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marioferreiraneto
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OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS REGULADORES DA
APLICAÇÃO E EXECUÇÃO DA PENA
CONSTITUTIONAL AND LEGAL PRINCIPLES OF REGULATORY ENFORCEMENT
AND IMPLEMENTATION OF PENALTY
Mário Ferreira Neto1
Resumo
O presente artigo tem por finalidade estudar os fundamentos da pena a partir de suas
teorias e dos princípios que regem o Direito Penal, a aplicação e execução da pena, sobretudo
embasadas em limites impostos pela Constituição da República Brasileira de 1988.
Os princípios de Direito Penal revelam neste estudo um conjunto de regras de que se
servem a referida ciência, traçando as suas regras e própria razão fundamental. São os
elementos vitais do Direito Penal, servem como ponto de partida no auxílio ao entendimento
do instituto penal.
O presente trabalho tem por objetivo delinear os parâmetros democráticos da pena,
baseado no ordenamento jurídico brasileiro. Preliminarmente, analisar-se-á sua definição
doutrinária, frente aos princípios constitucionais e penais aplicáveis, ainda os fins que lhe são
atribuídos.
Palavras-chaves
Execução penal. Pena. Princípios constitucionais.
1
Licenciado em Matemática pela Fundação Universidade do Tocantins: Data de Colação de Grau: 5.2.1999 – Especialista em Matemática
e Estatística pela Universidade Federal de Lavras do Estado de Minas Gerais: Data da Conclusão: 5.7.2002 – Acadêmico de pós-graduação
do Curso de Perícia Judicial pela PUC/GO-IPECON – Acadêmico de pós-graduação do Curso de Gestão do Judiciário pela Faculdade
Educacional da Lapa - FAEL em convênio com a Escola Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins – Acadêmico do Curso de
Direito da Faculdade de Palmas - FAPAL – Contador Judicial - Aposentado do Poder Judiciário do Estado do Tocantins: Matrícula 70.953/7-
1: Desde 8.8.1992 - Lotado na Comarca de Palmas – Professor de Matemática - Aposentado da Rede Pública Estadual do Tocantins:
Matrícula 251194: Desde 1.5.1991 e Professor de Nível Superior de Matemática – Aposentado da Rede Pública Estadual do Tocantins:
Matrícula 8545651: Desde 3.8.2003 – Professor de Matemática Financeira da Faculdade ITOP – Instituto Tocantinense de Educação
Superior e Pesquisa LTDA – Palmas-TO.
2
ABSTRACT
This paper aims to study the fundamentals of the sentence from his theories and
principles governing the Criminal Law, the implementation and execution of the sentence,
particularly grounded in limits imposed by the Constitution of the Republic of Brazil of
1988.
Principles of Criminal Law in this study reveal a set of rules that serve the said
science, tracing its own rules and rationale. They are the vital elements of criminal law,
serve as a starting point to aid the understanding of penal institute.
This paper aims to outline the parameters of democratic worth, based on Brazilian
legal system. Preliminarily, it will analyze its doctrinal definition, ahead of constitutional
principles and applicable criminal, yet the purpose it is given.
Keywords
Criminal enforcement. Pena. Constitutional principles.
Introdução
O presente trabalho científico-jurídico tem a função de expor de forma sucinta os
princípios reguladores da aplicação e execução da pena no país - Brasil, bem como expor as
vertentes produtoras das respectivas valorações.
Este trabalho ainda objetiva proporcionar aos Estudantes e Operadores de Direito
conhecimento e entendimento a respeito das sentenças penais e suas espécies, partes
estruturais, técnicas de elaboração, normas legais pertinentes aplicadas, hermenêutica e a
linguagem jurídica escorreita utilizada na sua elaboração, incluindo as demais decisões
judiciais, capacitando-o a aplicá-los no exercício de suas funções.
O trabalho de fixação da pena é regulado por princípios e regras constitucionais e
legais previstos, respectivamente, no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988,
artigo 59 do Código Penal e artigo 387 do Código de Processo Penal.
Todos esses dispositivos remetem o aplicador do direito à individualização da medida
concreta, porém no caput do artigo 59 do Código Penal que estão elencados os critérios
norteadores da fixação da pena na primeira etapa do procedimento trifásico.
A finalidade da pena criminal levanta discussões sem, contudo se chegar a um
consenso. Existem duas teorias principais da pena, as teorias absolutas associadas às doutrinas
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da retribuição ou da expiação e as teorias relativas, advindas das doutrinas da prevenção geral
e da prevenção especial ou individual, as quais serão abordadas detalhadamente.
A pena é a sanção aplicada ao indivíduo que comete ato ilícito e culpável, sendo essa
conduta tipificada no ordenamento jurídico, quer como ação proibida, quer como ação
ordenada.
A pena do ponto de vista jurídico-penal é a conseqüência atribuída por lei a um crime
ou a uma contravenção penal. Trata-se de uma sanção, de caráter aflitivo, que consiste na
restrição a algum bem jurídico.
Qualquer que seja a pena, deverá obrigatoriamente observar os ditames constitucionais
e legais sob pena de ferir os preceitos do Estado Democrático de Direito.
A execução penal é um conjunto de princípios e normas que norteiam a execução das
penas e das medidas de segurança, bem como as relações entre o Estado, detentor do jus
puniendi e o indivíduo-condenado.
A aplicação e execução penal é a área do Direito que rege e aplica medidas
assistenciais, reeducação e reabilitação dos apenados.
De acordo com a doutrina, a execução penal é regida pelos princípios: humanidade das
penas, individualização da pena, isonomia - igualdade, jurisdicionalidade, legalidade,
personalização da pena, proporcionalidade da pena, ressocialização, vedação ao excesso da
execução, dentre outros.
A autonomia conferida ao ramo de execuções penais faz com que surja uma
diferenciação entre os seus princípios e os princípios que regem, de maneira geral, o Direito
Penal e o Processual Penal. Contudo, por óbvio não se pode voltar à fronte para as máximas
constitucionais, tendo em vista que estas direcionam a aplicação de todo o Direito.
Do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aflora o princípio da
humanidade das penas, que apregoa que qualquer pena que colida com a dignidade da pessoa
do apenado deve ser abolida do sistema jurídico brasileiro. Compreende-se que o valor da
pessoa humana, independente de o ato por esta cometido ter sido ou não revestido de
crueldade, deve prevalecer sobre a pena aplicada.
O princípio da legalidade encontra-se insculpido nos artigos 3º e 45 da Lei de
Execuções Penais, que asseguram ao indivíduo-condenado e ao indivíduo-internado todos os
direitos não atingidos pela sentença e pela lei, não podendo normas penitenciárias
administrativas, inclusive as que versam sobre falta e sanção disciplinar, ferir seus direitos.
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O princípio da personalização da pena determina que a pena não pode passar da
pessoa do indivíduo-condenado, devendo ser aplicada em função de sua culpabilidade, sua
personalidade e seus antecedentes.
No caso de indivíduos-condenados que iniciam a execução da pena privativa de
liberdade sob o regime fechado, é obrigatório o exame criminológico, sendo facultativo nos
casos do regime semi-aberto, bem como nos casos de progressão e regressão de regime da
pena.
O exame criminológico é justamente a pesquisa acerca da personalidade e dos
antecedentes do indivíduo-condenado.
Do princípio referido ramifica-se o princípio da proporcionalidade da pena, que dispõe
que deve ser estabelecida a devida correspondência entre a classificação do preso e a forma de
aplicação da pena ao condenado cominada.
O princípio da isonomia, por sua vez, frisa que não deve haver distinção entre os
presos, distinção essa de cunho racial, social ou político. Esta interpretação deve ser
consoante com o princípio da proporcionalidade, assegurando o tratamento igual àqueles em
semelhante situação e desigual aos juridicamente desiguais. A análise de cada caso concreto
deve ser pormenorizada e procedida de forma razoável. Deve haver correlação entre o critério
de diferenciação e a pessoa discriminada, por assim dizer, devendo tal diferenciação ser
pautada nos princípios constitucionais e dentro dos limites da Lei de Execuções Penais.
O Direito Penal é construído com base em princípios constitucionais, os quais
norteiam a sua construção e a sua vida, devendo conseqüentemente ser respeitados. Desta
feita as normas penais deverão estar em consonância com os princípios constitucionais,
quando não estando não terão nenhum valor, ainda que votadas, promulgadas e publicadas.
É sabido que a principal função que o Direito exerce em uma sociedade é a de
proteger os bens jurídicos mais importantes que ela tem, acima de tudo, o mais sagrado dos
bens, à vida, de conseqüência, à saúde, à liberdade, à integridade física e psicológica, etc.
A norma jurídica se impõe sob ameaça de sanção que pode ser compensatória,
reparatória ou retributiva.
O Direito Penal tem a missão ético-social de garantir a segurança jurídica mediante a
proteção mínima dos bens jurídicos essenciais e prevenção das condutas ofensivas, a sanção
penal é um dos, senão o principal elemento distintivo do Direito Penal dos demais ramos do
Direito, principalmente segundo a concepção de que o Direito Penal é fragmentário,
subsidiário.
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É relevante a importância da pena como conseqüência jurídica do delito que o Direito
Penal é o único ramo do direito cuja nomenclatura é dada pelo tipo de sanção e não pela
natureza de relações jurídicas que se estabelecem.
A pena orienta-se, fundamentalmente pelos seguintes princípios:
Necessidade: somente deve ser utilizada quando os demais instrumentos coercivos
falharem, sendo que somente deve ser imposta quando necessária, sempre que for necessária
deve ser imposta.
Retribuição: as medidas coercivas são aplicadas como resposta do ordenamento à
censurabilidade da conduta do ofensor e como reparação pela inobservância da norma, não
devendo ficar além ou aquém da reprovação social que lhe embasa.
Aflição: por conta de seu caráter retributivo, a coerção penal sujeita o violador a um
sofrimento, de acordo com a cultura humana, quem comete um erro deve ser castigado
(padecimento espiritual mais que físico).
Prevenção: A pena não deve cingir-se ao seu caráter aflitivo, mas também deve servir
como meio de evitar o cometimento de novos crimes - função preventiva.
Segundo o fundamento de que o Direito Penal se utiliza para escolher os instrumentos
jurídicos de coerção penal - perda ou restrição da possibilidade de dispor de bens jurídicos
indispensáveis, esta pode ser material ou formal.
A coerção penal material é a pena, se funda na culpabilidade do autor de um fato
típico e ilícito. Já a coerção penal formal é a medida de segurança, a qual se funda na
periculosidade do agente, embora a sua conduta não possa ser considerada crime, eis que lhe
falta à culpabilidade por ser inimputável, ela introduz no meio social um dano substancial ao
bem jurídico tutelado, que pode ser repetido se o agente não for devidamente tratado.
Eficácia da Lei Penal no tempo
Preliminarmente, é necessário entender o nascimento e revogação da Lei Penal.
Conforme Professor Damásio de Jesus, a lei penal, como todas as demais não é eterna,
isto é, nasce, vive e morre – extingue.
A lei se apresenta em quatro fases principais que são:
a) sanção: significa o ato pelo qual o Presidente da República aprova e confirma uma
lei. Com a sanção a lei está completa, porém para tornar-se obrigatória necessita ser
promulgada e publicada.
A sanção também pode ser expressa ou tácita, total ou parcial.
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No caso de o Presidente da República não concordar com o projeto de lei poderá vetá-
lo. O veto poderá ser jurídico, quando considerado o projeto de lei inconstitucional ou político
quando contrarie o interesse público.
O veto é irretratável, pois uma vez manifestado e comunicadas as razões ao Poder
Legislativo, torna-se insuscetível de alteração de opinião do Presidente da República.
O veto também tem as seguintes características: expresso, motivado, parcial ou total,
relativo, supressivo ou superável.
b) promulgação: significa o ato pelo qual se atesta a existência da lei e se determina a
todos que a observem. Tem a finalidade de conferir o caráter de autenticidade da lei.
c) publicação: significa é o ato pelo qual se torna conhecida de todos, impondo a sua
obrigatoriedade.
Também a vacatio legis significa o lapso temporal entre a publicação e a efetiva
vigência da lei.
Na data da publicação ou vencido o prazo da vacatio legis ou outro determinado,
inicia-se a vigência da lei, assim prossegue até que deixe de vigorar, pela revogação.
d) revogação: é a expressão genérica que traduz a idéia de cessação da existência de
regra obrigatória, em virtude de manifestação, nesse sentido, do poder competente.
A revogação pode ser parcial - derrogação ou total -ab-rogação.
A revogação ainda pode ser expressa - quando o novo texto determina a cessação da
vigência da norma anterior ou tácita - quando o texto é incompatível ou regula inteiramente a
matéria precedente.
A lei ainda pode ter vigência temporária, conforme dispõe o art. 2º, caput, da Lei de
Introdução ao Código Civil também chamada de intermitentes que são:
Temporárias: são as leis temporárias que já trazem preordenada a sua data de
expiração.
Excepcionais: são leis temporárias em que a sua eficácia está ligada à duração das
condições que as determinam (guerra, comoção intestina, epidemia, etc.).
Como se pode observar, o término da vigência dessas leis não depende de revogação
por lei posterior, fugindo à regra geral. Consumado o lapso da lei temporária ou cessada as
circunstâncias determinadoras das excepcionais cessam a sua vigência. Fala-se, então, em
auto-revogação.
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O Direito Penal e suas teorias afetas à pena
O Direito Penal é o ramo da ciência jurídica que tem por função verificar junto à
esfera social os comportamentos mais nocivos a sociedade, por conseguinte, aplicar aos
autores - indivíduos-delinquentes de condutas reprováveis determinadas sanções previamente
estabelecidas no ordenamento jurídico - lei.
O Direito Penal é a disciplina sistemática dos meios de prevenção, repressão e
punição dos fatos considerados atentatórios à ordem social - crimes ou contravenções.
Portanto, é o conjunto de normas que o Estado emprega para prevenir ou reprimir os fatos que
atentem contra a segurança e a ordem social - crimes ou contravenções, definições das
infrações, estabelece e limita as responsabilidades dos comportamentos humanos, relaciona as
sanções punitivas correspondentes.
Resumidamente, Direito Penal, é o conjunto de normas-regras estabelecidas pelo
Estado, definindo-as como crimes ou contravenções, impondo-lhes as respectivas penas e as
medidas de segurança para o indivíduo que vier a ofendê-la.
O Direito Penal é valorativo, porque não há nenhuma norma-regra que não seja
valorativa. Portanto, reconhecem valores sociais que são tratados na mesma norma jurídica.
As normas especiais que definem os crimes realizam a tutela dos mais elevados
valores sociais. O Direito Penal é uma ciência cultural, cujo objeto de estudo é o "dever-ser".
Partindo-se destes conceitos, vislumbra-se que ao praticar determinada infração penal,
o indivíduo que contraria a norma intrínseca a lei penal deverá sujeitar-se à cominação penal
compatível, cuja sanção, por tratar-se de imposição de medida forçada, surge baseada em um
extenso elenco de critérios mensuradores do tempo e rigor metodológico a que deve atender.
É imperioso que mesmo antes de se qualificarem os princípios constitucionais e legais
norteadores da aplicação e execução da pena no Brasil, primeiramente se verifique, quais as
funções precípuas das penalizações impostas ao indivíduo-deliquente, uma vez que ao aplicar
e executar a pena, a autoridade judiciária vislumbra os efeitos provocados por tal punição.
Com o decurso do tempo o Direito Penal produziu respostas diferentes à questão de
como solucionar o problema da criminalidade. Essas soluções são chamadas, teorias da pena,
que são opiniões científicas sobre a pena, principal forma de reação do delito. Principal,
porque existem outras formas de reação social à criminalidade, que são mais eficazes do que a
pena.
Com efeito, no Direito Penal é possível verificarmos três seguimentos doutrinários
acerca da finalidade da aplicação e execução da pena.
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A teoria absoluta ou teoria da retribuição: a pena possui a função una de penalizar
o agente do delito - consolidada somente como ato do Estado-Juiz concernente a repreender o
indivíduo-delinqüente de forma superveniente ao delito.
Analisando as teorias absolutas ou retributivas da pena a partir do tipo do Estado que
lhe acompanha, temos que no Estado absolutista o rei era o Estado, detinha o poder legal e a
justiça, a pena era um castigo com o qual se expiava o mal cometido. O rei era considerado
Deus e quem se opunha ao soberano recebia o castigo da pena.
No Estado absolutista há um período de transição entre a sociedade da baixa Idade
Média e a sociedade liberal, ocorrendo uma ascensão da burguesia e um acúmulo de capital e
a pena também vinha com o intuito de realizar o objetivo capitalista.
Surge o Estado burguês liberal tendo como fundo o contrato social, no qual o
compromisso dos indivíduos era o de conservar a organização social e a partir do seu
descumprimento a pena lhe era retribuída como um castigo.
O Estado é a expressão soberana do povo e a partir disso há a divisão de poderes e a
pena passa a ser a retribuição à perturbação da ordem jurídica social consagrada nas leis, isto
é, a pena vem para tentar restaurar essa ordem abalada.
CEZAR ROBERTO BITENCOURT destaca e analisa alguns aspectos das concepções
retributiva da pena a uma idéia preventiva da mesma, examinando diversas teorias que
explicam o sentido, a finalidade e a função das penas, sobretudo três das mais importantes, as
teorias absolutas, as teorias relativas de prevenção geral e prevenção especial e as teorias
unificadoras ou ecléticas.
O doutrinador parte antes de qualquer coisa do conceito de pena, segundo o qual é um
mal que se impõe em decorrência da prática de um delito, isto é, a pena é um castigo e seu fim
essencial é o da retribuição.
Para BITENCOURT, “À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída
pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens”. Por essa teoria retributiva a pena tem
a função de realizar a justiça, é a partir de sua aplicação que se compensa a culpa do autor.
BITENCOURT sustenta que:
“O fundamento ideológico das teorias absolutas da pena baseia-se no reconhecimento do Estado como
guardião da justiça terrena e como conjunto de idéias morais, na fé, na capacidade do homem para se
autodeterminar e na idéia de que a missão do Estado perante os cidadãos deve limitar-se à proteção da
liberdade individual”.
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O BITENCOURT menciona Immanuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel como
defensores das teses absolutistas ou retribucionistas da pena.
Nas lições de KANT quem não obedece à lei não é digno de cidadania, assim, é dever
do soberano castigar sem piedade quem descumpre a lei. A lei era um imperativo necessário,
o dever ser.
Por sua vez, nas lições de HEGEL a pena é a negação da negação do Direito, com
fundamentação mais jurídica, a pena encontra-se justificada na necessidade de restabelecer a
vontade geral baseada na ordem jurídica que foi, por alguma razão, negada pela vontade do
indivíduo-infrator.
Ocorre que “a pena vem, assim, retribuir ao delinqüente pelo fato praticado, de acordo
com o quantum ou intensidade da negação do direito será também o quantum ou intensidade
da nova negação que é a pena”.
Assim, o Direito é a vontade geral racional, a liberdade e a racionalidade são as bases
do Direito e o delito é a negação desse Direito, manifestado a partir de uma vontade irracional
e individual.
A teoria relativa ou teoria da prevenção: a aplicação da pena tem caráter
preventivo, visando compelir o indivíduo a não praticar o ato originário reprovável -
prevenção geral, em vista do receio da punição do Estado, ainda, associativamente, a partir da
privação e proibição da convivência social do delinqüente, buscar a reeducação e
ressocialização por mecanismos verificados em meio à execução da pena - prevenção
especial.
Por sua vez, as teorias preventivas expõem que a pena não visa retribuir o fato delitivo
cometido, mas prevenir a sua prática. Isto é, a pena vem para que o ato infracional não se
repita. Tanto para as teorias absolutistas quanto para as teorias preventivas a pena é um mal
necessário, entretanto para as teorias preventivas a pena não se funda na idéia de realizar
justiça, mas no plano de inibir uma nova prática delituosa.
A partir de Feuerbach, as teorias preventivas dividem-se em prevenção geral e
prevenção especial.
