analise pianistico

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    JETHER BENEVIDES GAROTTI JNIOR

    Csar Camargo Mariano,Cristvo Bastos e Gilson Peranzzetta:Uma anlise musical das tcnicas de acompanhamento pianstico

    na msica popular brasileira no final do sculo XX.

    Dissertao apresentada ao Curso deMestrado em Msica do Instituto de Artes daUNICAMP como requisito parcial para aobteno do ttulo de Mestre em Msica.

    Orientador: Prof. Dr. Antonio Rafael dosSantos

    Campinas2007

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    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA

    BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP

    Bibliotecrio: Helena Joana Flipsen CRB-8 / 5283

    Ttulo e subttulo em ingls: Csar Camargo Mariano, Cristvo Bastos e

    Gilson Peranzzetta : a musical analysis of the techniques of pianisticaccompaniment in Brazilian popular music at the end of the 20th Century.

    Palavras-chave em ingls (Keywords): Mariano, Csar Camargo. 2. Bastos,Cristvo, Peranzzetta, Gilson, Accompaniment, Musical, Piano, Music -Brazil.

    rea de Concentrao: Fundamentos Tericos.

    Titulao: Mestre em Msica.

    Banca examinadora: Emerson de Biaggi, Gilmar Roberto Jardim.Data da Defesa: 23-02-2007.

    Programa de Ps-Graduao em Msica.

    Garotti Jnior, Jether Benevides.G19c Csar Camargo Mariano, Cristvo Bastos e Gilson

    Peranzzetta : uma anlise musical das tcnicas de acompa-nhamento pianstico na msica popular brasileira no final dosc. XX / Jether Benevides Garotti Jnior. -- Campinas, SP :2007.

    Orientador: Antonio Rafael dos Santos.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual deCampinas, Instituto de Artes.

    1. Mariano, Csar Camargo. 2. Bastos, Cristvo.3. Peranzzetta, Gilson. 4. Acompanhamento musical.5. Piano. 7. Msica - Brasil. I. Santos, Antonio Rafael dos.II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes.III. Ttulo.

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    Dedico este trabalho minha esposa

    Ariadne Junqueira Monteiro Garotti e aos

    nossos filhos, Giovanni Garotti e Luigi

    Garotti, seres nicos que me acompanham

    nesta minha trajetria, ensinando-me a ser

    um Homem Melhor a cada dia.

    Professora Sofia Helena Freitas

    Guimares de Oliveira, por ter me

    acompanhado com amor e carinho nos

    meus primeiros acordes.

    Aos meus pais, Jether Benevides Garotti e

    Maria de Lourdes Ribeiro Garotti, pela

    oportunidade desta vida.

    E ao meu Mestre, Dr. Celso Charuri, por

    me ensinar a compreender os

    acompanhamentos da VIDA com

    RESPEITO e PRINCPIOS.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Dr. Rafael Carvalho dos Santos pela amizade e pela participao

    como orientador neste trabalho, meu eterno agradecimento. Ao Instituto de Artes

    da UNICAMP, na pessoa do seu diretor Prof. Dr. Jos Roberto Zan, onde tive a

    oportunidade de dar um grande rumo ao meu crescimento cientfico e profissional.

    cantora Zizi Possi, com quem trabalho h 17 anos como pianista,

    acompanhador e sideman, por ter me dado a inspirao de fazer este trabalho. A

    Csar Camargo Mariano, minha referncia pianstica desde a infncia. A Cristvo

    Bastos, Gilson Peranzzetta e Leny Andrade, que prestaram valiosas informaes

    para a realizao deste trabalho. Ao grande amigo Prof. Dr. Gilmar Jardim, por

    tudo que aprendi com ele e pela presena nesta banca examinadora. Ao grande

    amigo Prof. Dr. Emerson de Biaggi, pela amizade, pelo grande incentivo que tive

    para desenvolver este trabalho e pela presena nesta banca examinadora. Ao

    meu grande amigo Marcelo Mariano, pelo exemplo de msico que, com certeza,

    ser uma das grandes referncias musicais por toda a minha vida. Ao amigo

    Ricardo Luiz Marcelo, pelo carinho, amizade e grande contribuio. A minhagrande amiga Camila Flaborea pelo carinho, amizade e valoroza ajuda nesta

    pesquisa. A Mariane Janikian pela estimada ajuda e profissionalismo, dignos de

    Verdadeiros Amigos que trabalham para fazer desse mundo, um lugar melhor.E

    a todas as pessoas e entrevistados que participaram contribuindo para a

    realizao deste trabalho, direta ou indiretamente, meu agradecimento.

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    "Temos por PRINCPIO evoluir o homem,

    porque no acreditamos que o homem

    seja produto do meio, mas sim que o meio

    produto do Homem."

    Dr. Celso Charuri

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    RESUMO

    A presente dissertao tem por propsito investigar os elementos

    constituintes da elaborao do acompanhamento pianstico na msica popular

    brasileira na segunda metade do sculo XX, atravs de anlises de entrevistas e

    de peas de piano e voz, transcritas de gravaes feitas pela cantora Leny

    Andrade com os pianistas Csar Camargo Mariano, Cristvo Bastos e com

    Gilson Peranzzeta. Partindo do prprio conceito de acompanhamento, de sua

    definio e exemplificao no cenrio musical, esta pesquisa procura mostrar

    tambm seus desdobramentos no mercado de trabalho como a definio e

    atuao do termo sideman nos dias de hoje. Aspectos comportamentais so

    tambm analisados aqui e colocados frente prtica do acompanhamento

    pianstico e de seus praticantes, na medida em que todos acionam processos

    simultneos de influncia e respeito mtuos.

    Dessa forma, as concluses desta pesquisa serviro para descrever de

    maneira mais detalhada e minuciosa todo o processo que envolve essa atividade

    musical, to interiorizada1

    para muitos que a praticam e, ao mesmo tempo, tosuperficialmente compreendida por outros que tentam pratic-la.

    1Discutiremos este termo mais a diante.

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    ABSTRACT

    The main purpose of the present dissertation is to investigate the

    elements that constitute the development of pianistic accompaniment in Brazilian

    popular music in the second half of the twentieth century. This will be carried out

    through the analysis of interviews and pieces for piano and voice, transcribed from

    recordings made by female singer Leny Andrade with pianists Csar Camargo

    Mariano, Cristvo Bastos, and Gilson Peranzzeta. Based on the concept of

    accompaniment and its definition and exemplification in the music scene, this study

    aims also to show its extensions in the labor market like the definition for the term

    sideman and the sidemans present role. Behavioral aspects are also analyzed

    and applied to the practice of pianistic accompaniment and its performers, as all

    carry out simultaneous processes of mutual influence and respect.

    Therefore, the conclusions drawn from this study will help describe in

    more detail and more thoroughly the whole process involved in this musical pursuit,

    which for many performers is so internalized, albeit so superficially understood by

    others who attempt to accomplish it.

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    SUMRIO

    INTRODUO 1

    1 ASPECTOS CONCEITUAIS E AS VISES PARTICULARES

    DE CSAR CAMARGO MARIANO, CRISTVO BASTOS

    E GILSON PERANZZETTA 2

    1.1 Aspectos conceituais 3

    1.2 Os pianistas suas biografias 9

    1.2.1 Csar Camargo Mariano 9

    1.2.2 Cristvo Bastos 12

    1.2.3 Gilson Peranzzetta 14

    1.2.4 O acompanhamento pianstico a partir da viso de Csar Camargo

    Mariano, Cristvo Bastos e Gilson Peranzzetta 16

    2 A INVESTIGAO DOS ELEMENTOS NOS ACOMPANHAMENTOSPIANSTICOS. 29

    2.1 Anlise das transcries 30

    2.1.1 Voc vai ver Tom Jobim e Ana Jobim 31

    2.1.2 Acontece Cartola 66

    3 CONCLUSES 88

    3.1 Sistematizao 90

    3.2 Consideraes finais 94

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    REFERNCIAS 97

    ANEXO 1 ENTREVISTAS 100

    Entrevista com Csar Camargo Mariano 101 Entrevista com Cristvo Bastos 111

    Entrevista com Gilson Peranzzetta 120

    Entrevista com Leny Andrade 130

    Entrevistas Revista Backstage Sideman 139

    Entrevista com amigos e colegas 143

    ANEXO 2 TRANSCRIES E ANLISES 151

    Voc vai ver verso de Tom Jobim 152

    Voc vai ver anlise 154

    Voc vai ver verso de Leny Andrade e Cristvo Bastos 157

    Voc vai ver anlise 166

    Voc vai ver verso de Leny Andrae e Csar Camargo Mariano 170

    Voc vai ver anlise 180

    Acontece - verso de Cartola 185

    Acontece - anlise 187

    Acontece verso de Leny Andrade e Gilson Peranzzetta 190

    Acontece anlise 201

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    INTRODUO

    A presente dissertao tem com objetivo analizar as tcnicas deacompanhamento pianstico na msica popular brasileira do final do sculo XX,

    atravs de transcries de gravaes feitas pela cantora Leny Andrade

    acompanhada pelo pianista, arranjador e produtor Csar Camargo Mariano, num

    arranjo pianstico de Voc vai ver, de Antonio Carlos Jobim, no LP Ns, de 1984,

    da gravadora Velas; pelo pianista e arranjador Cristvo Bastos, num outro arranjo

    pianstico do mesmo tema de Jobim para o LP Antnio Carlos Jobim Letra e

    Msica, de 1995, da gravadora Lumiar e em outro projeto, acompanhada pelo

    pianista e arranjador Gilson Peranzzetta em um arranjo pianstico de Acontece,

    tema de Cartola no LP independente Cartola 80 Anos, gravado em 1987.

    Atravs da anlise das transcries e de entrevistas com os msicos

    citados, comparo seus processos individuais e coletivos de criao dos

    acompanhamentos piansticos e, at mesmo atravs do relacionamento com a

    cantora em questo seja ele profissional ou pessoal , procurando mostrar um

    panorama da atuao do pianista acompanhador-arranjador no mercado detrabalho, em projetos de piano e voz nos dias de hoje.

    Este projeto tem uma importncia especial por se tratar de um assunto

    ainda pouco discutido por muitos dos msicos que exercitam essa prtica musical

    no mercado de trabalho, bem como ajudar aos interessados em desenvolver essa

    tcnica a ter elementos mais definidos e ordenados para desenvolverem seus

    prprios trabalhos de acompanhamento pianstico com conscincia.

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    CAPTULO I ASPECTOS CONCEITUAIS E AS

    VISES PARTICULARES DE CSAR CAMARGO

    MARIANO, CRISTVO BASTOS E GILSONPERANZZETTA.

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    1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS

    Na msica popular ocidental do sculo XX, a melodia acompanhada temsido um dos gneros mais usados de composio. Neste contexto, percebe-se

    uma crescente relao entre solistas e acompanhadores, onde a liberdade e o

    dilogo criativo entre eles acaba criando uma variedade imensa de possibilidades

    interpretativas. Essas possibilidades interpretativas e criativas acabam propiciando

    ao msico acompanhador um destaque e um comportamento diferenciado em seu

    meio de atuao.

