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Afro-descendentes e os direitos indgenas

Mark Anderson

Universidade da Califrnia em Santa Cruz

I. Introduo

Peter Wade, em seu livro Race and Ethnicity in Latin America (1997), apontou o recente crescimento de movimentos polticos negros na Amrica Latina:

...tem havido um surgimento relativamente recente de negros no cenrio poltico na Colmbia, Brasil e Nicargua, onde medidas constitucionais tm reconhecido as condies dos negros, seja em geral ou de determinados grupos. De alguma forma, isto corresponde a uma realocao da identidade negra em estruturas de alteridade sob circunstncias que a fazem cada vez mais parecida com a identidade indgena (Wade, 1997:37).

Wade sugere que, nos ltimos anos, afro-descendentes tm sido representadose tm representado a si mesmosde maneira semelhante aos povos indgenas. Estas representaes consideram (pelo menos alguns) afro-descendentes como populaes que no somente tm sofrido formas de discriminao e opresso com base na diferena racial mas como povos que mantm uma identidade nica, tradies culturais e relaes com a terra e com determinadas reas territoriais. Estas representaes tambm servem de base para demandas no apenas por direitos individuais como cidados iguais mas por direitos coletivos como sujeitos sociais distintosdireitos preservao cultural e lingustica e direitos a recursos e reas de terra comunal e coletiva. A busca por direitos e recursos atravs de representaes da identidade negra que se parecem com a identidade indgena pode ser vista no somente na Colmbia, Brasil e Nicargua, mas tambm Honduras, Equador, Belize e talvez em vrios outros lugares.

Mas o que significa dizer que formas de mobilizao e representao negras se parecem com a identidade indgena? Qual a relao entre a manifestao poltica por direitos indgenas e as lutas polticas dos afro-descendentes? De que maneiras as demandas, discursos e estratgias das organizaes e ativistas representantes de afro-descendentes so, ao mesmo tempo, similares e distintas das organizaoes indgenas? Porque e em que contextos as demandas dos movimentos de afro-descendentes espelham as demandas, discursos e estratgias dos movimentos indgenas?

O desenvolvimento de uma questo poltica de tipo indgena por parte de organizaes que representam afro-descendentes tem sido moldado pelas formas como atores estatais e internacionais conceptualizam e institucionalizam identidades e culturas indgenas de maneiras diferentes das identidades e culturas afro-latinas. Na maior parte da Amrica Latina, construes histricas (e contemporneas) sobre a alteridade condicionam o reconhecimento de identidades e direitos indgenas em maior escala do que as identidadess e direitos dos afro-descendentes. Historicamente, construes sobre a naofrequentemente concebidas como um projeto de mestiagem assimilacionistatenderam a reconhecer, embora marginalizando, povos indgenas como parte de uma determinada nao, ainda que somente atravs da valorizao do seu passado (na forma de civilizaes perdidas e heris rebeldes). O ndio uma figura que tem sido identificada com as origens da Amrica, a persistncia da tradio e, mais recentemente, com uma relao integral com o meio ambiente e uma relao especial com a terra. Em contraste, afro-descendentes tendiam a ser considerados ou invsiveis como um grupo ou populao tnica distinta (Wade, 1997), ou, quando reconhecidos como tal, a ser representados como estrangeiros perante a nao (ver Gordon, 1998; Harpelle, 2001). Eles so vistos tipicamente como no tendo as qualidades de habitantes originais e de autenticidade cultural atribudas aos ndios. O status cultural diferenciado dos dois grupos est refletido no maior interesse mostrado por antroplogos pelos povos indgenas ao invs dos afro-descendentes. Alm disto, atores transnacionaisde defensores da sobrevivncia cultural organizaes ambientais, ONGs desenvolvimentistas e o Banco Mundialtendem a focalizar sua ateno mais detidamente nos povos indgenas do que os afro-descendentes.

Entretanto, nas ltimas duas dcadas, prticas ativistas comearam a redefinir as posies dos afro-descendentes dentro das estruturas de alteridades latino-americanas. Conforme se discute a seguir, reformas legais relacionadas aos direitos dos afro-descendentestipicamente baseadas nos direitos indgenastm sido implementadas em vrios pases latino-americanos. Alm do mais, instituies poderosas, tais como o Banco Mundial, comearam a incorporar afro-latinos em seus programas, freqentemente em conjunto com iniciativas dirigidas s populaes indgenas. O recente desenvolvimento e relativos sucessos e percalos destas prticas polticasparticularmente na questo do direito terrano pode ser compreendida sem levar em conta a questo poltica contida nas identidades e culturas indgenas.

Este artigo examina a dinmica e a lgica das estratgias polticas de movimentos afro-descendentes que lutam por demandas e reivindicaes a partir de um modelo estrutural baseado nos direitos indgenas. A maior parte do artigo desenvolve uma interpretao da histria e impactos dos movimentos polticos dos Garfuna em Honduras, naquilo em que estes se relacionam com direitos e a questo poltica indgena. O caso do ativismo Garfuna em Honduras particularmente interessante porque representa um dos primeiros e talvez mais bem sucedidos exemplos de um tipo de ativismo negro que se caracteriza por adotar um discurso identitrio e cultural relacionado aos direitos indgenas e s organizaes indgenas como meio para conquistar reconhecimento e direitos como um povo pelo Estado e por outros atores. A seguir, o artigo desenvolve algumas observaes comparativas no que toca ao relacionamento entre afro-descendentes e os direitos indgenas na Colmbia e na Nicargua. Finalmente, o artigo explora os benefcios e retrocessos potenciais em um tipo de poltica que usa os direitos indgenas como modelos para auto-representao e ativismo. O autor espera que estas reflexes possam oferecer uma base para mais discusses e anlises sobre as relaes entre direitos indgenas e os afro-descendentes, sobre estratgias para o ativismo negro e sobre futuras agendas de pesquisa.

Antes de continuar, sinto-me compelido a dizer que tem havido poucos trabalhos sobre a relao entre movimentos indgenas e afro-descendentes e que, de fato, muito da pesquisa sobre as prticas polticas de grupos tnicos e o multiculturalismo na Amrica Latina ignora os afro-descendentes. Deborah Yashar fornece uma rara (embora reveladora) justificativa para a excluso de movimentos polticos negros em sua anlise de movimentos indgenas. A politicizao de identidades negras, que emergem em um contexto histrico diferente, tem sido em grade parte limitada aos movimentos urbanos e tem resultado em tipos de demandas polticas que so diferentes daquelas expressas pelos movimentos indgenas na Amrica Latina (Yashar, 1999:77). Este argumento pode ter sido correto na dcada de 1970 e durante parte da dcada de 1980, mas simplesmente no funciona como uma avaliao das prticas polticas negras a partir da dcada de 1990. Alm do mais, o argumento ignora a variedade de movimentos na regio e importantes semelhanas entre as circunstncias enfrentadas tanto por indgenas quanto por afro-descendentes. J em 1992, Whitten and Torres observavam que:

Movimentos polticos negros na Amrica Latina esto ganhando fora em vrios pases, incluindo Brasil, Colmbia, Venezuela e Equador. Alguns destes movimentos enfrentam prticas discriminatrias atravs da justia e promovem a maior participao negra na arena eleitoral. Outros promovem a negritude e a herana negra, retomando a histria dos negros e insistindo que sua contribuio para a histria nacional seja respeitada. Outros, ainda, procuram autonomia territorial para as indomveis comunidades quilombolas que sobrevivem at os dias de hoje (Whitten and Torres, 1992:15).

