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Apresenta-se neste artigo dados bibliográficos de pesquisas de campo que caracterizam particularidades e generalidades sobre as antigas aldeias guarani dos vales dos Rios Paranapanema e Paraná. Esses dados, quando possível, foram correlacionados com documentos etno-históricos e etnográficos, os quais ofereceram um corpusbibliográfico de interesse para a interpretação do registro arqueológico. O estudo de caso complementar do Sítio Célia Maria contribuiu parao entendimento das características de aldeias guarani dispostas mais distantes dos grandes vales.
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DAVID LUGLI TURTERA PEREIRA, NEIDE BARROCA FACCIO
70 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
APONTAMENTOS SOBRE AS ALDEIAS GUARANI PR-COLONIAIS DOS VALES DOS RIOS PARAN - PARANAPANEMA
NOTES ON THE PRE-COLONIAL GUARANI VILLAGES OF THE PARAN - PARANAPANEMA
RIVER BASIN
David Lugli Turtera Pereira Neide Barroc Faccio
Vol. XII | n23 | 2015 | ISSN 2316 8412
APONTAMENTOS SOBRE AS ALDEIAS GUARANI PR-COLONIAIS DOS VALES DOS RIOS PARAN - PARANAPANEMA
71 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
Apontamentos sobre as aldeias guarani pr-coloniais dos vales dos rios Paran - Paranapanema1
David Lugli Turtera Pereira2 Neide Barroca Faccio3
Resumo: Apresenta-se neste artigo dados bibliogrficos de pesquisas de campo que caracterizam particularidades e generalidades sobre as antigas aldeias guarani dos vales dos Rios Paranapanema e Paran. Esses dados, quando possvel, foram correlacionados com documentos etno-histricos e etnogrficos, os quais ofereceram um corpus bibliogrfico de interesse para a interpretao do registro arqueolgico. O estudo de caso complementar do Stio Clia Maria contribuiu para o entendimento das caractersticas de aldeias guarani dispostas mais distantes dos grandes vales. Palavras-chave: Aldeias Guarani, Stio Clia Maria, vales dos rios Paranapanema e Paran.
Abstract: This paper aims to collect bibliographic data and conduct field research that characterize particularities and generalities about the old villages of Guarani of Paranapanema and Paran valleys rivers. These data, when possible, were correlated with ethnohistory and ethnographic documents, which offered a bibliographic corpus of interest for the interpretation of the archaeological record. The additional case study Clia Maria Site helped to better understand the features of Guarani villages arranged the distance of the great valleys. Keywords: Villages of Guarani, Clia Maria Site, Paranapanema and Paran valleys rivers.
INTRODUO
Buscamos, neste texto, apontar possveis interpretaes acerca das manchas de terra preta4
registradas em documentos arqueolgicos levantados em pesquisas de stios guarani, na regio do Vale do
Rio Paranapanema (ProjPar5) e do Alto Paran. Documentos que reportam aos guarani, historicamente
conhecidos na regio, e pesquisas etnogrficas foram utilizados como dados de interesse para a
comparao e interpretao do registro arqueolgico.
1 Agradecimentos Prof. Dr. Neide Barroc Faccio, por abrir as portas do LAG (Laboratrio de Arqueologia Guarani) da FCT-
UNESP, bem como pelas preciosas orientaes durante os trabalhos de campo e laboratrio no Stio Arqueolgico Clia Maria, que frutificaram em minha dissertao de mestrado, e a todos os membros do LAG que, por meio das etapas de resgate, anlise do material arqueolgico e discusses de textos, tornaram possvel a execuo da dissertao mencionada. O presente artigo faz aluso ao captulo seis de minha dissertao de mestrado, Arqueologia Guarani na Bacia do Rio Santo Anastcio, SP: Estudo do Stio Clia Maria, que teve como orientador o Prof. Dr. Jos Luiz de Morais e contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), por meio de uma bolsa de mestrado. 2 Doutorando em Arqueologia MAE-USP. Bolsista CAPES. Email: [email protected].
3 Livre-Docente em Arqueologia MAE-USP. Email: [email protected].
4 Termo substitudo por Morais (1999) por ncleo de solo antropognico.
5 Projeto Paranapanema
DAVID LUGLI TURTERA PEREIRA, NEIDE BARROCA FACCIO
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Nesse caminho interpretativo, as pesquisas realizadas em campo e em laboratrio na rea do Stio
Clia Maria, s margens do Crrego Itapiranga, situado na Bacia do Rio Santo Anastcio, Municpio de
Marab Paulista, SP, colocaram em evidncia uma antiga aldeia de dimenso menor, se comparada s
descritas no Vale do Paranapanema (FACCIO, 1992, 1998, 2011; MORAIS, 1999, 1999-2000; PALLESTRINI,
1975, 1984, 1988) e no Alto Paran (KASHIMOTO, 1992, 1997; KASHIMOTO, MARTINS, 2008, 2009).
O trabalho apresentado contribui para o entendimento do sistema regional de ocupao guarani6
no Vale do Alto Paran/Paranapanema, como material complementar queles j desenvolvidos para essa
regio.
