocâncercomeçouaseespalhar,ocantor icou “aterrorizadodeque fosse chegar a seu cérebro. Ele tinhamaismedodisso do que dequalqueroutracoisa”.Foipoupadodessa tortura, felizmente,masporumtempo perdeu a visão de um olho. “Eu o levei a um especialista, elesexaminaram e disseram: ‘Bom, podemos tratar o câncer com laser, masisso não vai trazer sua visão de volta’.” Então uma droga experimentalchamada Avastin, prescrita por outro especialista, miraculosamenteresolveuoproblemadevisão. “Essadrogaera incrível!Ele tambémtinhaumaespéciedetremornaperna.Parouaquilotambém!Parou[otremor]desuamão.Aúnicacoisaqueelenãoconseguiuparar,e foioquematouRonnie, foi o que estava acontecendo com o ígado. Quando chegou aofígado,nãodeumais.”

Ummês antes demorrer, Ronnie falou empúblico sobre seu câncercom o Artisan News Service no “tapete preto” do Golden Gods Awardsanual da revistaRevolver, no Club Nokia, em Los Angeles. Perguntadosobrecomoestavalidandocomadoença,Ronniefalou:“Bom,eumesintobem e ruim às vezes. É um processo longo. A quimioterapia é um… Eununca pensei como era di ícil passar por isso. É realmente um efeitocumulativo — quanto mais você tem, mas isso vai se empilhando e vaidemorando cada vez mais para desaparecerem os efeitos. Sinto muitadi iculdadeparacomer.Nãogostomesmodecomer,entãoachotudobem.Mas sei quepreciso. Porém isso torna tudobemmais di ícil.Mas se vocêestá determinado a vencer a doença, então precisa continuar fazendo oqueacreditaquevaivencê-la,enestecasoéisso.Vouaumhospitalótimo

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emHoustonchamadoMDAnderson,queachoqueéomelhordomundo,tenhoomelhormédicodomundo,dr.Ajani,emquemcon io totalmenteedefatoacredito,entãoachoque izacoisacerta.Issomefazsentirotimistasobreminhavidaeotimistadequehámuitomaisparaseviver.”

Wendylembraquando,poucassemanasdepois,“chegouoúltimodia,eu deveria voar para Chicago, e ele ligou. Disse: ‘Não estoume sentindobem.Meuestômagoestárealmentedoendohoje’.Falei:‘Bom,vamosparaohospital’. Então fomos para o hospital. Ele disse: ‘Pode ir’. Eu falei: ‘Nãovou,quero icarcomvocê’.Entãoeleestavasentindotantadorquetiveramquedarmor ina.Adoreratãoforte,tiveramquedarmor inatrêsvezesedepois disso não dava para conversarmais com ele. Estava num tipo decoma. Então faleceu no domingo.Mas essa foi realmente a única vez queelesentiudordeverdade—tirandoaquelestratamentosmalditosetodasas coisas que você precisa fazer. Ele estava otimista, estava bem, tudoestavabom.”

Ronnie JamesDio faleceu às 7h45dedomingo, 16demaiode2010.Wendydeu umadeclaração o icial nomesmodia. Como ela diz agora, noentanto: “Oúnico ladoboméqueRonniepartiuno augede sua carreira.Ele tinha completado…um círculo. Ele tinha voltado com os Sabbs, que éalgoquesemprequisfazer.Paratocarcomelesporquesempregostoudamúsicaque criaram.E foi capazde voltar e reviver aquilo, e todomundoestavacomumclimamuitopositivo.Tudoestavaindobemparaele.Estavadevoltaaotopodesuacarreira.Eelepartiunesseponto.Eachoqueissoéprovavelmente algo que ele não poderia ter aguentado, se estivesse emdecadência, icandovelhoesuavozdesaparecesseoualgoassim.Éaúnicacoisa possível que penso sobre o que aconteceu. Voltar e fazer tudo denovoeteramizadescomoscarasdenovo,porqueelesempregostoudelese acho que sempre gostaram dele também. Foram muito bons comigotambém. Sempre mantiveram contato comigo. Porque estávamos ali nofinaleestávamosalicomRonnie”.

Haveria outra turnê de verão do Heaven and Hell aquele ano. Maisumavez, a eraDio do Sabbath tinha chegado inesperadamente a um imprematuroetriste.Omaistriste.

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Treze

13

“FUI VER SPINAL TAP e não achei engraçado!”, lembro que Ozzy uma vez mecontou.“Acheiqueeraaporradeumdocumentário! JuroporDeus!Todomundo começou a falar: ‘Não achou aquilo hilário?’. E eu dizia: ‘Não, eracomoumdocumentáriosobreaminhavida’.Eera!Quandoelesseperdema caminho da porra do palco, isso aconteceu comigo milhares de vezes!Algum bicha não mudou as placas e você termina na porra doestacionamentocomsuaguitarraesuabotadeplataformanachuva.”

Nesse momento, claro, já era conhecido que partes importantes doilme,This is spinal tap, eram realmente baseadas em fatos da história doBlack Sabbath: especi icamente, o palco de Stonehenge, com o qual aformação com IanGillan teve tantas di iculdades em1983.MasOzzy nãoestavapensandoemStonehengeouemIanGillanquandotrouxeoassuntoà baila. Estava simplesmente se referindo ao fato de que o verdadeirocoraçãodo ilme—umdosmaisengraçadose conhecidosparaqualquerum que já foi parte ou atuou com uma banda de rock de sucesso —poderia ter vindo de qualquer parte da história do Sabbath —especialmente dos anos com Ozzy, com suas histórias de bateristasdesaparecidos,namoradasvirandoempresárias,desonestidadedentrodabandaeseucredogeralde“ninguémmaissombrio”.

Escrevendo isso no inal da primavera de 2013, no começode outrolongo emuito divulgado “retorno” do Sabbath, a coisamais incrível paramimé que continuamos acreditandonaquilo.Não importa que os dezoitodiscos com o nome Black Sabbath que foram lançados desde 1970apresentemcincovocalistas,cincobaixistasecincobateristasdiferentes—semcontarosoutrosvocalistasemúsicosquesóchegaramatocaraovivocomeles,comoRayGilleneMikeBordin,ouostecladistasqueusaram,semfalarnocon iávelGeoffNicholls,que foi inalmentedemitidoem2004,ouDon Airey ou Gerald Woodroffe antes dele, e Adam Wakeman e ScottWarren,queassumiramopostodesdeentão.Nãoimportaqueareputação

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delescaiutãobaixonosanos1990queseusdiscoscomagravadoraIRS—osqueapresentamTonyMartin—saíramde catálogo. (Você agorapodeconsegui-los on-line.) Não importa que Ozzy Osbourne agora é muitoconhecidoparamilhõesdetelespectadoresaoredordomundo,eleémaisparecido com um excêntrico tio velho do que uma presença crível nomundodorock.PorqueahistóriadoBlackSabbathagoraestánasmãosdeumaverdadeiramestrada indústriamusical comoSharonOsbourne,elespodemvoltarcomafrequênciaquequiserem—desdequesejacomOzzye sobo controledeSharon—, e sempre soará comoaprimeiravezparaalguém.

Esseúltimo“retorno”seapoiaastutamentenofatodequetambémvaiapresentar o primeiro disco o icial do Sabbath a incluir todos os quatromembrosoriginaisdesde1978.Acerejadobolo,outraideiarevisitadaqueeles prometeram que funcionaria dessa vez: produção de Rick Rubin.Novamente, nãohá nenhumadescrença envolvida em tudo isso. Rubin játentou e fracassou com o Sabbath, quando as sessões de 2001 foramabortadasdepoisque icouclaroquenemRubinpoderiareacenderoquehaviasobradodafagulhaqueiluminaraaquelescincoprimeirosdiscosdaeraOzzy.Considerandofracassossimilaresporpartedoprodutoremfazeromesmo com aquela outra lenda de primeira grandeza do rock que elea irmateramadotanto,oAC/DC,cujodesapontadorBallbreaker,de1995,foitrabalhadocomomesmoobjetivo;eoMetallica,cujo“retornoàsraízes”Deathmagnetic,de2008,vendeubem,masdenovonãoconseguiuchegarà altura dohype, musicalmente. Por outro lado, segue a discussão: sealguém consegue soprar vida de volta ao Black Sabbath, será mesmoRubin? Este, a inal, será o primeiro disco da formação original desde osanos1970.

Exceto, claro, que não vai ser: Bill Ward mais uma vez jogou umachave inglesanos trabalhosdeumplanodemarketingespecial causandoum fedor global por ter sido apresentado ao que ele descreve como “umcontratoimpossíveldeassinar”—emandandoSharonOsbourneeorestodabandaenfiaressecontratoelessabemonde.

