7
EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts 1 A) ILÍADA Sua autoria é atribuída a Homero, poeta semilendário, que teria vivido na Grécia no século X, antes de Cristo. O assunto do poema é a guerra de Tróia. O termo “Ilíada” é a forma portuguesa do grego “Iliás”, significando “a respeito de Ilion”, que era o nome de uma cidade na costa da Ásia Menor. Divide- se a obra em 24 cantos. Apesar de seu argumento ser extraído da famosa guerra troiana, não a narra por completo. RESUMO: No 2º ano desse conflito, rebentou uma animosidade entre Agamenon e o guerreiro Aquiles. Agamenon, que estava à frente das forças sitiantes, havia se apoderado de uma escrava de nome Briseida, que coubera a Aquiles na divisão dos despojos de guerra. Aquiles não se conforma com isso e recusa continuar a combater. A sorte dos gregos declina, e os troianos, aproveitando a ausência do herói invencível, infligem várias derrotas ao adversário. Pátroclo, amigo de Aquiles, chefiando os Mirmidões obtém uma vitória, mas perece nas mãos de Heitor, príncipe troiano. Aquiles, alucinado pela perda do amigo, resolve vingá-lo. Revestido das armas que Vulcano lhe forjara, retorna ao campo de batalha e destroça o inimigo. Mata Heitor e acorrenta o seu cadáver ao carro de triunfo. Seguem-se os funerais de Pátroclo. Por sua vez, Príamo, pai de Heitor, consegue de Aquiles permissão para sepultar o filho. A mitologia narra a história completa dessa guerra, tornada imortal nessa grande epopeia. Dentre as figuras do poema, podemos destacar: TROIANOS: - Páris: segundo filho de Príamo e Hécuba. Fora abandonado no monte Ida, por causa de uma predição funesta: ele haveria de provocar a ruína de Tróia! Amamentado por uma ursa e criado por um pastor, sua infância e adolescência foram felizes. Amou, depois, a ninfa Enone. Pastoreava os rebanhos naquele monte, quando lhe apareceram três deusas: Vênus, Juno e Minerva. Elas disputavam o prêmio da beleza e o célebre pomo que a Discórdia atirara nas bodas de Tétis e Pelau com a inscrição: “À mais formosa!”. Escolhido como juiz, Páris optou por Vênus. Esta, agradecida, promete-lhe algo maravilhoso: possuir a mulher mais bela da Terra. Reconciliado com o pai, Páris foi enviado à Grécia. Chegando à Esparta, durante a ausência de seu rei Menelau, apaixona-se pela rainha Helena e a rapta. Quando do casamento entre Menelau e Helena, os príncipes gregos haviam prometido defender a deslumbrante mulher, caso fosse necessário. Estava lançado o estopim: Menelau, ao regressar, convoca os príncipes e Agamenon, seu irmão, é eleito chefe supremo das tropas que iriam resgatar a rainha, numa guerra prolongada de dez anos. Teria sido Páris (ou Apolo nele disfarçado) que feriu Aquiles no calcanhar, matando-o. - Eneias: príncipe, filho de Anquises. Depois que Tróia caiu, conseguiu escapar, carregando às costas o velho pai, mas não conseguindo salvar sua esposa Creusa. Será o herói da epopeia do poeta Virgílio. - Laocoonte: também filho de Príamo. Quando viu que os seus se deixavam enganar pelo estratagema grego – o cavalo de pau -, correu furioso para não permitir a entrada do engenho na cidade. Atirou um dardo contra os flancos do cavalo. Os troianos consideraram tal atitude uma impiedade, que se fortaleceu quando duas serpentes, vindas do mar, chegaram ao altar em que estavam os filhos de Laocoonte, envolvendo-os nos seus anéis. O pai, na ânsia de salvá-los, corre em socorro, morrendo sufocado com os dois filhos.

