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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL CLAUDIANA LIMA DE SOUSA ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA. FORTALEZA- CEARÁ 2013

ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS …ww2.faculdadescearenses.edu.br/biblioteca/TCC/CSS... · Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social do Centro

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  • CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

    FACULDADE CEARENSE

    CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

    CLAUDIANA LIMA DE SOUSA

    ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A

    MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA.

    FORTALEZA- CEARÁ

    2013

  • Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

    S725a Sousa, Claudiana Lima de.

    Análise sobre as motivações que levaram os adolescentes

    atendidos pela ONG Pequeno Nazareno a morar nas ruas de

    Fortaleza / Claudiana Lima de Sousa. Fortaleza – 2013.

    96f. Orientador: Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel.

    Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade

    Cearense, Curso de Serviço Social, 2013.

    1. Adolescência. 2. Rua. 3. Institucionalização. I. Maciel,

    Valney Rocha. II. Título

    CDU 364(813.1)

  • CLAUDIANA LIMA DE SOUSA

    ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A

    MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA.

    Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Serviço Social.

    Orientadora: Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel.

    FORTALEZA- CEARÁ

    2013

  • CLAUDIANA LIMA DE SOUSA

    ANÁLISE SOBRE AS MOTIVAÇÔES QUE LEVARAM OS ADOLESCENTES ATENDIDOS PELA ONG PEQUENO NAZARENO A

    MORAR NAS RUAS DE FORTALEZA.

    Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Serviço Social.

    Data da aprovação:____/____/____

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________ Profª. Ms. Valney Rocha Maciel

    (Orientadora)

    _______________________________________________ Profª. Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves

    _______________________________________________ Assistente Social e Ms. Rebeca Torres Alves Costa

  • Ao meu grande Deus por ter me dado

    forças para chegar até aqui, sem ele nada

    teria sentido. A toda minha família, ao

    meu esposo e amigos. Em especial a

    minha mãe, mulher forte e admirável.

    DEDICO

  • AGRADECIMENTOS

    Esse espaço reservado para os agradecimentos se torna pequeno diante da

    minha gratidão á todos que, não apenas nesses quatro anos de faculdade, mas

    durante toda a minha caminhada estiveram comigo de alguma forma.

    Em primeiro lugar, agradeço a Deus, o autor da minha vida, aquele que

    esteve comigo desde o ventre da minha mãe e nunca me abandonou, aquele que

    me fez superar todas as dificuldades para chegar até aqui, que enxugou minhas

    lágrimas quando eu pensava que não ia conseguir que me fez acreditar nos meus

    sonhos. Deus, você me mostrou que nada é impossível àquele que crer.

    A todos que fazem parte da minha família, pois sei o quanto vocês se

    alegram com a minha alegria e também fazem parte dessa conquista. Vocês são a

    minha base. Em especial, venho agradecer aos meus pais, Marcos Barros e

    Lucimar Lima, por sempre me incentivar e não me deixar desistir nunca. Agradeço

    infinitamente a minha mãe por cuidar de mim, dando sempre o seu melhor mesmo

    quando não podia. Você é a peça fundamental em minha vida, meu exemplo em

    tudo. Amo você minha mãe!

    Ao meu irmão, Igor Lima, por sempre me alegrar com seu lindo sorriso. A sua

    alegria foi essencial em meio a tantos momentos difíceis, isso você tem de sobra.

    A Terezinha Lima, minha amada avó (in memorian). Não poderia deixar de

    agradecer a Deus nesse momento pelo o que ela foi nessa terra: uma grande mulher

    de Deus, cheia de fé e amor. Você também foi uma das pessoas que sempre me

    incentivou e orou para que eu chegasse até aqui.

    Ao meu amado esposo, amigo e companheiro fiel, Jefferson Gomes, pois

    esteve comigo literalmente desde o início dessa longa caminhada, sempre me

    incentivando, agüentando as minhas reclamações, choros e também sempre

    disposto a dar o seu melhor a mim. Junto comigo, passou noites acordado,

    esperando eu terminar a minha monografia, pois não queria me deixar sozinha em

  • nenhum momento. A sua amizade e companheirismo foram essenciais para a

    realização deste trabalho.

    A todos os professores do curso de Serviço Social, os quais contribuíram

    para minha formação, foram conhecimentos para toda a vida. Cada um teve sua

    importância, sua forma de ensinar, alguns mais sérios, outros não sossegavam

    enquanto não tirassem um sorriso do nosso rosto, mas todos foram fundamentais

    para que eu tivesse uma formação crítica e ética.

    A minha querida orientadora Valney Rocha, pelo o grande carinho, dedicação

    e tranqüilidade durante estes momentos no qual muitas vezes nos encontramos

    desesperadas. Então ela vinha com aquele sorriso maravilhoso, me abraçava e me

    acalmava. Obrigada por me transmitir seus conhecimentos tão valiosos e pela honra

    de tê-la como minha professora e orientadora. Foi simplesmente Magnífico!

    A todos da turma CSS081 2013.2, foram anos de muito aprendizado,

    alegrias, encontros, seminários, confraternizações, choros, provas, trabalhos,

    apresentações, etc. Mas o bom é podemos olhar para trás e rir de tudo isso, pois

    apesar de termos sofrido um pouquinho, foram momentos que guardaremos para

    sempre.

    A tod@s os meus amigos além dos muros da faculdade, com vocês o

    caminho foi menos doloroso, as lágrimas rapidamente se transformavam em risos,

    os desafios eram prazerosos, os trabalhos eram apenas um motivo para passarmos

    o dia juntos, os estresses em equipe não duravam dois minutos, pois a amizade era

    muito maior que isso. São vocês, Jessica Feitosa, Sherida Costa, Lygia

    Negreiros, Paola Abreu, Gisele Castro, Emily Benevides, Luciane Cosme,

    Rodrigo Alves e Ricardo Richard.

    A Maíra Rodrigues, Janaína Valentim e Lucilene Pinheiro, pelo o

    companheirismo e amizade. Foi um prazer estagiar com vocês, pois éramos mais

    que colegas, formávamos uma equipe.

  • A Gizela Castro por me acompanhar desde as minhas primeiras conquistas.

    Contribuiu muito para que eu pudesse chegar aqui, esteve ao meu lado em

    momentos difíceis com os seus conselhos “duros” e ao mesmo tempo cheios de

    carinho (só ela sabe fazer isso), obrigada por sua compreensão, você sabe o quanto

    é especial para mim.

    A minha banca Rúbia Gonçalves, por me acompanhar nesse processo desde

    o primeiro semestre do curso, levarei a sua alegria, sua ética profissional e os

    conhecimentos que adquiri durante esses anos. Obrigada por ter aceitado o convite

    em participar da banca, foi um prazer imenso.

    A Rebeca Torres que também fez parte da banca e foi minha supervisora de

    estágio. Não tenho palavras para agradecer a sua dedicação, pois com você me

    sentia cuidada, profissionalmente falando, pois fazia questão de nos ensinar o seu

    melhor, nos fazia passar por experiências incríveis dentro do campo de estágio.

    Posso dizer que valeu a pena todo o sacrifício que eu fazia para estar ao seu lado

    aprendendo sempre um pouco mais.

    A tod@s os meus amigos que de alguma forma me ajudaram durante esse

    percurso, seja através de palavras, mensagens, oração, etc. Os amigos alegram

    nossas vidas!

    A todos os adolescentes pesquisados, pela contribuição neste trabalho

    através das suas histórias de vida. Vocês são guerreiros!

  • Menino de Rua – Patativa do Assaré

    Menino de Rua, garoto indigente

    Infanto Carente,

    Não sabe onde vai

    Menino de Rua, assim maltrapilho

    De quem tu és filho

    Onde anda o teu pai?

    Tu vagas incerto não achas abrigo

    Exposto ao perigo

    De um drama de horror

    É sobre a sarjeta que dormes teu

    sono,

    No grande abandono

    Não tens protetor

    Meu Deus! Que tristeza! Que vida esta

    tua

    Menino de Rua,

    Tu andas em vão

    Ninguém te conhece, nem sabe o teu

    nome

    Com frio e com fome

    Sem roupa e sem pão

    Ao léu do desprezo dormes ao relento

    O teu sofrimento

    Não posso julgar,

    Ninguém te auxilia, ninguém te

    consola,

    Cadê tua escola,

    Teus pais, teu lar?

    Seguindo constante teu duro caminho

    Tu vives sozinho

    Não és de ninguém

    Às vezes pensando na vida que levas

    Te ocultas nas trevas

    Com medo de alguém

    Assim continuas de noite e de dia

    Não tens alegria

    Não cantas nem ri

    No caos de incerteza que o seu mundo

    encerra

    Os grandes da terra

    Não zelam por ti

    Teus olhos demonstram a dor, a

    tristeza,

    Miséria, pobreza

    E cruéis privações

    E enquanto estas dores tu vives

    pensando,

    Vão ricos roubando

    Milhões e milhões

    Garoto eu desejo que em vez deste

    inferno

    Tu tenhas caderno

    Também professor

    Menino de Rua de ti não me esqueço

    E aqui te ofereço

    Meu canto de dor

  • RESUMO

    A presente pesquisa tem como objetivo geral compreender as motivações que levaram os adolescentes institucionalizados na ONG o Pequeno Nazareno a morar nas ruas de Fortaleza e como objetivos específicos: traçar o perfil dos adolescentes, indagar o que significa ser adolescente, conhecer o significado de rua para eles, conhecer as mudanças ocorridas em relação à família após a institucionalização e saber suas expectativas quanto ao futuro. Para atingir estes objetivos, foi feita uma acometida contextualizando a adolescência baseando-se em autores diversos, os quais conceituam e caracterizam a categoria adolescência e também apresentamos esse conceito segundo o que os entrevistados pensam sobre essa fase da vida. Deste modo, abordamos também aspectos sobre o significado de rua, como era a rotina dos adolescentes na rua, trato da questão da institucionalização e também busco conhecer os desejos e sonhos dos sujeitos entrevistados. Vale ressaltar que este trabalho é de pesquisa qualitativa, formada de uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo. As categorias que foram utilizadas são: Adolescência, rua e institucionalização. Usamos como técnica a observação simples e entrevista semi-estruturada a qual foi realizada com onze adolescentes institucionalizados na ONG o Pequeno Nazareno. Os dados foram coletados através da técnica de análise de conteúdo, procurando assim, organizá-las por categoria. Desse modo, após as análises podemos perceber e compreender as principais motivações que levaram os adolescentes pesquisados a enfrentar o universo das ruas.

