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AS DUAS ESTRUTURAS DA IMAGEM LITERÁRIA RESUMO Estudo das estruturas da imagem literária. Baseia-se em Roman Jakobson e em Vicente Huidobro. Grande destaque ao ludismo, no decorrer do ensaio. Palavras chave: Imagem visual, Ludismo, Poesia Brasileira. ABSTRACT Based upon Roman Jakobson's and Vicente Huidobro's studies of the structures of the literary image, this paper highlights the ludic throughout it. Key words: Visual Image, Ludismo, Brazilian Poetry. Entre os séculos VIII e VI a.C., o povo grego começou a usar uma escrita nova, alfabética (em lugar de uma antiga, silábica, e não generalizada, conhecida hoje como linear A, ainda indecifrada) e os velhos cantos épicos, as narrativas dos rapsodos, as tragédias e as cantigas de toda natureza, que existiam somente pela recitação acompanhada de música e às vezes de dança, começaram a aparecer também como forma escrita. No século VI a.C. Psístrato e seu filho Hiparco, sob o incentivo de Solon, juntaram os vários episódios recitados pelos aedos, transformando-os em manuscritos com o nome de Ilíada e Odisséia. A escrita ajudava assim a dessacralizar a poesia, presa até então à tradição mítica oralizada. Inicia-se com a escrita o que se conhece hoje por literatura. Com o aparecimento da escrita os dois modos de representação na Hélade (ainda cheia de vestígios da cultura indo-européia) — o da poesia e o da * * * pintura — puderam ser pensados como arte, restringindo-se o vasto contexto semântico da . Foi por intermédio da "letra", da escrita, que a poesia tekhnê 11 Juiz de Fora 2006 Gilberto Mendonça Teles (CES/JF)

AS DUAS ESTRUTURAS DA IMAGEM LITERÁRIA - Centro de … 10/01... · 13 Juiz de Fora 2006 profundo", "precioso líquido" ou "barriga da perna", expressões que, com o uso, perderam

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AS DUAS ESTRUTURAS DAIMAGEM LITERÁRIA

RESUMOEstudo das estruturas da imagem literária. Baseia-se em RomanJakobson e em Vicente Huidobro. Grande destaque ao ludismo,no decorrer do ensaio.

Palavras chave: Imagem visual, Ludismo, Poesia Brasileira.

ABSTRACTBased upon Roman Jakobson's and Vicente Huidobro's studiesof the structures of the literary image, this paper highlights theludic throughout it.

Key words: Visual Image, Ludismo, Brazilian Poetry.

Entre os séculos VIII e VI a.C., o povo grego começou ausar uma escrita nova, alfabética (em lugar de uma antiga,silábica, e não generalizada, conhecida hoje como linear A,ainda indecifrada) e os velhos cantos épicos, as narrativas dosrapsodos, as tragédias e as cantigas de toda natureza, queexistiam somente pela recitação acompanhada de música e àsvezes de dança, começaram a aparecer também como formaescrita. No século VI a.C. Psístrato e seu filho Hiparco, sob oincentivo de Solon, juntaram os vários episódios recitados pelosaedos, transformando-os em manuscritos com o nome de Ilíadae Odisséia.

A escrita ajudava assim a dessacralizar a poesia, presaaté então à tradição mítica oralizada. Inicia-se com a escrita oque se conhece hoje por literatura. Com o aparecimento daescrita os dois modos de representação na Hélade (ainda cheiade vestígios da cultura indo-européia) — o da poesia e o da

* * *

pintura — puderam ser pensados como arte, restringindo-se ovasto contexto semântico da .

Foi por intermédio da "letra", da escrita, que a poesiatekhnê 11

Ju i z de Fora 2006

Gilberto Mendonça Teles (CES/JF)

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VERBO DE MINAS: letras

pôde ser pensada como literatura. [E o curioso é que até hoje asuniversidades brasileiras não se interessam pelo estudo daescrita — do grafema — , privilegiando apenas o fonema.]

Daí a frase histórica de [556 - 468 a.C.],chegada até nós por intermédio de Plutarco, em

, III, 346 — "A pintura é uma poesia silenciosa; apoesia, uma pintura que fala", frase que repercutirá nopensamento latino, no famoso " ", de Horácio.

No contexto oralizante, a "imagem" era um processomnemotécnico para se lembrar de versos a serem recitados e,também, uma forma de representar mais vivamente alinguagem do rapsodo. Era portanto fortemente repetida como"deixa", como "gancho" (como se diz hoje) para que o narradornão se perdesse. Ao falar, por exemplo, de Ulisses, os epítetossão sempre os mesmos; ao falar da madrugada, repete-seconstantemente a bela imagem da Aurora de dedos rosados.

Com a escrita a passou a ocupar o centro dacriação poética, introduzindo vários sentidos e representandocoisas difíceis de serem ditas de outra maneira. Ela introduz umsegundo sentido, não literal, metafórico, simbólico, ouanalógico. E possui o seu "lugar" no discurso, deslizando entre osignificante e o significado e atuando na micro- e namacroestrutura, nas duas estruturas do poema ou da narrativa.A poesia tradicional e a de vanguarda do século XX fizeram da

a força energética do poema, a ponto de recuperar comela uma nova estética da visualidade. A imagem na poesia devanguarda passou da (hipotaxe) à

(parataxe), como na poesia concreta, e chegou aexperiências com a linguagem não-verbal, como no poemaprocesso.