DAS TAPYIGUASSUGUARANI (Cabana Grande Guarani)
A ocupao indgena guarani na regio da bacia do Paran e do Paranapanema abrange uma
histria de grande amplitude cronolgica, que compreende uma faixa temporal iniciada em torno do sculo
IV (Stio Ragil)7 at o sculo XIX, quando ocorreram a colonizao do Oeste Paulista e a destruio paulatina
das matas tropicais e regies de cerrado, assim como a eliminao brutal das sociedades indgenas
(SAMPAIO, 1890; MORAIS, 1999-2000). No entanto, o processo de colonizao regional no aconteceu
apenas no sculo XIX, uma vez que se iniciara nos aldeamentos jesutas, no perodo de 1613 (aldeamento
Arara), e nas investidas dos bandeirantes nessa regio, ainda no sculo XVII (FACCIO, 2011).
Inspirando-nos no conceito de sistema regional guarani (MORAIS, 1999-2000), foram
correlacionados dados arqueolgicos colhidos desde as pesquisas pioneiras de Luciana Pallestrini (1975) s
informaes etnogrficas e etno-histricas, como as relativas tapy iguassu (SCHADEN, 1974), ou cabana
grande guarani, e sua composio espacial dentro da aldeia. Essas possveis correlaes esto embasadas
no fato de que o registro arqueolgico demonstra sua situao etnogrfica (MORAIS, 1999-2000).
Buscou-se, assim, correlacionar os dados arqueolgicos com os etnogrficos relativo s aldeias,
aguados, sobretudo, pelas observaes arqueolgicas de Morais (1999-2000) e Pallestrini (1975) e
etnogrficas de Schaden (1963, 1974). Descrevendo a forma como os guarani dispunham suas moradias,
Schaden (1974, p. 33) relata:
No seio da mata, as suas aldeias, longe de constiturem conglomerados compactos de
habitaes, consistem em casas isoladas, mais ou menos distantes umas das outras,
6 Coordenao entre os stios ou conjuntos de stios cartografados em certa regio, que demonstram relaes concomitantes por
contemporaneidade, similaridade ou complementaridade (MORAIS, 1999-2000, p. 207). 7 Com base em dataes por termoluminescncia apresentadas nos trabalhos de Faccio (2011).
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espalhando-se pelas clareiras abertas na floresta [...] No possvel determinar um centro da
aldeia, a no ser que se considere como tal a habitao do nander, mdico--feiticeiro, ou o
oguats, casa de festas religiosas. A construo em que se realizam as cerimnias ponto
de convergncia das atividades sociais e religiosas do grupo, de modo que as aldeias maiores,
em que haja dois ou mais chefes religiosos, tendem a decompor-se em outros tantos ncleos
bastante independentes, cada qual com sua vida prpria. Na maioria dos casos, essas
unidades sociais constituem parentelas sob a direo de um chefe de famlia-grande.
A descrio etnogrfica elaborada por Schaden (1974) assemelha-se as caractersticas do registro
arqueolgico descritas nas escavaes realizadas no Paranapanema (MORAIS, 1999-2000; PALLESTRINI,
1975; PALLESTRINI, MORAIS, 1983-84). Nos estudos de Pallestrini (1975), verificamos que cada um dos
stios arqueolgicos Fonseca, Jango Luiz, Alves e Almeida possui, em mdia, oito ncleos de solos
antropognicos, que foram interpretados pela autora como remanescentes das antigas habitaes.
Estes stios apresentaram permetro de 200 m x 200 m e ncleos de solo antropognico em um
eixo mximo de 10 m a 20 m (PALLESTRINI, 1975). A disposio de cada ncleo antropognico, em relao
configurao do stio, no assumia nenhum padro de organizao territorial; em cada stio analisado e
escavado pela autora, os ncleos se encontravam em arranjo sempre diferente, embora as estruturas
bsicas que compunham um stio residencial fossem sempre semelhantes (Ibidem, 1975).
Sobre as tapy iguassu dos guarani histricos, sabe-se que albergavam a famlia-grande, espaosa
o suficiente para abrigar vrias dezenas de pessoas. A casa Kayow, nome dado a uma parcialidade guarani
identificada por Schaden (1974), satisfazia uma srie de requisitos da organizao social e religiosa,
constituindo abrigo ideal para o conjunto de famlias nucleares que, congregadas sob a gide de um chefe
nico, formavam uma clula econmica, religiosa e poltica (SCHADEN, 1974).
A dinmica de uma residncia guarani histrica tambm pode ser apreciada por meio das
descries de Telmaco Borba (1908) sobre a parcialidade Caygus que, para Schaden (1974), seriam os
Mbys guarani, instalados no municpio de Tibagi, no Paran. De acordo com os seus relatos, as casas
abrigavam um nmero grande de habitantes, e cada famlia nuclear, ou casal nela instalada, possua seu
fogo para cozinhar. Fato tpico do modo de vida dos guarani conhecidos historicamente, constitudo por
famlias extensas, compostas por dezenas de famlias nucleares, habitando a mesma casa grande (BORBA,
1908).