A teoria da prevenção geral tem como defensores entre outros, Cesare Beccaria,
Filangieri, Feuerbach, sustenta a noção de que é por meio do Direito Penal que se pode
solucionar a questão da criminalidade, através da cominação penal, isto é, pela aplicação da
pena se tem uma forma de ameaçar e avisar a sociedade quais as ações injustas serão punidas.
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A pena é como uma ameaça da lei aos indivíduos para que estes se abstenham de
cometer delitos, é um meio de coação psicológica. Tenta-se colocar na mente dos cidadãos a
idéia de que não vale à pena praticar delito em decorrência do castigo que receberá.
A prevenção geral se sustenta sob duas fundamentações, a idéia de intimidar pelo
medo e a noção de ponderação da racionalidade do ser humano.
Para a teoria da prevenção geral a pena ameaça e produz no indivíduo certa motivação
para não mais cometer delitos. Contudo esta teoria desconsidera que o delinqüente tem a
certeza de que não será descoberto, concluindo-se a partir disto que a imposição de pena não é
uma ameaça suficiente para impedir a realização do delito.
Por ser mista, dado a existência da prevenção geral e especial, incidente nos casos em
que já houver o cometimento do crime, essa teoria enquadra-se em meio de atuação do
Estado-Juiz de forma anterior ao delito, visando em vez de punir o indivíduo-deliquente, não
possibilitar sua existência, em face da expressão popular “cortar o mal pela raiz”.
A teoria mista ou teoria conciliatória: Esta teoria consubstancia na fusão da teoria
da retribuição e teoria da prevenção, exprimindo a idéia da função da aplicação duplamente
funcional da pena, ao punir e repreender o indivíduo-delinquente que já praticou a infração
penal - crime, bem como prevenir por meio de uma atemorização social baseada na
segregação - isolamento, individual imposta a partir da condenação - fixação de pena imposta,
para a execução da pena.
É compreensível, ser coerente o posicionamento da teoria conciliatória e a adoção do
Sistema Penal pátrio em relação ao mencionado conceito, uma vez que a pena - sanção penal
provoca à coletividade, a função preventiva e punitiva, atuando subjetivamente de forma
anterior a eventual pratica de um delito - crime ou contravenção ao gerar a intimidação do
possível indivíduo-deliquente - criminoso ou contraventor, bem como de forma
superveniente, punir e repreender ao indivíduo persistente que não se contém por mero temor
a punição ou à justiça, devendo ser este - delinqüente, objetivamente, sujeitado à pena, depois
de cometer a infração penal, sendo a sanção unicamente de caráter punitivo.
A concepção do Direito Penal
O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de
selecionar os comportamentos humanos graves e perniciosos à coletividade, capazes de
colocar em risco valores fundamentais para a convivência social e descrever como infrações
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penais, cominar as respectivas sanções, bem como estabelecer todas as regras complementares
e gerais, necessárias à sua correta e justa aplicação.
A ciência penal tem por fundamento explicar o alcance, a essência e a razão das
normas-regras jurídicas, sistematicamente, a estabelecer critérios objetivos para sua
imposição, evitando o arbítrio e o casuísmo que decorrerem da ausência de padrões e da
subjetividade ilimitada na sua aplicação.
Tem por base, ainda buscar a justiça igualitária e adequar os dispositivos legais aos
princípios constitucionais que os regem e não permitir a descrição como infrações penais de
condutas inofensivas ou de manifestações livres a que todos têm direito, mediante rígido
controle de compatibilidade vertical entre a norma incriminadora e princípios, sobretudo
atinente ao princípio da dignidade humana.
A moderna concepção do Direito Penal se mostra notável aos princípios da
necessidade e da lesividade do fato criminoso, relevando a necessidade de que o fato típico
implique lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado, ainda que se trate de crime de
mera conduta.
Lesividade e ofensividade são entendidos como princípios gerais contemporâneos, de
interpretação da lei penal, devem prevalecer sempre que os comporte a regra incriminadora.
A paz social é atingida toda vez que se comete um ilícito, não só quando seja este de
natureza criminal. Por buscar o restabelecimento da ordem jurídica violada, conta o Direito
com múltiplos instrumentos, dentre os quais a sanção penal, mas também entre outros, a
reparabilidade do dano extra penal, medidas constritivas patrimoniais, sanções
administrativas, etc.
O que justificaria a opção do legislador, dentre todos os instrumentos de resposta
normativa, pela ameaça da sanção penal, precisamente aquela que de regra atinge um dos
mais importantes direitos individuais fundamentais, que é a liberdade, consoante art. 5º,
caput, da Constituição da República de 1988, enquanto bem jurídico-penal alcançado pela
sanção?
A resposta é única: por exigência de proporcionalidade, trata-se da mais grave das
sanções do sistema jurídico, somente os atentados mais conspícuos contra os bens, valores e
interesses igualmente mais importantes ao juízo do mesmo sistema ou o que hoje chamam de
bens jurídico-penais.
Há consenso de que apenas bens de elevada valia devam ser tutelados pelo Direito
penal. Isto porque a utilização de recurso tão danoso à liberdade individual somente se
justifica em face do grau de importância que o bem tutelado assume.
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Surge a preocupação com a dignidade do bem jurídico, dado que o Direito Penal só
deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens.
Além da verificação a respeito do grau de importância do bem - sua dignidade deve ser
analisada se a ofensa irrogada causou um abalo social e se foi de tal proporção que justifique a
intervenção penal.
Assim, somente pode ser erigido à categoria de crime, condutas que, efetivamente,
obstruam o satisfatório conviver em sociedade. Portanto, incomodações de pequena monta ou
que causem diminutos dissabores, são consideradas como desprovidas de relevância penal,
ficando, em razão disto, a sua resolução relegada a outros mecanismos formais ou informais
de controle social.
Não há dúvida de que o Direito Penal não outorga proteção à totalidade dos bens
jurídicos. O Direito Penal constitui um sistema descontínuo, protegendo somente aqueles
mais fundamentais, e somente em face de violação intolerável. Desta forma, não é objeto do
Direito Penal todos os fatos ilícitos, mas tão-somente, os mais graves. O Direito Penal é
chamado a participar em condições extraordinárias. Restringe-se a atuação estatal, às condutas
antijurídicas que causem à sociedade dano de que ela se ressinta intensamente. Esta restrição
decorre do caráter fragmentário do Direito Penal.
A utilização do Direito Penal deve ficar circunscrita às situações que não possam ser
resolvidas por outros meios ao dispor do Estado. Desta forma, a intervenção penal só é
admitida quando não há outro mal menor passível de substituí-la. Este seu caráter subsidiário
pode dar-se de duas formas: uma externa outra interna.
Na primeira, lança-se mão, para solucionar algum problema, de meios de controle
social derivados de outros ramos do Direito ou mesmo, de alternativas de controle não
formais.
A segunda, pelo contrário, não permite que a solução se dê fora do sistema repressivo,
embora trate de amenizar a intervenção penal, mitigando o “mal” que causa a pena. Opera-se,
aqui, o movimento político-criminal conhecido por despenalização, no qual, apesar de se
manter a natureza ilícita da conduta, são criadas medidas tendentes a restringir, ou, mesmo,
evitar a aplicação ou a execução de pena privativa de liberdade.
Uma política criminal racional desautoriza uma atuação do Estado em áreas
comprovadamente ociosas ou de duvidosa eficácia. A busca de fins legítimos, quando
realizada por meios inócuos ou provocadores de custos sociais excessivos em relação às
pretensas vantagens deslegitima a utilização do Direito Penal.
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A obtenção da finalidade perseguida para ser legítima, encontra-se condicionada à
legitimidade dos meios. Se a eficácia que extrapola, ainda que minimamente, os limites do
benefício instituído não é lícita, muito menos o será aquela que quer impor-se a qualquer
custo. O limite da adequação, evidentemente, há que ser constituído por princípios erigidos à
condição de dignidade da pessoa humana. Nenhuma norma que os ofenda pode ser
considerada idônea.
De acordo com HELENO CLÁUDIO FRAGOSO:
“uma política criminal moderna orienta-se no sentido da descriminalização e da desjudicialização, ou
seja, no sentido de contrair ao máximo o sistema punitivo do Estado, dele retirando todas as condutas
anti-sociais que podem ser reprimidas e controladas sem o emprego de sanções criminais”.
É função de o Estado interferir, o mínimo possível, na vida do cidadão, garantindo-lhe
a máxima liberdade.
A utilização do Direito Repressivo que deveria ser caracteristicamente contida tem
cada vez mais, amealhado força, a ponto de todo e qualquer problema que surja na sociedade
virem acompanhado, quando se está buscando contemporizá-lo, por propostas que remetem
ao Direito Penal.
No Brasil há, pelo menos, duas centenas de leis em vigor as quais, de forma exclusiva
ou juntamente com disposições de outras ordens, tratam de questões de âmbito penal, o que
aponta para uma hipervalorização do sistema punitivo.
A grande dificuldade que se pode encontrar é a de determinar quando, efetivamente,
deve-se reputar legítima a intervenção penal.
A função ético-social do Direito Penal
É sabido que a principal função que o Direito exerce em uma sociedade é a de
proteger os bens jurídicos mais importantes que ela tem. Para proteger estes bens jurídicos, é
evidente que o Direito Penal só vai intervir quando houver necessidade da tutela. A
necessidade da tutela ocorre quando há lesão à coletividade - princípio da lesividade.
A função do Direito Penal é proteger os valores fundamentais do ser humano para a
subsistência do corpo social, tais como: a vida, a saúde, a liberdade, a integridade física e
moral-psíquica, etc., denominados bens jurídicos.
Essa proteção é exercida não só pela intimidação coletiva - prevenção geral e exercida
mediante a difusão do temor ao possível indivíduo-delinquente do risco da sanção penal,
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sobretudo, pela celebração de compromisso ético entre o Estado e o indivíduo, a conseguir o
respeito às normas-regras, independente do receio de punição, mas pela convicção da sua
necessidade e justiça.
A natureza do Direito Penal de uma sociedade é aferida no momento da apreciação da
ação-conduta infracional perpetrada pelo indivíduo-delinquente. Toda ação humana está
sujeita a dois aspectos valorativos diferentes. Pode ser apreciada em face da lesividade do
resultado que provocou - desvalor do resultado e de acordo com a reprovabilidade da ação em
si mesma - desvalor da ação.
Toda lesão aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal acarreta um resultado
indesejado, negativamente valorado, neste aspecto é ofendido um interesse relevante para a
coletividade. De fato, não é porque o resultado foi lesivo que a conduta deva ser reprovável.
Devemos lembrar os eventos danosos derivados de caso fortuito, força maior ou
manifestações absolutamente involuntárias. A reprovação depende não somente do desvalor
do evento - fato, mas acima de tudo, do comportamento consciente ou negligente do
indivíduo-delinquente.
O Direito Penal assume o papel de mero difusor do medo e da coerção, deixando de
preservar os valores básicos necessários à coexistência pacífica entre os integrantes da
sociedade política. A visão pretensamente utilitária do direito rompe os compromissos éticos
assumidos com os cidadãos, tomando-os rivais, acarretando a ineficácia no combate ao crime.
Por essa razão, o desvalor material do resultado só pode ser coibido na medida em que
evidenciado o desvalor da ação. Estabelece-se um compromisso de lealdade entre o Estado e o
cidadão, pelo qual as regras são cumpridas não apenas por coerção, mas pelo compromisso
ético-social que se estabelece, mediante a vigência de valores como o respeito à vida alheia, à
saúde, à liberdade, à integridade física e moral-psíquica e etc.
Ao prelecionar e proibir qualquer lesão aos deveres ético-sociais, o Direito Penal,
exerce uma função de formação do juízo ético dos cidadãos que passam a ter bem delineado
quais os valores essenciais indispensáveis para o convívio do homem em sociedade.
O ordenamento jurídico tutela, acima de tudo, o direito à vida, proibindo qualquer
lesão a esse direito que se consubstancia no dever ético-social. Quando esse mandamento é
infringido, o Estado tem o dever de acionar prontamente os seus mecanismos legais para a
efetiva imposição da sanção penal à transgressão, no caso concreto, revelando à coletividade o
valor que dedica ao interesse violado.
Por outro lado, na medida em que o Estado se torna lento ou omisso, ainda injusto,
dando tratamento díspar a situações assemelhadas, direcionando a incutir na consciência
15
coletiva a ínfima importância que dedica aos valores éticos e sociais, afetando a crença na
justiça penal e propiciando que a sociedade deixe de respeitar tais valores. O Estado, às vezes,
se incumbi de demonstrar sua pouca ou nenhuma vontade no acatamento a tais deveres,
através de sua ineficiência, morosidade e omissão.
O recrudescimento e a draconização de leis penais não irá coibir que o indivíduo
cometa delitos, porque o indivíduo tenderá sempre ao descumprimento, adotando postura
individualista e canalizando sua força intelectual para subtrair-se aos mecanismos de coerção.
O que era um dever ético absoluto passa a ser relativo em cada, caso concreto, de onde se
conclui que uma administração da justiça penal insegura em si mesma torna vacilante a
vigência dos deveres sociais elementares, sacudindo todo o mundo do valor ético. Desse
conteúdo ético-social do Direito Penal resulta que sua missão primária não é a tutela atual,
concreta dos bens jurídicos, como a proteção da pessoa individualmente, a sua propriedade,
mas a proteção da coletividade.
O objeto do Direito Penal
No que se refere ao objeto, tem-se que o Direito Penal somente pode dirigir os seus
comandos legais, mandando ou proibindo que se faça algo, ao homem. Apenas o homem é
capaz de executar ações com consciência do fim. Assim, lastreia-se o Direito Penal na
voluntariedade da ação-conduta humana, na capacidade do homem para um querer final.
Desse modo, o âmbito da normatividade jurídico-penal limita-se às atividades finais humanas.
Assim, resulta a exclusão do âmbito de aplicação do Direito Penal de seres, como os
animais, que não têm consciência do fim de seu agir, fazendo-o por instinto, bem como dos
movimentos corporais causais, como os reflexos, não domináveis pelo homem.
Durante o direito canônico não havia uma delimitação da esfera de atuação punitiva,
que recaía sobre as condutas classificadas como imorais ou como pecados, dentro de um
grande campo de imprecisão e de subjetivismo e que as penas eram incertas, aquela fase
marcou um fato positivo na transição para o direito moderno: o de estabelecer a prerrogativa
do Estado na detenção do ius puniendi.
O direito canônico reagiu ao caráter individualista do direito penal germânico, que
permitia ao particular a vindicta e entregou ao Estado a função de punir. Isso por coerência
aos dogmas, contrários à pena de morte.
O Estado atuava em demasia, confundindo o ius puniendi com o exercício de poder e
de preservação política do soberano. As punições, antes de representarem fins de profilaxia
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criminal, significavam a vingança institucional e fixavam as regras de punir do poder. Essa
situação perdurou até a Revolução Francesa, quando sofreu grande oposição do iluminismo.
O ideário de Rousseau, que propugna o Estado Democrático, voltado para o bem
comum, a crítica de Voltaire contra a igreja e a proposta de Montesquieu de separação dos
poderes, que inspiram Cesare Beccaria e o surgimento da Escola Clássica e de um direito
penal visto, hoje, como ciência. Houve uma reação contra as penas degradantes, infamantes,
suplícios, torturas e pena de morte, também busca estabelecer os limites entre a Justiça Divina
e a Justiça Humana.
Não se podiam conceber atentados contra a liberdade dos cidadãos, por puro
autoritarismo, em um Estado em que se delineavam suas estruturas e funções, segundo uma
ordem normativa. Mas naquela época ainda não se tinha, definidamente o conceito de crime.
Objeto do delito é tudo aquilo contra o que se dirige a conduta criminosa.
Objeto jurídico do crime é o bem-interesse protegido pela lei penal ou, como diz
Nuvolone, "o bem ou interesse que o legislador tutela, em linha abstrata de tipicidade (fato
típico), mediante uma incriminação penal".
Conceituam-se bem como tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade humana,
inclusive as de natureza moral, espiritual, etc. Interesse como o liame psicológico em torno
desse bem, isto é, o valor que tem para seu titular.
São bens jurídicos: a vida - protegida nas tipificações de homicídio, infanticídio, etc.;
a integridade física - lesões corporais; a honra - calúnia, difamação e injúria; o patrimônio -
furto, roubo, estelionato; a paz pública, etc. A disposição dos títulos e capítulos da Parte
Especial do Código Penal obedece a um critério que leva em consideração o objeto jurídico
do crime, colocando-se em primeiro lugar os bens jurídicos mais importantes: vida,
integridade corporal, honra, patrimônio, etc.
A defesa dos bens jurídicos pelo Direito Penal não está, porém, sendo eficiente e já se
diz que o déficit de sua tutela real é somente "compensado" pela criação, junto ao público, de
uma ilusão de segurança e de um sentimento de confiança no ordenamento e nas instituições
que têm uma base real cada vez mais fragilizada. Por essa razão, exige-se como alternativa
uma "luta civil e cultural pela organização da tutela pública dos interesses dos indivíduos e
da comunidade, da defesa dos direitos dos mais fracos contra a prepotência dos mais fortes",
com formas mais diferenciadas, justas e eficazes - instrumentais que aquelas "simbólicas"
oferecidas pelo sistema da justiça criminal.
Objeto material ou substancial do crime é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a
conduta criminosa, isto é, aquilo que a ação delituosa atinge. Está o objeto direta ou
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indiretamente indicado na figura penal. Assim, "alguém" - o ser humano é objeto material do
crime, no caso de homicídio (art. 121, CP), a "coisa alheia móvel" o é dos delitos de furto (art.
155, CP) e roubo (art. 157, CP), o "documento" o é do crime de falsidade documental (art.
298, CP), etc.
Há casos em que se confundem na mesma pessoa o sujeito passivo e o objeto do
crime. Nas lesões corporais a pessoa que sofre a ofensa à integridade corporal é, ao mesmo
tempo, sujeito passivo e objeto material do crime previsto no art. 129 do Código Penal - a
ação é exercida sobre seu corpo. Existem, porém, crimes sem objeto material, como ocorre no
crime de ato obsceno (art. 233, CP), no de falso testemunho (art. 342, CP), etc.
Não há que confundir o objeto material do crime e o "corpo de delito". Embora possa
coincidir este é constituído do conjunto de todos os elementos sensíveis do fato criminoso,
como prova dele, incluindo-se os instrumentos, os meios e outros objetos: arma, vestes da
vítima, papéis, etc.
Objeto jurídico é o bem ou o interesse protegido pela norma penal. Objeto material é a
coisa sobre a qual recai a ação do agente, podendo tratar-se tanto de um bem material como
de uma pessoa no sentido corporal.
O Direito Penal no Estado Democrático de Direito
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, caput, definiu o perfil político-
constitucional do Brasil, de Estado Democrático de Direito. Trata-se, de um dos mais
importantes dispositivos da Constituição da República de 1988, pois do Estado Democrático
de Direito decorrem todos os demais princípios fundamentais de nosso Estado.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 instituiu, em seu art. 1º, o
Estado Democrático de Direito e, a pena, por ser uma manifestação do direito de punir estatal,
deve observar os seus fundamentos e princípios decorrentes. No presente trabalho, a partir de
fontes normativas e doutrinárias, será feita uma breve análise conceitual acerca da pena, com
ênfase nos princípios constitucionais que lhe são aplicáveis e, também, sem desprezar os fins
atribuídos a tal instituto, com vistas a compatibilizar a intervenção penal com a ordem
constitucional.
O Estado Democrático de Direito é muito mais do que Estado de Direito. O Estado de
Direito assegura e garante a igualdade meramente formal entre os homens, tem como
características: a submissão de todos ao império da norma jurídica - lei vigente; a divisão
formal do exercício das funções derivadas do poder, entre os órgãos executivos, legislativos e
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judiciários como forma de evitar a concentração da força e combater o arbítrio; o
estabelecimento formal de garantias individuais; o povo como origem formal de todo e
qualquer poder; a igualdade de todos perante a lei, na medida em que estão submetidos às
mesmas regras gerais, abstratas e impessoais; a igualdade meramente formal, sem atuação
efetiva e interventiva do Poder Público, no sentido de impedir distorções sociais de ordem
material.