O movimento de comunidades quilombolas, em particular, tem semelhanas com os objetivos de muitos movimentos indgenas, o que se reflete na linguagem de autonomia territorial utilizada pelos autores acima, e que tem ganhado cada vez mais destaque na ltima dcada. Em alguns pases, incluindo Colmbia, Equador, Nicargua e Honduras, movimentos de afro-descendentes se mobilizam em torno de questes relativas s populaes rurais e fazem demandas por direitos culturais e territoriais e acesso terra e a recursos que se assemelham s demandas dos movimentos indgenas naqueles pases. At no Brasil, demandas por terras coletivas de quilombos ecoam os tipos de demandas e linguagem sobre tradio tipicamente associada com povos indgenas em reas rurais (Veran, 2002). Isto no quer dizer que a questo poltica afro-descendente seja derivada dos movimentos indgenas, nem que os primeiros no desenvolvam discursos e agendas que sejam diferentes das utilizadas pelos ltimos para confrontar suas caractersticas particulares. Entretanto, importante afirmar que, em muitos casosespecialmente aqueles em que terras coletivas, recursos e direitos territoriais esto em disputa, movimentos de afro-descendentes adaptam a linguagem, demandas e discursos associados aos direitos e movimentos indgenas.

II. A questo poltica Garfuna em Honduras

Grupos tnicos hondurenhos

Honduras tem nove reconhecidos grupos tnicos ou pueblos tnicos autctonos, que incluem (em nmeros de habitantes): Garfuna (250 mil), Negros de lngua inglesa (80 mil), Miskito (64 mil), Tawahka (946), Pech (2.900), Tolupanes (25 mil), Lenca (400 mil), Chort (7 mil), e Nahuas (816) (Fiscala Especial de Etnias y Patrimonio Cultural, 2000). Quando somados, estes grupos representam aproximadamente 13% da populao hondurenha, cuja maioria consiste de mestios. Estes grupos tnicos demonstram considervel variao em termos de localizao geogrfica, condies materiais, experincias histricas e prticas culturais. No entanto, eles tambm compartilham condies histricas gerais e contemporneas de marginalizao e opresso. Eles tm sido considerado como os outros em termos raciaisainda que de maneira distintadentro dos discursos utilizados nas polticas pblicas dos Estados-nao e, nos ltimos anos, tm experimentado presses intensas em suas terras, recursos e territrios. Esta parte do artigo oferece um breve panorama sobre estes vrios grupos tnicos, com nfase em particular nos Garfuna.

Os Miskito, Tawahka e Pech vivem na Mosquitia hondurenha, a regio mais isolada e rica em recursos do pas. Estes povos das baixadas tendem a ocupar e utilizar largas reas do territrio e a empregar estratgias de subsistncia que combinam agricultura, horticultura, pesca, caa e colheita, assim como participam em trabalhos assalariados. Durante o sculo 19 e a maior parte do sculo 20, estes grupos eram chamados de tribus salvajes ou indios selvcolos e considerados nmades no-civilizados fora da esfera de influncia nacional (Cruz Sandoval, 1984). Membros destes grupos retm prticas culturais, lnguas e crenas espirituais distintas. Nas ltimas dcadas, mais tentativas de explorao dos recursos da regio, invases de camponeses mestios, propostas de mega-projetos de desenvolvimento e esforos de conservao ambiental tm criado presses crescentes nos recursos e culturas dos povos indgenas.

Em contraste, os Chort e os Lenca vivem na rea central e oeste de Honduras e se dedicam agricultura sedentria de pequena escala de maneira similar praticada por camponeses mestios. Membros destes povos das plancies so frequentemente considerados aculturados (em virtude de no mais falarem uma lngua indgena e por compartilharem prticas culturais com a populao mestia) e tm sido identificados algumas vezes como mestios camponeses por outros grupos, incluindo o Estado. Eles tm sofrido grandes perdas de terra e freqentemente entram em conflito com grandes latifundirios em disputas sobre o direito terra. Desde os anos 80, a revitalizao das identidades indgenas talvez tenha ocorrido de maneira mais surpreendente entre os Chort e os Lenca, que esto entre os mais ativos militantes dos movimentos autctones.

Os Tolupanes vivem em duas reas separadas nas regies de Yoro e Francisco Morazn. Como os Chort e os Lenca, os Tolupanes tm sido considerados como amplamente aculturados sociedade mestia (Hasemann, Lara Pinto e Cruz Sandoval, 1996: 374; Rivas ,1993:170). Eles praticam principalmente a agricultura de subsistncia, com apenas uma pequena produo para os mercados e participao em trabalhos assalariados. Os Nahuas so um pequeno grupo que vive na regio de Olancho. Apenas recentemente eles foram reconhecidos como um grupo tnico e sua organizao tende a se filiar com aquelas que representam outros povos indgenas da parte leste do pas (os Miskito, os Tawahka e os Pech).

Os dois ltimos grupos tnicos, os Garfuna e os negros de lngua inglesa, se identificam em termos raciais como povos afro-descendentes. Os negros de lngua inglesa vivem principalmente em Bay Islands e so descendentes de pessoas de cor livres, vindas das Ilhas Cayman e de outros lugares no Caribe. Eles retm prticas culturais distintas tais como sua forma especial da lngua inglesa e vivem principalmente das indstras martima e turstica, assim como da migrao para o exterior. Nas ltimas dcadas, tm enfrentado presses crescentes em suas terras vindas da exploso da indstria turstica e da especulao no mercado de terras.

Os Garfuna, o povo a que dedicamos mais ateno, ocupam comunidades dispersas ao longo da costa norte do pas, atravs das regies de Corts, Altlntida, Colon e Gracias a Dos. A produo dentro destas comunidades baseada em uma diviso do trabalho por gnero na qual as mulheres cultivam yuca (cassava amarga), plntanos e outros tipos de colheita, e os homens pescam nas reas costeiras. Ambos emigram de suas comunidades originais como trabalhadores assalariados dentro e fora de Honduras e o dinheiro que enviam para suas famlias forma uma grande parte das economias locais. Os Garfuna retm prticas culturais distintas, tais como sua lngua e crenas espirituais nicas, emboracomo acontece entre outros povoso grau de reproduo destas prticas varia entre diferentes comunidades e famlias. Durante a primeira metade do sculo 19, a costa norte de Honduras (uma rea que se estende desde a fronteira com a Guatemala at Trujillo) era, como a regio adjacente de Mosquitia, uma rea parcamente integrada ao resto do pas. Entretanto, o desenvolvimento da indstria de exportao frutfera durante fins do sculo 19 e comeo do sculo 20 transformou a costa norte na regio mais economicamente dinmica do pas (Euraque, 1996a). As comunidades Garfuna ao longo da costa norte tornaram-se, assim, mais integradas esfera de influncia do Estado-nao do que aquelas localizadas na Mosquitia. Nos ltimos 25 anos, estas comunidades tm experimentado intensa presso sobre suas terras vindas de fontes variadas, incluindo: agro-empresas tais como as plantaes de palmeira africana e as fazendas de gado, interesses tursticos tentando adquirir propriedades na beira da praia para hotis, camponeses mestios e trabalhadores assalariados urbanos imigrando dentro e em torno das comunidades Garfuna.