Algumas situaes registradas no trabalho etnogrfico e documentos histricos assemelham-se s
caractersticas do registro arqueolgico. Pallestrini (1975), analisando o Stio Arqueolgico Fonseca,
interpreta que os ncleos de solo antropognico corresponderiam s antigas cabanas, em nmero de oito,
distribudas pelo pice da colina e representariam a configurao espacial da aldeia pr-colonial de 1.000
DAVID LUGLI TURTERA PEREIRA, NEIDE BARROCA FACCIO
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anos. A autora documentou os vestgios de fogueiras internas aos ncleos, como acmulo de cinzas, carvo
e terra queimada, com cermica e indstria ltica em seu interior. Interpretou-as como instrumento de
atividades cotidianas, como cozimentos rpidos, e salientou que, dentro das habitaes, havia fogueiras de
dimenses variveis e em lugares diversos. A disposio dessas antigas fogueiras pode, eventualmente,
estar relacionada descrio apresentada por Borba (1908) sobre o arranjo das famlias nucleares no
interior das tapy iguassu.
A tcnica de construo habitacional dos guarani foi amplamente discutida por Noelli (1993).
Segundo o autor, quando analisada a planta baixa de habitao guarani temos a forma alongada
elipsoidal e alongada retangular com extremidades arredondadas (NOELLI, 1993, p. 82). Todo material
utilizado na construo das casas tinha origem vegetal e, por isso, elas no duravam muito tempo, sendo
necessrio, ao grupo, fazer reparos espordicos ou pequenos deslocamentos para construrem novas
habitaes (NOELLI, 1993). Para o autor, o perodo mximo de ocupao dessas casas era de seis anos.
Quando desocupadas, o material orgnico se decompunha, deixando como resduo o carbono puro,
enegrecido, originando o que Pallestrini (1975) chamou de manchas de solo enegrecido, ou remanescentes
de habitaes que constituam a antiga aldeia pr-colonial.
Essas manchas de terra preta, assim denominadas pela pesquisadora, apresentaram-se como
locais de grande densidade de material arqueolgico se comparadas s reas externas. No contexto
arqueolgico, as "manchas de terra preta" caracterizam-se por serem ovaladas e conterem camadas de
depsito cultural8, sempre em terra preta, alcanando uma espessura de, no mximo, 40 cm sobre o solo
bsico (Ibidem, 1975).
As manchas pretas (PALLESTRINI, 1975), ou ncleos de solo antropognico (MORAIS, 1999-2000),
cujo tamanho e caractersticas de suas estruturas internas se assemelham ao de uma tapy iguassu
(SCHADEN, 1974), foram considerados neste trabalho como habitao. No entanto, aqueles que
apresentaram tamanho muito reduzido para uma habitao e pouca frequncia de material arqueolgico
devem ser ponderados no sentido de, provavelmente, possurem uma funo diferente daquela de
moradia (NOELLI, 1993).
Por meio do exame das aldeias pr-coloniais estudadas no Paranapanema (PALLESTRINI, 1975),
buscou-se identificar os ncleos de solo antropognico que pudessem ter tal funcionalidade distinta. Na
aldeia do Stio Jango Luiz, alm dos ncleos antropognicos que remetem inegavelmente s antigas
habitaes, verificam-se tambm outros que sugerem funo diversa, dada a sua dimenso inferior em
relao s reas de moradia. Nesse stio, pelo menos dois dos dez ncleos encontrados sugerem tratar-se
8 O depsito geralmente considerado como uma unidade analtica apropriada para identificar processos de formao. Um
depsito como uma poro tridimensional de um stio que se distingui de depsitos adjacentes com base nas diferenas observveis nos sedimentos e/ou artefatos (SCHIFFER, 2010).
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de estruturas anexas s casas, as quais, embora com funes distintas, compem o espao e a organizao
da aldeia. Tal ideia corroborada pela dimenso desses dois ncleos que, com dimetro em torno de cinco
metros, revelam-se espao incompatvel para abrigar uma casa (MILHEIRA, 2010). Essas reas seriam
utilizadas, portanto, para "trabalhos executados em locais externos aos das moradias, como processar
alimentos, cozinhar, depositar gneros, instalar o tipiti, produzir objetos diversos, ou at para o lazer, entre
outras atividades" (NOELLI, 1993, p. 100).
DISTRIBUIO E VARIABILIDADE ESPACIAL DAS ALDEIAS GUARANI
As aldeias guarani pr-coloniais situadas no Baixo Vale do Paranapanema e Alto Paran situam-se
em antigas reas de floresta tropical, predominantemente na proximidade de grandes rios ou tributrios,
instaladas em terraos e vertentes com ampla viso paisagstica, o que constitui estratgia especfica de
moradia, junto a fontes de recursos naturais como os afloramentos lticos e barreiros (MORAIS, 1999).
As aldeias guarani pr-coloniais de Iep (FACCIO, 2011), Baixo Vale do Paranapanema, distam em
torno de um quilmetro umas das outras, formando um grande adensamento distribudo na paisagem dos
terraos marginais, na conformidade do padro de ocupao guarani que se reproduziu por vrios sculos.
As aldeias guarani do antigo Guar de Guair (KASHIMOTO, MARTINS, 2009) parecem reproduzir, no Alto
Paran, o mesmo modelo de distribuio.
Fontes documentais produzidas no sculo XVII como o relato do Padre Jesuta Montoya
(MANUSCRITO GUARANI, 1879) trazem alguns subsdios que podem ajudar na interpretao do
adensamento das antigas aldeias guarani. Narra Montoya que os padres seguiram at o Rio Paranapanema,
chegando, aps dias de viagem, ao brao do Rio Pirap, onde, tendo encontrado pequena povoao com
200 pessoas, fundaram a Igreja Nossa Senhora de Loreto. Nas vizinhanas, registraram 26 arraiais
pequenos, considerados como aldeias, e outros tantos um pouco maiores (Ibidem, 1879).