No Estado formal de Direito, todos são iguais porque a lei e é igual para todos e nada
mais. No plano concreto e social não existe intervenção efetiva do Poder Público, pois o
Estado já fez a sua parte ao assegurar a todos as mesmas garantias.
As normas, embora genéricas e impessoais, podem ser socialmente injustas quanto ao
conteúdo. É perfeitamente possível um Estado de Direito, com leis iguais para todos, sem que,
se realize justiça social. É que não existe discussão sobre os critérios de seleção de condutas
delituosas realizados pelo legislador. A lei não reconhece como crime uma situação
preexistente, ao contrário, cria o crime. Não existe necessidade de se fixar um conteúdo
material para o fato típico, pois a vontade suprema da lei é dotada de poder absoluto para
eleger como bem entender, sendo impossível qualquer discussão acerca do seu conteúdo.
A expressão, “Estado de Direito”, por si só, caracteriza a garantia inócua de que todos
estão submetidos ao império da lei, cujo conteúdo fica em aberto, limitado apenas à
impessoalidade e a não-violação de garantias individuais mínimas.
Por essa razão, o constituinte, a partir da promulgação da Constituição da República
de 1988, afirmou que o Brasil não é somente um Estado de Direito, mas um Estado
Democrático de Direito.
Verifica-se o Estado Democrático de Direito não somente pela proclamação formal da
igualdade entre todos os homens: pela imposição de metas e deveres quanto à construção de
uma sociedade justa, livre e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela
erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das desigualdades sociais e
regionais; pela promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem,
sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação; pelo pluralismo político e liberdade
de expressão das idéias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única
do poder e pelo respeito inarredável da dignidade humana (art. 3º, CRFB/1988).
Para se caracteriza o Estado Democrático de Direito impõe a submissão de todos ao
império da mesma lei, mas onde as leis possuam conteúdo e adequação social, descrevendo
como infrações penais somente os fatos que realmente colocam em perigo bens jurídicos
fundamentais para a sociedade.
19
Sem esse conteúdo, a norma se configurará como atentatória aos princípios básicos da
dignidade humana. A norma penal em um Estado Democrático de Direito não é somente
aquela que formalmente descreve um fato como infração penal, não importando se ofende ou
não o sentimento social de justiça, mas ao contrário, sob pena de colidir com a Constituição, o
tipo incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos
humanos, somente aqueles que realmente possuem real lesividade social.
O Brasil se fundamenta no Estado Democrático de Direito, por reflexo, seu direito
penal há de ser democrático, legítimo e obediente aos princípios constitucionais e legais que o
informam, passando o tipo penal a ser uma categoria aberta, cujo conteúdo deve ser
preenchido em consonância com os princípios derivados deste perfil político-constitucional.
Não se admitem mais critérios absolutos na definição dos crimes, os quais passam a ter
exigências de ordem formal - somente à lei pode descrever e cominar-lhes uma pena
correspondente e material - o conteúdo deve ser questionado à luz dos princípios
constitucionais derivados do Estado Democrático de Direito.
Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais diversos
campos da atuação humana. No que diz respeito ao âmbito penal, há um exponencial
princípio a regular e orientar todo o sistema, princípio da dignidade humana, transformando-o
em um direito penal democrático. Trata-se de um braço genérico e abrangente, que deriva
direta e imediatamente deste moderno perfil político do Estado brasileiro, a partir do qual
partem inúmeros outros princípios próprios afetos à esfera criminal, que nele encontram
guarida e orientam o legislador na definição das condutas delituosas.
Afirma-se que do Estado Democrático de Direito parte o princípio da dignidade
humana, orientando toda a formação do Direito Penal. Qualquer construção típica, cujo
conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana serão materialmente inconstitucionais,
porque atentatória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado.
Cabível ao Estudante e Operador do Direito exercer controle técnico de verificação da
constitucionalidade de todo tipo penal e de toda adequação típica, de acordo com o seu
conteúdo. Se afrontar à dignidade humana, deverá ser expurgado do ordenamento jurídico.
Em outras situações, o tipo, abstratamente, pode não ser contrário à Constituição, mas
em determinado caso específico, o enquadramento de uma conduta em sua definição pode
revelar-se atentatório ao mandamento constitucional, por exemplo, enquadrar no tipo penal de
furto a subtração de um “pacotinho” de macarrão instantâneo - “mioje”.
20
O princípio da dignidade humana deve servir de orientação ao legislador no momento
de criar um novo delito e o Operador do Direito no instante em que irá realizar a atividade de
adequação típica.
A norma penal em um Estado Democrático de Direito não é somente aquela que
formalmente descreve um fato reprovável como infração penal, não importando se tal fato
ofende ou não o sentimento social de justiça, porém ao contrário, sob pena de colidir com a
Constituição, o tipo incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os
comportamentos humanos, somente aqueles que realmente possuam lesividade social.
Impõe-se no Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo
incriminador. Crime não é apenas aquilo que o legislador diz ser - conceito formal, uma vez
que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo,
não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.
O crime, materialmente, é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou
perigosa a interesse penalmente protegido, constituída de determinados elementos e
eventualmente integrada por certas condições ou acompanhada de determinadas
circunstâncias previstas em lei.
O crime, formalmente, é um fato típico e antijurídico e a culpabilidade constitui
pressuposto da pena.
Fato típico: é o comportamento humano - positivo ou negativo que provoca um
resultado, em regra, é previsto em lei penal como infração.
Tipos penais que se limitem a descrever formalmente infrações penais,
independentemente de sua efetiva potencialidade lesiva, atentam contra a dignidade da pessoa
humana.
Convém lembrar a lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:
"Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio
implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra"
(Curso de Direito Administrativo, 5. ed, São Paulo, Malheiros Ed., 1994, p. 451).
Aplicar a justiça de forma plena, e não apenas formal, implica, portanto, aliar ao
ordenamento jurídico positivo a interpretação evolutiva, calcada nos costumes e nas ordens
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normativas locais, erigidas sobre padrões culturais, morais e sociais de determinado grupo
social ou que estejam ligados ao desempenho de determinada atividade.
Os princípios constitucionais e as garantias individuais devem atuar como balizas para
a correta interpretação e a justa aplicação das normas penais, não se podendo cogitar de uma
aplicação meramente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pela verificação rudimentar
da adequação típica formal, descurando-se de qualquer apreciação ontológica do injusto. Da
dignidade humana, princípio genérico e reitor do Direito Penal, partem outros princípios mais
específicos, os quais são transportados dentro daquele princípio maior, tal como passageiros
de uma embarcação.
Desta forma, do Estado Democrático de Direito parte o princípio reitor de todo o
Direito Penal, que é o da dignidade humana, adequando-o ao perfil constitucional do Brasil e
erigindo-o à categoria de Direito Penal Democrático. Da dignidade humana, por sua vez,
derivam outros princípios mais específicos, os quais propiciam um controle de qualidade do
tipo penal, isto é, sobre o seu conteúdo, em inúmeras situações específicas da vida concreta.
Não adiantaria assegurar ao cidadão a garantia de submissão do poder persecutório à
exigência prévia da definição legal, se o legislador tivesse plena liberdade para editar de modo
autoritário e livre de balizas, quais os bens jurídicos merecedores de proteção, isto é, se o
legislador pudesse a seu bel-prazer, escolher sem limites impostos por princípios maiores, o
que seria e o que não seria crime.
O Direito Penal é mais do que um instrumento opressivo em defesa do aparelho
estatal. Exerce uma função de ordenação dos contatos sociais, estimulando práticas positivas e
refreando as perniciosas, por essa razão, não pode ser fruto de uma elucubração abstrata ou da
necessidade de atender a momentâneos apelos demagógicos, mas ao contrário, refletir com
método e ciência, o justo anseio social.
Baseado nessas premissas se deve estabelecer uma limitação à eleição de bens
jurídicos por parte do legislador, isto é, não é todo e qualquer interesse que pode ser
selecionado para ser defendido pelo Direito Penal, mas tão-somente aquele reconhecido e
valorado pelo Direito, de acordo com seus princípios reguladores.
O tipo penal está sujeito a um permanente controle prévio, no sentido de que o
legislador deve guiar e orientar-se pelos valores consagrados pela dialética social, histórica e
cultural, harmonizada ao espírito da Constituição e a um controle posterior, estando sujeito ao
controle de constitucionalidade concentrado e difuso.
22
A função da norma é a proteção de bens jurídicos a partir da solução dos conflitos
sociais, razão pela qual a conduta somente será considerada típica se criar uma situação de
real perigo para a coletividade.
O Direito Penal brasileiro somente pode ser concebido à luz do perfil constitucional do
Estado Democrático de Direito. Portanto, deve ser um direito penal democrático. Deste
Estado Democrático de Direito parte um extraordinário apêndice flexível, a regular todo o
sistema penal que é o princípio da dignidade humana, de modo que toda incriminação
contrária ao mesmo é substancialmente inconstitucional.
Do essencial e fundamental princípio da dignidade humana derivam princípios
constitucionais do Direito Penal, cuja função é estabelecer limites à liberdade de seleção
típica do legislador para buscar uma definição material do crime. Esses contornos direcionam
o tipo legal, uma estrutura bem distinta da concepção meramente descritiva do início do
século passado, de modo que o processo de adequação de um fato passa a submeter-se à rígida
apreciação axiológica.
O legislador, no momento de escolher os interesses que merecem a tutela penal, bem
como o Operador do Direito, no instante em que irá proceder à adequação típica deve
forçosamente, verificar se o conteúdo material daquela conduta atenta contra a dignidade
humana ou contra os princípios que dela derivam. Em caso positivo, estará manifestada a
inconstitucionalidade substancial da norma ou daquele enquadramento, devendo ser
exercitado o controle técnico, afirmando a incompatibilidade vertical com o texto da
Constituição Federal vigente.
A criação do tipo e a adequação concreta da conduta ao tipo deve operar-se em
consonância com os princípios constitucionais do Direito Penal, os quais derivam da
dignidade humana que, por sua vez, encontra fundamento no Estado Democrático de Direito.
No Estado Democrático de Direito é necessário que a conduta considerada criminosa
tenha realmente conteúdo de crime. Crime não é somente aquilo que o legislador diz ser -
conceito formal, uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada
criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.
Depois de evidenciada a função da aplicação e execução da pena, é fundamental que
se atente para as normas-regras que caracterizam a pena e sua aplicação, obedecendo
estritamente aos princípios objetivos constitucionais e legais que norteiam todas as fases de
aplicação e execução das sanções penais, senão a aplicação da pena poderá conter vício ou
macula ofensivas as normas jurídicas, constitucional e infraconstitucional.
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Os princípios constitucionais e do Direito Penal afeto à pena são a plataforma mínima
sobre a qual se pode elaborar o Direito Penal de um Estado Democrático de Direito. Os
princípios reitores enunciados, sob a denominação de "princípios básicos" pelo Professor
NILO BATISTA no livro Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro são: lesividade ou
ofensividade ou danosidade, intervenção mínima, legalidade ou da reserva legal ou da
tipicidade, humanidade e culpabilidade. Há outros, que, na realidade, são desdobramentos
destes.
Por intermédio da dignidade nascem os demais princípios orientadores e limitadores
do Direito Penal. Os mais importantes princípios penais derivados da dignidade humana são:
adequação da intervenção penal, adequação social, alteridade ou transcendentalidade,
anterioridade da lei penal, auto-responsabilidade, co-culpabilidade ou co-responsabilidade,
confiança, culpabilidade, dignidade da pessoa humana, efetividade, exclusiva proteção dos
bens jurídicos com dignidade penal, fragmentariedade, humanidade, igualdade - isonomia,
imputação pessoal, inadequação social, inderrogabilidade, individualização da pena, in dúbio
pro reo, insignificância ou bagatela, intervenção mínima, irretroatividade da lei penal,
legalidade ou reserva legal, lesividade, ne bis in idem, necessidade e idoneidade, ofensividade,
personalidade, presunção de inocência, proporcionalidade, responsabilidade pelo fato,
responsabilidade subjetiva, subsidiariedade.
O princípio da adequação da intervenção penal consiste que a intervenção penal
apenas se justifica quando proporciona, com a aplicação da pena, redução da violência.
O princípio da adequação social consiste que a conduta deixa de ser punida por não
mais ser considerada injusta pela sociedade.
Somente deve ser tipificadas condutas de relevância social, excluindo as condutas
socialmente adequadas ou socialmente permitidas ou toleradas. Tal princípio implica uma
seleção de comportamentos e ao mesmo tempo uma valoração dos mesmos.
Critica-se essa teoria porque costume não revoga lei e também porque não pode o juiz
substituir-se ao legislador para dar por revogada uma lei incriminadora em plena vigência, sob
pena de afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes, devendo a atividade
fiscalizadora do juiz ser suplementar, em casos extremos, de clara atuação abusiva do
legislador na criação do tipo.
O conceito de adequação social é um tanto quanto vago e impreciso, criando
insegurança e excesso de subjetividade na análise material do tipo, não se ajustando por isso
às exigências da moderna dogmática penal.
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O princípio da adequação social é todo comportamento que, a despeito de ser
considerado criminoso pela lei, não afrontar o sentimento social de justiça - aquilo que a
sociedade tem por justo, não pode ser considerado criminoso.
Entretanto, é forçoso reconhecer que, embora o conceito de adequação social não
possa ser aceito com exclusividade, atualmente é impossível deixar de reconhecer sua
importância na interpretação da subsunção de um fato concreto a um tipo penal. Este princípio
atuando ao lado de outros princípios pode levar à exclusão da tipicidade.
Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica condutas que tenham certa relevância
social. O tipo penal pressupõe uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente
aqueles que sejam contrários e nocivos ao interesse público, para serem erigidos à categoria
de infrações penais.
As condutas aceitas socialmente e consideradas normais não podem sofrer este tipo de
valoração negativa, sob pena de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade.
O princípio da alteridade ou transcendentalidade proíbe a incriminação de atitude
meramente interna, subjetiva do agente, por essa razão, revela-se incapaz de lesionar o bem
jurídico. O fato típico pressupõe um comportamento que transcenda a esfera individual do
indivíduo-delinquente e seja capaz de atingir o interesse do outro - altero.
Nenhum indivíduo pode ser punido por ter realizado mal só a si mesmo. Não há lógica
em punir o indivíduo suicida frustrado ou a pessoa que se açoita, na lúgubre solidão de sua
casa ou do espaço físico em que vive. Se a conduta se esgota na esfera do próprio autor, não
há fato típico.
NILO BATISTA afirma que:
"só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não seja
simplesmente pecaminoso ou imoral. A conduta puramente interna, ou puramente individual - seja
pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção
penal".
O princípio da alteridade veda a incriminação do pensamento ou de condutas
moralmente censuráveis, mas incapazes de penetrar na esfera do altero. O bem jurídico
tutelado pela norma é o interesse de terceiros, pois seria inconcebível provocar a
interveniência criminal repressiva contra alguém que está fazendo somente mal a si mesmo,
por exemplo, punir-se um suicida malsucedido com pena pecuniária ou corporal ou até
mesmo prestação de serviço à comunidade.
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O princípio da anterioridade menciona para que seja válida a pena aplicada, deve
existir lei anterior que comine a respectiva sanção ao delito praticado, isto é, a norma-regra
penal já deve estar vigendo no momento em que for praticada a infração penal. Este princípio
deve obedecer às disposições do art. 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988 e do art. 1º
do Código Penal, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”, assim, antes da ocorrência de um fato criminoso deve existir uma lei
definindo-o como tal e prevendo a sanção correspondente.
Pelo princípio da anterioridade é que a lei baliza o comportamento do cidadão mesmo
antes de este se verificar, traçando normas e regulando a sua conduta. A conduta é
predeterminada pelo legislador antes mesmo de sua ocorrência.
O princípio da auto-responsabilidade centra-se nos resultados danosos que decorrem
da ação livre e inteiramente responsável de alguém, só podem ser imputados a este e não
àquele que o tenha anteriormente motivado. Por exemplo, um indivíduo aconselhado por
outro a praticar esportes "radicais", resolve voar de asa-delta. Aquela pessoa acaba sofrendo
um acidente e falece. O resultado morte não pode ser imputado a ninguém mais, além da
vítima, pois foi a sua vontade consciente, livre e responsável que a impeliu a correr riscos.
O princípio da co-culpabilidade ou co-responsabilidade entende que a
responsabilidade pela prática de uma infração penal deve ser compartilhada entre o indivíduo-
infrator e a sociedade, quando essa não lhe tiver proporcionado oportunidades. Este princípio
não foi adotado no Brasil.
JUAREZ CIRINO DOS SANTOS foi um dos primeiros estudiosos a fomentar a idéia
de co-culpabilidade. Chamando-a de "co-culpabilidade da sociedade organizada", entendeu
como uma valoração compensatória da carga de responsabilidade atribuída a certos membros
da sociedade que se encontram, em razão de condições sociais a eles desfavoráveis, acuados
socialmente.
Assim, segundo o princípio da co-culpabilidade, membros de determinadas classes
sociais, ao cometerem certos tipos de delitos, não devem ser exclusivamente
responsabilizados pelo ato, visto que não são os únicos responsáveis por ele.
O Estado tem sua inegável parcela de culpa, principalmente quando o crime cometido
apresenta como prima ratio, elementos de natureza social, tendo por fator desencadeador a
ausência de condições mínimas que possibilitem a concretização da dignidade humana de
cada cidadão.
A co-culpabilidade, pois, vem temperar o juízo de reprovação que recai sobre o sujeito
ativo do delito, uma vez que este, notadamente nos casos de delito patrimonial, é compelido,
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não raro, por condições de vida desfavoráveis, pela descrença nas instituições do Estado, bem
como pelo menosprezo à própria sociedade, enquanto reduto excludente.
O princípio da confiança trata-se de requisito para a existência do fato típico, não
devendo ser relegado para o exame da culpabilidade.
Funda-se na premissa de que todos devem esperar por parte das outras pessoas que
estas sejam responsáveis e ajam de acordo com as normas da sociedade, visando a evitar
danos a terceiros.
Por essa razão, consiste na realização da conduta, na confiança de que o outro
indivíduo atuará de um modo normal, já esperado, baseando-se na justa expectativa de que o
comportamento das outras pessoas se dará de acordo com o que, normalmente acontece.
Por exemplo, o motorista que trafegando pela via preferencial, passa por um
cruzamento, na confiança de que o veículo da via secundária aguardará sua passagem. No
caso de um acidente, o motorista da via preferencial não terá agido com culpa.
A vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada um tivesse de vigiar o
comportamento do outro, para verificar se está cumprindo todos os seus deveres de cuidado.
Assim, não realiza conduta típica o indivíduo que, agindo de acordo com o direito, acaba por
envolver-se em situação em que um terceiro-indivíduo descumpriu seu dever de lealdade e
cuidado.
O princípio da confiança não se aplica quando era função do agente compensar
eventual comportamento defeituoso de terceiros. Por exemplo, um motorista que passa bem
ao lado de um ciclista, não tem por que esperar uma súbita guinada do mesmo em sua direção,
mas deveria ter se acautelado para que não passasse muito próximo, a ponto de criar uma
situação de perigo. Como atuou quebrando uma expectativa social de cuidado, a confiança
que depositou na vítima qualifica-se como proibida, é o abuso da situação de confiança.
Surge a confiança permitida que, é aquela que decorre do normal desempenho das
atividades sociais, dentro do papel que se espera de cada um, a qual exclui a tipicidade da
conduta, em caso de comportamento irregular inesperado de terceiro. A confiança proibida,
quando o indivíduo não deveria ter depositado no outro toda a expectativa, agindo no limite
do que lhe era permitido, com nítido espírito emulativo.
Resumidamente, se o comportamento do indivíduo se deu dentro do que dele se
esperava, a confiança é permitida. Quando há abuso de sua parte em usufruir da posição que
desfruta incorrerá em fato típico.
27
O princípio da culpabilidade consiste que não há crime sem culpa ou dolo. A punição
deve ser proporcional a reprovabilidade da conduta, não podendo ser levada em consideração
pelo que é.
Este princípio é caracterizado pela possibilidade de se imputar a alguém a prática de
uma infração penal, sendo possível a aplicação de uma pena com os seus limites de
individualização, a um autor de um fato considerado antijurídico, não havendo
responsabilidade objetiva pelo resultado se não houver agido com dolo ou culpa.
