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0 UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP ALQUIMY ART PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTETERAPIA ANA PATRÍCIA SILVA EVANGELISTA O LÚDICO COMO ELEMENTO MOTIVADOR NA ARTETERAPIA DA TERCEIRA IDADE NATAL/RN 2009

ARTETERAPIA

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ARTETERAPIA

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    UNIVERSIDADE POTIGUAR UnP ALQUIMY ART

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO LATU SENSU CURSO DE PS-GRADUAO EM ARTETERAPIA

    ANA PATRCIA SILVA EVANGELISTA

    O LDICO COMO ELEMENTO MOTIVADOR NA ARTETERAPIA DA TERCEIRA IDADE

    NATAL/RN 2009

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    ANA PATRCIA SILVA EVANGELISTA

    O LDICO COMO ELEMENTO MOTIVADOR NA ARTETERAPIA DA TERCEIRA IDADE

    Monografia apresentada Universidade Potiguar-RN e ao Alquimy Art de So Paulo-SP, como requisito para obteno do ttulo de especialista em Arteterapia.

    Orientadora: Margaret Rose B. Pela

    NATAL/RN 2009

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    E92l Evangelista, Ana Patrcia Silva. O ldico como elemento motivador na arteterapia na terceira idade. / Ana Patrcia Silva Evangelista. Natal, 2009. 54f.

    Monografia (Ps-Graduao em ArteTerapia). Universidade Potiguar. Pr-Reitoria de Ps-Graduao.

    Bibliografia. f. 53-54.

    1. Arteterapia Monografia. 2. Idosos. 3. Ldico. I. Ttulo.

    RN/UnP/BSRF CDU: 615.85(043)

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    ANA PATRCIA SILVA EVANGELISTA

    O LDICO COMO ELEMENTO MOTIVADOR NA ARTETERAPIA DA TERCEIRA IDADE

    Monografia de concluso de curso apresentada a UnP Universidade Potiguar como requisito parcial obteno do ttulo de especialista em Arteterapia.

    Aprovado em: 06 / 06 / 2009

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Esp. Margarete Rose B. Pela Orientadora

    Prof Dra. Cristina Dias Allessandrini Coordenadora do Curso

    Universidade Potiguar UnP

    Prof Esp. Cristina Oslia Ernesto Gomes Lisboa Leitora Crtica

    Universidade Potiguar UnP

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    Dedico este trabalho monogrfico ao Deus do meu corao, ao meu marido e ao meu filho, meu anjo Gabriel, que tiveram tanta pacincia com a minha ausncia.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao meu grandioso Deus, ao meu querido Jesus Cristo, companheiro de todas as horas, que me deu fora sobrenatural para concluir este trabalho; Ao meu marido e meu filho pela compreenso, pacincia, companheirismo em todos os momentos; Aos professores do curso que tanto se empenharam para repassar o conhecimento e revelaram o amor pela Arteterapia. O amor foi contagiante! Aos colegas de classe, que compartilharam comigo as dvidas, receios e ansiedades... e tambm descobertas. professora orientadora que tanto me ajudou nesta fase to difcil. Aos meus colegas de trabalho: Silvanise, Even, Danniella, Selma, Norma. s minhas diretoras: Ftima e Sandra pela compreenso. Aos meus pais e irmos que tanto me apoiaram nessa fase. A minha tia Luiza que me revelou a Arteterapia e sempre estava me orientando.

    Muito Obrigada a todos!

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    Depois de haver esbanjado luz e calor sobre o mundo, o sol recolhe os seus raios para iluminar-se a si mesmo.

    Carl Jung

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    RESUMO

    Esta monografia aborda a importncia do ldico no processo arteteraputico em idosos na faixa etria acima de 65 anos de idade, de classe baixa, com pouca ou nenhuma escolaridade, em um bairro perifrico da Cidade de Natal-RN. O processo foi desenvolvido atravs de um estgio supervisionado equivalente a um encontro semanal por um perodo correspondido entre os meses de abril a dezembro do ano de dois mil e nove. O atendimento arteteraputico visou aplicao de tcnicas de relaxamento, de aquecimento, exerccios de respirao, jogos dramticos, brincadeiras, cantigas, danas circulares, dentre outras, que promovessem a socializao, motivao e a adequao do idoso no processo arteteraputico. Com esse objetivo, este trabalho ressalta o quanto o ldico pode minimizar problemas prprios da terceira idade, possibilitando a esse cliente considerado incapaz e sem expectativa de vida, uma melhora na sua auto-estima e, consequentemente, na sua qualidade de vida, tanto fsica, social e emocional. As referncias tericas que sustentaram este trabalho basearam-se nas Oficinas Criativas de Allessandrini (1996), nas tcnicas coligadas ao trabalho corporal de Arcuri, nas idias e nas experincias sobre o envelhecimento de Fabietti e de Arcuri e das idias de Jung. Foram analisadas vrias oficinas criativas em que o ldico foi primordial para que os idosos se conscientizassem dos seus conflitos interiores e das conseqncias destes no aparecimento das doenas psicossomticas. O seguinte trabalho promoveu um novo olhar para a vida. A busca de algo que minimiza as frustraes e as dores. Possibilitou um encontro consigo mesmo, trazendo esperana e alegria de viver.

    Palavras chave: Arteterapia. Envelhecimento. Ldico.

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    ABSTRACT

    This work discusses the importance of playfulness in the art therapy in the elderly aged over 65, lower class, with little or no schooling, in a district on the outskirts of the city of Natal, Brazil. It was developed through a supervised training which was held on a weekly meeting, held in the period between the months of April and December 2009. The art therapy service aimed at the use of relaxation techniques, warm-up exercises, breathing, dramatic games, jokes, songs, circle dances, among other activities that promote socialization, motivation and relevance of art therapy in the elderly. To this end, this paper highlights how the playful can minimize common problems for the elderly, enabling even considered inefficient and without expectation of life, an improvement in their self-esteem and consequently on their quality of life, both physically, socially and emotionally. It was used the theoretical frameworks supported by Allessandrini Creative Workshops (1996), linked with body techniques of Arcuri, the ideas and experiences on aging of Fabietto, Arcuri and Jung. We analyzed several creative workshops in which the novelty was paramount for older people to become aware of their inner conflicts and the consequences of the onset of psychosomatic illness. This research led to new perspectives of life for the elderly and the search for something to minimize their frustrations and physical pain, giving them a meeting with themselves bringing hope and joy for living.

    Keywords: Art Therapy. Aging. Playful.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Atividade ldica do jogo dos pontos 37 Figura 2 Atividade ldica do jogo das bolinhas ao som de um chorinho 38 Figura 3 Atividade ldica com bexigas ao som de uma msica instrumental 41 Figura 4 Atividade ldica com uma cantiga de roda 44 Figura 5 Caminhando com meus prprios ps 47 Figura 6 Atividade ldica: tocando a si mesmo e ao outro 49

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    SUMRIO

    1 INTRODUO 11 2 JUSTIFICATIVA 14 3 PERCORRENDO UM NOVO CAMINHO: A ARTETERAPIA 16 4 A VELHICE: A FASE DO REENCANTAMENTO 19 4.1 O QUE VELHICE? 21 4.2 A CONDIO DO IDOSO 22 5 O LDICO COMO ELEMENTO MOTIVADOR NA ARTETERAPIA 26 5.1 O LDICO NA EVOLUO HUMANA 26 5.2 A IMPORTNCIA DO LDICO NA SOCIEDADE ATUAL 29 6 METODOLOGIA 34 7 O LDICO NO SETTING ARTETERAPUTICO 36 7.1 A DANA: SENTINDO O RITMO 39 7.2 O TOQUE: SENTINDO O OUTRO 44 7.3 CAMINHANDO AO ENCONTRO DE SI MESMO 46 7.4 CRIANDO E IMAGINANDO 48 8 CONSIDERAES FINAIS 51

    REFERNCIAS 53

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    1 INTRODUO

    Brincar uma atividade antiga, nasceu com o homem e faz parte do desenvolvimento fsico, mental, cognitivo, social e afetivo do ser humano. No importa a classe social, grau de escolaridade, poca ou cultura. Quem no brincou? E quem no se lembra com alegria as brincadeiras da infncia? no ato de brincar que a criana descobre o mundo, experimenta o ambiente, imagina, sonha. J o adulto, como tambm o idoso, vem a brincadeira como momento de distrao, uma forma de se distanciar por algum tempo, mnimo que seja, da sua realidade, s vezes to frustrante. De acordo com Ferreira (2005, p.91),

    O ldico hoje no tem mais um lugar secundrio na vida das pessoas; visto como uma necessidade, pois, alm de facilitar a aprendizagem nas crianas, colabora para a melhora do estresse, das doenas psicossomticas; promove a socializao e a interao das pessoas.

    Em todas as idades, o brincar feito por puro prazer e diverso e cria no ser uma atitude alegre em relao vida. Nas brincadeiras, h o jogo simblico que comea a se desenvolver na infncia e na fase adulta se estanca. No entanto, na velhice, h uma crescente busca do ldico como um elemento socializador do idoso. Quando se d oportunidade, h um resgate do jogo simblico, do ldico, como algo que d prazer. Poucos negariam que o brincar, em todas as suas formas, tem a vantagem de proporcionar alegria e divertimento, desenvolve a criatividade, a competncia intelectual, a fora e a estabilidade emocionais e sentimentos de alegria. Em contrapartida, o brincar tambm ocorre no contexto de resolver conflitos e ansiedades. Tambm pode proporcionar fuga das presses da realidade, aliviando o aborrecimento, consequentemente levando ao relaxamento. O interesse, a concentrao e a motivao so estimulados pelo ldico. O momento ldico no exigente, nem ameaador, no causa constrangimento promove a interao significativa com o meio ambiente.

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    Por isso, que o ldico pode ser explorado na Arteterapia da terceira idade. Segundo Santos (2006, p. 49), A criana aprende pelos smbolos e relaciona-se com eles ludicamente, como num jogo. Quando sua ao motora resulta em algo que desejou, sente-se autora, criadora desse resultado. Dessa forma, percebe-se que numa pessoa idosa, o ldico tambm um fator importante para ajud-lo a se relacionar bem consigo mesmo, com o outro e com as suas prprias limitaes. O ldico: jogos e brincadeiras facilitam a interao e a sensibilizao no s de crianas, mas tambm de idosos e propiciam, no momento que so utilizados, o emergir de contedos do inconsciente que possibilitem a melhora de tantos problemas surgidos na velhice. Desta forma, para Fabietti (2004, p.17):

    A arte contribui para o processo de re-construo da vida. Atravs do desenho, da pintura, da escultura e de tantos outros materiais, imagens e smbolos, so criados ao longo do processo, contribuindo para a formao de gestalts. Percebemos formas e padres com mais clareza. A percepo torna-se de tal forma sensvel que ela nos leva a insights facilitadores de contato. Contato com o que e com o que gostaria que fosse.