Masvoltemosaocomeço…O icialmente, a estrada para o primeiro disco do Black Sabbath com

Ozzy Osbourne em 35 anos começou numa manhã ensolarada de

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novembro de 2011, dentro de um bar sombrio na Sunset Strip de LosAngeles. Fora do Whisky a Go Go, uma ila de jornalistas reclamões —reunidos ali desde o meio da manhã — esperavam impacientes parapoderem entrar pela porta da frente num dos segredos mais malguardadosdamúsica.Porqueorebuliço? , reclamavamumaooutro.Todossabemos do que se trata . Mesmo assim, um por um, os repórteres seaproximavam da janelinha da bilheteria e passavam sua carteira demotorista por baixo do vidro. O nome deles era conferido na lista, odocumento devolvido, e eles, passando sob os olhares ameaçadores dosfortes seguranças, entravam no famoso clube, onde as luzes na salaprincipalpermaneciamapagadas,deixandoumtomazulado.

A fonte principal de luz era o logo do Sabbath brilhando em umagrandetelaqueestavapenduradanafrentedopalco.Enquantooobjetivoóbvio da tela era bloquear o que estavano fundodopalco, os jornalistasmovidospelacuriosidadepodiamsimplesmenteseinclinarparaafrenteever duas grandesmesas postas lado a lado diante do palco, com cartõescom nomes: Tony Iommi, Geezer Butler, Bill Ward e Ozzy Osbourne.Tambémnamesaestavao cartãocomonomedoprodutor com toquedeMidas—ehámuitotempoproclamadofãdoSabbath—RickRubin.

A coletiva de imprensa tinha sido bem divulgada, da revistaRollingStoneawebsitespessoais, informandoqueospioneirosdometalestavamse preparando para fazer um anúncio bombástico em 11 de novembro.O icialmente,oBlackSabbath iriacomeçaràs11h11,coma lendatatuadadohardcore,ocantorHenryRollins—outrodevotodoSabbath—,comomestre de cerimônias do evento. Além da logística, pouca informação foioferecida, embora todo mundo tivesse em mente o fato de que o BlackSabbath havia estreado em Los Angeles naquele mesmo lugar 41 anosantes.EmboracomDiofalecidonoanoanterioreosdiscossolodeOzzy—como os discos de todo mundo nessa era pós-download— não gerandomais vendas su icientes para pagar o aluguel, se iria existir uma“reformulação” completa estilo disco-turnê pela banda mais reformuladadomundo,agoraeraahora.Convenientementeignorandotodasasoutras“reuniões” que essa formação tinha feito de um jeito ou de outro nosúltimos vinte anos. Com Ozzy e Tony dando dicas não muito vagas nosmeses anteriores, o único choque teria sido um anúncio de que elesnão

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estavam se reunindo.Namanhãda conferência, a pergunta namente detodomundonãoera“Ese?”,massimplesmente“Quando?”.

No segundo andar doWhisky, cortinas pretas encobriamum freneside atividade, embora o inconfundível cabelo ruivo de Sharon Osbournepudesseservistopassandodeum ladoparaooutro.Então,às11h11emponto, um vídeo explodiu na tela e por trás de uma trilha sonoraensurdecedora de clipes dos maiores sucessos do Sabbath, imagens detodaahistóriadabanda—menososanosDioouHughesouMartin,claro— montadas uma após a outra. Simultaneamente, o mesmo ilme foitransmitido no novo website da banda, con irmando o que sabíamos: aformaçãooriginaldoSabbathiriasereunir.

Para dar início a todo o assunto, o Sabbath tocaria como atraçãoprincipal na noite inal do Festival Download de 2012, na Inglaterra, emjunhodoanoseguinte.Seriaaaberturadaturnêmundiale—toquemastrombetas—olançamentodonovodisco,produzidoporRickRubin,gurubarbado favorito de toda banda de rock clássica. A última vez que aformação original do Sabbath tinha gravado junto, todo mundo foilembrado, foi em 1978, fazendo desse um disco de retorno em todos ossentidos,completocomassufocantesexpectativasehisteriadealarmedeincêndio que tais projetos geram. Ou que se espera que esses projetosgerempelosempresários,promotoreseexecutivosdegravadorasportrásdeles.

Com o inal da montagem dos maiores sucessos, Ozzy, Bill, Tony eGeezer aparecerame se sentaramemsuas respectivas cadeirasnopalcopara uma entrevista coletiva com a imprensa. Para todos, cada um dosmúsicospareceusaudávelecordial.TonyeOzzydividiramamigavelmenteas respostas enquanto Bill e Geezer permaneceram em silêncio a maiorparte do tempo. Todos com ternos escuros, com um lor na lapela peloRemembranceDay,osquatrohomensirradiavamotipodecarismaquesóbandas que se conhecem hámuito tempo podem ter. Houve sorrisos namesa quando eles brincaram com Rollins sobre o timingdo disco comRubin.Comumpoucodeespanto,Ozzyrevelouqueeles já tinhamescritosete ou oito canções. Quando Rollins abriu para perguntas, Joe Daly, daClassicRock,perguntou:“Tony,oquevocêesperadestareunião?”.

Eraumaquestãolegítima.Porqueagora,depoisdetodosessesanos?

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Era dinheiro ou tinha a ver com o legado? “O que espero da reunião?”,respondeu Tony, antes de fazer uma pausa, como se não esperasse umapergunta tão complicada. “É ótimo estar de volta juntos e ser capaz detocareescreverótimamúsica,sabe,eestarcomoscarasqueeuconheço…De toda minha vida. É uma coisa realmente especial, sabe? A gente seconhecehátantotempo,écomoumafamília,eseriaótimosaberrealmenteque estamos trabalhando juntos e estamosnuma sala e tocamos. Émuitodivertido,agenterealmentegostadisso.”

Enquanto o disco seguinte surgia comoo centro do evento, noReinoUnido a notícia do show no Download fez as entradas venderem comoágua.OshownoDownloadseriamaisdoqueajoiadacoroanaagendadeconcertos do ano; prometia cimentar um lugar na história. Ou era o quetodomundoesperava.Alémdomais, haveriaumsegundo festivalde altoper il,dessaveznosEstadosUnidos,quandoOzzyeoSabbathiriamseraatração principal — outra vitória particular de Sharon — no festivalLollapaloozaemagosto.Tambémhaveriaumshow“paraesquentar”antesdo Download Festival, no Birmingham O2 Arena, em que o lucro seriadoadoàobradecaridadeHelpForHeroes.Pareciaquetodasasmelhoreshistóriasprecisavamdeumfinalfeliz,mesmoasmaissombriascomoesta.

O Download Festival 2012— descendentemoderno de três dias dofestivalMonsters of Rock de um dia nos anos 1980, e situado namesmapista de corrida do Castle Donington — prometia ser ainda maior, emtermosdetamanhoequalidadedasbandas.Apesardamudançanonomedo festival, a receita sonora permanecia bastante igual, a grandemaioriadas bandas de 2012 bebia das águas do rock pesado e do heavy metal,embora a atração principal da primeira noite mostrasse o estranho duoChase & Status abrindo para o Prodigy. A segunda noite teria Metallicacomo atração principal, tocando oBlack album inteiro, com o Sabbathfechando a última noite de domingo. Estrelas como Soundgarden daprimeira geração de estrelas grunge de Seattle (que “abririam” para oSabbath na noite inal), Megadeth, Ghost and Slash mostraram umavariedade incrível de bandas, com um conjunto de shows que ia do queestava mais na moda, o que estava em ascensão, até os abatidos equebradoseaquelesque“eunemsabiaqueaindaestavamjuntos”.

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Então entrou o Black Sabbath. A estrada para o festival tinha sidobastante dura. Poucas semanas depois do anúncio o icial do disco e daturnêderetorno,TonyIommitinhasido forçadoa fazerumanúnciomaisprivado, menos triunfante: havia sido diagnosticado com câncer; em seucaso, uma forma de linfoma. Embora as notícias subsequentes tivessemtentado em vão obscurecer a realidade de seu declínio cancerígeno, umacoisaeraevidente:abatalhadeTony Iommicomo linfoma tinhapiorado.Tomado pela náusea e pela exaustão— o efeito colateral implacável daquimioterapia—,aenergiadeTonytinhadesaparecidoeanotíciadesuadeterioração acompanhara o anúncio do cancelamento da turnêmundialdoSabbath,menosoDownloadeoLollapalooza.Originalmenteagendadacomoumaaberturaparaumatriunfantecampanhaderetorno,Downloadagoraestavaparecendoumcantodocisne.