    O que acompanhar? De que maneira?

    Em busca da significado do termo acompanhamento, percorreremos

    antes algumas definies de diversas fontes.

    Em Michaelis Moderno Dicionrio da Lngua Portuguesa2,

    encontramos a definio de acompanhamento como o de fazer

    companhia a, ir em companhia de. Tomar parte em

    (acompanhamento ou cortejo): Acompanhar enterros. Escoltar:

    Acompanhar um prisioneiro. Seguir a mesma direo de:

    Acompanhe o trajetodo nibus. Imitar, seguir: Acompanhara moda.

    Seguir com instrumento (a parte cantante da msica, ou o

    instrumento principal). Conduzir cerimonialmente, seguir em sinal

    de honra: Acompanhar o andorna procisso. Seguir com ateno,

    com o pensamento ou com o sentimento (Missa). Ser da mesma

    opinio, da mesma poltica. Viver na companhia de. Fazer

    acompanhamento musical ao prprio canto. Cercar-se, rodear-se.

    2ACOMPANHAMENTO. In: Michaelis Modernos Dicionrio da Lngua Portuguesa, disponvel em

    www.uol2.com.br/michaelis . Acesso dia 25 de maro de 2003.

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    Notamos que, aqui, o significado da palavra refere-se a um movimento

    de duas aes paralelas, identificadas como sendo uma delas a ao primria ou

    principal, e outra ao secundria, que sustenta e d suporte ao primria.

    No Merriam-Webster OnLine Dictionary3 encontramos a definiomusical de acompanhamento como parte instrumental ou vocal designada a dar

    suporte uma melodia. Aqui vemos o termo acompanhamento musical como

    uma parte secundria na performance musical, com a responsabilidade de

    sustentar a melodia principal.

    Mas no livro Fundamentos da Composio Musical4 de Arnold

    Schoenberg, que acredito ter encontrado a definio que, de um modo geral,

    melhor corresponde ao que acontece no mbito musical. Schoenberg diz que oacompanhamento no deve ser uma mera adio melodia, deve ser o mais

    funcional possvel e, nos melhores casos, atuar como complemento s essncias

    de seu assunto: tonalidade, ritmo, fraseio, perfil meldico, carter e clima

    expressivo. Deve revelar, tambm, a harmonia inerente ao tema, estabelecer um

    movimento unificador, satisfazer s necessidades e explorar os recursos

    instrumentais (SCHOENBERG, 1991, p. 107).

    Aqui, encontramos um sentido de interao, parceria e cumplicidade

    entre o solista e o acompanhador, valorizado pela sua responsabilidade. Ao se

    preocupar em desenvolver o acompanhamento da pea musical com

    competncia, colocando em destaque o solista, o acompanhador se valoriza,

    percorrendo recursos de seu instrumento sem se tornar solista, destacando-se

    sem perder o foco de sua funo. Como diz Peranzzetta, embelezar uma coisa

    sem tomar para si. Na msica popular isso pode ter diversos desdobramentos

    onde os acompanhadores acabam desempenhando funes at de diretores

    musicais, arranjadores e maestros.

    3ACOMPANHAMENTO. In: Merrian-Webster OnLine Dictionary. Disponvel em www.m-w.com.Acesso dia 26 de maro de 2003.4SCHONBERG, ARNOLD, Fundamentos da Composio Musical, So Paulo, Editora USP, 1991

    (Coleo Ponta;v.3)

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    Em entrevista Maria Fortuna publicada na Revista Backstage, Luciano

    Alves diz que o msico acompanhador acaba se tornando um msico mais

    completo, um maestro, que acompanha e que possui um status elevado de

    profissional de apoio para o artista. Ele se torna um sideman (FORTUNA, 2003,pag 23).

    Sideman termo que foi muito usado na msica popular americana na

    poca das big bands:segundo o dicionrio Merriam-Webster Online5, este termo

    significa membro de um grupo ou orquestra de jazzou swing. Outro dicionrio

    on-line, The Free Dictionary6, refere-se a esse termo como um membro de um

    grupo de jazz que no o lder, nem um solista convidado, ou seja, com uma

    funo diferenciada dos demais membros do grupo. Mas, na enciclopdia on-lineWikipedia7, por exemplo, esse termo tem um significado mais abrangente: um

    msico profissional que contratado para tocar ou gravar com um grupo de que

    ele normalmente no faz parte como membro fixo. Eles so geralmente

    requisitados pela capacidade de se adequar facilmente a diversos estilos

    musicais. Com o tempo, muitos deles acabam investindo em seus prprios

    trabalhos solo ou grupos.

    Mas, para Maria Fortuna, na mesma entrevista, sideman o msico

    que d suporte ao artista, a pessoa especializada em acompanhar solistas dos

    mais diversos estilos em gravaes e, na maioria das vezes, faz os arranjos das

    msicas.

    Percebe-se aqui que, em certos contextos, o termo sideman est ligado

    aspectos de disponibilidade musical, enquanto que, em outros contextos,

    5

    SIDEMAN.In: Merriam-Webster On Line disponvel em http://www.m-w.com . Acesso em 23 demaro de 2003.6SIDEMAN.In:The Free Dictionary. Disponvel em www.thefreedictionary.com. Acesso em 23 de

    maro de 2003.7 SIDEMAN.In: Wikipedia Free Encyclopedia. Disponvel em http://en.wikipedia.org/wiki/Main_Page.Acesso em 23 de maro de 2003.

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    relaciona-se aspectos de criatividade musical, o que cria uma certa divergncia

    entre os msicos, dependendo de sua natureza e de seus objetivos profissionais.

    Em entrevista concedida a esta pesquisa, Csar Camargo Mariano diz

    que o sideman pau para qualquer obra, sabe ler msica e serve como suporteao artista. E ainda acrescenta: pode-se viver a vida toda como sideman e ser

    realizado como eu, com muito orgulho e honra. Gilson Peranzzetta discorda. Eu

    no No sou sideman... Eu sempre me considero um solista, sempre me

    preparei para isso. Quando estou fazendo um trabalho de duo, como o trabalho

    que fao h muito tempo com Mauro Senise, ali so dois solistas dividindo no

    palco suas emoes. Ningum ali est acompanhando ningum. Para mim um

    sideman est ali para apoiar o outro, mas no eu.Nota-se que existem vrias maneiras de se entender o termo sideman.

    Para alguns, pode ter um significado at depreciativo, de submisso e

    complemento, enquanto que, para outros, o mesmo termo significa um papel de

    destaque, realizao e responsabilidade. De um lado, Mariano considera sideman

    um profissional que realiza, que direciona, que participa da concepo dos

    arranjos e que tem a responsabilidade de prover o projeto de todos os recursos

    disponveis, enquanto que Peranzzetta - que tem um entendimento mais prximo

    do real significado da palavra original na msica popular americana - considera

    essa atividade atrelada a uma concepo j estabelecida, onde o msicocontribui

    somente com aquilo que lhe requisitado, sem qualquer tipo de questionamento

    ou possibilidade de contribuio esttica. Neste caso, o profissional requisitado

    tem de ter, alm de tudo, uma facilidade de se adequar, de se disponibilizar a

    realizar o projeto proposto por outros msicos ou intrpretes.

    Atravs da minha observao da atividade do sideman no mercado de

    trabalho, vou considerar para esta pesquisa o significado que Mariano d a estetermo, ou seja: um profissional que tem a qualidade de acompanhar e ao mesmo

    tempo orquestrar, arranjar, proporcionar elementos e fazer com que o artista saiba

    e reconhea que o resultado final aconteceu por causa do seu trabalho.

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    Dessa forma acompanhar um artista contribuindo com ele e ajudando-o

    a realizar suas idias estticas atravs de arranjos e orquestraes, acaba sendo

    uma das caractersticas que mais diferenciam o sideman do arranjador tradicional

    que, em muitas situaes, trabalha no arranjo a uma certa distncia do intrprete,entregando as partes prontas aos msicos dentro do estdio para a gravao da

    base. Depois de ensaiados e/ou gravados esses arranjos, o mximo que pode

    acontecer uma adequao do artista a toda a estrutura musical j pronta e

    concebida pelo arranjador, permitindo ao intrprete, muitas vezes, somente a

    possibilidade de aprovar ou reprovar o arranjo. No caso do sideman, h uma maior

    proximidade, uma combinao de propostas musicais com o intrprete e at a

    possibilidade de redirecionamento do trabalho em comum acordo.Essa proximidade chega a ser tamanha que, em certos casos, o que os

    diferenciam o papel que cada um desempenha. Luciano Alves, na mesma

    entrevista, considera que um sideman pode at ser tambm um artista

    desenvolvendo um papel diferente. Diz ele: Isso no quer dizer que ele no possa

    ser um artista tambm, mas enquanto ele esta trabalhando nessa funo, sua

    obrigao atender aos desejos e expectativas do intrprete que o contratou. Ele

    faz a msica acontecer usando todo o seu know-how de acordo com o solista

    (FORTUNA, 2003, pag 23).

    Fica cada vez mais claro que a grande caracterstica do sideman o

    seu comportamento musical, aliado sua bagagem, criatividade e disponibilidade.

    Toms Improta, na mesma entrevista, acrescenta que mais cedo ou

    mais tarde, o sideman acaba desenvolvendo seu prprio trabalho. Se ele for

    criativo, isso ser inevitvel. Isso faz com que ele possa atuar de vrias maneiras

    no mercado de trabalho, tornando-se um profissional verstil e criativo,

    entendendo a atitude certa no contexto certo. Essa a razo pela qual consideroo sideman, acima de tudo, como algum que tem uma atitude de compreenso de

    sua atuao no meio, resultado da prtica do acompanhamento e da cumplicidade

    e disponibilidade artstica.

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    Segundo Mariano: antes de mais nada, acompanhar mais uma

    atitude musical do que uma performance, uma arte, criar uma condio sonora

    para que o solista ou cantor se sinta o mais confortvel possvel vestir o

    interprete. como se fosse um alfaiate fazendo um terno sob medida, um vestidosob medida vamos dizer assim, uma roupagem de um determinado tema para

    um determinado cantor ou cantora, ou solista, da maneira mais econmica

    possvel, para que voc crie espao e no ocupe espao. E ainda conclui,

    dizendo: Tem que se ter perseverana, pois no fcil ficar fazendo acorde aps

    acorde... H uma cincia, por isso, alguns msicos se destacam estilo,

    sonoridade, tcnica diferenciada, alm de uma postura sria diante da profisso. A

    soma desses fatores que determina se ele mesmo um sideman.Assim sendo, percebemos a importncia da bagagem musical e da

    experincia de atuao no meio musical adquirida pelo acompanhador como

    sendo fator importantssimo para a elaborao e concepo do acompanhamento

    pianstico.

