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Página | 113 História e Cultura, Franca, v.3, n.3 (Especial), p. 113-134, dez. 2014. ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIOLÓGICA DAS MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS FEMININAS E DO IMPACTO DESTAS NAS FAMÍLIAS MILITARES HISTORICAL AND SOCIOLOGICAL ANALYSIS OF WOMEN’S BEHAVIORAL CHANGES AND THEIR IMPACT IN MILITARY FAMILIES Maria Cecília de Oliveira ADÃO Resumo: Em uma análise complementar entre elementos teóricos sociológicos, metodologia e pesquisa histórica, buscamos compreender como as mudanças comportamentais empreendidas pelas mulheres, desde os anos 1960 até hoje, impactam nos arranjos familiares dos oficiais militares. Tendo o casamento como espaço onde o oficial encontra suporte para realizar suas exigências profissionais, bem como espaço para o exercício dos valores militares, cremos que é pertinente verificar como as alterações no comportamento feminino influem nestes arranjos familiares específicos. Utilizamos a História Oral como método de recolhimento e análise documental, percebemos uma crescente valorização da profissionalização feminina, que resulta em novos acordos familiares e em diferentes níveis de engajamento da esposa no projeto profissional do militar, afetando tanto a Família Militar quanto a instituição castrense. Palavras-chave: História; Sociologia; militares; família; mudanças comportamentais femininas. Abstract: In an additional analysis among theoretical and sociological elements, methodology and historical research, this study aims at understanding how women’s behavioral changes, since the decade of 1960, affect military officers’ familiar arrangements. Regarding marriage as a place where the military officer finds support to carry out his professional requirements, as well as his military values, we consider relevant verifying how women’s behavioral changes affect these specific familiar arrangements and, as a consequence, the regulations of the military institution. Documentary analysis and Oral History as method of collecting were used. These method allowed us to see a growing appreciation of female professionalization, which results in new family arrangements and at different levels of wife’s engagement in military’s professional project, affecting the Military Family and the military institution. Keywords: History; Sociology; military officers; family; female behavior changes. História e Sociologia Aplicadas ao Objeto O presente artigo busca, em uma análise complementar entre elementos teóricos sociológicos, metodologia e pesquisa histórica, compreender como as mudanças comportamentais empreendidas pelas mulheres, desde a década de 1960 até os dias atuais, impactam nos arranjos familiares dos oficiais militares. Cremos que a socialização pela qual passa um cadete enquanto pertencente a um grupo específico para se tornar oficial Doutora em História - Programa de Pós-graduação em História - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP - Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca. Franca, São Paulo - Brasil. Bolsista CAPES. Pesquisadora Sênior Comissão Nacional da Verdade. E-mail: [email protected].

Análise Histórico-Sociológica das Mudanças Comportamentais ... · Por sua vez, Gilberto Velho assinala, no livro Individualismo e cultura. Notas para uma antropologia da sociedade

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História e Cultura, Franca, v.3, n.3 (Especial), p. 113-134, dez. 2014.

ANÁLISE HISTÓRICO-SOCIOLÓGICA DAS MUDANÇAS

COMPORTAMENTAIS FEMININAS E DO IMPACTO DESTAS

NAS FAMÍLIAS MILITARES

HISTORICAL AND SOCIOLOGICAL ANALYSIS OF WOMEN’S

BEHAVIORAL CHANGES AND THEIR IMPACT IN MILITARY

FAMILIES

Maria Cecília de Oliveira ADÃO

Resumo: Em uma análise complementar entre elementos teóricos sociológicos, metodologia e

pesquisa histórica, buscamos compreender como as mudanças comportamentais empreendidas

pelas mulheres, desde os anos 1960 até hoje, impactam nos arranjos familiares dos oficiais

militares. Tendo o casamento como espaço onde o oficial encontra suporte para realizar suas

exigências profissionais, bem como espaço para o exercício dos valores militares, cremos que é

pertinente verificar como as alterações no comportamento feminino influem nestes arranjos

familiares específicos. Utilizamos a História Oral como método de recolhimento e análise

documental, percebemos uma crescente valorização da profissionalização feminina, que resulta

em novos acordos familiares e em diferentes níveis de engajamento da esposa no projeto

profissional do militar, afetando tanto a Família Militar quanto a instituição castrense.