Aténosdiasanterioresaoshowde10dejunho,aincertezacomeçouatomarcontade cadamovimentodabanda.Noprimeirodiado festival, ossorrisos seguros do Whisky a Go Go tinham desaparecido havia muitotempo— junto com Bill Ward. Citando problemas contratuais, Bill tinhafeito reclamações públicas, culpando especi icamente Sharon Osbournepor insistir num contrato “impossível de assinar”, e em sua página noFacebookhaviadesfiladoumalongalistadereclamaçõesdeváriosanos.

Em um post no Facebook chamado “Declaração sobre o Disco e aTurnê do Black Sabbath: Los Angeles, Califórnia — 2 de fevereiro de2012”,Billescreveu:

CarosfãsdoSabbath,companheirosmúsicosepessoasinteressadas.Nestemomento, o que eumais gostaria era de ser capaz de seguir

com o disco e a turnê do Black Sabbath. No entanto, não possocontinuar,amenosqueumcontrato“possíveldeserassinado”sejafeito;um contrato que re lita alguma dignidade e respeito por mim comomembrooriginaldabanda.Noanopassado,trabalheideformaaplicadaedeboa-fécomTony,OzzyeGeezer.Eem11/11/11,novamentedeboa-fé,participeidaconferênciadeimprensaemLosAngeles.Háalgunsdias,depois de quase umano tentando negociar, outro contrato “impossíveldeassinar”mefoientregue.

Deixe-medizerqueapesardeissomecolocaremcompassodeespera,

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estou pronto para deixar os EstadosUnidos e partir para a Inglaterra.Mais importante, eu de initivamente quero tocar no disco edefinitivamentequerofazeraturnêcomoBlackSabbath.

DesdeanotíciadadoençadeTonyeacompreensãodequeabandairiamudaraproduçãoparaoReinoUnido,passei todososdiasprontospara viajar. Isso envolve algumas tarefas, e quando tentei descobrir oque estavaacontecendonas sessões noReinoUnido, percebi que estavasendo ignorado (e, devo acrescentar, não pela primeira vez). Sentindo-meumpoucocondenadoaoostracismo,meupalpiteéquehojenãovousaber nada do que está acontecendo, a menos que assine o “contratoimpossíveldeassinar”.

Olugaremqueestouparecenojentoesolitárioporque,pormaisqueeu queira tocar e participar, também tenho que me posicionar e nãoaceitartudo.Seeuassinasseocontratocomoeleestá,estariaperdendomeus direitos, dignidade e respeito como músico de rock. Acredito naliberdade e na liberdade de expressão. Cresci numa banda de hardrock/metal. Nós defendíamos algo então e tocamos de coração comhonestidade e sinceridade. Tenho o espírito de integridade, longe dadoençacorporativa,souverdadeiroehonesto,justoecompassivo.

Se for substituído, preciso me dirigir a vocês, os adorados fãs doSabbath. Esperoquenãome julguem responsável pelo fracasso de umareuniãooriginaldoBlackSabbath.Semtentarencontrarculpado,querogarantiratodomundoqueminhalealdadeaoSabbathestáintacta.

Entãoaquiestou,apresentominhaverdadeparavocês.PossoseguirSE me mandarem um contrato “possível de assinar”. Não querodecepcionarninguém,especialmenteoBlackSabbathetodososseusfãs.Vocês sabem que adoro vocês. Seria um dia triste no rock se estasituaçãoatualcontinuassepordesejodealguns.

Minha posição não tem a ver com ganância. Não estou querendouma “parte grande” da ação (dinheiro) como algum tipo de contratochantagista. Gostaria de algo que reconhecesse e re letisse minhascontribuiçõesàbanda,incluindoasreuniõesquecomeçaramhácatorzeanos. Depois da última turnê jurei nunca mais assinar um contratopoucorazoável.Queroumcontratoquemostrealgumrespeitocomigoeminhafamília,umcontratoquevaihonrartudoqueeutrouxeaoBlack

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Sabbathdesdeseucomeço.Estaéahistóriaatéomomento.Fiquemsegurosefiquemfortes.Adorocadaumdevocês

BillWard.

Duassemanasdepois,houveoutropostnapáginadeBillnoFacebook:

CarosfãsdoSabbath,Quero que saibam como estão as coisas, domeuponto de vista, até

hoje,17defevereirode2012.Comominhadeclaraçãode 2 de fevereiro de 2012 indicava, nãome

recusei a participar do disco e da turnê do Sabbath. Na primeiraoportunidade estou preparado para ir ao Reino Unido e gravar, depoisfazeraturnêcomabanda.

Na semanapassada, nos comunicamos como advogado responsávelpelas negociações para tentar chegar a um acordo. Neste momentoestamosesperandoumaresposta.Continuoesperançosodeumcontrato“possíveldeserassinado”eumresultadopositivo.

Quero agradecer todo mundo que falou e postou suas opiniões,pensamentos, apoios e amor através de toda a mídia, incluindo sitesrecém-construídos.Aplaudoareaçãomundialemapoioàbandaoriginal.E, falando por mim mesmo, suas intenções e verdades sempre serãorespeitadas.

Apesar de acreditar na liberdade de expressão de vocês, lembrem-seque Tony, Ozzy e Geezer ainda sãomeus amigos de toda a vida, e nãopossoapoiarcomentárioscomtemasagressivosouderrogatórioscontraelesouseusváriosrepresentantes.

Muitoobrigadoatodosvocês.Sãorealmentefenomenais.Fiquemseguros,fiquemfortes.

BillWard.

Ele recebeu centenas de comentários de volta. Outros milhares

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chegaram em fóruns e salas de bate-papo de todo omundo,mas Sharonnão recuouumcentímetro.Porquedeveria?Bill podia receberoqueeleconsideravasuapartejustadenada,ouoqueelamandasse.Billescolheuo nada. Mais uma vez, a reunião da formação original estava cancelada.Não que a banda parecesse se importar, apenas remendaram asrachaduras. Ozzy com certeza não receberia um “contrato impossível deassinar”,nãoémesmo?

Finalmente,em15demaiode2012,Bill tornouo icial,maisumavezatravésdeumamensagememsuapáginanoFacebook:

CarosfãsdoSabbathecolegasmúsicos:Fico triste em informar que depois de um esforço inal para

participardospróximosshowsdoSabbath,nãofoipossívelchegaraumacordo. Neste momento, tenho que informá-los que não vou tocar noshowdoBlackSabbathemBirminghamde19demaiode2012,nemvoutocarnoDownloadem10dejunhode2012.Alémdomais,nãovoutocarnoLollapaloozaem3deagostode2012.

É com o coração muito triste que trago esta notícia. Fiqueisinceramenteanimadoparatocarcomabandaesintomuitoquetenhachegadoaisso.Estadeclaraçãoéaindamaisdolorosadeescrever,jáqueeu estava especialmente animado para tocar junto com Tony Iommidepois do recente tratamento pelo qual ele passou. Queria que isso setornasserealidade.

Ele então faz referência aos leitores para que releiam seuscomentáriosoriginaisparamaisdetalhessobresuaposição.

Geezer Butler foi quem respondeu às últimas postagens de Bill comumadeclaraçãoprópria,napáginaoficialdabandanoFacebook,datadade19demaiode2012.Geezerescreveu:

Fico triste ao ver a reunião do Sabbath se tornando meio que umanovelana internet.Foiumanoduroparanós comobanda, logodepoisdo anúncio dos planos de nossa reunião, Tony foi diagnosticado comlinfoma,deixando-nossemoutraescolhaquenãofossepostergaraturnêdo Sabbath, e depois Bill saiu em público em seu per il falando de um

