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RSP 169 Wagner Frederico Gomes de Araújo Revista do Serviço Público Brasília 57 (2): 169-190 Abr/Jun 2006 As estatais e as PPPs: o project finance como estratégia de garantia de investimentos em infra-estrutura Wagner Frederico Gomes de Araújo Introdução A crise dos anos 70 tem conduzido, nas últimas décadas, a um processo cons- tante de reforma do Estado, com a redefinição do papel do setor público diante da oferta de bens e serviços de infra-estrutura. A transferência dessas atividades para o setor privado é um ponto central nesse processo. As privatizações visavam, entre outros objetivos, a desonerar o setor público dos gastos com grandes investi- mentos, diminuir o desequilíbrio fiscal, aumentar a eficiência nos setores de infra- estrutura pela introdução da competição e garantir investimentos contínuos. As privatizações, por outro lado, abriram um canal para a estreita interação entre o setor público e o setor privado, de modo a se estabelecerem parcerias para a garantia de investimentos. As alterações das funções do Estado resultaram em diversas instituições, que atendem ao interesse público. Da mesma forma, as empresas estatais remanescentes foram profissionalizadas e passaram a ser players importantes no mercado.

As Estatais e as PPPs

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    Wagner Frederico Gomes de Arajo

    Revista do Servio Pblico Braslia 57 (2): 169-190 Abr/Jun 2006

    As estatais e as PPPs: o projectfinance como estratgia degarantia de investimentos

    em infra-estrutura

    Wagner Frederico Gomes de Arajo

    Introduo

    A crise dos anos 70 tem conduzido, nas ltimas dcadas, a um processo cons-

    tante de reforma do Estado, com a redefinio do papel do setor pblico diante

    da oferta de bens e servios de infra-estrutura. A transferncia dessas atividades

    para o setor privado um ponto central nesse processo. As privatizaes visavam,

    entre outros objetivos, a desonerar o setor pblico dos gastos com grandes investi-

    mentos, diminuir o desequilbrio fiscal, aumentar a eficincia nos setores de infra-

    estrutura pela introduo da competio e garantir investimentos contnuos.

    As privatizaes, por outro lado, abriram um canal para a estreita interao

    entre o setor pblico e o setor privado, de modo a se estabelecerem parcerias

    para a garantia de investimentos. As alteraes das funes do Estado resultaram

    em diversas instituies, que atendem ao interesse pblico. Da mesma forma,

    as empresas estatais remanescentes foram profissionalizadas e passaram a ser

    players importantes no mercado.

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    Uma forma de parceria que tem sidomuito difundida h vrios anos em outrospases e, mais recentemente, no Brasil oproject finance. Trata-se de uma forma espe-cfica de arranjo financeiro para a viabilizaode investimentos, geralmente de grandevulto, para o qual uma sociedade especfica criada para gerir investimento em infra-estrutura. Sua estrutura financeira envolve,como elementos bsicos, a mitigao deriscos pela elevao do nmero de partici-pantes e securitizao de receitas futuras doprojeto. Ele especialmente interessantequando combinado com outra forma deparceria, as parcerias pblico-privadas(PPPs), em que instituies de direitoprivado e de direito pblico se unem paraatingir um objetivo comum.

    Com essa perspectiva, este trabalhovisa analisar a estrutura do project finance esua relao com o processo de reformado Estado brasileiro, de modo a seestabelecer uma estratgia de garantia deinvestimentos nos setores de infra-estru-tura por meio de parcerias entre asempresas estatais, de direito privado, e aadministrao pblica, seguindo osprincpios das PPPs. Para tanto, aps essaintroduo, discute-se a crise do Estado,o processo de privatizaes e o papel dasestatais, com foco no caso brasileiro. Emseguida, exposto um breve panoramada parceria pblico-privada nos setoresde infra-estrutura, bem como o papel doEstado e do setor privado. As definiese conceitos bsicos sobre o project financeso inseridos no tpico 4, que discutetambm a estrutura financeira do projectfinance e o papel de seus participantes.Finalmente, conclui-se evidenciando opapel das estatais no project finance, nocontexto das parcerias pblico-privadasentre as estatais e o governo, comoestratgia interessante para a viabilizao

    de investimentos em infra-estrutura,fundamentais no processo de desenvol-vimento econmico e social do Pas.

    Crise do Estado, privatizaes eo papel das estatais

    A dcada de 1970 foi marcada porintensa participao do Estado na eco-nomia em todo o mundo, especialmenteno Brasil. Essa participao se deu, emgrande parte, na participao de empresaspblicas oferecendo infra-estrutura para osetor privado. O Estado brasileiro, durante50 anos (1930-1980), criou e absorveuempresas do setor privado devido a vriosmotivos, como o nacionalismo econmico,o socorro a empresas privadas, os recursosinsuficientes por parte do setor privado emsetores estratgicos da economia nacionale os riscos elevados em investimentos deinfra-estrutura com grandes perodos dematurao1.

    Martins (1985, p. 43) aponta que aparticipao do Estado brasileiro naeconomia, durante a dcada de 1970, foicaracterizada por um movimento de forascentrpetas de concentrao de recursosno governo federal e de foras centr-fugas de disseminao de agncias eempresas independentes e relativamenteautnomas para a alocao dos recursosanteriormente mencionados. Conforme oautor, somente de 1971 a 1976, foramcriadas 131 empresas estatais, sendo 67 pelaUnio, 59 por estados e 5 por municpios.

    Havia cerca de 300 empresas estatais,somente no mbito federal, em 1979.Essas empresas variavam desde bancos atsiderrgicas, empresas de petrleo e hotis,entre outros setores. Segundo Pgo Filho,Lima e Pereira (1999, p.11), entre 1970 e1981 a poupana bruta do setor produtivoestatal federal correspondeu a 3,68% do

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    PIB, em mdia, representando 18,68% detoda a poupana bruta do setor privado.

    Alm disso, a dcada de 1970 carac-terizou-se como perodo de dficit pblicoelevado para o equilbrio macroeco-nmico, bem como de existncia de nveisde inflao acima do que seria desejado.Ademais, o expansionismo estatal levou agrandes projetos de infra-estrutura sob aresponsabilidade do Estado, o que exigiugrandes montantes de capital para suaimplementao.

    A partir da primeira e, principalmente,da segunda crise do petrleo em 1973 e1978, respectivamente, houve uma deterio-rao das contas pblicas da maioria dospases, gerando graves desequilbriosmacroeconmicos. Nesse contexto, oEstado brasileiro perdeu praticamentetoda sua capacidade de investimento, o queadveio do progressivo endividamentopblico. No mbito microeconmico,ocorreu forte contrao dos emprstimose financiamentos externos a empresasnacionais, tanto estatais quanto privadas. Asempresas estatais, portanto, no possuammais recursos disponveis para grandesempreendimentos de infra-estrutura. Essareduo de despesas implicou deterioraodo estoque de capital em infra-estrutura e,conseqentemente, gerou estrangulamentosem setores importantes para a retomadado desenvolvimento econmico.

    Em vrios pases, a reao s crises dadcada de 1970 foi seguida por processosde reforma do Estado, com a diminuiode seu papel como provedor de infra-estrutura, gerando uma onda de privati-zaes e concesses ao setor privado. NaGr-Bretanha, o lema tornou-se o rollingback the State2 durante o governo Thatcher,quando, alm das privatizaes, foramdisseminados contratos de desempenhopara os prestadores de servios de

    infra-estrutura ou de utilidade pblica(MACEDO; ALVES, 1997). Na Nova Zelndia,considerado um dos pases com reformasmais radicais, foram implementadas grandesmudanas macroeconmicas, com umagressivo programa de privatizaes, almda terceirizao de vrias atividades estatais(CARVALHO, 1997).