Daí a preocupação inicial, neste seminário, de saber oque é IMAGEM, melhor, o que é uma IMAGEM LITERÁRIA e,mais exatamente, o que é uma IMAGEM POÉTICA. No fundo,a preocupação é saber e se forma, qual a sua funçãona poesia e também na prosa e, afinal, por que se transforma eperde o seu poder de estranhamento, passando da linguagemliterária para o armazém da linguagem comum, em forma defiguras desautomatizadas — as catacreses do tipo "silêncio

SimônidesDe Gloria

Atheniensium

Ut pictura poesis

imagem

imagem

construção verbal construçãonominal

como onde

I - TEORIAS E DEFINIÇÕES

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Ju i z de Fora 2006

profundo", "precioso líquido" ou "barriga da perna", expressõesque, com o uso, perderam a sua força poética e entraram nafreqüência da linguagem comum.

Antes de dar resposta a estas interrogações, é precisopôr em cena alguns termos e definições que direta eindiretamente se relacionam com a imagem, como

, dentre uma grande série deinúmeros outros, que não vem ao caso mencionar agora.Começo pela definição de alguns termos.

[do lat. ,] é uma palavra ou expressão

que evoca um objeto, de modo a dar uma impressão concretadele, seja na linguagem comum, seja na linguagem literária ouem outro tipo de "linguagem", como a artística. É arepresentação mental do objeto, percebido pela nossasensibilidade Primeiramente, dizia respeito à visão, masatualmente abrange todos os sentidos. A se difere da

por apontar para o objeto , enquanto a idéia ositua no plano . A imagem não é privilégio apenas dodiscurso poético: ela está também no discurso comum e no detodas as artes. Aliás, o grande problema dos estudiosos[retóricos, lingüistas e críticos] têm-se colocando deste modo:

—Até o séc. XVIII, Fantasia e Imaginação eram termos sinônimos e

imaginação,imaginário, fantasia, figura, tropo, linguagem comum, linguagempoética, retórica, poética e estilo

imago áginis = reflexo, máscara,sombra, alma, fantasia, fantasma

1. IMAGEM

2. IMAGINAÇÃO / FANTASIA / IMAGINÁRIO

imagemidéia concreto

abstrato

A) Existe apenas única, que seja ao mesmotempo comum e poética, com maior ou menor quantidadede imagens?

b) Ou existem mesmo , uma comum eoutra poética, literária?

C) Se existem, quais os elementos que as distinguem?

d)) Mas os retóricos dos séc. XVIII (Du Marsais e Fontanier)punham também a seguinte questão: A linguagem figurada(cheia de imagens) é idêntica à linguagem poética?

e) E podemos hoje acrescentar mais interrogações: Épossível uma sem ou sem ?

f) E e (ou tropos) são termos idênticos? Senão, em que se diferenciam?

uma linguagem

duas linguagens

linguagem literária imagem figura

imagem figura

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VERBO DE MINAS: letras

vistos como "faculdades de unir conteúdos representativos".Depois Fantasia passou a significar imaginação desordenada. Oponto de partida para a separação foi a distinção entre asimagens que são idéias das coisas e imagens que são fictícias,inventadas. O romantismo distinguiu entre Imaginação criadora(ou Fantasia) e Imaginação comum (Imaginação). Para Hegel (naEnciclopédia), "a Fantasia é o sentido maravilhoso que podesubstituir para nós todos os sentidos". A está para osMitos, assim como a Imaginação está para a Criação literária ouartística. A confundiu-se na artes (arquitetura, música,pintura, e literatura) com o arabesco, inicialmente forma dedecoração e ornamento, especialmente arábico, depois, tantona música como na pintura, um ponto que é tomado eretomado, e indefinidamente retomado, como num mosaico.Mas a Fantasia é vista hoje como um armazém de imagensestratificadas, a que se recorre para comparações ou ilustraçõesculturais do texto, ao passo que a Imaginação deve serentendida como o poder do escritor de investigar e criarimagens novas a partir das "velhas" ou da sua própriacapacidade de invenção. [Com a psicanálise esses termos foramredimensionados e ganharam sentidos especiais, como o termo

no , de J. Laplancheou em de l'imaginaire, deGilbert Durand.]

[ou o "grau zero" dalinguagem]— é a que se faz a partir de uma .[Lembre-seque uma língua é um sistema de signos que possui

(Cf. Martinet):a primeira, a dos , é a dasunidades significativas ou uma articulação de escolha dofalante, como entre "bala" e "vala"; a segunda, a dos , é adas , como entre "b" e "v" que não possuemsignificação mas se juntam com outros fonemas formando umaunidade de sentido, um monema. Na linguagem comum osignificante está colado no significado e os semas são essenciaisà compreensão por parte do ouvinte ou do leitor. A linguagemcomum é transparente: ela é invisível, mostra apenas oconteúdo a ser comunicado. As imagens que nela existemperderam (ou estão perdendo) a força expressiva e estão seigualando à palavra do dicionário. Mesmo assim, é possível

Fantasia

Fantasia

Vocabulário de psicanáliseLes structures anthropologiques

línguaduas

articulações monemas

fonemasunidades distintivas

IMAGINÁRIO

3. LINGUAGEM COMUM

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Ju i z de Fora 2006

perceber a figura na tendência metafórica do linguajar comum:Um rouxinol (um sabiá) quando a pessoa canta bonito;umacobra (pessoa perigosa), etc.

— é a que se faz a partirdo significante da linguagem comum, que recebe umtratamento retórico (artístico), por parte de quem escreve, ecom intromissão de (pessoais) no significado,de tal maneira que aparece um entre o significante e osignificado — é o , a qual exige do leitor adescodificação para a compreensão do texto. Esta linguagem sódispõe da primeira articulação, a da ordem dos , poisos seus fonemas são os mesmos da de que se faz alinguagem comum. Além disso, trata-se de uma linguagem

(translúcida), pois ela se apresenta coberta de imagens(de ).