O princípio da culpabilidade atua como limitação do ius puniendi, na determinação e
individualização da pena, em que a responsabilidade penal é sempre pessoal. Não há, no
direito penal, responsabilidade coletiva, solidária, subsidiária ou sucessiva.
O princípio da dignidade da pessoa humana consiste no elevado fundamento da
República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição
Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, “a dignidade da pessoa humana”, o homem antes
de ser considerado como cidadão passa a valer como pessoa.
Coloca-se a defesa da dignidade do ser humano, protegendo-a de ações arbitrárias e
indevidas por parte do Estado ou daquele que detém poder sobre outrem.
A intervenção jurídico-penal jamais deve servir-se de instrumento vexatório ou
repugnante, mesmo que seja contra o pior dos delinqüentes, devendo sobremaneira agir com a
razão para tratar da criminalidade e não com a emoção.
O princípio da efetividade também é chamado de princípio da eficácia para este o
Direito Penal quando chamado a intervir, deverá ser eficaz, devendo ser, via de regra,
preventivo e se necessário for também repressivo.
O princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos com dignidade penal mencionada
que apenas os bens jurídicos realmente vitais para a vida em sociedade, elencados na
Constituição, podem ser resguardados pela intervenção penal.
Também chamado de princípio da ofensividade ou da lesividade, nasce com a
ocorrência da lesão ou ameaça de lesão a determinado bem jurídico penalmente protegido por
lei.
Por exemplo, na tentativa idônea de homicídio pode não haver dano algum, mas
apesar disso, haverá sempre um ataque ao bem jurídico - vida humana.
Não é tudo o que é aético ou imoral é protegido pelo Direito Penal. O bem jurídico
pode apresentar-se das mais diferentes formas: vida, liberdade sexual, integridade física,
honra, etc.
28
O princípio da fragmentariedade consiste apenas a grave lesão ao bem jurídico com
dignidade penal merece tutela penal.
Cumpre esclarecer que não é toda lesão ou ameaça de lesão que são proibidos
penalmente, também não é tudo que é protegido pelo Direito Penal. Tal limita-se a fatos de
maior gravidade e de maior importância, com caráter seletivo de ilicitude.
O Direito Penal não protege todos os bens jurídicos de violações, somente assegura os
bens mais importantes. Dentre os bens, não tutela de todas as lesões, apenas intervém nos
casos de maior gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurídicos.
O princípio da humanidade se encontra fundamentado em vários dispositivos da
Constituição Federal de 1988. A vedação constitucional da tortura, do tratamento desumano
ou degradante a qualquer pessoa (III, art. 5º); a proibição da pena de morte, da prisão
perpétua, de penais cruéis, de trabalhos forçados e de banimento (XLVII, art. 5º); o respeito e
proteção à figura do preso (XLVIII, XLIX e L, art. 5º); normas disciplinadoras da prisão
processual (LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI, art. 5º).
Este princípio refere-se às vedações expressas da lei, proibindo as penas de caráter
perpétuo, de banimento, cruéis de trabalhos forçados e de morte, salvo em caso de guerra
declarada. (XLVII, art. 5º).
Impõe-se ao legislador mecanismos de controle de tipos legais. Assim, resulta ser
inconstitucional a criação de um tipo ou a cominação de alguma pena que atente
desnecessariamente contra a incolumidade física ou moral-psíquica de qualquer indivíduo -
atentar necessariamente significa restringir alguns direitos nos termos da Constituição da
República, quando exigido para a proteção do bem jurídico.
Do princípio da humanidade decorre a impossibilidade de a pena passar da pessoa do
indivíduo-delinqüente, ressalvados alguns dos efeitos extra penais da condenação, como a
obrigação de reparar o dano na esfera cível, que podem atingir os herdeiros do causador do
dano até os limites da herança (XLV, art. 5º, CRFB/1988).
Neste princípio, salvo exceção constitucional em tempo de guerra declarada, não é
possível a aplicação de pena de morte, pena perpétua, penas cruéis, penas degradantes e
desumanas, trabalhos forçados e banimento, por serem atentatórias à dignidade humana.
Veda para o poder punitivo estatal, a aplicação de penas cruéis e infames, como a pena
capital e a prisão perpétua, como sanções que venham a atingir a dignidade da pessoa
humana.
29
Tal princípio não só deverá se adequar a aplicação da pena como ao seu cumprimento,
recomendando que a execução penal seja adequada a ressocialização dos indivíduos-
condenados e não a sua degradação.
A idéia de humanização das penas criminais tem sido uma reivindicação constante e
árdua da sociedade no perpassar evolutivo do Direito Penal. Das penas de morte às penas
corporais passou-se lenta e progressivamente. Das penas privativas de liberdade às penas
alternativas: multa - pecuniária, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de
direitos, limitação de fim de semana, passou-se de forma gradativa.
O princípio da igualdade - isonomia consubstancia-se na Constituição Federal de
1988, em seu art. 5º, caput, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza...”, implica a aplicação da norma penal de forma igual a todos os cidadãos.
Não devemos somente ter em vista a igualdade formal - texto expresso da lei, mas
também a igualdade material - aplicação da lei a todos. Busca a não discriminação, proibindo
as diferenciações de tratamento.
O princípio da imputação pessoal trata-se de que o direito penal não pode castigar um
fato cometido por quem não reúna capacidade mental suficiente para compreender o que faz
ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Não pune os inimputáveis.
O princípio da inadequação social trata de que jamais pode receber tutela penal
conduta aceita ou até mesmo fomentada pela sociedade.
O princípio da inderrogabilidade consiste que a pena deverá ser aplicada sempre que
se configurar simetria perfeita entre o tipo penal e a atitude empregada pelo indivíduo.
Contudo, há situações excepcionais que excluem a ilicitude, como o exercício regular de
direito (art. 23, III, CP). Entretanto, via de regra, não pode haver extinção da pena por mera
liberalidade do juiz ou qualquer autoridade que intente a efetivação de tal proposta.
O princípio da individualização da pena trata de que a individualização da pena ocorre
em três fases: a) na elaboração legislativa, pois a pena deve ser proporcional ao crime
cometido; b) na sentença que deve seguir os critérios estabelecidos no Código Penal (arts. 33,
59 e 68, CP); c) na execução das penas pelo sistema progressivo e outros institutos como o
livramento condicional (Lei 7.210/1984).
Este princípio se refere à necessidade da apreciação pontual do delito, para que a pena
seja imposta ao indivíduo-delinquente - criminoso de acordo com o grau de culpabilidade, em
vista de certos requisitos a serem avaliados quando na aplicação da penalidade. A pena deve
partir de valores genéricos de acordo com a fria previsão do tipo penal no ordenamento
jurídico e posteriormente em sua liquidação deverá moldar-se de acordo com análise da
30
situação fática. Este princípio norteia pelas disposições do inciso XLVI do art. 5º da
Constituição Federal de 1988: “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre
outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d)
prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”.
O princípio do in dúbio pro reo menciona de que o indivíduo-acusado da prática de
uma infração penal por ocasião de seu julgamento final, na dúvida deverá ser absolvido.
Corolário do campo das provas, tal princípio deve ser aplicado quando houver dúvida,
acatando a interpretação mais favorável ao réu.
O princípio da insignificância ou bagatela, segundo este princípio, o Direito Penal não
deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos
incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal
exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o
legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou
incapazes de lesar o interesse protegido.
Também chamado de princípio da bagatela, analisa a proporcionalidade entre a
gravidade da conduta e a necessidade da intervenção estatal.
Para haver crime, exige-se lesão a um bem juridicamente protegido pela norma penal.
Em alguns casos, a lesão é tão insignificante que não há interesse para o Direito Penal. Nesses
casos, os crimes de bagatela são considerados fatos atípicos.
A finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for
insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá
adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem
tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos.
O Superior Tribunal de Justiça, através da 5ª Turma, tem reconhecido a tese da
exclusão da tipicidade dos delitos de bagatela, aos quais se aplica o princípio da
insignificância, dado que à lei não cabe preocupar-se com infrações de pouca monta,
insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade. Nesse sentido: REsp 234.271, Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU, 8/5/2000, p. 115; REsp 235.015, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU,
8/5/2000, p. 116.
Não se pode confundir delito insignificante ou de bagatela com crime de menor
potencial ofensivo. Os crimes de menor potencial ofensivo são definidos pelo art. 61 da Lei
9.099/1995 e submetem-se aos Juizados Especiais Criminais. Nestes crimes a ofensa não pode
ser acoimada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptível socialmente, não
podendo falar-se em aplicação desse princípio.
31
O princípio da insignificância não é aplicado no plano abstrato.
Também não se pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenções penais são
insignificantes, pois dependendo do caso concreto, isto não se pode revelar verdadeiro. Por
exemplo, transitar pelas ruas armado com uma faca é um fato contravencional que não pode
ser considerado insignificante.
A insignificância da lesão afasta a intervenção penal e a tipicidade material. Assim,
ainda que formalmente haja crime o fato será atípico. São requisitos para insignificância, de
acordo com os Tribunais Superiores: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de
periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d)
inexpressividade da lesão jurídica.
O princípio da intervenção mínima assenta-se na Declaração Universal de Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei deve somente prever as penas
estritamente necessárias.
Este princípio tem a função de orientar e limitar o poder incriminador estatal,
considerando como crime somente se constituir meio necessário para a tutela de determinado
bem jurídico. Somente se deve socorrer do Direito Penal quando forem insuficientes todos os
meios de controle estatal ou jurídicos.
A intervenção do Estado na esfera dos direitos do cidadão deve ser sempre a mínima
possível, garantindo assim o seu desenvolvimento.
Este princípio orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a
criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de
determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social
revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não
recomendável.
A pena é medida extrema e grave, devendo ser imposta apenas nos casos em que a
intervenção estatal realmente diminuirá a violência social, impedindo a vingança privada e
prevenindo novos crimes.
A intervenção mínima tem como ponto de partida a característica da fragmentariedade
do Direito Penal. Somente haverá Direito Penal naqueles casos típicos em que a lei descreve
um fato como crime. Ao contrário, quando a intervenção mínima nada disser, não haverá
espaço para a atuação criminal. Assim, consiste a principal proteção política do cidadão em
face do poder punitivo estatal, qual seja a de que somente poderá ter invadida sua esfera de
liberdade, se realizar uma conduta descrita e definida pela lei, a existência de uma infração
penal.
32
O sistema penal brasileiro é descontínuo e fragmentado, porque os tipos penais estão
espalhados por várias normas jurídicas, leis, decretos-leis, etc.
A intervenção mínima tem dois destinatários principais. Ao legislador o princípio
exige cautela no momento de eleger e editar as condutas que merecerão punição criminal,
abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo
comprovada experiência anterior, não puderam ser convenientemente contidos pela aplicação
de outros ramos do direito deverão ser catalogados como crimes em modelos descritivos
legais.
Ao Operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando
notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros
ramos menos agressivos do ordenamento jurídico.
Assim, no caso, de a demissão com justa causa pacifica o conflito gerado pelo
pequeno furto cometido pelo empregado - o direito trabalhista tomou inoportuno o ingresso
do penal. Se o furto de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o
pagamento do débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há necessidade de
movimentar a máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta:
crime organizado, narcotráfico e dilapidações ao erário.
Da intervenção mínima decorre como corolário indestacável a característica de
subsidiariedade. Com efeito, o ramo penal só deve atuar quando os demais campos do Direito,
os controles formais e sociais tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa
tutela. Sua intervenção só deve operar quando fracassam as demais barreiras protetoras do
bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito.
Pressupõe que a intervenção repressiva no círculo jurídico dos cidadãos só tenha
sentido como imperativo de necessidade, isto é, quando a pena se mostrar como único e
último recurso para a proteção do bem jurídico, cedendo à ciência criminal a tutela imediata
dos valores primordiais da convivência humana a outros campos do Direito, atuando somente
em último caso.
Se existe um recurso mais suave em condições de solucionar plenamente o conflito,
torna-se abusivo e desnecessário aplicar outro mais traumático.
A intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal decorrem da dignidade
humana, pressuposto do Estado Democrático de Direito, são uma exigência para a
distribuição mais equilibrada da justiça.
O princípio da irretroatividade da lei penal consiste em que uma lei não alcança fatos
ocorridos antes ou depois de sua vigência, consagrando o princípio do tempo. Contudo o
33
princípio da irretroatividade da lei penal vigora somente em relação à lei mais severa,
admitindo a retroatividade da lei mais favorável, em conformidade com a Constituição
Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XL, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar
o réu”.
O princípio da legalidade consiste que a pena a ser aplicada e posteriormente
executada deve estar contida previamente em lei vigente, pois é inadmissível que a punição
cominada não tenha sido previamente sancionada por lei. Está expressamente definido na
Constituição Federal de 1988 em seu inciso XXXIX do art. 5° - “não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” e no Código Penal vigente em
seu art. 1° - “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal”.
Constitui-se em uma efetiva limitação ao poder punitivo do Estado, significa que não
haverá crime se não houver lei escrita definindo a infração penal e impondo-lhe conseqüente
pena.
Faz da lei penal fonte exclusiva de aplicação, onde seus fundamentos são de ordem
formal pela expressa previsão legal da infração penal.
O princípio em questão se desdobra em quatro postulados: a) exigência de que a lei
incriminadora seja anterior a pratica do fato; b) lei escrita, exclui a admissibilidade dos
costumes como criadores de normas penais; c) inadmissível é o uso da analogia para
fundamentar uma condenação ou agravar uma pena; d) clareza dos tipos penais.
O princípio da lesividade, além da subsunção formal, também é requisito para a
intervenção penal a real lesividade social da conduta. É necessária a adequação da conduta a
um conceito material de crime.
O princípio do ne bis in idem prevê a impossibilidade de haver duas ou mais punições
criminais pela pratica de uma única infração penal. Por exemplo, um indivíduo dirigindo
embriagado se envolve em um acidente de trânsito, poderá ser punido criminal, civil e
administrativamente, isto é, poderá receber três punições - sanções, não configurando o bis in
idem.
O bis in idem significa a pluralidade de sanções em um mesmo âmbito jurídico pela
pratica de uma única infração penal.
O princípio da necessidade e idoneidade decorre do princípio da proporcionalidade.
A incriminação de determinada situação só pode ocorrer quando a tipificação revelar-
se necessária, idônea e adequada ao fim a que se destina, isto é, à concreta e real proteção do
bem jurídico.
34
Quando a comprovada demonstração empírica revelar que o tipo não precisava tutelar
aquele interesse, dado que outros campos do direito ou mesmo de outras ciências têm plenas
condições de fazê-lo com sucesso ou ainda quando a descrição for inadequada ou ainda
quando o rigor for excessivo, sem trazer em contrapartida a eficácia pretendida, o dispositivo
incriminador padecerá de insuperável vício de incompatibilidade vertical com os princípios
constitucionais regentes do sistema penal.
Nenhuma incriminação subsistirá em nosso ordenamento jurídico, quando a definição
legal revelar-se incapaz, seja pelo critério definidor empregado, seja pelo excessivo rigor, seja
ainda pela afronta à dignidade humana, de tutelar concretamente o bem jurídico.
Surge a necessidade de precisa definição do bem jurídico, sem o que a norma não tem
objeto, por conseguinte, não pode existir. Um tipo sem bem jurídico para defender é como um
processo sem lide para solucionar, isto é, um nada.
O conceito de bem jurídico, atualmente, é um dos maiores desafios de nossa doutrina,
na busca de um direito protetivo e garantista, portanto, obediente ao Estado Democrático de
Direito.
O princípio da ofensividade - princípio do fato e da exclusiva proteção do bem
jurídico: não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto,
efetivo e real, comprovado de lesão ao bem jurídico.
A punição de uma agressão em sua fase ainda embrionária, embora aparentemente útil
do ponto de vista da defesa social, representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma
atuação demasiadamente intervencionista do Estado.
Como ensina LUIZ FLÁVIO GOMES, "o princípio do fato não permite que o direito
penal se ocupe das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar,
das suas atitudes internas (enquanto não exteriorizada a conduta delitiva)".
A atuação repressivo-penal pressupõe que haja um efetivo e concreto ataque a um
interesse socialmente relevante, isto é, o surgimento de um real perigo ao bem jurídico.
O princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os chamados "delitos de
perigo abstrato". Segundo este princípio, não há crime sem comprovada lesão ou perigo de
lesão a um bem jurídico. Não se confunde com princípio da exclusiva proteção do bem
jurídico, segundo o qual o direito não pode defender valores meramente morais, éticos ou
religiosos, mas tão-somente os bens fundamentais para a convivência e o desenvolvimento
social.
Na ofensividade, somente se considera a existência de uma infração penal quando
houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No primeiro, há uma limitação
35
quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal. No segundo, só se considera
existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo concreto,
efetivo e real.
Nesse sentido é a lição de LUIZ FLÁVIO GOMES:
"A função principal do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é a de delimitar uma forma de
direito penal, o direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral, os
costumes, uma ideologia, uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais,
programas de governo, a norma penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e deve ser
conceituado como um conjunto normativo destinado à tutela de bens jurídicos, isto é, de relações
sociais conflitivas valoradas positivamente na sociedade democrática. O princípio da ofensividade, por
sua vez, nada diz diretamente sobre a missão ou forma do direito penal, senão que expressa uma forma
de compreender ou de conceber o delito: o delito como ofensa a um bem jurídico. E disso deriva, como
já afirmamos tantas vezes, a inadmissibilidade de outras formas de delito (mera desobediência, simples
violação da norma imperativa etc.). Em face do exposto impende a conclusão de que não podemos
mencionar tais princípios indistintamente, tal como vêm fazendo alguns setores da doutrina e da
jurisprudência estrangeira".
A função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão punitiva estatal, de
maneira que não pode haver proibição penal sem um conteúdo ofensivo a bens jurídicos.
O legislador deve abster-se de formular descrições incapazes de lesar ou, pelo menos,
colocar em real perigo o interesse tutelado pela norma. Caso isto ocorra, o tipo deverá ser
excluído do ordenamento jurídico por incompatibilidade vertical com a Constituição da
República de 1988.
Toda norma penal em cujo teor não se vislumbrar um bem jurídico claramente
definido e dotado de um mínimo de relevância social, será considerada nula e materialmente
inconstitucional.
O Operador do Direito também deve cuidar para que em específico caso concreto, no
qual não se vislumbre ofensividade ou real risco de afetação do bem jurídico, não haja
adequação na descrição abstrata contida na lei.
Assim, somente restará justificada a intervenção do Direito Penal quando houver um
ataque capaz de colocar em concreto e efetivo perigo um bem jurídico.
Delineando-se em termos precisos, a noção de bem jurídico poderá exercer papel
fundamental como mecanismo garantidor e limitador dos abusos repressivos do Poder
Público.
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Sem afetar o bem jurídico, não existe infração penal. Trata-se de princípio ainda em
discussão no Brasil.
Entendo que subsiste a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato em
nosso ordenamento legal, como legítima estratégia de defesa do bem jurídico contra agressões
em seu estágio ainda embrionário, reprimindo-se a conduta, antes que ela venha a produzir
um perigo concreto ou um dano efetivo. Trata-se de cautela reveladora de zelo do Estado em
proteger adequadamente certos interesses. Eventuais excessos podem ser corrigidos pela
aplicação do princípio da proporcionalidade.
As conseqüências do princípio da ofensividade: a) proibir a incriminação de atitudes
internas; b) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor;
c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais; d) proibir a
incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.
O Direito Penal é ciência valorativa. Esse caráter axiológico permite que a ciência
submeta as situações sociais a uma apreciação, a uma avaliação, da qual resulta o
reconhecimento do seu conteúdo de valor ou de desvalor. Identificado o conteúdo de valor de
uma determinada situação social, cabe ao Direito Penal recorrer ao seu caráter fragmentário,
para definir se aquele bem jurídico necessita ou não de uma especial ação protetiva.