As Principais Epopeias Classicas

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

1

A) ILÍADA

Sua autoria é atribuída a Homero, poeta semilendário, que teria vivido na Grécia no século X, antes de Cristo. O assunto do poema é a guerra de Tróia. O termo “Ilíada” é a forma portuguesa do grego “Iliás”, significando “a respeito de Ilion”, que era o nome de uma cidade na costa da Ásia Menor. Divide-se a obra em 24 cantos. Apesar de seu argumento ser extraído da famosa guerra troiana, não a narra por completo. RESUMO: No 2º ano desse conflito, rebentou uma animosidade entre Agamenon e o guerreiro Aquiles. Agamenon, que estava à frente das forças sitiantes, havia se apoderado de uma escrava de nome Briseida, que coubera a Aquiles na divisão dos despojos de guerra. Aquiles não se conforma com isso e recusa continuar a combater. A sorte dos gregos declina, e os troianos, aproveitando a ausência do herói invencível, infligem várias derrotas ao adversário. Pátroclo, amigo de Aquiles, chefiando os Mirmidões obtém uma vitória, mas perece nas mãos de Heitor, príncipe troiano. Aquiles, alucinado pela perda do amigo, resolve vingá-lo. Revestido das armas que Vulcano lhe forjara, retorna ao campo de batalha e destroça o inimigo. Mata Heitor e acorrenta o seu cadáver ao carro de triunfo. Seguem-se os funerais de Pátroclo. Por sua vez, Príamo, pai de Heitor, consegue de Aquiles permissão para sepultar o filho. A mitologia narra a história completa dessa guerra, tornada imortal nessa grande epopeia. Dentre as figuras do poema, podemos destacar: TROIANOS: - Páris : segundo filho de Príamo e Hécuba. Fora abandonado no monte Ida, por causa de uma predição funesta: ele haveria de provocar a ruína de Tróia! Amamentado por uma ursa e criado por um pastor, sua infância e adolescência foram felizes. Amou, depois, a ninfa Enone. Pastoreava os rebanhos naquele monte, quando lhe apareceram três deusas: Vênus, Juno e Minerva. Elas disputavam o prêmio da beleza e o célebre pomo que a Discórdia atirara nas bodas de Tétis e Pelau com a inscrição: “À mais formosa!”. Escolhido como juiz, Páris optou por Vênus.

Esta, agradecida, promete-lhe algo maravilhoso: possuir a mulher mais bela da Terra. Reconciliado com o pai, Páris foi enviado à Grécia. Chegando à Esparta, durante a ausência de seu rei Menelau, apaixona-se pela rainha Helena e a rapta. Quando do casamento entre Menelau e Helena, os príncipes gregos haviam prometido defender a deslumbrante mulher, caso fosse necessário. Estava lançado o estopim: Menelau, ao regressar, convoca os príncipes e Agamenon, seu irmão, é eleito chefe supremo das tropas que iriam resgatar a rainha, numa guerra prolongada de dez anos. Teria sido Páris (ou Apolo nele disfarçado) que feriu Aquiles no calcanhar, matando-o. - Eneias : príncipe, filho de Anquises. Depois que Tróia caiu, conseguiu escapar, carregando às costas o velho pai, mas não conseguindo salvar sua esposa Creusa. Será o herói da epopeia do poeta Virgílio. - Laocoonte : também filho de Príamo. Quando viu que os seus se deixavam enganar pelo estratagema grego – o cavalo de pau -, correu furioso para não permitir a entrada do engenho na cidade. Atirou um dardo contra os flancos do cavalo. Os troianos consideraram tal atitude uma impiedade, que se fortaleceu quando duas serpentes, vindas do mar, chegaram ao altar em que estavam os filhos de Laocoonte, envolvendo-os nos seus anéis. O pai, na ânsia de salvá-los, corre em socorro, morrendo sufocado com os dois filhos.