Palavras-chave: História; Sociologia; militares; família; mudanças comportamentais femininas.

Abstract: In an additional analysis among theoretical and sociological elements, methodology

and historical research, this study aims at understanding how women’s behavioral changes, since

the decade of 1960, affect military officers’ familiar arrangements. Regarding marriage as a place

where the military officer finds support to carry out his professional requirements, as well as his

military values, we consider relevant verifying how women’s behavioral changes affect these

specific familiar arrangements and, as a consequence, the regulations of the military institution.

Documentary analysis and Oral History as method of collecting were used. These method allowed

us to see a growing appreciation of female professionalization, which results in new family

arrangements and at different levels of wife’s engagement in military’s professional project,

affecting the Military Family and the military institution.

Keywords: History; Sociology; military officers; family; female behavior changes.

História e Sociologia Aplicadas ao Objeto

O presente artigo busca, em uma análise complementar entre elementos teóricos

sociológicos, metodologia e pesquisa histórica, compreender como as mudanças

comportamentais empreendidas pelas mulheres, desde a década de 1960 até os dias atuais,

impactam nos arranjos familiares dos oficiais militares. Cremos que a socialização pela

qual passa um cadete – enquanto pertencente a um grupo específico – para se tornar oficial

Doutora em História - Programa de Pós-graduação em História - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais

- UNESP - Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca. Franca, São Paulo - Brasil. Bolsista CAPES.

Pesquisadora Sênior – Comissão Nacional da Verdade. E-mail: [email protected].

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do Exército Brasileiro1, o dota de características específicas de formação profissional que

o distinguem do restante da população. Estas características específicas têm no casamento

e na chamada Família Militar2 seus esteios de manutenção e propagação entre os

componentes civis destas famílias3. Além disto, é no casamento que o oficial militar

encontra suporte para a realização das exigências específicas de sua profissão. Sendo

assim, é bastante interessante verificar como as alterações no comportamento feminino

influem nestes arranjos familiares específicos e, em consequência, nas determinações da

instituição castrense.

Sendo assim, como suporte teórico para esta pesquisa, utilizamos a teoria do

individualismo que é trabalhada, com diferentes enfoques, pelos sociólogos François de

Singly e Gilberto Velho. No livro Sociologia da Família Contemporânea, Singly procura

dar conta de “um duplo movimento: uma privatização da família, em razão da maior

atenção dada à qualidade das relações interpessoais, e uma ‘socialização’ desse grupo,

em face da intervenção do Estado”. Para o autor, este tema se torna pertinente porque

[...] durante o século XX, a família tornou-se, cada vez mais, um espaço

no qual os indivíduos acreditam proteger a sua individualidade

(valorizada enquanto tal) e ‘um órgão secundário do Estado’ que

controla, apoia e regula as relações dos membros da família (SINGLY,

2007, p. 29).

Por sua vez, Gilberto Velho assinala, no livro Individualismo e cultura. Notas para

uma antropologia da sociedade contemporânea, que vivemos em uma sociedade

complexa4 que apresenta aos indivíduos oportunidades de realizarem seus projetos5

(VELHO, 1999, p. 16-17), em contextos com diferentes potenciais para individualização,

ou seja, mais ou menos totalizantes. Para que haja projeto, é necessário que o indivíduo

possa escolher e orientar-se dentro de “um campo de possibilidades, circunscrito histórica

e culturalmente, tanto em termos da própria noção de indivíduo como dos temas,

prioridades e paradigmas culturais existentes” (VELHO, 1999, p. 27).6 Ainda, quanto

mais restrita for a rede de relações, menos individualista será o projeto. Nas palavras de

Velho (1999, p. 27),

[...] quanto mais exposto estiver o ator a experiências diversificadas,

[...] quanto menos fechada for sua rede de relações ao nível de [sic] seu

cotidiano, mais marcada será a sua autopercepção de individualidade

singular. Por sua vez, a essa consciência da individualidade – fabricada

dentro de uma experiência cultural específica – corresponderá uma

maior elaboração do projeto

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Deste ponto de vista, quando o cadete opta por pertencer a uma academia militar e

tornar-se um oficial, acreditamos que este dá inicio a um projeto individual que envolve

a aquisição de características e valores específicos e que se desenvolverá dentro de uma

instituição com alto potencial totalizante. Como resultado, uma vez terminado seu

processo de profissionalização, o oficial pertencerá a um grupo que possui uma formação

com alto grau de especialidade e, também, exigências bastante específicas, passando a

pertencer a um grupo que acredita e comunga dos valores militares7.