    Palavras-chave: Adolescência, Rua e Institucionalização.

  • ABSTRACT

    This research has the overall objective to understand the motivations that led adolescents institutionalized in the ONG Small Nazarene to live on the streets of Fortaleza and specific objectives: Define the profile of adolescents, asking what it means to be a teenager, know the meaning of the street for them to know the changes in relation to the family after the institutionalization and know their expectations of the future. To achieve these objective, was made an ill contextualizing adolescence based on several authors who conceptualize and characterize adolescence category and also introduce this concept into what respondents think about this stage of life. Thus, we are also addressing aspects about the meaning of the street, as was the routine of teenagers on the street, dealing with such issues and seek institutionalization also meet the desires and dreams of the interviewees. It is noteworthy that this work and qualitative research, consisting of a bibliographic, documentary and field research. The categories that were used are: adolescence, street and institutionalization. We use the technique as simple observation and semi-structured interview which was conducted with eleven adolescents institutionalized in the ONG Small Nazarene. Data were collected using the technique of content analysis, attempting to organize them by category. Thus, after the analysis we can see and understand the main motivations that led the teens surveyed the universe to face the streets.

    Keywords: Adolescence, Street and Institutionalization.

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas.

    CAPS I – Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Juvenil).

    ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

    FUNABEM-Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.

    LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas.

    MNMMR - Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.

    ONG – Organização Não Governamental.

    SAM - Serviço de Assistência ao Menor.

    SDH/PR – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

    SECULT - Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.

    % - Por cento.

  • LISTA DE FIGURA

    FIGURA 1 - Visão aérea do sítio Pequeno Nazareno. ---------------------------- 65

  • LISTA DE QUADRO

    QUADRO 1 - Distribuição por motivo de ida para as ruas---------------------------42

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16

    1 - ADOLESCÊNCIA ........................................................................................................... 20

    1.1 – Breve contexto sobre adolescente em situação de rua . ............................................20

    1.2 - A adolescência e suas particularidades .................................................................... 25

    1.3 – A importancia da família na adolescência ................................................................ 30

    1.4 – A adolescência e a pobreza ..................................................................................... 33

    2. O TRAJETO DA RUA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO ..................................................... 39

    2.1 – O caminho da rua começa a ser trilhado ................................................................. 39

    2.1.1 – Entre a casa e a rua ............................................................................................. 44

    2.1.2 – As drogas, a rua e os seus impactos .................................................................... 47

    2.2 – Os desafios e as mudanças no processo de institucionalização no Brasil ............... 50

    3. DESCOBRINDO NOVOS CAMINHOS: A TRAJETÓRIA DA PESQUISA ....................... 57

    3.1. Construção da pesquisa ........................................................................................... 57

    3.2 Adentrando o desconhecido ....................................................................................... 59

    3.3 Conhecendo a instituição ........................................................................................... 63

    3.4 Quem são esses adolescentes? ................................................................................. 66

    3.5 Relatos e análises ...................................................................................................... 73

    3.5.1 Percepção de adolescência para os entrevistados .................................................. 73

    3.5.2 A trajetória de casa para a rua ................................................................................. 75

    3.5.3 A rotina, a rua e seu significado na visão dos adolescentes .................................... 78

    3.5.4 As mudanças ocorridas em relação a família após a institucionalização ................. 79

    3.5.5 E o que eles esperam do futuro? ............................................................................. 82

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 85

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 88

    APÊNDICE .......................................................................................................................... 92

  • 16

    INTRODUÇÃO

    A temática adolescente em situação de rua tem levantado diversas

    discussões e têm sido tema de muitos debates por meio de profissionais da

    área, estudantes, entre outros. Cada dia mais é perceptível o aumento de

    crianças e adolescentes nas ruas, não apenas na cidade de Fortaleza, mas em

    todo o Brasil. Diante do exposto, trazemos uma reportagem transmitida na

    Rede Globo, através do programa Fantástico1 de Marcelo Canelas onde é

    apresentada e retratada essa questão que incomoda a muitos, mas

    infelizmente o que se vê é apenas descaso e negligência diante de uma

    realidade gritante, pois dizem que eles são o futuro do nosso país. Mas como,

    se eles são esquecidos e invisíveis diante da sociedade e do Estado?

    “A ONU já falou em cinco milhões. O IBGE nunca contou. O fato é que o

    número de meninos e meninas de rua ainda é um mistério” (CANELAS, 2013).

    Sendo assim, o projeto “Criança não é de rua” aderiu a uma pesquisa

    qualitativa, realizada por educadores sociais. Nessa pesquisa, 565 crianças e

    adolescentes foram ouvidos em 10 capitais, trazendo não apenas a

    quantidade, mas o perfil desses jovens e o que eles pensam.

    Segundo a reportagem, no ano de 2011 o governo federal pagou R$ 1,5

    milhões para um instituto de pesquisa poder contá-los, mas na cidade de

    Maranhão “só acharam 23 meninos. E o número apurado no Brasil inteiro,

    23.973, caiu em descrédito”. Portanto, percebe-se que a questão não será

    resolvida ou mesmo amenizada apenas por meio de dados estatísticos, mas

    sim através de uma intervenção que o governo precisa realizar frente a essa

    problemática tão complexa.

    1 Disponível em: g1. globo.com/fantástico/noticia2013/10/pesquisa-mostra-que-esmola-financia-

    o-uso-de-drogas-das-crianças-de-rua.html. Acesso em 24/10/2013, às 13 h.

  • 17

    Diante disso, essa pesquisa tem como objetivo geral compreender as

    motivações que levaram os adolescentes institucionalizados na ONG o

    Pequeno Nazareno a morar nas ruas de Fortaleza. Destacamos como objetivos

    específicos: traçar o perfil dos adolescentes, indagar o que significa ser

    adolescente, conhecer o significado de rua para eles, conhecer as mudanças

    ocorridas em relação à família após a institucionalização e saber suas

    expectativas quanto ao futuro.

    O meu2 interesse pela a temática surgiu em uma visita institucional

    propiciada pela disciplina de Política Social, promovida no 3º semestre do

    curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC). O trabalho era em

    grupo e precisávamos procurar uma instituição que trabalhasse com crianças e

    adolescentes, assim como os outros do grupo, eu também fui para internet

    procurar algum local onde pudéssemos realizar essa visita. Foi justamente

    quando encontrei a ONG o Pequeno Nazareno. Logo me encantei com as fotos

    do local e em seguida, mostrei ao restante do grupo e todos concordaram em

    realizar a pesquisa no Pequeno Nazareno. Foi possível o acesso aos

    adolescentes, onde se teve a oportunidade de ouvi-los sobre suas experiências

    nas ruas e, principalmente, sobre os motivos que os distanciaram do vínculo

    familiar.

    Desde então, tive um apego e um grande carinho pelas leituras que

    traziam à tona as discussões referentes a adolescentes em situação de rua,

    assim como o meu olhar também foi aguçado diante da realidade que já existia,

    mas que infelizmente não dava a importância devida, era como se eu os

    percebesse, mas não os enxergasse. O meu olhar era o mesmo do censo

    comum, tinha medo, às vezes dizia: “Eles estão nas ruas porque querem.

    Deviam estar na escola”. Em fim, de certa forma julgava-os, apesar de me

    sentir mal quando os via no meio dos carros, no sol, pedindo a um e a outro,

    era uma confusão de sentimentos além de todos esses conceitos errôneos já

    citados anteriormente.

    2Utilizei em alguns pontos da introdução a 1ª pessoa por se tratar da minha justificativa

    pessoal.

  • 18

    Depois dessa visita e a aproximação com os adolescentes do Sítio O

    Pequeno Nazareno, tive a oportunidade de ouvir suas histórias, seu modo de

    vida, além de conhecer o sítio com eles, brincar, em fim, quebrar o conceito

    que muitos de nós temos em relação a eles. Entre as conversas e brincadeiras

    minha paixão por eles silenciosamente acendeu e voltei para casa refletindo

    em todos os poucos e bons momentos que vivenciei com aqueles que seriam

    os sujeitos da minha pesquisa após alguns anos.

    O tempo foi passando e cada dia tinha mais certeza que essa

    problemática seria tema da minha monografia, tanto que desde o meu projeto

    de pesquisa trato dessa temática e em nenhum momento me interessei em

    mudar, pois já estava decidida, apesar de ainda ser muito cedo para definir a

    temática do Trabalho de Conclusão de Curso. Por fim, Chegou o momento do

    Estágio Obrigatório e o meu pensamento era estagiar em alguma instituição

    que me aproximasse da temática pretendida, o que não foi possível. Por motivo

    de força maior, o meu estágio foi realizado dois semestres no Centro de

    Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPS AD) e um semestre no CAPS

    Infantil.

    Foram experiências maravilhosas que contribuíram bastante para o meu

    amadurecimento acadêmico e enquanto futura Assistente Social, mas, apenas

    para enfatizar, a experiência de estágio no campo citado acima, mesmo que

    tenha sido enriquecedora, não me fez perder o interesse e nem a paixão por

    esse tema, pois o mesmo já estava fazendo parte do meu cotidiano através de

    leituras envolvendo esse tema, reportagens em jornais regionais e programas

    de televisão, além das inúmeras vezes em que eu tentava me aproximar

    desses (as) meninos (as) nos terminais, pelas calçadas e nas praças. Na

    maioria das vezes apenas para observá-los.