Page 2: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

2

- Cassandra : filhas dos reis de Tróia. Foi amada por Apolo, que lhe deu o dom da profecia. Predisse a ruína de Tróia e, quando tal ocorreu, foi levada por Agamenon para a Grécia. O príncipe, sensível ao seu mérito e à sua beleza, não a atendeu, porém, quando ela o advertiu da desgraça que o aguardava, na traição da rainha infiel Clitemnestra. GREGOS: - Nestor: rei de Pilos. O cavaleiro de Gerênia é uma das mais bem acabadas figuras de Homero. É o símbolo da prudência nos conselhos que emite e de coragem nos feitos de guerreiro. - Ulisses : príncipe de Ítaca. Notável pela astúcia: autor do plano que deu a vitória aos gregos. Na Odisseia, ocupa papel central. - Outros: Ájax , impetuoso guerreiro; Diomedes , célebre pela crueldade; Filoctetes , com suas flechas temíveis e matador de Páris; Idomeu , rei de Creta. OBS.: Cumpre lembrar a atuação dos deuses gregos, que tomam parte ativa no poema. Juno, Palas e Netuno colocam-se ao lado dos gregos; enquanto Vênus, Marte e Apolo postaram-se ao lado dos sitiados. B) ODISSEIA

Também atribuída por Homero. Enquanto a Ilíada é a representação da vida guerreira e da época heroica, a Odisseia pode ser tomada como representação da vida doméstica, entremeada de narrações de viagens e de aventuras maravilhosas. Divide-se também em 24 cantos.

RESUMO: As cenas iniciais passam-se em Ítaca, no palácio de Ulisses, que se encontra fora. Penélope, sua esposa, é assediada por muitos pretendentes que lhe fazem a corte na suposição de que Ulisses tenha morrido. A deusa Atena, disfarçada num estrangeiro, exorta Telêmaco, filho de Ulisses, para sair em busca do pai. O jovem reúne o povo e solicita-lhe um barco. O povo vacila, deixando-se levar

pela pressão dos candidatos à mão de Penélope. Atena surge novamente, agora na pele de Mentor, amigo de Ulisses, equipa um barco e parte com Telêmaco. Chegam a Pilos, na casa de Nestor. Em seguida, aportam em Esparta, na casa de Menelau. Nenhum deles, porém, têm informações de Ulisses. Enquanto isso, o herói passa por aventuras fabulosas. Na longínqua ilha de Ogígia, vive episódio ao lado da deusa Calipso, que por ele se apaixonara e que o não quer deixar. Mediante a intervenção dos deuses, abandona a ilha, partindo numa tosca jangada. Netuno o faz naufragar numa ilha, habitada pelos feácios. É

recolhido semimorto por Nausicaa, filha do rei Alcino. Foi recebido na corte com honras e festins. Certa vez, ouvindo um poeta cantar episódios da guerra de Tróia, comove-se, relembrando o passado. Narra, então, suas aventuras. Seu desembarque na atual ilha da Sicília, onde encontra o gigante Polifemo, ciclope monstruoso de um só olho na testa. Ele e seus companheiros foram aprisionados pelo ciclope numa caverna fechada por colossal pedra, que somente o monstro conseguia remover. Antropófago, ia devorando os companheiros de Ulisses, à razão de dois por dia. Ulisses diz para o gigante que se chamava “Ninguém”, já bolando engenhoso plano. Em seguida, proporciona-lhe generoso vinho. O gigante promete-lhe, reconhecido, que será ele a última vítima. Passam-se seis dias de expectativa e horror. Na sétima noite, aproveitando o sono de Polifemo, Ulisses vaza-lhe o único olho. O gigante acorda com brados pavorosos. Acodem os outros habitantes da ilha, mas ninguém pode entrar na caverna por causa da pedra. Perguntam o motivo daqueles urros, e o gigante respondeu que “ninguém me mata, ninguém, na hora do meu sono, me oprime com um poder feito de astúcia”. Os outros replicam que, se fora “ninguém”, fora a mão divina, e que restaria a Polifemo apenas a resignação. Pela manhã, quando o gigante, agora cego, desloca a pedra a fim de dar passagem aos seus grandes carneiros, cada grego se ata contra a barriga de cada animal e podem, dessa maneira, deixar o pavoroso antro sem que Polifemo preveja a fuga.