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contrato impossível de assinar. Nenhum de nós sabia como Tony iaresponder a sua intensiva quimioterapia e radioterapia. Ozzy e euvoamosparaaInglaterrapara icarmoscomTony,eemseusdias“bons”nos encontrávamos em seuhome studio e juntávamos ideias para opróximodisco,todosostrêssentados,semnenhumbaterista,sónóstrês,tranquilos, trocando ideias. Pensamos que quando tivéssemos músicassu icientes para um ensaio completo, voltaríamos para Los Angeles ejuntaríamos tudo com Bill. Infelizmente, para nossa surpresa, Bill deuuma declaração em seu per il falando de um contrato impossível deassinar.Elenãotinhaditoanenhumdenósqueestavatendoproblemascontratuais e francamente essas coisas são resolvidas entre nossosrepresentantes, e nunca entre os quatro, muito menos em público.Tivemos a ideia de manter apenas um show neste ano, esperando queTonyestivessebemosu icienteparaaqueleshowequeascoisascomBillestivessem resolvidas. Como vocês podem imaginar, um show noDonington Festival (Download) custa uma fortuna para montar,envolvendo mais de cinquenta pessoas, transporte, passagens aéreas,hotéis, refeições,agentes,promotores, contadores,advogadosetc., entãonenhumdenósesperavaganharmuitodinheirocomele—eraumshowúnico do Sabbath para os fãs antes de gravarmos o novo disco.AparentementeissonãoeraaceitávelparaosrepresentantesdeBill,elesqueriam uma quantia que era tão irreal que parecia ser uma piada.Então nos resignamos a fazer o Download sem Bill, esperando que elemudassedeideiaepelomenos izesseumaparticipaçãocomoconvidado.Começamos os ensaios algumas semanas atrás comTommy Clufetos, obateristaque vai estarnaOzzyandFriendsTour.Bateristabrilhante ecara legal. Foidecididoque eramelhor fazerum showdeaquecimento,paraquebrarogelo, jáquenuncatínhamostocadojuntosaovivo.AO2Academy estava disponível emBirmingham, onde estávamos ensaiando,então decidimos por isso, e fazer uma doação ao Help For HeroesCharity, já que poderíamos resolver quaisquer problemas quepudéssemos ter. Então Bill publicou mais uma declaração dizendo queestavaprontopara tocarno showdeBirmingham,mas esperavamqueele tocasse “degraça”.Bem,achoquebasicamenteé comovocê levantadinheirodeshowparacaridade—vocêtoca“degraça”.

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Tudoqueestoudizendoéquehádois ladospara tudo.Espero tocarnovamentecomBillalgumdia.Poralgumarazão,nãofoidessavez.Billtomousuadecisão,etenhoquerespeitá-la.EsperamosquetenhavalidoapenaaesperanesteanodolorosoporumnovodiscodoSabbathe comalegriaefelicidadeparatodos.

Fiquemfrios,

Geezer.

ArespostaimediatadeBillpeloFacebook,postadahorasdepoisdadeGeezer,foiassim:

CarosfãsdoSabbathemúsicos,Li a declaração de Geezer em 19 de maio de 2012, com o título

“Coraçãopesado”.Por respeitoao showdeBirmingham,queriaesperar24 horas antes de publicar esta declaração. Há alguns pontos que eleapresentouaosquaiseuqueriaresponder:

1) Eu na verdade noti iquei Ozzy, Tony e Geezer, muito antes daminha primeira declaração pública, de que estava tendo di iculdadescontratuais.

2)Fizasdeclaraçõespúblicasparaserresponsávelcomosfãs,acimadetudo,eparamostrarquehaviaumproblema.Osmembrosdabandapararam de falar e se corresponder comigo há algum tempo, comexceção de uma linda carta de Tony no meu aniversário. Antes disso,Geezer e eu estávamos nos correspondendo, mas isso parouabruptamente no inal de fevereiro, depois que eu mandei por e-mailumaperguntaespecíficaparaele.

3) Em minha declaração de 15 de maio, eu disse que tocaria emBirmingham de graça. Que isso não era um problema — fosse porcaridadeououtracoisa.

4) Meu pagamento por Download não era uma quantiaextravagante.Originalmente,quandoDownloaderapartedeumaturnêcompleta, eu tinha pedido uma quantia razoável. Mais recentemente,quando estávamos negociando somente Download/Birmingham eLollapalooza, falei a meu advogado que aceitaria a quantia menor

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proposta para Download, mas que havia outras partes da oferta queeraminsatisfatórias.

Vou continuar a ser honesto e respeitoso em relação à banda e anossos fãs. Também vou confrontar qualquer inverdade sobre mim equalquertentativademeculparquechegaraomeuconhecimento.

EsperoqueabandaeosfãstenhamumbomshowemBrum.Fiquemseguros/fiquemfortes.

BillWard.

Porcausadosenormesegosemquestão,incluindoosdosOsbournes,Bill certamente sabia que essa lavagem de roupa suja em públicosigni icava um ponto sem retorno. Mas esses ressentimentos tinhamqueimado a cabeça de Bill por anos e com o fogo acumulado natemperatura máxima, suas chocantes acusações públicas destruíramqualquer chance realista de reconciliação a tempo para o Download. Osrumores de bastidor eram que Bill não conseguia aceitar o fato de queOzzy — compreensivelmente, por seu status como uma das maisreconhecidas estrelas de rock do planeta — de novo receberia a maiorparte dosmilhões que entrariam, com os outros três tendo que dividir oque sobrasse. Mesmo se o que sobrasse signi icasse vários milhões dedólares. Bill, em sua maneira bizarramente arcaica, ainda mantinha acrençadequeoBlackSabbathera,dealgumaforma,apesardetudo,umabandadequatropessoasiguais.Algoque,narealidade,elesnuncatinhamsido.Certamente,de todos,Bill tinhasidosempretratadocomoobobodacorte, o tonto sempre por perto, a vítima das brincadeiras. Não erarealmente assim,mas o fato permanecia: Bill tinha destruído sua própriacarreira. Do ponto de vista de Sharon, o que ela estava oferecendo erapouco mais do que uma esmola glori icada. Bill queria uma pequenaporcentagemdeumagrandesomaounada?Empúblico, certoouerrado,Billescolheuosegundo.

Duras brigas entre grupos leais explodiram no mundo on-line, comuma importante maioria insistindo que a palavra “reunião” era agorainaplicável sem Bill por trás das baquetas. Desde 1969, o Sabbath tinhavisto 25 músicos passarem por suas formações, com Tony como o único

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constante, mas os puristas icaram bravos compreensivelmente. ComopoderiahaverumareuniãogenuínasemBill?EstavamdenovovendendoespelhinhosaosfãsdoSabbath?

Alémdasemânticadapalavra “reunião”,aausênciadeBill implicavauma questão mais substancial. Seu estilo, muito in luenciado pelo jazz eoutros estilos progressivos, incrementou o som do Sabbath com umacadênciaúnica, luida;nãoeraa forçadasbatidasquede iniaBill,masosespaços entre elas. Enquanto os riffs de Tony eram em geral aclamadoscomoaessênciadosomdoSabbath, igualmenteimportanteeraaespinhadorsal do aspecto essencial da banda— eventualmente o som do heavymetalcomoéagoraentendido—,ainteraçãoentreBilleGeezer.

ComaaproximaçãodoDownload,ahistóriadarecusadeBillWardatocar acabou frustrando toda a animação da mais recente “reunião” doSabbath. Enquanto isso, foi inalmente con irmado que, como um post noFacebook de Geezer tinha sugerido, o baterista regular de Ozzy em suabandasolo,TommyClufetos,tinhasidochamadoparasejuntaraoSabbathemseusshowsaovivo.Tommytinhaganhadosuareputaçãocomoumdosmais poderosos bateristas do planeta, tocando para Alice Cooper, TedNugente,maisrecentemente,RobZombie.OestilodeTommyeraferoz,àbeirada violência; ele às vezes até saltavade seubanquinhopara trazertodo o peso de seu corpo por trás de suas batidas. Como pro issional,Clufetos era experiente o bastante para saber como melhor tratar omateriale,porconsensocomum,eraumritmistadeelite.MashaviapoucachancedequeseuestiloagressivonãoalterasseprofundamenteosomdoSabbath; a diferença entre Bill e Tommy era como a diferença entrefutebolefutebolamericano.

NoshowdeaquecimentonoBirminghamO2Arena,comClufetosportrás da bateria (não apresentado por Ozzy), a banda mandou váriosclássicos para a plateia de 3 mil pessoas, que inundou a internet comresenhasefusivas,fotosevídeosdecelular,querevelavamumabandaemmuitomelhor formadoquequalquerumpoderia ter imaginado.Talvezoshow no Download ainda pudesse entrar nos livros de história. Depoisdisso,ninguémsabia.

O clima no primeiro dia do Download Festival rivalizava com as

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chuvastorrenciaisquetinhammaltratadoGlastonburynoanoanterior.Osorganizadores adiaram a abertura do festival até as catorze horas paracolocar mais feno sobre o barro que antes tinha sido um gramado,enquantochoviaforte.Osventosuivantestinhamtransformadoosbannersdo festival em perigosos mastros gigantes, então a equipe de produçãotirou várias faixas e banners potencialmente letais para que nãoempalassemalgumpobrecampista.Certasbandasqueestavamagendadaspara tocar no começo do dia foram totalmente canceladas; o nível deprecisãoexigidaparaorquestrarosconjuntosdemaisdecembandasemcinco palcos durante três dias de vento e chuva dava pouco espaço paraimproviso.