    Vale ressaltar a importância dessa temática para o Serviço Social, pois

    esse profissional está diretamente ligado às expressões da questão social,

    enquanto mediador entre a sociedade e o Estado através das políticas públicas

    e intervindo diretamente no processo de resgatar o vínculo familiar,

    fortalecendo os laços que foram rompidos por diversos motivos. Além da

  • 19

    necessidade de levar cada vez mais essas discussões para o espaço

    acadêmico. Portanto, o interesse por essa temática perdurou até o 8º semestre,

    onde finalmente iniciei a construção de uma pesquisa que resultou na produção

    da minha monografia.

    O presente trabalho está divido em três capítulos. No primeiro, intitulado

    Adolescência, iremos contextualizar os adolescentes em situação de rua

    trazendo fatos que marcaram o início dessa problemática e também salientar

    as mudanças ocorridas a partir da aprovação do Estatuto da Criança e do

    Adolescente de 1990. Em seguida, abordaremos o conceito de adolescência,

    suas características físicas, psicológicas e especificaremos algumas de suas

    peculiaridades advindas com essa fase. Os principais autores utilizados foram

    Bursztyn (Org.) (2003), Pinheiro (2006), Morais; Silva; Koller (Org.) (2010),

    Calligaris (2000) e Zagury (2009).

    No capítulo seguinte que tem como título O trajeto da rua e suas

    estratégias abordaremos a questão da rua, o que ela significa como é trilhar

    esse caminho da rua e quais as principais motivações encontradas para que os

    adolescentes deixem suas casas e percorram o caminho da rua. Faremos

    também uma breve abordagem diferenciando os espaços da casa e da rua,

    além disso, discutiremos brevemente se existe alguma ligação entre a rua e o

    uso de drogas. Os autores utilizados foram Rizzini (2003,2004 e 2007), Escorel

    (1999), Da Matta (1997) e Nascimento (1997).

    No terceiro capítulo que tem como título Descobrindo novos

    caminhos: a trajetória da pesquisa trataremos do percurso metodológico.

    Iremos expor a pesquisa de campo realizada na ONG o Pequeno Nazareno,

    situada em Maranguape-Ce, descreveremos o cenário detalhado, as

    dificuldades encontradas no decorrer do presente trabalho, o perfil dos sujeitos,

    os relatos e análises. Para a realização da pesquisa usamos como técnica a

    entrevista semiestruturada. Os autores utilizados neste capítulo foram Gil

    (2011), Minayo (2007) e Goldenberg (2004).

  • 20

    1 - ADOLESCÊNCIA

    1.1. Breve contexto sobre adolescente em situação de rua

    “Há em cada adolescente um mundo encoberto, um almirante e um sol de outubro”. Machado de Assis

    3

    Os adolescentes em situação de rua na cidade de Fortaleza são

    personagens marcantes da exclusão social e da violação de seus direitos. Para

    onde se olha percebe-se meninos e meninas espalhados pelas grandes

    avenidas, nos sinais, terminais e debaixo de viadutos. Todos os dias eles lutam

    em prol de sua sobrevivência, seja pedindo, limpando carros, vendendo balas

    dentro de ônibus e, até mesmo, se prostituindo ou roubando.

    Segundo Bursztyn

    [...] Os que moram nas ruas, têm por trás de sua situação uma longa história e causas sociais determinadas que se ligam a questões econômicas , de migração, de desagregação familiar, de desemprego, de violência urbana, de drogadição, de alcoolismo, entre outros. (BURSZTYN, 2000, p.89).

    De maneira abrangente, geralmente a sociedade pondera as pessoas

    que estão nas ruas e coloca nelas um rótulo apenas do que essa sociedade

    ouve falar ou pela própria aparência, mas não se preocupa em conhecer seus

    relatos de vida, seus lamentos, suas perdas e aflições.

    De acordo com uma reportagem de Lavor do Jornal Diário do Nordeste4

    publicado no dia 12 de outubro de 2011, dos 191 meninos e meninas

    3 Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista,

    romancista, crítico e ensaísta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Disponível em: http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp. 4 Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=10080059. Acesso em:

    12/10/11.

    http://pensador.uol.com.br/autor/machado_de_assis/http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asphttp://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=10080059

  • 21

    pesquisados em Fortaleza, exatos 44% estão na rua por conta do ambiente

    familiar desconfortável, ou seja, violência e até mesmo condições sub-humanas

    de moradia. A pesquisa também mostrou que dos 191 pesquisados, 33,9%

    estão no Centro da cidade, 46,9% em terminais, 15,2% na orla e 4% na

    comunidade. Sabe-se, segundo os dados da Secretaria de Direitos Humanos

    da Presidência da República (SDH/PR)5,que ao todo são 1.575 crianças e

    adolescentes em situação de rua em Fortaleza. A violação de direitos as quais

    estes jovens estão expostos consiste exatamente na própria situação de

    moradia de rua, uso de drogas, exploração do trabalho infantil e sexual.

    (DIÁRIO DO NORDESTE, 2011).

    Diante desse cenário, destacamos a industrialização como um dos

    fatores determinantes dessa problemática. Segundo Pinheiro (2006), a partir

    das décadas de 1930 e 1940 ocorreu uma grande migração do campo para a

    cidade, onde parte dessa população não se integrava ao sistema social, nem

    ao mercado de trabalho. As grandes cidades ficaram aglomeradas de famílias

    sem ter para onde ir, sem alimentação e proteção básica. Em conseqüência

    disso, a referida autora destaca o crescimento da desigualdade social,

    incidindo sobre as condições de vida da classe trabalhadora, trazendo com isso

    um aumento significativo da disparidade social.

    Os adolescentes também vivenciaram a conjuntura de vulnerabilidade

    social desde o início do processo de industrialização brasileira, sendo vítimas

    da ausência de políticas sociais públicas. (PINHEIRO, 2006). Assim, a sua

    ocupação nas ruas, passou a ser tratada como um incômodo pelo Estado e

    uma ameaça à sociedade.

    Diante desse contexto, o Estado assume uma postura punitiva baseada

    no Código de Menores da América Latina que entrou em vigor em 1927, e a

    criação do SAM (Serviço de Assistência ao Menor) em 1940, onde se fazia o

    atendimento de “menores” de 18 anos abandonados e delinqüentes.

    (KRAMER, 1992; OSTERNE, 1993 apud PINHEIRO, 2006). A autora ressalta,

    5 Matéria publicada no Jornal o povo, crianças, infância violada. Fortaleza, quinta-feira, dia 13 de

    outubro de 2011.

  • 22

    ainda, que esse aparato legal se resguardou do isolamento e da repressão de

    crianças e adolescentes, destituindo-os quase sempre do convívio social, pois

    representavam uma perturbação para o bem estar da sociedade.

    Nessa concepção, a autora afirma que o Código de Menores tinha um

    caráter discriminatório e era associado à pobreza e à delinquência, era voltado

    para crianças e adolescentes que não tinham condições de sobreviver, ou seja,

    carentes, “infratores” ou abandonados. A forma de proteger era a repreensão

    como instrumento de correção e o isolamento como cerceamento do convívio

    social. O objetivo do isolamento era para que pudessem se reeducar e voltar

    ao convívio social, porém não deram bons resultados. Em 1964 no período do

    regime militar o SAM foi substituído pela FUNABEM (Fundação Nacional do

    Bem-Estar do Menor) a fim de retificar as graves distorções do antigo SAM,

    onde era fortemente associado à violência do adolescente como uma forma de

    causar perigo á sociedade. (OSTERNE, 1995 apud PINHEIRO, 2006).

    Contudo, em 1979 o código de menores teve algumas alterações, onde

    passou de instrumento de proteção e vigilância, em que os adolescentes eram

    vítimas da omissão e transgressão da família em seus direitos básicos para

    instrumento de controle social, nesse caso não era apenas a transgressão da

    família, mas também do Estado e da sociedade. (PINHEIRO, 2006).

    Então, segundo (RIZZINI et al, 2003), nos meados dos anos 1980, as

    crianças e adolescentes em vulnerabilidade já estavam marcados pela

    desigualdade social, marcas essas que se alastram até os dias de hoje. Foi

    justamente nesse período que eles levaram o título “geração da rua”, no qual

    ficou mais conhecido como crianças e adolescentes em situação de rua. Vale

    salientar, que em 1984 aconteceu o primeiro encontro do Movimento Nacional

    de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR)6, o qual teve uma extrema

    6Esse movimento deu início em 1982 e se estabeleceu como uma entidade civil em 1985, hoje

    existe cinco sedes espalhadas pelas principais capitais do país. Este movimento não presta atendimento direto aos menores, mas busca movimentar os próprios menores, educadores de rua, instituições, enfim, todos os envolvidos com essa temática. Disponível em http://www.scielo.php?script=sciarttex&pid=s1414-98931988000100007 acesso em 06/10/2013.

    http://www.scielo.php/?script=sci

  • 23

    importância e foi essencial para as conquistas futuras em assuntos

    relacionados à garantia de leis.

    Finalmente, em 1990 foi aprovado no Brasil, o Estatuto da Criança e do

    Adolescente (ECA), resultado de uma série de mobilizações sociais,

    substituindo o Código de Menores. Por sua vez, o ECA teve como principal

    objetivo a proteção e os direitos de todas as crianças e adolescentes

    independente de sua classe social, cor ou religião e o tratamento dado a essas

    crianças e adolescentes como pessoas que necessitam de cuidados especiais,

    possibilitando um desenvolvimento saudável. O ECA afirma em seu artigo 4º

    que a responsabilidade que antes cabia apenas a família, agora é

    responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. (BRASIL, 1990).