Em paralelo, este processo pode ser reafirmado pelo casamento, que muitas vezes

é percebido, pelo militar, tanto como uma forma de confirmar a eficácia da formação que

recebeu e de exercitar os valores do grupo, como uma possibilidade de receber o apoio

necessário para superar as exigências da profissão. Nesta perspectiva, uma vez que se

casa com um oficial, a mulher passa a aderir, em maior ou menor grau, aos valores que

os militares são estimulados a adquirir em seu processo de socialização profissional. Esta

adesão leva à formação de casais que possuem um projeto comum, que se realiza por

meio da carreira do marido. Neste sentido, ambos reconhecem que o papel desempenhado

pela esposa – dar apoio, cuidar dos filhos e do lar, na maior parte das vezes, abdicando-

se de projetos pessoais – é fundamental para o sucesso deste objetivo. Isso é

imprescindível para que a esposa sinta-se valorizada e gratificada pelos sacrifícios

pessoais que realiza. Para minorar as dificuldades impostas pelas exigências específicas

da profissão militar, as esposas passam a formar a chamada Família Militar, que é

eminentemente percebida como fonte de apoio e instância de manutenção e zelo pelos

valores militares.

Pensando no contexto teórico que permeia esta pesquisa, cabe salientar que data

do século XIX o primeiro embate entre História e Sociologia. Naquele período, sob a

liderança de Émile Durkheim, foram desfechados esforços para que a Sociologia se

firmasse enquanto disciplina autônoma, conquistasse espaço na academia e, ainda,

anexasse as demais ciências humanas. Este movimento teve a História como seu alvo

principal. Fernando Teixeira da Silva (2005, p. 128) indica que os sociólogos daquele

período acreditavam que

[...] o conceito de causalidade social deveria ser o amálgama dessas

ciências, cabendo à sociologia o papel centralizador. A história era o

alvo privilegiado desta estratégia. [...] Durkheim não deixa dúvida sobre

o caráter auxiliar do trabalho dos historiadores: ‘a história só pode ser

considerada uma ciência desde que se eleve acima do individual – e é

verdade que, então, deixa de ser ela mesma para tornar-se um ramo da

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sociologia’. Caberia à sociologia a tarefa de elaborar e oferecer

conceitos às ciências humanas em formação.

Mesmo recebendo críticas por seu caráter factual, que priorizava a história política,

militar e as biografias, a defesa da História, enquanto disciplina autônoma se deu pela

manutenção de seu papel de confirmação da importância do Estado e da nação,

assentando-se em sua relevante contribuição para a construção dos nacionalismos

europeus do século XIX. Sendo assim, a História continuou oferecendo

[...] seus patrióticos serviços ao poder republicano, ao mesmo tempo

em que pretendia fazer da história uma ciência positiva, afastada de

qualquer subjetivismo e teoria filosófica. Durante 50 anos a Revue

Historique, lançada por Gabriel Monod, dedicou-se a publicar estudos

consagrados ao domínio biográfico, político e militar, a fim de construir

um consenso nacional e patriótico, construindo a idade de ouro dos

historiadores durante a Terceira República francesa (SILVA, 2005, p.

130).