Em seguida, Ulisses visita outra ilha na qual habita uma feiticeira chamada Circe que, com poderoso vinho, tinha o dom de transformar homens em animais. Ela transformou os companheiros de Ulisses em porcos. Porém, vencida pela astúcia do príncipe grego, acaba por desencantá-los. Chega o herói depois ao Orço, país dos mortos, e visita o Érebo (inferno). Conversa com a sombra de falecidos conhecidos seus: sua mãe, Aquiles, Pátroclo, Ájax, Tântalo, Sísifo e até Hércules. Atravessa o mar entre Caribde, o insidioso redemoinho, e o rochedo Cila; amarra-se ao mastro do navio, mandando que seus companheiros colocassem cera nos ouvidos e escuta os encantatórios e irresistíveis cantos das sereias.

Page 3: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

3

Os feácios, comovidos com a narração, proporcionam-lhe uma embarcação para regressar a Ítaca. Lá chega disfarçado em mendigo. Após vários acontecimentos, é reconhecido pela ama, por causa de uma cicatriz. Impõe-lhe silêncio. Os pretendentes não conseguem entesar o arco de Ulisses que, com esta arma, os dizima um por um. É então reconhecido pela fiel Penélope após uma ausência de 20 anos. C) ENEIDA

É a grande epopeia do povo romano, composta por Virgílio, que tomou as obras de Homero como modelo. Propõe-se a celebrar a história do Império Romano e louvar a César, como descendente de Eneias, o herói do poema.

RESUMO: Começa por narrar o terrível temporal que se abatera sobre a frota de Eneias, quando em fuga do desastre de Tróia. Eneias havia escapado da matança, levando seu pai às costas. Tinha o príncipe reunido muitos guerreiros e com eles embarcado em direção às costas da Itália. No temporal, muitas naus naufragam. A de Eneias e mais seis

conseguem aportar num sítio da África, onde os navegantes encontram a próspera região de Cartago. Ali, Eneias conhece a rainha Dido, que lhe pede para contar sua história. O filho de Anquises começa, então, o relato de suas aventuras, que se abre com os famosos versos: “Infandum, regina, jubes renovare dolorem.” (“Mandas, ó rainha, que eu renove uma indizível dor”).

O amor que Eneias desperta em Dido constitui a grande passagem lírica do imortal poema. Eneias conta para a rainha a tomada de Tróia, o ardil concebido por Ulisses; relata as viagens que empreendera até chegar a Cartago. Dido, acometida de grande paixão, roga a Eneias para não deixá-la. O príncipe, surdo às súplicas, resolve continuar viagem. Dido, não resistindo ao abandono, suicida-se.

Segue o herói para a Sicília. Cultua a memória de seu pai, visitando os Campos Elíseos, lugar onde os romanos julgavam estar as almas dos mortos. Lá tem um colóquio com o pai, que lhe mostra a raça de heróis ilustres, os quais descenderão de Eneias e farão a grandeza do povo latino. Enfim, Eneias atinge o Lácio. É bem acolhido pelo rei Latino, que lhe promete a sua filha única, Lavínia. Com isso não concorda Turno, rei dos rútulos, povo também de origem latina. Eclode a inevitável guerra entre troianos e rútulos. Dão-se vários combates e, quando os troianos parecem derrotados, Eneias volta ao campo, munido de um escudo que lhe fizera Vulcano (o mesmo que fizera a armadura de Aquiles) e muda a sorte da luta. Na última batalha, Eneias é ferido, mas Vênus, envolvida em nuvem escura, o cura. Ocorre o duelo entre Eneias e Turno. Este último foge quando sua espada se parte. Eneias o persegue, alcança-o e mata-o.

A Eneida é considerada um misto de Ilíada com Odisseia. Os momentos iniciais lembram esta, pois encerram aventuras e viagens do herói; os momentos finais assemelham-se àquela, pois se narram os combates de Eneias na península itálica, lembrando os feitos épicos da Ilíada.