[ou cheia de imagens]— Para que haja uma é preciso que exista emface dela uma , ou da linguagem.Tanto os gramáticos como os retóricos acreditavam que o objetoda Retórica (da arte literária) é o que se da maneirasimples de falar. Havia critérios para se distinguir a linguagemcomum da figurada, como o das comutações lógica / alógica [Cf.a figura do corretivo: "por assim dizer", "se se pode falar assim",etc.] freqüente / pouco freqüente, neutro / valorizado ruim etransparente / opaca [invisível / visível, cf. a figura da ].Os gramáticos e retores davam o nome de e

às formas de falar que têm o objetivo de conhecer opensamento; e chamavam às formas que exprimem,junto com o pensamento, as emoções pessoais.

4. LINGUAGEM LITERÁRIA

espaçolugar da imagem

5. LINGUAGEM FIGURADA

grau zero

desvia

semas particulares

monemaslíngua

opacafiguras

linguagem figuradalinguagem comum

hipotiposefrases, expressões

períodosfiguras

5.1. É a teoria do [da transgressão] que está na basedos estudos da Estilística e, de certa forma, da Críticaliterária. Mas com o romantismo deixou-se de pensar adicotomia entre linguagem Natural e Artística,descobrindo-se que não há linguagem inocente ou neutra,tanto a comum quanto a literária estão carregada defiguras. , além de marcar alinguagem literária, dando-lhe a força estética da arte,torna-se também um traço distintivo da humanidade,

desvio

A linguagem figurada

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VERBO DE MINAS: letras

porque ela equivale à consciência que o homem tem daexistência de seu discurso.5.2. Em relação ao efeitosemântico da , é preciso ver que ela, sobretudo os

, evocam na consciência um sentido diferentedaquele que está na frase. Se digo vela em lugar de barcoque relação se estabelece entre os dois sentidos de vela ou,até, entre os três sentidos, quando se passa da metonímiapara a metáfora? Pensava-se numa simples substituição depalavras. Numa frase como "

", o absurdo está no nível dossentidos próprios, isto é, da linguagem comum;figuradamente se reestabelece a "lógica” maior dalinguagem: como metonímia de e metáforade ; e por presença metonímica do homem emetáfora de

6.1. A única qualidade comum a todas as figuras retóricasé a sua , isto é, sua tendência a nos fazerperceber o discurso em si mesmo e não somente a suasignificação. Assim, a luta contra o

o pensamento; e chamavam figuras àsformas que para impor a

6.2. Na (repetimos) há uma sóreferência que é a mesma tanto na enunciação como noenunciado: significante e significado estão colados nomesmo referente (denotatum); naas duas referências são isoladas — há um entreelas: é o lugar da figura — é que deve completar

figuratropos

linguagem comum

linguagem poética

e o leitor

,

mão homemtrabalho pé

mata virgem.

linguagem literáriasentido abstrato

linguagem comum presençaquase física das coisas.

espaço

Floresta onde a mão dohomem nunca pôs o pé

— A questão a saber é se a Linguagem Figurada éidêntica à Linguagem Poética. Se não, quais são as suasrelações? No passado não se pensava em identidade, mas emdiferença.

. Além disso, existe uma diferença na hierarquiadas duas noções: A é umaespécie de potencial no interior da ,sendo que a é uma seleção e umaconstrução, uma reelaboração desse material disponível. Sobreisso, os estudiosos chegaram a propor uma divisão —

, os da língua; , os da "fala" do escritor.

6. LINGUAGEM FIGURADA e LINGUAGEMPOÉTICA

A experiência mostrava que existe também umapoesia sem figura, como também existe uma linguagem figuradafora da poesia

Tropos deUso Tropos de Invenção

linguagem figurada tradicionalestoque linguagem comum

linguagem poética

opacidade

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asegunda, do enunciado. Que faz o leitor? SegundoBlanchot, o leitor da literatura percebe a falta do

e procura preeencher o vazio do espaço com asua ou seja, com as imagens que for capaz decriar a partir do que ler ou que gostaria de estar lendo.

6.3. Conclui-se, portanto, que não há duas linguagensfiguradas, uma poética e outra comum. Tanto uma comooutra são introduzidas na obra, segundo as codificações degênero, tema e estilo. E são descodificadas conforme opoder de criação do leitor.

semaessencial

imaginação,

— A é o tipo deimagem encontrada nos vários níveis e planos do discurso, oral eescrito. A sempre a tratou como um desvio da normalingüística, do código padrão, fosse ele fônico, gráfico,semântico, sintático, textual ou lógico. Daí as figuras de dicção,de construção, de pensamento a que o orador deveria prestaratenção nas quatro partes do seu sistema, a saber:

e . Todas as operações do ato deescrever são hoje consideradas . Reserva-se o nome detropo (do latim tropare = encontrar, como no francês trouver,isto é, encontrar as imagens, as figuras da canção do trovador)para a figura que altera o significado das palavras e expressões,no que diz respeito ao nível semântico da língua. Entre asprincipais figuras que são tropos estão a

[céu rápido: o adj. não está adequado aosubs.] e o .