A posio dos afro-descendentes no interior do Estado-nao

Para compreender os movimentos polticos contemporneos entre os afro-descendentes, crucial entender as maneiras como estes tm se posicionado historicamente no interior do Estado-nao. Assim como em muitos outros pases latino-americanos, os afro-descendentes e os indgenas tm sido construdos de maneiras diferentes nas estrutruras de alteridade projetadas pelas ideologias da nao hondurenha. Daro Euraque traou as ideologias raciais imbricadas nos projetos de formao da identidade nacional patrocinados pelo Estado em Honduras nas primeiras dcadas do sculo 20 (Euraque, 1996b, 1996c, 1998). Euraque argumenta que durante a dcada de 1920, representantes do Estado e outros membros das elites locais promoveram uma viso de Honduras como uma nao mestia indo-hispnica, como uma nao cujo tipo mais representativo descendia de Indios e europeus, mas no Negros. O Estado promulgou imagens de um passado indgena glorioso, denominando a moeda nacional de Lempira (um cacique indgena que resistiu conquista) e promovendo as runas dos Maya chamadas Copan como um smbolo de uma civilizao passada. Este projeto reproduz construes similares de mestiagem em toda a Amrica Latina (c.f. Gould, 1998; Gordon, 1998; Wade, 1993; Stutzman, 1981) e apareceu, em parte, como uma resposta dominao crescente do governo americano e das indstrias frutferas no pas. Este projeto tambm alimentou (e foi alimentado por) uma campanha contra os trabalhadores negros das ndias Ocidentais, a maioria dos quais trabalhavam para as companhias frutferas.

Fora destas condies particulares, a presena de Negros dentro de Honduras era considerado um problema. O discurso nacionalista apagou os afro-descendentes da histria colonial, negando a presena da herana africana entre os mestios. Assim, transformou a presena contempornea de Negros em uma intruso estrangeira que ameaava degenerar a pureza da raa hondurenha (Anderson, 2000:111-182). A presena de ndios contemporneos tambm era compreendida como um problema e o discurso dominante promovia sua assimilao civilizao e nao. Em Honduras, o desenvolvimento do indigenismo foi fraco e no adquiriu qualquer forma institucional estvel. Ainda assim, um discurso similar ao do indigenismo, datado da dcada de 1940, existiu e, embora problemtico em suas tendncias assimilacionistas, contribuiu para o reconhecimento dos sujeitos indgenas como parte da nao. Nenhum discurso equivalente de negritude foi encontrado entre os intelectuais mestios ou entre representantes do Estado. Desta forma, ndios foram reconhecidos como parte da nao e entendidos como nacionais em potencial de uma maneira que os negros no foram.

Os Garfuna, que foram racializados como negros sob os termos Negro e Moreno, ocuparam uma posio paradoxal e precria (Anderson, 2000:111-182). Embora tenham nascido em solo hondurenho, os Garfuna eram entendidos como negros com uma identidade e cultura distintas e considerados como os problemticos outros dentro da nao. Durante a primeira metade do sculo 20, foram sujeitos formas claras de discriminao racial e cultural, tiveram negado o acesso espaos tais como parques pblicos e instituies de elite e forados a realizar trabalhos subalternos tais como retirar ces mortos das ruas. Embora as formas mais declaradas e repugnantes de discriminao tenham sido eliminadas durante as dcadas de 1950 e 1960em parte considervel devido ao ativismo dos Garfunaa compreenso dominante de Honduras como uma nao mestia permaneceu intacta at a dcada de 1990 e o surgimento da noo de Honduras como uma nao multicultural. Um dos resultados do processo de formao da identidade nacional hondurenha em termos de mestiagem indo-hispnica foi que, ao considerar os negros como estando margem da nao, este processo tambm considerou a identidade negra, de maneira isolada, como estando em uma posio precria para conquistar reconhecimento ou fazer demandas ao Estado.

Entretanto, em Honduras, se os Garfuna eram representados como Negros e como sendo um problema para a nao, eles tambm eram entendidos por intelectuais mestios e representantes do Estado como tendo condies culturais semelhantes s dos Indios. Embora representantes do Estado e intelectuais mestios sempre tenham considerado os Garfuna distintos dos Indios em termos raciais, eles tambm tinham, desde metade do sculo 19, sugerido equivalncias explcitas e implcitas entre os dois grupos. Um sculo depois, o reconhecido intelectual Jesus Aguilar Paz produziu uma reviso geral dos problemas das populaes aborgines de Honduras que incluiu os Garfuna [conhecidos como Morenos ou Caribes], os quais, ainda que no sejam indgenas da Amrica, formam um grupo racial...que fala seu prprio dialeto e, por sua condio humana e cultural, tem problemas semelhantes aos das demais tribos aborgenes... (Aguilar Paz, 1955:360). Entre fins da dcada de 1960 e comeo da dcada de 1970, medida em que maior ateno era dada aos grupos tnicos, em parte uma tentativa de promover Honduras no exterior e energizar uma indstria turstica incipiente (Cruz, 2000), os Garfuna foram cada vez mais representados como parte do folclore e do patrimnio cultural hondurenho e como um grupo tnico com uma cultura e identidade distintas, tradicionais. Os Garfuna foram, assim, posicionados como os povos indgenas. Vale a pena notar que em outros pases latino-americanos, Negros no eram tipicamente representados como Indios. Por exemplo, Wade argumenta que os afro-colombianos, embora sujeitos discriminao racial, eram considerados cidados ordinrios no sentido de que no eram vistos como portadores de culturas distintas, tradicionais. De acordo com Gordon, os Creoles da Nicargua tm sido representado como outros no-nacionais cujas diferenas culturais no foram concebidas em termos de tradies nativas, mas em termos de influncias anglo ou inglesas. Frequentemente a racializao dos Creoles da Nicargua como negros se combinava a sua associao com os ingleses, uma cultura internacional que competia com a cultura nacional, para constru-los como sendo to inferiores e no-nacionais a ponto de serem transparentes ao olhar nacional (Gordon, 1998:149). Diz-se regularmente que os afro-descendentes tm sido invisveis no interior das sociedades nacionais, mas esta invisibilidade tem adquirido formas diferentes, com repercusses distintas nos dias de hoje.

O desenvolvimento do ativismo Garfuna e indgena em Honduras

Em fins da dcada de 1980, emergiu em Honduras um movimento em nvel nacionalrepresentado pelos termos pueblos indgenas, pueblos indgenas y Garfunas, tnias and etnas autctonasque, j no comeo da dcada de 1990, havia causado um grande impacto na poltica e na sociedade hondurenha. Como discutirei a seguir, ativistas Garfuna foram atores-chaves no desenvolvimento deste movimento. Neste ponto, importante notar que alguns dos membros fundadores da mais duradoura organizao poltica Garfuna contempornea, a Organizao Fraternal Negra de Honduras (La Organizacin Fraternal Negra de Honduras-OFRANEH, criada na metade da dcada de 1970) tinha tido, em uma poca anterior, participado nas lutas contra o racismo sob os auspcios da Sociedade Cultural Abraham Lincoln (1958-1963). Como o nome sugere, esta organizao foi influenciada pelas lutas dos afro-descendentes nos Estados Unidos e em outras partes da dispora. Esta sociedade procurou publicamente eliminar a discriminao racial e a segregao atravs do ativismo local e de peties ao governo. Muitos dos fundadores eram esquerdistas em termos de orientao poltica, ativos no movimento sindical hondurenho e foram forados a se esconder durante um golpe militar em 1963 (Centeno Garca, 1997).

Entretanto, se formas anteriores de ativismo Garfuna tinham como foco primrio iniciativas anti-racistascom nfase na demanda por tratamento igual como cidados e a integrao em espaos pblicos, eventos e instituiesna metade da dcada de 1980, o ativismo Garfuna enfatizava direitos culturais e materiais coletivos e desenvolvia alianas com organizaes indgenas. Na mesma poca, organizaes representativas similares OFRANEH tinham surgido em meio a diferentes grupos indgenas, incluindo os Miskito, os Tahwaka, os Pech e os Tolupanes. Em 1987 ocorre um encontro crucial que oferece evidncias acerca da consolidao das organizaes negras e indgenas sob uma estrutura nica em termos de discursos, demandas e alianas.

