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Autopsy & Case Reports

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Autopsy & Case Reports, Volume 1 number 2 2011, ISSN 2236-1960. Serviço de Biblioteca e Documentação Científica do Hospital Universitário da USP

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EDITORIAL

Autopsy: a powerful tool for teaching and learning

Maria Claudia Nogueira Zerbinia

Zerbini MCN. Autopsy: a powerful tool for teaching and learning. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):1-2.

Autopsy provides an excellent tool for con-tinuous education in Medicine.

DuringmyfirstyearoftraininginPathologyinthe70’s,themostimportantactivitywastheclini-copathologicalmeetingeverymorningintheautop-syroom,supervisedbyProfessorThalesdeBrito.At these meetings the clinician presented a briefclinicalsummaryandthemainunsolvedquestionsaboutthecase.Theradiologistpresentedthemainimages and the pathology resident presented themacroscopicfindingsonselectedgrossspecimens.Mostofthediagnosesweremadebasedonanac-curategrossexamination,andorientedsectionsformicroscopicanalysis.DuringmyfellowshipatHar-vardMedicalSchoolinthe90’s,averysimilarmeet-ingwasheldattheBrighamandWomen’sHospital,orientedbyProfessorsStanleyRobbinsandRamziCotran.Dr.CotranwastheheadofPathologyDe-partmentat that time.Medicalstudents,pathologyresidents and fellows, radiologists, clinicians, andstaffpathologistsallparticipatedinthoseimportantteachingsessions.ButdifferentlyfromBrazil,thoseautopsymeetingsoccurredweeklyinsteadofdaily,alreadyreflectingthedecline inthenumberofau-topsiesatthattimeinUSA. Nowadays, at the Hospital Universitário daUniversidadedeSãoPaulo,asimilarautopsymeet-ing isheldweekly. Someinnovationswere imple-

a Diretora do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário – Universidade de São Paulo. Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo

Copyright©2011Autopsy and Case Reports–ThisisanOpenAccessarticledistributedoftermsoftheCreativeCommonsAttributionNon-Com-mercialLicense(http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/)whichpermitsunrestrictednon-commercialuse,distribution,andreproductioninanymédium provided article is properly cited.

mentedsuchastheavailabilityofmacroandmicro-scopicdigitalimagesdisplayedonawidescreenintheautopsy room,and thedetaileddynamic radio-logic images described by an expert radiologist. In fact,withtheadvanceinhighresolutionimagetech-niques,RadiologyandPathologyshareaverycloserelationship,andshouldbeviewedaspowerfulcom-plementary techniques to identify andmap lesionsforfurtherhistopathologicandmolecularstudies.

ThismeetingisaspecialmomentintheHos-pitallife,whencliniciansandpathologistsexercisetheirmedicalskills,recognizetheirmistakes,makeconstructive criticism and raise questions aboutestablishedconcepts.Manyachievementsareob-tainedfromthisactivity.Fromthepathologypointofview,thequalityandcareoftheautopsyprocedure,thecarefuldocumentationofgrossandmicroscopicfindings,thecontributionofthemultidisciplinarydis-cussiontothepathologyreport,andthetimingofre-leasingthefinalreport,areallremarkableimprove-ments3yearsafterthissessionstartedtohappen.For themedical students and residents this is anopportunity to evaluate the importance of a well-documentedmedicalrecord,toreviewthediagnos-ticalgorithmsandconsolidatepathophysiologicandclinicalconcepts.Interestingly,literaturedatarevealthatpriorexposuretoautopsyintrainingpracticein-fluencesphysicians’attitudespositivelyinconsider-ing autopsy as a relevant clinical tool.1Thesemedi-

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calstudentswouldbestrongcandidatestorequestautopsiesintheirclinicalpracticeinthefuture.

In addition, autopsy is an important toolfor quality assurance.A meta-analysis based onaCollegeofAmericanPathologistssurveyof248Institutions in USA found that nearly half of theautopsies yield at least one unexpected findingthat contributed to thepatient´s death.2Althoughnostudyhasdirectlyaddressedtheimpactofau-topsyfindingsonclinicalpracticeorperformance

improvement, thevalueofautopsyreport forepi-demiologic research and healthcare decisions isclearly demonstrated.

Finally,atautopsymeetingsnewideasandresearchprojectsaregenerated,and thiswas thecaseofAutopsyandCaseReports, theelectronicjournal that was inspired by this atmosphere ofteachingandlearning–andshouldhaveallofoursupporttobecomethemostimportantscientificpe-riodicalinthisfield.

ZarboRJ,BakerPB,HowanitzPJ.Theautopsyasaper-2.formance measurement tool: diagnostic discrepanciesandunresolvedclinicalquestions:aCollegeofAmericanPathologistsQ-Probesstudyof2479autopsiesfrom248institutions.ArchPatholLabMed.1999;123:191-8.

REFERENCES

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ARTICLEARTIGO

Tuberculose peritoneal: experiência em um hospital geral

Tuberculous peritonitis: experience in a community hospital

Leonardo Gomes da Fonsecaa, Fernando Peixoto Ferraz de Camposb, Aloísio Felipe-Silvac

Fonseca LG, Campos FPF, Felipe-Silva A. Tuberculose peritoneal: experiência em um hospital geral. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):3-9.

RESUMO

A tuberculose peritoneal apresenta altas taxas de morbimortalidade e o prognóstico dos pacientes depende do diagnóstico precoce. Os sintomas mimetizam outras do-enças abdominais, o que torna o diagnóstico difícil. Revisamos dados de 10 pacien-tes internados no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo entre 2003 e 2010 com diagnóstico de tuberculose peritoneal. Dor abdominal, febre e perda de peso foram os sintomas mais frequentes e ascite foi observada em metade dos ca-sos. A dosagem do gradiente soro-ascítico de albumina e a atividade da adenosina deaminase (ADA) auxiliaram o diagnóstico. A cultura de bacilo álcool-ácido resistente no líquido ascítico revelou baixa sensibilidade. O achado de serosite crônica granu-lomatosa com necrose caseosa e a pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente nas biópsias obtidas através de laparotomia ou laparoscopia foram determinantes para o diagnóstico.

Unitermos: Tuberculose; Peritonite; Adenosina desaminase; Serosite.

ABSTRACT

Peritoneal tuberculosis presents high morbi-mortality rates and its prognosis depends on early diagnosis. Symptoms mimic other abdominal diseases, what makes diagno-sis difficult. We report clinical and pathological data from 10 tuberculous peritonitis patients admitted to Hospital Hospital Universitário da Universidade de São Paulo be-tween 2003 and 2010. Abdominal pain, fever and weight loss were the most frequent symptoms and ascites was observed in half of cases. The serum-ascites albumin gra-dient determination and adenosine deaminase activity helped to make the diagnosis. Culture growth of Mycobacterium tuberculosis showed low sensitivity. The finding of chronic granulomatous serositis and positive stain for acid fast bacilli in biopsy speci-mens obtained from laparotomy and laparoscopy were determinant for diagnosis.

Keywords: Tuberculosis; Peritonitis; Adenosine deaminase; Serositis.

a Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.b Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.c Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Fonseca LG, Campos FPF, Felipe-Silva A.

INTRODUÇÃO

A tuberculose peritoneal é uma forma rara de tuberculose extrapulmonar descrita pela primeira vez em 1843.1 Dentre o total de casos diagnostica-dos de tuberculose, o comprometimento peritoneal representa 0,1 a 0,7% de todos os casos, sendo mais comum entre os 35 e 45 anos de idade. Dados americanos mostram que o peritônio é o sexto sítio mais acometido pela tuberculose e, em 3,5% dos casos de doença pulmonar, há concomitância com doença peritoneal.2

A incidência das formas extrapulmonares de tuberculose cresce mesmo em países desenvolvi-dos, principalmente devido a coinfecção com o ví-rus HIV. Nos Estados Unidos, houve crescimento de 20% num período de 5 anos.3 Algumas condi-ções aumentam o risco do comprometimento pe-ritoneal pela tuberculose como: diálise peritoneal, hepatopatias, carcinomatose peritoneal, neoplasia ovariana e ascite por hipertensão portal.4

A tuberculose peritoneal se desenvolve mais comumente a partir da reativação de focos la-tentes no peritônio, e mais raramente por dissemi-nação transmural ou contiguidade com a cavidade peritoneal. Pode ser dividida em três tipos: (1) “úmi-da”, com ascite livre ou loculada; (2) “seca”, com nódulos caseosos e fibrose peritoneal; e (3) fibróti-ca, com agrupamento de alças, massas omentais e aderências. A tuberculose peritoneal é a forma mais comum de tuberculose abdominal.4,5

O diagnóstico da doença é um desafio, dado que as características clínicas costumam ser ines-pecíficas e mimetizam outras doenças abdominais. Além disso, o isolamento da micobactéria no liquido ascítico é difícil, sendo muitas vezes necessário o auxilio da laparoscopia para o diagnóstico. Chu et al., por meio de biópsia do peritônio guiada por la-paroscopia, identificaram a tuberculose peritoneal como causa de 20% dos casos de ascite de origem obscura.6

Em série de casos com pacientes em diálise peritoneal, o intervalo entre a apresentação clínica e o diagnóstico foi de 6,8 semanas. O atraso no diagnóstico e, consequentemente, no início da te-rapêutica, está relacionado com pior prognóstico de pacientes com tuberculose peritoneal.7

Apresentamos uma série de 10 casos de tuberculose peritoneal internados no Hospital Uni-

versitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), destacando a apresentação clínica, os fatores de risco associados e a forma de diagnóstico.

Casuística e Métodos

Foram analisados prontuários de pacientes internados no HU-USP entre o período de janeiro de 2003 a dezembro de 2010 que receberam alta com diagnóstico de tuberculose peritoneal.d Os seguintes dados foram coletados: quadro clínico e duração dos sintomas, antecedentes mórbidos, dados de exame físico, análise bioquímica e mi-crobiológica de líquido ascítico (quando presente), e análise histopatológica das amostras de tecidos obtidas por meio de laparoscopia ou laparotomia. As amostras foram coradas com hematoxilina-eosina e Ziehl-Neelsen para pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente.

RESULTADOS

Dos 10 pacientes com diagnóstico de tuber-culose peritoneal, 8 (80%) eram do sexo masculino e 2 (20%) feminino. A idade variou de 18 a 59 anos com média de 36,3 anos e mediana de 35 anos. O tempo de duração variou de 3 dias a 7 meses.

Em ordem decrescente, os sintomas mais co-muns foram: dor abdominal (80%), febre (60%), per-da de peso (50%) e diarréia (30%). Ao exame físico, ascite foi o sinal mais comum, presente em 50%. Eti-lismo esteve presente em 4 (40%), e tuberculose em outro sítio em 2 (20%) pacientes, um com tuberculo-se pulmonar diagnosticada e tratada previamente ao diagnóstico de tuberculose peritoneal (Caso 3) e ou-tro com tuberculose adrenal concomitante (Caso 5), nenhum paciente apresentou sorologia positiva para HIV. Em 2 casos que relatamos, a apresentação ini-cial foi de abdômen agudo, um perfurativo (Caso 10) e outro obstrutivo (Caso 6).

A análise do líquido ascítico, que foi realizada em 5 (50%) pacientes, mostrou celularidade varian-do entre 363 e 3080 células/mm3 e em todos os ca-sos houve predomínio linfocítico. A dosagem da ade-nosina deaminase (ADA) variou entre 29 e 113U/l e o gradiente soro-ascite de albumina foi superior a 1,1 em 2 casos (Casos 1 e 2) e inferior em 3 casos (Ca-sos 4, 5 e 8).

d Dados fornecidos pelo Serviço de Informática do HU-USP

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Tuberculose peritoneal: experiência em um hospital geral

Oitenta por cento dos pacientes foram sub-metidos à laparotomia exploradora e 20% à laparos-copia para obtenção de amostras para biópsia, com pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente positiva em 70% dos casos. Todos os pacientes receberam tratamento específico de acordo com as recomen-dações do Ministério da Saúde para o tratamento de tuberculose. Somente um paciente apresentou

hepatotoxicidade pelo tratamento específico, pa-ciente este que era dependente de drogas ilícitas e que veio a falecer durante a internação por quadro séptico e sangramento digestivo. Noventa por cen-to dos pacientes receberam alta hospitalar para se-guimento em Unidade Básica de Saúde. As tabelas 1 e 2 resumem os dados obtidos na pesquisa.

Tabela 1 - Características clínicas e laboratoriais dos pacientes

Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6 Caso 7 Caso 8 Caso 9 Caso 10Sexo M F F M M M M M M MIdade (anos)

31 28 43 36 34 48 18 28 59 38

Duração dos sin-tomas

2 meses 4 semanas 4 sema-nas

1 semana 3 meses 5 dias 15 dias 15 dias 7 meses 3 dias

Febre - + - + + - + + + -Perda de peso

- + - - + - + + - -

Diarréia - - - - + - - + - -Dor ab-dominal

+ + + + - + + - + +

Ascite + + - + + - - + - -Tubercu-lose em outro sítio

- - + - + - - - - -

Etilismo + - - + + - - - + -HIV - - - - - - - - - -Líquido asciticoADA (U/L) 113 75,5 75,9 99 29GASA (g/dL)

1,3 1,6 0,8 0,1 0,3

(linfócitos) 693 (367)

1550(992) 363 (283) 3080(1755) 1440 (1022)

pBAAR/cBAAR

-/+ -/- -/- NR -/-

BiópsiaMétodo de coleta

laparoto-mia

laparosco-pia

laparo-tomia

laparoto-mia

laparosco-pia

laparato-mia

laparato-mia

laparo-tomia

laparo-tomia

laparo-tomia

Local de biópsia

omento peritônio omento fígado/peritônio

peritônio apêndice/peritônio

peritônio per-itônio

peritônio intestino

Histologia SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC SCGNC

pBAAR - + + + - + + + + -M: masculino/F: feminino; GASA: gradiente soro ascite de albumina; pBAAR: pesquisa de bacilo álcool- ácido resistente; cBAAR: cultura de bacilo álcool- ácido resistente; SCGNC: serosite crônica granulomatosa com necrose caseosa; NR: não realizado/ (+): presente/positivo;( -): ausente/negativo.

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Fonseca LG, Campos FPF, Felipe-Silva A.

Tabela 2 - Características clínicas dos pacientes

Características PrevalênciaDor abdominal 80%Febre 60%Perda de peso 50%Ascite 50%Diarréia 30%HIV 0%Tuberculose em outro sítio 20%Etilismo 40%

DISCUSSÃO

A apresentação clínica da tuberculose pe-ritoneal ocorre de forma subaguda, com sintomas aparecendo num período de semanas a meses, conforme observado neste estudo. Em estudo de metanálise, Sanai et al. revisaram relatos e séries de casos e descreveram os sinais e sintomas mais comuns em pacientes com tuberculose peritoneal. Ascite foi o sinal mais comum, sendo observada em 73% dos casos, seguido por dor abdominal (64,5%), perda de peso (61%) e febre (59%). Achados de exame físico como abdômen tenso e hepatomega-lia foram descritos em 47,7% e 28% dos casos, res-pectivamente.5

Em nossos dados, encontramos a dor abdo-minal como sintoma mais freqüente, seguido por fe-bre e perda de peso (Tabela 2). Ascite foi observada em 50% dos casos, prevalência menor em compa-ração com a literatura revisada. A dor abdominal deve-se, principalmente, a inflamação peritoneal e algumas vezes à oclusão do trânsito intestinal.

A comorbidade mais observada foi o etilis-mo, em 40% dos casos. Sabe-se que a hepatopa-tia alcoólica tem relação com tuberculose perito-neal. Mehta et al. mostraram que 62% dos casos de tuberculose peritoneal ocorreram em doentes com hepatopatia alcoólica. Nos países em desen-volvimento, esta relação foi encontrada em 13% dos casos.2 Nenhum paciente apresentava sorolo-gia positiva para HIV. Outro estudo encontrou HIV positivo em 17% dos pacientes com tuberculose peritoneal.8

Observa-se, portanto, que a presença de sintomas constitucionais como perda de peso e fe-bre é comum, e queixas abdominais como dor ab-dominal, ascite e alterações de hábito intestinal são as que predominam. A falta de especificidade dos

achados de anamnese e exame físico indicam a ne-cessidade de conhecer a indicação e interpretação dos métodos complementares de diagnóstico, bem como suas vantagens, desvantagens e limitações.

Considerando a prevalência da ascite na apresentação clínica inicial, a análise do líquido ascítico costuma ser a primeira abordagem com-plementar. A celularidade varia entre valores in-feriores a 100 células/mm3 e superiores a 5000 células por mm3.9 Entretanto, a maior parte dos pacientes apresenta contagem de células entre 500 e 1500 células/mm3, em geral, com predomí-nio linfocitário. No entanto, este predomínio não é um marcador de tuberculose peritoneal, mas sugere necessidade de investigação. A concen-tração de glicose no líquido ascítico não mostra sensibilidade significativa. A dosagem da lactato-desidrogenase no líquido ascítico superior a 900 U/L apresenta sensibilidade de 77%.5

O gradiente soro-ascítico de albumina me-nor que 1,1g/dl é mais importante do que a dosa-gem isolada de proteínas, com sensibilidade de até 100% na ausência de hepatopatia crônica, porém baixa especificidade.10 A dosagem do marcador tu-moral CA 125, que se eleva em doenças como neo-plasia de ovário, também pode estar aumentada na tuberculose peritoneal, mas sua importância é pe-quena no contexto de investigação diagnóstica.11

A dosagem da adenosino desaminase (ADA), enzima liberada pelos linfócitos T e macró-fagos durante a resposta imune celular a antígenos, já mostrou ser útil no diagnóstico de meningite e de efusões pleurais tuberculosas. Voigt et al. confirma-ram a utilidade da mensuração da atividade da ADA em fluido ascítico da peritonite tuberculosa em dois estudos. Num primeiro estudo retrospectivo com 41 pacientes com peritonite tuberculosa, encontraram sensibilidade de 95% e especificidade de 98% e,

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Tuberculose peritoneal: experiência em um hospital geral

em um segundo estudo, onde avaliaram prospec-tivamente 11 pacientes portadores de peritonite tu-berculosa, a sensibilidade do exame foi de 100% e a especificidade de 96%. Quando utilizaram um valor de corte de 33U/l a sensibilidade e especificidade foram de 100% e 95%, respectivamente. Com um valor de corte de 50U/l a sensibilidade permaneceu elevada e houve menor número de resultados falso positivos.12,13

Na presente série, a celularidade do líquido ascítico variou de 363 a 3080 células/mm3, e todos apresentaram predomínio linfocitário. Em relação a dosagem da ADA, apenas em 1 caso dentre 5 com dosagens realizadas, o valor foi inferior ao corte de 33U/l (caso 8), com sensibilidade de 80% em nos-sa amostra. Esta baixa sensibilidade relativa pode ser explicada pelo pequeno tamanho da amostra. O GASA foi menor que 1,1 em apenas 3 casos em um total de 5 submetidos a paracentese diagnósti-ca (sensibilidade de 60%). Entretanto, 3 destes 5 pacientes eram etilistas e um deles era portador de hepatopatia alcoólica, o que sabidamente pode al-terar o gradiente e dificultar o diagnóstico.