— [Cf. Aristóteles e osSofistas nos textos dos pré-socráticos,] São como as faces de umamoeda: a trata da teoria do discurso, enquanto a

se preocupa com a sua eficácia. Assim, a necessitadas duas — a forma de pensar o discurso (a ) e a maneirade embelezá-lo e de torná-lo esteticamente funcional (a

). As duas compõem o conhecimento, a técnica (a )do escritor. Foi a Retórica que tratou de denominar as figuras ede classificá-las. A classificação mais didática é a do Grupo µ , deLiège. (Cf. as notas de rodapé do meu livro .)

— Depois da afirmaçãode Roland Barthes de que a Lingüística parava na , isto é,

7. FIGURA / TROPOS

8. POÉTICA / RETÓRICA

9. FAMÍLIA DAS FIGURAS

figura

retórica

figuras

poéticaretórica Arte

poética

retórica Arte

frase

inventio,dispositio, elocutio actio

metonímia, a sinédoque,a metáfora, a hipálage

oxímoro

Contramargem

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VERBO DE MINAS: letras

nunca chegava ao , o grupo µ de estudos da Poesia,em Liège [Cf. , 1970]classificou asem quatro famílias, distribuídas pelos planos de Expressão e deConteúdo. [Cf. meu livro , 1996]No PLANO DE EXPRESSÃO estão os (aférese,síncope, apócope, etc.) e (crase, elipse, parataxe,métrica, anacoluto, etc.); e no de CONTEÚDO os

(símiles, metonímia, metáfora, etc.) e(reticência, eufemismo, alegoria, ironia,

analogia e anagogia, etc.). Tal classificação deu ao estudo dasfiguras um sentido didático coerente e atualizado em relaçãoaos estudos da linguagem.

— Foi apartir daí que se começou a pensar nas figuras além da frase,sobretudo nas narrativas. Daí o que chamamos as duasestruturas da imagem literária, isto é, figuras que se situam nonível da , abrangendo o fonema, a sílaba e apalavra, tanto no plano de expressão como no do conteúdo; efiguras que se formam dentro da do texto,como, por exemplo,

e no plano doconteúdo , a

; e no plano retórico, dentre outras,

e , além de outras que se podem ver, porexemplo, no , de Lausberg.

—Sabe-seque a imagem etimológica (o sentido mais antigo da palavra, oque está na sua raiz e, portanto, o que é tido como "verdadeiro"[de ''et?µ??, "o verdadeiro") de cada palavra na língua estavainicialmente adequado à realidade social da época em que seformou. É o caso de chegar, do lat. plicare, isto é, ato de dobraras velas do navio, e isto só se fazia quando chegava ao portofinal, o que motivou o sentido de chegar. A metonímia inicial(vela por barco) virou catacrese, perdeu o estranhamento. Apalavra farra, fazer farra, bebedeira, era o bolo de noiva, feito de

discursofiguras

micro-estrutura

macro-estrutura

Rhétorique générale

o narrador, a descrição, o ponto de vista, otempo, o espaço, no plano de expressão;

, a diegese personagem, o tema, a lógica das ações ea verossimilhança oparalelismo, a gradação a repetição, a prolepse, a analepse, osuspense, o clímax

Manual de retórica literária

A escrituração da escritaMetaplasmos

Metataxes

MetassememasMetalogismos

10. AS DUAS ESTRUTURAS DA IMAGEM

1. FIGURAS DA LINGUAGEM COMUM

II - ALGUMAS PRÁTICAS

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farinha. O caso do cifrão é bem interessante: transpondo ascolunas de Hércules, Gebel-el-Tarik fez cunhar uma moedacom sua efígie, tendo do outro lado duas colunas, envoltas pelasondas do Mediterrâneo, do que resultou o topônimo Gibraltar).Na expressão latina era a Cor do animal, aqual se parecei com a da manteiga, daí obeurre em francês e oburro em italiano. Solteiro provém de solitário, precoce é o quenão está cozido e , o que ainda não está maduro,um "dia" de vez, digamos. A imagem deixa de expressar a suarealidade original e, a partir dela, adquire outra significaçãoque, por causa do uso, se torna comum, à disposição de todofalante.

Ostemas na literatura (os assuntos tidos como literários) formamum conjunto de termos e expressões dentro da língua, melhordizendo, na linguagem da história literária. Foram (e são)conhecidos por tópicos (do grego lugar ou matéria deum discurso. O pl. é Usa-se também o plural latinot pica De onde tópico em português, com o sentidoligeiramente modificado. Eis, como exemplos dessas figuras napoesia tradicional, algumas imagens sobre o na poesiagrega, latina, medieval, renascentista e na poesia brasileira,criadas a partir dos tópicos literários, as quais preferimos nãocomentar, a fim de que o leitor possa fruí-la e compreendê-la àsua maneira, melhor, de acordo com a sua intuição, gosto,cultura e desejo de compreensão. Elas ajudam a formar a belezado texto literário e dão o sentido maior da literatura, que é estede ser duplo, de apontar para o real e, ao mesmo tempo, dizê-lode uma maneira artística e atraente. Na verdade, a literaturan!azo "reflete" a realidade, uma vez que faz parte dela — é a suaparte profunda e sofrida.

Da poesia grega arcaica, como a de SAFO (VI a.C.) àpoesia latina de CATULO (87 a.C) e de MARCIAL (40 a.C.), àpoesia medieval de PETRARCA (século XIV) e à renascentista ebarroca de CAMÕES, o tema do amor oferece ao estudioso apossibilidade de acompanhar dois momentos — o dapermanência e o da modificação: a sua permanência emodificação: o tema persiste, mas as imagens que o expressamprocuram sempre a originalidade por intermédio do estilo

asinus burrus burrus

madrugada

2. FIGURAS LITERÁRIAS TRADICIO

Amor

NAIS —

,

.