O Primeiro Seminrio dos Grupos tnicos Autctones de Honduras foi coordenado sob os auspcios de uma agncia governamental, a Secretara de Planificacin, Coordinacin y Presupuesto, e seu funcionrio Garfuna Roy Guevarra Arzu, membro da OFRANEH (SECPLAN, 1987; Cruz Sandoval, 2000). Participaram do seminrio representantes de federaes Garfuna, Miskito, Tolupan, Pech e Tahwaka, assim como representantes dos Lenca. Ao fim do encontro, os participantes apresentaram uma srie de demandas para o governo nacional, incluindo uma proposta de Ley para Proteccin de los Grupos Etnicos Autctonos. Estas demandas incluam, entre outras: a recuperao, saneamento e titulao de terras; o reconhecimento, proteo e conservao das culturas, lnguas e formas tradicionais de organizao dos Grupos Etnicos Autctonos; direitos de explorao e comercializao dos recursos naturais; participao poltica direta, especialmente no Congresso Nacional (SECPLAN, 1987, Anexo 3). Embora a lei nunca tenha sido aprovada, estas demandascom algumas modificaescontinuaram a formar o ncleo da plataforma poltica das organizaes que representavam os Grupos Etnicos Autctonos em Honduras na dcada seguinte e refletiam a agenda de direitos que surgia de movimentos indgenas pan-nacionais (ver Brysk, 2000).

O papel dos intelectuais Garfuna em patrocinar o encontro que levou a estas resolues destaca o modo como estiveram envolvidos nas etapas iniciais de um movimento tnico/indgena orientado para o Estado-nao. Desde sua gestao, este movimento reuniu aqueles auto-identificados como indgenas e os povos negros. A terminologia empregada no evento e no discurso subsequente reveladora. O termos grupos tnicos autctonos no especifica nenhum contedo racial e pode trazer juntos indgenas e afro-descendentes. Obviamente, o termo tnico se prestaria a esta funo em si mesmo, sendo instrutivo, ento, analisar o adjetivo autctone. No sentido mais geral, o termo se refere a idia de nativo ou a condio de ser o habitante nativo de um determinado lugar. Nas Amricas, o termo frequentemente utilizado como sinnimo de indgena. No entanto, o termo indgena tambm se refere a uma categoria racial (ou, posto de outra maneira, tem associao direta com a categoria racial de ndio) enquanto o termo autctone pode acomodar diferena racial. Assim, o termo autctone presta-se a funo de permanecer uma designao racialmente ambgua enquanto mantm as conotaes de um status indgena ou nativo. Como os Garfuna se tornaram incorporados sob o termo autctone, eles esto representandos pelos mesmos termos que os povos indgenascomo antigos ocupantes do territrio, como portadores de tradies culturais e lingusticas no (ou pr-) europias, como portadores dos mesmos tipos de direitos dos povos indgenas. Estes direitos vo alm da noo de tratamento igual como cidados para tratar da promoo de tipos de direitos vindos da adeso a um povo com base em seu status histrico e particular.

A representao dos Garfuna como compartilhando o mesmo status ou condies dos povos indgenas, estando organizados como povos negros e indgenas, consolidou as suas confederaes afiliadas ao movimento. Aps este encontro, uma organizao de alcance nacional, El Consejo Asesor Hondureo para el Desarrollo de las Etnias Autctonas, foi formado e mais tarde incorporado Confederacin de Pueblos Autctonos de Honduras (CONPAH), fundada em 1992. A criao da CONPAH, coincidindo com a campanha de alcance continental anti-500 anos e os esforos para assegurar a ratificao da Conveno 169 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), marcou o comeo de uma orientao mais ativista e a conquista de concesses legais substantivas por parte do Estado. Em 1994, o governo de Honduras ratificou a Conveno 169, criou a Fiscala Especial de las Etnias e assinou um acordo que institucionalizou a educao bilngue/intercultural para as tnias autctonas que atestam Honduras como um pas multitnico e multicultural. O acordo presidencial identifica as tnias autctonas como tnias indgenas, afro-antillanas [Garfuna] y criollo-anglohablantes [Negros que Habla Inglesa] (Secretara de Educacin Pblica,1994). A adoo da linguagem da autoctonia por parte do Estado reflete a forma que os negros, liderados pelos Garfuna, articularam-se para assegurar o mesmo status e direitos dos povos indgenas. Obviamente, leis e direitos no se traduzem automaticamente em implementao de direitos e redistribuio de recursos. De acordo com o CONPAH, entre 1994 e 1998, o governo prometeu atender a mais de 300 demandas de indgenas e afro-descendentes, mas cumpriu efetivamente cerca de 70 (Barahona y Rivas, 1998:103). Ainda assim, concesses prvias forneceram base para contnua mobilizao e para a formulao de mais demandas.

A ratificao da Conveno 169 da OIT ajudou a facilitar o reconhecimento dos direitos indgenas por parte do Estado. Estabelecida em 1989, esta conveno representa um dos acordos mais importantes e progressistas sobre os direitos indgenas no direito internacional (Anaya, 1996). Ela compromete os signatrios governamentais a criar legislao especial reconhecendo os direitos dos povos indgenas terra e reas territoriais tradicionais, uso e propriedade dos recursos, educao bilngue, respeito leis consuetudinrias e participao nas polticas pblicas que os afetam. A Conveno 169 aplica-se aos povos tribais e indgenas. Por tribais entende-se as pessoas cujas condies sociais, culturais e econmicas os distingue de outros setores da coletividade nacional e que so regidas total ou parcialmente por seus prprios costumes ou tradies ou por uma legislao especial (OIT, Artigo 1b). Por indgenas entende-se as pessoas consideradas indgenas pelo fato de que descendem das populaes que habitavam o pas ou uma regio geogrfica pertencente ao pas na poca da conquista ou colonizao e do estabelecimento das atuais fronteiras do Estado e que, qualquer que seja sua situao jurdica, conservam todas as suas instituies sociais, econmicas, culturais e polticas prprias, ou parte delas (OIT, Artigo 1a). Dada a nfase na auto-identificao e o conhecimento de que os Garfuna chegaram Amrica Central em 1797, antes da criao de estados independentes, vemos que os Garfuna podem reclamar tanto o status de povo tribal como indgena. De fato, a OFRANEH frequentemente se refere aos Garfuna como um pueblo indgena e, at aonde eu saiba, o Estado hondurenho no questionou explicitamente as demandas dos Garfuna por direitos indgenas sob a Conveno 169.

Tendo tratado da mais antiga organizao Garfuna, a OFRANEH, importante discutir outra organizao-chave dos Garfuna, a Organizacin de Desarollo Etnico Comunitario (ODECO), e as formas de representao e linha poltica que esta procura estabelecer. Criada em 1992, a ODECO tem sido extremamente bem-sucedida em atrair financiamento de ONGs internacionais, estabelecer relaes com comunidades Garfuna, atrair a ateno da mdia e ser ouvida por representantes do governo. Em 1996, a ODECOem colaborao com uma breve rede de organizaes Garfuna que inclua a OFRANEHorganizou uma marcha com milhares de Garfuna at Tegucigalpa, garantindo um acordo com o governo para a titulao de terras Garfuna. Embora os ttulos de terra entregues tenham sido posteriormente considerados inadequados, o acordo foi um momento importante para o reconhecimento pelo governo dos direitos dos Garfuna terra coletiva.

De maneira diferente da OFRANEH, a ODECO raramente buscou fazer alianas institucionais com organizaes indgenas e tem enfatizado que os Garfuna so um povo de descendncia africana mais do que a OFRANEH. Mesmo assim, a ODECO emprega um discurso que conecta as demandas e direitos dos afro-descendentes aos dos povos indgenas. Por exemplo, na marcha de 12 de outubro de 1995 chamada de Marcha Pacfica de Resistencia: Indgena, Negro, Popular, a ODECO apresentou as seguintes demandas:

1.1 Ordenar a proteo e devoluo das terras dos Garfunas e indgenas.

1.2 Promover reformas no artigo 6 da Constituio da Repblica, para que as lnguas indgenas e Garfuna sejam idiomas oficiais.