Dados da literatura mostram que o diagnós-

tico microbiológico de tuberculose peritoneal se faz através da pesquisa do bacilo no líquido ascítico em apenas 3% dos casos e através da cultura em 35%, visto que a concentração do bacilo é menor do que o limiar de detecção destes métodos.5 Em nossa casuística, houve crescimento do bacilo da tuberculose em cultura de líquido ascítico em ape-nas 1 paciente e não observamos pesquisa de ba-cilo positiva em nenhum caso.

Dessa forma, a pesquisa ou cultura de amostras de tecidos constitui padrão-ouro para o diagnóstico de tuberculose peritoneal. A aborda-gem cirúrgica quer por laparoscopia ou laparoto-mia, é, portanto, importante para investigação na suspeita de tuberculose peritoneal, pois permite a inspeção e a obtenção de amostras para aná-lise histopatológica e microbiológica. O aspecto macroscópico característico, que consiste na pre-sença de numerosos e diminutos nódulos esbran-quiçados aderidos ao peritônio visceral e parietal (Figuras 1 e 2), apresenta correlação com o acha-do de serosite granulomatosa com necrose caseo-sa ao exame histopatológico com 93% de sensibi-lidade e 98% de especificidade.14

Figura 1 - Foto retirada da gravação da laparoscopia realizada no caso 2 - mostrando inúmeros nódulos de tamanhos variados de coloração esbranquiçada espalhados pelo peritônio parietal e sobre o peritônio visceral do fígado, aderên-cias entre a cápsula hepática e o peritônio parietal.

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Fonseca LG, Campos FPF, Felipe-Silva A.

A análise histopatológica foi determinante em todos os casos pela demonstração de serosi-te granulomatosa com necrose caseosa (Figura 3).

Figura 3 - Fotomicrografia - Granuloma epitelióide com necrose caseosa central (H&E, 200x).

Figura 2 – Retirada da gravação da laparoscopia realizada no caso 2 – mostrando o peritônio parietal recoberto por nódulos amarelados (parte superior da figura) e nódulos sobre o epíplon que recobre as alças intestinais (parte inferior da figura).

Além disso, a pesquisa do bacilo na amostra foi po-sitiva em 70% dos casos.

CONCLUSÃO

Observamos dados clínicos semelhantes à literatura. A alta prevalência de etilismo e hepato-patia alcoólica limitam a sensibilidade do gradiente

sero-ascítico como ferramenta de investigação em um hospital geral.

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Tuberculose peritoneal: experiência em um hospital geral

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Conflito de Interesse: Não.

Submetido em: 12 de Maio de 2011Aceito em: 30 de Maio de 2011

Correspondência: Divisão de Clínica MédicaAv. Prof. Lineu Prestes, 2565 – Cidade Universitária – São Paulo, SP – Brasil CEP 05508-000 - Tel.: 55.011.3091-9200 E-mail: [email protected]

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Article / Autopsy Case ReportsArtigo / Relato de Caso de Autópsia

Fenômeno de Lúcio fatal: relato de caso de autópsia

Fatal Lucio's phenomenom: an autopsy case report

Fernando Peixoto Ferraz de Camposa, Cristiane Rúbia Ferreirab, Amaro Nunes Duarte Netoc

Campos FPF, Ferreira CR, Duarte Neto AN. Fenômeno de Lúcio fatal: relato de caso de autópsia. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):10-9.

RESUMOA Hanseníase de Lúcio e Alvarado, considerada a forma mais anérgica do espectro imunológico hansênico, caracteriza-se por espessamento e infiltração difusa, com alopecia difusa e total, associado a comprometimento sistêmico importante.Nesse polo da doença, os bacilos são numerosos em todos os tecidos. A alta carga bacilar no endotélio e o desenvolvimento de vasculite leucocitoclástica de pequenos e mé-dios vasos resultam em extensas áreas necrótico-ulcerativas, denominada fenôme-no de Lúcio. Apresentamos a seguir um caso de autópsia de um paciente do sexo feminino que apresentava lesões cutâneas, há 20 anos, sem diagnóstico definido, com piora dos sintomas e aparecimento de novas lesões, há 3 semanas da interna-ção. Devido à gravidade da doença e às conseqüentes complicações infecciosas, a paciente apresentou evolução fatal. A avaliação anátomo patológica mostrou com-prometimento sistêmico por lepra e múltiplas úlceras cutâneas. As lesões cutâneas eram secundárias a vasculite leucocitoclástica e oclusão vascular, consistente com Reação de Lucio.

Unitermos: Fenômeno de Lucio; Hanseníase; Vasculite; Histopatologia; Necrose.

ABSTRACT

The diffuse leprosy of Lucio and Alvarado is considered the most anergic spectrum of leprosy and is characterized by a generalized skin infiltration, with a diffuse and total alopecia associated with a systemic involvement. When the number of bacilli in the endothelium is high a medium and small vessel’s leukocytoclastic vasculitis develop over a diffuse and generalized cutaneous involvement by leprosy, what leads to large necrotic and ulcerative lesions, named after Lucio’s phenomenon. We present an autopsy case of a female patient who has been presenting ulcerated lesions for the last 20 years without a specific diagnosis. Three weeks before the patient’s admission the lesions got worse and new ones appeared. Due to the extension of cutaneous

a Divisão de Clínica Médica Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP – Brasil.b Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP – Brasil.c Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP – Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Campos FPF, Ferreira CR, Duarte Neto AN.

involvement and consequent infectious complications the patient evolved to a fatal outcome. The pathological evaluation revealed systemic involvement by leprosy and multiple skin ulceration. The cutaneous lesions were due to leukocitoclastic vasculitis and vascular occlusion, compatible with Lucio’s phenomenon .

Keywords: Lucio’sphenomenum; Leprosy; Vasculitis; Histopathology; Necrosis.

INTRODUÇÃO

A Hanseníase é uma doença granulomatosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, ainda endêmica em muitas regiões do mundo apesar da terapia eficaz com várias drogas, já disponíveis há 3 décadas. O Brasil é o segundo país do mundo em número de casos diagnosticados, seguido pela Indonésia, sendo a Índia o país de maior incidên-cia. No ano de 2009 foram diagnosticados 37.610 casos no Brasil, o que representou 15,3% de todos os casos diagnosticados no mundo. Dentre todas as regiões do Brasil, a região norte é a que apre-senta o maior número de casos e a região sul, o menor número. No estado de São Paulo foram di-agnosticados 1843 casos novos no ano de 2009 e no município de São Paulo 246d casos no mesmo período.1,2 A Hanseníase se apresenta com amplo espectro de manifestações clínicas, variando des-de formas paucibacilares, relacionada à efetiva resposta imune celular, até formas disseminadas, multibacilares, acompanhadas de resposta imune deficitária.3 O polo multibacilar compreende as for-mas lepromatosa e a borderline, envolvendo pele, nervos e com manifestações sistêmicas extra-cutâ-neas em olhos, articulações, sistema retículo endo-telial, com adenomegalia e hepatoesplenomegalia, entre outros. Episódios agudos de exacerbação dos sintomas são frequentemente o motivo da pro-cura pelo atendimento médico. 4 Estas reações são classificadas em tipo 1 e tipo 2. A reação do tipo1 é definida como reação imunecelular, caracterizada por aparecimento de novas lesões e exacerbação das lesões antigas com aumento da dor, eritema, edema e espessamento de nervos. A reação tipo 2 é mediada pela deposição de imunocomplexos com aparecimento de eritema nodoso, artralgia, dor, espessamento neural, iridociclite, e epididi-mite, dentre outros.5 Lesões necróticas podem se desenvolver em pacientes que apresentam a forma lepromatosa ou borderline como parte da reação do eritema nodoso lepromatoso (ENL), ou também como complicação rara, grave e difusa, conhecida como fenômeno de Lúcio (FL), também chamado

de eritema necrotizante (EN), que pode ocorrer na forma pura, primitiva e difusa ou Lepra de Lucio e Latapí, originalmente descrita no México.6 Apresentamos a seguir o relato de caso fatal de uma paciente que apresentou reação necrotizante de Lúcio internada no Hospital Universitário da Uni-versidade de São Paulo.

Relato de Caso

Paciente do sexo feminino, 67 anos de ida-de, branca, residente na cidade de São Paulo, por-tadora de diabetes mellitus tipo II em tratamento irregular. Há aproximadamente 20 anos apresenta aparecimento de úlceras em membros inferiores e região plantar. Há 20 dias novas úlceras apa-receram nas nádegas, região sacral, membros superiores e face. Estas úlceras extensas inicia-ram com secreção hialina seguida de secreção purulenta. Apresentava desde então edema ge-neralizado. Há 15 dias queixou-se de tosse com expectoração amarelada seguida de dispnéia pro-gressiva aos esforços. Não apresentava febre ou emagrecimento. Vinha fazendo uso de prednisona e anti-inflamatório não hormonal prescrito para tra-tamento de dor articular.

Ao exame físico da entrada apresentava-se consciente contactando, porém em mal estado ge-ral, edemaciada, observando-se madarose bilateral e nariz em sela. Pressão arterial 120 X 80 mmHg, pulso 100 bpm, freqüência respiratória de 24 rpm, temperatura 36º C, glicemia capilar 99 mg/dl. Es-tertores crepitantes em base do pulmão esquerdo acompanhada de propedêutica de derrame pleural ipsilateral. Presença de úlceras extensas e indolo-res, algumas isoladas, outras confluentes, algumas superficiais, outras profundas, com bordas irregu-lares e por vezes, deposição de material fibrinóide amarelado. Exposição de tendões e necrose do te-

d Dados fornecidos pela Unidade de Vigilância à Saúde – Butantã, da Secretaria de Higiene e Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo, SP.

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cido subcutâneo nas faces extensora e flexora dos membros inferiores, nádegas, membros superio-res, dorso das mãos, face, na região malar e nariz, além de lesão eritemato-infiltrativa com necrose no

pavilhão auricular esquerdo. Dedos das mãos em flexão (mão em garra) e perda dos 2º, 3º, 4º e 5º pododáctilos do pé direito (Figuras 1-3).

Figura 1 - A - Lesão necrótica na região malar direita e na asa do nariz recoberta de crosta hemática e necrose da epiderme. Deformidade em sela do nariz. B - Lesão necrótica do pavilhão auricular esquerdo.

Figura 2 - A - Infiltração mixedematosa da mão direita sobre a qual há extensa úlcera de bordas elevados com fundo limpo, profunda com exposição de tendões. Deformidade da mão em garra. B – Pé direito com extensas úlceras necró-ticas recobertas por fibrina e material necrótico comprometendo até hipoderme com perda dos 2º, 3º, 4º e 5º pododác-tilos. Nota-se na face medial do pé lesão cicatricial hiperpigmentada.

Figura 3 – A – Membros inferiores com extensas áreas ulceradas por necrose tecidual da epiderme e derme algumas com fundo limpo outras recobertas por fibrina e debris, entremeadas por tecido cicatricial com hiperpigmentação. B – Áreas de necrose superficial e profunda atingindo a hipoderme em nádegas.

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A Tabela 1 mostra os exames laboratoriais de entrada.

Tabela 1 - Exames laboratoriais à admissão

Hemoglobina g/dl 5,4 T.Protrombina INR 1,76Hematócrito % 18 AST U/l 57VCM/RDW fl/ % 65/24,4 ALT U/l 24Leucócitos mm3 11400 Proteínas totais g/dl 5,4bastonetes % 0 Albumina g/dl 1,8segmentados % 85 Potássio mEq/l 3,5eosinófilos % 0 Sódio mEq/l 144basófilos % 0 Creatinina mg/dl 0,4linfócitos % 12 Uréia mg/dl 26monócito % 3 glicemia mg/dl 99plaquetas mm3 318000 PCR ng/ml 203 T Protrombina = Tempo de Protrombina.

Urina tipo 1 com proteinúria, cilindrúria hialina, leucocitúria 108.000/mm3 e hematúria 20.000 mm3.

RX tórax mostrava derrame pleural à es-querda e foco bronco pneumônico em base esquer-da. A punção do líquido pleural revelou resultados compatíveis com o diagnóstico de derrame pleural parapneumônico, com culturas negativas. Ecocar-diograma com aumento do átrio esquerdo (42 mm), calcificação do anel mitral com insuficiência discre-ta da válvula mitral, função sistólica do VE preser-vada (FEVE 73%), septo e parede posterior com 10 mm de espessura. USG de abdome sem alteração de vísceras abdominais.

Devido ao quadro cutâneo, iniciou-se inves-tigação diagnóstica através do exame anátomo-pa-tológico pele, assim como a paciente foi internada em UTI sendo tratada com esquema antibiótico com ceftriaxone, clindamicina, fluconazol, além de trans-fusão de concentrado de hemácias e tratamento de suporte respiratório e hemodinâmico. O estado clí-nico deteriorou, evoluindo com hipotensão, hipoter-mia e insuficiência renal aguda, seguida de parada cardiorrespiratória, após 9 dias de internação em unidade de terapia intensiva. O diagnóstico foi de-terminado pela autópsia.

Autópsia

Na inspeção externa observaram-se múlti-plas lesões ulceradas cutâneas, que foram descri-tas acima. Na abertura das cavidades presença de órgãos tópicos, com grande quantidade de líquido ascítico de coloração amarelo-citrino e deposição

de material fibrináceo amarelado em cápsula hepá-tica e alças intestinais, indicando peritonite fibrinói-de. O pâncreas (peso – 89,0 g, valor normal (VN) = 60g – 135g) apresentava áreas necróticas, friáveis e amareladas características de esteato necrose.

Fígado apresentando parênquima de colora-ção castanho-vinhosa, sem lesões macroscópicas ou visceromegalia (peso – 1452,0 g, VN = 1100g a 1450 g). Baço aumentado de volume (peso – 404,0 g, VN = 112 g) e com parênquima friável aos cortes, consistente com baço tipo reacional. Na abertura longitudinal do trato gastrointestinal, observaram-se 2 lesões ulceradas na região do antro gástrico, medindo a maior cerca de 2,0 cm de diâmetro. Os rins apresentavam superfície externa granular com depressões, e aos cortes, parênquima com colora-ção rosa-pálido (rim direito – 178,0 g; rim esquerdo – 180,0 g, VN = para ambos 240 g a 350 g). Na cavidade torácica, discreto derrame pleural de colo-ração amarelo-citrino, com pulmões de parênquima esponjoso com aspecto congesto (pulmão direito – 377,0 g, VN = 360 g a 570 g; pulmão esquerdo – 289,0 g, VN = 325 g a 480 g). O coração (peso – 314,0 g, VN = 151 g a 324 g) apresentava hiper-trofia do ventrículo esquerdo e artérias coronárias indicando doença aterosclerótica cárdio-vascular. Presença ainda de aterosclerose da aorta torácica e abdominal.

Os recortes histológicos demonstraram nas bordas e fundo das lesões ulceradas cutâneas pre-sença de vasos com permeação de neutrófilos e necrose fibrinóide da parede vascular, característi-co de vasculite leucocitoclástica (Figura 4).

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Figura 4 – Fotomicrografias mostrando: A e B – Borda e fundo de úlcera cutânea com discreto infiltrado inflamatório misto e vasos com vasculite leucocitoclástica (HE – 100X). C - Vaso com necrose fibrinóide da parede e trombo de fibri-na luminal (HE – 200X). D - Vaso com vasculite leucocitoclástica (seta), com necrose fibrinóide e discreta permeação de neutrófilos na parede (HE – 200X).

Na derme reticular profunda presença de alguns vasos com espessamento miointimal da pa-rede e outros com trombos de fibrina intra-luminal. Na pele das áreas adjacentes às lesões ulcera-das, observou-se na derme infiltrado inflamatório crônico linfomononuclear rico em histiócitos com citoplasma xantomizado, além de alguns nervos espessados com neurite associada. A pesquisa de

bacilos álcool acido resistentes (BAAR) foi positiva, com presença de numerosos bacilos em histiócitos xantomatosos (células de Virchow), em filetes neu-rais cutâneos, e em células endoteliais dos vasos cutâneos. O quadro histológico foi compatível com o diagnóstico de Hanseníase multibacilar difusa com fenômeno de Lúcio (Figuras 5 e 6).

Figura 5 – Fotomicrografias mostrando: A – Vaso da derme reticular localizado na periferia de lesão ulcerada apresen-tando trombo fibrino-hemático luminal (HE – 100X). B - Vaso da derme reticular apresentando hiperplasia miointimal da parede com infiltrado inflamatório crônico linfo-histiocitário perifericamente (HE – 200X). C e D - Micobacterium leprae (seta) colonizando o endotélio de vasos cutâneos (Ziehl-Neelsen – 1000X).

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Figura 6 – Fotomicrografias mostrando: A e B – Pele com intensa espongiose e formação de vesículas intra-epidérmi-cas representando alterações isquêmicas iniciais (HE – 100X). B - Pele com infiltrado inflamatório crônico rico em his-tiócitos xantomizados (células de Virchow) localizada em área de aspecto macroscópico mixedematoso (HE – 100X). C - Filetes neurais dérmicos com espessamento e neurite associada (HE – 100X). D - Micobacterium leprae (seta) em filete neural dérmico (Ziehl-Neelsen – 1000X).

Associado às alterações cutâneas, obser-vou-se acometimento sistêmico, com hanseníase visceral. No fígado, presença de múltiplos agrega-dos microscópicos de histiócitos com citoplasma xantomizado (células de Virchow), também designa-do como leproma miliar, no parênquima lobular na zona 3, em topografia periférica à veia centrolobular

e principalmente acometendo os espaços-porta, ca-racterizando hepatite lepromatosa. No baço também havia múltiplos agregados microscópicos de histió-citos com citoplasma xantomizado, localizados prin-cipalmente na polpa branca, além de congestão da polpa vermelha (Figura 7).

Figura 7 – Fotomicrografias mostrando: A e B – Baço apresentando agregado de histiócitos xantomizados (células de Virchow) na polpa branca, também designado como leproma miliar (HE – 200X). B - Agregado de histiócitos xan-tomizados no baço com numerosos bacilos M. leprae no citoplasma (Ziehl-Neelsen – 1000X). C - Leproma miliar em espaço-porta hepático (HE – 200X). D - Histiócitos com numerosos bacilos M. lepre no citoplasma (setas), localizado em sinusóide hepático (Ziehl-Neelsen – 1000X).

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O mesmo quadro histológico também foi ob-servado focalmente na medula óssea e supra-renal, todos com pesquisa de BAAR positiva. Presença ainda de espessamento de nervo em base da lín-gua.

Foram evidenciados ainda achados secun-dários à infecção bacteriana cutânea e sistêmica, compatíveis com quadro de septicemia, com pre-

sença de pancreatite aguda com múltiplos focos de esteatonecrose, peritonite aguda fibrinosa e bron-copneumonia (Figura 8). Os rins apresentavam necrose tubular agu-da, além de nefroesclerose benigna, característico do rim vascular, e alguns glomérulos com expansão mensangial, sugestivo de glomerulonefrite mesan-gioproliferativa (Figura 9).

Figura 8 – Fotomicrografias mostrando: A e B – Parênquima pulmonar alveolado com infiltrado inflamatório agudo no espaço alveolar caracterizando broncopneumonia (HE – 200X). B - Parênquima pancreático com esteatonecrose e infiltrado inflamatório agudo associado (HE – 100X). C - Deposição de tampão fibrino-leucocitário em cápsula de Glis-son no fígado, representando peritonite aguda (HE – 100X). D - Colônias de bactérias tipo cocos gram positivos na superfície do tampão fibrino-leucocitário (Brown-Hopps – 100X).