    A estratgia das privatizaes surgiucomo tentativa de ajuste nas contaspblicas, por meio da venda de ativos

    produtivos do Estado, seja para a reduodo estoque da dvida pblica, seja para areduo da demanda de recursos fiscaispara gastos em infra-estrutura. Dessaforma, uma das principais justificativas paraa privatizao, no mbito macroecon-mico, foi o ajuste fiscal. Mais empresasprivadas significavam, outrossim, maiorarrecadao tributria para o governo, oque tambm poderia contribuir para a

    A estruturafinanceira do projectfinance envolve, comoelementos bsicos, amitigao de riscospela elevao donmero departicipantes esecuritizao dereceitas futurasdo projeto. Ele especialmenteinteressante quandocombinado com asPPPs.

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    melhora das contas pblicas. No planomicroeconmico, as privatizaes foramjustificadas pelos ganhos de eficincia dasempresas sob o controle privado e pelasua maior capacidade de investir. Giambiagie Alm (2000, p. 387) apontam que no sepode garantir maior eficincia apenas pelatransferncia ao setor privado, no havendodiferenas significativas entre ambos, sendoque o principal contraste que as empresasestatais tambm tm papel importante napoltica econmica do governo3.

    No Brasil, podem-se identificar trsfases da privatizao (PINHEIRO; GIAMBIAGI,1997):

    a) primeira fase: dcada de 1980 Essa fase se deu por um processo dereprivatizaes, com o objetivo de saneara carteira do BNDES4, o que ocorreu sema privatizao de grandes empresas estatais.Essa fase permitiu ao BNDES adquirirknow-how para se tornar o principal agentede privatizaes posteriormente.

    b) segunda fase: de 1990 a 1995 Em1990, foi lanado o Plano Nacional deDesestatizao (PND). Nessa fase, ocorreua venda de empresas tradicionalmenteestatais, alm da privatizao de setoresinteiros. A privatizao significava aindauma pea importante na estratgia dogoverno de ajuste macroeconmico.Grandes empresas, como a Usiminas,escolhida para inaugurar o processo, foramprivatizadas.

    c) terceira fase: a partir de 1995 Em1995, foi aprovada a Lei de Concesses,estabelecendo regras para a explorao deservios pblicos pelo setor privado,abrindo caminho para um processo demacia privatizao, principalmente nossetores de infra-estrutura e servios pblicos,como telecomunicaes e energia eltrica.

    Com a privatizao dos serviospblicos a partir de 1995, foi necessrio

    um esquema de regulao das empresasprivadas que atendiam aos cidados, pois,a despeito de serem de iniciativa privada,os servios pblicos tm de ser garantidospelo Estado. H ressalvas, contudo. Nocaso de energia eltrica, por exemplo, amaioria dos consumidores no podesimplesmente trocar de fornecedor casono esteja satisfeito com a qualidade oucom o preo dos servios. Via de regra,os interesses das concessionrias no soconvergentes com os objetivos do sistemaregulatrio. Em ambiente institucional emque as agncias reguladoras ainda so fracase com baixa capacidade de enforcement,somando-se a isso a baixa mobilizaopoltica da sociedade brasileira, plausvelesperar resultados insatisfatrios nofornecimento de bens e servios. Taisquestionamentos nos levam ainda a discutira real capacidade de regulao dosambientes de prestao de serviospblicos, afetando, assim, toda a sociedade.O Estado deve, portanto, buscar assegurara satisfao dos cidados-consumidorespor meio de sistemas de regulao sobreempresas prestadoras de servios pbli-cos. O Estado simplesmente delega aosetor privado sob condies e prazos acor-dados, tendo o setor privado a obrigaode investimentos previamente definidos(MOREIRA; CARNEIRO, 1994, p.31).

    Dessa forma, a interao entre o setorpblico e o setor privado, inclusive asestatais, tem de ser contnua, pois, com basenessa interao, ser consolidada a posiodo setor privado em infra-estrutura.Adicionando o fato de o Estado brasileiroainda ocupar papel fundamental naeconomia nacional e a melhora do cenriomacroeconmico na dcada de 1990, cria-se condio para que se efetive a parceriapblico-privada nos setores de infra-estrutura.

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    A parceria pblico-privadaem infra-estrutura

    A discusso sobre a parceria pblico-privada reside, inicialmente, nos requisitospara sua viabilizao. Moreira e Carneiro(1994) apontam duas condies bsicaspara sua efetivao:

    a) o consenso de que novos investi-mentos em infra-estrutura no podem sermantidos apenas pelo governo ou apenaspelo setor privado;

    b) a definio pelo Estado dos setoresde infra-estrutura em que desejvel maiorinterao com o setor privado.

    Ademais, so necessrias outras con-dies para a efetivao da PPP. A estabili-dade econmica favorvel a novosinvestimentos, pois reduz os riscos e asincertezas. A credibilidade do governo edo pas complementa a segurana daestabilidade macroeconmica, possibili-tando a capitao de recursos a taxas dejuros mais atraentes, pois o risco de default menor. A existncia de ambiente regula-trio adequado trata da transparncia e

    estabilidade das regras seguidas pelosagentes privados nos mercados de serviospblicos e de infra-estrutura, possibilitandoperspectiva de investimentos de longoprazo ao setor privado. O desenvolvimentodo mercado de capitais possibilita maiorfacilidade na captao de recursos para

    financiar investimentos. Um sistema finan-ceiro desenvolvido, do mesmo modo,amplia as possibilidades de financiamentode projetos de infra-estrutura, alm deampliar a possibilidade de hedge (cobertura).Um mercado de seguros maduro pos-sibilita mitigar riscos tpicos de incertezasdos projetos de longo prazo e de longamaturao. O desenvolvimento dosfundos de penso contribui para a alavan-cagem de projetos de longa maturao,pois os fluxos de despesas dos fundos sorealizados em longo prazo. Essas condiesrefletem o fato do setor privado buscarambiente estvel e previsvel, em que asincertezas so minimizadas. Assim, a PPPpode-se concretizar mesmo que uma oumais dessas condies no esteja presentee desde que o setor privado avalie aoperao em um risco aceitvel.

    Kettl, citado em Pereira e Spink (1998,p. 98), aponta quatro diferentes situaesde interao entre o setor pblico e o pri-vado, sendo cada um caracterizado poruma perspectiva de governo. Essa tipologia resumida no Quadro 1, a seguir.

    Primeiramente, o setor privado pode-se caracterizar como beneficirio deservios pblicos, sem interveno diretano seu provimento. Sua perspectiva dereatividade diante da prestao de serviospelo Estado. Na segunda abordagem, osetor privado considera-se um tax-payer,

    Quadro 1: Interao pblico-privada

    Setor privado PerspectivasBeneficirios de servio pblico ReatividadeCidados-contribuintes EficinciaFormuladores de polticas ResponsabilizaoParceiros na oferta de servios Eficcia

    Adaptado de: Kettl, citado em Pereira e Spink (1998, p.98).

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    que deseja ver uma reduo do Estado parapagar menos tributos, contudo busca omesmo nvel de servio, focando-se, assim,na eficincia dos gastos pblicos. Naterceira categoria, o setor privado parti-cipa diretamente da formulao de pol-ticas pblicas, exigindo a responsabilizaopelos atos do governo (accountability). Porfim, a ltima categoria abre espao para aPPP, pois o setor privado parceiro naoferta de servios e cobra do governo aeficcia em suas aes, ou seja, fazer comque elas alcancem suas metas e objetivos.