1.3 Desenvolver a educao blinge bicultural, incorporando ao Sistema Nacional de Educao os valores humanos, lingsticos, histricos e culturais das comunidades negra e indgena.

1.4 Regulamentao e implementao da Conveno 169 da OIT para os direitos indgenas e tribais.

1.5 Participao negra e indgena nos diferentes poderes do Estado.

Estas demandas refletem uma identificao das condies e interesses entre Negros e indgenas. Entretanto, desde metade de dcada de 1990, a ODECO desenvolveu formas de alianas e atividades polticas que enfatizam a solidariedade com os afro-descendentes na direo de um discurso anti-racista. A ODECO um membro fundador da Organizacin Negra Centroamericana (ONECA), uma rede de organizaes representando os afro-descendentes na Amrica Central, cuja presidncia a ODECO ocupa. Os lderes da ODECO tambm tm sugerido que as organzaes representando os afro-descendentes precisam concentrar suas energias em estabelecer seus prprios espaos de desenvolvimento cultural e atividade poltica.

Em agosto de 2000, a ODECO organizou a primeira conferncia nacional sobre o racismo em Honduras em preparao para a 3 Conferncia Mundial Contra o Racismo, em Durban, frica do Sul. Na concluso, os delegados promoveram uma srie de demandas j conhecidas relacionadas educao bilngue/intercultural, participao poltica, sade e pobreza. Tambm pediram pelo fortalecimento da Fiscala Especial de las Etnias para que esta combata e elimine a excluso social e pela promulgao de leis que penalizem a discriminao racial implementada pelos comunicadores sociais, meios de comunicao e instituies que apresentem pejorativamente os membros das comunidades indgenas e afro-hondurenhas (ODECO, 2000). O discurso anti-racista, embora claramente inclusivo para ambos indgenas e negros, indica uma certa mudana no discurso sobre os direitos indgenas ou autctones que desenvolve uma agenda de direitos baseada em condies de presena histrica e diferena cultural. Embora no devamos minimizar os pontos de convergncia entre as duas formas de discursoo discurso autctone tambm enfatiza a marginalizao, opresso e discriminao, enquanto o discurso anti-racista pode incorporar demandas coletivas culturais e materiaiseles refletem diferenas significativas nas atividades polticas e representaes das duas principais organizaes Garfuna, a OFRANEH e a ODECO. Enquanto a OFRANEH se engaja em um ativismo poltico fortemente baseado em uma retrica dos direitos indgenas e em alianas com organizaes indgenasat mesmo se referindo aos Garfuna como um pueblo indgenaa ODECO mais e mais emprega a linguagem do anti-racismo e se filia primariamente com outros afro-descendentes das Amricas.

O apelo dos direitos indgenas

A anlise anterior sugere que, durante as dcadas de 1980 e 1990, ativistas-chaves entre os Garfuna desenvolveram uma forma de prtica poltica que demandava direitos terras coletivas, reas territoriais e cultura de acordo com um discurso de direitos indgenas e em aliana com organizaes indgenas. Isto pode ser explicado, em parte, como um resultado da forma como o nacionalismo hondurenho tem historicamente posicionado indgenas e afro-descendentes de diferentes maneiras, representando Indios como sendo de certo modo centrais para a identidade nacional, enquanto marginalizam os Negros dentro da nao. Os povos indgenas tm servido como o paradigma para uma cultura tradicional diferente e para uma identidade coletiva distinta, recebendo algum nvel de reconhecimento que os torna meritrios de ateno e proteo enquanto culturas. Os Garfuna so frequentemente comparados aos povos indgenas e, pelo menos desde a dcada de 1960, tm recebido algum nvel de reconhecimento no tanto como pessoas de ascendncia africana que sofrem opresso e racismo, mas como um povo que compartilha condies histricas e culturais com os povos indgenas. Como resultado, uma maneira efetiva dos Garfuna assegurarem algum tipo de reconhecimento e direitos por parte do Estado foi enfatizar suas similaridades com os povos indgenas para destacar seu status como um grupo cultural distinto com tradies ancestrais nicas e presena em comunidades rurais. Obviamente, mudanas no cenrio internacional tambm tiveram um papel importante. O crescimento e impacto dos movimentos indgenas, a maior ateno s ms condies dos grupos indgenas por parte de ONGs transnacionais e insituties multilaterais e o desenvolvimento de leis, normas e convenes internacionais relacionadas aos direitos indgenas alimentaram a prtica poltica orientada pelos direitos indgenas entre os Garfuna.

Neste ponto, eu argumentaria que uma poltica anti-racista, em si mesma, no poderia ter servido de base para que se conquistar o reconhecimento como um grupo distinto com direitos coletivos por duas razes. Por um lado, at recentemente, havia poucos modelos que ligavam as culturas e identidades dos afro-descendentes noes de direitos territoriais e culturais coletivos dentro dos Estados-nao. Por outro lado, o Estado hondurenho (como a maioria dos Estados latino-americanos) tem sido relutante em reconhecer a existncia do racismo. Tome-se, por exemplo, os comentrios do presidente de Honduras, Roberto Reina, diante de uma platia predominantemente Garfuna durante a celebrao do bicentenrio da chegada destes Amrica Central, Em Honduras, devemos nos parabenizar [de] que no existe sectarismo, xenofobia ou apartheid, por isso somos um pas com una maravilhosa cultura de tolerncia. Editoriais e cartas dos leitores publicadas na mesma poca (e desde ento) tambm certificam a ausncia de discriminaco racial em Honduras como um fato consumado. Estas negaes constituem o que Michael Hanchard chama de excepcionalidade racial, um discursos que destaca a existncia de relaes raciais harmoniosas e a ausncia de discriminao, com uma nfase em particular no contraste com os Estados Unidos e a frica do Sul (Hanchard, 1994). A excepcionalidade racial marginaliza o discurso anti-racista ao negar sua premissa fundamental e, em Honduras (como na maioria dos Estados latino-americanos), o discurso anti-racista tem se provado insuficiente como meio para se conquistar reconhecimento e direitos por parte do Estado. Mesmo assim, importante observar que desde que se conquistou o reconhecimento dos Garfuna como tnias autctonas na metade da dcada de 1990, a organizao Garfuna ODECO tem cada vez mais promovido demandas estruturadas em termos anti-racistas, forando representantes do Estado hondurenho a admitir a existncia do racismo e demandando por uma legislao que puna atos de discriminao.

III. Dimenses comparativas entre direitos indgenas e os afro-descendentes

A esta altura, podemos formular algumas comparaes breves entre o status dos direitos coletivos dos afro-descendentes em Honduras e em outros pases latino-americanos. Se, como as anlises anteriores sugerem, os direitos coletivos dos Garfuna tm sido descritos e reconhecidos em sua maior parte na linguagem dos direitos indgenas, o reconhecimento dos direitos dos afro-descendentes em outras partes tambm tem sido modelada de acordo com o paradigma indgena. Entretanto, na maioria dos casos, os afro-descendentes no so reconhecidos como indgenas e ocupam uma posio tnue com relao sua habilidade de demandar direitos coletivos conforme acontece na premissa estabelecida pelos direitos indgenas. Uma discusso sobre as reformas legais na Nicargua e na Colmbia ajudar a desenvolver este argumento.