Figura 9 – Fotomicrografias mostrando: A – Pielonefrite crônica inespecífica discreta com glomérulos hialinizados (seta) representando nefroesclerose benigna (HE – 100X). B - Túbulos renais com descamação epitelial intra-luminal (seta) característico da necrose tubular aguda renal (HE – 100X). C - Glomérulos com espessamento da matriz mesan-gial com discreta hipercelularidade sugestivo de glomerulonefrite mesangioproliferativa (seta) (HE-200X). D - Espessa-mento da matriz mesangial em glomérulos (PAS – 200X).

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DISCUSSÃO

Em 1852, Raphael Lucio e Ignacio Alvara-do7 publicaram um artigo baseado na experiência observacional de 8 anos no Hospital de los Laza-rinos (cidade do México). Neste trabalho, intitulado de Opúsculo de La Enfermedad de San Lázaro o Elefancíasis de los Griegos, descreveram três for-mas clínicas de apresentação da lepra com especial atenção à forma “manchada” ou lepra Lazarina. Esta forma caracterizava-se pela presença de manchas eritematosas, dolorosas, que evoluíam para necro-se e pela ausência de lesões infiltrativas nodulares. A necrose tecidual, que se desenvolvia sobre es-tas lesões, formava úlcera que evoluía para cicatriz hipocrômica com bordas hiperpigmentadas.8,9 Em 1941 Martinez Baez10 estudou as lesões necróticas de 5 pacientes e observou que a estrutura básica desta forma de lepra consistia em vasculite aguda com restos nucleares, espessamento e oclusão de vasos maiores produzindo necrose. Em 1948 Latapí e Chevez-Zamora adicionaram mais características à descrição original de Lucio e Alvarado,destacando a infiltração cutânea como generalizada e difusa sobre a qual as reações necróticas cutâneas se-cundárias se manifestavam, chamaram-na de lepra primitiva difusa e pura ou lepra difusa de Lúcio e Latapí. Estas manifestações decorriam de vascu-lite necrotizante que denominaram de “Fenômeno de Lúcio” ou “Eritema Necrotizante”.6 A lepra difusa de Lúcio e Latapí é considerada a mais anérgica de todo o espectro imunológico hansênico, sendo caracterizada pela infiltração cutânea difusa, sem nódulos, “suculenta” ou atrófica (dependendo do estágio evolutivo), com disestesia, anidrose, alope-cia, rinite destrutiva com deformidade em sela do nariz, telangiectasia e podendo ter a presença do fenômeno de Lúcio ou Eritema Necrotizante, uma forma especial de reação à lepra.8,11,12

No presente caso relatado, a paciente pro-curou o serviço médico devido ao aparecimento recente de múltiplas lesões cutâneas ulceradas de bordas irregulares, em diferentes estágios de evolução, algumas com aspecto necrótico e outras com deposição de material fibrino-purulento com infecção secundária. Embora não tivesse diagnós-tico prévio, a paciente apresentava ao exame físi-co sinais indicativos do diagnóstico de lepra difusa de Lúcio e Latapí, como pele de aspecto infiltrado, mixedematoso e sem nódulos, mãos em garra, ma-darose e nariz em sela, sendo as lesões ulceradas extensas secundárias ao quadro reacional do fe-nômeno de Lúcio. O quadro clínico de entrada da paciente é correspondente ao descrito na literatura. O fenômeno de Lúcio se manifesta de três a qua-tro anos após o início da doença, geralmente em

pacientes não tratados ou inadequadamente trata-dos e tende a desaparecer de seis a oito semanas após o início da terapia adequada.13 Clinicamente o fenômeno de Lúcio é caracterizado por agrupa-mentos de máculas irregulares bem delimitadas, de coloração vinhosa, com sensação de queima-ção, com centro purpúrico que se torna necrótico evoluindo para cicatriz atrófica. As lesões podem coexistir em diferentes fases evolutivas no mesmo paciente. Vesículas e bolhas podem eventualmen-te ser observadas.14 Estas lesões costumam iniciar nos membros inferiores e ascenderem para náde-gas, membros superiores, mãos e mais raramente dorso e face. É descrito parestesia das mãos e pés, hipo ou anidrose, alopecia da sobrancelha e/ou cí-lios, pele rosada e lisa com aparência de pele sadia que depois se torna mixedematosa especialmente nas mãos e face.13 Em uma série de 30 pacientes estudados por Rea e Jerskey somente 4 pacientes tinham o diagnóstico de hanseníase antes do de-senvolvimento do fenômeno de Lúcio.14

O quadro laboratorial pode revelar leucoci-tose, neutrofilia, anemia, velocidade de hemossedi-mentação elevada, hipoalbuminemia, hipocalcemia, falso resultado positivo para anticorpos cardiolipí-nicos para sífilis e hipergamaglobulinemia.15,16 No fenômeno de Lúcio os sintomas sistêmicos quando presentes, em geral, estão relacionados à presen-ça de complicações como infecções bacterianas secundárias e sepse ou patologias prévias, com al-tas taxas de mortalidade.4,17 Assim também a nos-sa paciente teve evolução fatal devido ao quadro séptico, com infecção bacteriana secundária nas lesões cutâneas, muitas das quais apresentando secreção purulenta. Além da broncopneumonia, a paciente desenvolveu, provavelmente devido a fe-nômenos circulatórios de má perfusão tecidual rela-cionado ao quadro séptico, pancreatite aguda com esteatonecrose, levando a peritonite aguda fibrino-purulenta e necrose tubular aguda renal, com re-percussão clínica final de insuficiência renal aguda. A paciente ainda apresentava diabetes mellitus tipo II como co-morbidade, cuja prevalência é aumenta-da em pacientes com hanseníase, principalmente nas formas multibacilares, com taxa de até 14,2% versus 2,0% no grupo controle.18

Histologicamente o fenômeno de Lúcio co-meça com a colonização das células endoteliais pelo Mycobacterium leprae e exibe 2 padrões. O primei-ro envolve dano vascular devido à invasão direta do Mycobacterium leprae, levando a oclusão vascular por proliferação de células endoteliais, trombose, discreto infiltrado mononuclear e então necrose is-

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quêmica e ulceração cutânea. O segundo é repre-sentado por um estado reacional agudo com vascu-lite leucocitoclástica de pequenos vasos dérmicos, possivelmente desencadeado por imunocomplexos com antígenos da lepra, podendo também apresen-tar paniculite lobular e espessamento miointimal de pequeno e médio calibre.8,19-21Também observamos nos recortes histológicos da pele os 2 padrões morfo-lógicos descritos no fenômeno de Lúcio. Nas bordas e fundo das lesões ulcero-necróticas havia peque-nos vasos dérmicos com vasculite leucocitoclástica, além de discreto infiltrado inflamatório linfomonocle-ar e presença de bacilos álcool ácido resistentes co-lonizando células endoteliais, porém sem histiócitos xantomizados (células de Virchow). Documentamos ainda alguns vasos na derme reticular profunda com espessamento da parede por proliferação miointimal e outros com trombo de fibrina nos lúmens. Somente na pele adjacente, com aspecto infiltrado e mixede-matoso, observamos denso infiltrado com histiócitos xantomizados com numerosos bacilos intra-citoplas-máticos (células de Virchow), característico da lepra difusa de Lúcio e Latapí, ressaltando, segundo a lite-ratura, a importância de considerar o diagnóstico de lepra em quadros de vasculite necrotizante mesmo na ausência de células de Virchow no infiltrado infla-matório, com a pesquisa de BAAR através de colo-rações especiais.13

Considerando que a lepra é uma doença sistêmica, o Mycobacterium leprae infecta não so-mente a pele, como também pode acometer órgãos internos. O envolvimento visceral é mais comum nas formas multibacilares, nos polos borderline e virchowiano, sendo a disseminação hematogêni-ca provavelmente um importante mecanismo de envolvimento dos órgãos internos.22 A presença de leproma miliar é descrita em vários órgãos do sistema reticulo endotelial, como medula óssea, fígado e baço, bem como glândula supra-renal e sistema nervoso periférico.21,22 A incidência do acometimento hepático nas formas multibacilares varia de 48% a aproximadamente 100%, mas os pacientes são geralmente assintomáticos, sem alterações das enzimas hepáticas nos exames laboratoriais22,23, assim como observado na nos-sa paciente, que não apresentava hepatomegalia ou alterações laboratoriais relacionadas a função hepática. Observamos também o acometimento visceral com leproma miliar no baço e focalmente na medula óssea e supra-renal. Apesar de no rim não apresentar alterações de infecção direta pelo M. leprae, observamos discreta expansão da ma-triz mesangial nos glomérulos, sugestivo de glo-merulonefrite mesangioproliferativa. A incidência de glomerulonefrites em pacientes com lepra va-

ria de 6% a 50% na literatura, sendo a glomerulo-nefrite mesangioproliferativa a mais comum.22,24

O diagnóstico diferencial das lesões ne-cróticas em pacientes portadores de hansenía-se é feito entre o fenômeno de Lúcio e eritema nodoso lepromatoso, e depende muito da corre-lação clínica. Caracteristicamente o eritema no-doso lepromatoso se desenvolve sobre nódulos (lepromas) como parte de um estado reacional freqüentemente após início de terapêutica espe-cífica, enquanto o fenômeno de Lúcio ocorre em pacientes com doença não nodular e antes de ini-ciada a terapêutica. Estas duas entidades resul-tam de mecanismo imunológico similar, conheci-da como vasculite imunomediada, caracterizada por inflamação leucocitoclástica e deposição de imunocomplexos (IgG e C3) na parede de vasos da derme e hipoderme12,25. Nas lesões cutâne-as no fenômeno de Lúcio há também agressão direta das células endoteliais por bacilos álcool acido resistentes (BAAR).26 Uma vez instalada a necrose, uma resposta inflamatória secundária se sobrepõe atraindo para o local as células infla-matórias, imunocomplexos e outros mediadores inflamatórios, dificultando o diagnóstico diferen-cial. Ambas as condições predispõem a infecção bacteriana e sepse, estando freqüentemente as-sociadas à alta taxa de mortalidade18,27, mas é importante o diagnóstico diferencial considerando as diferenças na conduta terapêutica. Enquanto o tratamento do fenômeno de Lúcio visa diminuir a carga bacilar com terapia por multidrogas, o tratamento do eritema nodoso lepromatoso visa diminuir a reação inflamatória com talidomida ou corticóide.20

O diagnóstico de fenômeno de Lúcio é desafiador considerando que em geral o pacien-te chega ao serviço médico sem diagnóstico pré-vio de hanseníase, sendo necessária correlação com o quadro clínico do doente, bem como bi-ópsias múltiplas de lesões representativas, para confirmação diagnóstica. Lembrando que o Bra-sil é um país com alta incidência de hansenía-se, é imperativa a pesquisa de BAAR nas lesões cutâneas suspeitas. Esse relato de caso ilustra a dificuldade do diagnóstico de hanseníase nos estados reacionais.

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Rosa Maria da Conceição Zanardi pelo auxílio na documenta-ção das imagens apresentadas.

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Campos FPF, Ferreira CR, Duarte Neto AN.

Conflito de interesse: Não

Submetido em: 05 de Maio de 2011Aceito em: 24 de Maio de 2011

Correspondência: Divisão de Clínica MédicaAv. Prof. Lineu Prestes, 2565 – Cidade Universitária – São Paulo – SP – Brasil CEP: 05508-000 – Tel.: +55.11. 3091.9200 E-mail: [email protected]

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Article / Autopsy Case Report Artigo / Relato de Caso de Autópsia

Leptospirose de evolução fulminante: um caso de autópsia

Fulminant Leptospirosis: an autopsy case

Fernando Peixoto Ferraz de Camposa, Angélica Braz Simõesb

Campos FPF, Simões AB. Leptospirose de evolução fulminante: um caso de autópsia. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):20-30.

RESUMOA leptospirose é uma doença febril aguda septicêmica que afeta humanos e/ou ani-mais com alta incidência mundial principalmente em países tropicais em desenvolvi-mento. É uma doença de ocorrência na zona rural e urbana com algumas caracterís-ticas próprias ocupacionais ou recreativas. Os indivíduos mais acometidos na grande maioria das vezes são jovens ou adultos jovens. Aproximadamente 5% - 15% dos pacientes apresentam a forma grave da doença conhecida como doença de Weill que pode se associar a síndrome da hemorragia pulmonar da leptospirose. Apresen-tamos um relato de autópsia de uma paciente octogenária, residente na zona urbana do município de São Paulo, internada no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, que apresentou quadro de evolução fulminante. A autópsia revelou com-prometimento dos pulmões com hemorragia alveolar difusa e infiltração mononuclear dos septos alveolares. A histologia do fígado apresentava destrabeculação dos he-patócitos, alargamento dos sinusóides e hiperplasia das células de Kupfer. Necrose tubular aguda e nefrite intersticial caracterizaram a histologia dos rins.

Unitermos: Leptospirose, Doença de Weil; Insuficiência respiratória; Insuficiência renal.

ABSTRACT

Leptospirosis is an acute febrile illness affecting humans and/or animals, with a high global incidence mainly in the tropical developing countries. Outbreaks are frequently related to rainy season, floods and the presence of reservoirs animals more commonly rodents and dogs. The disease occurs in the rural and urban areas linked to some occupational and recreational activities. The younger population is at higher risk of infection. Approximately 5% - 15% of the patients develop the se-vere manifestations of the disease known as Weill’s disease that can be associated with leptospirosis pulmonary hemorrhage syndrome. We present an autopsy case of an octogenarian patient, resident of the urban area of the city of São Paulo, ad-mitted to the Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, who presented a fulminant outcome. The autopsy revealed pulmonary involvement characterized by diffuse alveolar hemorrhage and interstitial mononuclear infiltration. The liver histology presented disorganization of the liver cell plates, congested sinusoids and

a Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP – Brasil.b Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP – Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Campos FPF, Simões AB.

Kupfer cells hyperplasia. Acute tubular necrosis and interstitial nephritis was the hallmark of kidneys involvment.

Keywords: Leptospirosis; Weil’s disease; Respiratory Insufficiency; Acute renal.

Relato do Caso

Paciente do sexo feminino, 81 anos de idade, portadora de hipertensão arterial sistêmi-ca e diabetes mellitus, em uso de hidroclortiazida e glibenclamida. Procurou serviço de emergência com queixa de dor nos membros inferiores prin-cipalmente em coxa e panturrilha bilateralmente, com dificuldade para deambular há 1 dia. Referia história de há 3 dias apresentar náuseas, hiporexia e discreto dolorimento em peso nos membros infe-riores, sintoma que se acentuou há um dia. Negava febre em qualquer fase da doença. Havia feito uso de antiinflamatório não hormonal e dipirona horas antes da chegada ao hospital. Negava alcoolismo, tabagismo ou viagem recente. Residia em casa de alvenaria com saneamento básico onde eram cria-dos cães. Próximo aos comedouros foram vistos ratos, várias vezes. A paciente tinha o costume de

lavar o quintal sem a devida proteção dos pés com calçado apropriado.

O exame físico de entrada mostrava pacien-te em REG, desidratada, afebril, eupneica, ictérica. Sem edemas nos membros inferiores, sem sinais de trombose venosa profunda, pulsos arteriais pre-sentes, porém diminuídos, boa perfusão periférica. Pulso = 104 bpm arrítmico, PA= 170 X 80 mmHg, ausculta cardíaca com bulhas arrítmicas normofo-néticas sem sopros, exame físico dos pulmões, ab-dome sem alterações. Marcha dificultada pela dor muscular. Força motora distal GIII bilateral e GIV proximal, reflexos patelar e aquileo abolidos bilate-ralmente. Sensibilidade preservada, nervos crania-nos normais. Os exames laboratoriais são expostos na Tabela 1 e o ECG na Figura 1.

Tabela 1 – Exames laboratoriais

Valores normais Admissão D2 D3Hemoglobina g/dl 12,3 – 15,3 11,5 10,4 7,9

Hematócrito % 36 - 45 36 32 25

Leucócitos /mm³ 4400 - 11300 18600 19800 34800

Bastonetes 1 - 5 0 12 11

Segmentados 45 - 70 83 81 68

Eosinófilos 1 – 4 0 0 0

Basófilos 0 – 2,5 0 0 0

Linfócitos 18 – 40 13 5 16

Monócitos 2 - 9 4 2 5

Plaquetas/mm³ 150000 - 400000 39000 31000 169000

Uréia mg/dl 10 - 50 94 133 160

Creatinina mg/dl 0,4 – 1,3 2,5 3,4 4,4

Sódio mEq/l 136 - 146 126 133

Potássio mEq/l 3,5 – 5,0 3 3,1

Glicose mg/dl aleatória 70 - 140 188 143

Bilirrubinas totais mg/dl 0,3 – 1,2 3,7 3,8 5,5

Bilirrubina direta mg/dl até 0,2 2,5 2,8 4,3

ALT U/l 9 - 36 109 104 565

AST U/l 10 - 31 264 1620

CPK U/l 26 - 140 4685 1835 3066

CKMB U/l Inferior a 10 22,8 60,88

Troponina Inferior a 0,06 0,02 68,28

Albumina mg/dl 3,0 – 5,0 2,7

TP % 70% - 100% 62 31

INR 1 1,42 2,62

Ph (arterial) 7,34 – 7,44 7,39 7,09 6,84

Lactato mg/dl ( venoso) 4,5 – 19,8 192,8 221

D2 e D3 segundo e terceiro dias de internação

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Constatada a insuficiência renal através dos exames laboratoriais, a paciente foi submetida à hemodiálise, porém evoluiu rapidamente para com insuficiência respiratória, apresentando parada car-diorrespiratória em atividade elétrica sem pulso. Respondeu positivamente a manobras de reanima-ção, reassumindo o ritmo sinusal, porém manteve-se hipotensa a despeito do uso de drogas vasoati-vas, evoluindo a óbito em 24 horas.

Urina tipo 1: proteínas= 139,5 mg/dl, glico-se= 121 mg/dl, pigmentos biliares +, sangue ocul-to+++, leucócitos = 32000/ mm3, hemácias 37000/ mm3, cilindros granulosos 2750/ mm3. As sorologias: anti-HIV, HBsAg, anti-HBs, anti-HCV foram negati-vas. A sorologia para leptospirose através do teste imunoenzimático (ELISA – IgM) foi reagente(Cut off = 0,205 Densidade óptica = 0,703), a soro agluti-nação microscópica (MAT) para Leptospirose Rea-

Figura 1 - ECG – Ritmo sinusal taquicárdico, com extra-sístoles supraventriculares freqüentes, bloqueio completo do ramo direito e bloqueio divisional ântero-superior do ramo esquerdo.

gente Sorovar autumnalis titulo 3200. O Ultrassom de abdome revelou fígado, vias biliares intra e extra hepáticas e pâncreas normais.

Autópsia

O estudo necroscópico revelou paciente com moderada palidez e intensa icterícia cutâ-neo-mucosa. À abertura de cavidades, observou-se discreta congestão de leptomeninges e de se-rosas viscerais e presença de discreto derrame pleural seroso bilateral (< que 200 ml). O cérebro pesava 1012 g (normal 832 g a 1370 g), apresen-tava discreta aterosclerose de sistema vértebro-basilar, sinais macroscópicos de edema (ventrícu-los virtuais) e alterações neurogliais hipoxêmicas difusas, mais intensas em células de Purkinge de cerebelo (Figura 2).