    Modelos de parceria pblico-privada

    Diversas so as formas e modalidadesde PPP. Cada uma apresenta uma estru-tura bsica com arranjos e padres bemdefinidos, que visam a adequar a parceriaaos objetivos desejados, alm de viabilizarsua implantao. Segundo Moreira eCarneiro (1994, p. 32), podem-se, sucinta-mente, classificar os modelos de PPP em:

    a) BOT (Build-Operate-Transfer): meca-nismo clssico de concesso para explo-rao, construo e prestao de umservio por perodo determinado, ao fimdo qual o projeto retorna ao Estado. Pode-se citar, nesse caso, a explorao de ser-vios de telefonia celular da Banda B,cujo direito de explorao, e somente este,foi inicialmente vendido pelo Estado;

    b) BTO (Build-Transfer-Operate): trata-sede modalidade em que a construo separada juridicamente da operao. Umaempresa do setor privado constri oempreendimento e, antes da explorao doservio, entrega-o ao Estado, que passa aser o detentor do direito de concesso e,mediante outro dispositivo jurdico,concede a explorao mesma empresaou a outra. Pode-se mencionar, como

    exemplo desse modelo, a construo deuma hidreltrica;

    c) BOO (Build-Own-Operate): mecanismoanlogo ao BOT, com a diferena de queno h prazo final de concesso, sendo apropriedade do projeto totalmenteprivada, sem retorno do empreendimentoao Estado. As usinas termeltricas epequenas hidreltricas particulares estoincludas nesse modelo;

    d) BBO (Buy-Build-Operate): neste caso,a venda representa a transferncia depropriedade de um ativo j em operao,acompanhada da obrigao de operaoe de eventual expanso por parte dosnovos controladores. Incluem-se nessamodalidade a operao e a expanso dosservios das empresas de telefoniaprivatizadas;

    e) LDO (Lease-Develop-Operate): oEstado arrenda um ativo existente ao setorprivado, exige a realizao de melhorias epequenos investimentos, em geral derecuperao, e firma um contrato deoperao privada. Algumas concesses derodovias adotam esse formato de parceria;

    f) CAO (Contract-Add-Operate), SuperTurnkey e Operations and Maintenance Contract:consistem em formas de terceirizao dosservios pblicos, podendo englobar arealizao de pequenos investimentos, nocaracterizando uma concesso.

    Em geral, os modelos de PPP envol-vem um consrcio entre participantes paraadministrar uma concesso, constituindouma Sociedade de Propsito Especfico(SPE), ou Special Purpose Company (SPC),com personalidade jurdica distinta dosscios ou controladores. Uma SPC podeenvolver diversos participantes, que seincluem, basicamente, em trs categorias:os scios controladores, os scios minori-trios e os patrocinadores. Cada grupopossui diversos interesses no projeto, o que

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    reflete suas aes sobre esse projeto. Diantedesses interesses, os grupos se articulampara complementar e somar seus recursospara a explorao dos servios. Uma dasprincipais modalidades para a montagemde consrcio destinado a explorar umservio que tm sido desenvolvidas atual-mente o Project Finance. Este pode ser umimportante instrumento para a partici-pao das estatais em PPPs, tema que seraprofundado no tpico seguinte.

    O project finance

    O project finance ou project financing (PF), segundo Azeredo (1999), uma modali-dade especfica de financiamento de pro-jetos, em que uma pessoa jurdica consti-tuda especificamente com o intuito derealizar o projeto ou oferecer determinadoservio, especialmente em infra-estrutura.Segundo Borges (1998, p. 111),

    Os exemplos mais comuns de ope-raes de project finance que vm sendoexecutados no mundo esto na rea deinfra-estrutura, envolvendo reserva-trios de petrleo, refinarias, plata-formas, campos petrolferos, oleodutosconvencionais, indstria petroqumica,hidreltricas, termeltricas (energia emgeral), transportes, sistemas de trnsitode massa, plantas de manufaturaindustrial, minerao, siderurgia esaneamento bsico.

    Para Nevitt e Fabozzi (1995), o PF o financiamento de uma determinadaunidade econmica, no qual o credor sesatisfaz em olhar inicialmente para o fluxode caixa e para as receitas desta entidadecomo a fonte de pagamento do emprs-timo e para os ativos desta unidadeeconmica como os colaterais para o

    emprstimo. Conceito anlogo definidopor Finnerty (1999), em que a expressodiz respeito captao de recursos parafinanciar o investimento de capital econo-micamente separvel, ou seja, de SPEs. Osprovedores de recursos vem o fluxo decaixa e ativos do projeto como fonteprimria de recursos para atender aoservio da dvida (juros), mais a amorti-zao do principal, sendo que os fluxosde recursos so definidos de acordo comas caractersticas do fluxo de caixa.

    Um trao fundamental na definio edistino do project finance das demaismodalidades de financiamento, em especialdo corporate finance5, a concesso de crditoa uma entidade jurdica independente, asSPEs ou SPCs. Dessa forma, a estrutura dofinanciamento est alicerada na capacidadefinanceira do projeto a cargo da SPE, sendoque a deciso dos credores ser baseada naperspectiva de o projeto remunerar o capitalinvestido com seu prprio fluxo de caixa,ou seja, sem solidariedade dos acionistas.Como as SPEs so empresas inde-pendentes, pode-se aproveitar a modalidadeproject finance para se obter melhor rating6 emseus financiamentos.

    Assim, de forma geral, o conceito dePF envolve a implementao de empreen-dimento, geralmente de grande vulto, porpessoa jurdica ou unidade econmica comfins especficos, em que os financiadoresbaseiam seus emprstimos na capacidadefutura do fluxo de caixa do empreendi-mento, existindo garantia colateral doscredores (lenders). Os credores, para aceitaro projeto, precisam estar cientes do know-how na rea do projeto dos administradoresdo empreendimento, da capacidade de osgestores implementarem o projeto enegociarem mecanismos financeiros com acomunidade financeira, bem como daspossibilidades de fluxos financeiros estveis.

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    A estruturao do PF exige uma sriede instrumentos financeiros, comerciais ejurdicos para mitigao de riscos e con-trole eficiente sobre os fluxos financeirosdo projeto, o que inclui a criao de escrowaccount (conta-garantia bloqueada) paraarcar com exigibilidades e fluxos opera-cionais. A origem do project finance estexatamente no intuito de os participantes(players) compartilharem e mitigarem riscos,evitando concentr-los em nico empreen-dimento ou setor.

    A alternativa do PF apresenta-seespecialmente interessante em trs tipos deempreendimentos:

    a) investimento de grande porte, deso-brigando os empreendedores (sponsors)quanto concesso de garantias. Os dbitosdos financiamentos constam somente nobalano da SPE (off balance, para osempreendedores);

    b) envolvimento de empresas que,associadas, apresentam sinergias positivas,podendo haver agregao de potencial demercado, tecnologia, experincia na exe-cuo e montagem do projeto e capaci-dade operacional. O exemplo maiscomum quando empresas demandantese concorrentes se unem a fornecedores econstrutores, montando uma SPE para agerao prpria de energia eltrica;

    c) implantao de projetos de infra-estrutura em regime de concesso, em queo setor privado no est disposto a assumiraportes elevados de recursos. O envolvi-mento de nmero maior de empresas eagncias governamentais d estabilidade sregras de concesso.

    Apesar da vasta experincia mundial noPF, no Brasil a introduo dessa modalidadede financiamento ocorreu somente nadcada de 1990, com o Plano Nacional deDesestatizao, que iniciou a privatizaode grandes empresas dos setores de infra-

    estrutura e fez o setor privado demandarrecursos para novos investimentos.