.

τόποςτοποι

ō

19

Eros mesacudiu aalma/comoum vento queno monte /sobre asárvores cai.

Odeio e amo.Talvezperguntespor que façoisso. / Nãosei, massinto queacontece eme torturo.

Comprime,de minha

amante, osdois seiosem botão, /Para quecaibam

sempre nooco de

minha mão.

B e m v ê s ,Amor, que at ã o j o v e mamada / De tidesdenha edo eu malnão cura / E ée n t r e d o i sim igos tãosegura.

m

20

VERBO DE MINAS: letras

pessoal do poeta. Em SAFO, a beleza das imagens ainda noscomove, como no Fragmento 12, quando ela diz:

Em CATULO, como no Fragmento LXXXV de "Poemasdo 'Ciclo de Lésbia’", encontramos o amor na polaridade deodiar e amar:

Em MARCIAL, é a tonalidade erótica (no sentido doerotismo romano) que atrai a atenção do poeta, como noFragmento CXXXIV, " " ["A Faixa Peitoral"]:

A poesia de PETRARCA, se volta inteira para a sua Laura(O Ouro), como no " , de seu Canzionere:

E o nosso tão celebrado e genial CAMÕES, queescreveu nos meados do século XVI, tem belíssimos versos sobreo amor, como os do famoso soneto 4, da primeira parte dasRimas, no qual as antíteses, paradoxos e contradições da épocada Contra-Reforma, em que o homem se via dividido entre océu e o inferno, estruturam o sentido maior do poema:

''Ερος δ' ẻτίναξέ μοιφρένας ώς ''ανεμος κάτ όρος δρύσιν έμπέτων.

**

Odi et amo. Quare id faciam, fortasse requiris.Nescio, sed fieri sentio et excrucior.

Fascia, crescentes dominae compesce papillas,Ut sit quod capiat nostra tegatque manus.

Or, vedi, Amor, che giovenetta donnaTu regno sprezza e del miomal non cura,

E tra duo ta' nemici è sì secura.

**

***

****

Fascia Pectoralis

Madrigale" XVIII

Amor é um fogo que arde sem se ver;É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;É um andar solitário por entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;É servir a quem vence, o vencedor;

É ter como quem [nos] mata lealdade.Mas como causar pode seu favorNos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Tu, Marília, agora vendoDe amor o lindo retrato,Contigo estarás dizendoQue é este o retrato teu.

Sim, Marília, a cópia é tua,Que Cupido é Deus suposto:Se há Cupido, é só teu rosto,Que ele foi quem me venceu.

Quando eu te fujo e me desvio cautoDa luz de fogo que te cerca, oh! bela,Contigo dizes, suspirando amores:"— Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”Como te enganas! Meu amor é chamaQue se alimenta no voraz segredo,E se te fujo é que te adoro louco...És bela — eu moço; tens amor — eu medo!...[...]Depois...desperta no febril delírio,—Olhos pisados — como um vão lamento,Tu perguntaras: — qu'é da minha c'roa?...Eu te diria: — desfolhou-a o vento!...

Dos períodos arcádico e romântico da poesia brasileiratomamos apenas um exemplo de imagens amorosas. Na "Lira III"da Primeira Parte de , TOMÁS ANTÔNIOGONZAGA se vale da alegoria mitológica para confessar o seuamor a Marília:

Já no romantismo, CASIMIRO DE ABREU atinge o ápiceda realização amorosa no poema "Amor e medo", do LivroSegundo de suas Primaveras. Dizendo que tinha medo de amar,acaba possuindo a mulher amada na linguagem, por intermédiodas várias imagens que se sucedem e se superpõem, como nasduas estrofes iniciais e na penúltima, onde o sujeito lírico tomaum ar irônico e irresponsável de D. Juan, embora justificando oseu medo de amar. No entanto, o poema aponta ao mesmotempo para a realidade e para a imaginação, que se faz real noseu espaço verbal:

Nem é preciso dizer que a síncope do "o" na palavra"coroa" (na época pronunciada c'roa, como ainda hoje em

Marília de Dirceu

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VERBO DE MINAS: letras

Portugal) exprime uma visualidade erótica em que o apóstrofotem a função de corte, rompimento. No parnasianismo,OLAVO BILAC escreve em octossílabos que:

E ALBERTO DE OLIVEIRA dirá em decassílabos que

Mais tarde AUGUSTO DOS ANJOS, que poucofalou do amor, escreve estes versos bem conhecidos:

E de maneira humorística, ARTUR AZEVEDOexclama: "Em negócios de amor, nada de sócios". E LUIZGUIMARÃES, bem pouco conhecido hoje, anotadonjuanescamente:

No modernismo (ou pouco antes dele), com arenovação da linguagem literária tradicional, as imagensdescobrem os sentidos da fala coloquial, chegando às vezes àantimetáfora e ao poema (aparentemente) sem imagens. É oque se pode ver na poesia de MANUEL BANDEIRA, como nopoema "Vulgívaga", de Carnaval, onde se lê em octossílabos:"Não posso crer que se conceba / Do amor senão o gozo físico!";ou como no sentido conceitual de "Arte de amar", de Belo belo,na aparente espontaneidade dos versos livres:

Nos poemas de linguagem realmente cotidiana deMÁRIO DE ANDRADE, os dois primeiros versos de Losango

O amor é uma árvore ampla, e ricade frutos de ouro, e de embriaguez:infelizmente frutificaapenas uma vez...