    Observa-se que com a criação do Estatuto da Criança e Adolescente, foi

    garantida legalmente a proteção ampliada à criança e ao adolescente (Art. 1º,

    ECA, 1990), todavia, na realidade, diversos desafios estão postos à efetivação

    dessa conquista. É importante frisar que esses (as) meninos (as) em situação

    de rua já têm seus direitos infringidos desde o momento que são cerceados do

    direito à escola, a convivência familiar, habitação, ao lazer, entre outros, bem

    como susceptíveis à violência. Contudo, apesar das mudanças ocorridas ao

    longo dos anos a história desses adolescentes teve forte impacto econômico e,

    principalmente, social. Como foi supracitado, o período da revolução industrial

    acarretou diversos problemas sociais, trazendo para a sociedade o aumento da

    desigualdade, pois os que migravam do campo para cidade, vinham à procura

    de uma vida melhor, mas o sistema não inseriu todos, causando assim uma

    afluência de pessoas sem ter para onde ir.

    Para Nascimento

    A problemática da criança e do adolescente é ainda [...] um grande desafio, político, econômico, social e cultural, para todas as sociedades, mesmo para aquelas que ingressam em um modo de desenvolvimento considerado hoje pós-moderno e que preconizam os direitos dos indivíduos e dos cidadãos: direito á liberdade de ser sujeito, de ir e de vir, de se expressar, direito á afirmação de sua própria identidade [...]. (NASCIMENTO, 1997, p.13).

  • 24

    Esse contexto reflete a realidade de muitos adolescentes que hoje

    padecem com a pobreza e vivem à margem da sociedade, muito distante do

    que está proposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda há muito a

    se fazer, políticas públicas a serem criadas e projetos a serem aprovados, para

    que esses adolescentes não sejam apenas recolhidos como era feito antes e

    ainda nos dias de hoje, mas que aconteçam reformas nas políticas públicas e

    seja amenizada a triste realidade dessa população de rua que está exposta

    todos os dias a todo tipo de violência que a rua apresenta.

    Sobre população de Rua Nascimento complementa:

    Os mendigos dormindo nas ruas, em pleno dia, e as pessoas que vão as compras ou ao trabalho passando por cima deles ou evitando-os, é uma imagem emblemática. Os prostrados no solo não são visto como semelhantes, mas como bichos, espécies distintas. Estão sujos, cheiram mal e são feios... pedaços perdidos da humanidade. (NASCIMENTO2000, p. 56).

    Essa é uma cena corriqueira nos dias de hoje nas grandes cidades.

    Quantas vezes não nos deparamos com meninos e meninas de rua nos

    lugares públicos? A sociedade e o Estado têm naturalizado esse

    acontecimento, que só tem aumentado e trazido diversas discussões no âmbito

    acadêmico. Mas apenas falar, não adianta, pois esses adolescentes que estão

    nas ruas necessitam de ações urgentes e de políticas públicas que lhes

    assistam.

    Mas o autor Bursztyn (2000, p.19) salienta que “viver no meio da rua não

    é um problema novo”. Isso é fruto das raízes históricas. Esse passado traz

    consigo um estigma de que a maioria dos que se encontram em situação de

    rua é marginal, a sociedade e o Estado os julgam pelo modo de se vestir, falar

    e principalmente pelo próprio fato de estar nas ruas. Desta forma, concordamos

    com a afirmação de Medeiros (1995) apud Câmara et al. (2000, s/p) quando ele

    diz que:

    Não podemos perder de vista que mesmo muitas vezes rotuladas pela sociedade como anti-sociais e

  • 25

    infratores, são crianças e adolescentes que se encontram em suas respectivas fases de crescimento e desenvolvimento, e também que apesar de permanecerem pelas ruas sujeitas aos riscos pessoais e sociais característicos do universo da rua, nem sempre compõem um grupo naturalmente predisposto ao crime e à marginalidade.

    Essa afirmação nos faz refletir sobre o padrão que a sociedade impõe

    sobre os indivíduos e com isso os que estão nas ruas são categorizados como

    aqueles que causam perigo a quem quer que seja e não percebem que eles

    também estão sujeitos aos perigos eminentes da rua. Não podemos afirmar

    com veemência que todos eles não têm envolvimento com a violência e o

    crime, mas podemos perceber o quanto esses adolescentes foram excluídos

    da sociedade de forma geral, pois estão desvalidos nas ruas, sem orientação,

    sem escola, sem o apoio do Estado e a única atitude que se tem é

    simplesmente ignorar esse fato que aumenta cada dia mais.

    Sendo assim, consideramos relevante uma discussão teórica sobre as

    varias faces da adolescência e suas características, perpassando as mais

    variadas mudanças que são típicas dessa fase.

    1.2 - A adolescência e suas particularidades

    Afinal, alguém pode explicar o que é ser um adolescente? O que ele

    sente e pensa? Como definir essa fase crucial na vida de uma criança que está

    prestes a enfrentar esse momento? São muitas indagações, pois sabemos que

    essa etapa vem acompanhada de surpresas.

    Falar de adolescência é sinônimo de mudanças. É uma fase

    caracterizada por grandes transformações tanto físicas quanto psíquicas.

    Segundo Calligaris (2000) “[...] ele não é mais nada, nem criança amada, nem

    adulto reconhecido [...]” (pg. 24), ou seja, é um momento em que o adolescente

    deixa de ser criança, mas não sabe o que realmente está se tornando, pois ele

  • 26

    ainda não é um adulto, isso se torna um momento muito conflituoso na cabeça

    do adolescente, pois nem mesmo ele sabe quem é.

    Geralmente, a adolescência para a maioria das pessoas é marcada pela

    puberdade, ou seja, pelas mudanças ocorridas em seu corpo do jovem,

    fazendo com que se torne cada vez mais parecido com um adulto, mas, ao

    mesmo tempo, essas modificações não permitem que ele se torne uma pessoa

    madura e independente.

    Diante do exposto, Calligaris afirma que:

    O começo da adolescência é facilmente observável, por se tratar da mudança fisiológica produzida pela puberdade. Trata-se, em outras palavras, de uma transformação substancial do corpo do jovem, que adquire as funções e os atributos do corpo adulto (CALLIGARIS, 2000, pg.19).

    A palavra “adolescer”7 vem do latim e significa crescer, desenvolver-se.

    Essa fase é o período da busca pela personalidade, das descobertas, das

    conquistas, das dúvidas, é a fase das contestações. Eles gostam de viver em

    grupos e sentem a extrema necessidade de amar e ser amados. Essa é a

    idade em que vivem mudanças rápidas, porém profundas que acabam

    influenciando o comportamento, no que diz respeito à família, religião e a

    sociedade de forma geral (FIER, 2007).

    Essas mudanças no desenvolvimento, segundo Zagury (2009), são

    comuns à idade, pois essas modificações tanto físicas como psicológicas tem a

    finalidade de preparar esse adolescente para torna-se um adulto futuramente.

    O autor destaca também que, para que haja um desenvolvimento saudável

    nessa fase da vida, é necessário que os pais mantenham um bom

    relacionamento com seus filhos adolescentes, pois assim perceberão o quanto

    essa fase é fantástica, e mesmo com as dificuldades que são comuns, poderão

    viver momentos incríveis com eles, apesar dos transtornos que a própria fase

    traz á tona.

    7 Disponível em: http://www.paralerepensar.com.br/josefierapalavraadolescer.htm. Acesso em

    16/05/13.

    http://www.paralerepensar.com.br/josefierapalavraadolescer.htm

  • 27

    O autor francês Áries (1981), em seu livro História Social da Criança e

    da Família, afirma que o termo infância foi construído ao longo da História, e

    destaca que a criança não era vista como uma pessoa em desenvolvimento. As

    crianças e adolescentes tinham acesso a brincadeiras abrasivas, participavam

    das festas, das conversas, jogos e trabalhos dos adultos, ou seja, eram

    tratados igualmente, não existia ainda nenhuma concepção de que a criança e

    o adolescente necessitavam de cuidados especiais de acordo com sua idade.

    Após longos anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma

    no artigo 2° que é considerado adolescente aquele entre doze e dezoito anos

    de idade incompletos, sendo garantido por lei o direito ao desenvolvimento

    físico e social saudável, diferentemente do que foi supracitado por Áries (1981).

    Nesse sentido, o ECA nos artigos seguintes enfatiza sobre os direitos inerente

    a criança e ao adolescente.

    Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos

    fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção

    integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por

    outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes

    facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em

    condições de liberdade e de dignidade.Art. 4º É dever da família, da

    comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com

    absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à

    saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à

    profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

    convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).

    Oliveira (2001) destaca complementando que “[...] a adolescência pode ser

    compreendida mais como um trabalho psíquico do que como uma faixa etária,

    porque a sua durabilidade não dependerá tanto da idade, mas do peculiar

    tempo de cada sujeito para a realização desta operação subjetiva de buscar

    um lugar”. (p. 35).

    Portanto, a adolescência não é caracterizada apenas pela idade, mas

    existe toda uma maturidade a ser alcançada no decorrer dessa fase, uma vez

  • 28

    que cada ser humano tem sua subjetividade, seus limites. Portanto, não é

    possível classificar definitivamente o que é ser adolescente apenas pelo

    período de vida de cada indivíduo.

    Frota em seu artigo, afirma que:

    A adolescência, portanto, deve ser pensada para além da idade cronológica, da puberdade e transformações físicas que ela acarreta, dos ritos de passagem, ou de elementos determinados aprioristicamente ou de modo natural. A adolescência deve ser pensada como uma categoria que se constrói, se exercita e se reconstrói dentro de uma história e tempos específicos. (FROTA, 2007; p.157).