    Existe uma peculiaridade no casobrasileiro, que deve ser ressaltada. Em umprojeto de investimento com recursosoramentrios diretos do Estado, nocostuma haver financiamento, exceo feitaaos emprstimos externos. No caso deempresas estatais, os financiamentospodem ser obtidos de agentes pblicos,como o BNDES, do setor privado e doexterior, geralmente com o aval doTesouro Nacional. Tal fato reduziria o riscode crdito para os bancos e credores, jque a contnua arrecadao tributriadiminuiria a possibilidade de falncia donegcio. Quando se trata de concesso deservios pblicos, o direito brasileiroimpossibilita que os credores possamassumir a concluso da implantao ou aoperao do projeto, cuja prtica consi-derada fraude ao processo licitatrio. Daa concluso de que, no direito brasileiro,s possvel implantar o PF com pessoasjurdicas de direito privado, de controleestatal ou privado. Essa caracterstica,contudo, no deve ser considerada comogrande obstculo para a viabilizao dePPPs pelo PF, j que o governo pode agirpor suas empresas estatais, ainda muitosignificativas na economia.

    Giambiagi e Alm (2000, p. 432-433)apontam duas caractersticas importantespara a recm-popularizao do PF noBrasil. A primeira a soluo para aausncia de garantias, um problematradicional de projetos de grande porte,sendo a garantia o prprio fluxo de caixado projeto. A segunda, no caso deempresas estatais, a possibilidade derealizar investimentos off balance, que seriamdesvinculados das estatsticas de dficit p-blico. Uma vantagem explcita do PF queos players so solidrios entre si no projeto

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    e no guardam nenhuma relao em seusoutros negcios. Por isso o PF possui umaestrutura financeira muito peculiar.

    Estrutura financeira e partici-pantes do project finance

    Na estrutura financeira do PF, as partesfinanciadoras do projeto procuram, pormeio de operao integrada e conjunta,estabelecer as receitas a serem geradas coma operao do projeto, para a amortizao

    do investimento, ou seja, a securitizao dasreceitas ou dos recebveis. A securitizaoenvolve a transformao de crdito emttulo, e os recebveis so ingressosesperados no fluxo de caixa. A grandevantagem dessa operao est na conversode ativo futuro em ativo de liquidezimediata, antecipando os recebimentos dofluxo de caixa. Dessa operao pode surgiro fluxo inicial dos projetos, ao mesmotempo que os credores tm a garantia dorecebimento do fluxo de caixa futuro. Esse um ponto central da estrutura do PF.Outra caracterstica a salientar a intensiva

    utilizao da reduo de riscos por meiode sua repartio (unbundling). Essa repar-tio, como aponta Rodrigues Jnior (1997,p. 12), envolve a utilizao de ttulos ederivativos. Como dito anteriormente, aestrutura do PF baseia-se na criao de umaSPE, em que ocorre a separao dos riscosdo negcio e o risco dos financiadores.Dessa estrutura surgem diversos parti-cipantes, tendo a SPE como ponto central.A Figura 1, a seguir, ilustra a estruturaresumida do PF.

    Nessa estrutura, podem-se identificaros seguintes participantes, alm da SPE7:

    a) poder concedente, em geral oEstado;

    b) acionistas (sponsors) eles tm inte-resse direto no projeto, que se torna maisuma oportunidade de negcio;

    c) compradores (off-takers);d) financiadores (lenders) bancos,

    agncias bilaterais e multilaterais, fundos depenso e fundos de investimento;

    e) operadores (operators);f) banco lder (arranger) o

    estruturador, um dos bancos envolvidos

    Figura 1: Estrutura resumida do project finance

    Debnture

    Instituies decrdito e financiadores

    (locais e externas)

    Trustee:recebveis

    +conta reserva

    SPE

    Receitas/servios eproduto final

    Usurios

    Poder concedenteCapital

    ConstrutoresFornecedoresOperadoresSeguradoras

    Pacote de garantiasCauo de aes

    Direitos emergentesPenhor de recebveis

    Conta-reserva

    Acionistas

    Fonte: Borges e Faria, 2000, p. 251

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    no financiamento, que possui a misso deestruturar o financiamento e o respon-svel pelos termos do emprstimo e peladocumentao;

    g) fornecedores (suppliers);h) construtores (constructors);i) seguradoras (insurance companies);j) conselheiro financeiro (financial

    advisor) geralmente, um banco comercialde reconhecida reputao, cujo papel instruir os acionistas quanto aos riscosenvolvidos e quais seriam os instrumentose as fontes de financiamento que poderiammitig-los;

    k) engenheiro independente (independentengineer) desempenha papel semelhanteao dos auditores independentes, ou seja,assegura aos demais participantes a viabili-dade e as condies tcnicas do projeto;

    l) agente fiducirio (trustee) respon-svel pela administrao do fluxo de caixa,pela realizao de pagamentos e pelocontrole sob o recebimento de receitas doprojeto;

    m) assessoria jurdica (legal advisors) devido complexa estrutura contratual doPF, uma das figuras mais importantes nafase de anlise e preparao do financia-mento.

    Na estrutura tpica do PF, todos osparticipantes esto envolvidos em algumrisco e possuem responsabilidades espec-ficas. Essas responsabilidades e os riscosdevem estar enumerados nos contratos definanciamento. Os contratos de risco subs-tituem as garantias usuais8 pelas garantiasde performance do projeto. Desse arcabouosurge um arranjo jurdico complexo,oneroso e demorado, pois so vrias assolues a serem propostas. Nesse ponto,a estabilidade e a confiabilidade doambiente legal, bem como o cumprimentodos contratos, so essenciais para aimplantao do projeto.

    Os contratos devem conciliar osdiversos interesses envolvidos em umprojeto, uma vez que pode haver diver-gncias iniciais quanto a algumas con-cepes. Por exemplo, o rgo financiadordo governo pode ter uma viso comple-tamente distinta dos objetivos de um PFdo que um grupo de investidores, masambos tm interesse em sua realizao. Dasurgem, basicamente, trs tipos de nego-ciao necessrios para a efetivao doprojeto. O primeiro definir o papel dosagentes interessados no controle da SPE,quanto cada um aporta e quem ter o poderde deciso e veto. O segundo define, entreos controladores e demais financiadores,os critrios de governana da SPE de acor-do com as normas de financiamento docredor. O terceiro envolve o governo e oscontroladores, ou os candidatos a contro-ladores, no caso de concesses. Devem,nesse ponto, ser definidos os compro-missos perante o poder pblico e a socie-dade, as obrigaes, os prazos, as regras,os benefcios e a possibilidade de parceria.

    Estabelecidas as obrigaes e respon-sabilidades, podem-se definir as formas definanciamento do projeto (BENOIT, 1995).A primeira delas o financiamento comrecursos prprios dos acionistas (equity),pelo qual usualmente se comea um PF eos acionistas passam a ter direito sobre aparticipao acionria da SPE. Dessaforma, podem-se distinguir duas variaes:

    a) equity direto, em que os investidorestm participao na administrao e naoperao;

    b) equity portflio, em que os inves-tidores s fornecem os recursos finan-ceiros e a administrao competncia dosdemais acionistas.

    A segunda principal forma de financia-mento advm de recursos de terceiros (debt).Os recursos de terceiros no implicam

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    participao direta na SPE. Segundo Borgese Faria (2002, p. 263), o atributo principalda dvida o retorno sobre o investimento,compatvel com o retorno tradicionalmenteauferido em operaes de crdito, masprovisionando proteo contra perdas pro-venientes, principalmente, dos ativos doprojeto. A dvida pode ser contrada vianegociaes com os investidores ou porcaptaes no mercado de capitais. No PF interessante a participao de construtores,fornecedores, compradores e outrosparticipantes no financiamento da SPE,especialmente quando o projeto visa a aten-der determinado consumidor ou forne-cedor. Alm disso, as agncias governamen-tais podem oferecer linhas de crdito aempreendimentos estratgicos para aeconomia nacional.