Figura 2 - Fotomicrografia (HE 400X): Cerebelo com alterações hipoxêmicas com rarefação em distribuição de células de Purkinge as quais se apresentam com cariopicnose ou anucleadas.

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Os pulmões direito e esquerdo encontra-vam-se volumosos, pesando respectivamente 925 g (normal 360 g a 570 g) e 718 g (normal 325 g a 480 g), com aderências fibrinosas em serosas, com superfície de corte difusamente hipoaera-

da, de coloração vinhosa e com saída de grande quantidade de fluído sanguinolento (Figura 3), evi-denciando-se hemorragia alveolar difusa e sinais multifocais de lesão necro-hemorrágica `a histolo-gia (Figuras 4 e 5).

Figura 3 - Pulmões com superfície de corte difusamente vinhosa, extensas áreas de aspecto hemorrágico.

Figura 4 - Fotomicrografia (HE 400X): Pulmões com hemorragia alveolar difusa e septos alveolares com infiltrado mononuclear focal de localização pericapilar – setas.

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Leptospirose de evolução fulminante: um caso de autópsia

Figura 5 – Fotomicrografia (HE 4000X): Pulmões – aspecto microscópico com hemorragia intra-alveolar. Ao centro, em área circunscrita: necrose.

O fígado era volumoso e pesava 1115 g (normal 1100 g a 1450 g), com superfície de cor-te de coloração castanho-esverdeada (colestase) e com depressões centro-lobulares esparsas (Fi-gura 6); apresentando, à microscopia, áreas com

destrabeculação de hepatócitos (Figura 7), alar-gamento difuso de sinusóides acompanhado de hipertrofia e hiperplasia de células de Kupfer e de fenômenos de hemofagocitose e apoptose de he-patócitos (Figura 8).

Figura 6 - Hepatoesplenomegalia. Fígado de aspecto colestático e baço vinhoso à superfície de corte.

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Figura 7 – Fotomicrografia (HE 400X): Fígado com área de destrabeculação, presença de apoptose de hepatócitos (setas com letra a) e hiperplasia de células de Kupffer (seta cel Kupffer).

Figura 8 - Fotomicrografia (HE 400X): Fígado exibindo alargamento de sinusóides com hipertrofia de células de Kupffer .

O baço pesava 390 g (normal 112 g) e apre-sentava superfície de corte vinhosa e de consistên-cia diminuída (Figura 6); com alargamento da polpa branca com formas granulocíticas jovens, de pa-drão séptico à histologia. Os rins direito e esquerdo pesavam respectivamente 380 e 360 g e exibiam superfície externa com depressões cicatriciais es-parsas e superfície de corte parda-avermelhada,

com nitidez de limite córtico-medular e coloração pardo-esverdeada em áreas focais de superfície medular à macroscopia (Figura 9); observando-se necrose tubular aguda com presença de pigmen-to esverdeado em lumens de tubos contornados proximais e nefrite intersticial multifocal aos cortes histológicos corados pela técnica de hematoxilina-eosina (Figura 10 ) .

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Figura 9 - Rins de coloração vinhosa e com nitidez de limite córtico-medular (necrose tubular aguda) e pirâmides de coloração algo mais esverdeada (setas).

Figura 10 - Fotomicrografia (HE 400X): - Rins com necrose tubular aguda e focos de nefrite intersticial (seta). Presença de pigmento esverdeado em lumens tubulares (círculo), além de cilindros hemáticos e hialinos associados. (HE 400X).

DISCUSSÃO

Leptospirose é uma zoonose de distribui-ção mundial causada pela Leptospira sp, identifica-da pela primeira vez por Adolf Weil em 1886.1 Em 1916 Inada et al isolou a leptospira, identificou o microorganismo como agente causal da leptospiro-

se e determinou que ratos eram reservatórios para transmissão a humanos.2 O subgrupo das espécies patogênicas inclui: Leptospira interrogans, Leptos-pira kirschneri, Leptospira borgpetersenii, Leptospi-ra antarosai, Leptospira noguchii, Leptospira weilii,

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Leptospira alexanderi e Leptospira alstoni que são classificadas em mais de 200 sorovars baseados na heterogeneidade estrutural do carboidrato do lipo-polissacáride.3 O mesmo sorovar pode induzir dife-rentes apresentações clínicas.4 Aproximadamente 5% a 15% das pessoas infectadas irá desenvolver a forma severa da doença conhecida como doença de Weil cuja apresentação clássica caracteriza-se por icterícia, insuficiência renal e sangramento. A este quadro clínico tem se observado a associa-ção de uma forma mais grave que é a síndrome da leptospirose associada à hemorragia pulmonar que apresenta taxa de mortalidade superior a 50%.5 A leptospirose associada à hemorragia pulmonar pri-meiramente descrita na Corea e China6 se tornou mais conhecida após surto que ocorreu na Nica-rágua em 1995.3,7 A incidência de leptospirose é influenciada por fatores ocupacionais, comporta-mentais, ambientais e socioeconômicos, ocorren-do tanto na zona rural como urbana.8 Nos países tropicais é uma doença de caráter endêmico, e os surtos ocorrem durante a estação chuvosa, coinci-dindo com áreas inundadas.4

Estima-se que a incidência anual de leptos-pirose no mundo seja superior a 500.000 casos ha-vendo regiões que apresentam incidência de 975 casos/100.000 hab.9 Na cidade de São Paulo a in-cidência média anual nos últimos 9 anos foi de 2,09 casos/100.000 habitantes com índice de mortalida-de 15,65%.c A média brasileira de mortalidade para leptospirose é de 10%.10

O caso apresentado é de uma paciente oc-togenária que procura o serviço médico com qua-dro de dor muscular nos membros inferiores, icte-rícia, náuseas e vômitos e ausência de febre. O exame físico revelou alteração da marcha devido à dor muscular.

Dado que: a) as sorologias para hepatites virais foram negativas, b) o ultrassom de abdome afastou a possibilidade de obstrução de vias bilia-res e, c)as alterações laboratoriais com elevação de creatinofosfoquinase, aminotransferases, bilir-rubinas, uréia e creatinina; hipocalemia, leucoci-tose e plaquetopenia, urina tipo 1 compatível com glomerulite, eletrocardiograma com taquicardia sinusal, extrassistolia e bloqueio do ramo direito, a suspeita clínica inicial foi de leptospirose. A au-sência de febre na história pode ser compreendida como alteração da termorregulação em indivídu-os idosos dentre os quais podem ser encontradas

síndromes afebris.11,12 Chama a atenção a idade da paciente e o diagnóstico de leptospirose pois a faixa etária mais acometida é de indivíduos mais jovens e na grande maioria do sexo masculino.13 A evolução para insuficiência renal, insuficiência respiratória e colapso circulatório caracterizou mais fortemente a hipótese da doença de Weil com comprometimento pulmonar.

O diagnóstico da Leptospirose na fase agu-da pode ser feito através do isolamento da bactéria em hemoculturas, porém a positividade deste mé-todo é baixa entre 2,8% a 16,1%.14 Para o diagnós-tico rápido e seguro da leptospirose é usado o teste ELISA que permite a detecção de anticorpos espe-cíficos da classe IgM. A sensibilidade do teste é de 94,6%, sendo importante lembrar que é necessá-rio o emprego de sorovar da Leptospira prevalente na região.14 Outro teste padrão e referência para o diagnóstico de leptospira é a soroaglutinação mi-croscópica (MAT). A persistência das aglutininas detectadas pelo MAT pode criar problemas na inter-pretação dos resultados. Alguns autores sugerem que títulos acima de 800 em somente uma amostra podem ser considerados como casos confirmados. Porém, devido à persistência de títulos elevados das aglutininas, não se pode determinar a fase da doença com uma amostra somente.15 No caso apresentado a sorologia confirmou o diagnóstico.

A transmissão pode ocorrer quando hu-manos são expostos direta ou indiretamente com as secreções de animais carreadores infectados. O contato indireto ocorre através da água ou solo contaminados. A bactéria sobrevive por semanas ou meses no solo úmido ou água após sua excre-ção pela urina.16 Os roedores são os animais mais implicados como reservatórios e transmissores da doença, dentre eles os ratos caseiros os mais infectados.17,18 Cães foram os principais reservató-rios transmissores no surto de Leptospirose da Ni-carágua em 1995.7 A espiroqueta pode permanecer por longo período nos túbulos renais dos animais infectados, sendo desta forma a disseminação atra-vés da urina a forma principal de contaminação.18 A bactéria entra na circulação sanguínea através de lesão cutânea ou pelas membranas mucosas após o contato com o solo úmido, vegetação, água, teci-do de animal infectado ou após a ingestão de água ou alimento contaminados.8 Em países desenvolvi-dos a leptospirose associa-se com atividade ocupa-cional e prática de esportes aquáticos. Surto recen-te encontrou associação da doença e a imersão e/

c Dados fornecidos pela Unidade de Vigilância à Saúde – Butantã, da Secretaria de Higiene e Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo, SP.

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ou ingestão da água do rio durante uma viagem de rafting em estação chuvosa na Costa Rica.19

A maior parte dos pacientes apresenta a for-ma febril anictérica da doença. Aproximadamente 5% a 15% das pessoas infectadas irá desenvolver a forma severa da doença conhecida como doença de Weil cuja apresentação clássica caracteriza-se por icterícia, insuficiência renal e sangramento. A este quadro clínico tem se observado uma forma mais grave que é a síndrome da leptospirose asso-ciada à hemorragia pulmonar. A leptospirose asso-ciada à hemorragia pulmonar primeiramente descri-ta na Corea e China se tornou mais conhecida após surto que ocorreu na Nicaragua em 1995.3,6,7 Os casos fatais tipicamente ocorrem por falência renal, cardíaca e insuficiência respiratória.20

O envolvimento renal na leptospirose pode variar desde leve proteinúria (geralmente inferior a 1g/24 horas) e alteração do sedimento urinário até insuficiência renal aguda (IRA).4 A IRA ocorre em 44% a 67% dos casos, dependendo da gravi-dade da doença, idade do paciente e definição de IRA.21,22 A ação direta nefrotóxica da leptospira, ação das toxinas com indução da resposta imune, alterações hemodinâmicas, icterícia, rabdomiólise desempenham papel na fisiopatogenia da lesão re-nal. Necrose tubular aguda e nefrite intersticial são responsáveis pela insuficiência renal21,23,24, como observado neste caso. Estudos com microscopia eletrônica demonstram alterações tubulares conse-qüentes ao acometimento do néfron como um todo, mas com maior comprometimento de túbulos pro-ximais.25 Clinicamente, a insuficiência renal aguda é não oligúrica e com hipocalemia em 45% dos pa-cientes26, mesmo nos pacientes com IRA oligúrica é difícil observar hipercalemia.4 No caso relatado a paciente já apresentava dados laboratoriais de comprometimento renal com elevação da creatini-na, hipopotassemia e alteração do sedimento uri-nário. O exame histológico do rim mostrou as alite-rações características da leptospirose.

O comprometimento pulmonar na leptospi-rose varia de 20% a 70%, diferentemente do pas-sado quando era observada em até 25% dos casos. Os sintomas respiratórios ocorrem tanto nas formas anictérica como na forma ictérica da doença, con-comitante ou não com o comprometimento renal.19 Estes sintomas variam desde dor torácica e tosse nas formas leves, até dispnéia e hemoptise culmi-nando com a síndrome do desconforto respiratório do adulto e hemorragia pulmonar. A forma pulmonar grave da leptospirose, conhecida como síndrome da hemorragia pulmonar da leptospirose, é uma grave

manifestação clínica da doença. Os sintomas geral-mente iniciam no quarto ou sexto dia da doença e o óbito pode ocorrer em até 72 horas. A mortalidade nesta síndrome é superior a 50%5 e nestes casos a hemorragia alveolar maciça predomina na apresen-tação clínica. No caso relatado a paciente apresen-tou hemorragia pulmonar e os achados da autópsia foram compatíveis com a síndrome da hemorragia pulmonar da leptospirose. Nestes casos, antígenos da leptospira foram detectados no tecido pulmonar por imunohistoquímica. Dois mecanismos patogêni-cos são propostos para explicar a lesão pulmonar: a) ação de toxinas (proteínas, glicoproteínas e lipo-polissacarides da membrana da espiroqueta) e b) resposta imune do hospedeiro.20,27 Em experimen-tos com cobaias, que desenvolveram hemorragia alveolar, observaram-se poucas leptospiras no teci-do pulmonar, porém através da imunoidentificação com IgG , IgM, IgA e Complemento, ao longo da membrana basal dos septos alveolares , sugere-se a participação de resposta imunitária do hospedeiro na lesão pulmonar.28 Em estudo nacional recente de 12 autópsias de pacientes com leptospirose, dos quais 03 clinicamente manifestaram quadro de he-morragia pulmonar, a análise da microscopia óptica, pelo método de hematoxilina-eosina (HE), revelou em todos os 12 casos: edema alveolar com infiltra-do linfo-plasmocitário com macrófagos, seguida de hemorragia alveolar em 09 casos. A análise imuno-lógica tecidual revelou presença de componentes antigênicos em 08 destes 12 pacientes, no entanto sem correlação com a extensão ou intensidade de comprometimento das lesões pulmonares observa-das à microscopia óptica.25 Croda et al avaliaram espécimens de pulmão de 30 casos autopsiados no período de janeiro de 1988 a janeiro de 2005 e encontrou depósitos de imunoglobulina (IgA, IgG e IgM) e complemento (C3) na superfície alveolar em 18 casos. Os autores encontraram correlação entre este depósito e intensa necrose das células tipo I e tipo II. Especulam que o aumento da perme-abilidade capilar como resultado de ativação endo-telial, superprodução de óxido nítrico dentre outros fatores, permitiriam a passagem de IgG, IgA e IgM para dentro do espaço alveolar. A deposição des-tas imunoglobulinas sobre os pneumócitos tipo I e tipo II poderiam mediar a ativação do complemento e deposição de C3. Este mecanismo levaria à ne-crose das células epiteliais com extravasamento e hemorragia para dentro do lúmen alveolar.5

O comprometimento do sistema cardiovas-cular é muito freqüente na leptospirose, porém na maior parte dos casos é subclínico. Outras vezes o envolvimento é grave, levando à insuficiência cardíaca congestiva e choque cardiogênico.29 Ma-

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chado et al mostraram o comprometimento mio-cárdico em 24,2% dos pacientes estudados com leptospirose. Os achados mais frequentes foram fibrilação atrial, taquicardia supraventricular, blo-queio completo do ramo direito, inversão da onda T difusa, bloqueio AV do 1º grau, elevação locali-zada do segmento ST e disfunção ventricular es-querda. Entre os pacientes que apresentaram arrit-mia somente um apresentava concomitantemente alteração eletrolítica que poderia ser a causa da mesma.30 No caso relatado havia alteração eletro-cardiográfica compatível com o comprometimen-to miocárdico da leptospirose. Em uma série de autópsias de Mumbai com 44 pacientes, publica-da em 2008, 93,2% mostraram comprometimento cardíaco, apesar de a maioria dos casos não exi-bir evidência clínica deste comprometimento. Os achados mais expressivos foram cardiomegalia e petéquias em uma ou mais camadas do coração. O achado histopatológico predominante foi a mio-cardite intersticial (100% dos casos), envolvimento do epicárdio/endocárdio (39%), valvas (36%), ar-térias coronárias (51%) e aorta (56%).31

Sangramento clinicamente evidente é fre-quentemente observado nos casos mais graves. Os achados patológicos revelam hemorragias disseminadas em mucosas, músculos, peritônio, coração, pulmões e rins. Plaquetopenia é freqüen-temente observada podendo ser isolada ou acom-panhada de outras alterações da coagulação. Sangramento intenso é observado com o alarga-mento do tempo de protrombina (TP) que soma-do a plaquetopenia sugere coagulopatia de con-sumo associado à hiperfibrinólise. Entretanto não se pode excluir a possibilidade de diminuição da síntese de fatores de coagulação. A plaquetopenia e o alargamento do TP estão associados a pior prognóstico e aumento da mortalidade.32,33 Uma

hipótese para explicar a patogênese da diátese hemorrágica observada na leptospirose propõe a ação direta da leptospira nas células endoteliais, danificando direta ou indiretamente a superfície destas células.32 Correlacionando aos achados de autópsia, a leptospirose pode ser vista como uma vasculopatia infecciosa sistêmica.

Revisões da literatura apontam vários fato-res associados à maior mortalidade na leptospiro-se. Dentre eles os que apresentam maior evidência são: a idade avançada, presença de hipotensão, plaquetopenia inferior a 70000/mm3, alargamento do TP 32, insuficiência renal e hemorragia pulmo-nar.23 O caso apresentado apresenta todos os fato-res de risco para evolução de pior prognóstico. An-drade et al 34 mostraram mortalidade de 55% nos pacientes com Doença de Weil internados em UTI, e que este índice mostrou redução quando o trata-mento hemodialítico foi instituído precocemente e realizado diariamente.

Apesar de a população jovem ser a mais acometida pela infecção pela leptospira, idosos também estão sob risco dependendo de suas ati-vidades diárias (como no caso apresentado) ou se forem expostos a contato com enchentes, como ocorre principalmente nas regiões urbanas de grandes metrópoles.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Julio César Bar-bosa de Santana pelas fotos de macroscopia, a Antonio Carlos Alves Evangelista pelos procedi-mentos técnicos de autópsia e a Rosa Maria da Conceição Zanardi pela colaboração na produção visual das imagens.

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Conflito de Interesse: Não.

Submetido em: 02 de Maio de 2011Aceito em: 20 de Maio de 2011

Correspondência: Divisão de Clínica MédicaAv. Prof. Lineu Prestes, 2565 – Cidade Universitária – São Paulo, SP – BrasilCEP 05508-000 - Tel.: 55.011.3091-9200 E-mail: [email protected]

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Article / Autopsy Case Reports Artigo / Relato de Caso de Autópsia

Transformação carcinomatosa de endometriose retroperitoneal

Carcinomatous transformation of retroperitoneal endometriosis

João Augusto dos Santos Martinesa, Brenda Margatho Ramos Martinesa, Daniel Roberto Garzib, Silvana Maria Lovisoloa, Cornélius Mitteldorfa, Paulo Francisco Ramos Margaridoa

Martines JAS, Martines BMR, Garzi DR, Lovisolo SM, Mitteldorf C, Margarido PFR. Transformação carcinomatosa de endometriose retroperitoneal. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):31-40.

RESUMO

Os autores apresentam o caso de uma paciente de 45 anos de idade, portadora de dor abdominal crônica, sendo evidenciada massa retroperitoneal cuja biopsia por agulha revelou tratar-se de endometriose. Submetida a ooforectomia bilateral. A pa-ciente evoluiu, durante 4 anos, sem controle do quadro álgico, com perda de peso e aumento das dimensões da massa tumoral. A exérese cirúrgica total da massa tumo-ral não foi possível devido às aderências às estruturas vasculares. O pós-operatório foi complicado com quadro séptico evoluindo a óbito. O resultado anatomopatológico fornecido pela autópsia foi de adenocarcinoma de padrão endometrióide.

Unitermos: Endometriose; Adenocarcinoma; Neoplasias; Espaço retroperitoneal.