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    1.2 OS PIANISTAS SUAS BIOGRAFIAS

    1.2.1 CSAR CAMARGO MARIANO8

    Nasceu em So Paulo em 1943. Aos 17 anos foi chamado por William

    Furneaux para integrar sua orquestra, tornando-se msico profissional. Foi

    convidado pelo maestro Enrico Simonetti para formar um grupo maior, constituindo

    o que se tornou o mais importante conjunto de baile do Brasil: Trs Amricas.Com este grupo, trabalhou durante trs anos, adquirindo experincia em arranjo e

    em acompanhar cantores da msica popular nacional e internacional.

    Na dcada de 1960, integrou diversos conjuntos que se tornaram

    famosos. Participou da gravao de um LP de Alade Costa (RGE), como pianista

    e arranjador, com o grupo que se tornou mais tarde o Som Trs. Durante este

    perodo, tambm foi chamado para tocar na casa noturna A Baica, importante

    casa de jazz e msica brasileira de So Paulo, onde integrou o Quarteto Sab.

    Em 1962, foi convidado pela gravadora Mocambo/RGE para produzir e

    arranjar o lbum Claudette Dona da Bossa, de Claudette Soares. Ainda em

    1962, formou com Airto Moreira e Humberto Clayber o Sambalano Trio, grupo

    com o qual inaugurou o Joo Sebastio Bar, que viria a ser o novo "templo da

    bossa nova" de So Paulo, na poca. Em 1967, apesar de no ter estudado

    orquestrao, pesquisou e escreveu doze arranjos com grande orquestra para o

    lbum de Marisa Gata Mansa.

    Em seguida, gravou o lbum instrumental Octeto Csar Camargo

    Mariano, tendo na base o Sambalano Trio. Esse octeto foi considerado um marco

    8CSAR CAMARGO MARIANO. In: Dicionrio Cravo Albim de Msica Popular Brasileira.

    Disponvel em http://www.dicionariompb.com.br. Acesso dia 30 de agosto de 2003.

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    na fuso "jazz-bossa" no Brasil. Nesse mesmo ano, participou como pianista dos

    LPs Os Trs Morais,Os Farroupilhase O Quarteto.

    Em 1968, passou a ser o produtor, arranjador e diretor musical dos

    shows de Wilson Simonal, acompanhando-o em excurses ao Mxico, Argentina,Peru, Venezuela, Itlia, Frana, Portugal e Inglaterra. Formou, tambm, o Som

    Trs, grupo base do trabalho de Simonal, e assinou um contrato de msico e

    arranjador com a TV Record, participando como jurado nos festivais realizados

    pela emissora.

    Gravou mais trs lbuns com o Som Trs para a RGE. Em 1969,

    participou do Festival das Artes Negras, no Senegal, com a cantora Elizeth

    Cardoso e o Som Trs.Com a dcada de 1970, iniciou-se uma nova fase em sua carreira. Em

    1971, foi chamado por Elis Regina para dirigir, produzir e escrever os arranjos

    para seu novo show e lbum, Elis. Produziu, arranjou e dirigiu espetculos de Elis

    como Falso Brilhante, Transversal do Tempo e Saudade do Brasil.

    Em 1978, produziu e dirigiu seu primeiro espetculo de msica

    instrumental, So Paulo Brasil, em cartaz por dois meses no Teatro Bandeirantes,

    em So Paulo. Nesse mesmo ano, especializou-se em msica para publicidade,

    cinema e teatro.

    Em 1981, gravou, ao lado de Hlio Delmiro, o consagrado disco

    Samambaia. Ainda na dcada de 1980, realizou concertos solo pelo Brasil e

    outros pases da Amrica do Sul, com a inteno de desenvolver sua tcnica

    pianstica, ao mesmo tempo em que continuou seu trabalho como arranjador e

    produtor para cantores da MPB como Gal Costa, Maria Bethnia, Simone e Rita

    Lee, entre outros. Comps, ainda, a trilha sonora para a minissrie Avenida

    Paulista (Rede Globo). Em setembro de 1985, foi contratado pela TV Globo paradirigir o Festival dos Festivais. No mesmo ano, gravou mais um lbum solo, Mitos,

    a partir do qual criou a trilha da novela Mandala, da TV Globo.

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    Em 1989, gravou o lbum Csar Camargo Mariano e fez a trilha para o

    musical A Estrela Dalva, sobre a vida de Dalva de Oliveira.

    Em seguida, apresentou-se novamente no Montreux Jazz Festival,

    desta vez ao lado de Joo Bosco, e fez uma turn de dez concertos na Espanha,em trio formado tambm por Hlio Delmiro e Paulo Moura. Durante os concertos

    na Espanha, num encontro com Leny Andrade, surgiu a idia de um novo dueto

    piano e voz: o disco Ns, gravado em 1993. Em 1995, fez a trilha de um filme

    para a televiso japonesa e voltou ao Brasil para co-produzir e fazer os arranjos

    do lbum Perdidos de Amor, de Emlio Santiago.

    Nas dcadas de 1980 e 1990, participou, dirigiu e comandou diversos

    programas de TV, como Csar e convidados, Jazz Brasil Csars Special,Ensaio e A Todas as Amizades, na TV Cultura, Um Toque de Classe, na TV

    Manchete, e Wrap Around the World, na TV Globo, entre outros.

    Para o cinema, comps a trilha dos filmes Eu te Amo (1980), de

    Arnaldo Jabor, Alm da Paixo (1982-1984), de Bruno Barreto, e Paixo Cigana

    (1990), de Flvia Moraes. Fez ainda a trilha de dois filmes institucionais sobre o

    Brasil para a CNN Internacional. Recebeu inmeros prmios ao longo de sua

    carreira, entre eles o de melhor arranjador no 2 e 5 Prmios Sharp de Msica.

    Em 2002, lanou, com o violonista e guitarrista Romero Lubambo, o CD

    Duo. Tambm em 2002, dividiu o palco do Teatro Rival BR (RJ) com a cantora

    Leny Andrade, para registrar o lanamento do CD Ns, gravado em 1994.

    Em 2006, recebe o Latin Recording Academy Lifetime Achievement

    Grammy Award, pelo conjunto de sua obra artstica.

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    1.2.2 CRISTVO BASTOS9

    Nasceu no Rio de Janeiro em 1947. Iniciou sua carreira profissional em

    1961, tocando acordeon em uma casa noturna do Rio de Janeiro. Assinou

    arranjos para shows e discos de seus parceiros Chico Buarque, Paulo Csar

    Pinheiro, Paulinho da Viola, lton Medeiros, Aldir Blanc e Abel Silva, alm de

    Nana Caymmi, Edu Lobo e Gal Costa.

    Em 1992, lanou, com o violonista Marco Pereira, o CD Bons Encontros,

    contendo as canes de Ary Barroso Na Baixa do Sapateiro, Aquarela Brasileira,

    No Rancho Fundo (com Lamartine Babo), Luxo S, No Tabuleiro da Baiana e

    Folhas Mortas, alm das msicas de Noel Rosa Feitio de Orao, Conversa deBotequim, Pra que Mentir e Feitio da Vila, todas com Vadico, As Pastorinhas

    (com Joo de Barro) e Trs Apitos. O disco foi contemplado com o Prmio Sharp,

    na categoria Melhor Disco Instrumental.

    Em 1995, gravou com Leny Andrade o CD Antnio Carlos Jobim Letra

    & Msica, contendo as canes Vivo Sonhando, Olha pro Cu, Luza, As Praias

    Desertas, Fotografia, Ana Luza, Voc Vai Ver, Este seu Olhar, Lgia, Samba do

    Avio, Esquecendo Voc, Corcovado, Wave, ngela, Outra Vez e guas de

    Maro.

    Em 1997, lanou seu primeiro disco solo, Avenida Brasil, contendo suas

    composies Os Trs Chores, Mandacaru Serto do Caic, Um Choro pro

    Valdir (com Paulinho da Viola), Rumo Zona Este, Todo Sentimento (com Chico

    Buarque) e Avenida Brasil, alm das canes Tudo se Transformou(Paulinho da

    Viola), Pianinho (Edu Lobo e Aldir Blanc), Round Midnight (Williams e Monk-

    Hanighen) e Mistura e Manda (Nelson Alves).

    Em 1998, sua parceria com Aldir Blanc foi registrada no CD Novos

    Traos, de Clarisse Grova. Ainda nesse ano, destacou-se como compositor de

    9CRISTVO BASTOS. In: Dicionrio Cravo Albim de Msica Popular Brasileira. Disponvel em

    http://www.dicionariompb.com.br. Acesso dia 30 de agosto de 2003.

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    Resposta ao Tempo (com Aldir Blanc), tema de abertura da minissrie Hilda

    Furaco (Rede Globo), na interpretao de Nana Caymmi. A cano foi

    contemplada com o Prmio Sharp na categoria Melhor Msica e encerrou a

    retrospectiva das Melhores Canes do Sculo, selecionadas por Ricardo CravoAlbin dentro do acervo fonogrfico da EMI-Odeon.

    Em 1999, foi responsvel pela direo e arranjos do show e do CD

    duplo Gal Costa canta Tom Jobim, gravado ao vivo, e teve sua cano Raios de

    Luz(com Abel Silva) registrada por Barbra Streisand no disco A Love Like Ours.

    Tambm nesse ano, sua msica Suave Veneno (com Aldir Blanc), gravada por

    Nana Caymmi, foi tema da novela de mesmo nome realizada pela Rede Globo.

    No cinema, participou como arranjador das trilhas sonoras compostaspor Edu Lobo para os filmes Boca de Ouro e Guerra de Canudos; como

    instrumentista da trilha sonora do filme O Homem Nu; e como compositor da

    msica do filme Mau, o Imperador e o Rei.

    Foi contemplado, como arranjador, com o Prmio Sharp pelos discos

    Paulinho da Viola e Parceria, de Joo Nogueira e Paulo Csar Pinheiro, na

    categoria Melhor Arranjo de Samba; Disfara e Chora, de Z Nogueira, na

    categoria Melhor Arranjo Instrumental; Tantos Caminhos, de Carmen Costa, e

    Resposta ao Tempo, de Nana Caymmi, na categoria Melhor Arranjo de MPB; e

    Agnaldo Rayol, na categoria Melhor Arranjo de Cano Popular.

    Em 2002, lanou, com o grupo N em Pingo d'gua, o CD Domingo na

    Geral, contendo, de sua autoria, as canes Perspectivo e Amigo Bandolim, alm

    da faixa-ttulo.

    Constam da relao dos intrpretes de suas canes: Paulinho da Viola,

    Mrcia, Alade Costa, Nana Caymmi, Mauro Senise, Paulinho Trompete, Z

    Nogueira, Luciana Rabello, Joo Nogueira, Banda Black Rio, Demnios da Garoa,Raphael Rabello, Simone, gua de Moringa, Chico Buarque, Vernica Sabino,

    Ney Matogrosso e Zez Gonzaga, entre outros.