    H ainda uma terceira forma, a derecursos hbridos (quasi equity), em que osrecursos de terceiros assumem peculiari-dades de recursos prprios, como asdebntures conversveis em aes. Seu prin-cipal diferencial decorre de esses recursosserem preferidos pelos demais credoresem caso de quebra, ou seja, somente osscios tm preferncia sobre eles.

    Com essas formas de financiamento,surgem diversas fontes de financiamento(funding) necessrias aos grandes empreendi-mentos de infra-estrutura. Os principaisfinanciadores do PF, alm dos fornece-dores na fase de construo, so aquelesque dispem de grande volume de recursose esperam retornos em longo prazo, comoos fundos de penso, alguns fundos deinvestimentos, seguradoras, bancos deinvestimento e outras instituies finan-ceiras. Alm disso, os governos podemfinanciar projetos em agncias e bancosestatais, como o BNDES ou empresasestatais interessadas no projeto. No planointernacional, encontram-se as agncias

    multilaterais, como o Fundo MonetrioInternacional (FMI), o Banco Mundial(Bird) e o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID).

    Existe ainda a alternativa do leasing,geralmente utilizada para bens de capital. Ascaptaes no mercado de capitais comoCertificado de Depsito Bancrio (CDB),commercial papers, debntures, aes, opese futuros contribuem para o levantamentode recursos de curto prazo para o empreen-

    dimento. No caso brasileiro, devem-seressaltar duas caractersticas negativasassociadas a esses financiamentos. Emprimeiro lugar, ainda no h desenvol-vimento efetivo dos fundos de penso efundos de investimento de longo prazo, oque leva segunda caracterstica: ummercado de capitais ainda incipiente para ademanda de recursos para projetos de infra-estrutura. Esse fato faz com que o PF, no

    Um traofundamental nadefinio e distinodo project financedas demaismodalidades definanciamento, emespecial do corporatefinance, a concessode crdito a umaentidade jurdicaindependente, aSociedade dePropsitoEspecfico.

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    Brasil, apresente riscos maiores e necessi-dade de garantias adicionais para a con-cesso de financiamentos de longo prazo.

    Riscos, garantias e estratgiasmitigadoras

    O PF apresenta diferentes tipos deriscos para os diversos participantes envol-vidos. Na teoria econmica, ocorre riscoquando so conhecidos os vrios resul-tados e as probabilidades de cada um deles,decorrentes de um conjunto de aes emuma situao. Quando as probabilidadesso desconhecidas, h incerteza. Dessaforma, os riscos esto associados spossibilidades de inadimplncia dodevedor. Ao se analisar a classificao deriscos de diversos autores9, podem-seresumir riscos de duas origens distintas: osriscos do projeto e os riscos do pas.

    Entre os riscos do projeto, h os deconstruo, os de operao e os financeiros.Os riscos de construo envolvem apossibilidade de atraso, abandono da obrapor parte da empresa encarregada, aumentode custos para a construo, escolha detecnologia inadequada, risco ambiental,desistncia dos participantes e avaliaes eestimativas erradas. Os riscos de operaoenvolvem a falta de suprimento, o mercadoconsumidor, a ingerncia operacional, opreo de produto inadequado, riscooperacional tcnico e de custo, danosambientais, utilizao de tecnologia inade-quada, alm do risco legal nos diversoscontratos. Os riscos financeiros, por sua vez,dizem respeito s taxas de juros, ao riscocambial e do sindicato dos credores.

    Os riscos do pas, ou soberano, estoassociados a caractersticas polticas, econ-micas, sociais e geogrficas especficas dedeterminado pas. O risco poltico estligado capacidade de um governo mudar

    as normas institucional-legais para osinvestidores, como reajustes tarifrios ealteraes nos impostos. O risco macro-econmico envolve alteraes bruscas naconduo das polticas monetria, fiscal ecambial, de modo a alterar variveis econ-micas, como o crescimento, a inflao, ataxa de cmbio, as taxas de juros, o dficitpblico e a dvida pblica. Existe ainda orisco por caso fortuito ou fora maior (actsof God), relacionado eventualidadesurgida da ocorrncia de fato que possaimplicar perda substancial ou total docapital, como catstrofes naturais advindasde caractersticas geogrficas e catstrofesde cunho sociocultural. O risco soberanoenvolve, portanto, a credibilidade dogoverno e a estabilidade das instituies.

    O risco soberano, no Brasil, tem passadopor fortes oscilaes. O Grfico 1, a seguir,mostra a variao do prmio de riscosoberano do Brasil para ttulos de 30 anosdurante o perodo de agosto de 1998 adezembro de 1999, quando ocorreu a crisecambial. Pode-se notar que, com o incio dacrise, em janeiro de 1999, o risco se elevousignificativamente devido perda de confi-ana e de credibilidade do Brasil no cenrioexterno. A perspectiva do risco soberanodeve ser analisada de forma detalhada paraprojetos de PF, pois a sua alterao poderiacomprometer sua implementao, mesmoconsiderando a maior estabilidade alcanadaaps a crise de 1999.

    H, contudo, vrias medidas mitiga-doras dos riscos envolvidos no PF, comoseguros, contratos, instrumentos demercado, onerao de ativos, participaode instituies internacionais, conscio deagentes financeiros, escrow account e outros.Cada instrumento mitigador atende a umrisco especfico. O risco financeiro podeser diludo por um consrcio de agentesfinanceiros, que repassam seus riscos a

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    terceiros, em um tipo de resseguro. Pode-se ainda dividir o projeto em mdulos comprazos e condies distintas.

    Os instrumentos de mercado, comoas operaes de hedge nos mercados deriva-tivos (opes e futuros), os swaps e contratosde taxas de juros, tambm podem diminuiro risco de variveis macroeconmicassobre as finanas do projeto.

    Os riscos polticos podem ser ate-nuados pela assuno de financiamentosem bancos locais, supondo que estesseriam estreis a crises internacionais, pres-suposto que dificilmente verificado. Aobteno de recursos de agncias multi-laterais diminui a exposio ao risco polticodo pas. Essas agncias tambm oferecemseguros contra riscos polticos. Os segurosso bastante difundidos para o risco defora maior, mesmo que cubram atdeterminado limite. Relaciona-se ainda oseguro-garantia, que um contrato

    acessrio que visa a assegurar a plena satis-fao do objeto contratual.

    Os riscos legais envolvem a elaboraode medidas mitigadoras e a constituiode garantias, o acompanhamento demedidas legais e administrativas, anegociao de inadimplncia e aesjudiciais, de forma a reduzir o risco de todoprojeto. Os contratos so amplamenteutilizados para minimizar os riscos emtransaes financeiras, devendo ser compa-tveis com a legislao vigente das partesenvolvidas. Os vrios tipos de contratosenvolvem o pagamento peridico dequantidade de produtos ou servios rece-bidos ou no, a garantia de venda, decompra, de preos e custos e de forneci-mento de matria-prima.

    A estrutura de garantias, como expemMonteiro Filha e Castro (2000, p. 110), varivel importante do ponto de vista dosfinanciadores, devendo ser negociada na

    Fonte: J. P. Morgan* Pontos bsicos sobre o bnus do Tesouro dos EUA, de caractersticas semelhantes.