ABSTRACT

The authors present a case of a female patient 45 years old with chronic abdominal pain and a retroperitoneal tumor mass which showed the diagnosis of endometriosis by fine needle biopsy. Bilateral oophorectomy was performed. The patient remained symptomatic,the next four years, with pain and weight loss and new diagnostic imag-es revealed tumor mass growth. Radical surgical treatment was impracticable due to tumor adhesions to major vascular structures. Post operatory was troublesome with septic complications evolving to death. The autopsy results showed the diagnosis of endometrioid adenocarcinoma.

Keywords: Endometriosis; Adenocarcinoma; Neoplasm; Retroperitoneal space.

a Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP - Brasil.b Instituto do Coração – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP - Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Martines JAS, Martines BMR, Garzi DR, Lovisolo SM, Mitteldorf C, Margarido PFR.

INTRODUÇÃO

A endometriose foi descrita pela primeira vez por Roktansky, em 1869, que observou em te-cido de necrópsia material de aspecto histológico e funcional semelhante ao endométrio fora da cavida-de uterina.1 Apresenta prevalência estimada entre 5 e 15% das mulheres em idade reprodutiva2 e sua etiologia ainda é incerta. Sua patogênese tem sido explicada por teorias que apontam principalmente a multi causalidade, fatores genéticos, imunológicos, e disfunção endometrial.1 Os sítios mais freqüen-temente envolvidos são os ovários, fundo de saco anterior e posterior, folheto posterior do ligamento largo, ligamento uterossacro e cólon sigmóide.3

Embora a endometriose não seja classifica-da como doença pré-maligna, estudos têm encon-trado aumento da incidência de câncer ovariano em mulheres com endometriose, bem como tem verifi-cado aumento da incidência de endometriose em mulheres com câncer de ovário.4,5 Estudos retros-pectivos têm sugerido que pode haver associação entre endometriose e risco aumentado de câncer de ovário. Brinton et al.6 relataram que mulheres com diagnóstico de endometriose apresentam taxa de incidência de câncer de ovário de 2,48 (IC 95%, 1,3 – 4,2) quando comparadas com mulheres sem a doença. Entretanto, pelo fato da endometriose ser relativamente comum, algumas vezes não fica claro se a endometriose sofreu a transformação maligna ou simplesmente coexiste com o câncer.7 Para se confirmar o diagnóstico de transformação maligna de um foco endometriótico, primeiramente deve-se excluir que a suposta lesão não seja metástase de uma outra neoplasia primária.8 Os tipos de câncer

de ovário mais comumente associados à endome-triose são os carcinomas endometrióide e o de cé-lulas claras.9 Apresentamos a seguir relato de caso de paciente com endometriose retroperitoneal com transformação para adenocarcinoma, ressaltando a importância dos achados clínicos e radiológicos desta rara evolução.

Relato do Caso Paciente do sexo feminino com 45 anos de idade foi admitida no Hospital Universitário da Uni-versidade de São Paulo com história de dor abdo-minal há 2 semanas, sem melhora com o uso de medicação analgésica. Apresentava aumento do volume uterino (190 cm3 ao ultrassom transvaginal) e CA-125 > 200 U/mL, sendo feita hipótese diagnós-tica de adenomiose/endometriose pélvica. Subme-tida a histerectomia para tratamento da dismenor-réia. Não se evidenciou presença de endometriose no estudo histopatológico. A paciente apresentava antecedente obstétrico de 2 gestações e 2 partos normais e antecedente de dismenorreia.

Evoluiu com queixa de perda de peso e dor abdominal em hipocôndrio esquerdo motivando vá-rios atendimentos de Pronto Socorro.

O exame radiológico contrastado do trânsito intestinal evidenciava deslocamento gástrico com alargamento da pequena curvatura (Figura 1).

Figura 1 - Exame radiológico contrastado do transito intestinal mostrando deslocamento gástrico com alargamento da pequena curvatura.

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Transformação carcinomatosa de endometriose retroperitoneal

Nesta ocasião foi evidenciada em exame ultrassonográfico imagem nodular para-aórtica pró-xima ao tronco celíaco. A Ressonância Magnética (RM) do abdome nesta época revelou massa retro-peritoneal heterogênea de 6,0 x 5,0 x 3,0 cm, que foi abordada por punção guiada, revelando tratar-se de endometriose.

Optado por ooforectomia bilateral terapêuti-ca. O exame histopatológico revelou: Endometriose estromal e glandular de padrão misto em tubas ute-rinas e cistos serosos para-tubários.

Manteve a queixa de dor em hipocôndrio esquerdo, acompanhada de náuseas e vômitos. Ao ultrassom apresentava persistência da massa císti-ca para-aórtica. Submetida à laparotomia onde foi realizada exérese parcial do cisto, devido à sua inti-midade com a aorta, tronco celíaco e vasos mesen-téricos. O exame anatomopatológico revelou cisto

endometriótico com hemorragia. Após um ano foi realizada nova tomografia computadorizada que acusava lesão residual retro-peritoneal. Submetida à eco endoscopia com pun-ção por agulha fina. Concluiu-se através da análise do aspirado que os achados citológicos correspon-diam a hipótese clínica de endometrioma, porém devido a presença de muita necrose no material, não se excluía a possibilidade de neoplasia epitelial bem diferenciada. Mantida sob tratamento clínico com controle parcial da dor e das náuseas.

Exame de controle por RM (Figura 2), após um ano, mostrou aumento das dimensões da mas-sa retroperitoneal, descrita como lesão expansiva complexa, sólida com áreas císticas de permeio, que apresentava ampla superfície de contato com o pâncreas, aorta, tronco celíaco, artéria mesentérica superior e veias esplênica e renal esquerda.

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Martines JAS, Martines BMR, Garzi DR, Lovisolo SM, Mitteldorf C, Margarido PFR.

Figura 2 - Imagem de RM com: A - seqüência ponderada em T2, B - T1 sem contraste e C - T1 após gadolíneo endovenoso, evidenciando volumosa massa heterogênea, com áreas sólidas periféricas de isossinal em T2 e T1 com realce pós-contraste associado a áreas centrais de hipersinal em T2 e hipossinal em T1, sem realce pelo contraste, sugerindo cistos e/ou focos de necrose/liquefação. A massa se localiza no retroperitônio em região para-aórtica à esquerda, deslocando a veia esplênica e pâncreas anteriormente.

Após 4 anos da primeira abordagem cirúrgica da massa retroperitoneal, a paciente apresentava-se emagrecida (I.M.C. = 17) com piora da dor, apresen-tando náuseas, vômitos e inapetência. O exame físi-co evidenciou massa endurecida, em topografia de epigástrio, aderida a planos profundos.

Foi submetida à nova laparotomia na ten-tativa da retirada do tumor intra-abdominal, sendo achada massa endurecida de 15 cm, aderida a es-truturas do retroperitônio. Realizada gastrectomia a dois terços, esplenectomia e pancreatectomia cor-po-caudal como tática de acesso à massa e com o intuito de melhorar o esvaziamento gástrico. No en-tanto, a massa era irressecável devido a aderência aos vasos mesentéricos, tronco celíaco e aorta.

Evoluiu no pós-operatório com deiscência da anastomose e peritonite, evoluindo a óbito 45 dias após a cirurgia, por choque séptico.

AUTÓPSIA

À abertura do cadáver foi observada massa retroperitoneal irregular (Figura 3) medindo 15,0 cm no maior eixo, aderida à aorta, ao tronco celíaco e vasos mesentéricos. Aos cortes, a massa mostra área central de coloração castanho-amarelada de aspecto neoplásico medindo 6,0 cm no maior eixo com focos de necrose e de hemorragia, parcialmen-te circunscrito por cápsula fibrosa (Figura 4).

Figura 3 - Massa retroperitoneal (15,0 cm no maior eixo).

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Transformação carcinomatosa de endometriose retroperitoneal

Figura 4 - Detalhe da área neoplásica (6,0 cm no maior eixo) da massa retroperitoneal: tecido castanho-amarelado de limites imprecisos com aspecto infiltrativo com focos de necrose e de hemorragia, circunscrita por tecido fibroso esbranquiçado de aspecto capsular.

Ausência do baço, do corpo e cauda do pâncreas, do antro gástrico (gastrectomia parcial com reconstrução em Y de Roux), dos ovários, das tubas uterinas e do útero (salpingo-ooforectomia bi-lateral e histerectomia).

Quatro anos antes do óbito, a paciente ha-

via sido submetida a laparotomia com retirada de parte da parede da massa retroperitoneal cujo lau-do anatomopatológico evidenciou cisto endome-triótico com hemorragia, reação histiocitária xan-tomatosa e gigantocelular a fendas de cristais de colesterol (Figura 5).

Figura 5 - Fotomicrografia (H&E 100X) - Cisto endometriótico com hemorragia, reação histiocitária xantomatosa e gigantocelular a cristais de colesterol, produto de laparotomia realizada 4 anos antes do óbito.

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Martines JAS, Martines BMR, Garzi DR, Lovisolo SM, Mitteldorf C, Margarido PFR.

O exame histopatológico da massa retrope-ritoneal evidenciou adenocarcinoma caracterizado pela proliferação neoplásica de padrão glandular predominantemente endometrióide (Figuras 6, 7) com áreas focais de padrão glandular seroso pa-

pilífero (Figura 8), que infiltra área fibrosa rica em colágeno (cápsula fibrosa do cisto endometriótico retroperitoneal) (Figura 9), com necrose central (Fi-gura 10).

Figura 6 - Fotomicrografia (H&E 100X) - Adenocarcinoma de padrão endometrióide com focos de calcificação.

Figura 7- Fotomicrografia (H&E 200X) - Adenocarcinoma de padrão endometrióide.

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Transformação carcinomatosa de endometriose retroperitoneal

Figura 8 - Fotomicrografia (H&E 400X) - Área do adenocarcinoma de padrão papilífero seroso com eixo fibro-conjun-tivo central e capilar sanguíneo com hemácias.

Figura 9 - Fotomicrografia (H&E 100X) - Infiltração neoplásica da cápsula fibrosa com focos de calcificação.

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Martines JAS, Martines BMR, Garzi DR, Lovisolo SM, Mitteldorf C, Margarido PFR.

Figura 10 - Fotomicrografia (H&E 100X) - Cisto endometriótico com área central necrótica (à direita) e infiltração neo-plásica da cápsula fibrosa com focos de calcificação.

Figura 11 - Fotomicrografia (IHQ - 100X) - Exame imuno-histoquímico da neoplasia difusamente positivo para o anti-corpo monoclonal Ber-EP4.

O diagnóstico diferencial, nesta localização retroperitoneal, deve ser feito com mesotelioma peritoneal epitelióide. Segundo Ordóñez17, o anti-corpo monoclonal Ber-EP4, negativo no mesote-lioma e positivo no adenocarcinoma é considerado um dos mais úteis marcadores para esta distinção.

O exame imuno-histoquímico da área neoplásica deste caso foi difusamente positivo para Ber-EP4 (Figura 11) e negativo para CK-20 e CEA excluin-do o diagnóstico diferencial com adenocarcinoma gastrointestinal.

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Transformação carcinomatosa de endometriose retroperitoneal

Os anticorpos para os receptores de estró-geno e progesterona resultaram negativos, entre-tanto, considerando-se que estudos mostram posi-tividade variável à partir de 50% (estrógeno) e de 60% (progesterona), o resultado negativo pode ser atribuído à necrose maciça, e não exclui a origem endometrial/ovariana da neoplasia, que neste caso mostra aspecto histopatológico endometrióide e se-roso papilífero típicos, inclusive com corpos psamo-matosos (calcificações concêntricas). A ausência de disseminação retroperitoneal pode ser atribuída, neste caso, à circunscrição neoplásica pela espes-sa cápsula fibrosa (fibroses repetidas de origem ci-catricial) característica dos cistos endometrióticos. A causa terminal do óbito foi atribuída à septicemia com focos pulmonar (broncopneumonia) e intra-ab-dominal (peritonite por deiscência da anastomose em Y de Roux). Em decorrência do choque séptico foram observados ainda: focos hemorrágicos no en-céfalo, gastrite hemorrágica, necrose tubular aguda renal e dano alveolar difuso (pulmão de choque).

DISCUSSÃO

Uma das questões centrais atualmente é se o câncer de ovário associado à endometriose é uma doença distinta, ou se apresenta comporta-mento igual ao câncer de ovário não relacionado à doença.11 Estudos têm documentado a progres-são da endometriose, como doença benigna, para o câncer. Entretanto, o mecanismo desta trans-formação ainda não é conhecido.12 Por sua vez, o critério diagnóstico da endometriose associada ao câncer de ovário é heterogêneo, variando entre os trabalhos publicados. Enquanto alguns auto-res consideram como diagnóstico a evidência de transformação maligna em glândulas de focos de endometriose, outros incluem casos onde foi ob-servada a transformação de um foco de endome-triose para um foco de carcinoma.11

Kobayashi et al.13 verificaram que a taxa de incidência de câncer de ovário é cerca de 9 vezes maior em mulheres com endometrioma de ovário, comparada às não portadoras da doença. A taxa de incidência aumenta com a idade, chegando a ser 13 vezes maior em mulheres com endometrio-ma diagnosticados acima dos 50 anos. Por outro lado, no caso aqui relatado o câncer desenvolveu-se de cisto endometriótico extra ovariano.

Modesitt et al.2, em estudo retrospectivo com mulheres que apresentaram câncer intraperi-toneal associado à endometriose, verificaram que as mulheres com câncer extra ovariano que se ori-ginaram de focos endometrióticos apresentavam

maior chance de estarem na menopausa e de faze-rem uso da terapia hormonal (TH). Nesse grupo, os tipos histológicos mais comumente encontrados fo-ram os tumores de células claras e endometrióides (23% cada), tumores epiteliais mistos (19%) e ade-nocarcinomas serosos (18%). No caso relatado, foi verificada a presença de padrões endometrióide e seroso-papilífero, podendo ser considerado como um adenocarcinoma epitelial misto, em concordân-cia com o descrito na literatura.

Uma das possíveis explicações para essa transformação maligna do foco de endometriose é decorrente de defeitos genéticos. Wiegand et al.14 relataram a mutação do gene ARID1A em 46% dos carcinomas de ovário de células claras e em 30% dos endometrióides. Em duas pacientes com en-dometriose atípica, verificou-se também a mutação desse gene no foco de endometriose contíguo ao tumor, mas não nos focos distantes. Esse conceito é reforçado pelo trabalho de Jiang et al.15, os quais evidenciaram lesões genéticas comuns aos carci-nomas de células claras e endometrióides com os focos de endometriose adjacentes às neoplasias, bem como naqueles que originaram os carcino-mas, sugerindo que os padrões endometrióide e de células claras podem ser originários da transfor-mação maligna dos focos de endometriose.

Apesar da possível origem de alguns tipos do câncer ovariano relacionado à endometriose, verificou-se que as neoplasias de ovário relacio-nadas à endometriose parecem apresentar um prognóstico mais favorável, com melhores taxas de sobrevida, provavelmente relacionadas com a maior prevalência de lesões diagnosticadas em estágio precoce, bem como pelo baixo grau des-tes tumores.11

Empenha-se esforço na tentativa de se fa-zer o diagnóstico precoce do câncer ovariano, mas até o momento não existe o método adequado de rastreamento populacional desta doença. Por sua vez, a RM é o método de imagem mais usado para avaliação da endometriose pélvica profunda, po-dendo ter sensibilidade superior a 90% na capaci-dade de predição de lesões malignas.1,16 Nesses casos, as imagens sugestivas de acometimento neoplásico são a presença de massa unilateral cística com focos de hemorragia e nódulos murais com realce ao contraste.17

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Martines JAS, Martines BMR, Garzi DR, Lovisolo SM, Mitteldorf C, Margarido PFR.

Conflito de interesses: Não

Autor correspondente: João Augusto dos Santos Martines

Submetido em: 13 de Maio de 2011Aceito em: 30 de Maio de 2011

Correspondência: Av. Prof. Lineu Prestes, 2565 – Cidade Universitária – São Paulo – SP – Brasil CEP: 05508-000 – Tel.: +55.11. 3091.9309E-mail: [email protected]

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CONCLUSÃO A transformação carcinomatosa da endo-metriose é evento relativamente raro, pouco com-preendido e de ainda difícil diagnóstico pelos méto-dos atuais. Não há até o momento orientação para seguimento ou rastreamento da transformação ma-ligna nos focos de endometriose.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Rosa Maria da Conceição Zanardi pelo auxílio na documentação das imagens apresentadas.

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Article / Autopsy Case Report Artigo / Relato de Caso de Autópsia

Trombose de veia renal, doença de depósito de cadeias leves e nefropatia dos cilindros em paciente com mieloma múltiplo

Renal vein thrombosis, light-chain deposition disease and cast nephropathy in a multiple myeloma patient

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RESUMO

Mulher de 56 anos, hipertensa há 16 anos em tratamento, apresenta quadro de dor torácica e dispnéia há 3 dias. A investigação laboratorial demonstrou insuficiência renal aguda com indicação de hemodiálise. Após diálise, apesar de melhora clínico-labora-torial, apresentou fibrilação ventricular e parada cardiorrespiratória revertidas. Evoluiu oligúrica, sem déficits neurológicos. Foi iniciada investigação laboratorial para mieloma múltiplo que demonstrou hipogamaglobulinemia sem pico monoclonal na eletroforese de proteínas. Durante a investigação a paciente apresentou novo episódio de fibrilação ventricular e óbito. A autópsia demonstrou trombose de veia renal esquerda, mieloma múltiplo plasmacítico com acometimento de medula óssea, nefropatia por depósito difuso de cadeias leves kappa glomerular e tubular e nefropatia dos cilindros do mielo-ma. Este caso ilustra uma associação incomum entre nefropatia dos cilindros, nefropa-tia por depósito de cadeias leves e trombose de veia renal em paciente com mieloma múltiplo e insuficiência renal aguda.

Unitermos: Mieloma múltiplo; Autópsia; Trombose; Lesão renal aguda; Proteínas do mieloma.

ABSTRACT

A 56-year-old woman presented with thoracic pain and dyspnea for 3 days. She had been under treatment for systemic arterial hypertension for 16 years. Laboratory investigation showed acute renal failure with indication for hemodialysis. After dialysis, despite improve-ments in clinical and laboratory parameters, she had an episode of ventricular fibrillation and cardiac arrest which was promptly reverted. She was still oliguric but without neu-rological deficits. A laboratory work up for multiple myeloma was started. Serum protein electrophoresis showed hypogammaglobulinemia without a monoclonal peak. While on laboratory work up, the patient had another episode of ventricular fibrillation and died. The autopsy showed left renal vein thrombosis, bone marrow involvement by a plasmacytic myeloma, light-chain deposition disease with diffuse glomerular and tubular involvement and also myeloma cast nephropathy. This case illustrates a rarely documented associa-tion between myeloma cast nephropathy, renal light-chain deposition disease and renal vein thrombosis in a multiple myeloma patient with acute renal failure.

Keywords: Multiple myeloma; Autopsy; Thrombosis; Acute kidney injury; Myeloma proteins.a Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.b Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.c Divisão de Anatomia Patológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.d Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário – Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Takayasu V, Lovisolo SM, Testagrossa LA, Felipe-Silva A.

Relato de Caso

Mulher de 56 anos, portadora de hiperten-são arterial sistêmica (HAS) e hipotireoidismo em uso regular de propranolol, losartan, furosemida e levotiroxina procurou serviço médico com queixa de dor torácica à esquerda, dispnéia, ortopnéia e tosse há três dias. Não era portadora de diabetes ou qualquer outra doença. Negava tabagismo ou internações prévias. O exame físico mostrava pa-ciente em regular estado geral, descorada e dis-pneica. Pressão arterial (PA) de 140 x 78 mmHg, Pulso de 100 bpm, Freqüência respiratória de 28 ipm. Presença de crepitação em bases pulmonares e discreto edema de membros inferiores. Exame cardíaco e abdominal sem alterações.