O melhor dos amores dura um diaou pouco mais, neste pequeno espaçotodo ele cabe, todo se irradiasem tristezas, sem pausas, sem cansaço.

O amor, poeta, é como a cana azeda,a toda boca, que o não prova, engana.

Mudo sempre de amor para poder amar.

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.A alma é que estraga o amor.

Cáqui expressam a sua preocupação com a fala brasileira,apesar do alexandrino do último verso:

Tal como Mário, OSWALD DE ANDRADE [nãoÔswald] também se esforçou por criar uma poesia despida deornatos, utilizando o menor número de palavras, como em"Amor / Humor", do Primeiro caderno do aluno de poesiaOswald de Andrade, ou como no belo "ditirambo" [assimmesmo, com o título em minúsculas e o poema sem pontuação,mas incoerentemente com as maiúsculas iniciais dos versos], dePau Brasil:

GUILHERME DE ALMEIDA descreve assim, comversos tradicionais, a sua filosofa amorosa:

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, um dosgrandes poetas do século XX, cantou muito o amor, cujasimagens aparecem em todos os seus livros: de um amor socialpassou declaradamente a seu amor pessoal e concreto,deixando versos líricos e eróticos inesquecíveis, às vezeshumorísticos como no poema "O amor bate na aorta", de Brejodas almas:

Ás vezes de uma grandeza humana e filosófica, como

Meu coração estrala.Esse lugar-comum inesperado: Amor.

Meu amor me ensinou a ser simplesComo um largo de igrejaOnde não há nem um sinoNem um lápisNem uma sensualidade

Perder um amor não é tão tristecomo pensar que havemos de perdê-lo.

Cantiga do amor sem eiranem beira,vira o mundo de cabeçapara baixo,suspende a saia das mulheres,tira os óculos dos homens,o amor, seja como for,é o amor.

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VERBO DE MINAS: letras

no soneto decassilábico "O quarto em desordem", deFazendeiro do ar, que merece transcrição inteira pela sua belezae pela sua unidade sintática:

Mas Drummond, nos seus oitenta anos, nos dáa maior lição de amor no poema "A paixão medida", do livrodo mesmo nome. Usando a terminologia da métrica grega,constrói um admirável poema de amor:

E, no soneto seguinte, em versos decassílabos, criticaomodernismo (a meu ver, os críticos do modernismo, que nãosouberam ver a tradição estruturando o novo), falando dos"cantores inúteis", ou seja, o pássaro e o poeta, que têm a"pretensão" de escrever a "canção absoluta", quando "o míticoamor" é que a escreve, porque vence a vaidade dos doiscantores, uma vez que

Na curva perigosa dos cinqüentaderrapei neste amor. Que dor! que pétalasensível e secreta me atormentae me provoca à síntese da florque não se sabe como é feita: amor,na quinta-essência da palavra, e mudode natural silêncio já não cabeem tanto gesto de colher e amara nuvem que de ambígua se diluinesse objeto mais vago do que nuveme mais defeso, corpo! corpo, corpo,verdade tão final, sede tão vária,e esse cavalo solto pela cama,a passear o peito de quem ama.

Trocaica te amei, com ternura dáctilae gesto respondeu.Teus iambos aos meus com força entrelacei.Em dia alcmânico, o instinto ropálicoRompeu, leonino,A porta pentâmetra.Gemido trilongo entre breves murmúrios.E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,senão a quebrada lembrançade latina, de grega, inumerável delícia?

"Os amantes que passam, distraídos,

e surdos a tais cantos discordantes,a melodia interna é que os governa.Tudo mais, em verdade, são ruídos.

De tudo, ao meu amor serei atentoAntes, e com tal zelo, e sempre, e tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se encante mais meu pensamento

Amo-te como um bicho, simplesmente,De um amor sem mistério e sem virtudeCom um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

O amor de passagem,o amor acidental,se dá entre dois corposno plano do animal.

VINÍCIUS DE MORAES é, talvez, o mais conhecidopoeta do amor, não só por sua vida amorosa comoprincipalmente pelos belos poemas de amor com queenriqueceu a lírica brasileira, de que o "Soneto da fidelidade (doqual existem oito versões no Museu de Literatura da FundaçãoCasa de Rui Barbosa) é o mais conhecido, e admirado. Ele estáno livro O encontro do cotidiano e começa com o seguintequarteto:

Vinícius, na esteira aliás de Camões, cujos ecosestilísticos se podem ver no soneto acima, tem na sua Poesiaavulsa o "Soneto do amor total", cujos tercetos dizem:

JOÃO CABRAL DE MELO NETO, com a preocupaçãode uma poesia rigorosa e "objetiva", quando fala do amor, o fazde maneira conceitual, como no poema "Históira natural", deQuaderna, cujos primeiros versos descrevem:

Aliás nesse mesmo livro, existe um belo poema, "Rioe/ou poço" que, embora não usando a palavra amor, expressauma belíssima imagem da relação amorosa. Da mesma geraçãomodernista de João Cabral, o poeta LÊDO IVO às vezes trata oamor com ligeiro tom irônico, mas há momentos de belas

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imagens amorosas, como em "Epitalâmio" [canto decasamento], do livro Cântico:

Pertencendo a uma geração posterior, mas aindadentro do modernismo, a obra poética de CARLOS NEJAR éuma das mais importantes no pórtico do terceiro milênio. Otema do amor é onipresente nos seus livros, como no soneto defeição camoniana "Não cansa o amor", do livro Amar, a mais altaconstelação, cujo título lembra uma famosa imagem dePetrarca. Em A Ferocidade das coisas ele escreve, de maneiramuito pessoal :