Soares (1997), com base em exame bibliogrfico etno-histrico sobre os guarani, sustenta a tese
de que a formao da aldeia guarani por uma ou mais famlias extensas acontecia pelo agrupamento de
pessoas ligadas por laos sanguneos ou afinidade, que demonstrassem parentesco e estivessem em torno
de uma pessoa de prestgio ou chefe da casa. Nesse aspecto, a chefia teria importncia fundamental para
manter agregados seus parentes, determinando as regras da residncia.
A famlia extensa, tratada por Soares (1997) como kindred (sentimento de pertena ou unidade
social), poderia ter tamanhos diversos dependendo do prestgio pessoal do lder poltico e/ou religioso que
habitava a casa grande. Assim, acredita-se que tanto a morfologia da aldeia quanto o tamanho de suas
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habitaes estavam ligados ao conceito de kindred e ao prestgio do chefe. Essa hiptese de trabalho
tambm se sustenta nos manuscritos do Padre Montoya do sculo XVII, nos quais pontua o poder dos
chefes de aldeia que, "com sua fala bonita, juntavam as pessoas, tornando-as suas vassalas, para que lhes
preparassem sua roa e sua casa" (MANUSCRITO GUARANI, 1879, p.107), e acrescenta, se o principal
desejar suas filhas o pai lhes d, relatam-se chefes com 15, 20 e outros, 30 mulheres (Ibidem, 1879, p.
107).
As plantas dos stios arqueolgicos descritos nas pesquisas da bacia do Rio Paranapanema
(PALLESTRINI, 1975) e Paran (CABRERA, 2009; PALLESTRINI, 1984; PEREIRA, 2011), registram variaes na
morfologia dos assentamentos guarani, que apresentaram permetro de 100 x 50 metros (Stio Nunes) a
400 x 200 metros (Stio Prassvichus), assim como no nmero de manchas pretas identificadas, com o
mnimo de trs (Stio Clia Maria e Nunes) e o mximo de 17 (Stio Lagoa So Paulo 02).
Os stios arqueolgicos que apresentaram as maiores reas9 foram o Prassvichus (Alto-Mdio
Paranapanema), com 80.000 m2, o Stio Lagoa So Paulo (Alto Paran), com 50.000 m2, e o Stio Fonseca
(Alto-Mdio Paranapanema), com 47.500 m2 (Figura 1), contendo, em seus domnios, nove, treze e oito
ncleos de solo antropognico, respectivamente (PALLESTRINI, 1975; PALLESTRINI, 1984). Os stios do Baixo
Paranapanema localizados em rea de depleo no puderam ser mapeados em sua totalidade, mas,
provavelmente, devem ter atingido dimenses e quantidades de ncleos antropognicos semelhantes s
citadas em relao ao Alto-Mdio Paranapanema e Alto Paran (FACCIO, 2011).
9 As reas dos stios arqueolgicos foram delimitadas com base nas concentraes e disperses de objetos arqueolgicos, ncleos
de solo antropognico, estruturas de combusto e estruturas funerrias.
APONTAMENTOS SOBRE AS ALDEIAS GUARANI PR-COLONIAIS DOS VALES DOS RIOS PARAN - PARANAPANEMA
77 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
Figura 1: rea do Stio Arqueolgico Fonseca.
Outros stios de rea menor foram evidenciados em contexto regional, como o Alves e o Almeida
(Alto-Mdio Paranapanema) os quais apresentaram, respectivamente, reas de 16.900 m2 e 10.800 m2,
possuindo, em seus domnios, sete e nove manchas pretas. O Stio Nunes, localizado no Alto-Mdio
Paranapanema (Figura 2), e o Clia Maria (Alto Paran) apresentaram em seus domnios espaciais apenas
trs ncleos de solo antropognico, o menor nmero de manchas por stio habitao conhecido na regio
(FACCIO, 2011).
DAVID LUGLI TURTERA PEREIRA, NEIDE BARROCA FACCIO
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Figura 2: rea do Stio Arqueolgico Nunes.
Stios de pequeno porte10, com pouca densidade de material arqueolgico, foram registrados por
Faccio (1998) e podem estar associados a reas de acampamento sazonal ou de atividades de roa. Essas
duas reas junto aldeia faziam parte de um sistema de explorao ecolgica, tipicamente guarani,
assegurando em seu territrio (teko) seu domnio de influncia poltico-espacial e o melhor
aproveitamento dos recursos naturais (NOELLI, 1993).
O tamanho dos ncleos de solo antropognico dentro dos stios arqueolgicos tambm variou. No
Stio Alves (Figura 3), trabalhado por Pallestrini (1975), foram observados sete ncleos de solo
antropognico de diferentes tamanhos, alguns, at trs vezes maiores que os demais, tendo um dos
ncleos apresentados dimetro de quase 30 metros. A variao da dimenso da aldeia e das habitaes
guarani pode estar atrelada prpria constituio espacial de uma famlia extensa e ao prestgio dos chefes
familiares (SOARES, 1997).
10
rea menor, com baixa densidade de material arqueolgico. Geralmente, so considerados como locais de atividades especiais ou acampamentos (FACCIO, 2011; NOELLI, 1993; MILHEIRA, 2010).