Os exames laboratoriais iniciais (Tabela 1) revelaram anemia, níveis elevados de uréia e crea-

tinina e hiperpotassemia. O eletrocardiograma era normal. O ecocar-diograma mostrou aumento do átrio esquerdo, hi-pertrofia discreta do ventrículo esquerdo com con-tração normal (fração de ejeção de 59%). A valva aórtica estava espessada, com refluxo discreto. A valva mitral apresentava refluxo importante e a val-va tricúspide refluxo moderado. O gradiente VD-AD era de 58 mmHg.

A radiografia de tórax mostrava pequeno derrame pleural à esquerda.

A análise urinária revelou proteinúria (+++) e sangue oculto (++). O sedimento urinário mostra-va 32.000 leucócitos/ml e 57.000 hemácias/ml. Ci-lindros e cristais não foram detectados. A cultura de urina mostrou crescimento de mais de 100.000

Tabela 1 – Dados laboratoriais obtidos durante investigação diagnóstica*

Valor inicial Pós-diálise Valor de referência

Hb/Ht 8,4/26 12,3-15,3(g%) / 36,0-45,0(%)Leucócitos 9500 4,4-11,3 (x10³/mm³)Bastonetes 0 1-5(%)Segmentados 61 45-70(%)Eosinófilos 5 1-4(%)Basófilos 0 0-2,5(%)Linfócitos 29 18-40(%)Monócitos 5 2-9(%)Plaquetas 314.000 150-400(x10³/mm³)

U/Cr 156/7,7 64/4,1 10-50/0,4-1,3 (mg/dl)Na/K 137/7,5 137/3,9 135-146/3,5-5,0 (mEq/l)Cálcio 1,25 1,23 1,11-1,40 (mmol/l)Mg/P 2,6/6,1 1,7/4,5 1,6-2,6/2,5-4,8 (mg/dl)AST/ALT 23/24 10-31/9-36 (U/l)

Proteína total 6,4 6,0-8,0 (g%)Albumina 2,83 3,5-5,0 (g%)Alfa-1 0,42 0,1-0,4 (g%)Alfa-2 1,5 0,4-1,2 (g%)Betaglobulina 1,26 0,5-1,1 (g%)Gamaglobulina 0,39 0,5-1,6 (g%)Troponina 1,07 <0,06 ng/mlCKMB 9,02 <5,0 ng/mlVHS 130 <20 mm/1hPCR 5 <5 mg/lFAN (HEP II) não reagente até 1/80C3/C4 115/79 90-180/10-40 mg/dl

*Todas as dosagens em sangue ou soro. Valores alterados estão em negrito.Hb: Hemoblogina; Ht: Hematócrito; U:Uréia; Cr:creatinina; Alfa-1: alfa-1-globulina; Alfa-2: alfa-2-globulina; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCR: Proteína C reativa; FAN: Fator antinúcleo; C3 e C4: Frações C3 e C4 do complemento.

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Trombose de veia renal, doença de depósito de cadeias leves e nefropatia dos cilindros em paciente com mieloma múltiplo

UFC/ml de Escherichia coli multissensível. A ultrassonografia de vias urinárias mostrava rins tópicos, com formas, contornos e dimensões nor-mais e simétricas. O parênquima renal tinha espes-sura preservada, porém com acentuação da diferen-ciação córtico-medular e certa hipoecogenicidade das pirâmides renais que sugeriam possível nefropatia parenquimatosa aguda.

Frente ao diagnóstico de insuficiência renal foram realizadas medidas iniciais para hiperpotasse-mia e indicada hemodiálise. Também foi prescrito cef-triaxone para tratamento da infecção urinária.

Durante passagem de catéter para hemodiá-lise a paciente apresentou edema agudo de pulmão relacionado à hipertensão e hipervolemia, o qual foi controlado com furosemida e anlodipina. Foi afastada a possibilidade de infarto do miocárdio.

A paciente foi submetida a uma sessão de hemodiálise sem intercorrências com perda de 3000 ml, estabilização volêmica e eletrolítica (Tabe-la 1). Entretanto, apresentou episódio de fibrilação ventricular (FV) e parada cardiorrespiratória (PCR) que foi revertida após três minutos com desfibrila-ção elétrica. Transferida para a unidade de terapia intensiva com amiodarona, atenolol, anlodipina e levotiroxina, evoluiu sem déficits neurológicos e oli-gúrica. Foi mantido o tratamento dialítico.

A paciente permaneceu em UTI por um total de 11 dias. Durante a internação houve queixa de dorsalgia e dor em gradil costal à movimentação e sensação de estalos paraesternais. A radiografia de tórax mostrou fraturas de costelas que foram atribuí-das às manobras de ressuscitação cardiopulmonar.

A investigação da insuficiência renal reve-lou pesquisa negativa para fator anti-núcleo (FAN) e níveis normais de complemento e marcadores de inflamação (proteína C reativa e velocidade de hemossedimentação). Foi observada hipoalbumi-nemia não nefrótica e hipogamaglobulinemia sem pico monoclonal à eletroforese de proteínas séricas. Foi indicada biópsia renal e mielograma, para con-firmação da hipótese de mieloma múltiplo, porém no décimo segundo dia de internação a paciente apresentou novamente FV e PCR que evoluiu para óbito. A imunofixação do soro, realizada após o óbi-to da paciente, evidenciou uma fração monoclonal entre alfa-2-globulinas e beta-globulinas identifica-da como cadeia leve kappa.

Autópsia

A autópsia confirmou infiltração difusa da medula óssea por proliferação monoclonal de plas-mócitos maduros, CD138 positivos à imunoistoquí-mica (marcador plasmocitário) e com predomínio de cadeia leve kappa (Figura 1). Não foi observada infiltração neoplásica em outros órgãos.

Figura 1 - A - Fotomicrografia da medula óssea infiltrada difusamente por plasmócitos maduros (HE, 400x). B - Imu-noistoquímica de medula óssea com positividade difusa para cadeia leve kappa (200x).

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Takayasu V, Lovisolo SM, Testagrossa LA, Felipe-Silva A.

Observou-se derrame pleural bilateral e pe-ricárdico de aspecto seroso, em moderada quan-tidade, relacionados à hipervolemia e insuficiência renal. Os pulmões apresentavam congestão. O co-ração apresentava aumento de volume por hipertro-fia concêntrica do ventrículo esquerdo e dilatação do átrio esquerdo, compatíveis com hipertensão ar-terial sistêmica. As coronárias eram normais. A mi-

croscopia confirmou apenas hipertrofia miocárdica sem evidências de infiltração neoplásica ou depósi-tos patológicos.

Os rins apresentavam forma e volume pre-servados. Foi identificado trombo segmentar e se-mi-oclusivo da veia renal esquerda (Figura 2).

Figura 2 - A - Aspecto macroscópico de trombo em veia renal (seta), vista a partir do hilo. B - Fotomicrografia de trombo em veia renal (HE, 40x).

A análise do tecido renal revelou glomerulo-patia por cadeias leves do tipo kappa, caracterizada por glomérulos aumentados em volume, com hiper-celularidade mesangial e expansão global e difusa da matriz mesangial devido à deposição de material eosinofílico que por vezes se acumulava em alças

glomerulares formando nódulos circundados por células mesangiais (Figura 3), e também espessa-va a cápsula de Bowman com extensão à região peri-hilar, envolvendo as arteríolas glomerulares. O material eosinofílico se impregnava pela prata, era PAS-positivo (Figura 4) e Vermelho Congo negativo.

Figura 3 - Fotomicrografia de glomérulo com expansões mesangiais nodulares eosinofílicas circundadas por hiperce-lularidade mesangial (HE, 400x).

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Trombose de veia renal, doença de depósito de cadeias leves e nefropatia dos cilindros em paciente com mieloma múltiplo

Figura 4 - Fotomicrografias demonstrando: A - Glomérulos aumentados com distribuição difusa no córtex renal (PAMS, 100x); B - Glomérulo com impregnação dos nódulos pela prata (PAMS, 400x); C - Glomérulo demonstrando nódulos PAS-positivos (PAS, 400x).

Observou-se ainda nefropatia do cilindro de cadeias leves no compartimento tubular, caracte-rizada por espessamento difuso das membranas basais e, em algumas áreas, túbulos dilatados con-tendo cilindros eosinofílicos, predominantemente com aspecto homogêneo e lamelados, porém oca-

sionalmente granulosos e com reação inflamatória neutrofilica e gigantocelular. Esses cilindros eram PAS positivos, impregnavam-se fracamente pela prata, com coloração marrom-amarelada, e eram policromáticos quando corados pelo tricrômico de Masson (Figura 5).

Figura 5 - A - Fotomicrografia de túbulo renal contendo cilindro luminal eosinofílico (HE, 200x); B - Fotomicrografia de cilindro de aspecto “quebradiço” e policromático (Tricrômico de Masson, 400x).

A imunofluorescência direta resultou ne-gativa para a deposição de imunoglobulinas e fa-tores do complemento (IgA, IgG, IgM, C1q e C3), bem como para cadeia leve lambda. Entretanto, observou-se intensa deposição de cadeia leve ka-ppa, com padrão linear, difusamente distribuída em

membranas basais, tufos glomerulares e cilindros tubulares (Figura 6). Não foram observadas alterações histológicas ou depósitos anômalos nos demais órgãos e tecidos.

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Takayasu V, Lovisolo SM, Testagrossa LA, Felipe-Silva A.

DISCUSSÃO

O mieloma múltiplo (MM) deve ser incluí-do no diagnóstico diferencial de todo paciente que apresenta insuficiência renal sem etiologia definida.1,2 O MM é caracterizado pela proliferação neoplásica clonal de plasmócitos que produzem proteínas monoclonais (M) detectáveis no sangue ou na urina. As principais manifestações clínicas do MM decorrem diretamente da proliferação neo-plásica ou do dano tecidual causado pela proteína monoclonal, e incluem dor e/ou fraturas ósseas, insuficiência renal, anemia, susceptibilidade à in-fecção, hiperviscosidade e hipercalcemia. As man-ifestações clínicas mais frequentes são anemia (80%), dor óssea (70%), insuficiência renal (25%), fadiga / astenia (32%), hipercalcemia (28%) e per-da de peso (24%). Outras manifestações menos frequentes incluem parestesia, hepatomegalia, esplenomegalia, linfadenoapatia e febre.3-5

Neste caso a paciente apresentava in-suficiência renal aguda associada a anemia e dor torácica, com detecção de fraturas de arcos costais a posteriori, com investigação inicial para a hipótese de MM.

Para o diagnóstico de MM, além do quadro clínico, é necessário demonstrar a proliferação do clone plasmocitário na medula óssea (plamocitose >10%) e a presença da proteína M, que pode ser detectada pela eletroforese de proteínas (EFP) do soro ou urina (alíquota da urina de 24 horas).3-5 Ao se suspeitar de bandas anormais à EFP deve-

se realizar a imunofixação para caracterização de seu tipo.

A EFP irá demonstrar um pico de base es-treita (pico monoclonal) em 82% dos pacientes com mieloma. A adição de imunofixação sérica au-menta a sensibilidade para 93%. Quando a eletro-forese de proteínas e imunofixação da urina são realizadas a sensibilidade aumenta para 97%. Os demais 3% dos pacientes que não apresentam proteína M detectável são considerados portado-res de mieloma não secretor.4,5

A imunofixação sérica é o padrão ouro para a detecção de proteína M.5 O tipo mais comum é a IgG em 55% dos casos seguida por IgA em 22%, somente cadeia kappa ou lambda em 18%, IgD ou IgE em 2%, biclonal em 2% e IgM em menos de 1% dos casos. Aproximadamente 2/3 dos pa-cientes com proteína M no soro tem cadeia leve na urina. A pesquisa tradicional de proteína de Bence Jones (cadeia leve) na urina por termoprecipitação não é mais recomendada por ser artesanal e de difícil padronização, com resultados falso-negati-vos em quase 50% dos MM de cadeia leve.1

A detecção isolada de somente uma ca-deia leve no soro ou urina, na ausência de cadeia pesada, caracteriza o MM de cadeia leve. Alguns achados laboratoriais auxiliam esse diagnóstico: a proteína total sérica é normal ou baixa, hipogama-

Figura 6 - A - Fotomicrografia de imunofluorescência direta para cadeia kappa demonstrando positividade intensa, difusa, em membranas basais de túbulos e glomérulos, e em nódulos glomerulares; B - Imunofluorescência direta para cadeia lambda negativa.

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Trombose de veia renal, doença de depósito de cadeias leves e nefropatia dos cilindros em paciente com mieloma múltiplo

globulinemia é comum, a cadeia leve monoclonal na urina está sempre presente e muitos pacientes não apresentam componente monoclonal na EFP sérica, pois as cadeias leves são rapidamente filtradas pelos rins, impossibilitando sua demon-stração. Aproximadamente 60% dos pacientes inicialmente classificados como não secretores apresentam cadeias leves monoclonais livres quando são utilizados ensaios específicos para cadeias leves livres.4

Esta paciente apresentava hipogamaglob-ulinemia sem pico monoclonal na EFP, com imu-nofixação realizada após o óbito confirmando a presença de cadeia leve monoclonal kappa séri-ca, caracterizando, portanto, um MM de cadeia leve. O mielograma e/ou biópsia de medula ós-sea seriam os próximos exames para confirmar o diagnóstico de MM.

A doença renal é observada frequente-mente nos portadores de MM e, quando presente, reflete doença mais grave, devendo ser pronta-mente reconhecida e tratada. Está presente em 20 a 50% dos casos na ocasião do diagnóstico. No MM de cadeia leve, esta proporção sobe para 65%.1,3 A lesão renal é causada na maioria dos casos pela toxicidade das cadeias leves mono-clonais nas estruturas renais, principalmente nos túbulos (nefropatia dos cilindros de cadeias leves ou rim do mieloma). O mecanismo de lesão en-volve obstrução e aumento da pressão intratubu-lar com redução da filtração glomerular e dano às células tubulares causado pelo efeito tóxico direto da cadeia leve. Na nefropatia dos cilindros a proteinúria geralmente é negativa ou fraca.1,6-8 Menos frequentemente, a lesão renal do MM ocorre nos glomérulos (amiloidose e doença de depósito de cadeias de imunoglobulinas), com proteinúria geralmente maciça. Outros fatores que contribuem e agravam a lesão renal são hip-ercalcemia, desidratação, drogas nefrotóxicas, e uso de contrastes.1

O depósito de cadeias leves nos gloméru-los e em outros tecidos pode ocorrer na forma de amiloidose primária ou de doença de depósito de cadeia leve. Na amiloidose primária, as cadeias leves circulantes, geralmente do tipo lambda, são captadas e parcialmente metabolizadas, precipi-tando-se em estruturas fibrilares identificáveis pela coloração do vermelho do congo, frequentemente na membrana basal e no mesângio. Na doença de

depósito de cadeia leve os fragmentos protéicos circulantes, geralmente do tipo kappa, não formam fibrilas e os depósitos não se coram pelo vermelho do congo. A característica clinica da lesão glom-erular é a síndrome nefrótica.1,6,7

Apesar da presença de trombose de veia renal à autópsia, não foi possível caracterizar sín-drome nefrótica nesta paciente, embora estes dois eventos estejam frequentemente associados. A proteinúria importante detectada no exame de uri-na I é de interpretação duvidosa frente ao quadro de infecção urinária. Ainda, como a paciente per-maneceu oligúrica, a quantificação da proteinúria de 24 horas ficou prejudicada. Adicionalmente, apresentava hipogamaglobulinemia com proteína sérica total dentro da faixa normal. Assim, uma eventual perda urinária de proteínas anticoagulan-tes em função da glomerulopatia ou mesmo uma hiperviscosidade sanguínea relacionada ao MM seriam explicações improváveis para a trombose de veia renal neste caso. Neste contexto, a trom-bose de veia renal detectada à autópsia deve estar mais relacionada a outros fatores pró-trombóticos intrínsecos ao paciente com MM.8,9 Não encontra-mos relatos especificamente de trombose de veia renal associada ao rim do mieloma, mesmo em grandes séries de autópsias.10,11

A nefropatia do cilindro pode ocorrer em combinação à lesão glomerular do mieloma, como neste caso.12,13 Quando combinadas, entretanto, em quase 70% das vezes os glomérulos estão normais à microscopia óptica e o diagnóstico é obtido pela imunofluorescência ou microscopia eletrônica.14

A presença de falência renal aumenta o ris-co de morte principalmente nos primeiros meses após o diagnóstico, pois representa doença mais avançada e com maior risco de complicações. A taxa de mortalidade nos dois primeiros meses após o diagnóstico é de 30%. A sobrevida média dos que ultrapassam este período é de dois anos, e 1/3 desses sobrevive três anos. Como estudos recentes relatam sobrevida média para pacientes com MM maior que cinco anos, um diagnóstico precoce e tratamento apropriado com quimiot-erápicos específicos, hemodiálise com permea-bilidade a proteínas e tratamento de suporte são fundamentais para tentar melhorar o prognóstico dos portadores de MM com doença renal.1,2,15,16

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Takayasu V, Lovisolo SM, Testagrossa LA, Felipe-Silva A.

Conflito de interesse: Não

Submetido em: 09 de Junho de 2011Aceito em: de Junho de 2011

Correspondência: Divisão de Clínica MédicaAv. Prof. Lineu Prestes, 2565 – Cidade Universitária – São Paulo – SP – Brasil il CEP: 05508-000 – Tel.: +55.11. 3091.9379 E-mail: [email protected]

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Asghar M, Ahmed K, Shah SS, Siddique MK, Dasgupta P, 9.

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Article /Clinical Case Report Artigo / Relato de Caso Clínico

Hepatocarcinoma como causa de abdome agudo em adolescente: relato de caso

Acute abdomen caused by rupture of hepatocellular carcinoma in an adolescent: case report

João Augusto dos Santos Martinesa, Brenda Margatho Ramos Martinesa, Daniel Gonçalves Leal Araújob, Fabiana Roberto Limac

Martines JAS, Martines BMR, Araújo DGL, Lima FR. Hepatocarcinoma como causa de abdome agudo em adolescen-te: relato de caso. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):49-56.

RESUMO

O carcinoma hepatocelular (CHC) é pouco prevalente nos países ocidentais, porém é um dos tumores mais freqüentes na Ásia e a quinta causa de câncer no mundo. É relatado um caso de adolescente do sexo feminino sem fatores de risco para um tumor extremamente agressivo, internada no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. A apresentação clínica foi de abdome agudo secundário a sangramen-to para cavidade peritoneal por ruptura do tumor evidenciado através de tomografia computorizada multidetectores (TCMD) confirmado por laparotomia exploradora e biópsia hepática e tratada com rafia hemostática do parênquima hepático.

Unitermos: Carcinoma hepatocelular; Abdome agudo; Hemorragia.

ABSTRACT

Hepatocelular carcinoma (HCC ) is not frequent in West Countries, but is one of the most prevalent tumors in Asia and the fifth most common cancer in the world. We present a case of a teenager girl diagnosed with an extremely aggressive HCC without the known risk factors. The patient was admitted in Hospital Universitário da Universidade de São Paulo with the diagnosis of acute hemorrhagic abdomen secondary to hepatic rupture confirmed by exploratory laparotomy and liver biopsy, treated with surgical hemostasis of the ruptured hepatic parenchyma.