Legislaes importantes aprovadas por governos nacionais refletem e perpetuam a posio paradigmtica dos indgenas em relao ao reconhecimento, por parte do Estado, de direitos tnicos e do multiculturalismo. Por exemplo, a Lei da Autonomia nicaraguense, aprovada no regime Sandinista em 1987, inicia-se com uma considerao de que na Amrica Latina e outras regies do mundo, as populaes indgenas submetidas a um processo de empobrecimento, segregao, marginalidade, assimilao, opresso, explorao e extermnio exigem uma transformaao profunda da ordem poltica, econmica e cultural para o sucesso efetivo de suas demandas e aspiraes. Embora a considerao seguinte na lei inclua explicitamente os Creoles como um grupo distinto, faz distines sutis entre os Misquitos, os Sumos, os Rama e os Garfunaseja os que falam sua prpria lngua ou os que a tenham perdidoe os Creoles, que falam ingls (e, sub-entende-se, no a sua prpria lngua). Mais tarde, o texto menciona que a identidade multitnica do pueblo nicaraguense inspirada nos heris indo-americanos, mas no menciona quaisquer heris negros, reproduzindo a centralidade de uma viso indo-hispnica de identidade nacional. Embora a Lei da Autonomia incorpora os Creoles dentro desta viso geral, a identidade e cultura indgenas permanecem o paradigma central de etnicidade e, como Juliet Hooker observa, hoje em dia, as comunidades negras so quase inteiramente omitidas dos debates sobre direitos coletivos terra na Nicargua (Hooker, 2002:24).

O caso da reforma constitucional na Colmbia tambm reflete a centralidade da identidade indgena para o reconhecimento de direitos tnicos. Os povos indgenas tm ocupado historicamente uma posio institucional distinta como um grupo culturalmente diferenciado com um certo grau de autonomia territorial. As reformas constitucionais aprovadas em 1991 oferecem um amplo leque de direitos culturais e territoriais para os povos indgenas colombianos (Van Cott, 2000). Durante o processo de reforma, ativistas representantes dos afro-descendentes lutaram para conseguir direitos da mesma forma mas tiveram dificuldades em obter reconhecimento oficial, em um primeiro momento, por parte de representantes do Estado e de cientistas sociais, de que negros constituiriam um grupo tnico. Comunidades negras, discutiu-se de maneira ignorante, no se conformam definiao de grupo tnico j que lhes faltam uma lngua prpria e formas de direito e autoridade; eles estavam completamente integrados como cidados dentro do estilo de vida mestio do pas; e eles tinham adotado elementos culturais aliengenas (Grueso, Rosero y Escobar, 1998:199). As amplas reformas relacionadas aos direitos indgenas contrastavam com a nica proviso promovendo o desenvolvimento de uma futura lei tratando dos direitos culturais e de propriedade coletiva em comunidades negras. De fato, a nova lei (Lei 70) foi aprovada e, como aponta Peter Wade, sua linguagem representa a identidade e a cultura negras em termos similares s construes da identidade e cultura indgenas. A nfase em uma comunidade delimitada (um assentamento histrico e ancestral com prcticas tradicionais de produco), culturas distintas e uma relao integral com o meio ambiente remete s representaes de culturas indgenas. No entanto, a equao no de maneira nenhuma completa e equilibrada pois a Lei 70 pe o foco em uma regio do pas e considera, em linguagem histrica, negros como invasores [de tierras baldas], em contraste com os povos indgenas que sempre tiveram um original direito terra [Wade, 1995:350]. A lei, desta forma, estabelece uma tenso no resolvida entre o reconhecimentodos direitos coletivos das comunidades negras e a sugesto de uma diferena entre estas e as comunidades indgenas. No obstante, a aprovao da Lei 70 facilitou um processo sem precedentes de mobilizao comunitria e um programa de titulao de terras na regio do Pacfico (Sanchez Gutierrez y Roldn Ortega, 2002).

A anlise desenvolvida neste artigo chama a ateno para um tipo de paradoxo: em vrios pases, os afro-descendentes atingiram um certo nvel de visibilidade e reconhecimento como sujeitos coletivos atravs da representao de suas identidades, culturas e demandas a partir de uma estrutura que teve os direitos indgenas como modelo. Em Honduras, os afro-descendentes foram capazes de demandar direitos indgenas ao atingirem o status de tnias autctonas, com algumas organizaes-chaves (por exemplo, a OFRANEH) explicitamente se identificando com a categoria de indgenas como condio e fonte para tal status. Na Colmbia, ativistas asseguraram o reconhecimento para (alguns) grupos afro-descendentes atravs da promoo de representaes e direitos de comunidades negras que remetiam aos direitos indgenas. Em outros pases, tais como Nicargua e Equador, a capacidade dos afro-descendentes de efetivamente demandar direitos culturais e territoriais aparece de maneira mais tnue. Embora os Creoles da costa atlntica possam fazer demandas sob a Lei da Autonomia, eles ainda tm que assegurar a efetiva titulao e propriedade do solo, dos recursos e da rea territorial. Isto pode ser explicado, ao menos em parte, como resultado do fracasso do governo central em implementar a autonomia e a contnua posio central dos grupos indgenas em discusses e representaes dos direitos tnicos. Estou menos familiarizado com o status atual dos direitos dos negros e a demanda por terras no Equador mas apontaria que a linguagem da Constituio de 1988 considera Negros em uma relao ambgua com os direitos indgenas. A constituio reconhece a existncia de povos indgenas que se autodefinem como nacionalidades de razes ancestrais e os povos negros ou afro-equatorianos. O Artigo 84 reconhece e garante uma srie de direitos coletivos aos povos indgenas. O Artigo 85 estabelece que O Estado reconhecer e garantir aos povos negros ou afro-equatorianos os direitos determinados no artigo anterior em tudo que lhes seja aplicvel. O que se entende aqui que, medida em que afro-equatorianos e suas comunidades demonstrem similaridades com os grupos indgenas com relao s suas identidades, culturas, uso do espao e da terra, etc., eles tambm podem demandar direitos coletivos. A Constituio do Equador, como outros regimes legais em vrios lugares, reflete e perpetua a posio paradigmtica dos direitos indgenas na legalizao dos direitos coletivos, mas deixa o status dos afro-descendentes em relao a estes direitos em uma forma ambgua.

Dada esta posio ambgua em que os Estados colocam os afro-descendentes em relao aos direitos indgenas, poderamos perguntar se existe uma contradio inerente quando afro-descendentes demandam direitos indgenas. Eu responderia no, que no existe uma contradio inerente em afro-descendentes demandarem direitos indgenas e o status de indgenas. Muita confuso poderia ser evitada nesta questo se tivssemos claro a distino entre os dois sentidos do termo indgena nas Amricas, um dos quais se refere uma categoria racial construda (Indio), o outro a uma condio ou status coletivo. O termo Indio surge a partir da conquista das Amricas e se refere, ento e agora, aos habitantes nativos ou originais do Novo Mundo. Em seu uso contemporneoespecialmente como se reflete no direito internacionalo termo indgena no se refere simplesmente aos descendentes dos habitantes originais das Amricas mas a uma condio e status coletivos que se estendem para alm de qualquer referncia racial nica. Conforme observado anteriormente, a Conveno 169 da OIT define os povos indgenas como povos considerados indgenas pelo fato de descenderem de populaes que habitavam o pas ou uma regio geogrfica pertencente ao pas na poca da conquista ou colonizao e do establecimento das atuais fronteiras do Estado e que, qualquer que seja a situao jurdica, conservam todas as suas instituies sociais, econmicas, culturais e polticas prprias, ou parte delas. A conveno tambm d valor auto-identificao. Pessoas que se identificam como indgenas, que podem alegar descendncia de populaes que habitavam um pas ou regio antes da criao das fronteiras do Estado atual e que podem alegar a reteno de instituies culturais distintas podem demandar proteo e direitos sob a conveno.