O princípio da personalidade trata-se de ninguém pode ser responsabilizado por fato
cometido por outra pessoa. A pena não pode passar da pessoa do condenado (XLV, art. 5º,
CRFB/1988).
Este é um dos mais suscitados princípios penais, a personalização da pena refere-se
diretamente ao inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal 1988, concernente a pena não
ultrapassar a pessoa do condenado: “nenhum pena passará da pessoa do condenado, podendo
a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido”.
O princípio da presunção de inocência previsto na Constituição Federal de 1988, em
seu art. 5º, inciso LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. A pessoa mesmo que presa em flagrante, indiciada em
inquérito ou sendo processada não poderá ser considerada culpada. Assim, o Direito Penal
afastou a presunção de culpabilidade.
O princípio da presunção de inocência é também conhecido pela doutrina como
situação jurídica de inocência, estado de inocência ou ainda princípio da não-culpabilidade é
conseqüência direta do princípio do devido processo penal.
37
Como bem diz FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO:
“Este princípio nada mais representa que o coroamento do due process of law. É um ato de fé no valor
ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre. Assenta no reconhecimento dos princípios do direito
natural como fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto da
liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia”.
Afirma-se que nos crimes de menor potencial ofensivo em que é instaurado Termo
Circunstanciado, em nenhum momento o indivíduo-autor do fato deve sofrer restrições
pessoais fundadas exclusivamente em uma provável condenação por uma conduta
considerada criminosa pelo ordenamento jurídico. Quer na Delegacia de Polícia com a
instauração do Termo Circunstanciado, quer na audiência conciliatória ou posteriormente.
Assim, pelo teor das provas, a obrigação de demonstrar ao magistrado à existência de
um fato delituoso e a autoria deverá ser ônus sobre quem alegar a acusação, seja o Ministério
Público Estadual na ação pública incondicionada ou condicionada a representação da vítima
ou do querelante na ação privada.
Tratando de garantias fundamentais, não poderia ser diferente, nossa Constituição
Federal de 1988 consagrou o princípio no artigo 5º, inciso LVII, nota-se que nela não se
“presume” a inocência de uma pessoa que sofre uma acusação, mas declara que o indivíduo-
acusado é inocente durante o desenvolvimento processual até a sentença final transitada em
julgada.
Ocorrendo uma acusação, o princípio da inocência possui notável relevância na
atuação da defesa, pois haverá o confronto do status libertatis e ius puniendi.
Em razão do princípio da inocência a norma constitucional não paira dúvida na
aplicação da lei processual penal, no que tange ao direito fundamental do indivíduo de ser
considerado não-culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, principalmente
nos crimes de competência do Juizado Especial Criminal, por ter cunho de justiça consensual
e não repressiva.
O princípio da proporcionalidade encontra assento na imperativa exigência de respeito
à dignidade humana. Este princípio está insculpido em diversas passagens da nossa
Constituição, quando abole certos tipos de sanções (XLVII, art. 5º); exige individualização da
pena (XLVI, art. 5º); maior rigor para casos de maior gravidade (XLII, XLIII e XLIV, art. 5º);
moderação para infrações menos graves (I, art. 98).
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A pena deverá exercer função especificamente ao crime cometido, de acordo com a
situação do delito, em caráter preexistente, contemporâneo e superveniente ao ato. (XLVI e
XLVII, art. 5º).
Em primeiro momento é endereçado ao legislador, onde na criação da norma prevendo
um fato em abstrato, deva levar em consideração a cominação de uma pena proporcional a
pratica do antijurídico. Em um segundo momento a figura do aplicador da lei penal ao caso
concreto, isto é, o Estado-juiz, devendo a margem de arbítrio possível aplicar dentro dos
critérios objetivos e subjetivos a pena proporcional ao injusto praticado.
O mencionado princípio baseia-se na relação custo-benefício.
Toda vez que o legislador cria um novo delito, impõe um ônus à sociedade, decorrente
da ameaça de punição que passa a pairar sobre todos os cidadãos.
Uma sociedade incriminadora é uma sociedade invasiva, que limita em demasia a
liberdade das pessoas.
Por outro lado, esse ônus é compensado pela vantagem de proteção do interesse
tutelado pelo tipo incriminador. A sociedade vê limitados, certos comportamentos, ante a
cominação da pena, mas também desfruta de uma tutela a certos bens, os quais ficarão sob a
tutela do Direito Penal.
Para o princípio da proporcionalidade, quando o custo for maior do que a vantagem, o
tipo será inconstitucional, porque contrário ao Estado Democrático de Direito.
Em outras palavras, a criação de tipos incriminadores deve ser uma atividade
compensadora para os membros da coletividade.
Um Direito Penal democrático não pode conceber uma incriminação que traga mais
temor, mais ônus, mais limitação social do que benefício à coletividade. Somente se pode
falar na tipificação de um comportamento humano, na medida em que isto se revele vantajoso
em uma relação de custos e benefícios sociais.
Em outras palavras, com a transformação de uma conduta em infração penal impõe-se
a toda coletividade uma limitação, a qual precisa ser compensada por uma efetiva vantagem:
ter um relevante interesse tutelado penalmente.
Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o
princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento
jurídico por vício de inconstitucionalidade.
A pena é a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal
infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano, não se admitindo penas
idênticas para crimes de lesividades distintas ou para infrações dolosas e culposas.
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Exemplo clarividente da aplicação do princípio da proporcionalidade ocorreu no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade em que o Supremo Tribunal Federal
suspendeu, por liminar, os efeitos da Medida Provisória 2.045/2000 que proibia o registro de
armas de fogo, por considerar não haver proporcionalidade entre os custos sociais como
desemprego e perda de arrecadação tributária e os benefícios que compensassem o sacrifício,
conforme decisão da ADInMC 2.290-DF, Rel. Min. Moreira A1ves, julgado: 18/1/2000,
Informativo STP nº 16, de 20/10/2000, nº 207, p. 1.
Necessário para que a sociedade suporte os custos sociais de tipificações limitadoras
da prática de determinadas condutas, que se demonstre a utilidade da incriminação para a
defesa do bem jurídico que se quer proteger, bem como a sua relevância em cotejo com a
natureza e quantidade da sanção cominada.
O princípio da responsabilidade pelo fato refere-se, o direito penal não se presta a
punir idéias, ideologias e pensamentos, e, também não se prestar a punir o modo de ser das
pessoas, mas, ao contrário, deve punir fatos devidamente exteriorizados no mundo concreto e
objetivamente descritos e identificados em tipos legais.
A função do Estado consiste em proteger bens jurídicos contra comportamentos
externos e efetivas agressões previamente descritas em lei como crimes, bem como
estabelecer um compromisso ético com o cidadão para o melhor desenvolvimento das
relações intersociais. Não pode repreender meras idéias, ideologias, manifestações políticas
ou culturais discordantes, pensamentos, tampouco incriminar categorias de pessoas.
Os tipos devem definir fatos, associando-lhes penas, não estereotipar autores. Por
exemplo, na Alemanha nazista, não havia propriamente crimes, mas criminosos.
Incriminavam-se os "traidores" da nação ariana e não os fatos eventualmente cometidos. Eram
tipos de pessoas, não de condutas. Castigavam-se a deslealdade com o Estado, as
manifestações ideológicas contrárias à doutrina nacional-socialista, os subversivos, assim por
diante. Não pode existir um direito penal do indivíduo, mas do fato.
O princípio da responsabilidade subjetiva consiste que nenhum resultado
objetivamente típico pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa,
afastando-se a responsabilidade objetiva.
Do mesmo modo, ninguém pode ser responsabilizado sem que reúna todos os
requisitos da culpabilidade. Por exemplo: nos crimes qualificados pelo resultado, o resultado
agravador não pode ser atribuído a quem não o tenha causado pelo menos culposamente.
Exemplo de um indivíduo que acaba de conhecer um hemofílico, depois de breve discussão,
lhe faz um pequeno corte no braço, e, em face da patologia preexistente, a vítima (hemofílico)
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sangra até falecer. O indivíduo-infrator deu causa à morte - conditio sine qua non, mas não
responde pela morte, pois não a causou com dolo, pois quem quer matar corta a artéria aorta e
não o braço; também não responde por culpa, não tinha como prever o desfecho trágico, pois
desconhecia a existência da patologia. Neste sentido é a inteligência do art. 19 do Código
Penal.
O princípio da subsidiariedade consiste em que o direito penal é um remédio
subsidiário, isto é, deve ser reservado somente para as situações em outras medidas não foram
suficientes.
Não é concebível que se olvide, em uma necessária conjugação com os princípios
objetivos de imposição da pena, em sede de sancionamento subjetivos presentes no juiz ou
tribunal competente para a aplicação da pena e posterior execução.
A legislação penal, em perfeita simetria ao princípio da reserva legal confere aos
magistrados mecanismos de atuação que se baseiam unicamente em sua percepção acerca dos
fatos e condutas que orbitam a realização de um delito (art. 59, CP), sendo pois, no plano
fático, causas idôneas na repercussão da sanção penal no espectro pessoal do apenado.
Dessa forma, é possível considerar que a lei penal pátria, concebeu para a efetiva
aplicação da condenação, princípios de ordem legal, isto é, de acordo com a lei, bem como
proporcionou ao magistrado competente à aplicação da medida punitiva, a valoração dos
princípios subjetivos, inerentes a sua pessoa.
Portanto, em vista desta ínsita duplicidade de vertentes norteadoras da aplicação e
execução da punição, o legislador pré-concebeu de forma sábia um balanceamento entre o
ordenamento legal puro, incidente ao caso genérico tipificado na lei e o ordenamento moral, a
incorrer no caso concreto, sob o ponto de vista sociológico, sendo conferido ao julgador
poderes para através de sua percepção dos fatos promover à pessoa do condenado o peso da
penalização justa, em fundamentação idônea na aplicação da pena.
Os limites do controle material do tipo incriminador
É imperativa do Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo
incriminador. Crime não é somente aquilo que o legislador diz ser - conceito formal, uma vez
que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo,
não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade.
A regra do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, segundo a qual "não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", incumbiu, com
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exclusividade, ao legislador a tarefa de selecionar, dentre todas as condutas do gênero
humano, aquelas capazes de colocar em risco a tranqüilidade social e a ordem pública.
Convencionou denominar isso de "função seletiva do tipo".
A missão de detectar os anseios nas manifestações sociais é específica de quem detém
mandato popular. Ao Poder Legislativo cabe, por conseguinte, a exclusiva função de
selecionar as condutas mais perniciosas ao convívio social e defini-las como crimes,
associando-lhes penas.
A discussão sobre esses critérios escapa à formação predominantemente técnica do
Poder Judiciário. Em virtude e atenção dada ao princípio da separação dos Poderes, previsto
na nossa Constituição Federal de 1988 (art. 2º).
O controle judicial de constitucionalidade material do tipo deve ser excepcional e
exercido em caso de flagrante atentado aos princípios constitucionais sensíveis. Não
padecendo de vícios explícitos em seu conteúdo, não cabe ao magistrado determinar o
expurgo do crime de nosso ordenamento jurídico, sob o argumento de que não reflete um
verdadeiro anseio popular. O controle material é, por essa razão, excepcional e deve ser
realizado somente em casos óbvios de afronta a direitos fundamentais do homem.
A criminalização de novas condutas, o aumento da quantidade das penas privativas de
liberdade e o maior rigor durante o respectivo cumprimento têm sido, nas últimas décadas, as
medidas oferecidas pelos sucessivos governos como paliativos ao clamor da sociedade
alarmada com a criminalidade.
Alega-se que, no atual momento histórico, a sociedade impelida como premente e
inevitável recurso de defesa social. Tal discurso, ainda que repetitivo e de mérito questionável
continua a fazer adeptos e não dá sinal de diminuir o fôlego.
Assim, parece-nos oportuno instigar um questionamento. Será que a freqüência com
que o legislador brasileiro tem se utilizada da mais grave das formas de sanção contempladas
pelo nosso ordenamento jurídico, não terminou por banalizá-la, impedindo-nos de perceber a
real gravidade do castigo que representa a limitação, ainda que momentânea, da liberdade
humana?
No Brasil, comina-se pena privativa de liberdade tanto a quem ofende a honra alheia,
quanto àquele que mata o próprio filho ou estupra uma irmã de caridade. Assim, alimenta-se
nossa insensibilidade às terríveis e inevitáveis conseqüências da aplicação da pena privativa
de liberdade a ponto de nos passar quase despercebido constituir o instinto à liberdade um dos
mais arraigados na alma humana.
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A história nos oferece outros exemplos de tratamento vil dispensado a seres humanos
que embora nos causem na atualidade indignação e vergonha, foram em determinadas épocas
considerados adequados. Não nos esqueçamos de que não irá muito longe o tempo, onde os
povos civilizados forjaram o seu desenvolvimento fazendo da escravatura instituição
consagrados pelos poderes temporais e eclesiásticos.
A natureza da pena privativa da liberdade, por si mesma, denuncia a sua gravidade e
está a exigir, por questão de proporcionalidade, seja reservada tão-somente para aquelas
situações entendida como as mais importantes violações dos bens jurídicos tutelados pelas leis
penais.
Atualmente, em lamentável e gritante contradição com a mais elementar noção de
crime, faz-se referência a condutas criminosas de menor potencial ofensivo ou mesmo de
“ínfimo potencial ofensivo”. Se crime é sempre uma grave perturbação da ordem social, as
referidas denominações estão a evidenciar a impropriedade de tratar os mencionados
comportamentos no âmago da categoria conceitual do crime.
As referidas penas ainda que fixadas em meses ou anos, são contadas segundo a
segundo. Nessa perspectiva, compreende-se, em plenitude o seu real significado. Não há pena
privativa de liberdade leve ou de curta duração.
O que se está reclamar, portanto, não é mais uma reforma do nosso vetusto Código
Penal ou das inúmeras leis penais extravagantes.
O que se quer e se impõe é uma ampla reforma penal. Reformulação cuidadosamente
planejada, que seja capaz de promover uma completa atualização da parte especial do Código
Penal, trazendo para seu texto o tratamento de condutas que atualmente encontram-se em
legislação esparsa como a tutela penal do meio ambiente, os crimes de tóxicos, o abuso de
autoridade, a tortura, entre outros. Mas também, reforma que venha afastar do corpo de nossa
codificação penal comportamentos cuja criminalização nitidamente afronta o bom censo, a
exemplo do crime de ato obsceno, de lenocínio e rufianismo sem o emprego de violência ou
grave ameaça.
Pena
A origem da pena coincide com o surgimento do Direito Penal, em virtude da
constante necessidade de existência de sanções penais em todas as épocas e todas as culturas.
A pena é a conseqüência jurídica principal que deriva da infração penal.
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Recordando-se sobre a evolução da aplicação da pena, visualiza-se que as penas e os
castigos que o Estado impôs àqueles transgressores das normas, foram evoluindo em face de
um sentido maior de humanização.
Os mais renomados doutrinadores penalistas brasileiro expressaram diversas
definições acerca do conceito ideal para o termo pena. Contudo, quase todos acordam no
sentido de que a pena é uma espécie de retribuição estatal ao ato cometido pelo indivíduo-
delinqüente, que impinge uma parcela de dor, sofrimento ao seu destinatário. Nesse sentido:
Magalhães Noronha: “A pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao
criminoso em face do ato praticado. É expiação”.
Rogério Greco: “A pena é a conseqüência natural imposta pelo Estado quando
alguém pratica uma infração penal”.
Guilherme de Souza Nucci: “É a sanção imposta pelo Estado, através da Ação
Penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a
novos crimes”.
André Estefam: “Pena é a sanção penal de caráter aflitivo, imposta ao autor culpado
por um fato típico e antijurídico”.
Existe ainda um conceito amplamente difundido na doutrina que pertence ao argentino
Sebastian Soler que define: “a pena é uma sanção imposta pelo Estado, através da Ação
Penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na
diminuição de um bem jurídico e cujo fim é evitar novos delitos”.
Faz-se necessário ressaltar que não há um conceito preciso da definição de pena, uma
vez que é a evolução da sociedade que impulsiona a definição e os limites do que vem a ser a
pena.
Segundo MICHEL FOUCAULT:
"o castigo é também uma maneira de buscar uma vingança pessoal e pública, posta na lei a força
físico-político do soberano está de certo modo presente: vemos pela própria definição da lei que ela
tende não só a defender, mas também a vingar o desprezo de sua autoridade com a punição daqueles
que vierem a violar suas defesas. ... O suplício tem então uma função jurídico-política. É um cerimonial
para reconstruir a soberania lesada por um instante. Ele a restaura manifestando-a em todo o seu
brilho. A execução pública, por rápida e cotidiana que seja, se insere em toda a série dos grandes
rituais do poder eclipsado e restaurado".
As penas apresentam basicamente seis características que as definem: a) intimidadora:
procura incutir o medo na sociedade através do temor de sua aplicação; b) aflitiva: busca
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atingir basicamente a liberdade da pessoa humana; c) exemplar: servir de paradigma para que
o Estado aplique com severidade a pena àqueles que rompem a ordem vigente; d) legal: as
penas derivam da Lei e devem ser aplicadas conforme os preceitos ali esculpidos. Não são
frutos das idéias e caprichos dos governantes ou magistrados; e) corretiva: busca impedir a
reincidência, através de medidas sócio-educacionais, de forma a readaptar o indivíduo que
esteja sofrendo os rigores da punição estatal; f) justa: as penas devem guardar a maior
proporcionalidade possível entre a reprimenda estatal e o delito perpetrado.
O conceito de pena encontra sua definição mais precisa em cada período da evolução
humana, o mesmo ocorre com a busca dos objetivos da pena. Assim, delineamos as premissas
que a nosso entender mais refletem os objetivos da pena: a) correção: a pena deve servir para
corrigir o indivíduo, para que este não volte a delinqüir; b) proteção: busca ainda a pena a
proteção da sociedade. A manutenção da paz social e a proteção dos bens juridicamente
tutelados; c) intimidação através do exemplo do apenado: deve cumprir uma função de
“ameaça” aos demais membros da sociedade, de forma a desestimular a delinqüência, uma
vez que, caso alguém transgrida a Lei, haverá uma pronta reprimenda estatal para tal conduta.
Infere-se tanto a definição do conceito de pena quanto o estudo dos seus fins são
estudos acerca do próprio Direito Penal, restando demonstradas as razões basilares da
relevância de uma séria reflexão acerca destes institutos e principiologia.
A partir da obra de Cesare Beccaria titulada "Dos Delitos e das Penas", as penas
desumanas e degradantes do primitivo sistema punitivo cederam espaço para outras, com
senso mais humanitário, cuja finalidade é a reeducação, recuperação e ressocialização do
indivíduo-delinqüente.
A obra de Cesare Beccaria imbuída no movimento filosófico-humanitário que tem o
traço marcante de Montesqueu, Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, foi à resposta contra a
crueldade das penas e da vingança institucional em nome do Estado e tinha o condão de
preservar a autoridade do soberano, que vigia desde o Direito Canônico, a partir do século
XII.
Naquela época da história puniam-se os indivíduos-delinquentes de heresia ou que
questionassem os dogmas religiosos vigentes naquele tempo, havendo, uma imagem turvada
do papel punitivo do Estado.
Conforme dito alhures, a obra de Cesare Beccaria foi inspirada, sem sombra de
dúvidas, nas condições desumanas que eram aplicadas no sistema penal de sua época.
É com certeza uma das mais relevantes obras primas que a humanidade possui afeta ao
Direito Penal.
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Cesare Beccaria não se intimidou com o sistema repressivo e tirânico de seu tempo e
denunciou em seu tratado a forma cruel que imperava nos tribunais, além de apresentar
possibilidades da atenuação desta crueldade sem limites.
Considerada por grandes autores penalistas, inclusive nos dias atuais, esta obra
caracteriza um capítulo à parte na evolução do direito penal, especialmente no que diz
respeito à aplicação da pena, questão central do nosso trabalho.
Foi através desta obra, lançado em 1764, que comprovou o verdadeiro sentido e razão
da punição, através da humanização das penas. Com o decorrer dos anos e sendo esta obra
traduzida para as mais diversas nações, esse pensamento humanitário começou então a ser
implantado nas legislações de todo mundo civilizado, evidenciando o papel da justiça no
obscuro e cruel pensamento dominante da época.