    Grfico 1: Brasil: prmio de risco soberano 30 anos* ago./98 dez./99

    ago/9

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    concesso de emprstimos. Segundo osautores, existem trs sistemas de garantias:full recourse, limited recourse e non recourse. Ofull recourse envolve um sistema tradicionalde garantias e os atenuantes de risco noso usualmente utilizados. Os outros doismodelos so utilizados quando existemcontratos de compra e venda de longoprazo. No non recourse, as garantias so ativosdo prprio projeto e a qualidade do fluxode caixa da estrutura tradicional do PF.J o limited recourse um sistema interme-dirio com garantias tradicionais e recebi-mentos futuros. Os autores apresentam umestudo de Howcroft e Fadhley, em quemostram a participao das estruturas degarantia em projetos de PF realizados pelosetor bancrio. Apesar de a estruturatradicional non recourse ter participao de21%, a participao de vrias outrasestruturas e de combinaes bem intensa.Essas combinaes so extremamente teisnos casos de infra-estrutura, especialmenteno Brasil, onde algumas peculiaridadesmencionadas impedem a adoo deestrutura puramente non recourse, o quemostra a grande versatilidade do PF nessesempreendimentos.

    Project finance em infra-estru-tura e o papel das estatais nas PPPs

    Os investimentos em infra-estrutura ne-cessitam de aportes elevados de recursos,exigindo maior grau de alavancagem, o quetem contribudo para a utilizao do PF.Ademais, o fluxo regular de recursos e aparticipao de nmero maior de parti-cipantes diminuem o risco e ampliam apossibilidade de utilizao dessa forma definanciamento em todo o mundo. Entre asprincipais experincias mundiais, podem-semencionar o Euro Tunnel (Frana/Inglaterra),o North-South Expressway (Malsia), o BankokSecond Stage Expressway (Tailndia), o SydneyHarbour Tunnel (Austrlia) e o Sajio PowerPlant (China) (RODRIGUES JNIOR, 1997, p. 46).

    Os governos, para viabilizar as PPPsem infra-estrutura, devem saber a demandada sociedade para definir os empreen-dimentos, de forma a alocar os recursosnecessrios. A PPP em infra-estrutura exigelongos prazos de maturao e equalizaodos interesses dos diversos atores. Um dosatores fundamentais para o sucesso deiniciativas desse vulto, no Brasil, so asempresas estatais de direito privado, dada

    Tabela 1 Estruturas de project financeParticipao dos tipos de estruturas no total de PF realizado*

    Tipos de estruturas de PF Participao no mercado (%)Non recourse 7Garantia referente a compromissos dos sponsors 14Acordo em caso de dficit de caixa 15Garantia de pre-completion** 21Financiamento full recourse 21Mistura de garantias (limited finance) 22Total 100

    Fonte: Howcroft e Fadhley, citados em Monteiro Filha e Castro (2000, p.112).

    * Nmero de bancos da amostra = 28.** Completion = concluso fsica do projeto.

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    a sua importncia para economia e a suacapacidade de investimento. O importantea se destacar que esses investimentos so,muitas vezes, essenciais para o crescimentoe desenvolvimento econmico do pas emlongo prazo. Alm de novos empreendi-mentos (green field), tambm so necessriasas ampliaes dos empreendimentosexistentes (brown field) para o atendimentoda crescente demanda por infra-estrutura.

    Com relao ao desenvolvimentosocial, os investimentos em infra-estruturaso fundamentais na diminuio dapobreza, medida que ampliam a oportu-nidade de acesso a bens pblicos essenciais,com fortes externalidades10 positivas paratoda a sociedade. Do mesmo modo, asestatais cumprem com seu papel social,associando seu funcionamento segundo algica privada com alguns objetivospblicos, de interesse comum a todasociedade. O crescimento sustentvel dopas depende sobremaneira de sua capaci-dade de gerar os insumos de infra-estru-tura necessrios. A ampliao e a dissemi-nao da tecnologia permitem diminuir opreo de bens de custo unitrio elevado,ampliando seu consumo pela sociedade.

    O PF pode atuar para solucionar o trade-off dos servios de utilidade pblica. Essacontradio decorre do fato de esses serviosrequererem grandes montantes de investi-mento em tecnologias caras, mas precisamoperar com baixo custo para atender a todaa populao. Ao se deslocarem as garantiaspara seu fluxo de caixa, pode-se diminuir ocusto dos servios, pois os financiamentostradicionais teriam custo maior.

    Dadas as caractersticas socioeco-nmicas brasileiras, esses investimentos sode difcil concretizao sem a participaodo Estado e de empresas estatais de direitoprivado, seja atuando como regulador dosservios, seja atuando como financiador

    dos projetos. O equilbrio fiscal torna-secondio sine qua non para a efetivao dessepapel do Estado como parceiro estrat-gico dos setor privado e das estatais. Outrapossibilidade seria a parceria entre estataise empresas privadas para a garantia deinvestimos nos setores de infra-estrutura.O governo pode assumir, portanto, afuno de promotor ou de facilitador deinvestimentos em infra-estrutura. O projectfinance permite compatibilizar as duasposies, possibilitando ainda o aprimora-mento do marco regulatrio, devido intensa troca de experincias com o setorprivado e com as estatais.

    Conforme Rodrigues Jnior (1997,p. 27), vrios pases, como a Coria doSul, as Filipinas, os EUA e o Japo, pos-suem tributos vinculados a investimentosem infra-estrutura. Esses recursos garantemcontinuidade da poltica de investimentosdiante das descontinuidades oramentriasdecorrentes de decises polticas. Contudo,a vinculao impede a securitizao dasreceitas tributrias, o que prejudicaria o PF.Outros pases adotam esquemas desubsdios cruzados, pois alguns setoresapresentam quebras de monoplio natural,garantindo, assim, a rentabilidade inicial doempreendimento11. A relao entre inves-timentos e incentivos de infra-estrutura coma poltica fiscal estreita e envolve, namaioria das vezes, algum sistema tributrioespecfico. As obrigaes tributrias soparcela importante do fluxo de caixa dasempresas, mas, ao mesmo tempo, com-pem uma pea fundamental do equilbriofiscal do governo. Contudo, a transfernciada maioria dos investimentos ao setorprivado, a conseqente diminuio dasdespesas de capital e a elevao da arreca-dao de tributos indiretos sobre osservios de infra-estrutura podemcompensar as perdas de arrecadao com

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    benefcios fiscais. Nessa forma, o PFassume papel importante na poltica fiscal,mesmo que o governo no participe direta-mente nos investimentos, pois viabiliza osinvestimentos sem contribuir para aelevao do dficit pblico.

    O governo e as estatais, no PF,assumem ainda posio de fomento anovos empreendimentos, visando, sobre-tudo, a complementar a ao do mercadode capitais, ainda muito incipiente no Brasil.Destaca-se, assim, a funo exercida peloBNDES, principal rgo do governoenvolvido nos projetos de PF. SegundoBorges e Faria (2002, p. 265), o BNDEStem peso expressivo em operaes internascomo provedor de recursos de longo prazo,atuando por agentes repassadores, em rendafixa e em renda varivel. Os autoressalientam que esse papel est gerando atmesmo uma distoro devida ao pesoexcessivo do BNDES nesse mercado decrdito. O BNDES atua como agentedetentor de grande know-how em PF, especial-mente nas relaes jurdicas especficasbrasileiras. O banco estabeleceu o limitemnimo de 20% de capital prprio, sendoque as operaes de longo prazo tiveramem torno de 70% de repasses e 30% departicipao do banco. Seu papel tambminclui a anlise de projetos detalhada, demodo a garantir sua lucratividade, aconcesso de garantias essenciais ao PF e aarticulao dos diversos participantesenvolvidos. Ademais, a disseminao dosconceitos do PF tem sido preocupaocontnua de seu corpo tcnico. O BNDES o principal representante do Estadobrasileiro para a viabilizao das polticaspblicas de infra-estrutura. Na condio deagente financeiro, o banco tambm poderealizar projetos rentveis, que garantamnovos fluxos de investimentos e movimen-tem mais recursos no mercado financeiro.