Nosegundodia,aschuvastinhamparadoeoscampostinhamsecadoum pouco, embora o público, cruzando os campos, acabasse caindo empoçasdelamatãoprofundasquemuitosperderamseussapatosnaversãobritânicadaareiamovediça.Quandochegoudomingoeasbandasdatardecomeçaramseusshows,aúnicacoisaqueameaçavaograndemomentodoSabbatheraopróprioSabbath.Claro,oquefezseushowtãoprestigioso—tocando na noite inal de um festival de três dias— também signi icavaque eles estariam enfrentando uma cidade de fãs de música que tinhaocupado um campo por três dias, bebendo e comendo até o estupor,enquanto eram eletrizados por literalmente centenas de hinos do heavymetal.Nessascircunstâncias,nãohaviaespaçoparaaqueceraplateia;ouvocê a agarrava pelos cabelos na primeira música ou estaria cantandoparamilharesdepessoasdecostas,saindoparaoestacionamento.

O palco principal Jim Marshall (homenagem ao pioneiro dosampli icadoresquehaviafalecidonocomeçodaqueleano) icavabemaltonomeiodocampo,comenormestelõesdecadaladoetorresdemonitoressubindo do palco como gigantescas presas pretas. Durante todo o dia,apresentou shows de Lamb of God, Megadeth, e um show surpresa doSoundgarden, antesqueopalco fossepreparadoparao eventoprincipal.Pouco antes de o show do Sabbath começar, um convidado indesejadochegou “disfarçado” como um vento muito frio soprando pelo parque.Apesar do calor corporal de 100mil pessoas, até osmetalheads comcaramais ameaçadora vestidos de couro pulavam para tentar vencer a baixatemperatura.

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E então começou. Como a conferência de imprensa no Whisky, aapariçãodoSabbathteveiníciocomumamontagemdevídeodahistóriadabandaantesqueosquatromúsicosentrassemsobaplausos,abrindocom— o que mais? — “Black Sabbath”. Apesar dos desa ios acústicosapresentadosporumshowaoarlivreemumdiafrioecomvento,abandasoavabempolidaerobustaportodoosistemadePAdotamanhodaNASAno Download. Aquelas primeiras notas assustadoras e bruxuleantessoaram majestosas e, naquele instante, toda a expectativa e a incertezaevaporaram. Até do fundo do campo, o quarteto parecia robusto econfidente.Amultidãoiaavançando.

Aos63,osdiasdeOzzycorrerpelopalcojátinham icadohaviamuitopara trás. Em vez disso, ele se chacoalha e balança a cabeça seguindo amúsica.Havia,noentanto, certapurezaem tudo isso.Elepareciaperdidonos sons, divertindo-se em cada nota, às vezes esquecendo a legião denervosos fãsaseuspés.Ozzynãoestava interessadoembrincarcomsuaaudiência; estava ali para deleitar-se em ser parte de um dos maiorescatálogos da história do rock. Tinha essamúsica e estavamuito feliz empodertocá-ladenovo.

Se os descrentes estavam procurando rachaduras na super ície, foiumaperdade tempo;oSabbathestavaemplena formadesdeaprimeiranota, e embora nesse ponto a banda já tivesse trabalhado em cima dequinzenovasmúsicasparaopróximodisco,nãoeraumanoiteparanovomaterial. Só bandas com algo a provar se preocupavam com imposiçõesvergonhosas, como a de apresentar novomaterial. Tony, o braço da suaguitarraadornadocomcruci ixoscombinadocomoqueestavapenduradoem seu pescoço, parecia não estar afetado por sua batalha contra olinfoma, embora se movimentasse pouco, colocando a música acima doshow.Naverdade,comexceçãodofuriosoTommyClufetos,semcamisa,abanda não fez muito teatro, em geral icando perto de seus monitores,ocasionalmente caminhando até a frente do palco antes de retirar-se devoltaaseucanto.

Enquanto isso, Ozzy estava atuando de um modo que, de muitasformas, era o oposto polar dopalhaçobobãoque tinha se tornadonaTVduranteadécadaanterior,evoltouaseportarcomoumaestreladerock,impulsionando o show de uma música para a outra com uma estranha

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intensidade.Elefaloupoucoentreasmúsicaseaofazerissodeixouqueamúsica se tornasse o centro. Ocasionalmente zombando ou seduzindo aplateia, Ozzy estava sério. Desapareceu a caricatura grosseira de seuprograma de TV; ali estava o frontman perfeito, dominando a plateia,alimentando-acompoucosgracejos,sóaquantidadecertademovimentos,paramantê-loscomendotranquilosemsuamão.Ameaçador,desa iadoreàsvezes irritado,OzzyOsbournenãoprecisavadepirotecniaouginásticaparalembraraomundoquemexatamentetinhacomeçadooheavymetal.

Duranteaterceiramúsica,“Behindthewallofsleep”,Ozzyapresentou“Mr. Geezer Butler” para seu solo de baixo; um interlúdio sonoro queprevisivelmente inspirouumcampodechifrescomosdedosdeDioentreos fãs.Por trásdosataquescomesteroidesdeClufetoscontraocourodabateria, o Sabbath soavamais vivodoquenunca.Nenhumamisericórdia,nenhumsentimentalismo; sópuroArmageddonmusical.Numponto,OzzyfezumgestoparaTonyedisse: “Ocaranopalcoqueeuconheçoamaiorpartedaminhavida e éumdos carasmais fortesque já vi.VamosouvirMr.TonyIommi”.Amultidão,sabendodasituaçãodeTony,respondeudeacordo.Oaplausofezaterratremer.

“War pigs” foi cantada por todos, antes de a banda mudar para“Electric funeral”, “Wheels of confusion”, “Sweet leaf” e “Symptom of theUniverse”, seguida por um revigorante solo de bateria. A pegada deClufetos, com 32 anos, uivando e pulando em seu banquinho, enquantoenchia o campo britânico com uma bateria alta o su iciente para fazerStonehenge tremer. Bill Ward pode ter feito falta, mas a explosivaaprovaçãodamultidãosugeriuquesuaausêncianãodiminuiuadiversãodoshow.Nãodessavez,pelomenos.

O som era imenso. “The wizard” começou rolando como um trovãoquandoIommi icouatrásdeOzzycolocandofogonamultidão.Tãosimplesem sua brutalidade. A pentatônica menor e ospower chords, só isso. Osblocoscentraisdeumgrupoparacomosquaistodabandaquetocouantesdelesnesse imdesemanatêmumadívida.Geezerapresentou-seemsuamelhor forma. Ele se uniu à bateria de Tommy Clufetos como ummíssilguiado. Clufetos foiimpressionante. Trovão, fúria, poder e glória caindosobre nossas cabeças como os martelos dos deuses. O bumbo duploapareceu, com bom gosto e bastante bem aplicado, acrescentando um

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brilho real à mistura, trazendo um agradável ar contemporâneo ao somqueiniciouoheavymetal.

Quando o show chegava ao im, a plateia estava doida, gritando pormais, e quando Ozzy gritou: “Vocês têm que fazer algo por mim nestaúltima música, icarem loucos pra caralho!”, a maioria icou feliz emobedecer.O inaldoshowfoiomesmodequarentaanosantes: “Childrenof the grave” ofegante, seguida por uma incrível “Paranoid”. Quandoinalmente acabou, eles se juntaram na frente do palco para agradecerenquantoosfogosdearti íciocomeçaramaexplodiracimadeles.NinguémmaissemoveuquandooSabbathsaiudopalco.Poderianão termaisdezanos de banda,mas, por enquanto, o Black Sabbath eramais uma vez omestredesuaprópriarealidade.Seriaaúltimavezqueelestocariamessamúsicaemsuaterranatal?NãoenquantoTonyIommiaindarespirasse.

Desde então os empresários da banda espalharam muitasinformações sobre o novo disco. Seria chamado13. Não, não é o caso. Naverdade,13 é o título. Bom, teremos que ver. Etc. O que é certeza é que,com o novo contrato com a Universal já garantido, e datas de turnêjaponesa, australiana e neozelandesas fechadas para o começo do verão,13—comoacabousendochamado—foilançadoemjunhode2013.