    Assim como brincar, a arte tem uma funo indispensvel para o desenvolvimento do ser humano, porque propicia a integrao de plos conflitantes como: amor-dio; impulso-controle; fantasia-realidade; sentimento-pensamento; verbal - no verbal; consciente-inconsciente. Dessa forma, o presente trabalho fala sobre o idoso e faz uma anlise sobre o ldico, as suas especificidades e importncia no trabalho arteterapeutico com a terceira idade, com um grupo misto de idosos na faixa etria a partir de 65 anos, que apresentava vrios problemas de ordem social, emocional, psicolgico, fsica e financeira. Foram utilizados os recursos ldicos para incentivar, motivar os componentes a participar de forma profunda das oficinas de Arteterapia. H um captulo em que so abordadas questes sobre a velhice, j que o foco do trabalho. Nesse, h o conceito de velhice e algumas particularidades dessa fase to cheia de problemas, mas tambm de descobertas como qualquer outra fase da vida.

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    Em um outro captulo, h uma comparao da evoluo do homem com o desenvolvimento do ldico concomitantemente. Como o homem se relacionou com o ldico no decorrer dos tempos? Em quais momentos o homem apresentou as suas caractersticas ldicas? Como era o ldico no decorrer das fases da vida do homem. Como se apresenta o ldico na infncia, na adolescncia e na velhice. Focaliza-se mais o idoso pelo fato do trabalho tratar a questo da velhice e a importncia do ldico no ateli arteteraputico. No captulo final, h uma anlise detalhada das questes observadas no setting arteteraputico com idosos, enfatizando os benefcios do ldico nessa faixa etria e como as atividades ldicas propiciaram uma integrao do cliente com a arteterapia, atravs das oficinas criativas. Nas consideraes finais, conclui-se com o resultado observado no grupo de idosos no setting arteteraputico e de que maneira o ldico como elemento motivador nas oficinas criativas foi relevante no processo de individuao de cada cliente. Como o ldico ajudou o cliente idoso a se adaptar ao processo arteteraputico e a se sentir criativo e atuante nesses momentos.

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    2 JUSTIFICATIVA

    A brincadeira uma atividade social que promove na criana a construo da sua personalidade. nas brincadeiras que a criana compreende as regras e os papis sociais; desenvolvem a imaginao e assim, criam, inventam. O prazer faz parte da brincadeira. Quando no h esta importante caracterstica, a brincadeira fica chata e, portanto procura-se outra para brincar. (LIEBMAN, 2000)

    A brincadeira infantil a forma pela qual a criana d um contorno, corporifica, representa aquilo que imagina. Pela imaginao manifesta na brincadeira a criana vai podendo fazer construes simblicas, criando novas situaes. A situao que a criana imagina na brincadeira a faz agir num mundo de faz-de-conta (SANTOS, 2006, p. 52).

    Podemos observar que isso no acontece apenas na criana. Quando o idoso se dispe a participar de uma brincadeira, ele acaba se dando ao direito de voltar a ter o mesmo vigor de uma criana num momento ldico da brincadeira. Segundo Winnicott (1989, p. 32),

    Atravs de um processo de crescimento extremamente complexo, geneticamente determinado, e da interao do crescimento individual com fatores externos que tendem a ser positivamente facilitadores ou ento no-adaptadores e produtores de reao -, a criana torna-se voc ou eu, descobrindo equipada com alguma capacidade para ver tudo de um modo novo, para ser criativa em todos os detalhes do viver.

    Dessa forma, pode-se tambm observar que todos tm a capacidade de ser criativo, basta estar inserido em um ambiente propcio para que a criatividade possa emergir. Tanto na fase infantil, como na terceira idade, pode-se atravs da arte desenvolver a criatividade.

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    O ldico e a arte quando se unem no setting arteteraputico podem promover um dilogo com o inconsciente, ou melhor, podem auxiliar trazer tona informaes psquicas importantes que estavam na sombra. Para Winnicott (1989, p. 33),

    Ser, antes de fazer. O ser tem que se desenvolver antes do fazer. E, ento finalmente, a criana domina at mesmo os instintos, sem perda de identidade do self. A origem, portanto a tendncia geneticamente determinada do indivduo para estar e permanecer vivo e para se relacionar com os objetos que lhe surgem no caminho durante os momentos de obter algo, mesmo que seja da lua.

    Na Arteterapia, o processo de autoconhecimento acontece enquanto se faz algo, se cria alguma coisa. So atividades coligadas: autoconhecimento e criao de algo E para ser criativo no preciso ter um talento especial, mas sim estar disposto, se permitir experimentar. O resultado um objeto que reflete algo que est no inconsciente, possibilitando o dilogo, como j foi citado, entre o consciente e o inconsciente. A velhice uma fase em que h a incidncia de muitos problemas de sade, de abandono, rejeio, de no-aceitao de si mesmo como um ser humano pleno, mas com limitaes como em qualquer outra fase da vida. Por isso, as atividades ldicas como um instrumento motivador para auxiliar o idoso a ter uma melhora na auto-estima, no humor e na qualidade de vida de uma forma geral.

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    3 PERCORRENDO UM NOVO CAMINHO: A ARTETERAPIA

    O incio das minhas atividades como professora foi muito difcil. Primeiro, porque estava comeando o curso de Letras (1 semestre). Fui jogada em sala de aula de uma escola estadual sem nenhuma orientao. A partir da, no parei. A minha preocupao era sempre melhorar, ampliar meus conhecimentos em prol da aprendizagem dos meus alunos e, conseqentemente, do meu xito profissional. A prtica docente uma atividade que exige, alm de conhecimento especfico, uma sensibilidade e capacidade para captar o que o grupo mais almeja e tambm os fracassos e os desajustes que o aluno traz para a sala de aula. Ao perceber que precisava dessas aptides e, ao me deparar com os inmeros problemas em sala de aula, me desesperei; achei tudo muito difcil. O NO permeava minha prtica. Fui empurrada pelo sistema. Parecia uma marionete, sendo impelida a fazer tudo que lia ou ouvia. Desta forma, me inscrevi num curso de especializao em Leitura e produo de textos, tentando renovar e ser agente mobilizador de mudanas e tambm com o intuito de encontrar subsdios para diversificar minhas aulas, torn-las mais produtivas. Assim, fui enviada para ensinar em escolas de bairros perifricos, onde muitos alunos moravam em favelas, em situaes sub-humanas. Havia de tudo: drogas, desemprego, violncia social e domstica, vandalismo, analfabetismo e muitos outros problemas de ordem social, econmico e psicolgicos. Com essa situao, comecei a me olhar de novo, a olhar o mundo a minha volta a situao to degradante do outro. Mudar a minha realidade em sala de aula continuava sendo desafiadora pra mim, pois trabalhava com seres humanos em formao, em processo de aprendizagem. Por isso, s vezes, ao levar uma atividade diferente, nem sempre alcanava o objetivo que desejava. Como afirma Allessandrini (1994, p. 23) Esta experincia vem acompanhada de sensaes, sentimentos e emoes como alegria, prazer, dor, incmodo e conflito. Aprender pressupe mudanas. Eu no tinha a maturidade ou conhecimento para ver, inmeras vezes, que a aprendizagem um processo abstrato, oculto, s podemos ver, observar o resultado dela, ou seja, a concretizao que acontece quando o aluno exterioriza esse processo interior, oculto, atravs de alguma forma de linguagem. esse o objetivo da prtica docente. Assim me senti responsvel pela viso que os meus alunos

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    tinham e tm do mundo que os rodeia. Ento comecei a sonhar. Comearam a me chamar de sonhadora, porque queria mudana e pretendia faz-la atravs da minha prtica. Conflito, dvida, inquietao e por vezes paralisao... alegria, desafio do poder descobrir... insight e surpresa do se perceber capaz... luta no coordenar movimentos e gerenciar aes por vezes to difceis de coordenar... (ALLESSANDRINI, 1994, p. 24). Quando me percebi assim, em busca de novas experincias, j havia anos que tinha terminado a especializao, tentei fazer meu anteprojeto de mestrado em psicolingstica (processos cognitivos na aquisio da linguagem), mas no consegui ir adiante por falta de orientao. Procurei novas perspectivas para o meu dia-a-dia em sala de aula. A minha funo extrapola ensinar a ler e escrever. Queria levar os meus alunos a sonhar, criar, se envolver no processo de aprendizagem. Fazer uma interao, uma constante troca de experincias e um pensar a sua vida e a sua relao com o outro. Foi com esse pensamento e com esse objetivo que me deparei com a Arteterapia. A veio a pergunta: - Onde eu estava que no conheci isso antes?! Deveria ter esses conhecimentos antes! Que maravilha!!! A arteterapia um horizonte a ser descoberto, desvendado. um pontinho no meio do oceano to assustador. E uma esperana: um caminho certo que possibilitou encontrar respostas para muitas das minhas perguntas e, ao mesmo tempo, me deparar com novos questionamentos. Contudo, esses questionamentos, no me angustiaro, pois a minha prtica e o conhecimento inerente a ela, facilitaro a busca de solues, pois de acordo com Allessandrini (1994), quando se experimenta de maneira criativa e autnoma, acontece outros processos de construo do conhecimento. Este tender a expandir-se na busca de si mesmo. Isso s ocorre experienciando, realizando algo. A ao fica atrelada ao sentir gerando a aprendizagem.

    A Arteterapia nos estimula a muitos tipos de questionamentos e coloca seus profissionais diante de caminhos diversificados, que os levam a tomar conscincia de suas possibilidades de escolhas e, enfim, a fazer opes entre elas. Qual ser o melhor caminho do profissional diante da Arteterapia? Alm das diferentes abrangncias de modalidades artsticas, a Arteterapia se depara tambm com inmeras referenciais tericos da Psicologia, ambos tendo em comum os benefcios dos processos

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    criativos e imaginativos, pois criar to difcil ou to fcil assim como viver! (VALLADARES, 2006, p. 12).

    Dessa forma, a Arteterapia me propiciou a busca de um horizonte bem maior e encantador. Levou-me a investigar, respeitando o outro como parte de mim e, ao mesmo tempo longe de mim, pois preciso ter um olhar que acolhe, cuida,mas tambm observa, relaciona, questiona, busca.