APONTAMENTOS SOBRE AS ALDEIAS GUARANI PR-COLONIAIS DOS VALES DOS RIOS PARAN - PARANAPANEMA
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Figura 3: rea do Stio Arqueolgico Alves.
A variabilidade da configurao espacial dos ncleos antropognicos dentro dos stios sugere,
diante os documentos etnogrficos, certo individualismo entre as famlias ou parcialidades guarani que
compem uma aldeia. Isso porque o primeiro nvel de organizao social guarani a casa comunal, que
constitui a clula econmica e religiosa de vida. A aldeia, em contrapartida, caracterizava-se por uma
flexibilidade organizacional, que poderia dividir ou integrar o corpo social, associada a um complexo de
relaes individualizadas entre cada casa de famlia extensa (VIVEIROS DE CASTRO, 1986). Viveiros de
Castro (1986) considera que o individualismo que marca a formao social desses grupos um produto
agregado de relaes individualmente negociadas que, a nosso ver, o motor do desmembramento e da
aglomerao de aldeias.
Esse complexo sistema social no s resultaria em uma configurao alde muito plstica e
fludica, como o fracionamento de uma aldeia poderia tambm implicar a fundao de outro agrupamento
prximo, colaborando com o adensamento guarani (NOELLI, 1993; VIVEIROS DE CASTRO, 1986). O registro
DAVID LUGLI TURTERA PEREIRA, NEIDE BARROCA FACCIO
80 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
arqueolgico materializa essa plasticidade na organizao socioespacial de suas aldeias, cuja falta de
padro parece caracterizar os conjuntos habitacionais cartografados: o Stio Fonseca forma um semicrculo
de manchas espaadas, com a parte aberta da circunferncia voltada ao eixo leste; o Stio Jango Luiz parece
formar pequenos agrupamentos em trio, concentrados em uma poro do stio; o Stio Lagoa So Paulo 2
forma uma circunferncia completa, com as manchas pretas bem espalhadas pelo terreno; tanto no Jango
Luiz quanto no Prassvichus, foi notada a presena de trs manchas enfileiradas, formando uma
configurao alongada (PALLESTRINI, 1975; CABRERA, 2009).
A configurao das habitaes variou de caso a caso. Em alguns stios, elas se encontram
dispersas e, em outros, as manchas concentram-se em um permetro do assentamento. No entanto, parte
de todos os stios analisados formam uma espcie de semicrculo, ou formato de U (ferradura), com a
parte aberta apontada para o leste. Essa caracterstica espacial semelhante aos relatos etnogrficos que
apontam os guarani configurando suas casas, a partir do eixo solar leste para oeste, com a praa situada na
extremidade leste, e a casa na extremidade oeste. Assim, pela manh, a opy (casa de preces guarani) era
irradiada pelo sol nascente (CLASTRES, 1978).
Outra caracterstica que tem fortes implicaes na configurao das antigas habitaes o
movimento de reocupao traduzido na expanso e contrao das aldeias indgenas. Esse processo
demonstra que a disposio das habitaes est, em alguns casos, em lenta e contnua movimentao,
gerando mudanas considerveis no registro arqueolgico que incorpora esses movimentos, misturando-se
evidncias materiais de tempos diferenciados (MOI, 2007; MORALES, 2007; SCHIFFER, 2010). O resultado
desse processo sistmico o "superdimensionamento de rea e populao de um stio, mascarando os
padres de organizao espacial e de utilizao interna dos assentamentos" (MORALES, 2007, p. 85). Assim,
em certas circunstncias pode ocorrer um adensamento de vestgios arqueolgicos uniforme em alguns
locais e aleatrio em outros, refletindo em dois conjuntos de processos de formao distintos em relao
ao tempo e ao processo de expanso ou contrao da aldeia (CARR, 1984). Aldeias pr-coloniais de grandes
dimenses, apresentando numerosos ncleos antropognicos de tamanhos diferenciados e com
distribuio espacial variada podem ter sido produto de diversas ocupaes cronologicamente distintas.
Ainda no foram realizados, no mbito regional da Bacia do Paran e Paranapanema, estudos
comparativos entre os diversos ncleos antropognicos que compem um stio guarani, sobretudo, com
base em dataes absolutas especficas para cada nucleao. Anlises nessa linha viabilizariam uma melhor
compreenso quanto aos movimentos de ocupao, abandono e reocupao, esboando um primeiro
estudo diacrnico que trate da configurao das aldeias pr-coloniais guarani.
APONTAMENTOS SOBRE AS ALDEIAS GUARANI PR-COLONIAIS DOS VALES DOS RIOS PARAN - PARANAPANEMA
81 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
ESTUDO DE CASO: O STIO ARQUEOLGICO CLIA MARIA
No contexto da bacia do alto Rio Paran, margem paulista, foram prospectados trs ncleos de
solo antropognico, na rea do Stio Clia Maria dos quais um foi decapado subsuperficialmente, como
apresentado no Mapa 1.
Mapa 1: Pontos de coleta de superfcie e aragens localizados no Stio Clia Maria, Marab Paulista, SP.