Keywords: Hepatocellular carcinoma; Acute haemorrhagic abdomen; Haemorrhagia.

a Serviço de Iconologia do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.b Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.c Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Martines JAS, Martines BMR, Araújo DGL, Lima FR.

Relato do Caso

Paciente de 16 anos de idade, sexo feminino, foi admitida no Pronto-Socorro do Hospital Universi-tário da Universidade de São Paulo (HU-USP) com queixa de dor abdominal há 01 mês e constipação com piora progressiva, mas negava emagrecimen-to. Ao exame físico a paciente encontrava-se eutró-fica, sonolenta, descorada, anictérica, PA= 104 X 50 mmHg, Pulso= 120 bpm, Freqüência respiratória= 24 mrpm. Apresentava abdome distendido, com intensa dor difusa a palpação e fígado palpável a 10 cm abaixo do rebordo costal direito. O exame do coração e pul-

mões não apresentava alterações propedêuticas. Foi aventada a hipótese de abdome agudo inflamatório e solicitada ultra-sonografia, que evidenciou acentuada hepatomegalia à custa de múltiplas massas e nódulos hepáticos, além de moderado volume de líquido livre na cavidade abdominal, com aspecto espesso na pel-ve, sugerindo hemoperitônio.

Os exames laboratoriais de entrada estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 - Exames laboratoriais

Hemoglobina g/dl 7,8 Glicose mg/dl 137

Hematócrito % 23 Bilirrubinas totais mg/dl 1,4

Leucócitos /mm3 13800 Bilirrubina direta mg/dl 0,8

Bastonetes % 1 ALT U/l 147

Segmantados % 66 AST U/l 373

Eosinófilos % 2 INR 1,0

Basófilos % 1 Uréia mg/dl 44

Linfócitos % 24 Creatinina mg/dl 0,7

Monócitos % 6

Plaquetas /mm3 880000

A endoscopia digestiva alta mostrou com-pressão extrínseca do fundo gástrico. As Soro-logias para vírus da hepatite B e C foram negati-vas e a paciente apresentava IgG para vírus da hepatite A.

A dosagem da alfa feto proteína resultou em 60500,0 ng/ml (valor normal até 10 ng/ml).

A TCMD do fígado apresentava dimensões acentuadamente aumentadas, contornos lobulados e com atenuação difusamente heterogênea à custa

de múltiplos nódulos e massas disseminadas pelo parênquima (Figura 1). Algumas massas apresen-tavam realce precoce arterial, outras com conteúdo hiperatenuante de aspecto hemorrágico. O estu-do dinâmico com contraste endovenoso mostrava realce vascular anômalo com extravasamento do mesmo, formando nível líquido-líquido, indicando sangramento ativo na cavidade abdominal (Figuras 2 e 3). Também havia sinais de hemoperitônio de grande volume, formando “efeito de hematócrito” na pelve (Figura 4).

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Hepatocarcinoma como causa de abdome agudo em adolescente: relato de caso

Figura 1 - Corte Axial - Massas hepáticas heterogêneas (M), confluentes, com realce heterogêneo ao meio de con-traste. Foi aventada hipótese de metástases extra-hepáticas.

Figura 2 - Corte Axial - Extravasamento de contraste endovenoso para cavidade peritoneal, evidenciando ruptura hepática, uma das possíveis complicações do CHC avançado.

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Martines JAS, Martines BMR, Araújo DGL, Lima FR.

Figura 3 - Reformatação coronal - Extravasamento de contraste endovenoso (setas) para cavidade abdominal, compatível com ruptura hepática.

Figura 4 - Corte axial - Líquido mais denso em fundo de saco, caracterizando o efeito hematócrito.

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Hepatocarcinoma como causa de abdome agudo em adolescente: relato de caso

O estudo com janela óssea mostrava lesões osteolíticas compatíveis com metástases na bacia (Figura 5).

Figura 5 - Reformatação coronal - Lesão osteolítica no quadril esquerdo. Metástases ósseas são comuns no CHC avançado.

A paciente foi submetida à laparotomia exploradora que confirmou os achados tomográ-ficos, identificando área de laceração hepática, inúmeras lesões nodulares amareladas hipervas-cularizadas, além de lesão da parede gástrica de aproximadamente 15 cm de diâmetro, sendo reali-zada hemostasia da laceração e biópsia hepática. Realizada endoscopia digestiva alta no intra-ope-

ratório que não revelou lesão da mucosa gástrica. O resultado da histologia, seguida da avaliação imunohistoquímica, foi de carcinoma hepatocelu-lar moderadamente diferenciado, grau III de Ed-mondson-Steiner, de padrão predominantemente trabecular, com focos necróticos, em fígado não cirrótico (Figuras 6 e 7).

Figura 6 - Fotomicrografias - A - (HE 100X) Carcinoma hepatocelular (CHC) moderadamente diferenciado, com ar-ranjo em trabéculas de espessura variável, separadas por espaços sanguíneos similares a sinusóides, B - (HE 400X) Células neoplásicas poligonais, com citoplasma eosinofílico volumoso, núcleos grandes vesiculados e nucléolos proeminentes. Presença de frequentes figuras de mitoses, C - (HE 100 X) - Área de necrose tumoral, acompanhada de algumas células tumorais à esquerda da foto, D - (HE – 400 X)- Nota-se pequena área pouco diferenciada do car-cinoma hepatocelular, caracterizada por células neoplásicas alongadas, com núcleos bem irregulares e ocasionais binucleação nuclear. Este aspecto focal assemelha-se morfologicamente a um carcinoma sarcomatóide. À direita da foto, há o padrão trabecular predominante deste CHC.

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Figura 7 - Fotomicrografias - A (HE – imersão - 1000X) Imagem em grande aumento mostra uma mitose atípica tripolar em uma célula maligna (destacada dentro de círculo), além de detalhes morfológicos nucleares das células tumorais, como os nucléolos eosinofílicos e bem proeminentes, B - (HE 400 X)- Em região focal do CHC, visualizam-se raros focos pequenos de hematopoiese, como esse agregado sinusoidal de células hematopoiéticas no destaque do canto inferior esquerdo da foto. À direita, há 2 células grandes multinucleadas que são megacariócitos. A hemato-poiese pode ocorrer no CHC, especialmente em indivíduos mais jovens, C - (HE - 400 X) - Algumas pseudoinclusões eosinofílicas nucleares e várias gotículas de esteatose, em células neoplásicas volumosas de citoplasma rarefeito, nessa área pequena de padrão sólido do carcinoma hepatocelular, D - (Imunohistoquímica - 200 X) - Positividade difusa e intensa do marcador imuno-histoquímico Hepatocyte confirmando a origem hepatocitária da neoplasia.

A paciente recuperou-se da laparotomia e da hemostasia hepática sendo encaminhada para oncologia clínica para prosseguir o tratamento. Sob cuidados paliativos veio a falecer após 3 me-ses do diagnóstico.

DISCUSSÃO O carcinoma hepatocelular é a quinta mais frequente neoplasia no mundo responsável por 500.000 mortes anualmente, pouco prevalente nos países ocidentais, ocorrendo mais frequentemen-te (>80%) na Africa sub-saariana ou em países da Ásia oriental. A China isoladamente apresenta mais de 50% de todos os casos do globo.1 A distribuição entre sexo mostra predominância para o sexo mas-culino variando de 2:1 a 4:1 dependendo da popu-lação de risco. Em regiões de baixo risco (Estados Unidos, Canadá e Reino Unido) o pico de incidência ocorre aos 75 anos ou mais e nas regiões de alto risco (população asiática) a faixa etária de ocor-

rência para homens varia de 60 a 65 anos e para mulheres de 65 a 70 anos de idade.2 A ocorrência na população jovem é rara. Stroffolini et al estudou 1148 pacientes italianos com diagnóstico de CHC e encontrou somente 1,3% com idade entre 20 e 40 anos.3 Em Taiwan foram registrados 122 casos his-tologicamente comprovados de CHC em crianças e adolescentes (faixa etária de 0 a 15 anos) num perí-odo de 13 anos. Nesta faixa etária a predominância apresentou 1 pico no primeiro ano de idade e outro aos 15 anos. Neste mesmo estudo Lee et al obser-vou 43 casos de Hepatoblastoma que predomina-ram a faixa etária de 1 ano de idade.4 A associação da infecção pelo vírus B e o CHC nesta faixa etária é mais frequentemente observada até a idade de 4 anos, acredita-se que a infecção seja vertical na maior parte dos casos.4 Dentre a população adulta, 80 a 90% dos casos estão relacionados à infecção pelos vírus da hepatite B e C e à cirrose hepática secundária

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Hepatocarcinoma como causa de abdome agudo em adolescente: relato de caso

ao alcoolismo. Mais raramente, doenças de de-pósito, deficiência de alfa-1 antitripsina, ingestão de aflatoxinas, tirosinemia hereditária, hemocro-matose hereditária e Doença de Wilson podem causar a doença.5

Embora a sintomatologia seja inespecífica e, muitas vezes, relacionada às doenças subjacen-tes do paciente, é descrita uma tríade clássica de dor abdominal no quadrante superior direito, ema-grecimento e aumento do volume abdominal. Pode haver síndromes paraneoplásicas como febre, leu-cocitose, caquexia, eritrocitose, hipercalcemia, sín-drome carcinóide, hipoglicemia e porfiria cutânea.

A dosagem da alfa-feto proteína nem sem-pre está elevada, porém é mais frequentemente al-terada nos tumores grandes.

A evolução natural do CHC é o aumento progressivo da massa primária até que haja com-prometimento da função hepática ou metástase, ge-ralmente para os pulmões. As principais causas de morte decorrem de: a) caquexia; b) complicações de hipertensão portal como sangramento gastroin-testinal ou por varizes esofágicas; c) insuficiência hepática ou encefalopatia hepática; d) ruptura do tumor com hemorragia fatal.6

Apesar do carcinoma hepatocelular ser um tumor de crescimento lento é geralmente fatal por não apresentar sintomas até que atinja estágios avançados da doença.1 Os sintomas mais freqüen-tes são: mal estar, perda de peso, dor abdominal, distensão abdominal, hepatomegalia, ascite, febre e icterícia. Hemoperitônio secundário a ruptura do hepatocarcinoma um sinal de doença avançada e pior prognóstico.7 Na Ásia a incidência desta com-plicação varia de 14,5% em Hong Kong a 10% no Japão. Nos países com menor incidência de CHC esta complicação chega a 3% como relatado no Reino Unido.8 Várias hipóteses foram aventadas para a ruptura espontânea, tais como localização

subcapsular, grandes dimensões, associação com hipertensão portal, necrose tumoral, lesões vascu-lares causadas pelo tumor e obstrução venosa.9

No caso relatado não havia os reconheci-dos fatores de risco para CHC e o hemoperitônio foi atribuído à laceração hepática devido às gran-des massas tumorais. O prognóstico dos pacientes jovens com diagnóstico de CHC parece não diferir, porém há estudos que mostram a tendência de pior prognóstico devido ao estádio avançado da doença por ocasião do diagnóstico comparados com os pa-cientes adultos.10

A conduta terapêutica indicada para estes casos é a ressecção do tumor, quando possível.9 Nas últimas 2 décadas a mortalidade pós hepatec-tomia reduziu de 10%-20% observada nos anos 1980 para menos de 5% nos dias atuais.1 O tra-tamento curativo pode ser a ressecção segmentar, desde que seja possível preservar a atividade he-pática normal adotando-se margens livres de 1 cm, ausência de metástases, tamanho do fígado residu-al.1 Em tumores maiores, o transplante ortotópico é a única opção de tratamento curativo. A sobrevida média sem tratamento é de apenas 6 a 20 meses.

Metástases ósseas, presente neste caso, representam segundo alguns estudos, 28% de todas as lesões à distância do CHC, sendo o ter-ceiro local mais comum, depois de pulmões e lin-fonodos abdominais.11

O caso relatado apresenta vários aspectos atípicos relacionados ao diagnóstico de CHC, por-tanto ressaltamos a importância do método de ima-gem neste caso como recurso diagnóstico.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a Rosa Maria da Conceição Zanardi pelo auxílio na documentação das imagens apresentadas.

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Conflito de interesse: Não

Submetido em: 12 de Maio de 2011Aceito em: 23 de Maio de 2011

Correspondência: Serviço de IconologiaAv. Prof. Lineu Prestes, 2565 – Cidade Universitária – São Paulo – SP – Brasil CEP: 05508-000 – Tel.: +55.11. 3091.9301 E-mail: [email protected]

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Article / Clinical Case Report Artigo / Relato de Caso Clínico

Pneumomediastinum complicating pulmonary tuberculosis with diabetic ketoacidosis

Bruno Mendonça Protásioa, Jamile Rosário Kalila, João Gabriel Rosa Ramosa, Eberth Alves Machado Netoa, Alex Teixeira Guabirua, Vilma Takayasub

Protásio BM, Kalil JR, Ramos JGR, Machado Neto EA, Guabiru AT, Takayasu V. Pneumomediastinum complicating pulmonary tuberculosis with diabetic ketoacidosis. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):57-62.

ABSTRACT

We report a case of a 43-year-old man, previously healthy, with a three-month history of weight loss, dyspnea, cough, hemoptysis and chest pain, followed by polyuria and polydipsia during the last weeks. Clinical investigation disclosed diabetic ketoacido-sis, pulmonary tuberculosis and pneumomediastinum. The patient’s outcome was fa-vorable after clinical treatment and the pneumomediastinum resolved spontaneously without specific intervention.

Keywords: Tuberculosis; Pneumomediastinum, diagonostic; Mediastinal emphysema; Diabetic ketoacidosis.

a Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brazil.b Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário - Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brazil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – This is an Open Access article distributed of terms of the Creative Commons Attribution Non-Com-mercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) which permits unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any médium provided article is properly cited.

INTRODUCTION

Pneumodiastinum has been described as a rare complication of diabetic ketoacidosis1 and pulmo-nary tuberculosis2-4. However it has not been reported concomitantly with both diseases. Pulmonary tubercu-losis is an infrequent cause of diabetic ketoacidosis.5 We here report a case of pneumomediastinum in a patient with previously undiagnosed diabetes mellitus that presented with diabetic ketoacidosis and pulmo-nary tuberculosis.

CASE REPORT

A previously healthy 43-year-old man was admitted to the emergency room of the Hospital Uni-versitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) with a three-month history of weight loss, dyspnea, cough, chest pain and hemoptysis. The patient also reported polyuria and polydipsia in the previous weeks. At physical examination, patient was dehy-drated, his body mass index was 16.4 kg/m2 , heart rate was 143 beats/min, blood pressure 150 X 100 mmHg and pulse oximetry 97%. Initial investigation is shown in Table 1.

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Protásio BM, Kalil JR, Ramos JGR, Machado Neto EA, Guabiru AT, Takayasu V.

Tabela 1 - Laboratory examinations

Hemoglobin g/dl 16.1 Base excess -22,1

Hematocrit % 51 BUN mg/dl 39

Leuckocytes /mm3 22100 Creatinin mg/dl 1.4

Glucose mg/dl 695 Sodium mEq/l 108

Glicated hemoglobin % 13.9 corrected Sodium * mEq/l 118

pH (venous) 7,05 Potassium mEq/l 6.5

Bicarbonate (venous) mEq/l 8.0

*Sodium corrected for glucose level mEq/l

Urinalysis revealed 4500 leucocytes/ml, 19500 red blood cells/ml and ketonuria, "1+/4. Chest radiography demonstrated a cavita-

tion in the right lower lobe, associated with evidence of pneumomediastinum. (Figure 1).

Figure 1 - Chest radiograph at admission showing pneumomediastinum along left cardiac border (left arrow) and a pulmonary cavitation in the right lung (right arrow)

Computed tomography of the thorax was performed (Figures 2, 3, 4 and 5), which confirmed the presence of pneumomediastinum associated with soft tissue emphysema in the neck. The chest CT also showed the presence of a cavitation in the

apex of the lower lobe of the right lung, measuring 4.7 x 3.0 cm, multiple ill-defined opacifications with air-bronchograms, small centrilobular nodules with tree-in-bud appearance, areas of ground glass at-tenuation in right lower lobe and hilar adenopathy.

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Pneumomediastinum complicating pulmonary tuberculosis with diabetic ketoacidosis

Figure 2 - Coronal slice of Chest CT showing presence of air in the subcarinal space and in the neck

Figure 3 - Coronal slice of Chest CT demonstrating the presence of pneumomediastinum and air within the soft tissue of the neck

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Protásio BM, Kalil JR, Ramos JGR, Machado Neto EA, Guabiru AT, Takayasu V.

Figure 4 - Chest CT showing multiple ill-defined opacifications with air-bronchograms and cavitation in right lower lobe

Figure 5 - Chest CT showing small centrilobular nodules with tree-in-bud appearance, areas of ground glass attenuation and cavitation in right lower lobe

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Pneumomediastinum complicating pulmonary tuberculosis with diabetic ketoacidosis

Diagnosis of decompensated diabetes mel-litus presenting as diabetic ketoacidosis (DKA) due to pulmonary tuberculosis was made and the pa-tient was treated for DKA with aggressive hydration, insulin therapy. and correction of the electrolyte dis-turbances. Acid-fast bacilli were demonstrated in the sputum (2+\4+) in two consecutive samples and the culture was positive for Micobacterium tuberculosis. Anti-HIV (ELISA) was negative. Standard brazilian tuberculosis treatment (rifampicin 600mg, isoniaz-id 300mg, pyrazinamide 1600mg and ethambutol 1100mg, daily) was prescribed followed by clinical improvement. Pneumomediastinum was treated conservatively. Folow-up chest x-ray, performed four days later, showed spontaneous resolution of the pneumomediastinum. The patient demonstrated a rapid response to the treatment, with clinical im-provement and complete resolution of the ketoaci-dosis and was discharged afteer twelfth day of hos-pitalization. Patient was followed on an outpatient basis, in use of anti-tuberculosis drugs and daily doses of insulin.

DISCUSSION

This is, to our knowledge, the first report of a patient with pneumomediastinum complicating the presentation of pulmonary tuberculosis associated with diabetes ketoacidosis. Despite the known as-sociation between diabetes mellitus and tuberculo-sis6, pulmonary tuberculosis does not seem to be a frequent cause of first presentation of diabetes as diabetic ketoacidosis.5

About 60 cases of pneumomediastinum associated to diabetic ketoacidosis were reported until 2007.1 The number of cases of pneumome-diastinum and pulmonary tuberculosis is even smaller.2-4,7 We could not find any report showing the concomitance of both etiologies and pneumo-mediastinum until now.