Finalmente, puxando a brasa para minha sardinha,gostaria de dizer que grande parte da minha poesia estáconstuída em torno do amor — o subjetivo e pessoal, o amor aopróximo, o amor de tons eróticos velados e o amor à linguagem.O livro Hora aberta reúne todos os livros que publiquei até2003. E um deles se denomina Arte de armar, que deixa ver, nofundo, uma "arte de amar", como na seqüência de poemasdenominada " ", que deixa ver, no fundo, uma "artede amar", composta como se tratasse de vários fragmentosamorosos. O que se intitula "§ 2."não deixa de ser um jogoamoroso, em torno do amor, com alusões a livros amorosos e aum famoso episódio de ¨

A terra cessa de girar, para que eu te ameNão há mais Dia e Noite, meu amor.Somos hóspedes do impossível. Tudo é verdadee as horas irrompem como vulcõesO mar não clama, embora ainda exista.Para os que amam como nós, as rotações foram abolidas,os séculos assumem a forma de um instante,e os corpos giram, planetas nas almas imóveis.

O teu amor pode explodir.Desfazer-se ao contacto da brisa.

Pode inventar o marmesmo dormindo.

Meu coração saltouPelas marés do peito.

Foi verdeao teu amor.

Arte de amar

Os Lusíadas

O amor dá e amordaça,denso e doce, soturno.Mas só tu, amor, dançasno abril do plenilúnio.

Amor dói como um doido,como um dardo, uma doença,dói tudo como todomal sem pé nem cabeça.

Amor doído, doendo,doando e até doindopelas pontas doas dedoscomo um dado perdido

O amor me chama da Europao amor me chama da Américado mais íntimo do Brasil.o amor me chama

E me queimaLabaredalíngua de fogoconversa desdobrada no verão

O AMORNuma sala de espera o amor me esperae exibe seu desejo de aventura:o amor é só astúcia, doce esfera

Este aspecto lúdico do amor está presente em várioslivros, especialmente nos Sonetos do azul sem tempo, em Artede armar e no recente Álibis, cuja Segunda Parte se chamaALIBIDINOSO, a sugerir um "álibi" para os encontros amorosos("libidinosos") e começa com a palavra amor sendo decompostaem "a mor" para se ler também a expressão antiga "a mor =maior). E no poema "Looping", escrito em Chicago, se lê que

No poema " " há a filosofia de no amor obom está em recomeçar todos os dias: "Todos os dias, meuAmor, eu passo / para te ver e amar, ser teu marido, / teu amantefiel no tempo escasso / mas tão cheio de forma e de sentido".Mas uma definição do amor pode ser lida no soneto "O Amor",recentemente escrito:

Recomeço

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na solidão presente, e na futuraO amor concebe a sua falta, alterasuas formas de tempo e conjecturae, antes que em dor disfarce o que não era,me estende o seu vazio, que tortura,que humilha e que fascina, inconseqüentecéu, talvez terra e mar — as coisas, tudoque me transforma a vida, de repente.

O amor é isso mesmo — o sem-sentido,o belo que se expressa e fica mudocomo se nada houvesse acontecido.

Quando o sentido visual é estimulado acima dos demaissentidos, ele cria uma nova espécie de espaço e ordemque denominamos frqüentemente espaço e forma"racionais" ou pictóricos. Apenas o sentido visual possui aspropriedades de continuidade, uniformidade econectividade supostas no espaço euclidiano.Unicamente o sentido visual pode produzir a impressão deum

[A Poesia visual] —Como dissemos, no início, apesar de os poemas visuaisexistirem desde a antiguidade, a história da escrita, o seu ladovisual, da pictografia à ideografia e desta à escrita cuneiforme e aoutras formas antigas e novas de alfabeto, do silábico aofonético, ahistória da escrita, repetimos, não faz parte dosestudos universitários no Brasil. Tudo é feito no sentido dasonoridade da linguagem, raramente alguém se interessa porfalar do grafema, da visualidade da escrita e de seuaproveitamento na criação literária e artística. Como alguém jáescreveu, "o espaço acústico não pode existir num fragmento deespaço verbal". Para MacLuhan, o alfabeto fonético "é a únicaforma de escrita que abstrai a visão e o som do significado", aocontrário da escrita pictográfica que "tende a unir os sentidos e asemântioca numa espécie de gestalt". Cita Alex Leigton, queescreve: "Para o cego todas as coisas são repetinas". Eacrescentade maneira brilhante:

O certo é que, modernamente, a sintaxe nominal,paratática, convivendo com a sintaxe verbal, tradicional ehipotática, se presta melhor à expressão do poema de

3. FIGURAS DE VANGUARDA

continuum.

O Ovo, de Símias de Rodes, IV a.C

vanguarda que deu outro sentido ao espaço que, de passivo nopassado, passou a uma atividade significativa na atualidade. Oleitor, como diz o manifesto da "Poesia Concreta", tem de saberler de outra maneira, ser VERBIVOCOVISUAL, ou.seja: ler, vere "pronunciar" o poema. Eis alguns desses poemas:

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O nome de Deus [O Tetragrama Luminoso], mandala emhebraico, por volta de 522 d.C. Lê-se paralelamente: IHVH(Iavé),ADNI (Adonai), YIAI (Iiai) e AHIH (Ehié, "a essênciadivina”).

O enigma de Sator (IV d.C): "EnquantoSator ara a terra, eu laboro o poema".