Falando para o site daNME, Ozzy comentou: “Compusemos umasquinzemúsicasatéagora, seelasvãoentrarnodisco [nãosei]…Dáparacontinuar compondo. Eu estava tentando [entender]: onde estaríamosagora musicalmente se tivéssemos icado juntos?”. Em relação a comoRubin participou das sessões de composição com a banda, Butler falou:“Elenos sentou, colocouoprimeirodiscopara tocar edisse: ‘Ouçam isso,imagine que é 1969, vocês acabaram de gravar isso, o que fariam emseguida?’”. Iommi também discutiu sua batalha contra o câncer e comotocarcomabandanoverãopassadodeumuita“energia”.Elecontou:“Foiótimo.Tendopassadoportudoquepassamosnoúltimoano,foicomoviverem ummundo diferente— estar no palco e receber aquela [reação dosfãs]ésimplesmentefantástico,realmentedámuitaenergia”.

Tentei falar de novo com Bill, uma última vez, para este livro, nocomeçode2013,mas,apesardeelecontinuarcordialemeagradecerpelointeresse,deixouclaroquejá“tinhaditotudoquetinhaparadizer”sobreoassunto Black Sabbath — por enquanto. E que ele estava, na verdade,

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pensandoemescreveroprópriolivrosobreoassunto.Suador,noentanto,claramentecontinuaconsiderável.Quemsempre

foiavítimadaspiores“brincadeiras”deTony,apesardesersempreoquemais icou próximo de Ozzy, e sem o qual o baixo ranzinza de Geezersimplesmente nunca teria nenhum dos grandes tentáculos quedemonstrava, independente do que o resto deles fale agora, fará muitafalta tantoem13 quantonasubsequente turnêmundial cujasdatasestãoplanejando anunciar quando o disco reunir a necessária quantidade depublicidadedenovo.

AúltimavezqueconverseirealmentecomBill foidurantesuaúltimaturnêcomoSabbath,noverãode2005.Estávamosdiscutindoo iminenteaniversário da morte de seu amigo John Bonham — e todos os outrosamigos bateristas que tinhammorrido. Omais comovente de todos, CozyPowell, um dosmuitos bateristas que tinham tentado— e fracassado—substituirBillnoSabbathequemorreuemumacidentedecarroemabrilde1998.DeacordocomumamatériadaBBC,nomomentodoacidente,onível de álcool no sangue de Powell estava acima do limite legal, ele nãoestavausandocintodesegurançaeestava falandocomsuanamoradanocelular. Parece rude, mas é di ícil imaginar que Powell, que adoravavelocidade e era louco por carros, pudesse ter uma forma melhor demorrer— se não tivesse acontecido cedo demais. Ele só tinha cinquentaanos.

Falamossobreisso,eBillmecontousobreascoisasquelevacomelena estrada que normalmente não conta a ninguém. Bem perto dele, emuma caixa que mantém ao lado do beliche onde dorme, em seu próprioônibus personalizado, “carrego diferentes coisas que pertenciam a meusamigos que faleceram. Tenho as luvas de Cozy”, ele contou, emocionado.Guarda lembranças de outros que ele pediu que não divulgasse.Parcialmente,elefalou,porquedealgumaformasentequaseculpaporseroquenãomorreujovem.“Sãoapenasfotosdenossotempojuntoseoutrascoisasparticulares”,eledisse.“Masguardotodosessescaraspertodomeucoração e só sei que eles eram os melhores. Cada cara desses, eu devomuitoaeles.”Elesuspira fundoeacrescenta: “Sãomeusanjosdaguarda.Issopodeparecerrealmentebobotalvez,estoumuitovulnerávelcomissoagora,Mick.MasgeralmenteconversocomCozy,Bonzo,MickEvans, [Jim]

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Capaldi… Caras que morreram, que não estão mais aqui. Falo com elesantes de fazer um show ou se estamos na estrada. Tenho uma pequenamochila que carrego com algo deles dentro. Estão sempre comigo naestrada. E eu brinco sobre isso. Quando estou em casa, antes de fazerminha mala, vou dizendo: ‘Vamos lá, todos vocês. Estamos voltando àestrada,caras!’”.

Ele disse como sua última conversa comCozy aconteceupoucos diasantes da morte do amigo e que ele “se sentia determinado, embora nãohouvessenadapararesolver”.

EeracomoelesesentiaagoraemrelaçãoaoscarasnoSabbath?“Hã…não sei sobre estar resolvido. Mas estamos nos perdoando um ao outro,acho.Eagenteseadora.Apesardetudo…”

No inaldaprimeiradécadadoséculoXXI,apesardeseusfrequentesshows novamente com o Black Sabbath, sua lista de discos solo cada vezmenos interessantes — quatro naquela década, a maioria continuou atocar bem com cada geração emergente de moleques curtindo heavymetal, mas nenhum conseguindo capturar a fagulha, a energia ou ointeresse de seusmelhores trabalhos comRandyRhoads ou Tony Iommi—,OzzyOsbournenãoeramaisconsideradomeraestreladorock,comousemabandaquejáoexpulsara,masagorasebaseavaneleparacontinuarsuameia-vida.EleeraumaestreladaTV.Alémdomais,umaestreladeum“reality” show. Um dos primeiros e ainda o melhor, mas nada mais queisso.EnãosóOzzy,masSharontambémedoisdeseustrês ilhos,KellyeJack(Aimee,amaisvelha,conseguiuevitaraignomíniadesetornarestreladeTheOsbournes ouTheXFactor , ouqualquerumdosoutrosprogramasaos quais os pais e os irmãos emprestaram seguidamente suasreputações).

TheOsbournes,quecomeçouasertransmitidonosEstadosUnidosemfevereirode2002,tinhasetransformadoemumfenômenodatelevisãodanoiteparaodia,e seriaoprogenitordedezenasdecópias,nemdepertotãoboas,masaindapassandoemcanaisporaí,comosatélitesenferrujadosabandonados uma década depois. Como o próprio Don Arden me dissemais de uma vez: “Não tem a ver comquemestá certo ou errado, rapaz.Temavercomquemvence.Eeusempre fuiumvencedor,não importao

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quedigamameurespeito”.Outraliçãoquesua ilhaaprendeumuitobem.PoisseháalgumvencedorrealnahistóriadoBlackSabbathécertamenteSharonOsbourne,quenãonasceupobreemAston,nãocompôsougravounenhumacanção,nemapareceuemnenhumdeseus shows (pelomenos,nãonopalco),mascujossonhosedesejosdecididamenteimpulsionaramacarreiradelesatésuaatualconclusão,tãocerteiramentequantosefossembonecosnumcarrinhodebebê.

A última vez que me sentei para conversar com Ozzy foi no hotelDorchester, não muito depois que The Osbournes tinha transmitido seuepisódio inal, e a carreira de Sharon na TV tinha começado a ganharvelocidade com suas aparições supostamente mais sérias no primeiroXFactorbritânico,depoisnoAmerica’sGotTalent.

Quem teve a ideia original paraumprogramadeTV? “Os jornalistasvinham em casa e era como tentar fazer uma entrevista num shoppingcenter.Sempreaporradealgumdramaouumacalamidadeacontecendo.Eles perguntavam: ‘É sempre assim? Vocês são meio loucos?’. Então eudisse para Sharon: ‘Sabe o que deveríamos fazer? Filmar essas coisas’.Querdizer, àsvezes coisasestranhasacontecemevocêpensa: ‘Issodevetersidomontado!Algoassimnãoacontecerianavidareal’.Masparanóséalgodiário.Porissoqueeunemconsigoassistir.”

Qual tinha sido sua reação inicial ao sucesso instantâneo doprograma?“Eracomoirdormirumanoite,acordarnodiaseguinte,abriraportaeexistirummundocompletamentediferenteláfora.Eupensei:‘Soueu ou isso é realmente estranho pra caralho?’. Todos esses caras de TVpulandodealegria.No inalperguntei a eles: ‘Seoprograma tivesse sidoumdisco,quantascópiasteríamosvendido?’.Umcaradisse:‘VocêconheceThriller?Bem,teriasidocomounsdezoitoThrillers’.Eeupenso: ‘Oquê!?!’.Entãotambémficopulandodealegria!”