    A Arteterapia pode ser um caminho revelador e inspirador que nos ajuda a entrar em contato com a possibilidade abundante e generosa de acreditar, desafiar, reconstruir, criar e expressar as emoes, sentimentos e imagens que trazemos dentro de ns (GUTTMANN, 2006, p. 129).

    Pensando assim, observei, durante o estgio supervisionado, que atividades ldicas, brincadeiras levavam as pessoas a no s esquecer um pouco o dia-a-dia difcil, mas tambm, a se envolver socialmente, a se relacionar, interagir com o outro e tambm consigo mesmo. Portanto, A Arteterapia, por meio de suas possibilidades criativas e expressivas, tem a capacidade de ajud-lo nesse processo de escuta, reconhecimento e transformao (GUTTMANN, 2006, p. 136). Desta forma, estou percorrendo esse novo caminho: a Arteterapia. Sei que estarei sempre em busca de novas paragens onde eu possa parar, refletir sobre minha prtica profissional; respirar e continuar a caminhada. Serei como uma rvore que se ramifica, se aprofunda e comea a doar-se para a natureza. Nela, os pssaros encontram sombra e abrigo. O arteterapeuta assim: doador de si mesmo.

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    4 A VELHICE: A FASE DO REENCANTAMENTO

    A sociedade contempornea a sociedade dos jovens. H uma gerontofobia implcita no atual mundo capitalista. Observa-se o medo e a negao do envelhecimento, como se este perodo de vida fosse sinnimo de ponto final.

    O envelhecimento visto pelo conjunto da sociedade como um tabu, como algo desagradvel e que, portanto, deve ser negado. Lidar com as questes da velhice e do envelhecer, tanto nosso quanto do outro, requer uma abertura especial. Temos que ter a compreenso do envelhecimento como uma totalidade que no simples e nem tampouco abstrata. [...] O envelhecimento tem vrias dimenses, no podendo ser entendido apenas dentro de uma nica perspectiva, pois o homem multidimensional (ARCURI, 2005, p. 40).

    Desta forma, vivemos numa sociedade que valoriza o jovem em detrimento ao idoso. Vemos, cada vez mais, na mdia, pesquisas e reportagens em que falam da corrida obsessiva pelo rejuvenescimento ou para retardar o envelhecimento. Com isso, fica implcito o medo que o homem tem pela morte representada pela velhice.

    O mundo atual celebra os valores, o comportamento, a aparncia e a moda dos jovens. Nunca se cuidou tanto do corpo e da aparncia fsica como agora. Um corpo bonito, bronzeado, esbelto, gil, saudvel e principalmente jovem exibido com prazer. Nega-se o envelhecimento, combatendo, encobrindo e recalcando seus sinais mediante inmeras estratgias e disfarces (MASCARO, 1997, p. 21).

    Ainda subtende-se velhice como fim da vida, incio da idade das dores, dos sofrimentos das perdas, das doenas.

    A idade uma das duas grandes variveis que regulam o comportamento social e as relaes entre indivduos e grupos, em todas as sociedades. A outra varivel, o sexo, inerente pessoa, como tambm seu tempo de vida. Contudo, a idade uma conceituao, uma dimenso subjacente agncia social. Ela

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    conglomera e torna homogneas grandes classes de indivduos, submetendo-os s normas sociais que no apenas no os beneficiam, mas tambm estigmatizam e at os prejudicam, por desconsiderar as diferenas individuais (FRAIMAN, 1995, p. 19).

    H vrios conceitos de idade: a cronolgica, a biolgica, a social, a existencial, segundo Fraiman (1995). A cronolgica a idade medida pelo tempo que se vive oficialmente e provada por documentos oficiais. a idade mensurvel. A idade biolgica a idade revelada pelos rgos do corpo. Podemos dizer que quem trabalha em ambientes estressantes, envelhece mais rpido. Os nossos rgos envelhecem ou amadurecem em momentos diferentes da nossa vida.

    A velhice, se analisada somente como sendo uma questo biolgica, no revela o seu lado social. Ela, alm da sua especificidade biolgica, localiza-se em uma histria e insere-se num sistema de relaes sociais. Assim, as variveis histricas e socioculturais, particulares de cada sociedade, so as que fundamentam e entram para a composio e explicao da varivel velhice biolgica (MERCADANTE, 2005, p. 27).

    J a idade social aquela que determinada pela sociedade, quanto aos direitos e deveres. Essa idade relaciona-se com a cronolgica e a biolgica. Por exemplo, na nossa sociedade, o jovem de 16 anos pode votar; o de 18 pode tirar a habilitao para conduo de veculos. Pode-se considerar maior de idade o jovem aos 21 anos. Nesse perodo, responde legalmente por si mesmo. A idade existencial a idade subjetiva. Refere-se a experincias vividas, a personalidade ou a maturidade. Essa idade envolve uma srie de questes como seu nvel intelectual, social e financeiro. Pode-se ter uma pessoa adulta aos 15 anos e uma pessoa imatura aos 35 anos.

    Por si s, a idade cronolgica de um indivduo nada nos revela sobre sua existncia, personalidade, intelectualidade, produtividade, energia vital. A pessoa muito mais do que a simples expresso de suas atuais condies fsicas e de sade, uma vez que a dimenso mental e experiencial tambm age e se modifica a cada instante (FRAIMAN, 1995, p.21).

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    A faixa etria de 60 anos foi adotada pela ONU para categorizar as pessoas como idoso, velho ou entrando na terceira idade. Essa atitude levou a criao de polticas publicas na rea da sade, de infra-estrutura, da economia, dentre outras para ampliar o tempo de vida dessas pessoas.

    4.1 O QUE VELHICE?

    A velhice um perodo da vida em que no s os seres humanos passam, mas a maioria dos seres vivos. No entanto, o homem encara essa fase como um momento de perdas no s de ordem fsica, mas tambm mental.

    A velhice um territrio desconhecido para todos ns; poderamos compar-la com o outono, pois j semeamos, plantamos e agora de uma certa maneira colhemos. No sabemos, ao certo, o que o outono pode nos mostrar, Porque na primavera percebemos claramente o que foi gerado. A mudana no corpo nos remete s questes do esprito ou a um tipo de ateno psique (ARCURI, 2005, p. 38).

    A velhice uma etapa da vida que se observa um declnio irreversvel tanto do lado fsico quanto mental. H uma queda na produtividade desse indivduo. Nesse perodo, ele tem limitaes, dificuldades em realizar algumas atividades dirias que antes eram consideradas fceis. Segundo Fraiman (1995, p. 27): a parte do desenvolvimento humano integral e no uma predestinao ao fim. o resultado dinmico de um processo global de uma vida, durante a qual o indivduo se modifica incessantemente. Nessa fase, h as perdas fsicas e afetivas que so sentidas com mais intensidade do que em qualquer outra idade. Aqui h o isolamento, a angstia, a proximidade da morte, o medo do novo, a falta de motivao, a perda do vigor, da sade, da atividade mental, intelectual, social e sexual. A partir desse conceito, podemos observar o quanto essa viso reducionista. A velhice uma fase complexa, por isso, v-la como uma idade

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    apenas de dores e de limitaes, a espera da morte, ignorar o avano da cincia e da tecnologia para ampliar com qualidade de vida os dias do idoso.

    A identidade do idoso se constri pela contraposio identidade de jovem e, consequentemente, tem-se tambm a contraposio das qualidades: atividade, produtividade, beleza, fora, memria, etc., como caractersticas tpicas presentes nos jovens e as qualidades opostas a estas ltimas presentes nos idosos. As qualidades atribudas aos velhos que definem o seu perfil identitrio so estigmatizadoras e representam uma produo ideolgica da sociedade. Os velhos conhecem e tambm partilham dessa ideologia que, entretanto, define o velho em geral, mas o velho em particular. Assim sendo, no se sentem includos no grande modelo ideolgico. O partilhar da ideologia revela o fato lgico de que algum grupo de indivduos preencha os requisitos necessrios para serem classificados como velhos (MERCADANTE, 2005, p. 30).

    Infelizmente vivemos numa sociedade que beneficia o novo, o belo, o vigoroso. O velho ultrapassado, para ser esquecido, deixado de lado. Devido a essa viso, temos um nmero cada vez mais crescente de idosos que acham que a sua vida acabou quando se aposentou. Acabou a produtividade. No h mais o que fazer. No h mais o que sonhar, se a morte j est perto. Por isso, a velhice ainda uma fase que muitos preferem no discutir, nem mesmo pensar. Acha-se sofrida demais. uma fase de restries.

    4.2 A CONDIO DO IDOSO

    Por muito tempo, a velhice foi vista como uma fase de anomalia, de degradao. Chegar velhice parecia mais uma maldio. Essa viso ainda encontrada hoje, principalmente nas faixas sociais mais baixas da sociedade brasileira. O idoso levado ao isolamento, porque a famlia tem outros compromissos. , muitas vezes, a solido mesmo estando acompanhado. A solido um fator que condiciona o idoso a depresso. s vezes, apenas um cuidado, um sorriso, um carinho, as perguntas sobre a sade no bastam. Como todas as outras fases da

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    vida, a velhice requer ateno e amor por parte dos familiares ou de quem cuida. At mesmo idosos que vivem no seio da famlia, cercados de atenes e cuidados, muitas vezes apresentam um estado de inadaptao e vazio que os prprios familiares e amigos no conseguem compreender (FRAIMAN, 1995, p. 31). Muitos idosos usam o recurso da reclamao, da rabugice, do aborrecimento ou at da imobilidade para se ter mais ateno e cuidados por parte da famlia para se sentirem amados, importantes no meio que vivem. Vale ressaltar que, em qualquer idade se requer amor, cuidado, ateno. Com a terceira idade no seria diferente. Eles exigem os mesmos direitos que em qualquer outra idade. Na velhice, h o fator fsico que requer ateno. O corpo j no responde to rpido aos impulsos; a lentido dos movimentos; a coordenao motora fica comprometida, se no houver uma preveno; a dificuldade de aprender, de lembrar; a memria j no funciona com tanta preciso como antes; o humor, a pacincia um pouco oscilante.