Os vestgios arqueolgicos evidenciados forneceram dados importantes a respeito da organizao
socioespacial deste stio. Nos trs ncleos de solo antropognico, denominados A, B e C, foi observada
variabilidade em suas dimenses e na densidade de material. O ncleo A, com dimenso de 16 x 8 metros,
apresentou grande quantidade de fragmentos cermicos, sobretudo do tipo com tratamento de superfcie
liso e pintado, fragmento de tembet em quartzo, seixos, fragmentos de rocha bruta e estrutura de
combusto (composta por fragmentos de carvo e terra queimada). Os ncleos B e C, por sua vez, com
dimenses de 10 x 8 metros e de 5 x 4,5 metros, respectivamente, apresentaram concentrao e
frequncia de fragmentos cermicos bem menores, sem vestgios de atividades de combusto.
DAVID LUGLI TURTERA PEREIRA, NEIDE BARROCA FACCIO
82 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
Segundo os levantamentos arqueolgicos associados s pesquisas bibliogrficas que tratam das
fontes etno-histricas e etnogrficas guarani, infere-se que o ncleo A apresentou a configurao de uma
tapy iguassu, abrigando uma provvel famlia extensa guarani (BORBA, 1908; MORAIS, 1999-2000;
SCHADEN, 1974).
Na Figura 4, observamos o setor de escavao A no contexto do ncleo antropognico A, com
cinco reconstituies grficas da forma das vasilhas a partir de fragmentos de bordas, sugerindo formas e
funes aos recipientes, um fragmento de tembet e uma estrutura de combusto que apresentou carvo
e terra queimada em seu interior. Foram evidenciadas, nesse setor, quatro panelas de tamanhos diferentes
que, se associadas estrutura de combusto, formariam, nesse conjunto espacial, vestgios de atividades
de preparo e consumo de alimentos.
No setor A, foi identificada ainda uma possvel cambuchi caguab11, com dimetro de boca de 26
cm, com bordas diretas em possvel formato de cuia. Essa antiga tigela, por apresentar pintura, pode ter
sido usada em ocasies especiais. Considera-se que, por seu tamanho, o uso que se fez desse recipiente
estaria associado ao consumo coletivo de bebida ou comida, pelos membros de um pequeno grupo
(BROCHADO, MONTICELLI, 1994).
A estrutura de combusto indicaria, segundo relato etno-histrico de Borba (1908), o nmero de
famlias nucleares de uma casa. No Ncleo A, apenas uma estrutura de combusto com concentrao
bastante acentuada de carvo foi decapada, em contexto amplamente perturbado pela ao do arado e de
outros maquinrios agrcolas. Outros fragmentos dispersos de carvo foram igualmente prospectados em
outras quadrculas, sem que pudesse atribuir a esses vestgios, com o mnimo de certeza, sua composio
numa possvel estrutura de combusto.
O fragmento de tembet foi o nico material confeccionado sobre rocha, encontrado na rea do
Stio Clia Maria. Feito sobre quartzo, esse adorno era costumeiramente utilizado no lbio inferior dos
homens. Alm da funo decorativa, era tambm um objeto especial por estar associado a ritos de
passagem ou de iniciao dos jovens para a fase adulta (BORBA, 1908; BORGES, 2002).
Na Figura 5, foi analisado o setor B, com oito reconstituies grficas de fragmentos de bordas.
Foram reconstitudas, nesse setor, trs panelas, duas tigelas pintadas e trs tigelas simples. As peas, que
apresentaram dimenses de 28 e 34 cm de dimetro de boca, devem ter sido utilizadas de forma comunal.
Seria nesses espaos, dentro da residncia, que a famlia nuclear se alimentava em conjunto, reforando
seus laos afetivos e a reciprocidade com a famlia extensa (NOELLI, 1993; SOARES, 1997).
11
Tigela para beber (BROCHADO, MONTICELLI, 1994).
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Figura 4: Decapagem do ncleo de solo antropognico A Setor A. Stio Arqueolgico Clia Maria, Marab Paulista,
SP.
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84 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
Figura 5: Decapagem do ncleo de solo antropognico A Setor B. Stio Arqueolgico Clia Maria, Marab Paulista,
SP.
Para os demais ncleos, duas sugestes podem ser apresentadas: 1- seriam nucleaes menores,
onde viviam de quatro a cinco pessoas (SOARES, 1997); 2- como estruturas anexas, formavam locais
multifuncionais dentro da aldeia (NOELLI, 1993).
Por meio do clculo de densidade demogrfica dos fragmentos cermicos (Dd=Pa/A)12 de cada
ncleo, pde-se fazer uma anlise comparativa entre eles. O ncleo A, classificado como habitacional,
apresentou densidade demogrfica de 11,18 fragmentos de cermica por m2, enquanto para o ncleo B a
densidade foi de 0,33 fragmentos de cermica por m2, e de 0,22 fragmentos de cermica por m2, para o C.
Pode-se inferir que as atividades ou usos do assentamento estavam concentrados no Ncleo A, o qual,
alm de possuir maiores dimenses, tambm apresentou frequncia de material muito superior dos
demais ncleos de solos antropognicos.
12
Dd = Densidade demogrfica; Pa = Populao absoluta; A = rea.
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85 Cadernos do LEPAARQ Vol. XII | n23 | 2015
Registra-se, tambm, que muitos fragmentos cermicos foram recuperados em reas externas,
fora do ncleo antropognico, mas, muitas vezes, adjacentes a ele. A partir dessa breve explanao, uma
pergunta deve ser levantada: 1- que processos do sistema comportamental pretrito atuaram no sistema
de descarte de material arqueolgico no Stio Clia Maria?