    Para o setor privado e tambm paraas estatais, os investimentos em infra-estrutura possuem elevados potenciais delucratividade (RODRIGUES JNIOR, 1997,p. 16). Alm disso, os mercados de infra-estrutura so consideravelmente maisestveis que outros mercados e maisseguros que aplicaes financeiras de altavolatilidade. Assim, o setor privado temgrandes incentivos em participar deparcerias com o setor pblico, de modo aviabilizar investimentos nesses setores.Entre os setores com maior potencial denegcios para o PF no Brasil, podem-seelencar: energia hidreltrica e termeltrica,petrleo e gs, petroqumica, transportes,terminais porturios, telecomunicaes,saneamento, minerao, parques industriaisde commodities, lazer de grande porte eedificaes pblicas (PICCININI, 1996). Taissetores, como se pode perceber, soessenciais ao desenvolvimento econmicoe social do Pas, de modo que sua garantiapela estratgia de parceria pblico-privada,envolvendo as estatais, viabilizada peloproject finance , fundamental para odesenvolvimento sustentvel da sociedadebrasileira.

    Concluso

    O papel do Estado tem sido refor-mulado ao longo das ltimas dcadas. Acrise dos anos 70 reduziu sobremaneira acapacidade fiscal dos governos, de modoque os investimentos em infra-estrutura atento realizados foram reduzidos drastica-mente. Uma das solues encontradas paramanter o fluxo de investimentos e garan-tir o crescimento econmico foi a transfe-rncia de ativos de infra-estrutura ao setorprivado, bem como a concesso para aexplorao de novos servios de infra-estrutura. No Brasil, as privatizaes

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    tiveram incio na dcada de 1980, massomente se efetivaram na segunda metadeda dcada posterior, quando grandesempresas de servios pblicos foramprivatizadas. As empresas estatais de direitoprivado remanescentes, cada vez maisseletivas, tornaram-se agentes fundamentaispara o desenvolvimento do Pas, no maispelo seu tamanho, mas por sua eficincia eexcelncia, como o caso da Petrobras.

    As privatizaes propiciaram tambmmaior interao entre o setor pblico e osetor privado, alm de ampliar a lgica degesto profissional nas estatais. Essa interaofoi o primeiro passo para o estabelecimentode parcerias pblico-privadas. A necessi-dade de novos investimentos e a percepode que esses investimentos no podem sermantidos somente pelo Estado, somentepelo mercado ou somente pelas estataistornam viveis as parcerias. Ademais, o setorprivado busca ambiente de equilbriomacroeconmico e estabilidade institucional,condies essas tambm fundamentais parao ajuste fiscal do governo. A delegao defunes do Estado ao setor privado deuorigem a outras formas de parceria, almda participao de setores de infra-estru-tura privatizados, gerando novas instituiesresultantes do processo de reforma. Asestatais tambm se inserem nesse processocomo parceiras do governo ou de outrasempresas, buscando garantir, de um lado,o retorno sobre seu investimento e, de outrolado, o crescimento econmico do Pas.

    Vrios so os modelos de parceria,sendo que, em geral, eles envolvem acriao de uma SPE para a gesto doprojeto. Essas sociedades concentramdiversos participantes com interessesdistintos, e uma das modalidades maiscomuns para criao de um consrcio paraexplorar servios de infra-estrutura oproject finance.

    O PF tem como ponto fundamentala antecipao de recebveis pela securiti-zao de receitas e a diluio dos riscosentre os participantes, pois cada um assumeuma responsabilidade. Torna-se possvel,ento, maior alavancagem financeira,devido grande quantidade de partici-pantes e diluio de riscos, convertendobenefcios privados em benefcios pblicos,pois os bens de infra-estrutura so degrande utilidade para toda a sociedade. Ao

    tratar contabilmente a SPE de formadiferente de seus controladores, o PFcontribui para obteno de melhores taxasde risco e evita a contaminao com osbalanos dos controladores. Essa umaoportunidade para que as empresas estataisestabeleam parcerias com a administraodireta ou com o setor privado, de modo agarantir os investimentos em infra-estru-tura necessrios ao Pas.

    O governo eas estatais, noproject finance,assumem posiode fomento a novosempreendimentos,visando, sobretudo,a complementar aao do mercado decapitais, ainda muitoincipiente no Brasil.

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    Ao envolver vrios participantes, comoscios, bancos, financeiras, seguradoras,fornecedores, compradores, estatais,governo e construtores, o PF contribuipara a transparncia na gesto do projetoe na divulgao das informaes. H oaprimoramento da governana corpora-tiva, o que possibilita ingresso de recursosainda maior. Com mais participantes, orisco torna-se ainda mais segregado,garantindo melhores condies para novosinvestimentos. A substituio de garantiasusuais por garantias de performance permitemaior flexibilidade a acionistas e credores,alm de disponibilizar recursos para inves-timentos em curto prazo. De outramargem, os recebimentos so garantidospelas receitas operacionais do projeto.

    O PF uma alternativa de financiamentoe, como tal, pode ser menos interessante doque outra. A deciso de investimento em umprojeto via project finance deve exigir minuciosaanlise tcnica de viabilidade.

    Mesmo que no seja parte do escopodeste trabalho, crucial mencionar os riscosjurdicos desse modelo no Brasil. Emboraeste artigo foque nas oportunidades parainterao das empresas estatais, esse umdesafio iminente na implantao desse tipode arranjo. Como apontam Borges (1998)e Borges e Faria (2002), a cultura jurdicabrasileira, especialmente no cumprimentodos contratos, bem distinta dos pasesanglo-saxes de direito consuetudinrio, nosquais se originou o PF. Os autores enfatizama necessidade de se adequarem os instru-mentos jurdicos ao arcabouo brasileiro,sobretudo no que se refere s suas interfacescom o direito pblico. Os conflitos comoutras legislaes vigentes tambm podemconfigurar grandes riscos na implantaodesse tipo de instrumento no Brasil.

    Outro ponto importante a adaptaodos fluxos financeiros efetivos com a

    previso, de modo a garantir o equilbriofinanceiro do projeto e o recebimento dosinvestidores, valendo-se, para tanto, deinstrumentos de garantia, como a conta-garantia bloqueada.

    A implantao do PF depende doambiente macroeconmico, social, legal,poltico e regulatrio do pas, de modo aminimizar as incertezas e os riscos decenrios futuros. No Brasil, ainda incipiente o mercado de capitais para ofinanciamento de longo prazo. Tal fato, emgrande parte, deve-se existncia depoucos fundos de penso, parceiros indis-pensveis para parcerias em infra-estrutura.Esses fundos, com grande disponibilidadede recursos, necessitam de retornos emlongo prazo, o que ideal no PF. Assim, aatuao das estatais pode estimular essemercado. Cabe tambm ao governoincentivar a disseminao dos fundoscomo instrumentos de formao dapoupana nacional para a viabilizao deinvestimentos. A ampliao do mercadode seguros tambm expande as possibi-lidades de alavancagem.