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    1.2.3 GILSON PERANZZETTA10

    Nasceu no Rio de Janeiro em 1946. Iniciou sua carreira profissional em

    1964 acompanhando diversos artistas como Simone, Ftima Guedes, Gal Costa,Elizeth Cardoso, Gonzaguinha, Joanna, Edu Lobo e Ivan Lins, com quem atuou

    tambm, durante dez anos, como arranjador, diretor e produtor musical.

    Apresentou-se em shows e gravaes no Japo, nos Estados Unidos e

    na Europa. Morou durante trs anos na Espanha, trabalhando e estudando tcnica

    de interpretao com Petri Palau de Claramount. Nesse pas, apresentou-se no

    espetculo Trs Pianos de Cauda, dividindo o palco com o espanhol Tete Montoliu

    e o argentino Emilio de La Pea, na comemorao do Quinto Centenrio de Madri.Atuou como orquestrador com Nana Caymmi, Edu Lobo, Toquinho, Tito

    Madi, Billy Blanco, Leny Andrade, Guinga e Ftima Guedes, e com artistas

    internacionais como Dionne Warwick e Lucho Gattica.

    A partir de 1993, comeou a desenvolver um trabalho com o conjunto

    Rio Cello Ensemble, registrado no CD Sorrir, que teve seu concerto de

    lanamento na Sala Ceclia Meirelles, no Rio de Janeiro.

    Na rea da msica de concerto, comps a sute Miragem, para

    orquestra sinfnica e piano, executada em primeira audio pelo instrumentista e

    a Jazz Sinfnica de So Paulo, durante a Semana Guiomar Novaes, em 1997.

    Comps, tambm, a sute Metamorfose, para piano e violoncelo, apresentada em

    primeira audio no IV Encontro Internacional de Violoncelos, realizado no Museu

    Villa-Lobos (Rio de Janeiro), em 1998.

    Foi contemplado com o Trofu Brahma como Melhor Instrumentista e

    Melhor Arranjador, em 1988 e 1989, e com trs Prmios Sharp de Msica, na

    categoria Melhor Arranjador, em 1989, e nas categorias Melhor Compositor eMelhor Intrprete, em 1998.

    10GILSON PERANZZETTA. In: Dicionrio Cravo Albim de Msica Popular Brasileira. Disponvel

    em http://www.dicionariompb.com.br. Acesso dia 30 de agosto de 2003.

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    Ao longo de sua carreira, lanou os discosGilmony, Tema Trs, Juntos,

    Portal dos Magos, Paisagem Brasileira, Jobim 60 Anos, Seiva, Tom e Villa,

    Preldios e Canes de Amor de Cludio Santoro, Cantos da Vida, Lado a Lado,

    Afinidades, Reflections (gravado no Japo em duo com o violonista SebastioTapajs), Uma Parte de Ns, Vera Cruz, Gilson Peranzzetta, Sorrir, Sebastio

    Tapajs e Maurcio Einhorn, Fonte das Canes, Encontro de Solistas, Alegria de

    Viver e Rua Marari; este ltimo, primeiro lanamento de seu selo Marari Discos,

    criado em 1999. Ainda nesse ano, atuou como solista, maestro e arranjador para o

    especial 100 Anos de Msica, produzido pela Rede Globo. Tambm em 1999,

    participou de uma srie de concertos com o Quinteto Villa-Lobos, trabalho

    registrado em dois CDs do grupo, lanados pelo selo RioArte Digital.Em 2000, assinou a direo musical e participou como msico, ao lado

    de Leny Andrade e Guilherme de Brito, do show O Pranto do Poeta, segundo da

    srie de quatro espetculos dedicados a Nlson Cavaquinho, escritos e dirigidos

    por Ricardo Cravo Albin e apresentados no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio

    de Janeiro). Lanou, nesse mesmo ano, o CD Cano da Luae, em 2001, o CD

    Metamorfose.

    Em 2002, gravou o CD Cristal. Nesse mesmo ano, apresentou-se na

    Sala Baden Powell (Rio de Janeiro), em show de lanamento do disco. O

    espetculo contou com a participao de Mauro Senise, Paulo Russo, Robertinho

    Silva, Joo Cortez e David Chew. Foi citado por Quincy Jones como um dos cinco

    melhores arranjadores do mundo, em entrevista concedida a Jos Maurcio

    Machline.

    Em 2003, lanou, com Mauro Senise, o CD Frente a Frente. Em 2005,

    lanou o CD Manh de Carnaval Brazilian Standards, tendo a seu lado o baixista

    Paulo Russo e o baterista Joo Cortez.Constam da relao dos intrpretes de suas canes artistas brasileiros

    como Rildo Hora, Rio Cello Ensemble, Djavan, Leila Pinheiro, Cris Delanno, Alade

    Costa, Dori Caymmi, Leny Andrade, Edu Lobo, Z Luiz Mazziotti, Clia Vaz, Vox

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    Quatro, Ftima Guedes, Ftima Regina, Ivan Lins, Nana Caymmi, Ivan Lins, Joo

    Nogueira, Quarteto em Cy, MPB-4, Joyce, Danilo Caymmi, Sandra vila, Faf de

    Belm e Emlio Santiago; e internacionais como Sarah Vaughn, Shirley Horn,

    Dianne Schurr, George Benson, Jack Jones, Terence Binachard, Patty Austin,Toots Thielemans, Quincy Jones, Take Six e Lucho Gattica.

    1.2.4 O ACOMPANHAMENTO PIANSTICO A PARTIR DA VISO DE CSAR

    CAMARGO MARIANO, CRISTVO BASTOS E GILSON PERANZZETTA.

    Em entrevista com Csar Camargo Mariano, Cristvo Bastos e Gilson

    Peranzzetta, foram levados em considerao seis aspectos importantes do

    acompanhamento pianstico:

    1) O conceito de acompanhamento.

    2) As necessidades bsicas para se acompanhar.

    3) Os processos individuais.4) A relao entre o acompanhamento pianstico e o arranjo.

    5) A importncia da letra para o trabalho do acompanhador.

    6) O acompanhamento pianstico de vozes masculinas e vozes femininas.

    A respeito do conceito e do entendimento sobre o ato de acompanhar,

    Mariano, Bastos e Peranzzetta deixam clara a necessidade da integrao entre

    acompanhador e acompanhado no desenvolvimento de um trabalho de piano e

    voz, onde so mantidas, nas devidas propores, a esttica do acompanhado e a

    assinatura musical do acompanhante. Mariano coloca a prtica do

    acompanhamento como sendo uma arte, atravs da qual criam-se condies

    sonoras para que o solista ou cantor se sinta o mais confortvel possvel, ...

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    como se fosse um alfaiate fazendo um terno sob medida, um vestido sob medida,

    vamos dizer assim...uma roupagem de um determinado tema para um

    determinado cantor ou cantora, ou solistada maneira mais econmica possvel

    para que voc crie espao e no ocupe espao. Bastos diz que acompanhar, emprimeiro lugar, ser capaz de ouvir o que o outro est fazendo. adequar o seu

    toque quilo que est acontecendo.

    Essa adequao acontece, mas nunca da mesma forma entre os

    pianistas, pois a bagagem e experincia musical de cada um fator decisivo no

    resultado final. Como diz Peranzzetta: acompanhar, na verdade, voc

    embelezar uma coisa sem tomar para si. Voc tem que fazer com que as coisas

    andem com a melodia, embelezando cada vez mais a melodia e no tomar para siesse acompanhamento como um solo. voc sacar sua funo ali e

    desempenh-la com assinatura.

    Nota-se que o termo embelezarutilizado por Gilson vem ao encontro do

    que cada um deles considera como beleza, de acordo com os seus gostos

    particulares e com a experincia de cada um como msico. Tanto Mariano quanto

    Bastos colocam suas performances piansticas de acompanhamento num plano

    de adequao ao que o intrprete prope, complementando e ao mesmo tempo

    interagindo. Peranzzetta, no entanto, prefere adequar o intrprete ao

    acompanhamento, depois de j ter percorrido algumas deliberaes estruturais e

    harmnicas.

    Com relao s necessidades bsicas da prtica do acompanhamento,

    Bastos comenta a capacidade de ouvir o todo, escutar para poder entender os

    planos, entender onde esto as coisas principais para poder us-las e trabalhar

    com elas. Entende-se por todo um universo sonoro delimitado que est

    relacionado com a pea original (suas primeiras intenes estticas e estruturais)e a espacialidade onde a nova montagem est sendo trabalhada, atravs de

    processos de experimentao por ambas as partes (acompanhador e

    acompanhado).

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    Essa experimentao consiste em tocar o tema original vrias vezes de

    formas diferentes, analisando seus elementos motivos, frases, encadeamentos

    harmnicos e estruturais, etc. Procedendo dessa forma, percebendo suas

    nuances, encadeamentos harmnicos, cantos e contra-cantos e at a letra queest sendo cantada ou seja, seu significado potico Bastos prope vasculhar

    os elementos que so importantes segundo o seu ponto de vista esttico, e que

    podero ser utilizados no novo trabalho como, por exemplo, na criao de

    introdues, pontes, rearmonizaes e codas.

    Peranzzetta tambm considera importante uma percepo musical

    apurada e atenta, e ainda cita uma das possibilidades de treinamento dessa

    percepo no prprio mercado de trabalho: tocando na noite, fazendo bailes outocando em grupos musicais diversos. E ter uma certa facilidade de trabalhar e

    levar as harmonias para outros caminhos, ou seja rearmonizar. Segundo ele, o

    fato de um pianista participar de trabalhos de diversas formaes em vrios estilos

    ajudam a melhorar sua performance e sua percepo musical, baseando se no

    de quea msica popular exige do profissional nos dias de hoje grande agilidade e

    versatilidade de racioccio.

    Um pianista atuando como acompanhador, ao trabalhar com diversos

    tipos de intrpretes, em diversas formaes, adquire condies para desenvolver

    a percepo e uma prtica musical verstil como por exemplo, o domnio da

    rearmonizao e da reestruturao musical que se refletem na maneira como

    ele trabalha seus acompanhamentos e arranjos. Mariano, no entanto, valoriza a

    percepo e a versatilidade na performance musical, mas conjugadas aos

    estmulos que tanto o acompanhador quanto o acompanhado possam provocar

    um no outro, buscando criar uma proximidade maior com o acompanhado: cada

    acompanhador vai criar um acompanhamento com elementos diferentes,dependendo de sua bagagem musical e do estmulo que o acompanhado causar

    nele, pelo fato de se tratar de uma parceria. Mesmo criando um acompanhamento

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    predeterminado, ou em cima da hora, essa parceria faz com que um provoque

    reaes musicais no outro e vice-versa.

    Essa parceria qual Mariano se refere acaba ditando uma das direes

    do trabalho, em que tanto a maneira do acompanhado interpretar a letra da peaquanto a maneira do acompanhador direcionar toda essa cortina sonora so

    mutuamente influenciados, pois a parceria acontece quando um reage aos

    estmulos do outro num sistema de influncia mtua.