O assunto da Eneida não é criação de Virgílio. A tradição, que prende a origem de Roma às lendas mitológicas, parece ter sido introduzida na Itália já pelos fins do século IX a.C. D) OS NIBELUNGOS

É a mais famosa epopeia da literatura germânica. Data do século XII. Consta de duas partes essenciais: a morte de Siegfried e a vingança de Cremilda num total de 39 narrativas. Siegfried é um príncipe de Xanten, no Baixo-Reno. É um nobre cavaleiro, aureolado por nobres feitos, dentre os quais de ter matado o rei Nibelungo e, em consequência, se apossado do fabuloso tesouro desse povo. Apaixonando-se por Cremilda, irmã do rei Gunther, de Worms, acaba por se casar com a princesa. O herói, a pedido de Gunther, submete-se a notáveis aventuras impostas por Brunilda, mulher pela qual o irmão de

Page 4: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

4

Cremilda se apaixonara, e que só daria seu amor caso o enamorado realizasse as façanhas que ela lhe impusesse. Siegfried consegue empreendê-las, e Gunther, feliz, une-se a Brunilda. Por causa de um desentendimento entre as rainhas, surge a discórdia. Hagen, fiel vassalo de Gunther, jura vingar sua imperatriz. Com astúcia, consegue saber de Cremilda o ponto vulnerável do esposo. Numa caçada, enquanto Siegfried está distraído a beber água, mata-o. Cremilda é dilacerada pela dor. Alucinada, jura vingança. Na igreja, quando Hagen se aproxima do cadáver, acontece algo espantoso: as feridas de Siegfried se reabrem sangrando, denunciando o assassino. Passam-se 13 anos. Cremilda, sempre arquitetando a vingança, casa-se novamente. Dessa vez com Etzel (Átila), rei dos hunos. Pede ao marido para convidar seu cunhado Gunther a vir à corte. Apesar da oposição de Hagen, Gunther aceita o convite. No final, sucede um massacre terrível. Todos os cavaleiros de Gunther são trucidados. Gunther e Hagen são feitos prisioneiros. Cremilda pergunta-lhes pelo tesouro, pois após a morte de Siegfried, ela o houvera confiado ao irmão. Depois, a rainha manda decapitar o irmão, e com as suas mãos, manejando a espada de Siegfried, decapita o pérfido Hagen.

Hildebrand, personagem secundária que intervém em alguns lances da epopeia, encoleriza-se com a conduta de Cremilda e a mata. Das figuras principais, resta apenas Etzel, o rei dos hunos, para chorar os mortos.

Essa famosa epopeia da Alemanha do Sul despertou a inspiração de grandes artistas. Basta que lembremos o grande drama lírico de Richard Wagner, intitulado “Anel do Nibelungo” (Der Ring das Nibelunen), dividido em quatro partes, formando cada uma delas um drama musical completo: “O ouro do Reno”, “A valquíria”, “Siegfried” e “O crepúsculo dos deuses”. E) LA CHANSON DE ROLAND

É a mais famosa das canções de gesta e a mais famosa epopeia da literatura francesa. Data do século XIII. Seu argumento se reporta ao evento histórico do conhecido ataque sofrido pela retaguarda do exército de Carlos Magno pelos bascos de Roncesvales, nos desfiladeiros dos Pirineus. A ficção, no entanto, modifica em muito o acontecimento real. Assim, Rolando é feito sobrinho de Carlos Magno; surgem figuras como Oliveiros, o arcebispo Turpin e outros pares de França; os bascos são substituídos pelos sarracenos; atribui-se a derrota a um traidor, Ganelon; e, por fim, inventa-se a vingança e a desforra do imperador franco contra os infiéis. O poema, ainda no desfecho, mostra o sonho de Carlos Magno no qual lhe aparece o Arcanjo Gabriel, ordenando-lhe preparativos para novas batalhas. RESUMO: O rei Marcilo, fingindo amizade a Carlos Magno, envia-lhe régios presentes de paz. Para evitar dúvidas, o Imperador cristão resolve ouvir a opinião de seus pares. Rolando não crê nas boas intenções de Marcilo, ao passo que Ganelon nelas acredita. Da divergência entre esses dois cavaleiros, resolve-se que seja enviado alguém à corte de Marcilo. A escolha recai sobre Ganelon que, temendo as consequências da missão, jura vingar-se de Rolando. Na presença do rei inimigo, convence-o de que somente poderá haver paz com a morte de Rolando. No regresso, Ganelon já planeja o fim de Rolando, que fora incumbido de chefiar a retaguarda do exército cristão, juntamente com Oliveiros. Em Roncesvales, são atacados por um exército infinitamente mais numeroso. Oliveiros pede a Rolando para que faça soar sua corneta a fim de que Carlos Magno corra em auxílio. Rolando, cioso de sua honra e confiando em sua espada invicta (a Durindana), nega, a princípio. Por mais que mate inimigos, estes surgem cada vez mais numerosos. Leva, ao fim, os lábios ao olifante e faz dele sair os sons suplicantes para a ajuda salvadora. Ao longe, Carlos Magno julga ouvi-los, mas Ganelon convence-o de que se enganara. Rolando, com a boca em sangue, toca de novo o instrumento. Todos em sua volta estão mortos. Deita-se na relva e coloca a espada ao lado. É o fim. Quando Carlos Magno chega, nada mais resta a fazer senão esmagar o inimigo e punir a ignóbil traidor.