    O governo tem ainda o papel funda-mental de incentivar os investimentos egarantir o respeito aos contratos assinadoscom os concessionrios de serviospblicos. Estes, por sua vez, devem cumprirsuas obrigaes contratuais. A confiana e acredibilidade nas relaes dos participantesenvolvidos so fundamentais para o sucessodo projeto. Da a necessidade de ambienteregulatrio estvel e confivel.

    Os investimentos em infra-estruturaso essenciais no crescimento e desenvolvi-mento de longo prazo do pas. Essesinvestimentos demandam parceria entre osetor pblico, as empresas estatais e o setorprivado para sua viabilizao. Estratgiasque viabilizem essas parcerias, como o PF,consolidam novo papel do Estado e das

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    prprias empresas estatais, podendo,portanto, contribuir para o desenvolvi-mento sustentvel da sociedade brasileirae ainda garantir o retorno financeiro aosacionistas e s prprias estatais. Logo, o

    papel destas torna-se cada vez maisimportante no estmulo ao crescimento edesenvolvimento da sociedade brasileira.

    (Artigo recebido em julho de 2006. Verso finalem julho de 2006)

    Notas

    1 A respeito dos motivos da participao do Estado na economia brasileira e em outros pases,ver Giambiagi e Alm (2000), Trebat (1980) e Baer, Newfarmer e Trebat (1976).

    2 Na prtica, o rolling back the state significou a privatizao em massa e a desregulamentao dasempresas estatais, na tentativa de reduzir de forma extrema os gastos pblicos (ABRUCIO, 1997, p.15).

    3 Veja, por exemplo, o papel da Petrobras no atual cenrio econmico brasileiro.4 Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social. Criado pela Lei no 1.628, de 1952,

    com a finalidade de financiar a formao de infra-estrutura essencial industrializao do Pas, sendoa principal fonte nacional de financiamento de longo prazo. Em 1990, foi gestor do Fundo Nacionalde Desestatizao (FND) e apoiou tcnica, administrativa e financeiramente o PND. Exerceu aindapapel fundamental nas privatizaes aps 1995 como financiador de longo prazo.

    5 A expresso corporate finance, segundo Borges e Faria (2002), significa a concesso de crditocalcada em abordagem tradicional de anlise e de instrumentos de garantia, ou seja, avaliao usual decrdito em funo do histrico, do balano patrimonial e, principalmente, da reputao do tomadordo crdito. Adicionalmente, utilizam-se garantias tradicionais, como patrimnio, carta de fiana edemais ativos oferecidos pelos acionistas ou avalistas. Nesse caso, a preocupao dos credores limita-se capacidade financeira dos devedores em saldar as suas dvidas e, a princpio, no h nenhumapreocupao em relao alocao dos recursos.

    6 Os ratings so classificaes de risco indicando a probabilidade de inadimplncia, atribudoscom base em informaes fornecidas pela prpria empresa, principalmente as suas demonstraesfinanceiras. Eles dependem da probabilidade de inadimplncia da empresa e da proteo dada pelocontrato de emprstimo em caso de inadimplncia.

    7 Optou-se por utilizar os termos em ingls entre parnteses por ser a denominao comum naliteratura e na prtica do project finance.

    8 Ativos, cartas de fiana, aval dos acionistas, hipoteca, carta de crdito, entre outros.9 Ver Borges e Faria (2002), Finnerty (1999), Tinsley (2000) e Nevitt e Fabozzi (1995).10 Ocorrem quando o bem-estar de um consumidor ou as possibilidades de produo de uma firma

    so diretamente afetados pelas aes de um outro agente da economia. De outra forma, as externalidadespodem ser definidas como os efeitos sobre uma terceira parte, derivadas de uma transao econmicasobre a qual a terceira parte no tem controle. Externalidades positivas so efeitos que aumentam o bem-estar dessa terceira parte (por exemplo, reduzindo os custos de produo), enquanto externalidadesnegativas so efeitos que reduzem o bem-estar (por exemplo, aumentando os custos de produo).

    11 Os monoplios naturais apresentam economias de escala, que ocorrem quando o customdio da firma se reduz (ou o produto mdio aumenta), quando a produo cresce, a preos dados

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    de insumos. Analogamente, ocorre quando uma firma possui custo total de produo menor doque a soma dos custos de duas ou mais firmas, produzindo o mesmo bem ou servio. A quebra deum monoplio natural pode acabar com esses ganhos e gerar prejuzos para a empresa em ummomento inicial

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    As estatais e as PPPs: o project finance como estratgia de garantia de investimentos em infra-estrutura

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    Resumo - Resumen - Abstract

    As estatais e as PPPs: o project finance como estratgia de garantia de investimentosem infra-estruturaWagner Frederico Gomes de ArajoEste trabalho discute o papel das estatais nas PPPs, de modo a garantir investimentos em infra-

    estrutura pelo financiamento via project finance. Partindo de um contexto de privatizaes desse setor,que, no Brasil, efetivou-se na dcada de 1990, buscou-se mostrar como surgiu espao para o estabele-cimento de PPPs, advindas de novas instituies resultantes do processo de reforma do Estado. Oproject finance colocado como uma forma de garantir o financiamento desses investimentos. Suaestrutura financeira, baseada na criao de uma pessoa jurdica para a gesto do empreendimento, buscadirimir os riscos pela elevao do nmero de participantes e pela securitizao de receitas futuras,tornando-as lquidas em curto prazo. A discusso sobre o papel do project finance revela que essa umaestratgia vivel para a garantia de investimentos por parte das estatais, em parceria com o governo ecom outras empresas, que levem ao desenvolvimento socioeconmico sustentvel do Pas.

    Palavras-chave: project finance; parceria pblico-privada; empresas estatais

    Las empresas estatales y las asociaciones pblico-privadas: el project finance comouna estrategia de garanta de inversiones en el sector de infraestructuraWagner Frederico Gomes de ArajoEste artculo discute el rol de las empresas estatales en las APPs como medio de garantizar las

    inversiones en el sector de infraestructura va project finance. Se empieza con la discusin sobre lasprivatizaciones en los aos 90 en Brasil, que permitieron el surgimiento de nuevas instituciones comolas APPs. El project finance se presenta como forma de financiar estas inversiones. Su estructura financiera,basada en la creacin de una sociedad de propsito especfico, busca reducir los riesgos por medio de laelevacin del no de participantes. Se muestra, as, como una estrategia viable para garantizar las inversionesde las empresas estatales en el sector de infraestructura, en asociacin con el gobierno y otras empresas.

    Palabras clave: project finance; asociacin pblico-privada; empresas estatales

    State-owned companies and public-private partnerships: a strategy to ensureinfrastructure investments through project financeWagner Frederico Gomes de ArajoThis study discusses the role played by state-owned companies in PPPs in order to ensure

    infrastructure investments through project finance. The article starts with the debate over the privatizationprocess that took place, in Brazil, in the 90s, within a larger movement of State reform, which pavedthe way to the establishment of new institutions such as the PPPs. Project finance is presented as amean of funding PPPs in infrastructure projects. Its financial structure involves the creation of a specialpurpose company, which seeks to properly allocate risks by increasing the number of stakeholders andsecuritizing future revenues. Project finance reveals itself as a feasible strategy to ensure investments bystate-owned companies in partnership with the government and other companies.

    Keywords: project finance; public-private partnership; state-owned companies

    Wagner Frederico Gomes de ArajoAdministrador, mestre em Cincia Poltica pela UFMG e Especialista em Polticas Pblicas e Gesto Governamentaldo Governo do Estado de Minas Gerais. Atua tambm como professor universitrio na Escola de Governo daFundao Joo Pinheiro, na Faculdade Promove e nas Faculdades Arnaldo Jansen. Contato: .