Pneumomediastinum, also known as medi-astinal emphysema, represents extra luminal gas in the mediastinum and usually occurs as a result of alveolar rupture, most commonly due to increased alveolar pressure secondary to airway obstruction, mechanical ventilation, blunt trauma, coughing, emesis, or Valsalva maneuver.8 Less common and more serious causes of pneumomediastinum in-clude bronchus or esophagus rupture.8 It is believed that lung infection caused by Mycobacterium tuber-culosis could lead to alveolar rupture with subse-quent passage of gas into the mediastinum, which

could be aggravated by elevated alveolar pressure due to Valsava maneuver associated with intense coughing.7,8 The pathophysiology of pneumomedi-astinum associated with diabetic ketoacidosis re-mains controversial1, but it seems that increased alveolar pressure associated with acidotic (Kuss-maul) respiration and vomiting could cause alveolar rupture, leading to subsequent air leakage to the mediastinum.1,8

Pneumomediastinum seems to be rarely associated with active tuberculosis7 or diabetes ketoacidosis.9 Cases reportes of tuberculosis and pneumomediastinum differ in clinical presentation, as some of them are associated with miliary tuber-culosis3, others with sequelae of previously treated tuberculosis4 and others with active pulmonary tu-berculosis.2 Although one case was complicated with tension pneumomediastinum, necessitating surgical approach7, most reported cases improved without any interference.4 Unlike our report, most cases of diabetic ketoacidosis associated with pneu-momediastinum involved younger patients [mean age (SD) = 20 (10.3) years]9, but similarly to this case, a great proportion of them had no previous diagnosis of diabetes and all of them had complete spontaneous recovery.1 This benign natural course and the low yield of diagnostic testing has also been shown in other causes of spontaneous pneumome-diastinum.10

In this case, one could not ascertain the primary cause of the pneumomediastinum, since both pulmonary tuberculosis and diabetic ketoaci-dosis could have concurred to this complication. As the incidence of diabetes mellitus is increasing in countries with a high burden of tuberculosis, it could be foreseen that complications involving these two conditions could become each day more common, so that clinicians should maintain a high degree of suspicion for this diagnosis.

CONCLUSION

Pneumomediastinum is a rare complication of pulmonary tuberculosis and diabetic ketoacido-sis. The clinical presentation of mediastinal emphy-sema associated with these two diseases may be variable and therefore clinicians should be alert to this diagnosis. Although pneumomediastinum may be associated with important pathologies and life-threatening complications, most cases follow a be-nign course and should be treated conservatively.

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Protásio BM, Kalil JR, Ramos JGR, Machado Neto EA, Guabiru AT, Takayasu V.

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Conflict of interest: None

Submitted on: 7th April 2011Accept on: 19th May 2011

Correspondence: Bruno Mendonça Protásio Rua Amazonas, 159, ap. 301, Pituba, Salvador, Bahia, Brazil. ZIP code: 41830-380 E-mail: [email protected]

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Article / Clinical Case Report Artigo /Relato de Caso Clínico

Síndrome de Baggio-Yoshinari: relato de caso

Baggio-Yoshinari Syndrome: case report

Marcos Daniel Saraivaa, Augusto Cezar Santomauro Juniora, Nathalia Pessoa de Barros Simisa, Jairo Degenszajnb, Elizabeth In Myung Kimb

Saraiva MD, Santomauro Junior AC, Simis NPB, Degenszajn J, Kim EIM. Síndrome de Baggio-Yoshinari: relato de caso. Autopsy Case Rep [Internet]. 2011;1(2):63-7.

RESUMO

A doença de Lyme é causada pela infecção por diferentes espécies do gênero Bor-relia e transmitida por picada de carrapatos da família Ixodidae e similares sendo responsável por manifestações clínicas sistêmicas como cutâneas, articulares, car-díacas e neurológicas. Por apresentar particularidades quanto ao agente etiológico, transmissão e diagnóstico, e por não existirem no Brasil relatos conclusivos da ocor-rência da Doença de Lyme com as características clínico-laboratoriais encontradas no hemisfério norte, foi optado pela mudança da nomenclatura no Brasil para Sín-drome de Baggio-Yoshinari (SBY). É analisado nesse relato um caso internado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo que cursou exclusivamente com manifestações neurológicas da SBY (radiculite periférica, paralisia facial e compro-metimento cerebelar) e ausência de manifestações cutâneas ou articulares.

Unitermos: Doença de Lyme; Borrelia burgdorferi; Radiculopatia; Paralisia facial.

ABSTRACT

Lyme disease is caused by the infection by different species of the genus Borrelia and transmitted by the bite of ticks of the Ixodidae family and its similar. It is responsible for systemic clinical manifestations such as skin and joints lesions, cardiac and neu-rologic symptoms. Since this disease presents peculiarities concerning the etiologic agent, transmission and diagnosis, and there are no conclusive reports in Brazil about the occurrence of Lyme disease, with the same clinical and laboratory features as in the northern hemisphere, it has been chosen to change the nomenclature in Brazil for Baggio-Yoshinari Syndrome (BYS). It is analyzed in this report a case treated in the Hospital Universitário da Universidade de São Paulo who presented exclusively neu-rological manifestations of the BYS (radiculopathy, facial nerve palsy and cerebelar envolvement) without skin or joint manifestations.

Keywords: Lyme disease; Borrelia burgdorferi; Radiculopathy; Facial paralysis.

a Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.b Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Copyright © 2011 Autopsy and Case Reports – Este artigo de Acesso Aberto é distribuído pelos termos do Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/ ) que permite livre uso não-comercial, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que os artigos sejam devidamente citados.

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Saraiva MD, Santomauro Junior AC, Simis NPB, Degenszajn J, Kim EIM.

INTRODUÇÃO

A doença de Lyme é causada pela infecção por diferentes espécies do gênero Borrelia, deno-minadas de Borrelia burgdorferi sensu lato, e trans-mitida por picada de carrapatos da família Ixodidae e similares sendo responsável por manifestações clínicas sistêmicas como cutâneas, articulares, car-díacas e neurológicas.1

Por apresentar particularidades quanto ao agente etiológico, transmissão e diagnóstico, e por não existirem no Brasil relatos conclusivos da ocor-rência da Doença de Lyme com as características clínico-laboratoriais encontradas no hemisfério nor-te, foi optado pela mudança da nomenclatura no Brasil para Síndrome de Baggio-Yoshinari no intuito de substituir as nomenclaturas prévias dadas para as síndromes brasileiras semelhantes à doença de Lyme.2,3,4

O seguinte relato descreve um caso compa-tível com a recém denominada Síndrome de Bag-gio-Yoshinari, diagnosticado no Hospital Universitá-rio da Universidade de São Paulo.

Relato de Caso

Paciente de 51 anos, masculino, procurou o Pronto Socorro do Hospital Universitário na Uni-versidade de São Paulo com queixa de parestesia em bota e luva há 3 dias, paralisia facial periférica à esquerda e dificuldade para deambulação há 1 dia. Negava outros sintomas como febre, dispnéia, emagrecimento ou processo infeccioso recente.

Apresentava como antecedentes hipertensão arte-rial sistêmica (HAS), gota e diabetes mellitus diag-nosticados há 6 meses. Estava em uso de AAS 100mg, metformina 500 mg 2 vezes ao dia e capto-pril 25 mg 1 vez ao dia. Negava tabagismo, referia etilismo social. Morava em região rural na periferia da cidade de São Paulo. Realizava atividade física regularmente (caminhada 10 km por dia). Apresen-tava como antecedentes familiares HAS, insuficiên-cia coronariana e acidente vascular cerebral.

Ao exame físico de entrada apresentava-se em bom estado geral, pressão arterial 197X127 mmHg, freqüência cardíaca 68 bpm, freqüência respiratória 14 irpm, saturação de oxigênio em ar ambiente de 96%, afebril, hidratado, anictérico, acianótico, pulsos palpáveis simetricamente em membros superiores e inferiores, sem linfonodos palpáveis, exame físico cardíaco, pulmonar e abdo-minal sem alterações propedêuticas.

O paciente ao exame neurológico apresen-tava-se: consciente, contactuante, orientado, esca-la de Glasgow 15, força muscular grau IV em mem-bros inferiores, diminuição dos reflexos profundos em membros inferiores, discreta alteração da sen-sibilidade em pés, parestesia em bota e luva, para-lisia facial periférica à esquerda, sem alteração dos outros pares cranianos, marcha “ebriosa” com sinal da “dança dos tendões” em membros inferiores, si-nal de Romberg negativo, ausência de nistagmo e disdiadococinesia, índex nariz negativo. Os exames laboratoriais de sangue e liquor estão apresentados nas tabelas 1 e 2 respectivamente.

Tabela 1 – Exames Laboratoriais da admissão - sangue

Exame Valor Exame ValorUréia mg/dl 62 Hemoglobina g/dl 17,7 Creatinina mg/dL 1,2 Hematócrito % 55Clear creatinina ml/min 82 Leucócitos /mm3 7900Sódio mEq/L 135 baston/ segm % o/ 66Potássio mEq/L 4,8 Eos/ linfoc % 1/ 23Cálcio i mmol/L 1,27 Monoc % 10Magnésio mg/dL 1,9 Plaquetas /mm3 226.000Fósforo mg/dL 3,2 Ácido Fólico ng/mL 16 Glicemia mg/dL 177 Vitamina B12 pg/dL 822 Proteína C Reativa 6 HIV Não reagente

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Síndrome de Baggio-Yoshinari: relato de caso

Tabela 2 – Exames Laboratoriais da admissão - líquor

Exame Valor Exame ValorProteína mg/dL 136 Células /mm3 3Glicose mg/dL 111 Hemácias /mm3 1Lactato mg/dL 22,5 Gram Flora bacteriana ausenteCloreto mg/L 122 Cultura Sem crescimentoPandy Positivo VDRL Negativo

Tomografia computadorizada de crânio: sem alterações. Eletrocardiograma: ritmo sinusal, dentro da normalidade. Raio-X de tórax: área car-díaca no limite superior da normalidade, campos pulmonares normais.

Com o quadro clínico apresentado, exa-mes iniciais e o líquor apresentando dissociação proteíno-citológica, foram levantadas as hipóteses de polineuropatias inflamatórias agudas como a Síndrome de Guillain-Barré e sua variante Miller-Fischer. Pelo acometimento de nervos cranianos (VII par) e a presença de sinais periféricos neu-rológicos foi solicitado ainda sorologia para HIV, sífilis e Borrelia burgdorferi além de provas de ati-vidade inflamatória.

No 4° dia de internação, o paciente evoluiu com piora da força muscular em membros inferio-res (grau III-IV) e da ataxia, além do surgimento de retenção urinária. Devido à piora do quadro foi administrada Imunoglobulina (Endoglobulin Kiovig Imunoglobulina G) por 5 dias. Durante esse período evoluiu com melhora completa da retenção urinária, porém sem melhora expressiva dos outros sintomas neurológicos: andava ainda com dificuldade (com auxílio de andador) e mantinha parestesia em bota e luva. Realizada Ressonância Nuclear Magnética de crânio que se mostrou normal. Não houve pro-gressão do quadro neurológico, mas referia apenas aparecimento de insônia.

A sorologia para Doença de Lyme Simile (Síndrome de Baggio-Yoshinari) resultou positiva – ELISA IgG 1/800 (VR: até 1/400), IgM negativo; Western Blotting (WB) IgG 4 bandas (VR: positivo se 4 ou mais bandas) e IgM negativo. Iniciado trata-mento com Ceftriaxone 2g por 30 dias.

Após o início da medicação o paciente apre-sentou anemia e leucopenia, sendo substituída no 14º dia por Doxiciclina 100 mg 2 vezes ao dia por mais 2 meses. Apresentou nesse período melhora importante do quadro, passando no final da interna-ção a andar somente com bengala, força muscular

grau IV-V em membros inferiores, porém manteve insônia, reflexos profundos dos membros inferiores diminuídos, e parestesia em bota e luva. Recebeu alta no 28º dia de internação.

No seguimento Ambulatorial, o paciente apresentou progressivamente melhora do quadro neurológico e independência funcional, porém ain-da manteve os reflexos profundos dos membros in-feriores diminuídos.

DISCUSSÃO

O relato acima mostra um caso compatível com a Síndrome de Baggio-Yoshinari (SBY) recém definida como enfermidade de origem infecciosa transmitida por carrapatos dos gêneros Amblyom-ma e/ou Rhipicephalus, causada por espiroquetas do complexo Borrelia burgdorferi sensu lato de mor-fologia atípica e incultivável.4 Apresenta quadro clí-nico semelhante à Doença de Lyme, exceto pela ocorrência de recidivas clínicas e desordens au-toimunes.4 Por apresentar particularidades quanto ao agente etiológico, transmissão e diagnóstico, e por não existirem no Brasil relatos conclusivos da ocorrência da Doença de Lyme com as característi-cas clínico-laboratoriais encontradas no hemisfério norte, foi optado pela mudança da nomenclatura no Brasil para SBY.4

O caso relatado cursou exclusivamente com manifestações neurológicas, uma vez que o paciente negou antecedentes de comprometimento cutâneo ou articular prévios. O dado epidemiológi-co relacionado à picada de carrapato também não foi relatado pelo paciente. É descrito que a enfermi-dade no Brasil é recorrente e a data do sintoma ini-cial nem sempre é recordado, podendo ter ocorrido meses ou décadas do episódio atual. A presença de anticorpos contra B. burgdorferi da classe IgG no ELISA e WB reforçam esta hipótese. Dos pacien-tes com manifestação neurológica é descrito que apenas 53,3% referem picada prévia por carrapato, 43,3% apresentam eritema migrans e 56,7% mani-festações articulares.3

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Saraiva MD, Santomauro Junior AC, Simis NPB, Degenszajn J, Kim EIM.

As manifestações neurológicas da SBY, inicialmente descritas por Yoshinari et al.5 e atua-lizadas por Shinjo et al.3 (pela análise temporal e prospectiva de uma casuística de 30 pacientes com sintomas neurológicos), são encontradas em 25% dos pacientes em dados brasileiros.6

Os principais sintomas neurológicos en-contrados na SBY são: meningite linfomonocitária (50%), radiculite periférica (53,3%) e neurite crania-na (43,3%) acometendo principalmente os nervos facial e oculomotor, podendo haver casos de en-cefalite e/ou encefalomielite.3,4 O paciente do caso relatado apresentou como manifestações radiculite periférica e paralisia facial, porém sinais de menin-gite não fizeram parte de seu quadro clínico.

O paciente apresentava ainda comprome-timento cerebelar sendo que a perda do equilíbrio e a marcha atáxica foram encontrados em 3,3% e 10% respectivamente por Shinjo et al.3 Insônia e alterações esfincterianas presentes no paciente também são descritas na síndrome mas com me-nor freqüência.3

O diagnóstico da SBY é essencialmente clínico. O critério diagnóstico adotado pelo servi-ço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) baseia-se em três parâmetros maiores, dentre eles: a) clínica pertinente (eritema migrans ou complicação sistêmica – articular, neu-rológica, cardíaca ou ocular); b) sorologia positiva para B. burgdorferi nos padrões adotados no LIM-17 do HCFMUSP; e c) epidemiologia compatível; e em três parâmetros menores, a saber: a) episódios de recorrência; b) síndrome da fadiga crônica; e c) visualização de “Espiroquetídeos” à microscopia de campo escuro. É definido como caso positivo quan-do houver a presença de três critérios maiores ou de dois critérios maiores e dois critérios menores.4,6,7 No caso descrito, o diagnóstico foi feito a partir da presença dos três critérios maiores.

Os dados laboratorias devem ser interpreta-dos com cuidado já que um aspecto importante da SBY é a dissociação clínico-laboratorial, como por exemplo, negatividade de exames que indicam ati-vidade inflamatória aguda mesmo em vigência de processos inflamatórios como artrite, meningite ou neurite – fato também observado no caso relatado.4

Quanto à sorologia, o procedimento para de-monstrar anticorpos anti-Borrelia burgdorferi foi mo-dificado no LIM 17 HCFMUSP. Utiliza-se a cepa G

39/40, de origem americana (ELISA e Westen Blot-ting) na falta de um isolado brasileiro, apresentando com isso, títulos baixos e flutuantes com riscos de encontrar falso-negativos e positivos (como sífilis, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, es-clerodermia, infecções virais, rickettsioses agudas e neuropatias crônicas). Na fase aguda da zoonose (até 3 meses da picada do carrapato) ocorre predo-mínio de anticorpos da classe IgM e após, de IgG. Ainda não existem dados sobre a sensibilidade e especificidade desses testes sorológicos no Brasil. Doentes com SBY desenvolvem sorologia positiva em aproximadamente 65% dos casos enquanto em indivíduos normais a freqüência de positividade é de aproximadamente 16%.4

A alteração liquórica encontrada no caso – caracterizada pela dissociação proteíno-citológica – foi encontrada em 3 pacientes dos 18 casos estu-dados por Shinjo et al3. Neste estudo de Shinjo, a principal alteração liquórica encontrada é a pleoci-tose linfomononuclear com concentração de prote-ínas normal ou aumentada. A pesquisa de anticor-pos anti-B. burgdorferi no líquido cefalorraquidiano pode ser útil quando houver suspeita de acometi-mento neurológico, mas apresenta as mesmas res-trições do estudo sorológico e grande número de falso-positivos.4

Quanto ao tratamento, a antiobioticoterapia tem como objetivo minimizar e encurtar a duração do episódio da doença sendo frequentemente não satisfatória, especialmente quando a doença progri-de com episódios de recorrência.3 Nos casos onde há comprometimento neurológico é recomendado o tratamento com ceftriaxone 2g/dia por 30 dias se-guido de doxiciclina 100 mg duas vezes ao dia por 2 meses podendo ser associado hidroxicloroquina.3,4

CONCLUSÃO

Devemos sempre pensar na SBY como diagnóstico diferencial frente a um paciente com manifestações neurológicas como radiculite peri-férica, meningismo ou neurite craniana indepen-dente de antecedentes recentes de picada por carrapato ou de manifestações cutâneas ou articu-lares, tendo em vista que a enfermidade no Brasil pode evoluir com longo período de latência e com recidivas clínicas.

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Síndrome de Baggio-Yoshinari: relato de caso

Yoshinari NH, Barros PJ, Gauditano G, Fonseca AH. Re-5. port of 57 cases of Lyme-like disease (LLD) in Brazil. Ar-thritis Rheum. 1999;43(Suppl):188.

Yoshinari NH, Mantovani E. Síndrome infecto-reacional 6. Lyme-Símile: atualidades. Goiânia: Sociedade Brasileira de Parasitologia; 2006.

Naka EM, et al. Pesquisa de anticorpos anti-Borrelia e 7. anti-Babesia em soro de crianças com manifestações clínicas e epidemiologia compatíveis com a doença de Lyme-Simile no Estado de Mato Grosso do Sul. Rev Bras Reumatol. 2008;48(2):74-85.

REFERÊNCIAS

Steere AC. Lyme disease. N Engl J Med. 2001;345(2):115-25.1.

Mantovani E, et al. Description of Lyme disease-like syndrome 2. in Brazil: is it a new tick borne disease or Lyme disease varia-tion? Braz J Med Biol Res. 2007;40(4):443-56.

Shinjo SK, et al. Manifestação neurológica na síndrome de 3. Baggio-Yoshinari (síndrome brasileira semelhante à doen-ça de Lyme). Rev Bras Reumatol. 2009;49(5):492-505.

Yoshinari NH, Mantovani E, Bonoldi VLN, Marangoni 4. RG, Gauditano G. Doença de Lyme-Símile Brasileira ou Síndrome de Baggio-Yoshinari: zoonose exótica e emer-gente transmitida por carrapatos. Rev Assoc Med Bras. 2010;56(3):363-9.

Conflito de interesse: Não

Submetido em: 31 de Março de 2011Aceito em: 25 de Abril de 2011

Endereço para correspondência: Av. das Nações Unidas 4797 H22 – Jd. Universidade, São Paulo, SP - BrasilTel.: (11) 99032010 E-Mail: [email protected]

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