    Ora, a vivncia primeira da velhice se d no corpo. O corpo por si s no revela como um atributo a velhice, mas uma vez que ela como estigma se instala no corpo, ela passa a inquietar o idoso. Certamente, a inquietao decorrente de uma avaliao tambm estigmatizadora e, assim, uma abominao do velho diante do seu prprio corpo. A viso de um corpo imperfeito em declnio, enfraquecido, enrugado, etc. no avalia s o corpo, mas sugere imediatamente ampliar-se para alm do corpo, sobre a personalidade, o papel social, econmico e cultural do idoso. (MERCADANTE, 2005, p. 32).

    Infelizmente, todos esses problemas verificados na terceira idade so provenientes de situaes estressantes que aconteceram no decorrer da vida. So somatizaes de problemas enfrentados no trabalho, no convvio familiar, no lado financeiro, das frustraes da vida. A velhice uma fase em que no h mais as cobranas por parte da sociedade; deixou-se de ser produtivo. No h mais o que sonhar, nem construir, nem desenvolver. Em muitas novelas de TV, por exemplo, mostram o idoso sem a sexualidade, como se, nesta fase, no se desejado e nem sexualmente capaz. Essa imagem leva para a sociedade e para o idoso a acreditar que com a chegada

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    da aposentadoria, o fim da produtividade como trabalhador levar o idoso a um quadro de inutilidade completa, sem perspectiva de vida.

    A no-perspectiva de futuro para o idoso , entretanto, uma questo histrica e cultural. Nem todas as sociedades negam futuro ao velho. Nas sociedades primitivas, o homem no possui somente o seu prprio futuro futuro individual mas tambm o futuro do mundo futuro social no qual o produto de seu trabalho permanecer (MERCADANTE, 2005, p. 33).

    Em contra partida, vemos muitos exemplos na TV em que idosos possuem

    O desejo de viver intensamente sua prpria vida, de realizar projetos, de no sucumbir aos preconceitos e esteretipos, faz com que muitos idosos rejeitem a idia de que na velhice o nico papel que lhes sobra o da vov tricotando e tomando conta dos netos e do vov de chinelos e pijama, sentado na cadeira de balano (MASCARO, 1997, p. 68).

    Dessa forma, comear uma carreira ou mesmo um relacionamento conjugal aos 70 anos, iniciar uma faculdade aos 80 podem ser atitudes cada vez mais comuns nos dias atuais, pois os idosos esto percebendo que a vida no acaba aos 60 anos. A cincia busca minimizar doenas que atrapalham a vida dos envelhecentes como a presso alta, o diabetes, a osteoporose e a arteriosclerose, por exemplo. E a cincia propicia a essa parte mais crescente da populao uma melhoria na sua qualidade de vida. Para Mascaro (1997, p.72),

    Uma velhice bem-sucedida, com boa qualidade de vida, depende das chances do indivduo quanto a usufruir de condies adequadas de educao, urbanizao, habitao, sade e trabalho durante todo o seu curso de vida, e tambm do delicado equilbrio entre as limitaes e as potencialidades do indivduo, o qual lhe possibilitar lidar, com diferentes graus de eficcia, com as perdas inevitveis do envelhecimento.

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    Mascaro (1992, p. 72) afirma que fundamental compreender que envelhecer bem no depende unicamente do idoso. Segundo a psicloga e gerontloga Anita Liberalesso Neri, no verdade que basta se manter ativo, participante e til, apesar das perdas biolgicas, psicolgicas, econmicas e sociais, para que o idoso possa vivenciar uma velhice satisfatria. Para Fraiman (1995, p. 95),

    A capacidade de adaptao pode ser definida simplesmente como liberdade para pensar ou agir sem condicionamentos. Permanecer aberto s mudanas, aceitar o novo e dar as boas-vindas ao desconhecido, uma escolha que envolve talentos pessoais definidos; pois, deixada por conta da inrcia, a mente tende a reforar seus velhos hbitos e cada vez se deixar prender mais e mais pelos condicionamentos.

    Por isso, necessrio que o idoso esteja inserido numa famlia que o valoriza, apesar de suas limitaes e que respeita toda a sua histria de vida e que, principalmente, sinta-se capaz de produzir algo criativo, mesmo a sociedade valorizando a fora e o vigor do jovem. preciso tambm que haja por parte da sociedade, polticas pblicas adequadas para a terceira idade.

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    5 O LDICO COMO ELEMENTO MOTIVADOR NA ARTETERAPIA

    5.1 O LDICO NA EVOLUO HUMANA

    A trajetria da humanidade pode ser comparada com a trajetria do desenvolvimento do ser humano. O homem primitivo vivia em comunho com a natureza. O dia era contado pelo nascer e pr do sol. Esse homem, que continuou com as mesmas caractersticas na idade antiga, era um ser cclico, e o seu trabalho era dependente do ciclo das estaes. Nesse perodo, o homem acreditava em deuses representados pelas foras da natureza. O trabalho e o jogo se integram s festas pelas quais comemoravam a fartura das plantaes e se unia aos seus ancestrais ou mesmo adoravam os deuses da natureza. Nessa fase, o ldico fazia parte dos rituais, pois havia msica, danas e, muitos povos se pintavam para festejar.

    Entre os povos primitivos, a arte entrelaava-se com o sagrado e era exercida coletivamente Por meio da dana, do canto, da narrao mtica, da pintura corporal, da confeco de objetos e adornos, etc. Aos poucos foi surgindo a figura do artista como algum dotado de uma sensibilidade especial, ligado geralmente figura do sacerdote (pois por meio da arte era invocado o poder da fertilidade, divinatrio, etc.). A imagem era dotada de um poder mgico, como nas mscaras rituais, tornando presente a fora do deus ou da figuras nelas representadas seria como que ali, vivesse a sua alma (ARCURI, 2006, p. 75).

    Quando criana, gostamos de brincar, de imaginar. Nessa fase, a vida uma brincadeira. Vivemos num mundo de magia e encanto. Nessa fase da vida, a brincadeira vital, pois ela o meio pelo qual a criana manifesta de forma livre e espontnea o seu prprio interior. Analisando a brincadeira segundo a teoria da evoluo, ela

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    [...] uma necessidade para qualquer animal pequeno superior: o meio indispensvel para treinamento de instintos latentes. A brincadeira resultou da seleo natural, como um instinto que, guiando a aprendizagem do jovem, melhora o desempenho do adulto, o que leva a enunciar: os animais no brincam porque so jovens, mas so jovens porque devem brincar. (BROUGRE, 2000, p.93).

    Os animais como os seres humanos sabem a medida certa de brincar. Os filhotes de mamferos, por exemplo, sabem brincar na hora certa; sabem a hora e o lugar que devem morder o outro. uma atividade de aprendizagem que faz parte do desenvolvimento fsico e social. Por isso, a brincadeira est arraigada ao desenvolvimento motor dos animais de uma maneira geral. Na idade mdia, o homem ainda festejava, no entanto, j se tinha a idia do tempo que era controlado pela igreja ou pelos reis. Havia, geralmente, um toque soado pelos instrumentos ou sinos. Nesse momento, parava-se o trabalho e ia-se para as festas que podiam ser profanas ou religiosas. E j era observada a questo do tempo. Havia o tempo de trabalhar e o do sagrado dedicado s oraes no templo. Nesse perodo, o homem participava de um universo regido por uma lei divina inexorvel, e buscava na Histria Sagrada as diretrizes para sua atuao no mundo. Sendo assim, a temtica religiosa aparecia como central nas obras medievais. (ARCURI, 2006, p. 76) Podemos comparar a idade mdia com a adolescncia, pois, nesse perodo tudo controlado pelos pais e h um desejo constante de emancipao. H o sonho de ser independente, autnomo. No decorrer do tempo, amadurecemos, adquirimos mais responsabilidades e nos distanciamos das brincadeiras e dos jogos. Tudo isso, vai ficando para trs. Faz parte do universo infantil, do qual j no pertencemos mais. Somos do mundo racional. Na fase adulta e na velhice, deixamos de olhar para a vida como algo prazeroso. Agora s estudos, trabalho, enfim, responsabilidades. Na idade moderna, o homem j cria o relgio no sculo XIII e a sua vida controlado por ele. Nessa fase, h uma super valorizao do trabalho.

    O homem passou a preocupar-se cada vez mais com os problemas terrenos, valorizando a existncia individual e buscavam nas

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    propores do corpo humano os parmetros de uma nova ordem universal. Deu-se nessa poca grande importncia simetria e ao equilbrio, buscando-se leis gerais que regulassem os fenmenos da natureza, utilizando-se a observao e a mensurao, inaugurando uma viso de mundo racionalista e humanista (ARCURI, 2006, p. 76).

    O perodo em que no est trabalhando d-se o nome de tempo livre _ o tempo do no-trabalho. A partir da, surge o lazer, em que o homem usa esse tempo para a sua realizao pessoal. Na noo de lazer, acha-se implcita a idia do ldico que foi abandonada quando o homem privilegiou o trabalho durante todo o seu dia (em detrimento do ldico).

    Nesse tempo livre a pessoa humana pode realizar-se, seja respondendo s necessidades do corpo, seja s do esprito. Atividades fsicas, prticas, artsticas, intelectuais, sociais, espirituais respondem s necessidades do indivduo. Mais realizado depois delas, ele atuar de forma positiva sobre o meio ambiente. A pessoa humana se torna ento construtiva (ROLIM, 1989, p. 54).

    Na contemporaneidade, o homem continua na busca do equilbrio para conciliar o tempo dedicado ao trabalho em contrapartida do tempo que dever dedicar famlia, s atividades sociais e intelectuais, etc. O homem, durante muito tempo da sua evoluo, enfatizou o uso do tempo para o trabalho e para o seu crescimento intelectual, por isso, houve a evoluo da cincia e da tecnologia. No entanto, perdeu-se o prazer que o homem primitivo tinha em contemplar a natureza, em harmonizar o ambiente ao seu redor. O homem valorizou a razo e o emocional, o subjetivo ficou em segundo plano.