Em um segundo momento aconteceu o embate e superação da Escola Metódica

pelos Annales, sendo que a produção destes “contribuiu para o declínio da história

biográfica e política, deu relevo aos aspectos econômicos, mentais e sociológicos,

priorizou a ‘longa duração’ e a história das estruturas mais do que a dos acontecimentos

isolados” (SILVA, 2005, p. 130). E foram justamente estes dois últimos elementos, o

estudo da longa duração e das estruturas, que aproximaram a historiografia dos anseios

sociológicos anteriores, ou seja, uma vez combatendo os elementos centrais da

historiografia metódica, abriu-se espaço para a compreensão do homem na totalidade de

seu fazer histórico. É importante frisar que esta possibilidade somente se concretizou com

a proposição de estudos interdisciplinares. É neste sentido que Lucien Febvre e Marc

Bloch conceberam os Annales como

[...] uma Revista que não queria rodear-se de muralhas, mas sim fazer

irradiar largamente, livremente, indiscretamente mesmo, sobre todos os

jardins da vizinhança, um espírito, o seu espírito: isto é, um espírito de

livre crítica e de iniciativa em todos os sentidos. [...] Não há história

econômica e social, há simplesmente a história na sua unidade. A

história que é toda ela social, por definição (FEBVRE, Lucien apud

SILVA, 2005, p. 133).

Sendo assim, foi com base nas mesmas críticas feitas pela sociologia durkheimiana

à Escola Metódica que os Annales lograram subverter a historiografia e colocar a História

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como disciplina autônoma, porém aglutinadora das demais ciências humanas. Foi a

relação, ainda polêmica, entre o estudo da longa duração, proposto por Fernand Braudel,

e o das estruturas, capitaneado por Claude Lévi-Strauss que consolidou esta etapa.

Em um terceiro momento, a partir da década de 1980, a relação entre história e

sociologia se reafirmou com a ampliação dos temas de pesquisa realizada pela “terceira

geração” dos Annales. Silva (2005, p. 149) considera que

A amplitude temática (história da família, das idades, do biológico, da

sexualidade, da sensibilidade, do simbólico e das representações, do

religioso, da leitura, do econômico, do popular, etc.) invadia campos

tradicionalmente reservados à antropologia. Era um eco do abandono

da história linear e da abertura do historiador à pluralidade de formas

de transformação histórica, escancarando os limites de abordagem e

objetos de investigação.

Ocorreu, assim, uma proliferação de “pesquisas circunscritas no tempo e no

espaço, pois ‘exemplos singulares’ e ‘fatos miúdos’ podem relacionar-se a temas

consagrados” (SILVA, 2005, p.150), ou seja, iniciou-se um gradativo fechamento do foco

da pesquisa histórica. Este processo resultou, então, na multiplicação dos temas históricos

e na ascensão da micro-história, ao mesmo tempo em que ocorreu um progressivo

abandono do anseio pelas sínteses totais. Nestas sínteses, a ação humana fica submetida

a modelos globalizantes, o que não permite que suas especificidades sejam apreendidas

pela pesquisa histórica. A subversão da micro-história resulta justamente em dar a essas

ações lugar de destaque na pesquisa histórica, que passa a ser direcionada a grupos

sociais, com a exigência de delimitação estrita de tempo e espaço. É bastante interessante

frisar que nesta nova configuração, a análise das escolhas dos indivíduos tem

preponderância ante ao estudo das estruturas. Neste sentido, postulamos que

[...] as ações humanas têm peso decisivo na investigação de grupos

sociais bem delimitados no tempo e espaço. Trata-se de recompor as

complexas redes de interação entre os indivíduos e o meio que os cerca

para que se possa compreender suas preferências, escolhas e estratégias

de ação. Os itinerários individuais e mecanismos interativos de que

lançam mão não têm dinâmicas autônomas, pois se inserem em

estruturas sociais normativas. Todavia, as estruturas não surgem aqui

como realidades que se desenvolvem à revelia dos indivíduos (SILVA,

2005, p. 157).

Em suma, esta abordagem historiográfica difere daquela da primeira geração dos

Annales onde o rechaço a uma história factual e a busca por uma história totalizante

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propiciaram uma aproximação com a Sociologia e, mais especificamente com a

Antropologia, refletindo a abertura da História para outras disciplinas.

Embora retome os temas estudados pela Escola Metódica, esta abordagem avança

do sentido de que, uma vez estudando a história política, o faz não com foco nacionalista,

mas busca compreender os aspectos determinantes que caracterizam nossa formação

nacional. Da mesma maneira, quando evidencia o indivíduo, não o faz por meio do estudo

dos grandes homens. Antes, busca o fazer e a experiência da gente comum, daqueles que

estiveram dissolvidos nos estudos que propunham uma história total.