Acredita-se que a maior parte dos objetos arqueolgicos (principalmente os fragmentos de
cermica) tenha sido abandonado em seu local de uso, e no removidos ou transportados para outros
locais. Essa afirmativa explicaria a alta concentrao de fragmentos de cermica na rea do ncleo A,
provvel ncleo de habitao, sobretudo os fragmentos localizados prximos rea de combusto
(SCHIFFER, 1972).
Outra hiptese seria a remoo do excesso de recipientes cermicos inutilizados, ou no
aproveitados em outras funes, para as reas adjacentes ao local de moradia e/ou de atividade cotidiana.
Essa possibilidade foi observada durante a etapa de decapagem, quando as quadrculas perifricas ao solo
antropognico do ncleo A foram apresentando, gradativamente, das mais prximas s mais distantes,
uma reduo na quantidade de fragmentos cermicos.
Assim, levanta-se a hiptese de o stio Clia Maria apresentar caractersticas em seu registro
arqueolgico de uma antiga aldeia guarani composta por uma casa de famlia extensa (Ncleo A) e duas
possveis reas anexas com funes e atividades distintas daquelas de morar (Ncleos B e C). As dimenses
dos ncleos, a intensidade de material cermico neles evidenciados e a reconstituio grfica das bordas de
cermica foram os dados utilizados para definir essas reas. Infelizmente, o material cermico, altamente
fragmentado, no permitiu a identificao dos tipos de vasilhas que predominavam em cada ncleo
antropognico.
O QUADRO CRONOLGICO REGIONAL
No Baixo Vale do Rio Paranapanema, Faccio (2011) estabeleceu suas dataes absolutas por meio
do mtodo de termoluminescncia, confeccionando um quadro cronolgico para os stios arqueolgicos de
Iep-SP que testemunharam eventos culturais importantes na regio.
Tomando como premissa que as dimenses de um teko13 podem abranger um domnio de 50 km
(NOELLI, 1993; MILHEIRA, 2010), tratando-se de uma propriedade comunal e exclusiva definida por marcos
naturais importantes (MELI, 1981) que materializam uma unio sociopoltica das famlias extensas
13
O territrio guarani no se encerrava no amund (aldeia guarani), que formava apenas o espao habitacional. Fora do permetro da aldeia, localizavam-se as roas e, ao seu final, a mata circundante ou o kaaguy (mato), constituindo todo esse sistema territorial, denominado teko (NOELLI, 1993).
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(SOARES, 1997) dependente de uma chefia que integre essas unidades familiares (LADEIRA, 2008) e com
caractersticas socioespaciais associadas rotao de cultivos em reas sucessivas, com carter
expansionista de produo do modo de vida guarani (MELI, 1981); acreditamos que os stios
arqueolgicos filiados tradio guarani, da cidade de Iep, estudados por Faccio (1992, 1998, 2011),
possuam as caractersticas bsicas de um territrio pr-colonial guarani.
A hiptese tambm se baseia na contemporaneidade cronolgica desses stios (FACCIO, 2011),
que assinalam uma faixa temporal de 850 anos antes do presente para o Stio Capisa at 700 anos antes
do presente para o Stio Aguinha. Dentro desses 150 anos de ocupao regional incluem-se os Stios Neves
(755 A.P.), Lagoa Seca (770 A.P.), Terra do Sol Nascente (750 A.P.) e o Pernilongo (750 A.P.).
Provavelmente pela localizao e proximidade desses stios no espao tratar-se-ia de possveis
deslocamentos oriundos do abandono ou do desdobramento da aldeia mais antiga para outro
agrupamento mais recente (NOELLI, 1993; MILHEIRA, 2010). Essas antigas aldeias guarani localizam-se em
rea com abundantes recursos naturais, terras frteis e proximidade do Rio Paranapanema, caracterizando-
se por alta densidade e variabilidade de fragmentos cermicos e lticos, estruturas funerrias e de
combusto (FACCIO, 2011) que poderiam indicar o maior prestgio de suas lideranas (SOARES, 1997).
Fenmeno arqueolgico semelhante ocorre no Alto Paran, margem direita, Estado do Mato
Grosso do Sul, com a presena de grandes aldeias guarani, sobretudo ao sul do Rio Pardo (KASHIMOTO,
MARTINS, 2009). As dataes de Kashimoto (1997) para os stios localizados na cidade de Bataguau - MS
formam uma faixa cronolgica de 625 40 anos antes do presente para o stio MS-PR-35 at 370 20 anos
do presente para o Stio MS-PR-22. Paralelamente, no Estado de So Paulo, a uma distncia de
aproximadamente 36 km, ocorre a presena de dois grandes stios denominados Lagoa So Paulo e Lagoa
So Paulo 2 (CABRERA, 2009; PALLESTRINI, 1984), ambos localizados na cidade de Presidente Epitcio - SP.
Apenas o Stio Lagoa So Paulo foi datado no ano de 1.050 antes do presente. J no espigo divisor de
guas entre as Bacias do Paran e Paranapanema encontra-se o stio Clia Maria, Marab Paulista - SP,
datado, por termoluminescncia, no ano de 450 60 anos antes do presente.