    Vem, por todos os lados, pessoas que, insatisfeitas com o que lhes traz a existncia, tentam recuperar-se, desenvolver atividades reais, encontrar ocasies de participar, de se cultivar, de se enriquecer. Utilizam para tanto os meios ao seu alcance, escutando boa msica nas salas de concerto, ou no rdio, entusiasmando-se com as representaes clssicas montadas pelos pioneiros do teatro popular, esforando-se para escolher entre o melhor e o pior programa de TV, ou ento amoldando com suas prprias mos

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    modelos reduzidos de monumentos ou de mquinas, pintando, decorando a casa, construindo canoas, fazendo jardinagem, entregando-se a toda espcie de atividades, em que se engajam plenamente. Os cursos para adultos se multiplicam. O prprio mundo dos negcios descobre que a competncia tcnica no tudo, que a especializao, quando no alimentada por uma cultura muito ampla, aberta a vastos horizontes humanos, pode ser perigosa. (ROLIM, 1989, p. 54-55)

    Por isso, houve uma crescente busca pelo lazer, pelo tempo livre em que se podia usar para a prpria realizao pessoal. Segundo Rolim (1989, p. 55), houve a

    busca e encontro de um estado de satisfao, como fim em si mesmo, produzindo no indivduo prazer, satisfao, capazes de desenvolver nele a alegria de viver. Alis, a primeira condio para existir o lazer a pessoa se encontrar num estado de satisfao.

    o lazer que leva o homem a sair de um estado de tenso ocasionada do ambiente de trabalho ou da rotina diria. O lazer passou a ser uma necessidade. um valor que o homem contemporneo no abre mo, pois atravs do lazer o homem recupera-se do cansao fsico e mental, do aborrecimento das atividades cotidianas. o que faz relaxar e adquirir mais vigor.

    5.2 A IMPORTNCIA DO LDICO NA SOCIEDADE ATUAL

    A brincadeira um espelho dos costumes de determinada comunidade ou sociedade. Reflete os hbitos e as prioridades de determinado grupo. Quando se fala de brincadeira remete-se primeiramente criana, no entanto, como j foi comentado na evoluo do ser humano, o ldico faz parte da vida do homem independente da sua idade, cor raa, etc. No trecho abaixo, relata a importncia do ldico, da brincadeira na criana.

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    A brincadeira , antes de tudo, uma confrontao com a cultura. Na brincadeira, a criana se relaciona com contedos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela se apropria e lhes d uma significao. A brincadeira a entrada na cultura, numa cultura particular, tal como ela existe num dado momento, mas com todo peso histrico. A criana se apodera do universo que a rodeia para harmoniz-lo com sua prpria dinmica. Isso se faz num quadro especfico, por meio de uma atividade conduzida pela iniciativa da criana, quer dizer, uma atividade que ela domina, e reproduz em funo do interesse e do prazer que extrai dela. A apropriao do mundo exterior passa por transformaes, por modificaes, por adaptaes, para se transformar numa brincadeira: a liberdade de iniciativa e de desdobramento daquele que brinca, sem a qual no existe a verdadeira brincadeira (BROUGRE, 2000, p. 77).

    No trecho acima relata a importncia do ldico, da brincadeira na criana. A brincadeira um espelho dos costumes de determinada comunidade ou sociedade. Reflete os hbitos e as prioridades de determinado grupo. Quando se fala de brincadeira remete-se primeiramente criana, no entanto, como j foi comentado na evoluo do ser humano, o ldico faz parte da vida do homem independente da sua idade, cor raa, etc. A Criana, hoje em dia, devido a muitos fatores como: violncia, falta de segurana, jogos eletrnicos, pais ausentes devido ao trabalho dentre outros; no tem a experincia de brincar na rua; correr; jogos de esconde-esconde; cantigas de roda (to comuns nas brincadeiras infantis de antigamente); os jogos de faz-de-conta. Tudo isso fazia da criana um ser imaginativo, criador. Estava sempre criando, imaginando... novas brincadeiras e histrias. Infelizmente, o universo infantil atual se restringe a jogos de computadores, programas de TV, DVS infantis, filmes infantis. Crianas brincando em espaos cada vez mais fechados em apartamentos, playgrounds, clubes e escolas. fcil observar como a criana de hoje mais adulta que antes, pois a modernidade est roubando da infncia o que h de mais bonito: a liberdade de imaginar. Devido ao desenvolvimento da cincia e da tecnologia, o ldico foi perdendo espao. Observamos que no mundo globalizado, o ldico perdeu espao. As brincadeiras no quintal, o soltar pipa, pular corda, amarelinha, brincar de casinha, de construir brinquedos com sucatas, to comuns antigamente, se perdeu no tempo. Estamos numa busca ao ldico. E a Arteterapia tem como ponto primordial a busca de si mesmo para viver melhor, com prazer. Prazer e ldico andam juntos.

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    H uma frase de Nietzche que diz: Temos arte para que a realidade no nos mate. interessante que o ldico e a arte so caminhos diferentes mas se cruzam. A realidade, o dia-a-dia duro, embrutece, mas a arte sensibiliza. Atravs da arte, pode-se imaginar, viajar no prprio mundo ou no mundo do outro. Portanto, isso ldico, pois causa prazer. A arte traz sentimentos antagnicos, divergentes. Ao mesmo tempo, que se ama, odeia-se; sorrir, chora-se. Somente a arte pode remeter o homem para outros universos nunca antes imaginados. A arte uma atividade que liberta a alma aprisionada pelo vazio, pelos anseios, pelos sentimentos no compreendidos.

    A sociedade tem perdido muito em separar o trabalho do lazer. Parece que o ldico no se relaciona com o racional, com o trabalho ou mesmo com atividades consideradas srias ou racionais. [...] O espao imaginrio e o espao da realidade esto estreitamente interligados. A reconstruo do espao cotidiano acompanha a reconstruo do ego. Como o corpo tem necessidade de trabalho, de um fortalecimento muscular, a alma tambm necessita ser fortalecida. O trabalho por meio da arte proporciona o reconhecimento da dinmica psquica, tornando-se uma via de acesso totalidade do ser, fortalecendo a alma (ARCURI, 2006, p. 24).

    H uma busca constante do ser humano ao ldico, pois o faz distanciar-se dos seus problemas, ansiedades ou mesmo doenas e dificuldades enfrentadas na sua rotina diria. A Arteterapia est um passo a frente, pois busca aliar o ldico, a arte com a terapia, para minimizar os efeitos malficos causados tanto no fsico quanto no lado psicolgico do ser humano. Quando o homem cria, ele se envolve nesse fazer, nessa ao. Podemos observar esse envolvimento no ato de desenhar, pintar, modelar, brincar, construir fantoches, cantar, pular, contar histrias e inventar jogos. A Arteterapia propicia a liberdade do ser qual uma criana absorta em suas brincadeiras. Segundo Chiesa (2004, p. 99-101):

    A Arteterapia, como instrumento no verbal de auto-anlise, leva o indivduo a buscar suas sensaes, trazendo tona suas emoes mais primitivas, relativas a um perodo ainda pr-verbal,

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    possibilitando a elaborao dos significados. No atelier teraputico possvel experimentar diversos materiais artsticos explorando e vivenciando o processo. A relao com esses materiais mobiliza sensaes, sentimento e imagens carregadas de significados que precisam ser comunicados. Esse processo amplia a percepo e exercita o pensar favorecendo uma maior conscincia de si. O material de arte tem a funo de acolher os conflitos emocionais, para que depois se estabelea um dilogo entre o material e a pessoa que fez o trabalho artstico, ento, encontrar sadas para os conflitos.

    Na Arteterapia, utiliza-se o ldico para sensibilizar, preparar o ser para algo mais profundo ou para o encontro com o ser si mesmo, amplia a percepo e ativa o refletir, o pensar sinalizando para uma maior conscincia de si mesmo. Para que isso ocorra, lanamos mo da criatividade. ela que possibilita transformaes, que traz tona novos significados para experincias vividas ou imaginadas, sejam alegres ou tristes; bem-sucedidas ou frustrantes. Na infncia, o ldico, atravs do brincar, em que esto implcitas as regras, pois todas tm, desenvolve as relaes mentais, faz com que a criana represente uma realidade ausente com a imaginao. esta que transforma uma experincia real, direta em simblica. Foi atravs dessa capacidade do homem que se pde desenvolver a cincia, a tecnologia, a medicina. Imagina-se, depois se cria.

    A fantasia est apoiada na experincia. Enquanto brinca, a criana traz para a fantasia elementos do que apreende, do que percebe da realidade. Ao fazer isso, dialoga com a realidade, transformando-a tambm. Uma criana que brinca de boneca, observa como fazem os adultos com os seus bebs. Ela transforma a realidade, uma vez que atribui sentidos matria, que a boneca. Fantasia e realidade ento, no so opostas (SANTOS, 2006, p. 53).

    Na Arteterapia, a brincadeira uma ponte para se chegar aos contedos internos. O ldico permite um dilogo entre o interno e o externo, no qual, o ser o criador, o autor. O ldico, atravs das brincadeiras, faz com que o homem independente da sua faixa etria, recrie o que vive; recrie a sua realidade, muitas vezes, to frustrante. Ele traz para a brincadeira os seus contedos culturais dando-lhes novos

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    significados. Assim como brincar, para a criana representar o mundo, para o adulto ou idoso, tambm . Essa nova representao possibilita a internalizao desse mundo, recriando a realidade, tendo outra noo de vida ou da sua forma de viver, ocasionando, muitas vezes, uma mudana de atitudes. Na proposta arteteraputica das oficinas criativas, o ldico primordial, pois lana mo dos elementos que abarcam a sensao, a percepo, o sensorial, o cinestsico, o simblico para favorecer a criao.

    Viver a oficina construir, pintar e modelar aquilo que mais prximo do si mesmo. o espao onde o imaginrio cria forma, adquire cor, aproximando-se de um real personalizado, sentido e vivido com alegria. O entrar na oficina deve ser vivido como uma entrada em um mundo mgico, onde o limite a prpria criao. (ALLESSANDRINI, 1996, p. 49).

    Enquanto a sociedade busca meios para suprir a ausncia o ldico na vida das pessoas, a Arteterapia veio como um caminho a percorrer tendo o ldico atrelado a sua prtica. Por isso, no se concebe Arteterapia sem o ldico, sem o brincar, imaginar... criar.

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    6 METODOLOGIA

    Foi feita uma pesquisa qualitativa dentro de um recorte construtivista. A metodologia retrodutiva foi escolhida para a anlise dos dados por possibilitar uma melhor apreciao dos resultados. Para a anlise dos dados levantamos indcios observveis que permitiram analisar a importncia do ldico para a Arteterapia da terceira idade. relevante descrever o procedimento que utilizamos para exemplificar de onde os relatos foram retirados, a partir da base de dados preparada no decorrer dos encontros de Arteterapia. Utilizou-se o formato das Oficinas Criativas (ALLESSANDRINI, 1996), com durao de 1h e 30 min semanais, foram realizadas no perodo de abril a dezembro de 2008. As Oficinas Criativas tm caractersticas prprias de desenvolvimento e organizao como: sensibilizao, expresso livre, elaborao da expresso, transposio para a linguagem verbal e avaliao. Neste processo, o sujeito expressa criativamente uma imagem interna por meio de uma experincia artstica para, posteriormente, organizar o conhecimento intrnseco a esse fazer expressivo. (ALLESSANDRINI, 1996, p. 41). As Oficinas Criativas propiciam ao idoso viver um momento da expresso de sua espontaneidade. Leva-o a interagir com um grupo e a respeitar diferenas, aprendendo com elas de forma criativa.