Partindo-se desta compreenso do termo indgena, no h razo para que povos que se auto-identificam como afro-descendentes no possam, a princpio, simultaneamente demandar o status de indgenas e/ou os direitos associados com estes. De fato, nos ltimos anos tem havido um nmero crescente de precedentes nesta direo. Alm das obsrvaes j feitas, podemos notar que a Comisso Inter-americana de Direitos Humanos j analisou os direitos dos Garfuna na Guatemala como direitos indgenas. A Comisso tambm analisou os direitos dos afro-colombianos, afro-equatorianos e de quilombos no Suriname, na Jamaica e no Brasil sob a perspectiva dos direitos indgenas (Noe, 2001:21). Obviamente, como temos visto, os governos latino-americanos tm posies e polticas pblicas divergentes com relao aos direitos indgenas, sua consagrao na forma da lei e sua proteo na prtica, assim como sobre sua relao com os direitos dos afro-descendentes. O ponto principal que desejo reforar que, em princpio, afro-descendentes podem lutar (e de fato lutam) por direitos indgenasou seu equivalente renomeado como direitos dos afro-descendentesem contextos nacionais e internacionais com variados graus de successo.

IV. Notas sobre as vantagens e limitaes do paradigma dos direitos indgenas

Mesmo assim, ainda necessrio levantar questes sobre as vantagens e desvantagens de se lutar por formas de auto-representao, demandas e prticas polticas a partir de uma estrutura de direitos indgenas. Quais benefcios e/ou limitaes esta estratgia traz consigo? Ser que ela pode abordar todo o espectro da discriminao racial e opresso vividas pelos afro-descendentes (e indgenas)? Existem parcelas desta populao que esto excludas? Podemos oferecer algumas respostas a estas questes em uma tentativa no de esboar concluses definitivas mas de abrir espao para discusses e debates.

As vantagens das estratgias polticas estruturadas em torno dos direitos indgenas so mltiplas. A estrutura dos direitos indgenasda forma como encontrada no direito do Estado, no direito internacional e nos discursos normativos do multiculturalimooferece a mais slida fundao para sujeitos oprimidos articularem e validarem demandas coletivas por autonomia e proteo cultural e por terra, recursos e reas territorias comunais. Esta estrutura tambm oferece uma base poderosa para a resistncia legal s polticas neo-liberais e s ameaas que estas apresentam terra, rea territorial, recursos e cultura de povos subalternos. Neste momento, a estrutura dos direitos indgenas serve como paradigma central para a realizao dos direitos coletivos no interior dos Estados-nao. Alm do mais, ela representa um avano em relao s noes de integrao cultural encontradas nos discursos e prticas que remetem mestiagem e oferece uma base para criticar as polticas estatais de assimilao cultural que considera a cultura e a identidade mestias como a norma para o conjunto da nao. Finalmente, esta estruturaao estabelecer uma agenda com objetivos especficos, sejam estes a implementao de educao bilngue/intercultural ou a titulao de terras coletivas ou a criao de territriosfornece uma base concreta para a mobilizao de povos e comunidades.

Mesmo assim, prticas polticas baseadas nos direitos indgenas enfrentam obstculos e limitaes internas, sem levar em conta a vontade poltica do Estado em implementar acordos, garantir direitos e oferecer os recursos econmicos e institucionais necessrios. Vou me concentrar aqui em dois destes obstculos: aquele que denomino de problema de autenticidade cultural e a questo do racismo e da representao.

O problema da autenticidade cultural se refere s tenses que envolvem as demandas feitas com base na presena histrica e na diferena cultural representadas como de raiz, primordiais, ancestrais e tradicionais. Fazer demandas baseado em uma identidade indgena (ou similar indgena) traz o risco de confinar sujeitos sociais representaes singulares da sua situao presente como se estas fossem, visto de maneira simplista, condizentes com seu passado. Alm do mais, Estados e outros atores podem refutar estas demandas questionando a autenticidade cultural e/ou as razes histricas dos reclamantes. Elizabeth Povinelli, em uma pesquisa sobre o multiculturalismo na Austrlia, demonstrou que o paradigma legal dos direitos indgenas naquele pas fora os povos indgenas a se identificar com o objeto impossvel que uma auto-identidade autntica (Povinelli, 2002:6). Para legitimar demandas territoriais, indgenas australianos devem demonstrar no apenas uma histria de presena pr-colonial em lugares determinados, mas continuidades culturais com peso de tradio, enquanto reprimindo ou escondendo prticas tradicionais vistas pela sociedade dominante como repugnantes. Embora os regimes jurdicos na Amrica Latina e o direito internacional paream menos restritivos que os requerimentos da lei australiana, demandas indgenas e (especialmente) afro-descedentes correm o risco de serem consideradas ilegtimas de maneira similar australiana.

Por exemplo, no caso dos Awas Tigniuma comunidade Mayagna que processou o governo nicaraguense na Corte Inter-Americana de Direitos Humanos pela falha deste em titular terras comunaiso governo nicaragense contestou com base no fato de que os residentes no podiam demonstrar ocupao ancestral ou traditional (Hooker, 2002, Indian Law Resource Center, 2003). Tal posio potencialmente coloca um difcilem alguns casos impossvelnus sobre as comunidades para provar, atravs de documentos e evidncias, um longo e ancestral perodo de residncia. Este nus pode ser particularmente custoso para os afro-descendentes, que so tipicamente representados como tendo chegado depois dos povos indgenas e que comumente no possuem o reconhecimento histrico de terras comunais, algumas vezes documentado no caso de certos povos indgenas.

Interessantemente, no entanto, a Corte Inter-Americana de Direitos Humanos refutou o argumento do governo nicaragense ao pronunciar que a perpetuao das culturas indgenas est condicionada s distintas formas culturais e relao com a terra dos povos indgenas. A corte estabeleceu que, Para comunidades indgenas, a relao com a terra no somente uma questo de possesso e produo mas um elemento material e espiritual do qual eles devem gozar completamente, at para preservar seu legado cultural... (Hooker, 2002:23). A partir desta deciso, a questo-chave no ocupao tradicional mas os requerimentos para a permanncia de uma cultura tradicional, entre as quais a terra absoluta. No obstante, no difcil imaginar Estados ou outros atores invertendo o nus da prova para que se demonstre autenticidade cultural, para que se comprove uma relao especial com a terra e a continuao de uma cultura tradicional. Uma vez mais, afro-descendentes provavelmente se encontraro em relativa desvantagem, tendo de demonstrar que tm culturas tradicionais e relao com a terra que sejam semelhantes quelas identificadas para os povos indgenas. Onde quer que direitos estejam fundados em noes tais como ocupao ancestral ou cultura tradicional, existe sempre o risco de que os Estados ou outros atorespor exemplo, corporaes ou grupos com demandas contrriaspossam tornar as demandas dos indgenas e afro-descendentes ilegtimas ao questionar sua presena histrica ou autenticidade cultural.

Outro retrocesso em potencial para prticas polticas baseadas em uma estrutura de direitos indgenas, ligado dinmica de representao ao formular e conquistar demandas, envolve questes sobre quais segmentos da populao esto representados sobre a denominao de direitos indgenas. Enquanto o discurso dos direitos indgenas concentrar-se em comunidades e territrios rurais, a tendncia que ele ignore aqueles que se identificam (ou so identificados) como indgenas e/ou afro-descendentes vivendo em reas urbanas ou outras reas que estejam fora dos espaos caracterizados em termos de presena tnica histrica e formas tradicionais de propriedade e produo. Enquanto o discurso dos direitos indgenas se apoiar em representaes dos indgenas e afro-descendentes em termos de tradies e costumes ancestrais que diferem dos da populao dominante, os indgenas e afro-descendentes que no compartilham os smbolos-chaves ou se identificam com o discurso da tradio sero considerados problemticos.