O quadro cronolgico regional nos permite avaliar, ainda que de forma incipiente14, que as aldeias
guarani pr-coloniais situadas em nossa rea de estudo abrangem uma faixa cronolgica de
aproximadamente 1000 anos antes do presente at 300 anos antes do presente, como apresentado na
tabela 1. A data de 1668 anos antes do presente para o Stio Ragil excede em quase 700 anos o quadro
14
Necessita-se de constante reatualizao do quadro cronolgico regional com base nas novas pesquisas e dados levantados. Poucas dataes foram obtidas para os stios guarani localizados na margem esquerda do Alto Paran, Estado de So Paulo, bem como so desconhecidas ou ainda no publicadas as pesquisas que tratem de stios guarani na bacia do Santo Anastcio (com exceo do Stio Clia Maria, objeto deste texto) e do Peixe, ambos afluentes do Rio Paran no Estado de So Paulo.
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cronolgico estabelecido para regio e deve ser tomado com prudncia, at que novas pesquisas na regio
possam confirmar ou refutar esse dado.
Data A.P. Mtodo de datao
Laboratrio Stio Cidade - Bacia Hidrogrfica Fonte
1.668 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Ragil Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
1.093 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Ragil 2 Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
850 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Capisa Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
755 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Neves Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
770 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Lagoa Seca Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
750 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Terra do Sol Nascente
Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
750 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Pernilongo Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
700 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Aguinha Iep - Baixo Paranapanema-SP
Faccio, 2011
45060 TL Datao, Comrcio e Prestao de Servios
Clia Maria Marab Paulista - Alto Paran-SP
Pereira, 2011
1.050 TL Gif-Sur-Yvette Lagoa So Paulo P. Epitcio - Alto Paran-SP Pallestrini, 1984
625 40 C-14 CNRS MS-PR-35 Bataguau - Alto Paran-MS Kashimoto, 1997
580 40 C-14 CNRS MS-PR-39 Bataguau - Alto Paran-MS Kashimoto, 1997
565 40 C-14 CNRS MS-PR-55 Bataguau - Alto Paran-MS Kashimoto, 1997
480 30 C-14 CNRS MS-PR-26 Bataguau - Alto Paran-MS Kashimoto, 1997
370 20 C-14 CNRS MS-PR-22 Bataguau - Alto Paran-MS Kashimoto, 1997
Tabela 1: Dataes no calibradas dos stios arqueolgicos guarani localizados nas cidades de Iep--SP, Presidente Epitcio-SP, Marab Paulista-SP e Bataguau-MS.
CONSIDERAES FINAIS
O presente artigo uma sntese dos trabalhos arqueolgicos realizados em stios guarani no
contexto da bacia do Paranapanema e Alto Paran. Nesses termos, os dados arqueolgicos foram
confrontados com os dados etno-histricos e etnogrficos, objetivando um esboo interpretativo sobre os
ncleos de solos antropognicos, morfologia da aldeia e territrio guarani.
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Discutiram-se morfologia, dimenso e caractersticas das estruturas internas dos ncleos
antropognicos o que nos levou a sugerir tratar-se, em alguns casos, da casa grande de uma famlia extensa
guarani. Em outros casos, quando ocorreu uma baixa frequncia de material arqueolgico dentro das
nucleaes e seu tamanho era incompatvel com a de uma habitao, sugeriu-se uma outra funo para
esse local, podendo ter sido utilizado como rea anexa a casa grande, atendendo a diferentes tarefas.
A morfologia das antigas aldeias guarani no apresentou na regio nenhum padro espacial.
Acredita-se que essa caracterstica esteja relacionada ao que Soares (1997) chamou de kindred onde o
prestgio de um lder poltico-religioso influenciava no tamanho das habitaes, como tambm, na
agregao ou desdobramento de um agrupamento. Essa configurao plstica e fludica implicaria uma
variabilidade da dimenso das casas, do nmero de casas por aldeia e na sua disposio na paisagem.
No contexto do Baixo Paranapanema e Alto Paran pode-se afirmar que entre 1000 at 300 anos
antes do presente houve uma forte expanso guarani por esses canais principais, ocupando os terraos e
vrzeas da geomorfologia local. As margens dos canais principais, por apresentarem melhores condies de
captao de recursos, navegabilidade e aproveitamento da matria-prima foram intensamente povoadas,
sendo registrados nesses locais os stios arqueolgicos com grande densidade e variabilidade de objetos
arqueolgicos, estruturas funerrias e de combusto, bem como, em nmero e dimenso de ncleos de
solos antropognicos.
Concomitante ocupao dos canais principais houve o deslocamento e/ou expanso das
nucleaes guarani para os tributrios mais afastados. O Stio Clia Maria, nesse contexto, encontra-se em
topo de interflvios que separam as bacias do Paran e Paranapanema em rea ecolgica menos favorvel,
longe de rios navegveis, de fontes lticas para lascamento e dos solos baslticos que compe as margens
dos Rios Paran e Paranapanema. Com base nos dados arqueolgicos e nos documentos etno-histricos e
etnogrficos analisados, acredita-se que o sistema social/cultural guarani definiu hierarquias de ocupao
da regio sob anlise, onde as zonas ecolgicas mais favorveis foram fruto de um maior agrupamento por
influncia do prestgio de suas lideranas e as zonas ecolgicas menos favorveis a um menor
agrupamento, devido ao baixo prestgio de seus chefes, mas que, no entanto, configurariam componentes
importantes do territrio guarani.
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