    O conhecimento que adquirimos sobre nosso meio ambiente nos chega por intermdio dos sentidos: ver, ouvir, cheirar, sentir o gosto, a textura. Nesse trabalho, tentamos reconectar a ao de entrada para uma situao diferenciada de aprendizagem a ser incorporada pelo sujeito (ALLESSANDRINI, 1996, p. 49).

    Portanto, as Oficinas Criativas levam o idoso a um encontro consigo mesmo, com suas limitaes, fraquezas e virtudes. Cada ao, cada gesto, por mais nfimo que seja, carregado de significados do inconsciente. A coleta de dados foi feita em duas instituies que no conheciam a Arteterapia, que receberam a proposta de forma satisfatria e que ajudou a desenvolver o projeto arteteraputico. No entanto, privilegiou-se uma instituio pelo

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    fato de se ter conseguido concluir a carga horria adequada para o processo arteteraputico e para a pesquisa em questo. Essas instituies se localizam em bairro perifrico, em que a populao, na sua maioria, tem servios precrios e insuficientes na rea da sade, educao, segurana e lazer. Para a realizao da pesquisa, foram observadas homens e mulheres idosos com idade acima de 65 anos de idade, na cidade de Natal-RN. O grupo foi composto por onze pessoas, idosos do sexo masculino e feminino. Preparou-se cada encontro, relatrios minuciosos do processo vivido no ateli arteteraputico. Elaboraram-se tambm dois relatrios sntese sobre aspectos do desenvolvimento do processo do grupo. Aspectos especficos relacionados a alguns dos sujeitos tambm foram descritos, pois representava a importncia do ldico no processo arteteraputico. Todos os procedimentos ticos para pesquisa com seres-humanos foram cuidadosamente realizados. O grupo era composto por clientes com pouco poder aquisitivo, no alfabetizados ou com pouca escolaridade, com problemas graves de viso, audio, de coordenao motora. Tnhamos cliente com depresso; com dificuldades de trabalhar em grupo; de respeitar a opinio do outro; de respeitar os seus limites e o limite do outro. Era um grupo bem individualista e com problemas de auto-estima. Desse modo, tentou-se estimular, fazer com que os idosos buscassem novos caminhos e solues criativas para o isolamento, a rejeio, as dificuldades fsicas e mentais e psicolgicas. Ou seja, que procurassem alternativas, que se percebessem capazes, com talentos, que havia inmeras possibilidades de aprendizagem para viver e conviver com mais qualidade de vida.

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    7 O LDICO NO SETTING ARTETERAPUTICO

    O ldico a experincia da plenitude, de permitir que a pulsao rtmica da vida se manifeste e integre todas as partes do ser. um mergulho nas guas pulsantes da vida. As atividades ldicas, as brincadeiras, jogos musicais, danas e movimentos corporais favorecem ao idoso deprimido, restabelecer contato com o outro. Favorece tambm a melhora da auto-estima e a auto-percepo. Restaura o interesse e a concentrao, aumenta a energia e a confiana em si mesmo; reduz o sentimento de culpa e inutilidade to freqentes na velhice. Tudo isso acarreta uma melhora considervel no humor do idoso depressivo e ajuda-o a sair mais rapidamente desse quadro de depresso. Com a Arteterapia usando os vrios recursos ldicos, busca-se encontrar a reserva de vida do cliente, onde h fora de vida pulsante e trabalhar com o cliente, criando espaos para que esta fora de vida como uma onda de energia se expanda por todos os caminhos possveis, permitindo ao cliente reintegrar sua vida.

    A Arteterapia pode auxiliar a diminuir alguns preconceitos, como o de que as pessoas idosas so pouco criativas. Na realidade, quando so proporcionadas as oportunidades, os idosos so to capazes de se expressar criativamente quanto qualquer um. E isso fundamental na recuperao e na manuteno da sade emocional do sujeito. Criando, fazendo arte, falamos de ns, de nosso tempo, de nossa histria, nossos medos e anseios. Entramos em contato com contedos, muitas vezes, desconhecidos para nossa conscincia. Mergulhamos em um universo prazeroso, capaz de liberar e organizar afetos (COUTINHO, 2008, p. 75).

    Como se pretende observar a importncia do ldico no universo dos envelhescentes bom entender que no s na infncia que a brincadeira um fator indispensvel. Na velhice, o ldico torna-se uma porta de entrada, um caminho a seguir na busca da auto-estima, do vigor e da alegria de viver. J que essa fase repleta de restries e de sofrimentos.

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    Na velhice, h sinais deixados no corpo, de experincias do passado, que so como feridas no cicatrizadas, que resultam em doenas psicossomticas, prejudicando o ritmo harmonioso da vida.

    Para Jung, o inconsciente s pode ser experimentado no corpo. A manifestao inconsciente (doena, neurose) teria por finalidade a compensao de uma atitude unilateral da conscincia apontando para a necessidade de o ego integrar essa ciso provocada pelo material reprimido. Esse processo no se d de forma linear, e o seu significado pode ser mltiplo, pois cada sintoma doena pode ter significados diferentes (ARCURI, 2006, p. 22).

    Por isso, em algumas vivncias, o ldico foi o fator primordial para se chegar a algum resultado com os idosos. Alm de lev-los a uma interao com a Arteterapia, propiciou a busca pelo equilbrio e, muitas vezes, a cura dessas doenas emocionais to frequentes nesse perodo da vida, como sero analisadas abaixo. Houve momentos ldicos importantes que ajudaram o grupo a perceber que brincar, sorrir, independe da idade. Isso aconteceu com o jogo dos pontos, em que danaram e quando parava a msica todos comearam a fazer pontos no papel madeira. Houve muitos risos.

    Figura 1 Atividade ldica do jogo dos pontos.

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    Dessa forma, observou-se que as atividades que envolveram o jogo, o brincar, o movimento do corpo com a msica e com elementos como bolas, lenos, bexigas foram muito integradores e estimulantes, tanto para preparar para a expresso livre, quanto para aliviar as tenses, descontrair e acalmar o grupo, como mostra a foto abaixo.

    Houve tambm uma melhora significativa no quadro da cliente AL que era depressiva. Antes de iniciar as oficinas, ela relatou que estava invlida, no tinha nimo e nem saia de casa, no entanto, no primeiro ms j se apresentou com roupas coloridas, cabelo arrumado, maquiada, animada e com disposio. Ela sempre relatava que a arteterapia tinha ajudado a enfrentar a doena e ter mais nimo para viver. Com essas experincias, pode-se observar o que Mercadante (2006, p. 24) diz sobre a Arteterapia que

    [...] pode possibilitar a ampliao da conscincia, pois, ao promover o reconhecimento da dinmica psquica, um dilogo com os contedos inconscientes pode ocorrer e os mesmos podem ser trazidos conscincia. Essa ampliao da conscincia permite que as projees sejam recolhidas do mundo exterior e integradas. No o sujeito que se projeta, mas o inconsciente. Por isso, no se cria a projeo, ela j existe de antemo. A conseqncia deste processo

    Figura 2 Atividade ldica do jogo das bolinhas ao som de um chorinho.

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    o isolamento do sujeito em relao ao mundo exterior, pois, em vez de uma relao real, o que existe uma iluso. As projees levam a um estado de ensimesmamento, no qual se sonha com um mundo cuja realidade inatingvel. Quanto mais projees se interpem entre o sujeito e o mundo exterior, tanto mais difcil se torna para o Eu perceber suas iluses.

    Com a cliente citada acima, o processo arteteraputico foi fundamental para que ela no s enxergasse a si mesma, mas tambm os seus conflitos e a causa deles. O ldico foi uma estratgia para se chegar ao destino: o encontro de si mesma.

    Com essas atividades ldicas no processo arteteraputico propiciou o desenvolvimento da criatividade. Segundo Arcuri ( 2006, p. 52),

    [...] desenvolvendo nossa capacidade criativa podemos conseguir transformar qualquer tipo de situao. Mesmo os momentos difceis da vida, como a dor, possibilitam uma evoluo e um crescimento. como segurar a vida com as prprias mos, deixando os sentimentos de culpa de lado, parando com as lamentaes, vencendo a timidez. Apenas experimentando o caminho sagrado, simplesmente vivendo o mistrio da vida sem se preocupar em controlar os resultados de tudo, abrindo mo da sala de controles.

    Desta forma, observou-se que, no final do processo, os clientes estavam se entendendo melhor, se conhecendo mais e consequentemente mais consciente de que precisam de ajuda para se ter uma melhor qualidade de vida.

    7.1 A DANA: SENTINDO O RITMO

    Quando se iniciou o grupo de idosos, percebeu-se um grupo alegre, que gostava de msica e dana. Dessa forma, o ldico teve o objetivo de resgatar as origens destes participantes atravs das cantigas de roda. Escolhe-se a cantiga Escravos de J acompanhado por uma panderola. Todos cantando, danando em

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    crculo. Quando parasse a msica, quem estivesse segurando o instrumento teria a oportunidade de cantar a sua msica preferida. Nesse momento, houve a valorizao da capacidade de recordar, de reviver, de relembrar. Esse um processo que faz parte de todas as idades, mas sobrepujante na velhice pelo fato natural de se ter experincia, de se ter vivido muito.

    A memria trabalhada no sentido de trazer vivo o passado, de forma a ressaltar a importncia de alguns fatos, a impresso de prazer ou de dor de alguns acontecimentos que contriburam para a construo de cada um, na sua singularidade. Valoriza-se a capacidade de lembrar e recordar, estabelecendo a relao com o tempo. (FABIETTI, 2004, p. 23).