Para Cesare Beccaria as penas devem ter a função preventiva e não retributiva. Os
castigos têm por fim único o de impedir que o indivíduo-culpado cometa novos crimes
futuramente, tornando-se nocivo à sociedade - prevenção especial e também de desviar seus
concidadãos do caminho do crime - prevenção geral.
Se a pena consegue causar esta impressão no povo, pode-se dizer que esta impressão é
eficiente. O fim da pena não é, como ocorria no século XVIII, atormentar e afligir com
castigos, principalmente físicos o ser humano e não desfazer um crime que já foi cometido.
Por isso, deve haver uma proporcionalidade entre as penas e os delitos, ao mesmo tempo se
deva escolher um meio eficaz para impressionar o povo, deve-se buscar penas menos cruéis
no organismo do culpado.
Nas palavras de CESARE BECCARIA "toda severidade que ultrapasse os limites se
torna supérflua e, por conseguinte, tirânica".
Esses tormentos horríveis, causados por penas cruéis, podem produzir fins contrários
ao seu objetivo, que é o de prevenir o crime. Um deles é a dificuldade de se estabelecer uma
justa proporção da pena ao delito. Outro é a impunidade, pois os feitores passageiros de um
tirano não podem ser sustentados por um sistema constante de legislação, isto porque, se as
leis são cruéis. Logo serão modificadas ou não mais poderão vigorar e deixarão o crime
impune.
Dos conceitos de Cesare Beccaria aqui tratados, provocadores de uma grande
revolução no sistema repressivo foi o da igualdade dos criminosos responsáveis pelo mesmo
crime, para efeito de que lhes fosse aplicada a mesma pena, um ponto de apoio para muitos
sistemas criminais, inclusive o sistema vigente na época das Ordenações Portuguesas no
Brasil, que tinha como fundamento este preceito. Eram aplicadas as mesmas penas tanto às
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pessoas da alta classe social, quanto ao último dos cidadãos que tenha cometido o mesmo
delito.
Quando tratou em sua obra da moderação das penas contestou veementemente os
métodos utilizados, e pregou a moderação e a proporcionalidade e neste ponto obteve sua
consagração como um dos maiores defensores destes preceitos, reconhecendo-se sua
importância até os dias atuais.
Com Cesare Beccaria esboçou-se a demarcação dos limites entre a Justiça Divina e a
Justiça Humana, entre os pecados e os delitos, proclamou-se a utilidade social da pena,
retirando-lhe o caráter de vingança.
Desta forma, as penas corporais foram substituídas pelas penas privativas de liberdade,
persistindo este objetivo de humanização das penas, ainda nos dias atuais.
A pena não tem uma definição genérica, válida para qualquer lugar e qualquer
momento. Consiste no conceito legal de cada código penal em particular, em que são
elencadas sanções, cujas variações refletem as mudanças vividas pelo Estado.
Pena é a privação total ou parcial de um bem jurídico imposta pelo Estado, por meio
da ação penal, em retribuição ao indivíduo-delinquente de uma infração penal, cujo escopo é
evitar novas violações.
A pena é retributiva e pública. Mas como se legitima a intervenção estatal no sentido
de impor uma pena?
As teorias absolutas - retributivas, influenciadas pelos clássicos e pelas idéias de
Immanuel Kant, Georg Wilhelm Friedrich Hegel e Francesco Carrara, entendiam que o
fundamento da pena era a retribuição simplesmente, como uma exigência de justiça. A pena
tinha um fundamento ético, como confirmação do direito e resposta ao crime.
A pena seria a negação do crime, que seria, por sua vez, a negação do direito. Logo, a
pena seria a confirmação do Direito (Hegel).
Francesco Carrara é considerado o maior penalista de todos os tempos, "Três fatos
constituem a essência de nossa ciência: o homem, que viola a lei; a lei, que exige que seja
castigado esse homem; o juiz, que comprova a violação e dá o castigo". A pena é um
conteúdo necessário do direito. É o mal que a autoridade pública inflige a um culpado por
causa de seu delito.
O penalista FRANCESCO CARRARA explica:
"A pena não é simples necessidade de justiça que exija a expiação do mal moral, pois só Deus tem a
medida e a potestade de exigir a expiação devida, tampouco é uma mera defesa que procura o interesse
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dos homens as expensas dos demais; nem é fruto de um sentimento dos homens, que procuram
tranqüilizar seus ânimos frente ao perigo de ofensas futuras. A pena não é senão a sanção do preceito
ditado pela lei eterna, que sempre tende à conservação da humanidade e a proteção de seus direitos,
que sempre procede com observância às normas de Justiça, e sempre responde ao sentimento da
consciência universal".
A pena é meio de tutela jurídica, desta forma, se o crime é uma violação do direito, a
defesa contra este crime deverá se encontrar no seu próprio seio. A pena não pode ser
arbitrária, desproporcional; deverá ser do tamanho exato do dano sofrido, deve se também
retributiva, porém a figura do delinqüente não é importante.
As teorias relativas - utilitárias, inspiradas pelo positivismo, entendiam que a pena se
fundamentava na necessidade de associação de crime e temor do castigo: a intimidação de se
impor uma pena a quem cometesse uma infração seria uma forma de prevenção geral
negativa, se apesar dela, alguém praticasse um delito, a pena aplicada se justificaria no fato de
que a sociedade precisa se defender - prevenção específica.
Pela prevenção geral negativa, a pena dirige-se não apenas ao criminoso, mas também
a toda comunidade, com a finalidade de dissuadir os eventuais infratores de praticar novos
delitos, por intermédio da intimidação.
Com o fim da II Guerra Mundial, surgiram as teorias da prevenção especial, cuja
concepção de pena era voltada para o criminoso condenado, com o objetivo de corrigir e
ressocializá-lo, evitando, desta forma, a reincidência.
Hoje, constata-se que não a prevenção geral negativa e não a ressocialização
suficientes para o controle da criminalidade. Como intimidação, a pena fracassou, visto que a
criminalidade aumentou.
Por sua vez, a ressocialização não é compatível com a idéia de privação de bens
jurídicos: a vida na prisão não pode ser igual à vida em liberdade, a pena serve para proteger o
ordenamento e justificá-la como reeducação do indivíduo seria legitimar a intervenção coativa
do Estado na reforma de um ser humano, o que não se coaduna com um Estado Democrático
de Direito.
Modernamente tem-se buscado o fundamento da pena na prevenção geral positiva, isto
é, na manutenção da confiança institucional na prevalência do Direito: ao impor-se a pena ao
infrator, reafirma-se a validade da norma violada, fazendo com que a comunidade continue
esperando que seus bens jurídicos sejam respeitados, protegendo-se, assim, a ordem jurídica.
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Segundo Alessandro Baratta, a pena é a prevenção geral positiva, continua dirigindo-
se à comunidade, mas não a seus eventuais infratores, mas aos cidadãos “cumpridores da lei”,
como forma de reforçar os valores da ordem jurídica, tendo uma função muito mais simbólica
do que instrumental.
A pena é uma das espécies de sanção penal, assim como a medida de segurança,
consistente em uma manifestação do direito de punir do Estado. Isso porque quando é imposta
uma pena, restringe-se a esfera jurídica do autor de um fato definido legalmente como crime,
depois do trâmite do devido processo legal.
Uma vez transgredida uma norma de direito penal objetivo, surge para o Estado o
direito subjetivo de punir, o qual culmina com a aplicação-execução de uma pena cominada
no preceito secundário do fato delituoso cometido.
Aníbal Bruno explica que a pena, em seu sentido propriamente jurídico, é uma
resposta que uma comunidade organizada politicamente dá a um fato transgressor de normas
fundamentais à sua estrutura, portanto, tais fatos são definidos pela lei como delituosos.
Segundo ANÍBAL BRUNO, essa reação:
“aparece com os primeiros agregados humanos. Violenta e impulsiva nos primeiros tempos,
exprimindo o sentimento natural de vingança do ofendido ou a revolta de toda a comunidade social, ela
se vai disciplinando com o progresso da cultura, abandonando os seus apoios extrajurídicos e tomando
o sentido de uma instituição de Direito posta nas mãos do poder público para a manutenção da ordem
e segurança social”.
De acordo com LUIZ REGIS PRADO, a pena, ao lado da medida de segurança, é uma
das conseqüências jurídico-penais do delito: “consiste na privação ou restrição de bens
jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma
infração penal”. Uma observação: desse conceito, visualiza-se os seguintes princípios
constitucionais: devido processo legal, legalidade, juiz natural, os quais guardam estreita
relação com o direito penal e processual penal como um todo.
Portanto, tem-se que a pena é uma conseqüência natural e jurídica do delito, imposta
pelo Estado, quando do cometimento de um fato típico, antijurídico e culpável, depois da
devida persecução criminal, devendo esta, em um Estado Democrático de Direito, se dar de
acordo com os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conforme
explica ROGÉRIO GRECO.
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No Brasil como na maioria dos países subdesenvolvidos, a pena foi eleita como o
principal instrumento de controle social do crime e da criminalidade, isto é, conforme explica
JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, a Política Criminal não se orienta por:
“[...] políticas públicas de emprego, salário digno, escolarização, moradia, saúde e outras medidas
complementares, como programas oficiais capazes de alterar ou reduzir condições sociais adversas da
população marginalizada do mercado de trabalho e dos direitos da cidadania, definíveis como
determinações estruturais do crime e da criminalidade; por isso, o que deveria ser a política criminal
do Estado, existe, de fato, como simples Política Penal instituída pelo Código Penal e leis
complementares [...]”.
JUAREZ CIRINO DOS SANTOS continua tal raciocínio, com o qual manifesto
concordância, explicando que essa política penal realizada pelo Direito Penal brasileiro
legitima-se pela teoria da pena, a qual se sustenta como uma retribuição do crime e prevenção
da criminalidade.
Destarte, pode ser afirmado que a pena é uma conseqüência jurídica do delito, imposta
pelo Estado, no exercício de seu direito de punir, ao indivíduo-autor de fato típico, ilícito e
culpável, depois do trâmite do devido processo legal, com todas as suas garantias que lhe são
inerentes.
Espécies de penas
Pelo princípio da reserva legal, ao Poder Legislativo Federal cabe não só a
determinação do crime, como também a cominação da pena, para tanto, o legislador considera
o conteúdo de desvalor social da conduta hipotética que se quer evitar, com fulcro no
princípio da proporcionalidade, escolhe a qualidade - espécie de pena, a quantidade - limites
mínimo e máximo e as substituições possíveis.
São espécies de penas: a) comuns ou principais: privativas de liberdade: reclusão,
detenção e prisão simples; multa cominada no tipo; b) substitutivas ou alternativas: restritivas
de direitos: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade
ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana; multa
substitutiva (§ 2º, art. 60, CP).
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A individualização da pena na sentença
O legislador estabelece as sanções passíveis de serem aplicadas aos indivíduos-
acusados de infração penal e estabelece parâmetros para a fixação judicial da pena, em
concreto. Dentro desses parâmetros, goza o juiz de relativa liberdade. Todavia, nessa
importantíssima tarefa de estabelecer, em cada caso, as conseqüências jurídico-penais de
determinado crime, em concreto, o juiz, além das regras legais preestabelecidas, não pode
deixar de observar certos princípios fundamentais, expressos ou implícitos no ordenamento
jurídico.
Sobre esses princípios, freqüentemente relegados nos manuais e comentários
correntes, concentraremos nosso estudo.
O primeiro, o princípio da igualdade perante a lei. Assim, por exemplo, a condição de
estrangeiro, preto ou branco, rico ou pobre, posição social etc. não devem influir na
dosimetria ou na agravação da pena.
O segundo princípio tem em vista o caráter retributivo da pena, impondo ao juiz a
estrita observância do grau da culpa, de modo que cada um receba a punição de "seu" crime,
na medida de sua culpabilidade, não da culpabilidade de outrem.
O terceiro princípio tem a ver com o caráter preventivo da pena. Na lição de Jescheck,
a fixação judicial da pena deve ajustar-se à sua função retributiva, para que sirva de uma justa
retribuição do injusto e da culpabilidade, mas deve também, a um só tempo, ajustar-se ao fim
de prevenção especial, contribuindo para a reinserção social do delinqüente e procurando não
agravar a sua situação social além do estritamente necessário.
Esses princípios estão contidos, explícita ou implicitamente, no ordenamento jurídico
brasileiro.
O princípio da igualdade consta do art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988. Por
tal princípio, o tratamento desigual não é permitido senão em consonância com os critérios
albergados ou ao menos não vedados pelo ordenamento constitucional.
A dosimetria da pena, a concessão ou negativa de benefícios não devem resultar de
considerações de ordem pessoal do juiz a respeito da fortuna, da posição social ou da
condição de pobreza do indivíduo-acusado. O juiz penal, mais do que outros, está adstrito ao
princípio da reserva legal. Trabalha dentro dos espaços que lhe são traçados pela lei. Não se
pode colocar como herói e vingador da Justiça, como nos filmes policiais americanos, que
para aplicar o seu talião aos infratores, segue os próprios instintos, rompendo as regras e as
normas legais existentes.
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O segundo, o princípio da culpabilidade, está expressamente referido no artigo 59 do
Código Penal, como circunstância judicial da fixação da pena.
Assim, o juiz, para observar a função essencial, limitadora da culpabilidade, deve
procurar graduar a censurabilidade da conduta em função da gravidade do injusto, extraindo
as conseqüências práticas para a dosimetria da pena.
Não é difícil perceber, por exemplo, que um furto de uma bicicleta que possui valor
reduzido não é da mesma proporção do que um roubo de uma moto à mão armada. Logo, a
censurabilidade do agente na primeira hipótese é bem menor do que na segunda.
O terceiro, o princípio da pena necessária, posto à luz por Von Liszt. O Código Penal
vigente adotou esse princípio, ao incluir na parte final do art. 59, caput, esta recomendação:
“... conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
A pena insuficiente e desnecessária, desajustada ao agente do fato, não é a pena
correta, a pena justa, perante esse dispositivo da legislação penal vigente. Assim, criticáveis
são as sentenças que, ao individualizar a pena do indivíduo-acusado, ficam aquém ou vão
além do suficiente e necessário para a retribuição e prevenção do crime cometido.
Nessa linha de idéias, merece correção tanto a sentença que impõe pena insuficiente,
deixando, por mera benevolência, de afastar perigoso delinqüente do convívio social, como a
que, por mão pesada, aplica pena excessiva ou nega benefícios a que faz jus o indivíduo-
condenado.
Questiona-se: Como traduzir em termos práticos a pena ideal, correta e justa, se os
conceitos de suficiência e necessidade são bastante vagos?
O legislador, no artigo 59 do Código Penal, fornece critérios para essa quantificação,
ao recomendar ao juiz que examine a culpabilidade, a conduta social, a personalidade do
agente, os motivos, as circunstâncias, as conseqüências do crime, bem como o
comportamento da vítima. Desse exame resultará a fixação da pena-base, sobre a qual
incidirão as circunstâncias agravantes e atenuantes, depois na terceira e última fase, as causas
de aumento e de diminuição, eventualmente existentes.
Por último, não é demais lembrar que, nessa tarefa de dosimetria da pena, quando o
juiz efetivamente torna um fato concreto à sanção de Direito Penal, é preciso ter presente o
ensinamento de Goethe, citado por RADBRUCH: “quer se tenha de punir, quer de absolver,
é preciso ver sempre os homens humanamente”.
O Código Penal, por seu turno, ao estabelecer nos seus artigos 59 e 68 que o juiz
efetivará a dosimetria da pena de acordo com os respectivos limites mínimos e máximos, está
determinando que esta dosimetria deverá ser realizada considerando as peculiaridades do caso
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concreto e a culpabilidade do indivíduo-delinquente, através de uma interpretação sistemática
de todas as regras criminais aplicáveis, principalmente as atenuantes.
CEZAR ROBERTO BITENCOURT esclarece que:
“a pena-base deve ser encontrada analisando-se as circunstâncias judiciais do art. 59; a pena
provisória, analisando-se as circunstâncias legais, que são as atenuantes e as agravantes; e,
finalmente, chegar-se-á à pena definitiva, analisando-se as causas de diminuição e de aumento”.
Constata-se que a regra estabelecida no artigo 59, inciso II, do Código Penal, qual
seja, a que determina que o juiz ficará vinculado a quantidade da pena aplicável dentro dos
limites mínimos abstratamente previstos para o delito, refere-se tão-somente à fixação da
pena-base, isto é, a primeira etapa do procedimento trifásico, razão pela qual sua vinculação a
estes limites termina logo depois de concluída a primeira fase, através da determinação da
pena-base.
Assim, nas fases subseqüentes da individualização da pena, principalmente na terceira,
quando o julgador estabelecerá a pena definitiva, poderá haver redução abaixo do mínimo
legal abstratamente cominado quando presentes as causas de diminuição de pena.
LUIZ REGIS PRADO assevera:
“se na determinação da quantidade da pena-base aplicável o juiz deve ater-se aos limites traçados no
tipo legal de delito (art. 59, II), uma vez fixada aquela, passa-se à consideração das circunstâncias
atenuantes e das agravantes, em uma segunda fase, conferindo-se ao juiz a possibilidade de aplicar
pena inferior ao limite mínimo, já que o artigo 68 não consigna qualquer restrição”.
Para exemplificar, se um agente primário, de bons antecedentes e menor de 21 anos,
cometer um crime de furto simples e não aceitar a Suspensão Condicional do Processo, o juiz,
atendendo as disposições do artigo 68 do Código Penal e o critério trifásico de fixação da
pena, apenas estará adstrito aos limites de pena abstratamente previstos no artigo 155, caput,
do Código Penal na primeira fase da individualização da pena.
Neste sentido, considerando as condições do caso concreto, o infrator, se a pena-base
for fixada no seu mínimo legal, ou seja, em 1 (um) ano, terá direito a uma pena definitiva
inferior aquele limite mínimo, considerando principalmente, sua culpabilidade e a
circunstância atenuante da menoridade.
53
Com isso, inexiste vedação legal a redução da pena abaixo de seu mínimo abstrato,
inexistindo destarte, fundamento jurídico que impeça a fixação da conseqüência jurídica do
delito em quantidade aquém daquela mencionada no tipo penal incriminador, o que faz
efetivar os princípios constitucionais penais, em especial, o da dignidade da pessoa humana e
o da culpabilidade como critério aferidor da responsabilidade penal e da respectiva sanção.
A escolha da pena e do regime inicial
Os incisos I, III e IV, do artigo 59 do Código Penal ampliaram consideravelmente os
poderes do juiz criminal, permitindo-lhe, em certos casos, escolher a pena dentre as
cominadas, substituí-la por pena alternativa, bem como fixar o regime inicial de cumprimento.
Essa inovação se fez para permitir ao juiz maior autonomia na individualização da
pena que se completará no curso do procedimento executório, em função do exame
criminológico.
Não obstante, a experiência brasileira tem revelado que os juízes criminais pouco ou
quase nada se tem valido dessa faculdade. Preferem, salvo honrosas exceções, permanecer no
automatismo de preceitos revogados do velho Código Penal de 1940, consistentes em "crime
tal, pena tal e ponto final". As alternativas são raramente utilizadas, a pena de prisão e o sursis
são a tônica.
Tem-se a impressão de que, em certas áreas do Poder Judiciário e do Poder Executivo,
ainda não se tomou consciência da importância de dados estatísticos recentes revelando um
déficit de vagas nos estabelecimentos penais da ordem de mais de 70.000 e cerca de 275.000
mandados de prisão não cumpridos.
Fala-se muito na impunidade de crimes. Maior impunidade é condenar e não poder
executar a sentença condenatória. Isso atesta a inutilidade das sentenças ou dos mandados
judiciais, pondo por terra o caráter preventivo da pena, salientado no início deste artigo. A
legislação penal do país passa a ser um autêntico tigre de papel.
Surge mais uma indagação, pretende-se que essa situação, já insustentável, ainda mais
se agrave?
A magistratura permanece aferrada às idéias clássicas de um retributivismo
desajustado à sociedade contemporânea, as leis inovadoras terão vigência, mas não eficácia e
os esforços do legislador e dos juristas cairão no vazio, servindo somente para exposição nas
prateleiras das bibliotecas das universidades.