    Aqui, o interessante que surgiram aspectos complementares em todas

    as respostas: Bastos descreve o elemento principal de um acompanhador (a

    percepo e ateno dentro da performance musical ), Peranzzetta descreve o

    mesmo elemento, e fala da maneira de como ele trabalhado (tocando em vrioslugares com formaes, repertrios e estilos diferenciados), e Mariano, que

    tambm fala do mesmo elemento de Bastos e da prtica mencionada por

    Peranzzetta, associa um elemento a mais que o aspecto da parceira entre

    acompanhador e acompanhado. Para ele, Mariano, estes elementos tm de estar

    atrelados a uma troca de estmulos na criao e na conduo do

    acompanhamento.

    Com relao ao processo de criao de um acompanhamento, h uma

    unanimidade a respeito da escolha da tonalidade da nova montagem como sendo

    sempre o primeiro passo. Ela sempre determinada pelo acompanhado, por

    questes de tessitura e pelas intenes interpretativas que ele deseja

    desenvolver. No caso de um(a) cantor(a), parte-se do desejo de interpretar ou

    colorir sua voz segundo o tema que est descrevendo, levando em considerao

    tambm a letra e a maneira como deseja contar determinada histria.

    Mesmo assim, a partir desse ponto, nota-se que Peranzzetta, Mariano e

    Bastos tomam direes diferentes na maneira de trabalhar. Bastos diz que aprimeira coisa que faz tocar muito a msica, para entender todas as dobradias

    da pea, as intenes tudo isso fica mais claro quando voc toca muito a pea.

    Interiorizar o tema para depois exteriorizar a sua viso dele. Quanto mais a gente

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    toca, mais a gente sente as respiraes, os fraseados, as estruturas... ou seja,

    explorar o tema original, observando e experimentando elementos que sero

    usados no acompanhamento, percebendo como o intrprete se coloca nessa nova

    montagem e como ele prope suas idias. Mariano utiliza o mesmo processo queBastos, mas de uma forma a perceber mais o intrprete, como ele se comporta,

    para depois poder contribuir com suas idias de acompanhamento: vou tocando

    uma vez e da em diante eu vou percebendo o cantor, fico prestando ateno na

    maneira de como e canta, como ele divide, como ele suinga, como ele adianta as

    frases, como ele atrasa, de que forma ele interpreta a letra em questo, de que

    forma ele resolve as tenses, quais as notas em que ele sai um pouco da

    afinao, dependendo da melodia do tema, em qual regio ele brilha mais, emqual regio ele vai muito grave, aspectos da interpretao dele. Vou criando uma

    maneira de conhecer o cantor e visualizar os espaos que ele ocupa e de que

    forma. Da em diante, comea o processo de criao estrutural do

    acompanhamento ou do arranjo.

    Dessa forma, Mariano deixa o intrprete vontade para posteriormente

    adequar suas idias de acompanhamento pianstico. Por outro lado, Peranzzetta

    preocupa-se em criar, antes de mais nada, uma assinatura musical pessoal no

    acompanhamento, antes mesmo de estar com o intrprete: Eu comeo sempre

    fazendo uma introduo o que eu curto logo de primeira e depois comear a

    trabalhar na harmonia, parte integrante da minha assinatura musical. O pianista

    tem de conduzir sua performance de maneira autoral, colocando o mximo da sua

    personalidade musical antes de adequar a atuao do intrprete. Da em diante,

    as modificaes acontecem.

    Sendo assim, Peranzzetta j determinou a direo a seguir. Dessa

    forma notamos que Bastos e Mariano trabalham mais prximos ao intrprete,experimentando caminhos e buscando em conjunto decises e resolues

    musicais, mas com uma diferena: o ponto de ateno de cada um . Enquanto

    Bastos se preocupa em entender as chamdas dobradias da pea durante a

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    experimentao, ele acaba achando as melhores resolues piansticas enquanto

    observa e interage com o intrprete. Acaba sendo uma observao do

    acompanhado atravs da busca do acompanhamento, dividindo seu ponto de

    ateno. J Mariano coloca o ponto de ateno primeiramente no acompanhado,procurando observ-lo e conhec-lo, para depois poder propor idias e seguir na

    montagem do acompanhamento.

    Dessa forma, ele saber como propor suas idias de acompanhamento

    como, por exemplo, a melhor conduo rtmica e harmnica, elementos que

    possam ajudar o acompanhado a resolver melhor sua interpretao,

    rearmonizaes que possam valorizar a letra, introdues, pontes e codas que

    possam ser as mais adequadas, segundo seu ponto de vista esttico, para aquelesolista cantando aquela pea especfica.

    Peranzzetta trabalha primeiramente a introduo, rearmonizaes, e

    mudanas estruturais antes mesmo do contato com o acompanhado. No mximo,

    o acompanhado determina a tonalidade em que a pea ser trabalhada e quais as

    suas idias gerais de interpretao. Mas, certamente, seu campo criativo estar

    limitado, cabendo-lhe apenas a possibilidade de pequenas alteraes em uma

    estrutura j concebida pelo acompanhador. Neste caso, a meu ver, dependendo

    da maleabilidade da personalidade do acompanhador e do acompanhado, a busca

    dessa assinatura musical pode ser um elemento prejudicial ao rapport e ao

    processo criativo. Mas, se nenhum dos dois no encontrar problemas em se

    colocar numa situao como esta, ela ocorrer naturalmente sem grandes

    problemas, como foi o caso da gravao analisada neste trabalho, em que Leny

    Andrade descreve o processo de trabalho com Peranzzeta da seguinte forma: Eu

    falei alguma coisa do Acontece e o resto do projeto ficou tudo na mo dele, no

    falei nada... ele me mostrava... e eu adorava (risos).Tudo depende de como orapport estabelecido entre eles.

    Todos eles concordam num aspecto importante: o fato de que seus

    trabalhos de acompanhamento pianstico so arranjos, partindo do conceito de

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    que arranjo uma reelaborao de uma composio, normalmente feita para uma

    combinao sonora diferente da original11. Segundo Fanuel Maciel de Lima Jnior

    em sua dissertao de mestrado12, a diferena entre um arranjo e uma

    composio a presena da concepo da idia ou ainda, do insight, mas issono sigifica que elementos composicionais no possam estar presentes em partes

    do arranjo. Para Fanuel, tanto o arranjo como a composio tm que lidar com

    questes tais como planejamento formal, tratamento textural, uso de tcnicas de

    variao, explorao adequada no meio escolhido, etc., com a mesma

    proficincia (LIMA JNIOR, 2003 p.12), mas na composio que encontramos

    a prerrogativa do compositor enquanto atribuio a concepo da idia. Essa

    idia pode ser trabalhada no arranjo justamente nos trechos de maiorpossibilidade autoral por parte do arranjador como, por exemplo, introdues,

    pontes ou intermezzos, contracantos e coda, como veremos mais detalhadamente

    no captulo seguinte.

    Sobre a relao entre o acompanhamento e o arranjo, Bastos diz que

    quando toca muitas vezes a msica que vai acompanhar, e que o

    acompanhamento vira um arranjo: Voc passa por todo aquele processo que ns

    estvamos falando antes, de entender os meandros da msica que voc est

    trabalhando, aquela coisa toda. De tanto tocar, voc fica com uma linha de

    raciocnio um tanto quanto definida. Peranzzetta acrescenta que medida que vai

    deliberando suas idias, aquilo vai se ordenando num arranjo de piano e voz. J

    Mariano comenta que o acompanhamento pode ser o incio ou um microcosmo de

    um arranjo; uma verso reduzida de um arranjo para banda, e pode ser o arranjo

    em si, com um acompanhamento totalmente preparado, pensado, coerente

    conforme a interpretao do cantor ou solista.

    11SADIE, Stanley. Dicionrio Grove de Msica. Editora Jorge Zahar.So Paulo.2005.

    12LIMA JNIOR, Fanuel Maciel de, A elaborao de arranjos de canes populares para violosolo, Campinas SP: [s.n.], 2003

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    Neste ponto, Mariano percorre vrias possibilidades onde o

    acompanhamento pode ser trabalhado, alm de um arranjo, uma adaptao

    transformao menos elaborada de uma obra musical para ajust-la a uma nova

    finalidade13 ou uma transcrio adaptao de uma obra musical a um outroinstrumento ou grupo instrumental, diferente dos da verso original14 ou at

    mesmo uma reduo adaptao para um piano de uma partitura originalmente

    escrita para vrias partes (vozes, instrumentos)15.

    No meu ponto de vista, o importante aqui o teor criativo que o

    acompanhador possa ou queira imprimir, dependendo da proposta do trabalho.

    Dessa forma, classifico os tipos de acompanhamentos segundo o grau

    de participao criativa do acompanhador:

    Processos Conceitos ParticipaoCriativa

    REDUOAdaptao para piano de uma

    partitura originalmente escrita paravrias partes (vozes, instrumentos).

    O acompanhador no temnenhuma participao criativa.

    TRANSCRIOAdaptao de uma obra musical a

    um outro instrumento ou grupoinstrumental diferente dos da verso

    original.

    O acompanhador participa naadequao da pea para seu

    instrumento.

    ADAPTAO

    Transformao menos elaborada

    de uma obra musicalpara ajust-la a uma nova

    finalidade.

    O acompanhador participa

    sugerindo poucas modificaes,dependendo da necessidade.

    ARRANJOReelaborao deuma composio

    O acompanhador participaativamente no processo criativo.

    13 ADAPTAO.In:Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa disponvel em:http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm. Acesso em 25 de outubro de 2006.14 TRANSCRIO.In:Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa disponvel em:http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm. Acesso em 25 de outubro de 200615 REDUO.In:Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa disponvel em:http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm. Acesso em 25 de outubro de 2006.

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    Pelo fato da reduo ser uma formatao de uma partitura de vrios

    instrumentos para o piano, a possibilidade de interveno criativa por parte do

    instrumentista completamente descartada pelo fato da necessidade da fidelidade

    composicional pea original. Esse processo permite a execuo dedeterminadas peas de formao complexa como combos, orquestras e corais

    adequadas execuo pianstica. J a transcrio permite que o pianista possa

    experimentar algumas alternativas tcnicas no seu instrumento para que a pea

    original seja executvel, muitas vezes modificando alguns aspectos. Na

    adaptao, modificaes mais pessoais podem acontecer, pois muitas vezes as

    peas originais ficam subordinadas a uma inteno diferenciada, ou seja, elas

    podem sofrer algum tipo de alterao em funo de uma proposta ou atividade,por exemplo, a adaptao de vrios temas num musical. No arranjo propriamente

    dito, o instrumentista tem mais liberdade para modificar a pea original.