Sendo assim, a pesquisa que expomos aqui é, enquanto produto de seu tempo,

condicionada pela herança das tendências historiográficas anteriores, mas vincula-se à

busca atual de um foco mais restrito de análise. Em consonância, sua relação com a

Sociologia difere da relação mantida anteriormente pela historiografia. Assim, não há a

busca pela submissão da disciplina sociológica aos ditames da História, bem como não

postulamos que aquela seja uma subseção desta. Antes, cremos que vivemos um momento

em que a interdisciplinaridade, amplamente proposta anteriormente, mas restritamente

praticada até aqui, tem ganhado espaço de exercício entre historiadores e sociólogos. Este

fazer dá-se em esforços individuais e por isto mesmo, são agora mais numerosos e

efetivos do que o que feito anteriormente. Sendo assim, cremos na complementaridade

entre a matéria histórica e a sociológica, e é neste sentido que os conceitos sociológicos

são utilizados aqui.

Ainda, para a realização do trabalho, utilizamos a História Oral como método de

recolhimento e análise da documentação. Esta metodologia é adequada à proposta desta

pesquisa porque permite dar relevo à ação de agentes históricos desconsiderados pela

historiografia, como é o caso da participação não registrada das mulheres nos diversos

aspectos do fazer histórico. Neste sentido, o uso da História Oral nos permite dar voz

àqueles que não estão incluídos na História e em sua escrita, o que nos permite dar

concretude à história desses grupos. Entrando em contato com seu cotidiano, seus valores,

fazeres, suas aspirações, alegrias e frustrações, percebemos que nos deparamos com a

dimensão viva da História, que pode ser sentida pessoalmente (THOMPSON, 1992, p.

30).

Com este objetivo, contamos com a participação de cinco casais militares. Dois

deles eram compostos por oficiais superiores (Coronéis) e suas esposas civis, outro por

um oficial subalterno (Capitão) e sua esposa, também civil, o quarto era composto por

uma oficial subalterna (Capitão) e seu marido, ex-membro do Serviço Temporário do

Exército e o último composto por uma oficial subalterna (Tenente) e seu marido

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(Subtenente). A coleta dos depoimentos foi realizada durante os dias 20, 21 e 22 de janeiro

de 2008 na cidade de Brasília8, sob a organização do Centro de Comunicação Social do

Exército (CECOMSEX). Para proteger as identidades dos entrevistados, os nomes foram

trocados.

Socialização e Mudanças Comportamentais Femininas

Todos os indivíduos, desde seu nascimento, passam por um processo de

sociabilização que lhes incute, dentre outros elementos, sua identidade de gênero9. As

mulheres, desde a infância, são incentivadas a adquirir características e valores que são

identificados pela sociedade como os mais adequados à figura feminina. Dentre esses,

podemos destacar: a passividade, a sensibilidade, a emotividade, a submissão, a

necessidade de demonstrar afeto e cuidado para com o outro, a compreensão e a

dedicação. Estas características são consideradas mais adequadas para elas porque

viabilizariam ou estariam ligadas ao papel que a “natureza” lhes destinou: o de gerar e

cuidar dos filhos e consequentemente, do lar. Sendo assim, é interessante perceber que,

ao longo do processo de socialização, as mulheres são incentivadas a adquirir estas

características, ou seja, com o passar do tempo aprendem a interiorizar valores e

apresentar atitudes10 consideradas socialmente adequadas para o período, mas que são

apresentados como naturais e resultam numa situação de subordinação, seja na família ou

no mercado de trabalho. Estes valores passarão a integrar a imagem que elas têm de si e

serão determinantes na maneira como elas se relacionarão com o mundo.

Sendo assim, o processo de socialização utiliza os estereótipos de gênero para

estabelecer os papéis sexuais que deverão ser desempenhados pelos agentes sociais,

influenciando suas atuações. Este processo é realizado pelas instituições sociais,

principalmente pela família e pela escola. A família da década de 60 tratava a questão da

profissionalização de seus componentes de acordo com as relações de gênero socialmente

estabelecidas. Em outras palavras, incentivavam suas filhas a desempenharem trabalhos

remunerados que fossem a extensão do papel feminino socialmente definido de esposas,

mães e donas de casa. Por esta razão, as mulheres procuravam ou aceitavam ocupações

que tivessem caráter de dependência ou exigissem menor grau de qualificação.