    A memria tambm possibilita ao idoso um novo olhar para o passado, uma nova viso, resignificando-o. Nessa atividade, deu-se a oportunidade a cada idoso de lembrar algo de sua infncia atravs de uma cantiga de roda e, ao mesmo tempo, cantar uma msica que poderia ser um sucesso atual. A maioria deles cantou msica antiga que fazia parte do seu repertrio musical representante de alguma fase da sua vida. A atividade sugerida possibilitou aos clientes idosos muita animao e descontrao. No houve resistncia quanto ao cantar. Todos alm de cantar, batiam palma e acompanhavam o colega que estava cantando a sua msica. Quando terminava, batiam palma, riam um sorriso de contentamento e de prazer. Era tudo uma grande brincadeira. No incio do processo com o grupo, os clientes estavam muito rgidos, tensos, no tinham nenhuma conscincia corporal, por que

    Para algumas pessoas, desenvolver a percepo do corpo algo fcil, natural, at prazeroso, enquanto para outras algo difcil, que se torna possvel muitas vezes apenas em funo de uma experincia causada por algum transtorno fsico. como se a pessoa vivesse fora do corpo, ficando apenas no plano mental, levando-se em considerao que a relao entre o ser humano e seu corpo um produto complexo, no qual entram fatores como hereditariedade, cultura, filosofia, religio, etc. (ARCURI, 2006, p. 69).

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    Para minimizar isso, houve um trabalho maior na parte da sensibilizao. Houve muitos exerccios de alongamento, de respirao, danas circulares. Com essas, houve muita interao do grupo com as propostas. Notou-se que os clientes ficavam mais maleveis, dispostos a participar das atividades. No incio, eles ficavam tmidos, no se mexiam, no queriam participar, mas com as danas circulares, eles sorriam, se descontraam de uma forma completa e espontnea. Segundo Zinker (2007, p. 260), Toda atividade criativa comea com movimento. O corpo propenso a atravessar o espao, a interagir continuamente com o ambiente. Em todas as oficinas, fazia-se exerccios de respirao: inspirar e expirar. Nesse processo, oportunizava-se uma renovao do ar no corpo. O corpo que outrora estava cansado, estressado, agora estava renovado, purificado pelo ar novo. H uma conscincia do poder renovador da respirao. Quando se inspira, a barriga eleva-se e o diafragma abaixa-se dentro do abdmen. Quando o ar entra nos pulmes, o peito se alarga e sente-se o desejo de se alongar; os braos se estendem no ar e o movimento da respirao longa, ampla e profunda. Nesse processo, d-se a oportunidade de ouvir a msica que intensifica, dando ritmo interno e incentivando para que a energia do corpo se renove. Um outro momento de troca entre os idosos, em que puderam experienciar o ldico foi uma oficina chamada de palavra surpresa em que houve um aquecimento com bexigas, como mostra a foto abaixo:

    Figura 3 Atividade ldica com bexigas ao som de uma msica instrumental.

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    Eles tinham que escolher uma, encher e imitar os comandos. Trabalhou-se o movimento dos braos para frente e para trs; para cima e para baixo; esquerda e direita; girando os braos; girando o corpo com as mos levantadas, sentindo a msica, como se fossem bolas querendo voar. Fizeram ao ritmo da msica que tinha sons que remetia a bolhas e foram convidados a fazer um movimento de dana circular de dentro para fora do circulo. Houve uma sincronia muito boa, todos sentiram a msica, se envolveram, se concentraram, pois a dana possibilita no s o divertimento, mas tambm o relaxamento do corpo. Nesse sentido, atribui ao som rtmico o poder de motivar o homem ao movimento e expresso ativa de desejos e sentimentos interiores, individual ou grupalmente, permitindo um bem estar pessoal e uma integrao grupal (ANDRADE, 2000, p. 159). Nesse momento, houve uma interao do grupo. Todos procuraram um colega para formar uma dupla e jogar a bola um para o outro; jogar a bola pra cima; brincar com a bola. Por fim, estour-la, pegar o papelzinho com uma balinha que tinha dentro de cada bexiga e ler para o grupo. Atividades ldicas como essas possibilitam criar, no processo arteteraputico, um ambiente acolhedor e respeitoso. Eles precisavam sentir-se vontade, j que no conheciam a Arteterapia. Essa oficina possibilita a criao de um vnculo dos clientes com a proposta, com o arteterapeuta e entre eles. Possibilita tambm a melhora do humor. Segundo Andrade (2000, p. 161),

    A dana em grupo responde s necessidades das pessoas, independentemente de sua condio de sade mental, de contatarem, entenderem, conhecerem, aceitarem contedos de sua vida afetivo/mental muitas vezes coartados e manietados pelas mais diversas formas de represso individual/social. Isto devido simbolizao deste contedo, reapresentado de uma forma menos ameaadora, menos destruidora, ritualizada. A dana em grupo provavelmente integra e contm a possibilidade de convivncia com os mais variados contedos internos da vida psquica humana.

    Na oficina citada acima, a cliente PE com 67 anos, chegou nervosa, agitada, com um semblante cansado e indisposta, mas, durante a sensibilizao, mostrou-se

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    disposta, alegre e participou de forma espontnea. Isto nos revela que o corpo/ movimento uma maneira de o homem colocar-se frente realidade, viver e sentir-se vivo, sadio e equilibrado (ANDRADE, 2000, p. 160). Esta cliente PE (67 anos) apresentava-se sempre aborrecida, com aparncia indisposta, cansada e tinha baixa estima. Quando passava para o momento da expresso livre ela reclamava logo, independente da proposta. Ela sempre falava que no sabia desenhar, pintar, no sabia fazer nada. Na oficina da palavra surpresa, ela chegou nervosa, agitada, com um semblante cansado e indisposta, mas, durante a sensibilizao, mostrou-se disposta, alegre e participou de forma espontnea. No final falou: Eu cheguei muito aborrecida, cansada mesmo, mas agora estou leve. Esqueci meus problemas, esqueci o mundo l fora. Nesse momento, o ldico propiciou a essa cliente canalizar as energias negativas que lhe davam mal-estar e a aproveitar o setting arteteraputico para a restaurao da sade. Ela saiu de uma situao de stress para uma situao de equilbrio. Os momentos que ela demonstrava gostar eram as sensibilizaes, aquecimento com danas, jogos e brincadeiras. Muitas vezes, ela demonstrava no querer participar dos momentos da expresso livre. Ela ficava olhando o material, fazia caretas, olhava para os colegas com um olhar tedioso. No entanto, no verbalizava e deixava-se sempre vontade. O momento arteteraputico um espao em que

    [...] esto se respeitando mais e se fazendo respeitar, esto se colocando mais no mundo e para o mundo. Impondo respeito, colocando limites, sem com isso ofender ou desrespeitar a famlia. Essa a beleza da Arteterapia. O processo vai se desenvolvendo com doura, com serenidade (FABIETTI, 2004, p. 67).

    Numa outra oficina, trabalhou-se com cantigas de roda, pois foi observado que o grupo interagia muito bem com esse tipo de msica. Os clientes cantavam, danavam e comentavam sobre algo que faziam quando criana. Iniciou-se com uma dana com a cantiga Caranguejo no peixe. Todos em circulo, danando como baio e fazendo os movimentos de bater palma, bater p e rodar no sentido horrio e anti-horrio na repetio da msica. Todos gostaram tanto que cantaram e repetiram vrias vezes.

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    Num outro momento muito rico em que o ldico atravs da dana possibilitou a mudana de atitude to difcil na terceira idade foi uma proposta em que usou-se a msica Abre a roda tin d l l. O cliente LI, com 70 anos, que era sempre muito sisudo, fechado, nunca falado sobre si mesmo, o que sentia. Sempre criticava os colegas, zombava dos outros, muitas vezes. Nunca tirava os sapatos, mas, nesse dia, ele justificou que no tinha coragem de tirar os sapatos, porque precisaria cal-los depois. Mostrou-se bem simptico, colaborador, se entregou ao momento da dana, sorriu, se requebrou, se soltou no ritmo da msica e parecia se divertir junto com os outros.

    7.2 O TOQUE: SENTINDO O OUTRO

    Quando o grupo parece tenso, agitado, recomenda-se iniciar com exerccios de aterramento e de respirao. Exerccios que inclui massagem no prprio corpo ou no corpo do colega utilizando bolinhas, vu, bambu ou outro recurso, incentivando os idosos a procurar os pontos tensos para massagear, levando-os a relaxar e prepar-los para uma outra atividade que requer maior concentrao. O toque sentido, principalmente pelas mos e esto envolvidas no movimento de dar e receber, enfim, de troca.

    Figura 4 Atividade ldica com uma cantiga de roda.

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    Ao trabalhar as mos apaziguamos nossa mente. No apenas a mente, mas o esprito tambm se aquieta... Elas so como antenas que captam e que transmitem energia. Cada parte do corpo est ligada ao todo e, ao massagear as mos, estamos massageando todo o corpo (ARCURI, 2006, p. 108).

    Como importante levar o idoso a refletir sobre os benefcios das suas mos. Admirar a beleza delas, apesar de estarem enrugadas, mal tratadas pelo tempo e pelas atividades dirias, duras. Elas so a imagens das experincias vividas; elas refletem a experincia de vida. Vrios clientes falavam que fazia muito tempo que no olhava as prprias mos e como elas estavam mal-tratadas, unhas mal- cuidadas. Isso demonstra o quanto o idoso descuida do cuidado com o prprio corpo. No valoriza a sua prpria casa que o corpo. Para fazer com que os idosos percebessem os seus corpos e que estes precisam de cuidado, fez-se uma oficina chamada de Dana dos toques. Colocou-se o chorinho Tico-tico no fub e a brincadeira era, em dupla, poderiam tocar o colega, parte por parte do corpo, iniciando com os dedos dos ps, a lateral do p, a perna, o ombro, o antebrao, os dedos e as mos. Depois trocava de lado. Assim, a dancinha foi muito divertida, todos participaram bem, sorriram bastante, foi muito animado mesmo e pediram para repetir. Nessa atividade ldica, ressaltou a postura, a coluna vertebral que segura o corpo, que o estrutura. De acordo com o hindusmo, a coluna ereta a ponte que leva o ser para o alto, sem se desligar do seu plano que est fixo no cho pelos ps. Segundo Arcuri (2006, p. 101), As atitudes, as posturas corporais sempre demonstram uma tentativa do corpo de se equilibrar, de compensar as faltas. Por exemplo, diante das adversidades da vida, manter-se com a coluna ereta pode nos trazer dignidade. comum ver os idosos curvados pelo peso das responsabilidades, das frustraes; por se sentir invlido e incompreensvel pela famlia. Devido a isso, durante as oficinas em que o ldico priorizado, nota-se uma mudana sensvel na postura dos idosos, pois, nesse momento, ele se desliga de seu mundo real para um lugar em que valorizado. Alm disso, h o toque de vrias partes do corpo.