    Outro aspecto importante citado pelos entrevistados foi a questo da

    interpretao da letra e sua influncia na criao do acompanhamento. Segundo

    Mariano, a letra a conduo principal de tudo, deixando claro que a letra

    determina aspectos importantes como andamento, carter, movimentos rtmicos e

    harmnicos, densidades, texturas e at ajuda a determinar qualquer

    reestruturao formal o acompanhador queira propor. A ateno que o

    acompanhador mantiver na interpretao do acompanhado definir muitos dos

    elementos importantes do acompanhamento, mas que sejam ponderados numa

    certa medida e bom gosto como cita Bastos: importante voc ler a letra da

    msica que voc est trabalhando... No que voc vai tentar refor-la, fazer uma

    coisa caricata, completamente over, no precisa fazer isso. A letra importante

    pra voc estar dentro do clima da msica... Fazer o arranjo ao p da letra tem

    limite, o que precisamos sempre bom senso. O que Bastos coloca a diferenade contar uma histria criar uma ambientao sorona, acompanhando a letra -

    e de ilustrar a histria uma forma mais caricata de musicar o que est sendo

    cantado. Num trabalho de criao de um arranjo ou acompanhamento, tudo que o

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    pianista fizer servir para dar suporte letra e ao que est sendo cantado,

    cabendo ao acompanhador criar uma cena, um contexto para isso; e se esse

    processo no for trabalhado da forma adequada, o resultado ser caricatural e

    descritivo. Bastos cita uma experincia dele nesse sentido:

    Uma vez eu escutei um arranjo que mostrava que nem sempre

    vale a pena voc tentar mostrar na msica tudo aqui que est na

    letra. Era um arranjo antigo, me lembro de um detalhe, que numa

    hora que a letra falava de estrelas no cu, o arranjador colocou

    violinos no agudo fazendo pizzicatos no arranjo plim plim plim

    ou seja, uma coisa caricata, completamente over... No precisava

    fazer isso, mostrar as estrelas musicalmente, sabe? Fazer o

    arranjo ao p da letra tem limite n? O que precisamos sempre na

    msica bom senso.

    Peranzzeta comenta um outro aspecto: a relao da melodia com a

    letra. As duas tm que ser trabalhadas juntas pelo fato de se complementarem

    com relao interpretao da pea. Trabalh-las em separado poder direcionar

    a montagem para resolues distintas e, por vezes, opostas ao seu contedo.

    Peranzzetta cita uma experincia nesse sentido:

    Uma vez eu recebi uma encomenda de arranjo. Recebi uma

    melodia com cifra de um samba sem letra pra fazer o arranjo. A

    pessoa s cantava lalalala e eu fui fazer o arranjo. E eu fiz um

    arranjo assim, super feliz, em cima daquilo que eu estava

    ouvindo. Quando cheguei no estdio, a letra era muito triste. No

    tinha nada a ver o que tinha escrito com o que a pessoa cantava.

    A tive que refazer tudo em funo da letra, porque a pessoa dizia

    coisas muito tristes e atrs rolava a maior festa... Ficou estranho,

    entendeu... Ento a letra conduz a colocao da melodia, o ritmo,

    as harmonias, os grooves, o andamento, as dinmicas do que

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    voc vai fazer. Seno, acontece o que aconteceu comigo: voc

    faz uma coisa super feliz para uma letra muito triste. A melodia

    sozinha pode levar para um lado e a letra, para outro. Vira uma

    guerra.

    Com relao diferena do acompanhamento de vozes masculinas e

    femininas, Peranzzetta diz: nunca observei isso. Eu vou pelo esprito da msica e

    como ele ou ela interpreta, independente de ser cantor ou cantora. Bastos j diz

    que a nica diferena o timbre do solista. O importante tomar cuidado com as

    freqncias, por exemplo: acompanhando um bartono voc toma cuidado em

    tocar nas regies graves do instrumento, com uma soprano voc toca mais nas

    regies mdio-graves do instrumento, coisas assim. Mas Mariano acrescenta um

    aspecto importante. Para ele, so duas coisas completamente diferentes:

    Primeiro, a letra que mostra um certo contexto cantada por uma

    mulher, mostra outro contexto completamente diferente cantada

    por um homem. Mudam todas as entonaes, as referncias

    poticas... Mudam as polaridades, as aes e reaes... outra

    histria, com uma polaridade diferente. Muda a interpretao, o

    que conseqentemente muda o meu comportamento como

    acompanhador. Muda a trilha sonora que est sendo feita. Da

    vm os aspectos tcnicos que tambm mudam, por exemplo, a

    tessitura, a tonalidade, a regio onde a melodia se situa,

    conseqentemente a regio onde a minha performance vai se

    concentrar, as temperaturas das harmonias... Muda tudo.

    Isso demonstra o grau de ateno que o acompanhador pode

    desenvolver, observando ao mximo os elementos que o acompanhado pode

    dispor para o desenvolvimento do acompanhamento. Na verdade, Mariano se

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    refere a elementos que se polarizam16 a determinadas intenes de interpretao

    do acompanhado entonaes, referncias poticas, aes e reaes que

    reagem diretamente no acompanhamento tonalidade, regio da melodia,

    interpretao da letra com a melodia, regio predominante de performance e ocritrio das alteraes harmnicas e estruturais.

    Percebemos aqui que o processo de criao de um acompanhamento

    pianstico gira em torno de 3 elementos essenciais: a verso referencial da

    pea17 (dados da verso da pea), o acompanhado (intrprete e suas

    caractersticas) e o acompanhador (instrumentista, no caso pianista, e suas

    informaes). A pea original traz em si elementos que determinam a melodia,

    harmonia, andamento, instrumentao, carter, estilo, a letra e a sua interpretaopor parte do autor no caso de uma gravao.

    O acompanhado traz definies como a tessitura vocal detectada dentro

    de uma classificao vocal, pertinente aos seus limites e caractersticas vocais ,

    intenes interpretativas como aspectos de polaridade e interpretao da letra, o

    destaque de regies vocais de maior importncia dependendo da linha meldica

    que levar tambm a uma definio da tonalidade a ser trabalhada.

    J o acompanhador traz ao projeto dados como instrumentao (piano),

    sua bagagem musical adquirida com a experincia e vivncia como profissional no

    mercado de trabalho, sua inteno interpretativa aquilo que ele gostaria de fazer

    durante a sua performance e um comportamento que possibilite o contato e a

    troca de informaes com o acompanhado (postura de sideman). Depois disso,

    o acompanhado analisa os dados da pea original e do acompanhador segundo o

    seu ponto de vista e compreenso, enquanto que o acompanhador tambm

    16POLARIZAO - atrao volta de, ou em direo a um ou mais plos, pontos, temas, opiniesetc.In:Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa disponvel em:

    http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm. Acesso em 25 de outubro de 2006.17Essa verso pode ser uma regravao do tema, ou at o prprio tema original executado pelo

    compositor. Mas para no criar polmicas em torno do aspecto pea original, consideraremoscomo sendo a verso referencial de onde acompanhado e acompanhador se utilizam para iniciaraelaborao do trabalho, que por sua vez, poder tambm se tornar tambm verso referncial paraoutro projeto, etc.

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    analisa os dados da pea original e do acompanhado da mesma forma. Isso faz

    com que, por exemplo, cada um deles tenha entendimentos diferentes das

    informaes que o tema original traz, e da inteno de concepo do outro

    participante. E a comea o contato musical, o processo de experimentaomtua, em que acompanhador e acompanhado manuseiam a pea original com os

    dados de ambos.

    Atravs dessa experimentao, ambos estabelecem definies e

    formataes e chegam ao resultado final da releitura da pea original. Este seria

    uma proposta de sistematizao do processo de criao de um acompanhamento

    pianstico, resultado da adequao de informaes, intenes e comportamentos,

    reunidos num resultado comum a ambas as partes envolvidas.

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    CAPTULO II A INVESTIGAO DOS ELEMENTOS

    NOS ACOMPANHAMENTOS PIANSTICOS

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    2.1 ANLISE DAS TRANSCRIES

    Para analisar os resultados dos processos de acompanhamento

    pianstico citados no captulo anterior, utilizei da prtica da transcrio pararegistrar em partitura, com o mximo de fidelidade possvel, a execuo pianstica

    e vocal de registros fonogrficos da participao dos entrevistados.

    Foram escolhidos dois registros fonogrficos gravados por Csar

    Camargo Mariano e Cristvo Bastos, acompanhando a cantora Leny Andrade no

    tema original de autoria de Antonio Carlos Jobim e Ana Jobim, intitulado Voc vai

    ver, do lbum Terra Brasilis18 de 1980. Optei justamente por esta pea para

    comparar os processos criativos dos pianistas e o comportamento de Leny diantede dois pianistas de formaes musicais diferentes, trabalhando num mesmo

    tema musical e em situaes quase idnticas de produo conhecendo a pea

    praticamente dentro da sala de gravao do estdio. Leny e Mariano gravaram a

    faixa Voc vai ver no lbum Ns19, de 1984, enquanto que Bastos gravou com

    Leny o mesmo tema onze anos depois, no lbum Antnio Carlos Jobim Letra &

    Msica Leny Andrade e Cristvo Bastos20, de 1995.

    Pelo fato de no ter encontrado o mesmo tema trabalhado por Leny e

    Peranzzetta, questionei Leny na ocasio de sua entrevista para esta pesquisa a

    respeito de alguma gravao que pudesse me revelar aspectos semelhantes - ou

    no - dos que encontrei com os outros pianistas. Ela mencionou o tema de Cartola

    18JOBIM, A.C. Voc vai ver. Intrprete: Tom Jobim e Ana Jobim.In: Terra Brasilis. [36.138/9]:WEA, Brasil, p1980. Faixa 9.19JOBIM, A.C. Voc vai ver. Intrprete: Leny Andrade.In: Ns. [11-V009]: Velas, p1984. Brasil.Faixa 4.20 20 JOBIM, A.C. Voc vai ver. Intrprete: Leny Andrade. In: Antnio Carlos Jobim Letra &Msica Leny Andrade e Cristvo Bastos. [LD-06/95]: Lumiar Discos, p1995. Brasil. Faixa 6.

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    chamado Acontece, originalmente gravado em 1974 no lbum Cartola21, e

    trabalhado em 1988 por Leny e Gilson Peranzzetta no lbum Cartola 80 anos22.

    Neste processo de transcrio, analisei os acompanhamentos

    piansticos, transcrevendo os movimentos de cada mo dos pianista primeiro amo esquerda, depois a mo direita, montado as cifras dos acordes e depois

    transcrevi a interpretao vocal de Leny nos compassos das estruturas montadas.

    Dessa forma, consegui ter uma visualizao formal e harmnica dos

    acompanhamentos, partindo da observao das fundamentais dos acordes (mo

    esquerda), dos acordes propriamente ditos (mo esquerda e direita), das

    extenses harmnicas e contracantos (mo direita) e da melodia (voz), o que me

    permitiu comparar as formas de acompanhamento de cada pianista.