Contudo, ao longo da década de 1960 e em consonância com uma tendência

mundial, uma vanguarda de mulheres, com idade entre vinte e trinta anos, rompeu com

os padrões comportamentais acima descritos e empreendeu mudanças profundas e

significativas para os moldes da época. Estas mulheres pretendiam alterar os papéis

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sociais a elas destinados pelo processo de socialização. Esta vanguarda, pertencente à

classe média, queria ultrapassar o modelo de comportamento social herdado de suas mães

e avós, ou seja, queriam outro papel que não de ordenar o poder privado, familiar e

materno a que estavam culturalmente destinadas. Questionavam a ideia de feminilidade

vigente, que apresentava como mulher ideal “aquela frívola, pueril, irresponsável,

submetida ao homem” (BRITO, 1987, p. 173), queriam demonstrar que escapavam do

estereótipo natural da mulher passiva.

Com este objetivo, começaram questionar os valores e conceitos morais já

institucionalizados como a virgindade, o casamento, a monogamia, o posicionamento da

maternidade como necessidade para a realização pessoal feminina, bem como o exercício

da sexualidade como dever, não como prazer e como direito a ser livremente exercido.

Para esta vanguarda, a liberdade sexual se fez acompanhar da pílula anticoncepcional,

cujo uso acelerou as mudanças comportamentais.11 Naquele período, no campo da moda,

como expressão da liberdade emergente, difundiram-se a minissaia e o biquíni, peças de

vestuário amplamente adotadas pelo público feminino e criticadas na mesma proporção

pelas alas conservadoras da sociedade, como por exemplo, a Igreja Católica.

Apesar das apreciações negativas, estas mulheres não se refrearam. Além do direito

de exercer sua vontade sobre o próprio corpo, também passaram a exigir um acesso

igualitário ao sistema educacional, o que possibilitaria uma qualificação para o mercado

de trabalho e a consequente ascensão social da mulher. Desta forma, poderiam deixar de

ser “apêndices econômicos" de seus maridos. Zuenir Ventura descreve da seguinte forma

o posicionamento destas mulheres no que dizia respeito à independência econômica e à

separação conjugal:

Na prática, isso significava para elas deixar a confortável condição de

apêndice econômico, a segurança psicológica de um lar, e partir para a

arriscada aventura da experimentação existencial, que se podia traduzir

na busca de uma profissão, com novas e descomprometidas relações,

ou às vezes, em um mergulho na solidão (VENTURA, 1988, p. 29).

Enquanto vanguarda, mesmo ameaçadas pelo risco mencionado, estas mulheres

continuaram avançando para ocupar os espaços até então tidos como tipicamente

masculinos. Embora a possibilidade da mulher exercer uma profissão, com formação

acadêmica, existisse desde a década de 30, somente na década de 60, com o surgimento

da universidade de massas, é que se consolida esta tendência. Também, conforme vimos,

a profissionalização feminina não era incentivada pelas famílias.12

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Os resultados deste avanço feminino podem ser avaliados pelos dados levantados

por Rose Marie Muraro, que indicam que em 1969 cerca de duzentos mil homens estavam

na universidade, enquanto no mesmo período havia apenas cem mil mulheres nas mesmas

condições. No ano de 1975 – o Ano Internacional da Mulher – o número de mulheres

havia se igualado ao dos homens, quinhentas mil mulheres para quinhentos e oito mil

homens, ou seja, o número de mulheres quintuplicou em cinco anos (MURARO, 1983,

p. 14).