Cremilda exibe a Hagen a cabeça de Gunter

(Johann Heinrich Füssli, 1805).

Rolando jura fidelidade a

Carlos Magno. De um

manuscrito medieval.

Page 5: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

5

A repercussão da gesta carolíngia não se restringiu apenas à França. Atingiu outros países, inspirando muitos artistas. Foi nela que foram buscar motivos para suas composições, por exemplo, Ariosto no seu “Orlando furioso”, e um Boiardo para seu “Orlando enamorado”. Também na música temos a ópera “Orlando”, com libreto de Quinault e melodia de Lulli. Enorme foi a influência dessa epopeia na literatura portuguesa. Rolando com sua Durindana (tal qual a Excalibur do rei Arthur), defensor dos fracos e dos humildes; Turpin, padre e guerreiro; Aude, irmã de Oliveiros e noiva de Rolando; Ganelon, símbolo da vingança de traição, - são figuras que surgem familiares na tradição portuguesa. A influência foi tão importante a ponto de se fazer sentir nos cantos do povo, nos nomes próprios e nos numerosos romances populares. Dentre os livros que narram as aventuras de Rolando e dos cavaleiros gauleses está a “História de Carlos Magno e dos doze pares de França”, conhecido desde o princípio do século XVI. F) CANTAR DE MIO CID

Manuscrito de 1307.

Convém distinguir a

xácara (canção narrativa de versos sentimentais, no passado, popular na península Ibérica, e de origem árabe) da epopeia, sendo este último o grande poema épico do povo ibérico. Enquanto países como a França e a Itália já possuíam

uma literatura mais culta, na Espanha até pouco antes do século XII, a literatura ainda era mais espontânea, e as xácaras constituíam seu núcleo ou espécie principal. A xácara espanhola (também chamada de romance) caracterizava-se pelo seu canto curto, de natureza épica, cujo assunto comportava façanhas guerreiras de cavaleiros e heróis nas refregas contra os mouros, assunto tão ao sabor da imaginação e sensibilidade da gente peninsular.

1. Xácara : As aventuras de Rodrigo ou Rui Dias de Bivar ou Vivar, que se iniciam com as queixas do pai deste, Diego Lainez, porque, ofendido pelo conde Lozano, não podia ir à forra, devido à sua idade avançada. Rodrigo, num duelo por ele provocado, mata o conde ofensor, apesar de amar a filha desse fidalgo, a bela Ximena. Esta, embora também o ame, pede ao rei justiça e punição para o assassino do pai. Ninguém, no entanto, ousa bater-se com ele. Os mouros invadem o país. Rodrigo vai ao encontro deles e os vence, aprisionando-lhes os principais chefes. Recebe, então, a denominação de “Cid, o Campeador”, que significa “Senhor e Combatente”. Finalmente, casa-se com Ximena.

A lenda foi transposta até

para desenho animado em

2003.