Uma questo relevante relacionada esta discusso aparece neste momento: seria o discurso dos direitos indgenas capaz de abordar as muitas formas de opresso, explorao e racismo experimentados pelos indgenas e afro-descendentes? Ronald Niezen, em uma anlise dos movimentos indgenas em escala global, observa que Os objetivos mais frequentes entre os povos indgenas no so tanto a igualdade racial como um benefcio individual e a liberao dentro de uma estrutura nacional, mas a afirmao de seus direitos coletivos, o reconhecimento de sua soberania e emancipao atravs do exerccio do poder (Niezen, 2003:18). Tem sido sugerido com frequncia que a estrutura dos direitos indgenas vai alm de uma poltica de igualdade racial. Em uma discusso sobre os movimentos afro-descendentes na costa do Pacfico colombiana, Grueso, Rosero e Escobar dizem que na abordagem etno-cultural adotada por ativistas, o movimento deve ser construdo com base em demandas amplas por territrio, identidade, autonomia e o direito sua prpria viso de desenvolvimento. De maneira similar, ativistas etno-culturais adotam uma viso de negritude que vai muito alm de questes como a cor da pele e os aspectos raciais da identidade (Grueso, Rosero and Escobar, 1998: 206). E sobre o racismo como um processo que satura a sociedade como um todo? Embora movimentos baseados em uma abordagem etno-cultural de direitos coletivos tipicamente condenem o racismo, seu foco no direito coletivo das comunidades muitas vezes no trata das formas de racismo cotidiano e de explorao que afetam indivduos, tais como a discriminao no emprego e no mercado imobilirio, padres racistas de beleza e esteretipos de inferioridade intelectual. Um desafio fundamental para os movimentos afro-descendentes a integrao e coordenao de iniciativas anti-racistas com iniciativas de direitos coletivos baseadas nos direitos indgenas.

Em suma, o paradigma dos direitos indgenas representa uma estrutura poderosa para afro-descendentes fazerem demandas coletivas, ainda que limitaes no que toca ao questionamento sobre a autenticidade cultural e a presena histrica dos afro-descendentes possa levar ao reconhecimento e a implementao de direitos de maneira limitada e levando-se em conta que este paradigma freqentemente no consegue incorporar o conjunto de pessoas que se identificam como afro-descendentes e lidar com o amplo espectro de formas de racismo e opresso que estes encontram. Avanos na conquista de justia racial provavelmente iro pedir por contnua mobilizao em duas frentes. Por um lado, os movimentos afro-descendentes podem lutar por ganhos, ao obter o reconhecimento como povos distintos, continuando a utilizar a estrutura dos direitos indgenas, enquanto asseguram que esta mesma estrutura se expanda ainda mais para incluir a categoria dos afro-descendentes. Por outro lado, movimentos podem lutar para destacar as formas especficas de opresso que afligem os afro-descendentes e combater as formas institucionalizadas e cotidianas de racismo e outras formas de opresso e explorao que saturam as sociedades latino-americanas.

Dado que um dos objetivos do seminrio Direitos Coletivos dos Afro-descedentes Terra na Amrica Latina desenvolver agendas para pesquisas futuras, podemos concluir com algumas consideraes sobre os tipos de projetos que pesquisadores podem desenvolver em solidariedade aos movimentos afro-descendentes. Pesquisadores podem ter um papel importante no apenas ajudando a documentar demandas por terra, recursos e reas territoriais, mas ao fornecer apoio para demandas por distino cultural e presena histrica. Desta forma, pesquisadores podem fornecer argumentos tericos, legais e antropolgicos para ajudar a legitimar as demandas por status indgena (ou similar). Ao mesmo tempo, eles podem desenvolver projetos para documentar e analisar amplamente todas as possibilidades de formas de racismo existentes nas sociedades latino-americanas. Finalmente, eles podem desenvolver anlises comparativas entre situaes e condies dos afro-descendentes em vrios pases e, como neste frum, ajudar a reunir vrios ativistas e organizaesafro-descendentes e indgenaspara compartilhar experincias, desenvolver agendas e construir um movimento pan-regional por justia racial. Obviamente, a ltima palavra sobre os projetos que pesquisadores devem desenvolver em solidariedade com os afro-descendentes deve vir dos prprios afro-descendentes e das prioridades que estes estabelecem em seus movimentos.

Notas

Em fins dos anos 90, o Banco Mundial e o Banco Inter-americano de Desenvolvimento (BID) comearam a apoiar iniciativas sobre pobreza e direito terra entre afro-latinos (ver Dilogo Inter-Americano, Banco Inter-americano de Desenvolvimento e Banco Mundial, 2000). O Banco Mundial estabeleceu projetos que ligam questes indgenas e afro-latinas na Colmbia, Equador e Peru (Davis, 2002).

A CONPAH foi inicialmente composta por membros de federaes que representavam os Miskito (MASTA), os Garfuna (OFRANEH), os Tahwaka (FITH), os Pech (FETRIPH), os Tolupanes (FETRIXY) e os Lena (ONILH). Em 1990, a federao dos Negros de Lngua Inglesa, a National Bay Islands Labor Association (NABIPLA), foi criada. Embora ela tenha se filiado CONPAH, a organizao no tem sido to ativa no movimento como a OFRANEH e outras federaes de ponta. Em 1993, a organizao Lenca que agora se chama COPINH substituiu a ONILH no CONPAH. A COPINH est entre as mais radicais organizaes e tem fortes conexes com a OFRANEH. Abaixo segue uma lista das organizaes filiadas CONPAH.

Organizao e Data de FundaoSiglaPovos RepresentadosOrganizacin Fraternal Negra de Honduras (1977)OFRANEHGarfunaFederacin Indgena Tawahka de Honduras (1987)FITHTawahkaUnidad de la Moskitia (1976)MASTAMiskitoFederacin de Tribus Xicaques de Yoro (1978)FETRIXYTolupanesComit Civico de Organizaciones Populares e Indgenas de Intibuc (1993)COPINHLencaFederacin de Tribus Pech de Honduras (1986)FETRIPHPechNational Bay Islands Labor Association (1990)NABIPLANegros de Lngua InglesaFederacin Indgena Nahuas de HondurasFINAHNahausConsejo Nacional Indgena Maya ChortCONIMCHChort

Em um encontro de ativistas anti-500 anos em 1991 na Guatemala, delegados afro-latinos foram bem-sucedidos em incluir seus povos no slogan principal da campanha, que tornou-se a Campanha Continental para a Resistncia Indgena, Negra e Popular (Hale, 1994).

Tendo destacado a importncia das alianas entre a OFRANEH e as organizaes filiadas CONPAH, deve-se notar que tenses e fissuras tm se manifestado entre estes grupos. Em 2000, o Consejo Nacional Indgena de Honduras (CNIH) foi criado como uma coordenao alternativa das organizaes indgenas, em aparente rivalidade com a CONPAH. A CNIH no tem a OFRANEH como filiada e , portanto, de orientao exclusivamente indgena. Tambm no tem como filiada a COPINH, que tem laos estreitos com a OFRANEH. Os membros da CNIH tm procurado manter-se a distncia da orientao ativista da CONPAH, da OFRANEH e da COPINH.

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Analisando o Relatrio da Conferncia Regional das Amricas preparado para a Conferncia Mundial contra o Racismo, a Discriminao Racial, a Xenofobia e Formas correlatas de Intolerncia, interessante notar que a seo sobre povos indgenas, artigo 20, demanda que os Estados reconheam a relao especial que os povos indgenas tm com a terra como base para a sua existncia fsica e cultural (Assemblia Geral das Naes Unidas, 2001:17). Nos artigos sobre Pessoas de Descendncia Africana, embora retratando os afro-descendentes em termos bastante similares aos povos indgenas (como vtimas da discriminao com direitos cultura e a sua prpria identidade, ao desenvolvimento no contexto de suas prprias aspiraes e costumes, terra ancestralmente habitada, etc.), no h meno sobre uma relao especial com a terra (2001:8-9).

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