54
Entendo ser necessário, atualmente, na aplicação da lei penal, a noção simples de que
o Direito Penal não é, como parece ao leigo, ao grande público e à parcela significativa da
mídia, um pequeno território habitado somente por indivíduos-delinquentes - bandidos, objeto
de nossa repulsa.
O Direito Penal pela experiência cotidiana e pelo que pude perceber quando exerci a
função de Escrivão do Crime, é um grande território onde existem realmente delinqüentes
perigosos. Mas, ao lado desses, há um grande número, talvez a grande maioria, de infratores
ocasionais, primários, passionais, menores abandonados, etc., impelidos por circunstâncias
adversas, autores de delitos sem muita gravidade, que não podem e não devem receber
sanções idênticas ou análogas às aplicadas aos delinqüentes perigosos.
Entendo que essa distinção é uma tarefa da qual os julgadores não podem abrir mão.
Segundo FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO:
“A lei, qualquer lei, como todo conjunto de normas, é a expressão de um dever ser. Isso significa que,
por meio das leis, procura-se estabelecer roteiros, caminhos e preceitos que permitam ao homem
alterar, de certa forma, o mundo da realidade, sobre ele construindo uma ordem social mais valiosa.
Assim, a lei, por si só, nada pode modificar. Quem pode fazê-lo é o destinatário de seus mandamentos,
ou seja, o homem que a torna eficaz no meio social. Por isso é que não estaríamos exagerando se
disséssemos, para concluir, que, com a edição das leis de reforma, a reforma penal está apenas
começando, pois a reforma efetiva, a verdadeira reforma do sistema criminal brasileiro, essa
inapelavelmente, só poderá ser realizada por aqueles que se incumbem da administração da Justiça
Criminal”.
A última reforma do Código Penal, referente à dosimetria da pena ocorreu em 1984.
Decorridos mais de vinte e sete anos dessa reforma, em uma época em que, nos grandes
centros urbanos, a criminalidade mostra cada vez mais a sua face cruel e desumana, pode-se
dizer que a verdadeira reforma penal continua nas mãos dos juízes.
Portanto, a aplicação da pena é instituto tradicional, integrante de todos os textos
penais. Resulta de dois princípios constitucionais: a) legalidade: não há crime sem lei que o
defina, nem pena sem a devida cominação legal; b) individualização da pena. O primeiro visa
garantir o direito da liberdade, enquanto o segundo busca realizar o fim da pena, definida no
Código Penal brasileiro ‘‘... conforme seja necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime’’ (art. 59, CP).
55
Observa-se, com facilidade, que a sanção penal encerra ideologia e mensagem. Tem
finalidade e busca comunicação com o condenado a fim de extrair efeito de interesse público
e individual.
O tema pode ser analisado, como todos os institutos jurídicos, em dois planos,
coordenados, é certo, bem identificados. Poder-se-ia limitar o estudo à técnica de aplicação da
pena, partindo-se do dispositivo básico, vale dizer do artigo 68 do Código Penal. Fixa o
procedimento a ser observado pelo juiz, prosseguindo-se com o artigo 59 do Código Penal,
que orienta o magistrado, considerando o geral, a seguir o particular, a fim de fixar a pena
dentre as cominadas e estabelecer a quantidade aplicável, dentro dos limites previstos,
estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena ou promover a substituição da pena
privativa de liberdade aplicada por outra espécie de pena, se cabível.
Trabalho, fundamentalmente, dogmático, de real importância, em alguns pontos, de
jurisprudência divergente. A individualização da pena, quando o labor do juiz não for
meramente burocrático é o grande roteiro para a sanção penal ser aplicada materialmente, isto
é, não se reduzir ao mero cálculo, mais do que tudo satisfação formal do magistrado para
encerrar sentença condenatória.
O juiz deve encarar a aplicação da pena como operação de realização do Direito. Disso
ninguém pode discordar, há profunda distinção entre a lei e o Direito.
Para orientar esta posição, deve-se considerar a Lei como norma jurídica de extensão
limitada. Já o Direito, ao contrário, sistema de princípios que orientam e vinculam as normas
jurídicas, incluindo também a lei.
A lei desvinculada dos princípios enseja raciocínio formal, vazio de conteúdo. Nessa
linha coloca-se a escola da Exegese e a orientação técnica jurídica, esta conhecida pela
afirmação de Rocco de que a Filosofia deveria ser deixada para os filósofos e a Sociologia
para os sociólogos, devendo o jurista preocupar-se somente com a norma jurídica.
Essas colocações, próprias do positivismo ortodoxo, durante muito tempo vigoram nas
faculdades e universidades. Até há pouco tempo, ouvia-se afirmações como esta: ‘‘O
legislador faz a lei; o magistrado aplica a lei’’. Se a lei for injusta, dizia o magistrado, devo
aplicá-la, até que o legislador a modifique. A lei é injusta, mas devo aplicar a lei.
O Direito tem ganhando nova concepção. O Direito está deixando de ser concebido
como fim para ser recepcionado como meio. Meio para concretizar valores. A decisão judicial
não é neutra: é axiológica, teleologicamente orientada. O juiz está deixando de ser o
‘‘aplicador da lei’’ para ser o crítico da lei.
56
O juiz, na sua grandeza institucional, é na verdade, um agente político. Como tal, atua
na realidade social. Por isso, insista-se, o juiz é crítico da lei.
A infração penal, como norma, evidencia preceito e sanção, unidos logicamente. Só
esse plano poder-se-á falar que a pena é conseqüência do crime. De qualquer modo, bem
identificados. O primeiro faz conhecer a conduta proibida, o delito. O segundo, a sanção.
A aplicação da pena deve encerrar a integralidade do instituto. Insista-se: a infração
penal e a pena. Cumpre levar em conta a teoria da infração penal e a teoria da pena. Não é
isso o que vem ocorrendo.
O magistrado, de um modo geral, leva em conta somente o primeiro aspecto, ou seja, a
infração penal. Tanto procede que o raciocínio do juiz se concentra, fundamentalmente, se
restringe a analisar a conduta e o resultado. Hipóteses mais profundas incluem também a
análise do sujeito ativo.
A pena, ao contrário, resulta como simples relação de causalidade material, ou seja,
adaptá-la à espécie e aos limites da cominação.
Cumpre conferir amplo poder discricionário ao juiz, como agente político. Autorizado,
por isso, a indagar sobre a necessidade da pena.
A aplicação da pena, dentre os limites da cominação é a regra geral. Os casos
concretos podem ensejar características que os retiram dos limites dessas normas.
‘‘Individualizar’’, como está na Constituição Federal, é ajustar a norma ao fato. Do geral para
partir ao individual.
Um dos temas mais negligenciados no estudo do Direito Penal é a fixação da pena. A
maioria dos estudantes tem profundas dificuldades em assimilar o burocrático sistema de
fixação do quantum da pena privativa de liberdade e não é raro encontrarmos Operadores do
Direito: Advogados, Promotores de Justiça e Juízes que cometem erros primários em razão do
desconhecimento do procedimento previsto no Código Penal Brasileiro.
A primeira regra fundamental na fixação de uma pena é: para cada réu uma análise e
para cada crime uma análise.
Por exemplo, se dois delitos: homicídio e ocultação de cadáver foram praticados por
dois réus em concurso de agentes, o procedimento de fixação da pena será realizado, quatro
vezes (1º réu - homicídio, 1º réu - ocultação de cadáver; 2º réu - homicídio, 2º réu - ocultação
de cadáver).
No fim da fixação da pena para cada um dos delitos, a pena deverá ser unificada de
acordo com o tipo de concurso: material, formal ou continuidade delitiva, nos termos dos
artigos 69, 70 ou 71 do Código Penal.
57
Critério trifásico:
Depois da reforma da Parte Geral realizada em 1984, o artigo 68, caput, acolheu o
sistema trifásico de dosimetria da pena defendido por NELSON HUNGRIA, pelo qual deverá
o juiz iniciá-la considerando as circunstâncias judiciais; em seguida, deverá ater-se às
atenuantes e agravantes; por último, às causas de diminuição e de aumento de pena. A pena-
base será formada quando o juiz fizer o exame - discricionário - de todas as circunstâncias
judiciais existentes no caso concreto. Os graus de culpa: grave, leve e levíssima e a
intensidade do dolo, entretanto, não são considerados.
Em relação às qualificadoras, estas não entram em nenhuma das fases da dosimetria da
pena, mas fixam novos limites abstratos à pena cominada ao indivíduo-acusado e determinam
o mínimo e o máximo legal dos quais o juiz iniciará o cálculo da pena. Em havendo duas ou
mais qualificadoras, uma delas assim será, enquanto as demais serão tratadas como
circunstâncias judiciais ou serão agravantes, se houver correspondência entre essas
qualificadoras e as agravantes.
As circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal, são: a) de natureza
subjetiva: a.1) culpabilidade; a.2) antecedentes; a.3) conduta social; a.4) personalidade do
agente; a.5) motivos; b) de natureza objetiva: b.1) circunstâncias; b.2) conseqüências do
crime; b.3) comportamento da vítima. Conforme o artigo 67 do Código Penal são
circunstâncias preponderantes os antecedentes, a personalidade do agente e os motivos do
crime.
As circunstâncias agravantes estão previstas nos artigos 61 e 62 do Código Penal,
sendo este último para os casos de concurso de pessoas. As do artigo 61, entretanto, são as
hipóteses que não se encontram previstas no tipo penal: são, contudo, circunstâncias que
sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime.
As circunstâncias atenuantes estão previstas nos artigos 65 e 66 do Código Penal,
sendo deste último para as não previstas expressamente em lei. As do artigo 65, I a III, alíneas
"a" a "e", porém, são circunstâncias que sempre atenuam a pena.
As causas de aumento e de diminuição de pena estão dispersas na Perte Geral e na
Parte Especial do Código Penal. São de aplicação obrigatória pelo juiz, assim como são as
agravantes e atenuantes e compõem a terceira fase da dosimetria da pena. Nesta, as causas de
aumento e as causas de diminuição podem aumentar além do máximo ou diminuir aquém do
mínimo abstratamente previsto no tipo penal.
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O Código Penal Brasileiro adotou em seu artigo 68 o chamado critério trifásico de
fixação das penas. A pena será fixada em três fases: primeira fase são analisadas as
circunstâncias do artigo 59 do Código Penal e ao final da primeira fase é fixada uma pena
provisória que é denominada de pena-base.
Em seguida, havendo quaisquer das circunstâncias agravantes ou atenuantes previstas
nos artigos 61 e 65 do Código Penal, a pena será aumentada e diminuída, conforme o caso e
uma nova pena provisória será fixada.
Por fim, sobre esta nova pena provisória incidirá as chamadas causas de aumento ou
diminuição de pena, encontradas tanto na parte geral como na parte especial do Código Penal
e que se caracterizam por serem expressas por frações: aumenta-se da metade, diminui-se de
dois terços, etc. A pena resultante deste processo será a pena final do réu.
Primeira fase: a fixação da pena-base se dá com estrita observância das circunstâncias
do artigo 59 do Código Penal. Estas circunstâncias são chamadas circunstâncias judiciais, pois
são frutos de uma análise quase sempre bastante subjetiva por parte do magistrado da causa.
Tal subjetividade, porém, não se confunde com arbítrio e alguns elementos devem ser muito
bem esclarecidos.
Em princípio, vale frisar que a culpabilidade a que se refere o art. 59 do CP, não é
aquela que é elemento constitutivo do tipo. Não se trata, pois de uma inexigibilidade de
conduta diversa, mas sim do grau de reprovabilidade social da conduta criminosa.
Assim expressões comuns em sentenças condenatórias como "o réu conhecia o caráter
ilícito de sua conduta", "era exigido do agente uma conduta diversa", não podem ser
justificativas válidas para o aumento da pena, pois constituem circunstâncias comuns a todo e
qualquer crime. A culpabilidade a ser analisada na fixação da pena é um plus de reprovação
social do delito em análise em relação aos demais crimes da mesma espécie.
Os maus antecedentes, por outro lado, não se confundem com a reincidência. O artigo
63 do Código Penal dispõe que: "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo
crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior". Assim, só haverá reincidência quando: a) houver sentença
penal condenatória com trânsito em julgado; b) o novo crime for praticado após o trânsito em
julgado da primeira sentença condenatória.
Os maus antecedentes, por outro lado, não podem ser meras acusações contra o réu,
como inquéritos ou processos em andamento, pois o art. 5º, LVII, da Constituição Federal de
1988 consagrou o princípio da presunção de não-culpabilidade ao afirmar que: "ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
59
Questiona-se, se meras acusações não podem ser consideradas maus antecedentes e a
sentença transitada em julgado gera a reincidência, então o que seriam os maus antecedentes?
Ocorre que, muita vez, a sentença condenatória transitada em julgado é posterior ao
segundo crime, ainda que anterior ao seu julgamento. Assim, na data do julgamento do
segundo crime já há uma sentença penal condenatória transitada em julgado contra o réu,
porém não se trata de reincidência, pois o segundo crime foi praticado antes do trânsito em
julgado. Neste caso e somente neste poder-se-á falar em maus antecedentes.
De uma forma esquematizada poderíamos dizer que: C1 é o primeiro crime; C2 é o
segundo crime e J1 é o primeiro julgamento com trânsito em julgado e J2 é o segundo
julgamento:
C1 → J1 → C2 → J2 ↔ Reincidência
C1 → C2 → J1 → J2 ↔ Maus antecedentes
No segundo julgamento o indivídio-delinquente será considerado reincidente, no
esquema apresentado no primeiro caso. Porém tecnicamente primário e de maus antecedentes
no esquema do segundo caso.
Ressalta-se que tanto a reincidência quanto os maus antecedentes só podem ser
comprovados por certidão emitida pelo Escrivão Judicial em que conste não só a data da
condenação, mas também a data do trânsito em julgado e se for o caso, da extinção da
punibilidade.
A ausência da certidão, bem como a certidão apócrifa, impede o aumento da pena
tanto pela reincidência quanto pelos maus antecedentes.
A condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência, pois o artigo 63
do Código Penal é expresso em sua referência a crime.
Vale frisar que, de acordo com o artigo 64 do Código Penal, se entre a data do
cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo
superior a cinco anos, não há falar em reincidência.
Prosseguindo na análise do artigo 59 do Código Penal, têm-se a conduta social e a
personalidade do agente como elementos a serem levados em conta pelo magistrado.
Trata-se de circunstâncias que somente poderão ser analisadas para diminuir a pena do
réu, pois o seu uso para aumentar à pena constitui flagrante violação do princípio
constitucional da legalidade consagrado no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal de
1988: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
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Por exemplo, dois indivíduos munidos de arma de fogo resolvem roubar um banco em
concurso de agentes. Ambos realizam as mesmas condutas, rendem a pessoa do caixa,
apontam-lhe a arma, recolhem o dinheiro, dividem-no em partes iguais e saem em fuga.
Durante a instrução criminal as testemunhas afirmam que o primeiro deles é ótimo pai
de família; excelente vizinho; bom empregado e que trabalha durante os finais de semana em
entidades beneficentes, tendo inclusive adotado cinco crianças de rua. O outro acusado, porém
tem personalidade e conduta social oposta: bate na esposa; briga constantemente com a
vizinhança; chega bêbado no trabalho e há fortes comentários de que trafica drogas.
Não é difícil imaginar que o juiz fixará a pena do primeiro no mínimo legal e
aumentará a pena do segundo em cerca de um ano.
Ao proceder desta forma, o magistrado, na prática estará condenando ambos pelo
roubo ao banco, também estará condenando o segundo indivíduo a um ano de prisão por bater
na esposa, brigar constantemente com a vizinhança, chegar bêbado no trabalho e
supostamente traficar drogas.
Trata-se de violação clara de dois princípios constitucionais: devido processo legal e
legalidade.
Ao condenar o réu a um ano de prisão com base em alguns fatos absolutamente
atípicos sob o argumento de ser uma "conduta social imprópria" ou "personalidade
deturpada", nada mais estará fazendo do que desprezar completamente um dos mais
tradicionais princípios de Direito Penal.
Ofenderá também o princípio do devido processo legal, pois se o indivíduo foi
acusado de roubar um banco, irá defender-se deste fato tão-somente e não de supostas lesões
corporais à esposa e tráfico de drogas alegado pelas testemunhas. O aumento da pena com
base em supostos crimes que mesmo que provados nos autos não foram objeto de processo
para apurá-lo é absolutamente inconstitucional, pois em última análise configura em
condenação sem o devido processo legal.
Segue o artigo 59 do Código Penal, afirmando que os motivos do crime, suas
circunstâncias e conseqüências também deverão ser levados em conta na fixação da pena.
Vale frisar que o que se pune aqui não é o motivo, as circunstâncias e conseqüências já
previstas pela própria leitura do tipo penal, mas um plus de reprovabilidade. Assim absurdas
são as justificativas que muitos juízes alegam para majorar a pena: "o motivo do furto foi
muito reprovável, pois buscou o ganho fácil, o enriquecimento ilícito, etc.", "as conseqüências
do crime de homicídio - ou de latrocínio foram muito graves, pois resultou na morte da
vítima".
61
Afirmações como esta constituem um flagrante bis in idem, pois o "ganho fácil" é, em
última análise, elemento motivacional de todo crime patrimonial e a "morte da vítima" é
sempre conseqüência dos homicídios e latrocínios. A motivação que deve ser valorada não é a
comum aos crimes da espécie, mas aquela que se diferencia da média dos crimes praticados
demonstrando uma maior reprovabilidade da conduta sub judice.
Por fim, deverá o juiz analisar também o comportamento da vítima. Trata-se
evidentemente de conduta ativa por parte da vítima que induza o réu à prática do crime. Não
justifica a diminuição de pena nos crimes contra os costumes a mera roupa provocante com a
qual desfila a moça em local ermo, pois ninguém é obrigado a trajar-se com recato. Por outro
lado, a moça que aceita ir a um motel com um rapaz, depois das tradicionais preliminares,
desiste da cópula no último momento, certamente contribui com seu comportamento para a
prática de estupro naquele momento. A clara diferença entre os dois comportamentos das
vítimas está na absoluta passividade do primeiro e na atividade do segundo.
Segunda fase: analisadas as circunstâncias judiciais do artigo 59 Código Penal, em
seguida serão consideradas as causas agravantes e atenuantes previstas nos artigos 61, 62, 65
e 66, todos do Código Penal. As agravantes e atenuantes são chamadas causas legais de
fixação da pena, pois sua previsão é bastante objetiva na lei penal, não merecendo uma análise
subjetiva mais apurada pelo magistrado.
Discute-se na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de se reduzir a pena por
meio de uma atenuante abaixo do mínimo legal fixado para o crime em análise.
A leitura do artigo 65 do Código Penal, por si só esclarece a dúvida: "são
circunstâncias que sempre atenuam a pena: ...". Se o legislador usou o adjunto adverbial
"sempre" é porque queria deixar claro que em toda e qualquer hipótese dever-se-á aplicar a
atenuante. Caso contrário teria usado a expressão "sempre que possível".
Evidentemente a redução da pena por meio da atenuante não é ilimitada, pois do
contrário, estar-se-ia admitindo que o magistrado poderia fixar uma pena de um dia de prisão.
O limite da redução é fixado em 2/3 (dois terços), por analogia, com a maior causa de
diminuição de pena do Código Penal - tentativa. Alegar que por não ter o legislador fixado
expressamente este limite, simplesmente não se pode diminuir a pena abaixo do mínimo legal,
é negar vigência a lei federal que é expressa ao usar o advérbio "sempre", ferindo diretamente
a Constituição Federal de 1988 no seu princípio de individualização das penas.
Infelizmente a maior parte da jurisprudência tem preferido não reduzir à pena abaixo
do mínimo legal em flagrante desrespeito à interpretação literal do artigo 65 do Código Penal.
62
As circunstâncias agravantes são somente aquelas previstas nos artigos 61 e 62 do
Código Penal, enquanto as atenuantes são aquelas previstas no artigo 65 do mesmo Código,
havendo ainda no artigo 66 do Código Penal a previsão de uma atenuante genérica.