E agora? “Uma coisa que aprendi sobre a TV, você acha que aindústriamusicaléestranha;naTVelessãorealmenteloucospracaralho.Quero dizer, eles acordam, provavelmente trepam, ou cheiram umacarreira,ousearrastamnamerdadecachorroousei láoquê.Entãoelesaparecem na televisão e falam: ‘OI, GENTE, É JIMMY E SUE!!!’. Eles nãoconseguem falar: ‘Putamerda, está chovendoeeumesintoumabosta…’.Em nível pessoal, foi estranho. Tipo, eu acabei de ir a uma reunião da

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Alcoólicos Anônimos. Ninguém costumava piscar um olho quando euentravanumareunião,agoratodosvêmfalarcomigo.Éomesmoemtodososlugaresaquevouagora.Aspessoasachamquemeconhecem…”

Onde se encaixa o Black Sabbath nessas coisas para ele agora, mepergunto?Elecontinualigandoparaisso?“Damesmaformaquesempre”,elerespondeunaquelavozcantada,meioBrummy,meioLosAngeles.“Masnão quero forçar a sorte. Passei de absolutamente odiá-los — quantasmilhares de vezes você deve ter me ouvido dizer quenunca tocaria denovo com eles— a deixar tudo isso para trás.Nós crescemos,mudamos.Mas se pudéssemos fazer outro disco juntos… Ouça, se começássemos acompor e saísse um novoMaster of realityouSabbath bloody Sabbath , euseriaumporradeumidiotasenãolançasse.PorémnãovoufazerumnovodiscodoSabbathsópelonome.Nãoquerofazeralgomeia-bocaequetodomundodiga:‘Oh,elessófizeramissopordinheiro…’.”

Eledescobriuseuproblemadesaúde?Senãoeraesclerosemúltipla,ele inalmente descobriu o que era? “Sim. Sempre assumi que eram oálcooleasdrogas.No inal,estavaerrado.Descobri issosórecentemente,naverdade,masparecequeseoriginanafamíliadenovo.Fazalgunsanos,comecei a desenvolver um tremor realmente sério. Achei que era porcausadadesintoxicação.Estoupensando, seráo choque?Estou tendoumcolapsonervoso?Agoradescubroquetenho…Chama-seParkin,masnãoéParkinson.Algoavercomosistemanervosocentral,temapalavraParkinnele,aparentemente.OqueeutenhosechamaParkinHereditaryTremore eu preciso tomar um remédio todo dia pelo resto da vida. Quandodescobri, ligueiparaminha irmã.Ela fala: ‘Você também!’.Eu falei: ‘Comoassim,eutambém?’.Elaconta: ‘Oh,mamãetinhaisso,atiaElsietambémesuaavó…’.Eeudigo:‘Obrigadopormecontar,caralho!’.Euandandoporaítantosanospensandoquetinhaalgumtipodeparalisiapelasdrogas.”

Ele se vê como um sobrevivente? “Não sei se sou ‘sobrevivente’,abençoadoousimplesmentesortudo.Useieabuseiporanos.Deveriaestarmorto.Eles falamsobredinheiro,mas,honestamente,acoisamaisvaliosaparamimagoraéminhasobriedade.Nunca tive tanto tempopara pensar,comuma cabeça limpa.” Ele já pensou por que se tornou um viciado? “Oquereconheçoagoraéquetenhocertossentimentos—certosmedosquetêmavercomminhainfância—comosquaisnãoseilidar.Quandoeuera

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jovem, a gente gritavamuito,mas nunca se comunicava.Meu velho tinhaumabrigacomminhamãe,então iaatéopub,aívoltavaparacasa felizecantando.Eupensavaqueopubdeveriaserumlugar fantástico.Beberefumar eram coisas normais na nossa casa. Quando eu não conseguiadormir,meupaimedavaumacerveja.Então,porumbomtempo,oálcoolfoi ótimo paramim. Eu adorava eme divertiamuito com ele. Mas então,comoacontececomtudo,adiversãoacabou.Paroudefuncionar,porémeuainda tinha o medo e as vozes na minha cabeça me falando para tomaroutra.”

Eletinhafaladocomigomuitasvezessobreasvozesemsuacabeça.Eutinhasempreassumidoqueeraalgodasdrogas.Eleaindaasouviaagora,apesardeestarsóbrio?“Sim.Acoisaé,éumadoençadamente,docorpoedoespírito,entãovocêestáespiritualmentedoente.Enãotenhoescolhaanãoseraceitar isso,porquequandofaçooqueésugeridoqueeufaça,asvozes param. Porque eu costumava ter uma porra de uma torcida defutebol na minha cabeça, sabe? Além do mais, sou muito compulsivo.SharonvaipedirumataçadeChâteaudeFuckwitoualgoassim,masparamim é ou tinto ou branco, e acordo no dia seguinte com a camamijada.Hoje aprendi a reduzir as vozes. Acredito que tudo é equilíbrio. Não dáparaterobomsemoruim,nãodáparaterodiasemanoite,nãodáparaterluzsemsombra.Étudoyineyang.Étudoequilíbrio.”

É assim que ele se sentia esses dias, então: mais equilibrado? “Não,não! Ainda sou o fodidomais desequilibrado que você já conheceu. Masestou trabalhandosobremimmesmo.Éumprocessorealmenteestranho,masderepente…Nãoseisecresciouseumadasminhasválvulasdobom-senso inalmente se abriu,mas eunem icodoidoquandooutraspessoasestão bebendo agora. No entanto, me tornei um daqueles terríveis ex-fumantes. Dizem que um ex-fumante é pior que um não fumante e éverdade.Nãoconsigo icarpertodafumaça.Felizmente,naCalifórnia,nãosepodefumarnemnabostadeumachaminéagora.MasrecentementeeuestavanumrestauranteemLondrescomSharon,ehaviaumamulhernamesa ao lado fumandoum atrás do outro durante sua refeição. Então euolho de novo e ela tem a porra de um charuto em sua boca! Sharon diz:‘Ela provavelmente vai para a cama com a porra de um cachimbo nabuceta!’.”

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Ele agora tem sessenta. Se não quisesse, não precisava voltar atrabalhar, certo? “Bom, isso não é exatamente verdade, porque quantomais dinheiro você ganha, mais pessoas precisa empregar para mantertudofuncionando.Maioresescritórios,derepente,maissegurança.Eentãovocê vive em Beverly Hills… quero dizer, eu poderia me aposentar, masque bosta vou fazer? Olhar pela janela o dia todo? É uma porra de umempregodifícil,omeu…”

EntãooquesobrouparaoOzzyOsbourneagora?Eletemalgumplanode vida, nessemomento? “The Osbournes terminou, graças a Deus, entãoinalmentepossopeidareandarpeladoemminhaprópriacasanovamentesem que alguém ique rindo de mim. E estou fazendo outra turnê nesteverão.Masondevouestarnoanoquevemoualgoassim…Vocêprecisaselembrar com quem está falando. Por causa do programa [AlcoólicosAnônimos] em que estou, tudo que devo fazer agora é tentar sobreviverum dia de cada vez. E considerando alguns dos meus dias, se consigocumpririsso,entãorealmentesouaporradeumaestrela…”

Porsorte,conseguifalarcomWendyDiopoucoantesdeterminarestelivro.Wendy,quecontinuamuitoamigadeGloriaButler,também icouemcontato comTony eGeezer. Ela falou comoexplodiu em lágrimasquandoouviusobreodiagnósticodeTony,comoissotrouxedolorosaslembrançasdadoençadeRonnienovamente.ComoGeezerfoiumadasúltimaspessoasdequemRonniesedespediuantesdefalecer.

Dessa vez, no entanto, havia notícias melhores, ela esperava. “Tonypassou por isso e agora está indomuito bem. Sei que Tony vai vencer. Éinacreditável. Ele está indomuito bem. Sabe, acho que foi porqueRonniefaleceuqueelefoiaomédico.Porquetinhaunsnóduloslinfáticosnavirilhaeachoqueemvezdedeixarpraláepensar,oh,sabe,tudobem,achoqueelefoiedetectoucedo.Eelepareceótimo.Estáfantásticodenovo.”

AprovadissofoiquandoTony,GeezereOzzychegaramemLondres,em março de 2013, para dar uma série de entrevistas e promover oiminente lançamentode13.Elestambémtrouxeramconsigotrêsfaixasdodisco:aobramonolíticadenoveminutos“Godisdead”,que,incrivelmente,parececomosetivessesidogravadaparaalgunsdosdoisprimeirosdiscos,agora clássicos, acrescida de algumas letras “muito cabeças” de Geezer.“With God and Satan at my side” [Com Deus e Satã aomeu lado], canta

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Ozzynamesmavozprofundaedoídadosdiasdeoutrora,“fromdarknesswillcomelight…”[daescuridãovaisurgiraluz…].Aindamaisevocativodeseus primeiros dias é “The end of the beginning”, que começa muitoparecida com a faixa original “Black Sabbath”, na lenta e arrastadavelocidadedanoitemaisescura,antesdeaospoucos irgerandootipodegrooveprofundamenteviajantequenosfazlembrarqueoSabbathnãosóinventouosompeculiardoheavymetalbritânico,mas tambéminstigouoque é agora reconhecido como o completo e verdadeiro stoner rockamericano.