    É de suma importância fazer uma alusão sobre essas características

    que geralmente são observadas na fase da adolescência, mas levando em

    consideração que esse processo não é sinalizado apenas pelas mudanças

    corporais, mas esse período é justamente o de adequação e de aprendizagem,

    entretanto também é o momento em que os erros são constantes, ou seja, é

    como se tudo o que aprendeu na infância não tivesse tanta importância sendo

    agora necessárias certas mudanças na forma de se comportar, falar, se vestir e

    até brincar. Também é importante frisar que é preciso ter um olhar peculiar e

    específico, pois cada adolescente tem sua cultura, seu desejo, vive em

    situações econômicas e sociais diferentes.

    Ainda sobre a temática adolescência, vale ressaltar que ser adolescente

    está ligado também aos mais variados aspectos sociais, culturais ou

    financeiros de cada pessoa. Partindo dessa mesma suposição o autor Osório

    (1989) citado por PIMENTEL (2010, p.46) julga que a adolescência é um

    privilégio vivido apenas pelas pessoas mais favorecidas, ele estima que é “um

    luxo não permitido aqueles que estão empenhados na encarnecida luta por

    subsistência. Estes apenas experimentam a puberdade”.

    A puberdade geralmente é a primeira característica citada quando se

    trata de adolescência, por isso geralmente confundem-se. A primeira distingue-

    se pelas mudanças físicas e biológicas enquanto a adolescência corresponde

  • 29

    ao próprio desenvolvimento comportamental e psicológico, ou seja, é um

    conjunto de mudanças que ocorrem simultaneamente. (CALLIGARIS, 2000).

    Portanto, ao fazermos uma síntese sobre os conceitos supracitados

    compreendemos que a adolescência é uma metamorfose, pois está em

    constante mudança, trazendo em cada adolescente uma ânsia de chegar à

    idade adulta, de desfrutar da tão sonhada independência e, principalmente, do

    reconhecimento.

    Para Calligaris 2000, a adolescência é marcada pela construção de sua

    identidade, é o momento em que o jovem está à procura de saber quem ele é,

    o que vai ser, quem são seus amigos e o que pensam a respeito dele. É uma

    fase em que procura ser reconhecido, pois até então não sabe realmente o que

    é ser um adolescente e muito menos até quando vai permanecer nessa fase.

    Finalizamos essa categoria com uma citação do autor Becker citado por

    Pimentel. Essas palavras finais do autor referido fazem uma síntese de todas

    as teorias citadas nesse texto, dessa forma achamos de suma importância

    mencioná-la, para complementar os conceitos já aludidos.

    Então, um belo dia, a lagarta inicia a construção do seu casulo. Este ser que vivia em contato íntimo com a natureza e a vida exterior, se fecha dentro de uma “casca”, dentro de si mesmo. E dá início á transformação que levará a um outro ser, mais livre, mais bonito(segundo algumas estéticas) e dotados de asas que lhe permitirão voar. Se a lagarta pensa e sente, também o seu pensamento e o seu sentimento se transformarão. Serão agora o pensar e sentir de uma borboleta. Ela vai ter outro corpo, outro astral, outro tipo de relação com o mundo. (BECKER, 1997; p.32).

    Frequentemente acontece dessa maneira, o adolescente de repente

    acorda e percebe que não é mais o mesmo, o seu corpo está mudando, o seu

    humor está constantemente alterando e onde estão os seus brinquedos?

    Abandonou-os, pois isso é coisa de criança. As pessoas já não olham mais

    para ele como uma criança que precisa de colo, carinho e atenção. Os adultos

    começam a cobrar responsabilidades e é justamente nessas circunstâncias

    que eles se escondem do mundo e iniciam os seus questionamentos em

  • 30

    relação à vida. Entendemos então, que esse momento é crucial para a

    construção de uma nova identidade e mais maturidade. Depois dessa etapa,

    espera-se que o adolescente compreenda os fatos ocorridos em seu próprio

    corpo e mente, levando-o à vida adulta, o momento em que ele mais espera.

    Desta forma, devemos salientar a importância da família nesse período de

    desenvolvimento dos adolescentes e para tanto, apresentamos algumas

    considerações sobre família e o quanto ela pode influenciar em suas vidas.

    1.3 – A importância da família na adolescência.

    Ao longo dos anos a família vem passando por diversas transformações

    em relação a sua estrutura, modelo e costume. Hoje, o conceito de família é

    bem diversificado, é quase impossível encontrar uma definição para a mesma,

    pois sabemos que, atualmente, família não é somente pai, mãe e irmão, mais

    ganhou uma ampliação, de forma que não podemos defini-la como acontecia

    anteriormente, ou seja, existia um modelo padrão, o qual foi reproduzido por

    muitos anos.

    Com base no que foi comentado acima, segundo Gomes& Pereira

    (2003) apud Morais (2010) et. al temos que:

    Historicamente, a definição de família esteve pautada nas relações de parentesco, as quais envolviam apenas os laços consanguíneos, a filiação e o casamento, definido assim o modelo nuclear como hegemônico perante a sociedade. No entanto mudanças econômicas e sociais mobilizaram novas configurações e formas de organizações familiares. (MORAIS, 2010, p. 178).

    Estas transformações que ocorreram trouxeram mudanças significativas

    nas relações familiares, pois através delas, segundo Morais et.al. (2010), as

    famílias foram divididas em duas classificações: entre a família que é

    idealizada e a família em sua realidade, ou seja, existe uma distancia entre o

    ideal e o real. O ideal seria a formação de uma família nuclear8, mas o real é o

    que certamente é vivenciado diariamente nas relações familiares.

    8 Família nuclear é formada por pais e filhos numa mesma casa.

  • 31

    O aparecimento de novas configurações familiares9 conseqüentemente

    tem causado muitos conflitos, separação dos pais, situação de abandono,

    violência, e em muitas circunstâncias, o vínculo familiar é rompido trazendo

    conseqüências severas para toda a família, principalmente para as crianças e

    adolescentes. Sendo assim, essa fase que por natureza já é turbulenta e

    enxurradas de subversões, as dificuldades sofridas por cada família tende a

    influenciar em suas relações e conseqüentemente os laços familiares tornam-

    se frágeis.

    Neste item, a família tem papel fundamental em direcionar o adolescente

    em seu caráter, princípios e principalmente ensinar e ter os cuidados básicos

    que um adolescente necessita para um desenvolvimento saudável e feliz.

    Ainda sobre a importância do papel da família na vida dos adolescentes.

    Kaloustian afirma que:

    A família é a principal responsável pela alimentação e pela proteção da criança, da infância à adolescência. A iniciação das crianças na cultura, nos valores e nas normas de sua sociedade começa na família. Para um desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança deve crescer num ambiente familiar, numa atmosfera de felicidade, amor e compreensão. (KALOUSTIAN, 2011; p. 05).

    Assim, a participação da família é de extrema necessidade na formação

    da percepção em relação ao que diz respeito à vida do adolescente em todos

    os aspectos, pois é na família que aprendemos o valor do outro, a importância

    da educação, do respeito, do afeto, das conquistas, dos relacionamentos

    interpessoais, uma vez que todos os dias novos desafios estão postos nesse

    período da adolescência, posto que é o momento em que a família se torna um

    referencial para a vida adulta.

    9 Destacamos algumas configurações familiares: A monoparental é comandada por um único

    responsável adulto, as famílias reconstituídas são formadas por padrastos, madrastas e novos irmãos e a família ampliada que é composta por avós, tios, amigos, vizinhos etc.

  • 32

    Rizzine (2007), também ressalta que o adolescente tem direito à

    convivência familiar, contudo existem milhares deles espalhados por todo

    Brasil, tendo seus direitos violados e sofrendo violência e descaso nas ruas,

    pois segundo o ECA (1990), como já foi supracitado, é dever da família,

    sociedade e do Estado lhes garantir um desenvolvimento favorável e

    principalmente direito à uma vivência familiar e comunitária harmoniosa que é

    de extrema importância para sua desenvoltura no meio em que vive.

    Zagury (2009) comenta que a família é uma grande influenciadora na vida

    desses adolescentes, tanto positivamente como negativamente, pois se dentro

    de sua casa a vivência é harmônica, há respeito uns pelos outros, diálogo e

    paciência a probabilidade dos pais amenizarem a ida desse jovem para as ruas

    em busca de amigos, por más companhias, e que provavelmente lhes mostrará

    caminhos errôneos, será muita, uma vez que tudo que é importante e

    necessário ele encontrará em seu ambiente familiar.

    Em contrapartida, existem as famílias que vivem diversos tipos de

    dificuldades e toda essa teoria citada infelizmente não é praticada, pois os

    problemas são tantos que eles não encontram espaço para esse tipo de

    assunto, já que estão mais preocupados com o que precisam fazer para manter

    suas famílias. Essa realidade atinge milhares de famílias que hoje vivem

    condições sub-humanas e ainda são cobradas e julgadas por não terem

    condições de sustentar e educar seus filhos, pois a pobreza os atingiu de tal

    forma que nem o básico para viver os pais consegue prover para sua família.

    Então, Osório afirma a importância da participação da família e da

    sociedade.

    A participação de cada um de nós, como cidadãos, é obviamente a gota de água indispensável para que se forme o caldal de boa vontade e espírito coletivo capaz de transformar a sociedade. A família, como unidade matricial do corpo social, tem, contudo, seu papel a desempenhar. A forma como as relações humanas se processam no âmbito da família é o modelo interacional para o funcionamento das coletividades [...]. (OSÓRIO, 1996, p.86).

  • 33

    O autor menciona a importância dessas duas participações, pois para

    ele são elementares para amenizar a desigualdade e a injustiça social.