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Soneto de Gregório de Matos séc. XVII.,

In utroque Cesar (Para um e outro lado, César), Vice-rei VascoFernandes César de Menezes, séc. XVIII. [Cf fórmula jurídica In

utroque jure, doutor em dois direitos, civil e canônico.

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“Il pleut”, poema de Apollinaire, em Calligrammes, 1918

“se nasce”, poema concreto de Haroldo de Campos.

“Terra a Terra”, poema concreto de Décio Pignatari [1958]

“Acaso”, poema concreto de Augusto de Campos.

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“Mar azul”, poema concreto de Ferreira Gullar.

“Solidário / solitário”, poema concreto de Ronaldo Azeredo

“Velocidade”, poema concreto de Ronaldo Azeredo.

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“fome / come” , poema concreto de José Lino Grünewald

“Solida (não sólida)”, poema processo de Wlademir Dias-Pino.

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“Alfabetização”, poema processo de José de Arimatéia

“Rosa tumultuada”, poema concreto de Manuel Bandeira.

“Translação”, de Cassiano Ricardo.

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“Isso é aquilo”, poema de dez estrofes, de dez versos cadauma, em Lição de coisas, de Carlos Drummond de Andrade.

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POEMAS VISUAIS DE GILBERTO MENDONÇA TELES

Cavalo-marinho, em Improvisuais, HORA ABERTA(Poemas Reunidos), 2003. de Gilberto Mendonça Teles.

O Centauro Quíron [Gravura do X º séc. na capa de Poemasreunidos, 1ª e 2ª edições, de Gilberto Mendonça Teles].

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“humo®dernismo”, em Improvisuais, HORA ABERTA.

“Etnologia”, em Saciologia goiana, HORA ABERTA.39

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“O mato grosso goiano”, 1. Séc. XVIII, de Saciologia goiana,HORA ABERTA.

“O mato grosso goiano”, 2. Séc. XIX

“O mato grosso goiano”, 3. Séc. XX.

“O mato grosso goiano”, 4. Atualidade.

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“O mato grosso goiano, 1. Séc. XVIII”, de Saciologia goiana,HORA ABERTA.

“Peixes de Goiás, em Improvisuais”, HORA ABERTA.

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“Navegando”, Improvisuais, HORA ABERTA.

“Szerelem (amor em húngaro)”, Improvisuais, HORA ABERTA.

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“ , Improvisuais, HORA ABERTA.VERSÕES / Transição”

“VERSÕES / Mapa-múndi”, Improvisuais, HORA ABERTA.

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VERSÕES / Fractal, Improvisuais, HORA ABERTA.

Greenwich Meridian Time (GMT), Saciologia goiana,HORA ABERTA.

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Capa do livro , GilbertoMendonça Teles. .Montevidéu: Letras e Artes, 1967.

Ilustração de Mário Torrado sobre um poema concreto deLuiz Ângelo Pinto,publicado em Invenção nº 4, 1964.

Afinal, quais as estruturas da imagem literária, vistahoje? São quatro, três, duas ou simplesmente uma únicaestrutura? Roman Jakobson fala nos pólos metafórico emetonímico da linguagem , dizendo que

O desenvolvimento de um discurso pode ocorrersegundo duas linhas semânticas diferentes: um tema(topic) pode levar a outro quer por similaridade, querpor contigüidade. O mais certo seria talvez falar deprocesso metafórico no primeiro caso, e de processometonímico no segundo, de vez que eles encontramsua expressão mais condensada na metáfora e nametonímia respectivamente.

La poesia brasileña en la actualidad

CONCLUSÃO

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Assim, a metonímia, operando por combinação, serealiza no plano sintagmático (horizontal), enquanto ametáfora,operando por seleção, se dá no plano p a r a d i g m á t i c o(vertical). Conforme esclarecemos na Retórica do silêncio, oplano sintagmático é o plano da função normal da língua, é alíngua se constituindo no discurso ; o paradigmático é o planodos desvios e estranhamentos. À medida que os desvios (oufiguras, no caso) se vão tornando comuns e já ineficazes naexpressividade, eles vão se aproximando do eixo sintagmáticoaté se reduzirem a clichês ou figuras fossilizadas (as catacreses),passando a fazer parte do repertório comum da língua eperdendo, portanto, o seu caráter particular de uma fala, isto é,de um estilo.

Se analisarmos a imagem do ponto de vista de suaenunciação e de seu enunciado, veremos na intersecção dosdois eixos A?B (sintagmático) e C? D (paradigmático) o ponto deconvergência de quatro tipos de figuras: de um lado, o símile (acomparação), a partir do qual se dá a analogia, e a metáfora,base do símbolo e da anagogia; e de outro, a metonímia e asinédoque, a partir dos quais se formam as figuras dacontigüidade. Está aí a possibilidade de se conceberem asquatro estruturas das imagens literárias. Mas se tomam as duasestruturas de que já falamos (micro- e macroestrutura), pode-sepensar num terceiro incluído, isto é, numa estrutura ternária,como num , formado pela junção das estruturas dosignificante e do significado. E, claro, pode-se, por aí, chegar-sea uma estrutura unitária — a figura (a imagem) com a suaestrutura e significação particulares.

Com o uso do espaço (branco ou preto) como elementosignificativo, a fanopéia, termo usado por Ezra Pound para darrealce ao lado visual da imagem, adquire relevância especial,sobretudo quando visto no contexto da poesia de vanguarda —o poema visual — que, neste sentido, está também naretaguarda de todas as figuras literárias. Eis alguns exemplos arespeito à visualidade na poesia.

signo

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DANIELLE FARDIM

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DICTIONNAIRE

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