    2.1.1 VOC VAI VER TOM JOBIM E ANA JOBIM

    A primeira pea a ser analisada o tema de Tom Jobim Voc vai ver.

    Na verso original, Tom Jobim desenvolve a pea na tonalidade de F Maior como

    mostra a transcrio abaixo:

    21CARTOLA. Acontece. Intrprete: Cartola. In: Cartola. [MPL 9302]: Marcus Pereira Brasil, p1974.Faixa 4.22 CARTOLA. Acontece. Intrprete: Leny Andrade. In: Cartola 80 anos. [S.I.]: independente,Brasil, p1988. Faixa 6.

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    Dessa forma, ele estrutura a pea da seguinte maneira:

    Podemos observar a partir da figura acima que a gravao original

    comea com uma introduo instrumental de 8 compassos (do compasso 1 ao

    compasso 8), seguida por uma parte denominada A1 de 16 compassos (do

    compasso 9 ao compasso 24), em que ele repete o mesmo trecho com umasegunda letra (A2) e uma parte denominada B de 8 compassos (do compasso 26

    ao compasso 33). Logo aps, a parte A1 repetida como solo instrumental de 16

    compassos, depois repete-se a parte A2com a voz cantando a segunda parte da

    letra em 16 compassos, uma repetio da parte B em 8 compassos e a coda

    instrumental de 16 compassos, com elementos da introduo (do compasso 33

    at o final). Em suma, a gravao original toca o tema duas vezes, sendo que na

    segunda vez a voz canta somente a segunda parte da letra, deixando a primeira

    parte para um trecho instrumental.

    Cristvo Bastos relata o processo de trabalho e gravao deste tema

    com Leny:

    Ns havamos tocado juntos h muitos anos atrs e naquele

    projeto ns nos reunimos e gravamos tudo em trs dias, sem

    respirar. O Chediak Almir Chediak, produtor do projeto estava

    com estdio marcado e com pressa de gravar, e ns no

    pudemos fazer o trabalho com calma. Foi um trabalho feito muito

    s pressas, nenhuma das introdues foi pensada e quando eu

    ouo o projeto novamente, isso me impressiona. Ns estvamos

    dentro do estdio e falvamos: Vamos tocar essa msica? A

    Intro A1 A2 B CodaA1 A2 B

    VoltaVozVozInstrumental InstrumentalInstrument

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    gente se olhava e comeava. Depois, quando eu ouvia o CD, eu

    falava: Poxa, mas como pode ter sado essa intro? A gente nem

    teve tempo de passar....

    Com toda essa presso do projeto em gravar este tema de uma forma

    gil, Bastos opta por usar a mesma estrutura formal de Tom Jobim no seu

    acompanhamento, com dois diferenciais importantes: trabalha na tonalidade de R

    Maior por indicao de Leny e adiciona parte B um trecho de 4 compassos

    da mesma parte B (do compasso 75 ao compasso 78).

    Este trecho denominado extenso do B, e parte integrante da parte

    B estendida, trecho que vai do compasso 69 at o compasso 78, como mostra a

    figura abaixo:

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    Dessa maneira, a estrutura formal que Bastos desenvolve em seu

    acompanhamento pianstico : uma introduo instrumental de 6 compassos (do

    compasso 1 ao compasso 6), uma parte denominada A1 de 16 compassos (do

    compasso 7 ao compasso 22), uma parte denominada A2de 12 compassos (docompasso 23 ao compasso 34), uma parte denominada B de 6 compassos (do

    compasso 35 ao compasso 40), uma parte de improviso instrumental de piano de

    16 compassos (do compasso 41 ao compasso 56), um retorno parte A2de 12

    compassos (do compasso 57 ao compasso 68), uma parte B estendida de 10

    compassos (do compasso 69 ao compasso 78) e uma coda instrumental de 5

    compassos (do compasso 79 ao compasso 82), como mostra a figura:

    Mariano conta que quando estava gravando o lbum Ns com Leny, ele

    ficou conhecendo o tema de Tom na cantina do estdio. Ele conta:

    Estvamos gravando o projeto em estdio e paramos uma hora

    para tomar caf. Da a Leny me mostrou o Voc vai ver. Eu adorei

    a msica e pedi para gravarmos. Entramos no estdio e comecei

    e esboar algumas coisas, experimentamos outras, testamos

    algumas coisas e gravamos. Assim pela afinidade de estar com

    ela, pela afinidade com a msica, o arranjo foi ficando pronto.

    Nessa pea em questo, eu criei uma intro, e entro no A da

    msica com uma levada quase de violo na mo direita e com os

    baixos em movimentos que intuam a levada de um surdo, mas

    fao isso pianisticamente. E quando eu retorno ao A novamente,

    Intro A1 A2 B CodaA1 A2

    SoloPianoVoz

    VoltaVoz

    Bestendido

    PianoPiano

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    eu torno a levada quase de um groove e vou lembrando de linhas

    de baixo que ouo muito nos trabalhos do Luizo Maia, no

    Marcelo Mariano e vou incorporando esses desenhos na minha

    levada. Entra uma parte de improviso de piano, onde eumantenho a conduo e gravo uma outra pista de piano solo,

    justamente para no perder a conduo queria mesmo manter o

    mesmo trem andando (risos) e voltamos e acabamos a msica

    em fade out. Sem muita inveno, simples.

    Por indicao de Leny, Csar trabalha na tonalidade de R Maior e

    utiliza a mesma estrutura formal de Cristvo, adicionando um trecho de improviso

    vocal denominado de A2 do compasso 65 ao compasso 76 onde a voz atuacom caractersticas improvisatrias at o final da parte B estendidano compasso

    85. Dessa maneira, Mariano cria a seguinte estrutura: uma introduo instrumental

    de 9 compassos (do compasso 1 ao compasso 9), uma parte denominada A1 de

    16 compassos (do compasso 10 ao compasso 25), uma parte denominada A2de

    12 compassos (do compasso 26 ao compasso 37), uma parte denominada B

    estendida de 10 compassos (do compasso 38 ao compasso 47), uma parte de

    improvisos de 38 compassos (do compasso 48 ao compasso 85), divididos da

    seguinte forma: 16 compassos de improviso instrumental (A1) e 22 compassos de

    improviso vocal (A2e B estendido), uma parte A2de 12 compassos, onde a voz

    volta a cantar a segunda parte da letra (do compasso 86 ao compasso 97), uma

    parte B estendida de 10 compassos (do compasso 98 ao compasso 107) e uma

    coda instrumental de mais de 14 compassos23. Sendo assim, a estrutura do

    acompanhamento de Mariano fica a seguinte:

    23O fato de a gravao ter sido editada com o efeito de fade outimpossibilita a contagem precisa

    de compassos da parte final.

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    De maneira geral, tanto Mariano como Bastos no alteram muito a

    estrutura original de Tom Jobim: introduo, apresentao do tema,

    reapresentao do tema e coda. Na verdade, o prprio Tom utiliza-se de uma

    forma estrutural muito usada no jazz americano como no bebop e no cool jazz,

    que d abertura aos instrumentistas para apresentarem o tema e improvisaremsobre ele vrias vezes e de vrias formas at que o tema reapresentando e

    encerrado com a coda. Essa forma teve grande influncia na bossa nova, em

    grupos instrumentais e vocais, tanto na harmonia como na forma, como mostra o

    quadro a seguir:

    Partindo desta estrutura, podemos encontrar e analisar elementos

    importantes que cada pianista props como acompanhamento pianstico para a

    pea de Tom Jobim.

    Na introduo (compasso 1 ao compasso 6), percebe-se que Bastos

    trabalha o motivo da introduo da gravao original de Jobim logo no primeiro

    compasso, desenvolvendo uma resposta no compasso seguinte e uma outra

    variao do mesmo motivo no compasso 3, deixando em suspenso o acorde de

    Gm79 para a entrada de Leny. Bastos, alm de indicar elementos estticos que

    sero usados nos decorrer da pea, sinaliza a tonalidade para a cantora,

    IntroApresentao

    do tema CodaReapresentao do

    temaImprovisao

    Intro A1 A2 BEst. A1

    SoloPianoVoz

    A2

    SoloVoz

    BEst. A2B

    Est. Coda

    VoltaVoz

    Pian

    Pian

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    acabando a introduo num acorde suspenso (IVm79) no compasso 5, explorando

    muito os pedais e ressonncias harmnicas do piano atravs de fermatas e notas

    sustentadas, como mostra a figura a seguir:

    No trabalho de Mariano, ele cita exatamente o motivo do tema principal

    de Jobim nos compassos 1 e 2, cria uma resposta para ele nos compassos 3 e 4,

    faz uma variao do mesmo motivo nos compassos 5 e 6 e faz nova resposta at

    o acorde de A7(b9) no compasso 9, onde prepara a funo de V7(b9) para a

    cantora, como mostra a figura a seguir:

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    Aqui, Mariano opta por um outro tipo de piano o Yamaha CP70

    eletroacstico por ser um instrumento de uma ressonncia harmnica diferente

    do piano acstico e que permite melhor resposta a execues rtmicas complexas

    caracterstica predominante em sua performance. Com isso, ele consegue umaleveza de execuo que indicar o comportamento do acompanhamento pianstico

    no decorrer da pea.

    Bastos, na apresentao do tema partes A1, A2 e B que compreende

    os compassos de 7 a 20 , opta por um comportamento rubato ao piano,

    amparando harmonicamente Leny com acordes sem muita movimentao, e com

    contracantos que deixam a cantora vontade em sua interpretao.

    Aqui ele assume uma postura mais pianstica do que na verso original,caracterizada ritmicamente pela conduo de bossa nova. Nesta parte, Bastos

    procura ouvir o que Leny est fazendo, adequando o seu toque quilo que est

    acontecendo, ou seja, praticando o seu prprio conceito de acompanhamento

    como vimos no captulo anterior e criando contracantos nas pausas da melodia

    da cantora, como mostra a transcrio abaixo:

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    Csar j opta em sintetizar o ritmo da bossa nova ao piano na

    apresentao do tema que vai do compasso 10 ao 47 , predominando na mo

    esquerda a conduo do baixo sincopado e na mo direita uma execuo

    parecida com a do violo de bossa nova que na verdade so motivos estilizados

    a partir das acentuaes rtmicas do tamborim, predominantes no samba

    (GARCIA, 1999, p.22), permeada por uma linha meldica de notas longas que

    acompanha a melodia principal. Ele assume as divises rtmicas da bossa nova

    como principal elemento condutor do acompanhamento numa regio grave do

    instrumento, deixando Leny com liberdade para sua interpretao, como mostra a

    transcrio o abaixo. Em sua entrevista ele cita: O que eu trouxe da pea original

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    de Tom foi a bossa, o groove de bossa nova e a bossa que Tom tinha conseguido

    naquela gravao. Acho que foi isso:

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    Observando a transcrio da parte vocal de Leny nas gravaes com

    Bastos e Mariano, percebe-se que ela tem posturas interpretativas quase idnticas

    nas duas verses, mesmo com a diferena de conduo dos acompanhadores,

    ela acaba optando por manter quase que as mesmas entradas antecipadas efinais de frase, divises rtmicas, andamentos, timbres vocais nos limites da sua

    tessitura e a interpretao da letra.