Faixascomo“Ageofreason”,comseucodamagní ico,parecealgodocomeçodo Sabbathquepoderia estar noSabbathbloodySabbath , aindaodiscoreferênciadeles,pelomenosparaesteescritor.SeráqueRickRubinconseguiu fazer o que não pôde comoAC/DC e realmente levou oBlackSabbath a completar o círculo para onde eles iriamantes deperderemoquenãosabiamquetinhamatésertardedemais?

Talvez.Oeloperdido,claro,éevaicontinuarsendoBillWard.Masobaterista

que trouxerampara substituí-lonodisco, por sugestãodeRubin—BradWilk, do Rage Against The Machine —, faz, deve ser dito, um trabalhofantástico.“Bradestavamuitonervoso”,Iommicontou.“Eleéumgrandefãdo Sabbath, mas fez um excelente trabalho.” E também, devemosacrescentar, oOzzy.Ele realmenteaindanão consegueescrever,mas suavoznuncapareceutãoboa—tãonatural—desde,sim,aquelesprimeirosdiscos clássicos do Sabbath; outra inovação de Rubin, que, conta Tony,forçouOzzyacantar“numtommaisbaixo.Rickforçouisso”.

OelefantenasalaeraadoençadeTony,paraaqualeleaindaestavarecebendotratamento,masquenãodeveriaevitarqueabandarealizasseumaturnêmundial—sóqueemestágios.

“Eu preciso receber quimioterapia a cada seis ou sete semanas.” OucomoGeezer,pelaprimeiraveztendoapalavra inal,brincou:“Queremosfazeromáximode turnêpossível.Mas realmente tudodependede aindaestarmosvivos.Enanossaidadeissovaleparatodos”.

Amém.

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Notasefontes

TENDOTRABALHADOcomoBlackSabbath,OzzyOsbourneeRonnieJamesDiodeformanãocontínuaporquase35anos,tantocomojornalistaquantocomoassessordeimprensa,tiveafelicidadedeentrevistartodoselesemmuitasocasiões, assim comopude conhecê-los pessoalmente. Portanto, amaioriadas citações neste livro foi tirada dessesmomentos. No entanto, tambémfui auxiliado pelo excelente trabalho de Joel McIver, o decano dosjornalistasdemetalunderground,cujabiogra iadabanda, SabbathbloodySabbath,valemuito a pena ser lida. Agradeço também ameus brilhantespesquisadores,JoeDalyeHarryPaterson.

Também há alguns excelentes livros que me ajudaram a unir ospontosdahistóriadoSabbathequeocasionalmentecitei.Osmaisnotáveissão: Iron man , de Tony Iommi;Never say die, de Garry Sharpe-Young;Extreme,deSharonOsbourne;Child intime,deIan Gillan;Off the rails , deRudy Sarzo;Love, crime and rock ‘n’ roll , de Paul Clark (inédito); emeuspróprioslivrosanteriores:Diaryofamadman;Paranoid;eMr.Big.

Também fui auxiliado por minha assinatura regular das seguintesrevistas:Classic Rock, Mojo, Rolling Stone, Creem, Billboard eMetalHammer;bemcomopelosarquivosdeNME,MelodyMaker,Sounds,RecordMirror, International Times, Kerrang!, Let it Rock, Guitar Player, Disc &Music Echo, Trouser Press , The Rocket, Rag, Phonograph Records , CircusRaves,GuitarWorldeváriasoutras.

Tambémháalgunsrecursoson-linequede initivamentevalemapenamencionar por sempre serem interessantes, mesmo quando não cedemcitações, mas com certeza em termos de “cor” e background: BobNalbandianeMarkMiller,cujopodcast“Shockwaves”de2002eraótimo,eainda <www.blacksabbath.com> e <www.black-sabbath.com>,<www.ozzyhead.com> e <www.sabbathlive.com>. Se esqueciinadvertidamentedemencionaredarcréditoaqualqueroutrapessoaoumeiodecomunicação,ficareifelizemcorrigirnasfuturasedições.

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Enosétimodia...BlackSabbathporvoltade1970.Daesquerdaparaadireita:Terry“Geezer”Butler,BillWard,John“Ozzy”OsbourneeTonyIommi.

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UmaposemuitobeminterpretadadeOzzyfingindotocarteclado.EstúdiosIsland,Londres,noiníciode1971.

EmturnênosEstadosUnidos,em1972.

“RecebíamoscocaínadosEstadosUnidospelocorreio”,dizOzzy,Londres,1971.

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“Fumeum!Fiquelouco!”Abandacomumamigodeborracha,Londres,1971.

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OAlCaponedopop.OempresárioDonArdenemseucaminhoparaotribunal(maisumavez).1968.

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“Geezertemumgrandecérebro.”NopalcoemManchester,Inglaterra,emmarçode1973.

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QuatrohomensemumbarcofuradonorioHudson,NovaYork,1971.

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Comoseopunknãoestivesseprestesaacontecer...MadisonSquareGarden,dezembrode1976.

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SintomadoUniverso:nopalco,emCopenhague,1975.Ozzyaindaabandonadoemumlado.

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BillWard,nobardabibliotecadoPlazaHotel,Copenhagen,emoutubrode1975.Agotad’águafoiquandoelepercebeu:“Eueraincapazdesubiraopalco”semdrogasouálcool.

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“NóséramosoComandodasDrogas“,dizOzzysobreseurelacionamentodestrutivocomBillWardduranteasturnês.“Nuncaentrepelaportasevocêpodeatravessarajaneladevidro.”Estados

Unidos,1977.

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OúltimoshowemNovaYorkcomaformaçãooriginal,MadisonSquareGarden,27deagostode1978.Empoucosmeses,TonyIommianunciariaquenãopodiamaistrabalharcomOzzy.

Londres,agostode1978.Abandarecebebolosdeaniversáriodedezanosemumarecepçãoemsuagravadora,aPhonogram.

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Ohomemcomumplano.RonnieJamesDio,emParis,trabalhandonasmixagensfinaisdeHeavenandHell,fevereirode1980.

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DionopalcocomoSabbathfazendoos“chifresdodiabo”.TeatroGaumont,Southampton,junhode1980.

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RandyRhoads,oguitarristaquesalvouacarreiradeOzzy,comsuamarcaregistrada:aFlyingVde

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bolas,1981.

OzzyeRandyRhoadspoucassemanasantesdoacidentedeaviãoquematariaoguitarrista,janeirode1982.

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“Semaminhamulhereuteriasidoumvendedordecachorro-quente.”Ozzycomaempresária—efuturaesposa—SharonOsbourne(sobrenomedesolteira:Arden),emmarçode1982.

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Nascidoparamorrer.ComovocalistaIanGillan(aocentro),LongBeachArena,LosAngeles,26dejaneirode1984.

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CredencialparaaturnêMobRules,1981.

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13dejulhode1985.JFKStadium,Filadélfia.AformaçãooriginaltemporariamentereunidaeprestesasubiraopalconoLiveAid.“Vamostocar‘Foodgloriousfood’”,segundoOzzy.

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Matarasimesmoparaviver.Acadahotel,Tonyjogavacobertorespelajanela.Velaspretasficavamqueimandodiaenoiteegalõesdesucodelaranjaeramcolocadosnageladeira,pertodascaixasde

metalcheiasdecocaínafarmacêutica.

AformaçãoparaaturnêdecurtaduraçãodoálbumSeventhStar.GlennHughes,depéàextremadireita,umpoucodistantedosoutros,seriademitidodepoisdeapenascincoshows.

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CozyPowell,noiníciode1990,eramaisdoqueapenasobateristadoSabbath,eleerao

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colaboradormaispróximodeIommi.Foidemitidomaistardeapóscairdocavalo.

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Oesquecido.TonyMartinfoiquemmaiscantouemálbunsdoSabbathdepoisdeOzzy.Masseupapeltemsidoexcluídodahistóriaoficialdabanda.

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Ozzyemnovembrode1992,poucosdiasdepoisdeseusshowsde‘despedida’emCostaMesa,naCalifórnia,quetestemunhouaprimeiradesuasmuitas‘reuniões’comoSabbath.

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OzzynovamentenopalcocomoSabbathnoOzzfestde2001,nosEstadosUnidos.Atéagora,umeventoquaseanual.

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HighVoltageFestival,emLondres,em24dejulhode2010,apenasdoismesesapósamortedeRonnieJamesDio.Aesposadele,Wendy,éconsoladaporGlennHughes(aocentro)eJornLande

duranteumshow-tributoparaoHeavenandHell.

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10fevereirode2013.SharoneOzzyOsbournenaentregadoGrammy,Brentwood,Califórnia.