    Também percebemos o quanto as famílias em situação de vulnerabilidade

    precisam de atenção básica, visto que muitas vezes seus filhos lhes são tirados

    por não conseguirem mantê-los, com isso o vínculo familiar é quebrado e como

    resultado dessa separação, vem o desapego à família, a insensibilidade, em

    muitos casos a rebeldia, dentre outros. A seguir, iremos continuar tratando

    sobre a adolescência, mas dessa vez sob um ponto de vista diferente, o

    adolescente que vive essa fase e ao mesmo tempo enfrenta a pobreza.

    1.4 - A adolescência e a pobreza

    No filme “Crianças Invisíveis”, dirigido por Veneruso (2005) ocorre uma

    cena em que um adolescente chamado Ciro, que vive na periferia de Nápoles,

    em uns prédios com aparência de abandonado, sem perceber escuta seu

    padrasto e sua mãe brigando por causa da falta de condições financeiras. Em

    uma das falas de sua mãe, o garoto a ouve afirmar que não suporta mais

    aquela situação, o dinheiro não estava suprindo nem as necessidades básicas

    da família e que a partir daquele dia o menino Ciro teria que colocar dinheiro na

    mesa e ajudá-la nas despesas de casa.

    Nas cenas seguintes, o adolescente começa a se envolver com más

    companhias, planejar roubos e conseguir seu próprio dinheiro. Dentre várias

    cenas, destaca-se a que ele troca produtos roubados por dinheiro e também

    por fichas para brincar em um parque de diversão e comprar algodão doce. No

    decorrer da história, ele continua a submergir no mundo da criminalidade, e é

    importante frisar que em algumas partes do filme, ele relembra as amargas

    palavras de sua mãe. Também podemos perceber o contraste dos desejos

    daquele menino, roubava para manter-se, ou até mesmo porque foi o caminho

    mais fácil que encontrou para solucionar de imediato seus problemas, mas no

    profundo de seus anseios infantis, queria apenas realizar desejos que toda

  • 34

    criança e adolescente têm, assim como brincar no parque de diversão, comer

    guloseimas e ser feliz.

    Mas não, ele se vê na obrigação de se sustentar, mesmo sendo apenas

    um adolescente, na verdade, uma criança sozinha, que precisa tão cedo

    enfrentar as dificuldades da vida. E infelizmente no final do curta-metragem, o

    garoto simbolicamente faz uma arma com sua própria mão e aponta para sua

    boca, finge que atira e cai no chão como se estivesse morto. Essa cena

    exemplifica a massacrante realidade dos adolescentes que são privados de

    seus direitos tão cedo, pois a desigualdade social os acompanha desde o seu

    nascimento.

    Diante dessa realidade retratada no filme Rizzini complementa dizendo

    que:

    Além de escapar da incômoda evidência de tanta miséria, preenche-se este vácuo por uma retórica na qual os pobres são desqualificados enquanto pais. Passam a ser vistos como pais que não amam, incapazes de estabelecer vínculos com suas crianças. (RIZZINI, 2003, pg. 53).

    Faz-se necessário salientar que as condições econômicas de uma

    família não são o mais importante, mas é de extrema necessidade para que os

    seus membros venham desenvolver-se em todas as formas, principalmente se

    tratando de adolescentes, uma vez que esse período é composto de decisões,

    conquistas, alegrias e tristezas, pois quando uma família está bem em todos os

    aspectos, ela sente-se segura em apoiar os filhos e dar todo um suporte para

    um futuro digno. Mas também não significa dizer que quando determinada

    família não tem uma boa condição financeira seja incapaz de proporcionar um

    vínculo familiar forte o suficiente para enfrentar as dificuldades juntos e superar

    até mesmo a pobreza.

    Becker (2011) salienta que abandono e pobreza tende a ser confundido

    no seu conceito, pois existem muitas crianças e adolescentes em situação de

    rua ou nos abrigos que possuem vínculos com seus familiares em sua maioria.

    A causa que os levam a situação de vulnerabilidade na maior parte das vezes

  • 35

    não é a negligência dos pais, mas sim uma estratégia de sobrevivência, pois

    como foi relatado acima, no filme “Crianças Invisíveis”, podemos perceber essa

    relação de pobreza e abandono, e muitas vezes o senso comum que julga as

    famílias dizendo que elas abandonam e não sabem educar seus filhos sendo

    essa a razão pela qual eles estão nas ruas fazendo o que é errado.

    Portanto, é importante desmistificar esse pré-conceito, pois a autora

    Becker (2011) afirma que “se abandono existe, não se trata de crianças e

    adolescentes abandonados por seus pais, mas de famílias e populações

    abandonadas pelas políticas públicas e pela sociedade” (p. 63). O ECA (1990)

    frisa também, especificamente no artigo 23, que “a falta ou a carência de

    recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão

    do poder familiar” e no parágrafo único do artigo 23 afirma que quando a

    família não possuir uma boa condição econômica para permanecer com as

    crianças e adolescentes no seio familiar, esta deve ser incluída em programas

    oficiais de auxílio, para que seja possível efetivar o direito a convivência familiar

    e comunitária. (BRASIL, 1990).

    Enfim, as políticas públicas têm deixado a desejar quanto a essa

    problemática, pois segundo o ECA (1990), o Estado tem o dever de assumir a

    responsabilidade nessas situações apresentadas para dar subsídios as famílias

    para que possam permanecer com seus filhos e apoiá-las no desenvolvimento

    deles.

    Kaloustian afirma que:

    Por detrás da criança excluída [...] nas favelas, no trabalho precoce urbano e rural e em situação de risco, está a família desassistida ou inatingida pela a política oficial. Quando esta existe, é inadequada, pois não corresponde as suas necessidades e demandas para oferecer o suporte básico para que a família cumpra, de forma integral, suas funções enquanto principal agente de socialização dos seus membros, crianças e adolescentes principalmente. (KALOUSTIAN, 2011, p. 13).

    Diante dessa realidade percebemos o quanto as famílias precisam da

    mínima atenção básica para que possam exercer o direito que já lhe pertence,

    que é o de criar e educar seus filhos de forma que eles sejam inseridos e

  • 36

    tenham seus direitos efetivados, tais como: saúde, educação, lazer, moradia,

    convivência familiar, entre outros; ou seja, para que esses filhos tenham a

    oportunidade de crescer e desenvolver tanto o físico quanto o intelecto, que

    venham ser vistos como cidadãos que contribuem para o bem comum e para

    que tanto a família como o adolescente possam compreender a importância da

    participação familiar em seu crescimento e o quanto ela pode influenciar em

    seu futuro.

    O autor supracitado afirma que a família não é apenas responsável pelo

    comportamento de seus filhos, mas sim pela trajetória de vida que cada

    membro vai fazer individualmente, como a formação de uma nova família,

    enfrentar o mercado de trabalho, etc. Ele comenta que nas famílias mais

    pobres esse trajeto acontece de maneira traumática, pois o processo depende

    das condições econômicas e das formas de sobrevivência que se dá em cada

    família.

    Segundo Carvalho

    Vive-se no Brasil hoje um verdadeiro “apartheid” 10

    entre ricos e pobres. Não se percebe, mas este “apartheid” é notório especialmente nas regiões metropolitanas, onde a maioria da população vive em cortiços, favelas e casas precárias das periferias, excluídos não apenas do acesso a bens e serviços, mas também do usufruto da própria cidade. A pequena população rica vive em bairros que são verdadeiros condomínios fechados com todos os bens e serviços disponíveis. (CARVALHO, 2011, p. 96).

    A desigualdade em todos os aspectos tem causado uma verdadeira

    divisão até mesmo geográfica. Segundo o autor referido a população mais

    desprovida de recursos financeiros vive o processo de exclusão a começar

    pelos serviços básicos que uma sociedade precisa, sem mencionar que

    quando algumas comunidades com muito sacrifício constroem seus barracos

    ou simples casas de alvenaria, onde o Estado por motivo de higienização, ou

    10

    Apartheid ("vida separada") é uma palavra de origem africana, adotada legalmente em 1948 na África do Sul para designar um regime segundo o qual os brancos detinham o poder e os povos restantes eram obrigados a viver separados dos brancos, de acordo com regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos. Disponível em http://questionadora.blogspot.com.br/2009/07/o-significado-de-apartheid.html acesso no dia 05/11/2013

    http://questionadora.blogspot.com.br/2009/07/o-significado-de-apartheid.html

  • 37

    seja, estética da cidade e também por causa de grandes eventos,

    simplesmente dá ordem para demolir suas casas, os seus sonhos.

    Nascimento (2000), comenta que “[...] os excluídos não têm lugar.

    Vagabundeiam pelos interstícios das cidades [...]”. (p.66). E Bursztyn (2000,

    p.38), afirma que os excluídos “[...] São os sem-teto, sem moradia, sem

    trabalho, com seus vínculos familiares rompidos, que fazem do espaço da rua

    sua morada [...]”. Pelo exposto, percebemos o quanto a desigualdade causa a

    exclusão social, pois estamos habituados nessa sociedade a valorizar as

    pessoas que possuem algo a oferecer, damos valores aos próprios interesses,

    não nos importando com aqueles que estão a vaguear nas ruas sem destino,

    sem esperança de dias melhores, como diz a música da banda Jota Quest11:

    “Vivemos esperando o dia em que seremos melhores, melhores no amor,

    melhores na dor, melhores em tudo [...]. Dias melhores pra sempre [...]”.

    Todas as pessoas desejam desfrutar de dias melhores, de uma vida

    digna e sem privação de direitos, mas a realidade vivida pelos adolescentes

    que por causa da pobreza e da miséria têm suas vidas impactadas e marcadas

    pela violência, fome, drogas e abandono escolar, tem como consequência, na

    maioria das vezes, a quebra da convivência familiar, uma vez que tanto a

    família quanto o adolescente estão excluídos da sociedade, causando

    progressivamente a distância entre eles, seja geográfica ou afetivamente.