2. Epopeia : Elaborada na altura da 2ª metade do século XII, contendo cerca de 3.000 versos. Refere-se às proezas de Rodrigo Dias de Bivar, não se reportando, contando, à mocidade do herói, e nem aos amores com a bela Ximena. O argumento do poema prende-se a fatos mais avançados, focalizando o protagonista em idade madura. Já está ele casado e com duas filhas. Devido à intriga e à inveja, perdera o favor real e fora banido. Por ordem do rei D. Afonso, a ninguém era permitido acolher ou dar hospedagem ao desterrado. Com apenas cem castelhanos, faz feitos notáveis contra os mouros. Depois de enviar vários presentes ao rei, consegue afinal o perdão. Após vários acontecimentos, é recebido na corte. Realiza-se o enlace das suas filhas Dona Elvira e Dona Sol com os infantes de Carrion, Diogo e Fernão Gonzáles. Foram matrimônios infelizes por causa da vileza desses infantes que, após maltratá-las, deixaram-nas semimortas no carvalhal de Cerpes. Cid as vinga, pois ninguém poderia impunemente ofender o seu nome. Os casamentos são invalidados, podendo suas filhas contrair segundas núpcias, o que fazem, ligando-se a dois nobres de Navarra e Aragão. G) A DIVINA COMÉDIA Seu autor é o genial Dante Alighieri, nascido em Florença (1265) e falecido em Ravena, no exílio, em 1321. O imortal cantor de Beatriz estilizou sua epopeia

Page 6: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

6

numa nova espécie de gênero literário por ele criada: o terceto. A obra é uma trilogia: o Inferno , o Purgatório e o Paraíso . O poeta diz que, tendo se perdido numa floresta sombria, encontra Virgílio, a quem pede auxílio. Nel mezzo del camin de nostra vita Mi ritrovai por uma selva oscura, Che la diritta via era smarrita. (I, 1-2-3) “No meio do caminho de nossa vida Me encontrei numa selva escura Pois a via reta perdi.” Virgílio o conduz, então, ao Inferno, em cuja porta se lia a terrível inscrição: “Lasciati ogni speranza, voi ch’entrate!” (“Deixai toda a esperança, vós que entrais!”)

No primeiro ciclo, denominado Limbo, estavam as almas dos bons e justos, mas que viveram antes do Evangelho e que, não tendo recebido o batismo, não puderam ingressar no Paraíso. Lá estavam, entre outros, Sócrates, Platão, Homero, César e muitos outros filósofos, reis, poetas, enfim, todos os ilustres pagãos. No segundo ciclo ou círculo, jaziam aqueles que foram condenados pelos pecados da carne, pela luxúria. Pertence a esse ciclo a desafortunada história da linda Francesca de Rimini, que narra ao poeta os seus pecados de amor. O episódio está no canto V, no qual a infeliz paixão que ligou Francesca ao seu cunhado Paolo Malatesta é descrita com notável e sentida urdidura trágica por Dante. O amor de Francesca tão grande era, que nem ali pudera se acabar: Amor, che a nullo amate amar perdona, Mi prese del costui piacer si forte, Che, come vedi, ancor non m’abbandona. (V, 103) “Amor, que não perdoa nenhum amado que não ama, Me prendeu à beleza deste tão fortemente Que, como vês, ainda não me abandona.” E diz ao poeta a desventurada: Ed ella a me: “Nessun maggior dolore Che ricordasi del tempo felice Nella miséria; é ciò sa il tuo dottore.” (V, 121) E ela a mim: “Não há nenhuma dor maior Do que a lembrança do tempo feliz Em tempo de miséria; e isso teu mestre sabe.”

Ilustrações: Gustave Doré.

Ainda nesse ciclo estão as almas de Semíramis (rainha lendária da Assíria), Cleópatra, Helena, Aquiles, Páris, Tristão e Dido. No 3º ciclo vê-se Cérbero, o cão de três cabeças, dilacerando com os dentes as vítimas da gula. No 4º ciclo, estão os condenados pelo mau uso da riqueza, sejam os perdulários, sejam os usurários. No 5º ciclo, revolvem-se em lama imunda, enquanto se atacam furiosamente, os que foram punidos pela ira. Os hereges, encarcerados em sepulturas de fogo, são os moradores da sexta região. Na sétima, encontram-se os tiranos e assassinos, submersos num rio de sangue; os suicidas transformados em árvores, entre as quais andam horripilantes harpias; os que violaram Deus e a Arte; enfim, nele estão os violentos.