    Sendo assim, Leny nos mostra que a sua interpretao no tem grandes

    alteraes quando est sendo acompanhada por pianistas diferentes neste

    mesmo tema. Ela acaba adaptando sua interpretao do acompanhador apenas

    nos aspectos que ela considera necessrio, mantendo sua concepo pessoal da

    pea, como ela mesma cita em sua entrevista para esta pesquisa: Sim, passotodos esses sentimentos para que eles - os pianistas - percebam o que vai

    acontecer comigo e a gente possa incendiar e emocionar juntos. Alguns msicos

    s vezes no entram fcil nessa viagem, uma coisa muito sensvel; outros

    entram sem eu falar, pois eles olham a letra e entendem as mesmas coisas que

    eu.

    Vale a pena destacar que esse procedimento tambm acontece com os

    pianistas, como disse Bastos: preciso tocar muito a msica para voc

    interiorizar o tema, para depois exteriorizar a sua viso. J Mariano diz que vai

    criando uma maneira de conhecer o cantor e visualizar os espaos que ele ocupa,

    e de que forma. Da em diante, comea o meu processo de criao estrutural do

    acompanhamento ou do arranjo, com meus elementos. E Peranzzetta diz que,

    depois de criar uma introduo personalizada, ele retrabalha a harmonia de forma

    que fique clara a sua assinatura musical, que tem a ver com tudo aquilo que eu j

    ouvi, com aquilo que aprendi, com aquilo que gosto, com aquilo que sei que d

    certo e com aquilo que sempre quis experimentar. Tudo isso faz parte dabagagem da gente, conseqentemente da nossa assinatura musical.

    Dessa forma, podemos observar que as relaes de proximidade e de

    troca de idias entre acompanhado e acompanhador so delimitadas por reas de

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    contato e reas sem contato, definidas entre eles, como exemplificado na figura

    abaixo:

    No caso acima, podemos ver o que Leny adaptou de sua concepoartstica para cada acompanhador e o que cada um manteve inalterado reas de

    contato e reas sem contato. nas reas de contato que acontecem as trocas e

    as influncias mtuas, enquanto nas reas sem contato, aspectos de interpretao

    e concepo de cada um suas preferncias estticas, sua assinatura musical,

    etc. so preservados de qualquer influncia externa. Essas duas reas esto

    diretamente ligadas no s condio de condutibilidade da performance da

    pea, mas tambm predisposio de interao entre eles, mas tambm

    possibilidade de cada um manter alguns elementos interpretativos inalterados.

    Neste ponto surge uma questo: Quais so esses elementos que so inaterveis

    em contatos como este? A individualidade de cada um, o imutvel de cada um, a

    bagagem e os aspectos esttico-musicais de cada um s reas sem contato:

    Acompanhamento deMariano

    Acompanhamento deBastos

    Interpretao de Leny

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    Sendo assim, quando acompanhado e acompanhador se juntam paracriar uma releitura de uma pea, criam-se dois plos que exercem foras atrativas,

    tanto a favor do acompanhado como a favor do acompanhador, o que propiciar

    uma espcie de polaridade que determinar a conduo da pea:

    Quando o plo do acompanhado exerce uma fora atrativa maior que a

    do plo do acompanhador, isso afasta a liderana da performance do

    acompanhador de seu plo, fazendo com que ele aceite a conduo por parte do

    acompanhado. o acompanhado que mostrar elementos interpretativos

    importantes que conduziro a performance, compreendidos na medida certa pelo

    acompanhador, como mostra o exemplo abaixo:

    Acompanhador

    Acompanhado

    rea sem contato

    rea de contato

    rea sem contato

    Acompanhador

    Acompanhado

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    No caso inverso, o plo do acompanhador que exercer uma foraatrativa maior sobre o plo do acompanhado, fazendo com que este aceite e se

    adapte o suficiente conduo estabelecida pelo acompanhador.

    Na verdade, o que acontece durante toda a performance uma

    constante variao de foras atrativas entre acompanhado e acompanhador,

    alternando a conduo entre um e outro. Como diz Csar, um dilogo de

    perguntas e respostas, de provocaes e de reaes, de cantos e contracantos... sem dvida uma atividade de comunicao mutual e de intensa densidade que,

    quando feito na medida certa, faz com que no tenha papel principal ou

    secundrio: os dois so importantes e os dois servem de estmulo para ambos.

    Acompanhador

    Acompanhado

    Acompanhador

    Acompanhado

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    Dessa forma, para que haja uma integrao plena e satisfatria para

    ambas as partes, necessrio que se faa a presena e a ausncia de contato na

    medida certa entre acompanhador e acompanhado, trocando e interagindo e, ao

    mesmo tempo, no interferindo e respeitando a concepo de cada um.Voltando anlise das transcries, vemos que no improviso instrumental

    de Bastos do compasso 41 ao compasso 56 , ele muda o carter pianstico

    adicionando conduo elementos rtmicos mais de bossa-nova, como sncopas

    na mo esquerda e linhas meldicas em sncopas e tercinas na mo direita.

    Depois disso ele muda a conduo do acompanhamento aps o solo instrumental,

    adquirindo caractersticas mais rtmicas que na exposio do tema, limitando seus

    contracantos e valorizando os baixos e sncopas da bossa nova de uma formadiferente de Mariano, como mostra a transcrio abaixo:

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    Mariano j mantm a conduo anterior e grava um solo adicional sobre

    essa base, com outro timbre de piano recurso de gravao em estdio chamado

    de overdub no perdendo a textura rtmica criada, at o final da gravao, que

    termina em fade out. Com isso, ele mantm a diviso de bossa-nova durante todaa pea, no mudando seu tipo de acompanhamento com o solo instrumental. Logo

    aps, Mariano convida Leny para um solo vocal do compasso 64 ao compasso

    85 trazendo a voz mais perto de um comportamento instrumental do que

    propriamente vocal, com a execuo livre de melodias improvisadas com o uso de

    melismas, sem letra.

    Mariano, aps os solos instrumental e vocal, volta ao comportamento

    inicial de acompanhamento, promovendo figuras rtmicas de bossa nova compequenas variaes, mas mantendo a condutibilidade pianstica

    predominantemente rtmica, caracterstica principal de sua performance. Na coda

    Instrumental, Mariano fica repetindo os acordes D7+9 e G7413 nas funes de

    I7+9 e V74/bVII at o final o fade out24, convidando Leny a variar pequenos

    motivos da ultima frase da letra.

    Dentre todos os pianista, Mariano o nico que opta por essa

    finalizao, buscando uma pouco mais de interao com Leny, enquanto que

    Bastos e Peranzzetta, optam por uma finalizao da pea.

    Segue abaixo a performance de Csar com Leny:

    24 Recurso muito usado em estdios para finalizaes das faixas gravadas, fazendo com que ovolume seja reduzido gradativamente at o silncio total, para que a outra faixa possa comear.

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    Vale ressaltar tambm que tanto Bastos, quanto Mariano no fazem

    grandes mudanas harmnicas em seus acompanhamentos com relao pea

    original, ou seja, nada de significativo constatado em relao a novas

    tonicizaes25 ou rearmonizaes. Levando em considerao as condies emque eles gravaram essa pea, descritas por eles nas entrevistas, ambos optaram

    mais pela modificao de condutibilidade do acompanhamento, do que por uma

    modificao formal ou harmnica.

    2.1.2 ACONTECE CARTOLA

    Analisaremos agora a pea Acontece de Cartola, composta

    originalmente em Mi Maior para violo e voz, em que ele cria uma introduo

    instrumental de 2 compassos (do compasso 1 ao compasso 2), uma parte

    denominada A1 de 12 compassos (do compasso 3 ao compasso 14), uma parte

    denominada B de 4 compassos (do compasso 15 ao compasso 18), uma parte

    denominada A2de 9 compassos (do compasso 19 ao compasso 27), uma parte

    denominada Cde 6 compassos (do compasso 28 ao compasso 36), e uma coda

    instrumental de 3 compassos (do compasso 34 ao compasso 36):

    25tonicizao o tratamento de uma tonalidade qualquer no sendo a tnica como sendo

    uma tonalidade tnica temporria na composio. In Wikipedia, The Free Encyclopedia.Disponvel em: http://en.wikipedia.org. Acesso em 11 de dezembo de 2006.

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    Segue a forma estrutural da pea acima citada:

    Peranzzetta descreve o processo de produo deste trabalho:

    Fizemos o repertrio com o Paulinho Albuquerque, escolhemos o

    repertrio, ela veio aqui em casa. Eu conhecia, eu tinha para esse

    projeto todas as msicas do Cartola aqui em casa, todas originais.

    E a fui trabalhando em cima e tal, ns tiramos os tons e, da, eu

    fiquei com a msica para trabalhar. Da, comeou aquele processo:

    peguei a msica, comecei a ouvir: aqui pode pr isso, ali pode pr

    aquilo, posso trocar esse acorde por esse, aquele por outro,

    introduo vai ser assim... Ento, esse processo foi o que

    aconteceu e, especialmente, o que eu mais gosto de fazer... Da

    marquei com ela, fomos para o estdio e gravamos. Mexemos em

    algumas coisas, sim, isso supernatural. Foi a que ns dosamos

    os condimentos; uma adequao das idias.

    Dessa forma, a estrutura dessa nova montagem de Leny e Peranzzetta

    do tema de Cartola : uma introduo instrumental de 10 compassos (do

    compasso 1 ao compasso 10), uma parte denominada A1 de 12 compassos (docompasso 11 ao compasso 22), uma parte denominada B de 4 compassos (do

    compasso 23 ao compasso 26), uma parte denominada A2de 8 compassos (do

    compasso 27 ao compasso 34), uma parte denominada Cde 8 compassos (do

    Intro A1 B C Coda

    Voz

    A2

    violo violo

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    compasso 35 ao compasso 42), depois Gilson improvisa a reapresentao de A1

    e de B (do compasso 43 ao compasso 54) , reapresenta a parte A2 em 8

    compassos (do compasso 55 ao compasso 62), reapresenta a parte C em 6

    compassos (do compasso 63 ao compasso 68) e uma coda instrumental de 19compassos (do compasso 69 ao compasso 87). Dessa maneira, Peranzzetta

    executa a msica duas vezes, iniciando a reapresentao com um improviso

    instrumental, com Leny voltando a cantar nas partes A2e Ce encerrando a pea

    numa grande coda instrumentalcom elementos de improvisao pianstica.

    Percebe-se que Peranzzetta transforma a estrutura formal de Cartola na

    mesma estrutura que Bastos, Mariano e Tom usaram: apresentao do tema,

    reapresentao do tema instrumental e vocal e coda, ou seja, ele