A circunstância inominada do artigo 66 do Código Penal tem conteúdo variável e
deverá ser aplicada pelo magistrado quando as circunstâncias do delito indicarem uma menor
necessidade de reprovação do crime não prevista pelas atenuantes do artigo 65 do Código
Penal.
Terceira fase: as causas de aumento e diminuição de pena são os últimos elementos a
serem levados em conta na fixação da pena. Apesar de encontrarem-se dispersas no Código
Penal, tanto na parte geral - tentativa, concurso formal, crime continuado, como na parte
especial - § 2º do artigo 157 do Código Penal, são facilmente identificáveis por virem sempre
expressas por uma fração: aumenta-se da metade, diminui-se de um a dois terços, etc.
Primeiramente são aplicadas as causas de aumento de pena, em seguida, as causas de
diminuição de pena.
As principais causas de aumento de pena da parte geral são o concurso formal (art. 70,
CP) e a continuidade delitiva (art. 71, CP). A fração do aumento da pena deverá ser calculada
com base no número de crimes praticados: se somente dois: 1/6; se três: 1/5; se quatro: 1/4 e
assim sucessivamente.
As principais causas de diminuição de pena da parte geral são a tentativa (art. 14, II,
CP), o arrependimento posterior (art. 16, CP), o erro inevitável sobre a ilicitude do fato (art.
21, CP) e a participação de menor importância (art. 29, §1º, CP).
As causas de aumento e diminuição de pena da parte especial estão relacionadas no
tipo penal que descreve o crime em análise. Vale ressaltar que não se pode aplicar duas causas
de aumento ou diminuição de pena da parte especial para o mesmo crime.
Assim, o roubo praticado em concurso de agentes e com emprego de arma só terá a
pena aumentada na terceira fase por uma das circunstâncias: pelo concurso de agentes ou pelo
emprego de armas. A fração do aumento da pena não será determinada pelo número de
circunstâncias, mas pela gravidade de cada uma delas: número de agentes no caso de concurso
de pessoas e potencialidade ofensiva da arma no caso de emprego de arma.
Vale lembrar que, em qualquer hipótese, a causa de diminuição de pena em razão da
tentativa (art. 14, II, CP) será sempre a última a ser aplicada.
Resumidamente o critério trifásico da dosimetria ou fixação da pena: a) Primeira fase
o juiz fixa a PENA-BASE; b) Segunda fase o juiz utiliza todas as ATENUANTES e/ou
63
AGRAVANTES para realizar um novo cálculo aumentado ou diminuindo a pena; c) Terceira
fase o juiz observa se há CAUSAS DE DIMINUIÇÃO ou AUMENTO da pena.
A pena-base deve ser escolhida pelo juiz dentro do limite fixado na parte especial do
Código Penal. Para escolher, se o juiz começa mais perto do mínimo ou do máximo, o
julgador utiliza alguns critérios bem subjetivos como: culpabilidade, antecedentes, conduta
social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime e
comportamento da vítima (art. 59, CP).
Para facilitar, por exemplo, em uma situação concreto de furto qualificado por
emprego de chave falsa (art. 155, § 4º, III, CP): Pena: 2 a 8 anos de reclusão.
Na primeira fase o juiz, escolhe 2 anos de pena-base, porque não vejo nenhum motivo
para aumentar o patamar.
Em seguida, verifica se há atenuantes ou agravantes, considere que o réu confessou
espontaneamente e tentou reparar o dano (art. 65, III, “b” e “d”, CP).
Entendo que o réu ter confessado espontaneamente e reparado o dano é o suficiente
para diminuir sua pena pela metade, mas posso escolher o valor que eu quiser, não tem
absolutamente nenhuma lei que me proíba.
A última fase, quando se verifica as causas de aumento e diminuição da pena, elas
estão na parte especial do Código Penal, junto com o tipo.
O furto qualificado não tem causas de diminuição ou aumento de pena, por isso a pena
fica em 1 ano, no caso de roubo, por exemplo, utilizar uma arma de fogo aumenta a pena na
razão de 1/3 até a metade.
Assim, a pena ficou abaixo do mínimo legal. Nada impede.
Além do cálculo da pena o juiz também deve dizer qual o regime inicial da pena, neste
caso, regime semi-aberto, se dá para substituir a pena por uma restritiva de direito (art. 44,
CP), se houve prescrição retroativa, etc.
A diferença entre qualificadora e causa de aumento de pena: quem não lida
diariamente com o Direito Penal, às vezes, confunde “causa de aumento” com “qualificadora”
e vice-versa. A diferença é simples e perfeitamente, identificável pela simples leitura do
Código Penal.
A denominada “qualificadora” é aquela que altera o patamar da pena-base. No crime
de homicídio, por exemplo, a pena base é de 6 a 20 anos (art. 121, CP). Quando o homicídio é
qualificado (por motivo fútil ou torpe, à traição ou emboscada, com uso de veneno, fogo,
asfixia etc.) a pena-base é de 12 a 30 anos. Isto é uma qualificadora e normalmente, se não
todas às vezes, está explícito no Código que aquelas disposições são qualificadoras.
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A causa de aumento é utilizada, depois de fixada a pena-base, para incrementar a
punição. Os limites da pena-base já foram estabelecidos, o que se faz é utilizá-los para, com
um cálculo simples, majorar a pena. Esse é o caso, por exemplo, do roubo (art. 157, CP)
praticado com arma de fogo (art. 157, I). Não se pode chamar esse roubo de roubo
qualificado, uma vez que o uso de arma de fogo é uma causa de aumento.
Normalmente as causas de aumento de pena vêm introduzidas por “A pena aumenta-se
de tanto até tanto”.
Definição do regime inicial de cumprimento de pena
Depois da fixação do quantum da pena definitiva, o regime inicial de cumprimento de
pena será definido com base no artigo 33 do Código Penal.
Não obstante o artigo 2º, §1º, da Lei nº 8.072/1990 - Lei dos Crimes Hediondos, ter
disposto que: "a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime
fechado", trata-se de disposição flagrantemente inconstitucional por ferir não só o princípio da
individualização das penas, mas também a vedação constitucional a penas de caráter perpétuo.
A individualização da pena é um processo que se dá em três momentos jurídicos
bastante distintos: legislativo, judicial e executório.
Em um primeiro momento o legislador fixa parâmetros para a fixação da pena: de 1 a
2 anos; de 4 a 8 anos; de 12 a 30 anos, etc. Não pode o legislador fixar diretamente a pena,
pois a definição do quantum da pena é função do Poder Judiciário.
Em um segundo momento, o Judiciário fixa o quantum da pena adequado ao caso
concreto e em um terceiro momento – executório, são analisados os pedidos de progressão de
regime e livramento condicional, também de acordo com o caso concreto e o comportamento
do preso.
Se o legislador define que todo condenado por crime hediondo cumprirá sua
reprimenda necessariamente em regime fechado, fere o princípio da individualização da pena
e até mesmo o da divisão dos poderes, pois a fixação da pena ao caso concreto cabe ao Poder
Judiciário e não ao Poder Legislativo. Por outro lado, cabe ao juiz da execução conceder a
progressão de regime para aqueles condenados de bom comportamento prisional e negá-lo
para os de mau comportamento. O legislador ao tratar igualmente casos concretos desiguais
fere visivelmente o princípio constitucional da individualização da pena.
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Infelizmente, por razões de política criminal, os Tribunais têm entendido que o regime
integralmente fechado para os crimes hediondos é constitucional o que só contribui para a
superlotação dos presídios brasileiros.
Pena de multa
A fixação da pena de multa não obedece ao rito previsto para a pena corporal. Depois
da fixação da pena privativa de liberdade e do seu regime de cumprimento, passará o
magistrado a um novo procedimento que determinará a pena pecuniária do agente,
evidentemente que se e somente se, o tipo penal trouxer a previsão da pena de multa.
A pena de multa será fixada em duas fases distintas.
Na primeira fase, não será considerada a situação econômica do réu, devendo ser a
multa fixada proporcionalmente a gravidade do tipo de crime praticado e as circunstâncias
que foram levadas em conta na fixação da pena corporal.
A pena na primeira fase não será fixada em unidades monetárias, mas em uma unidade
denominada dia-multa, cujo valor será estabelecido na segunda fase de fixação da pena
pecuniária com base na condição sócio-econômica do réu.
O número de dias-multa varia de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta). O juiz, porém,
deve ficar atento, pois isto vale para todo e qualquer crime. Assim, crimes de menor potencial
ofensivo como o furto e o estelionato devem ter suas penas de multa fixadas próxima ao
mínimo legal, 10 (dez) dias-multa, enquanto crimes graves, como o latrocínio, devem ter
multas fixadas próximo ao máximo, 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
Fixados na primeira fase o número de dias-multa a serem pagos pelo condenado,
caberá ao juiz na segunda fase a fixação de valor unitário de cada um destes dias-multa. Neste
momento o juiz deverá levar em conta a capacidade sócio-econômica do indivíduo-condenado
devendo variar de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo a 5 (cinco) vezes o salário mínimo.
A multa não paga, não pode se converter em prisão, pois não há prisão por dívidas no
ordenamento jurídico brasileiro, salvo nos casos previstos pela Constituição. Assim, a
execução da multa não é mais matéria penal e deverá ser realizada pelo Procurador da
Fazenda Estadual ou Federal, nos crimes federais.
Substituição da pena
A substituição da pena corporal por restritiva de direitos é a última etapa no processo
de fixação da pena e deverá observar o disposto no artigo 44 do Código Penal.
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Os requisitos para a substituição da pena são: a) crime culposo ou crime doloso com
pena inferior a 4 (quatro) anos; b) o crime não ter sido praticado com violência ou grave
ameaça; c) o réu não ser reincidente no mesmo crime (reincidência específica); d) as
circunstâncias judiciais serem favoráveis.
Obviamente se o juiz considerou na primeira fase da fixação da pena as circunstâncias
judiciais favoráveis ao réu para fixar a pena-base, estas circunstâncias também devem ser
consideradas favoráveis quando da análise da substituição da pena.
As penas iguais ou inferiores a 1 (um) ano serão substituídas por uma prestação
pecuniária ou uma restritiva de direitos.
As penas superiores a 1 (um) ano serão substituídas por uma prestação pecuniária e
uma restritiva de direitos ou por duas restritivas de direitos.
A prestação pecuniária não obedece ao critério de fixação com base em dias-multa,
devendo ser determinada uma importância entre 1 (um) e 360 (trezentos e sessenta) salários
mínimos.
O Código Penal se refere a prestação pecuniária, portanto, não é de boa técnica a
fixação de pagamento de cestas básicas, uma vez que não são pecúnia - dinheiro e podem ter
valor variável.
A prestação pecuniária deve ser paga preferencialmente a vítima, mas se por qualquer
motivo esta não puder receber o pagamento, por exemplo, vítima de homicídio culposo, o
pagamento será efetivado aos seus dependentes. Não havendo vítima e não havendo
dependentes ou no caso de não haver uma vítima determinada, por exemplo, crimes contra a
saúde pública, a prestação pecuniária será paga a entidades assistenciais.
A prestação de serviços comunitários só pode ser aplicada em penas superiores a 6
(seis) meses e será cumprida à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixadas
de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, tudo nos termos do artigo 46 do
Código Penal.
Sursis
Não sendo possível a substituição da pena, por ter sido o crime praticado com
violência ou grave ameaça à pessoa e a pena sendo inferior a 2 (dois) anos, poderá ser
concedida a suspensão condicional da pena: sursis, obedecendo-se ao disposto no artigo 77 do
Código Penal.
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Durante o período em que a pena estiver suspensa, que pode variar de 2 (dois) a 4
(quatro) anos, o indivíduo-condenado fica sujeito às condições fixada pelo juiz com base no
artigo 78 do Código Penal.
As penas substitutivas tornaram o sursis um instituto em desuso, mas ainda são
efetivos para crimes como tentativa de roubo, em que o crime é praticado com violência,
porém a pena não excede a 2 (dois) anos.
Conclusão
Constata-se que a pena como uma manifestação do jus puniendi estatal deve ter como
finalidade a proteção da confiança nas normas; a proteção subsidiária de bens jurídicos; a
reeducação, recuperação e ressocialização do indivíduo-condenado; a orientação conforme os
princípios da culpabilidade, da humanidade, da individualização, da legalidade, da
pessoalidade, da proporcionalidade, consoante ao Estado Democrático de Direito instituído
pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A partir do estudo aqui desenvolvido verificou-se que o conceito de pena tem por
fundamento o princípio constitucional e penal da legalidade.
Alguns doutrinadores partem da idéia de que a finalidade da pena guarda relação com
a filosofia, vez que sugere uma problemática na qual se busca compreender as razões que
levam o Direito Penal a aplicar à pena como uma sanção tão diferente dos demais ramos do
direito.
As teorias absolutas traduzem à pena como um fim em si mesmo, sendo um
sofrimento a ser aplicado para se atingir a justiça, independente de qualquer finalidade ou se
apresentando como a negação da realidade, mostrando que o delito cometido com o escopo de
aniquilar o Direito é ineficaz para isso. Logo, a pena vem assegurar o ordenamento jurídico
ora infringido pela conduta delitiva.
Por sua vez, para as teorias relativas à finalidade da pena ultrapassa os limites do mal
cometido, prevenindo novos delitos. É subdividida em prevenção especial na qual a pena tem
por intuito o tratamento individual do criminoso, de maneira a evitar a reincidência; em
prevenção geral na qual a pena evita delitos novos.
Por fim, as teorias mistas, onde os fins da pena encontram um meio-termo, vez que
combinam a retribuição da culpabilidade com a função restituidora da pena estando de acordo
com o princípio da legalidade.
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Não há que se negar que o Direito Penal é um instrumento de poder autoritário, de
modo algum é um pacificador social, vez que não se percebe uma tranqüilidade na sociedade
na qual os crimes cometidos geram cada vez mais insegurança para os indivíduos, mesmo
com tantas leis penais e com penas cada vez mais severas.
Conclui-se que a pena é um mal, pois sempre há a perda de bens jurídicos, isto é, para
castigar quem comete um delito o Direito Penal retira do indivíduo o que lhe é mais valioso,
como, a liberdade, exceto a vida.
Em contrapartida, vale mencionar que o Estado têm limites no seu poder punitivo e só
pode interferir na esfera de liberdade do indivíduo a partir da lei.
Com este trabalho não objetivei a pretensão de esgotar os múltiplos aspectos da
fixação da pena até porque se trata de tema com inúmeros detalhes a serem analisados em
cada caso concreto, não se consegue esgotar tema de tal complexidade.
Espero ter estabelecido alguns parâmetros que ajudem aos Estudantes e Operadores do
Direito, nos primeiros passos da importante tarefa de tentar compreender a fixação da pena.
Conforme se constata desta análise, o trabalho de fixação da pena é regulado por
princípios e regras que conduzem o aplicador do direito á individualização das medidas
concretas, a partir de uma atuação jurisdicional fundada em um exercício discricionário cujo
objetivo é permitir a aplicação de penas individualizadas e proporcionais, que sejam
necessárias e suficientes para promover a reprovação e a prevenção da conduta.
Para que se atinja esse fim, o legislador elencou os critérios que foram objeto do
presente estudo, os quais devem, a princípio, possibilitar a aplicação de penas que, além de
atingirem os fins de prevenção e reprovação, atendam aos princípios da humanidade e da
proporcionalidade, de modo individualizado.
Não há dúvidas quanto á imprescindibilidade de que as penas sejam individualizadas,
inclusive porque a idéia de uma pena adequada ao caso concreto significa um grande avanço
em termos de Direito Penal, já que permite medidas sancionatórias adequadas e suficientes a
promover os fins a que se destinam.
Contudo, constata-se que há grande complexidade em se concretizarem tais princípios.
O juízo discricionário acerca das circunstâncias judiciais, que deve ser necessariamente
motivado, na maioria das vezes, é pautado por critérios impregnados de valores subjetivos
relacionados a elementos ideológicos e culturais do julgador que muitas vezes se contrapõem
aos do indivíduo-delinquente.
Como é impossível que qualquer sujeito faça um juízo que não seja essencialmente
ideológico, o problema verificado em relação à valoração das circunstâncias judiciais é que,
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via de regra, delinqüente e juiz pertencem a universos diametralmente opostos, o que
configura uma oposição social marcante que se reflete nos parâmetros estabelecidos para
aferição dessas circunstâncias, feita a partir da perspectiva do magistrado, o que acaba por
acentuar tendências discriminatórias fundadas na desigualdade.
Mesmo em relação ás circunstâncias que permitem uma avaliação até certo ponto
objetiva, a partir do estabelecimento um critério válido para todos os casos, como se poderia
fazer com os antecedentes, há resultados de aplicação diferentes de acordo com o
entendimento de cada julgador.
Há uma inegável dificuldade em se estabelecer um julgamento acerca do grau de
reprovabilidade do ilícito, por haver consideráveis obstáculos para que o magistrado faça uma
avaliação sob a perspectiva do agente e consiga, desse modo, fazer uma valoração adequada.
Não raramente, há um condicionamento prévio que tende a levar o julgador a ser mais
rigoroso na fixação da pena-base dos réus pertencentes a determinados grupos sociais, cuja
realidade ético-social se contrapõe aquela considerada como adequada pela classe dominante,
a qual, via de regra, pertence o magistrado.
Com este estudo, pude vislumbrar uma série de princípios, que são o fundamento para
o Direito Penal.
Percebe-se a importância política e jurídica dos princípios constitucionais que foram
demonstrados no Direito Penal Brasileiro.
Denota-se que o Estado o responsável pela elaboração das normas, devendo respeitar
critérios como competência e princípios norteadores, que tem como finalidade principal
conceder garantias mínimas aos cidadãos, bem como o Estado é quem tem o direito punir
aquele que comete um ilícito penal, uma vez que a sociedade ao longo do tempo o elegeu para
manter a paz social, devendo seguir também os mesmos princípios.
A história nos mostra que eram adotadas medidas e punições sem critério nenhum, não
se dando quaisquer garantias à sociedade, muito menos, ao cidadão.
Desde o registro da primeira Constituição já existem relatos de direitos aos cidadãos,
mesmo que de maneira arcaica. Com a evolução do constitucionalismo, o Estado tem uma
nova noção, tendo às Constituições do Brasil ganhado duas principais unções: limitar o poder
do Estado e dar garantias fundamentais aos cidadãos.
Nos dias atuais é inimaginável a vida sem o princípio da legalidade, da dignidade
da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito e seus princípios decorrentes, estes
princípios constituem conquistas históricas para todos, de modo que sem estes institutos
basilares, todo ordenamento, principalmente o Direito Penal, nosso sistema jurídico estaria
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gravemente ferido e cheio de inseguranças jurídicas, portanto, nosso Estado estaria
desprotegido.
Do Estado Democrático de Direito derivam uma série de princípios que foram
mencionados neste trabalho e demonstradas sua importância, indicando os bens jurídicos, sua
insignificância, ofensividade do ataque e auto-lesão, que devem ser tutelados. A
responsabilidade pela prática de um ilícito penal demonstra o quanto o Estado deve intervir na
sociedade e a importância da adequação social, da legalidade e da finalidade da lei.
Demonstrou-se que a lei não deve ter um simples fim arbrital, mas buscar manter um
equilíbrio social, atingindo a ordem pública e a paz social.
O nosso Código Penal advém do Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940 e nossa
Constituição da República de 5 de outubro de 1988, porém a referida lei deve seguir o
Ordenamento Constitucional, sob pena de não ser recepcionada.
Ressalta-se que o Código Penal vive sofrendo alterações, tais alterações se norteiam
sempre pelos princípios constitucionais penais. Como se pode visualizar, os princípios
constitucionais auxiliam os julgadores, como a base maior de nosso ordenamento jurídico.
Finalmente, afirma-se sem hesitação que os princípios constitucionais incidentes no
Direito Penal Brasileiro como a base maior do Sistema Jurídico oferecem maior
confiabilidade às relações jurídicas e principalmente evitam arbitrariedades e abusos,
colocando o Ordenamento Jurídico como um sistema que possui maior segurança jurídica.
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