No 8º ciclo, está a Fraude, de rosto humano e corpo de monstro, punindo os aduladores, os hipócritas, os farsantes. No 9º, vê-se a morada dos traidores, tendo ao fundo Lúcifer, que ostenta três rostos: o da impotência, o do ódio e o da ignorância. As suas bocas despedaçam três monstros humanos: Judas Iscariotes, Bruto e Cássio (estes dois últimos, assassinos de César).

Demandam a seguir o Purgatório. São recebidos por Catão. Virgílio, obedecendo às suas ordens, lava o rosto do poeta com orvalho, para limpar-lhe a fumaça do inferno. No 1º trecho do

Page 7: As Principais Epopeias Classicas

EPOPEIAS CLÁSSICAS Prof. Samuel Swerts

7

Purgatório, os espíritos proclamam a vaidade das glórias terrenas e vozes dulcíssimas entoam: “Bem-aventurados os pobres de espírito!”. Eram as almas pecadoras por culpa da soberba. No Purgatório, todas as almas estão exaustas, devido ao peso de enormes pedras. No 2º trecho, encontram-se os cegos, pois tinham as pálpebras cosidas, - eram os invejosos; no 3º, os que pecaram pela cólera; no 4º, os que haviam caído por indiferença e preguiça; no 5º, os avarentos; no 6º, os gulosos, que sofriam fome e sede, aspirando a fragrância de frutos apetitosos; no 7º e último, os incontinentes, que enalteciam a castidade.

Virgílio conduz Dante até uma muralha de fogo, que nem sequer o chamuscou. No alto, fica o Paraíso. Ali, Virgílio se despede, e Beatriz toma-lhe lugar como guia. No céu, diz o poeta ter sido testemunha de maravilhas que não pode a língua humana descrever. Após invocar Apolo, o poeta descreve como se ergueu do Paraíso terrestre a esfera de fogo. Segundo as teorias de Ptolomeu, a terra é fixa e, envolta dela, giram os céus da Lua (1º céu), Mercúrio (2º), Vênus (3º), Sol (4º), Marte (5º), Júpiter (6º) e Saturno (7º). Ainda há o 8º céu, que encerrava dentro de si todos os demais, pois em seu bojo havia a esfera das estrelas fixas. No primeiro céu, Dante sustenta interessante discussão com Beatriz, a respeito das manchas da Lua. No segundo, encontra o imperador Justiniano, que explica ser Mercúrio a morada das almas boas, cujo amor a Deus, contudo, estava misturado com os afetos terrenos. No 3º, depara-se com o famoso Carlos Martel, imperador da Hungria, e também com Folco, que tivera a coragem de censurar papas e cardeais. No 4º, está São Tomás de Aquino, que faz o panegírico de São Francisco de Assis. Conversam ali também com São Boaventura e Salomão. No 5º céu (ou Marte), Dante conversa com um antepassado seu, que lhe prediz o futuro desterro. No 6º, em Júpiter, depara-se com a morada dos que souberam administrar justiça com retidão; no 7º, em Saturno, estão as almas que passaram a vida em piedosa contemplação. São Bento dirigiu-se ao poeta, lamentando a vida dissipada daqueles monges que usavam seu nome. Ao erguer os olhos, contemplou o poeta esplendores inefáveis, ouvindo a harmoniosa melodia do “Regina Coeli”. S. Pedro, S. Tiago e S. João interrogam-no sobre questões de fé, no que se saiu bem. Finalmente, foi alçado até o 8º céu, no qual só habita a Divina Essência. Graças à intervenção de S. Bernardo, o poeta pode contemplar a Deus em todo o seu esplendor, visão de tal doçura que as palavras humanas não podem traduzir:

Oh, quanto è corto il dire e come floco Al mio concetto! E questo, a quel ch’io vidi, È tanto, che non basta a dicer “poco”. (Paraíso, C. XXXIII, 121) Oh, quanto é pobre e inadequada a palavra E débil o meu conceito! E isso, em relação ao Que vi é tal que, chamá-lo de pouco é demais