    Por fim, salientamos o quanto é importante compreendermos essa etapa

    da adolescência, pois assim saberemos como lidar com as situações postas,

    bem como frisar a necessidade da participação da família nesse momento

    crucial na vida deles e o quanto ela pode entusiasmá-los a crescer em todos os

    aspectos, sem deixar de destacar que os jovens nessa fase que vivem em

    situação de vulnerabilidade necessitam de atenção. O que adianta a família ter

    vontade de educar e proporcionar um futuro melhor para seus filhos se as

    condições financeiras as limitam? Se a sociedade os desprezam e se o Estado

    os abandona? No próximo capítulo iremos acompanhar como acontece o

    11

    Jota Quest é uma banda de pop rock formada em Belo Horizonte em 1993.

  • 38

    processo da casa para a rua, como os adolescentes, segundo os autores

    referenciados, percebem esse universo e também como se deu o processo de

    institucionalização no Brasil e quais as mudanças ocorridas.

  • 39

    2. O TRAJETO DA RUA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO

    2.1 - O caminho da rua começa a ser trilhado

    “Desde que sou gente a rua é meu mundo,

    vivendo como indigente neste isolamento

    profundo”.

    Francisco Fernandes Nascimento12

    Ao sairmos diariamente de nossas casas passamos por diversas ruas,

    seja a pé, de ônibus ou carro, nas quais encontramos um universo cheio de

    diversidade, composto por pessoas que seguem individualmente o seu

    caminho. E é no espaço da rua que muitas pessoas sobrevivem de maneira

    inumana, pois não encontram outra saída além dela. Sendo assim, é relevante

    que aprofundemos mais sobre essa categoria, a fim de analisarmos o que a rua

    significa para essa população nela habita, especificamente, os adolescentes.

    Morais observa que:

    Quando pensamos em rua, visualizamos um lugar de passagem, um lugar pelo qual devemos passar para chegar até o nosso objetivo final (escola, trabalho, lojas, casas de familiares, amigos etc.). Ao caminharmos a pé ou nos locomovermos de ônibus e automóvel, a rua mostra-se como um conjunto de estímulos (visuais, sonoros e olfativos) que se multiplicam de forma rápida e dinâmica. Além dos estímulos físicos, encontram-se (em maior ou menor quantidade) as pessoas que dela fazem parte e lhe dão cor e vida. Para a maioria dessas pessoas, a rua continua sendo simplesmente um “lugar de passagem”, de impessoalidade (multidão de desconhecidos) e que gera insegurança. (MORAIS, 2010, p.35)

    Para o senso comum, a rua continua sendo apenas um lugar onde

    podemos transitar com o intuito de chegar a um determinado local, assim como

    também realizar atividades físicas e brincadeiras como: futebol, pipas, etc. Mas

    quando chega o final do dia todos caminham em direção as suas casas, seu

    12

    Francisco Fernandes Nascimento é um poeta, natural de Natal - RN

  • 40

    aconchego, seu conforto, pois na rua você está desprotegido, exposto e

    inseguro. Resumindo, realmente ela é apenas um local onde muitos passam,

    mas preferem voltar as suas casas e ter uma boa noite de sono.

    Mas acontece que nem todos podem fazer esse caminho de volta, pois

    para muitos a rua não é mais apenas um lugar de transição, mas sim de

    moradia e também de sobrevivência. Hoje, tem se tornado cada vez mais

    comum vermos os sinais de grandes avenidas repletos de crianças e

    adolescentes mostrando o que sabem e o que podem fazer para conseguir o

    seu próprio sustento e também o da família. A situação precária nas famílias

    traz um peso de responsabilidade muito cedo para esses meninos e meninas

    de rua, pois são obrigados a abandonar sua infância, já que precisam trabalhar

    para garantir pelo menos uma refeição por dia. Gastam toda a sua força

    vendendo balas dentro de ônibus, limpando carros, engraxando sapatos ou

    mesmo mendigando.

    Rizzini enfatiza sobre suas vivências nas ruas.

    Suas vidas são marcadas, desde o início, por adversidades contínuas, forçando-os a circunstâncias desumanas, que vão compondo o pano de fundo de suas trajetórias. Embora ocupem as ruas com sede de viver, suas histórias são pautadas por episódios de fome, brigas, desastres, mortes, perdas, falta de opção, de apoio, de tudo. (RIZZINI, 2003, p.12).

    Então, quando esse adolescente por determinada situação sai de seu

    ambiente familiar para as ruas, já traz consigo feridas abertas, mágoas,

    ressentimentos, solidão e tristeza. A sua ida para as ruas é como se fosse a

    solução dos seus problemas, ficam “a mercê da sorte”, vivendo de maneira

    inumana, como se fossem o que sobrou da sociedade: o resto, inútil, sem valor

    algum. Mesmo que a aproximação com a rua, embora muitas vezes, seja em

    prol de sua sobrevivência, o adolescente está tão fragilizado que qualquer

    pessoa de má influencia completa o vazio que as circunstâncias da vida lhe

    proporcionaram. Dessa forma, a ida para as ruas começa a ganhar um atrativo,

    não apenas pelo fato do trabalho, mas sim, pelos vínculos que são feitos.

  • 41

    Morais, et.al. (2010) enfatiza que a ida para as ruas não acontece de

    repente, existe um processo que acresce gradativamente o elo com as pessoas

    que já fazem parte desse espaço, geralmente esse processo de aproximação

    com a rua se dá justamente pelo rompimento de vínculo na sua família e

    também na sociedade. Com isso, aquele menino que ia para as ruas apenas

    para trabalhar ou encontrar os amigos, de repente, percebe que quanto mais

    tempo ele passa fora de casa, mais se afasta dos problemas que tanto lhe

    perturbam e tiram a sua alegria. Tudo isso vai aproximando ele cada vez mais

    das ruas e o distanciando do espaço de casa porque, nesse ambiente

    consegue dinheiro e comida, quase sempre pedindo, já que não tinha acesso a

    esses itens no meio familiar. Sem nem perceber, esse adolescente se encontra

    vivendo nas ruas, mudança essa que se dá por vários fatores, uma vez que a

    autora afirma que há uma vulnerabilidade que predispõe crianças e

    adolescentes irem para as ruas e na maioria das vezes começam indo para os

    sinais como “flanelinhas”, vendendo água, bombons e etc.

    Para melhor compreensão, a autora supracitada (2010) define o que é

    vulnerabilidade social: “[...] é o resultado negativo da relação entre a

    disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores [...] e o acesso

    à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do

    Estado, do mercado e da sociedade”. (p. 38). Sendo assim, é possível entender

    que a falta de acesso a recursos básicos resulta na precariedade na forma em

    que vivem, ou seja, são impossibilitados de suprir por seus próprios meios às

    situações de suas vidas em determinados aspectos, sejam eles econômicos,

    sociais, entre outros.

    Para exemplificar as situações de vulnerabilidade que esses

    adolescentes sofrem, trazemos aqui alguns dados para basear o que ocorre

    com eles antes de irem para as ruas. De acordo com uma pesquisa13 anual, na

    cidade de Fortaleza no ano de 2010, existem alguns fatores determinantes

    para que isso aconteça.

    13

    Disponível em http://www.criançanaoederua.org.br/pdf/Pesquisa_Anua_Fortaleza_2010.

  • 42

    Quadro 1 - Distribuição por motivo de ida para as ruas.

    Motivação de ida para as

    ruas

    ABS %

    Abuso sexual 2 1,0

    Exploração sexual 25 13,1

    Amigos 7 3,7

    Conflitos comunitários 24 12,6

    Drogas 7 3,7

    Exploração do trabalho

    infantil

    9 4,7

    Miséria 18 9,4

    Vínculos familiares

    fragilizados

    24 12,6

    Violência doméstica 7 3,7

    Outros 68 35,6

    Fonte: Pesquisa anual de Fortaleza 2010. “Continuação” Quadro 1.

    Esses fatores contribuem com a ida de crianças e adolescentes para as

    ruas de Fortaleza. Segundo Morais, et.al (2010), esse caminho para as ruas se

    mostra como uma alternativa de sobrevivência ao ambiente e situações que

    vivenciam diariamente. Alguns dados ganham um maior destaque nas

    motivações, dentre eles, enfatizamos a miséria e os conflitos familiares. Com

    isso, as ruas acabam de certa forma se tornando um espaço de fuga para

    esses meninos que estão nas ruas. Não que a rua seja uma boa opção, mas

    de acordo com um estudo realizado por Leite (1991, 1998, 2005), Morais

    (2005) e Westphal (2001) apud Morais et.al.

    O (a) menino (a) que vai para a rua, inúmeras vezes, está fugindo de dados reais da sua vida, como: condições de moradia precária, insalubridade, “casa cheia”, violência doméstica, fome, exploração pelo trabalho etc. Assim, procuram escapar dos fatores ambientais e psíquicos que lhe causam danos físicos e psicológicos, mesmo que isto não lhes seja consciente. (2010, p. 70).

    A rua é o caminho que eles encontram para não encarar as dificuldades

    dentro de casa, com isso ela torna-se um espaço diversificado e usado para o

  • 43

    trabalho infantil, mendicância e muitos outros. Como conseqüência disso,

    ocorre o baixo rendimento escolar ou o abandono, uso de drogas, revolta,

    roubos, etc. Por fim, começam a viver longe de casa, tentando de todas as

    formas sobreviver como pode, além de enfrentar o medo e a violência que

    existem nas ruas. A rua é vista como um local inseguro, principalmente nos

    dias atuais em que a violência tem gerado pânico nas pessoas, tendo como

    resultado desconfiança e preconceito por aqueles que estão nas ruas. Enfim,

    ausentam-se do seu ambiente familiar em busca de sobreviver e resistir às

    circunstâncias vividas.