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    A pele o nosso limite que se interpe ao mundo que nos cerca e tambm atravs dela que estamos ligados ao mundo. justamente a fronteira representada por nossa pele que nos denuncia. Atravs da pele nosso ser se manifesta. Qualquer distrbio, seja ele fsico ou emocional, exteriorizado pela pele, que mostra no apenas o estado interior e exterior dos nossos rgos, mas tambm nossos processos e nossas reaes psquicas (ARCURI, 2006, p. 72).

    Durante o trabalho com o toque nas atividades de aquecimento e de relaxamento, observou-se como importante desenvolver nos clientes idosos a percepo do prprio corpo, principalmente respeitando os seus limites.

    7.3 CAMINHANDO AO ENCONTRO DE SI MESMO

    Em outra oficina chamada de Caminhando com meus prprios ps, possibilitou aos clientes uma sensibilizao em que alongava os ps e com a msica Andar com f eu vou de Gilberto Gil em que houve passos em que se observava os ps,ao mesmo tempo, passeava-se numa dana circular de fora para dentro de um centro imaginrio. Depois contornariam os ps em um caminho feito com papel craft, colando, se desejasse, imagens ou desenhos. Os ps so nossa base, so eles que fixam a estrutura do homem, que apoiam no cho. O cliente LI se entregou ao processo arteteraputico de uma forma maravilhosa. Aps a dana, eles poderiam contornar os ps numa passarela feita de papel craft. Ele contornou seus ps como uma caminhada e disse que se tivesse mais papel continuaria desenhando. Depois colou calmamente e com uma enorme concentrao cada figura nos ps e na hora da verbalizao falou bastante sobre todas as suas imagens. Houve uma interao muito grande com a proposta e ele conseguiu dialogar consigo mesmo de uma forma muito profunda. Revelou como ele era de fato. Na foto abaixo mostra esse processo de construo:

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    Durante esse processo arteteraputico, o cliente LI deu a chance a si mesmo de se aprofundar no seu universo interior, trazendo o que lhe era de mais importante. A vivncia possibilitou ao cliente buscar suas origens, suas memrias. Segundo Arcuri (2006, p. 82), os ps trazem um registro de como fomos concebidos, desejados, planejados por nossos pais e tambm como foi nossa rvore genealgica, ou seja, de onde viemos, para onde iremos... Foi evidente que enquanto observava os prprios ps, danava num movimento de ir e vir, depois contornava-os em um papel, houve uma retomada de todos os seus passos na caminho da vida. O processo foi de lembrana, de buscar tudo aquilo que estava bem guardado em seu interior e falou sobre a esposa, filhos, trabalho, lazer, religio e como tinha chegado at aquele momento. Aconteceu a esse cliente, o que Allessandrini (1996, p.49) afirma:

    O agir por meio de uma experincia permanece como memria durante a atuao do idoso ( grifo meu) dentro do mundo, no mbito social. Do ponto de vista psicolgico, h o resgate do ser _ total e integrado em sua realidade de vida, criador e transformador, ativo e reflexivo _ com uma presena de carter prprio e consistente.

    Figura 5 Caminhando com meus prprios ps.

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    7.4 CRIANDO E IMAGINANDO

    A proposta de confeco de bonecos ldica, pois alm de j estar intrnseco o fato de imaginar, de criar um ser. O boneco algo que remete ao universo infantil. uma brincadeira de faz-de-conta. O boneco funciona como uma condio para o surgimento do jogo de papis, ou seja, substitui ou simboliza outros objetos. Enquanto na infncia a imaginao um fator que propicia o desenvolvimento infantil, na terceira idade um elemento ldico que traz prazer, mas em ambas as fases h, segundo Santos (2006, p. 52), A capacidade de fazer relaes mentais, imaginar, transcender o espao e o tempo presente, adentrar em outros espaos e tempos. Imaginar fazer da ausncia uma presena. Para o idoso, esse jogo simblico tambm uma improvisao de papis, em que h um dilogo entre a conscincia e o inconsciente. um dilogo com os personagens que povoam o inconsciente. Segundo Bernardo (2008, p. 55),

    A criao de personagens pode ser muito til e especialmente indicado nesses momentos pois facilitar o dilogo com os outros que nos habitam para que possamos nos dar conta de seu papel em nossas vidas, nos tornando um pouco mais responsveis por nossos comportamentos e atitudes.

    Nessa oficina criando e imaginando, houve uma dana em que todos eram convidados a ficar na frente do colega e tocar as partes do corpo um do outro, ao som do chorinho tico-tico no fub. Em dupla, cada um tinha que tocar o colega com os dedos, a lateral do p, a perna, o ombro, o ante-brao, os dedos e as mos. Depois se trocava de lado. A dancinha foi muito divertida, pois a msica tinha um ritmo agitado e animado, por isso, todos participaram de forma bem espontnea. Todos os clientes sorriram bastante e quiseram repetir. Nesse momento da atividade ldica, os clientes tiveram a oportunidade de interagir com o colega, assim como, trocar energias positivas entre eles, percebendo o outro como um ser que precisa de ateno e carinho Aps isso, os clientes foram convidados a confeccionar um boneco, dar um nome e caracteriz-lo. J nesse momento, os clientes tiveram a

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    oportunidade de desenvolver a criatividade, alm de externar contedos internos significativos. Pode-se observar o momento do toque na foto abaixo:

    Aps a confeco dos bonecos, sugeriu-se que os clientes olhassem, os apresentassem para o grupo, se desejassem e falassem o nome, idade, os gostos, o que fazia e outras caractersticas que quisessem. O cliente DA (68 anos) apresentou dois bonecos gmeos que se chamavam Joo e Jos, que tinham dez anos, que gostavam de festas e mulheres e danavam tango. A cliente AL (65 anos) disse que sua boneca era danarina, com 44 anos, bem mais nova que ela. O nome era Maria Bonita e estava se preparando para danar o pastoril. Pode-se observar que quando criana, o homem levado pelo meio em que vive a mudar inconscientemente ou no certas caractersticas inerentes ao seu prprio ser. Essas caractersticas no deixam de existir, apenas passam para outro campo que do inconsciente. o caso do cliente DA que, durante a sua fala, demonstrou vrias caractersticas dele mesmo. Passa-se boa parte da infncia alimentando o inconsciente, pois, muitas situaes frustrantes que acontecem so transformadas nos complexos. Essa reao acontece, porque projeta-se o que h na sombra para outra pessoa. Como foi o caso da cliente PE que no gostou do seu boneco e disse que era um Judas e no quis falar nada. Segurava o boneco com desprezo e a expresso do rosto era

    Figura 6 Atividade ldica: tocando a si mesmo e ao outro.

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    de aborrecimento. A sombra tudo aquilo que o ego rejeita. aquilo que no faz bem. Pode ser considerado como o lado negativo da pessoa. Enquanto a persona a pessoa socialmente aceita, a sombra a aquela que inconscientemente se quer esconder. Na sombra esto todas as coisas escondidas. Joga-se na sombra tudo aquilo que no pode desenvolver, mas que pertence ao ser, por exemplo: as frustraes, traumas, decepes, etc. V-se isso tambm no cliente LI que fez um esqueleto com mais de quarenta anos, era velho, doente das pernas. Disse: no vou dar nome pra isso, se referindo ao boneco. Portanto, num processo de autoconhecimento promovido por uma atividade ldica de criao de bonecos ou de personagens, facilita o olhar para dentro de si mesmo e projetar para o objeto aquelas caractersticas que no se percebe em si mesmo. O ser humano tem a tendncia de projetar no outro as suas prprias mazelas. Aquilo que no suporta em si mesmo e no consegue enxergar no nvel da conscincia.

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    8 CONSIDERAES FINAIS

    Ficou muito claro como as oficinas criativas ajudaram todos os clientes desse grupo a se expressar melhor, em diversas formas do fazer artstico. Tambm observou-se como eles reconheceram como foi importante essa experincia na vida de cada um. Dessa forma, houve um progresso no desenvolvimento da criatividade e eles perceberam como eram criativos e que eram capazes de produzir algo significativo, mesmo com todas as dificuldades. Segundo Zinker (2007, p. 20),

    O processo criativo teraputico, porque nos permite expressar o contedo e as dimenses de nossa vida interior. A vida tem a medida da plenitude que nos possibilitada pela variedade de veculos que encontramos para concretizar, simbolizar e expressar de inmeras maneiras todas as nossas experincias.

    O ldico, como um elemento motivador na arteterapia com idosos, trouxe muitos benefcios como se percebe durante todo o trabalho. Foi visvel, como o ldico possibilitou a descontrao, a descoberta do corpo, que este podia se movimentar, se alongar mesmo com tantas limitaes. As danas circulares tambm promoveram o riso, a melhora da auto-estima, da busca pelo que dar prazer. A dana traz essa perspectiva de ir alm dos limites, de sempre querer se movimentar mais, por isso, tantas vezes os clientes desejavam que se repetisse os passos da dana. bom observar idosos, que vivem em situao to difcil, dizer que acharam paz, alegria, unio, perseverana, amor, felicidade, luz, nimo, passatempo, satisfao, etc. Essas so algumas palavras ditas pelos clientes idosos no momento de encerramento das oficinas criativas. Segundo Zinker (2007, p. 178),

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    No se pode dizer que existe um grupo s porque pessoas foram colocadas juntas em algum lugar. Todo grupo um sistema nico com um carter prprio e especial e uma noo peculiar da prpria fora; um conglomerado de energias emanadas por seus membros individuais, inter-relacionadas num padro sistemtico. um todo, uma entidade, uma gestalt cuja natureza maior do que a soma de suas partes.

    Ficou evidente durante o processo arteteraputico que os clientes perceberam que aquele era um lugar de crescimento e que podiam ser criativas juntas e compartilhar suas dores, fraquezas, tristezas, mas tambm alegrias, superao e perspectiva de algo melhor. Perceberam que podiam brincar, ser eles mesmos, sem correr o risco de serem julgados, discriminados ou mesmo ignorados. Houve, nesse processo arteteraputico, uma quebra de paradigmas em que o idoso deve ficar em casa, sofrendo com a solido, ficando com os netos enquanto os pais trabalham ou se divertem. Eles perceberam que na terceira idade pode-se danar, jogar, brincar como uma criana se isso lhe dar prazer. Que eles podem aceitar os limites prprios da idade, que so relativos, mas no devem aceitar os que so impostos pela sociedade e devem almejar uma melhor qualidade de vida. E a Arteterapia, que tem o ldico atrelado a sua prtica, um caminho que propicia um novo olhar para a vida.

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    REFERNCIAS

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