    Dirk apud Graciani (1997) apud Gomes e Pereira (2003) esclarece que:

    Viver na rua significa viver em um espaço público, um espaço livre e aberto a toda população. Mas, por isso, um espaço anônimo. Ao contrário da casa, na rua as pessoas não têm nome, nem identidade pessoal, apenas funcional. A rua é para todos e para ninguém: indivíduos não têm importância, seus traços desapareceram. Eles se tornam circunstâncias abstratas e podem facilmente ser vítimas de ações gerais de violência e agressão. (2003, p. 115).

    Os quem vivem nas ruas acabam tornando-se invisíveis diante da

    sociedade, pois não são identificados por seus nomes, não possuem um

    espaço confortável para morar, antes, passam a maior parte do seu tempo em

    um lugar que pertence a todos, a rua. Os nomes que recebem são pejorativos,

    carregados de marcas e estigmas. Entre eles, como já foi citado

    “trombadinhas”, “mendigos”, “mirins” “vagabundos”, “sem educação”,

    “flanelinhas”. São inúmeras as qualificações dadas a esses adolescentes que

    estão a vagar pelas ruas de Fortaleza à procura de serem reconhecidos

    simplesmente como seres humanos, adolescentes, sujeitos de direitos, assim

    como outros. No próximo tópico iremos abordar as diferenças encontradas no

    espaço da casa e da rua, como a sociedade caracteriza esses espaços e como

    ela percebe as pessoas que nela vivem.

  • 44

    2.1.1 - Entre a casa e a rua

    Da Matta (1997), faz uma síntese sobre as diferenças encontradas entre

    a casa e a rua. Ele comenta que em casa somos livres para ter certas atitudes,

    que na rua seria impróprio e causaria contestações como, por exemplo, “exigir

    atenção para nossa presença e opinião, querer um lugar determinado e

    permanente na hierarquia da família e requerer um espaço a que temos direito”

    (p.19). Quando uma pessoa está em sua casa ela tem um espaço que é seu,

    tem um nome, uma classificação, ou seja, é um filho, tio, sobrinho, é alguém,

    realiza um papel na sociedade, na comunidade em que vive, mas nas ruas,

    quem é por eles? Quem os é?

    DaMatta (1997) continua discorrendo que a casa é um local de

    tranquilidade, recuperação e comodidade, ou seja, é um espaço de

    demonstração de amor, ternura, afeto e cuidado. O autor destaca que em casa

    somos todos “supercidadãos”. Mas na rua, será que temos voz, será que

    alguém nos enxerga? Qual é a nossa identidade?

    Segundo DaMatta (1997, p. 19), na rua somos “[...] indivíduos anônimos

    e desgarrados, somos quase sempre maltratados pelas chamadas

    “autoridades” e não temos nem paz nem voz. Somos rigorosamente

    “subcidadãos” [...].” Diante disso, compreendemos que a rua extrai a

    subjetividade daquele que está exposto a ela, não restando nem sequer o

    direito de ser respeitado como cidadão e também como ser humano.

    Escorel (1999, p.11) enfatiza que “Os cidadãos são indivíduos

    portadores de interesses e direitos legítimos, são sujeitos com poder de agir e

    falar”. Mas infelizmente, quando se está nas ruas, esse legítimo direito

    submerge juntamente com sua dignidade e seus valores, além dos seus

    direitos civis que é o acesso à educação, moradia, saúde, entre outros.

    Esses indivíduos sem vínculos com o mundo do trabalho e da cidadania

    em que não podem usufruir dos direitos que já lhes foram concedidos, além

  • 45

    das limitações humanas de sobrevivência, não causam interesse e importância,

    são inúteis, exoneráveis e desnecessários para a sociedade. (ESCOREL,

    1999). A rua torna-se um lugar de sobrevivência, pois eles vivem o presente,

    certos de que o futuro não está as suas vistas, pois “torna-se permanente o

    processo de morrer”. (Escorel (1997) Apud Arendt (1989); p,81).

    Quando tratamos de adolescentes em situação de rua, temos que eles

    vivem à margem da sociedade, estão morrendo socialmente, sendo excluídos

    desse sistema capitalista e individualista, onde as pessoas não se importam

    com quem está caído em uma calçada, uma vez que essa cena já se

    naturalizou. É normal passar pelas ruas de Fortaleza e ver inúmeros

    adolescentes encontrando o mundo do crime ao invés de estarem na escola,

    no vínculo familiar, na sua comunidade, mas não, estão sozinhos, perdidos e

    recusados.

    Essa é uma situação degradante, pois cada vez mais esses

    adolescentes têm os seus direitos negligenciados e desde muito cedo eles

    iniciam o processo da morte social, começando em seu ambiente familiar,

    depois em sua ida para as ruas e consequentemente adentram nesse processo

    tão desumano e doloroso o qual quando não há a intervenção da família, da

    sociedade e do Estado infelizmente os levam a experimentar além da morte

    social a morte física, mesmo sem ter vivido plenamente. Sobre a visão que a

    sociedade tem da rua e das pessoas que estão nela.

    DaMatta ressalta

    Até hoje a sociedade parece fiel á sua visão interna do espaço de rua como algo movimentado, propício à desgraças e roubos, local onde as pessoas podem ser confundidas com indigentes e tomadas pelo que não são. Nada pior para cada um de nós do que ser tratado como “gente comum” [...], do que ser tomado como uma “mulher da vida” ou alguém que pertence ao mundo do movimento e do mais pleno anonimato. (DAMATTA, 1997, p. 54).

    Necessariamente, quem está nas ruas não é sinônimo de “marginal”,

    muito pelo o contrário, em sua maioria são pessoas em busca de escapar da

  • 46

    fome, pobreza, violência doméstica, entre outros, em busca de resistirem às

    dificuldades que a vida lhe trouxe. Nas ruas, o anonimato prevalece, pois a

    sociedade apenas visualiza sua aparência suja, maltratada e pés descalços.

    Não observam para além da aparência, os seus nomes, sua história, seus

    medos e seus sonhos. Então, essa visão de que a rua é favorável apenas a

    acontecimentos ruins, acaba infelizmente trazendo para os indivíduos que nela

    habitam essa característica de que a rua é perigosa, portanto quem nela vive,

    também é.

    Ainda sobre população de rua, Silva (2009, p. 120) salienta que “É muito

    comum que as pessoas em situação de rua sejam responsabilizadas pela

    situação em que se encontram, por suas “imperfeições” ou “falhas” de caráter.

    Muitas vezes também são tratadas como uma ameaça à comunidade”.

    Frequentemente vemos esse tipo de insinuação, como se a maior parte das

    pessoas que se encontram nas ruas estivessem ali por vontade própria e não

    por circunstâncias da vida. Além de colocar em julgamento seu modo de ser e

    sua integridade.

    Borin apud Silva por sua vez destaca que “os moradores de rua são

    muito estigmatizados (...) eles despertam medo, nojo e descaso”. Silva

    continua sua linha de pensamento dizendo que:

    As práticas higienistas, direcionadas para camuflar o fenômeno, mediante massacres, extermínios ou recolhimento forçado dessas pessoas das ruas, continuam presentes nos tempos atuais, nos grandes centros urbanos do País, até mesmo conduzidas por órgão do poder público. Essas práticas são impregnadas de preconceitos e estigmatizam as pessoas a quem são dirigidas. (BORIN Apud SILVA, 2009; p. 120).

    Essas ações realizadas contra a população de rua simplesmente

    existem para mascarar o problema, muitas vezes parece que o país está

    vivendo um retrocesso, pois ao invés de solucionar essa situação que só tem

    aumentado alarmantemente, parece que essa causa não é problema de

    ninguém, muito menos do governo, uma vez que as medidas tomadas são

    essas imediatistas e carregadas de marcas do passado.

  • 47

    Diante do contexto compreendemos que a rua desde muitos anos é

    caracterizada como um espaço negativo, um local de todos, mas que ninguém

    é valorizado, já que é nesse lugar que estranhos transitam cotidianamente, isto

    é, não se conhecem e nem se cumprimentam, este é o espaço da rua. E por

    fim, o espaço da casa, onde mesmo que não seja um ambiente agradável ou

    como se sonhava é nesse espaço que se dá início ao exercício da cidadania,

    uma vez que em casa é possível ser ouvido e percebido, pelo menos deveria

    ser assim. Mas sabemos que existem muitas contradições sobre os

    relacionamentos familiares em casa, pois muitas das vezes, a violência física e

    psicológica começa dentro do próprio lar.

    No próximo ponto iremos discutir a questão do uso das drogas,

    observando se existe alguma relação com a ida desses adolescentes para as

    ruas e qual é a semelhança existente entre elas: a rua e as drogas.

    2.1.2 – As drogas, a rua e os seus impactos.

    Segundo a reportagem de D’alama (2012) no site G1, através do

    Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD)14, o Brasil é o segundo

    maior consumidor mundial de cocaína e seus derivados. Segundo a pesquisa

    mais de 6 milhões de brasileiros já usaram cocaína e dentro desse grupo 2

    milhões já experimentaram o crack e outras drogas. O estudo observou

    também que o uso de drogas ilícitas começa muito cedo, pois 45% das

    pessoas que usaram a substância pela a primeira vez foram antes dos dezoito

    anos de idade. Esse consumo precoce traz consequências prejudiciais ao

    longo da vida.

    Atualmente podemos perceber o quanto as drogas têm ceifado a vida de

    muitas pessoas, principalmente a dos jovens, pois basta assistir a um

    14

    Disponível em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/09/brasil-e-o-segundo-maior-consumidor-de-cocaina-e-derivados-diz-estudo.html Acesso em 01/12/2013.

  • 48

    programa policial de televisão para observar o quanto ela têm adentrado e

    destruído a vida de muitas famílias. As drogas não escolhem a situação

    econômica, mas é muito provável que as pessoas que estão vivendo de

    maneira precária e vulnerável tenham uma maior possibilidade de se envolver