Percebemos que, apesar da crescente procura feminina pela formação universitária,

fruto e, também, potencializador das mudanças sociais, os cursos procurados pelas

mulheres apresentavam o mesmo padrão das profissões ditas femininas, ou seja, aquelas

que conferiam a quem as exercesse um duplo caráter de subordinação e dependência. Em

outras palavras, embora houvesse uma flexibilização13 em relação à atitude de gênero –

era crescente a aceitação de que a mulher procurasse se profissionalizar no que era

socialmente aceito como profissão “de mulher” –, o estereótipo de gênero aprendido no

processo de socialização ainda desempenhava um papel importante nas escolhas

profissionais femininas. Assim encontramos uma preponderância feminina nos cursos

relacionados a letras, artes, educação, filosofia, psicologia e enfermagem (GOLDBERG,

1975, p. 103), enquanto, por exemplo, somente 3% dos matriculados nos cursos de

engenharia em 1971 pertenciam ao sexo feminino (BARROSO, 1975, p. 52). Notamos

que, embora o aumento no número de matrículas femininas tenha sido significativo, ele

não se distribuiu de maneira uniforme entre os cursos das diversas áreas do conhecimento.

Outro fator que indica o aumento constante da presença feminina nas universidades

foi a entrada de um considerável número de mulheres, professoras-assistentes, nos cargos

deixados por professores cassados em 1968, mostrando que estas eram numericamente

significativas nos quadros das universidades naquele período. Chama a atenção o fato de

que a grande maioria das contratadas fosse constituída de mulheres solteiras (TRIGO,

1994, p. 106-107). Isto possivelmente aconteceu pela recente qualificação profissional

adquirida por estas mulheres. Provavelmente, estas não estavam comprometidas com os

encargos familiares produzidos pelo casamento e podiam se dedicar integralmente à

profissionalização. Esta possibilidade as diferenciava das mulheres casadas que, para

obterem a mesma qualificação, tinham que enfrentar desafios mais numerosos, como a

dupla jornada e o conflito instalado entre a dedicação ao trabalho doméstico e a realização

profissional.

Portanto, consideramos que, apesar da forte influência que o estereótipo de gênero

exercia no comportamento e nas suas escolhas profissionais femininas na década de 60,

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as mudanças comportamentais empreendidas naquele período não devem ser

desconsideradas. Estas mudanças permitiram que, nas décadas seguintes, as mulheres

pudessem pleitear efetivamente espaços e direitos semelhantes aos dos homens. Também

possibilitaram que a expectativa em relação à atitude de gênero feminino fosse alterada,

permitindo que as mulheres fossem socializadas desenvolvendo e valorizando outras

características que não as imediatamente identificadas com o “ser” feminino doméstico.

Estas mudanças abriram espaço para que as mulheres de gerações posteriores

desenvolvessem outros papéis sociais.

O Reflexo das Mudanças Comportamentais nas Famílias Contemporâneas

Em consequência, o período posterior à década de 1960 resultou também em

alterações no funcionamento das famílias. Estas alterações resultaram em uma maior

instabilidade dos laços conjugais, já que houve uma ênfase crescente nos projetos

individuais. Nas palavras de François de Singly,

[...] o período contemporâneo é caracterizado por um maior domínio do

destino individual e familiar e isso por duas razões que se reforçam: um

sistema de valores que aprova essa autonomia, desvalorizando a

herança material e simbólica e as condições objetivas que permitem o

controle desse domínio individual, sobretudo a contracepção e as leis

relacionadas a ela (SINGLY, 2007, p. 128).

Neste sentido, as relações tornam-se mais frágeis porque passam a ter como foco a

satisfação das necessidades afetivas dos indivíduos. Sendo assim, quando essas não são

mais atendidas, os cônjuges não se sentem obrigados a permanecerem juntos para

satisfazer alguma demanda da sociedade, o que lhes é percebido como algo exterior.

Considerando este contexto de valorização dos projetos individuais, a inserção

feminina no mercado de trabalho torna-se bastante importante. Dentro do núcleo familiar,

ela assegurará a autonomia da mulher frente ao salário do marido e pode ainda, assegurar

“enquanto dura o casal, uma proteção em caso de desemprego masculino e,

principalmente, ele constitui uma das modalidades da mobilização familiar para o sucesso

dos filhos” (SINGLY, 2007, p. 129). Além de afirmarem que as mudanças na família

contemporânea são aceleradas pelo trabalho feminino, Clara Araújo e Celi Scalon

assinalam que

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[...] os modelos de conciliação entre trabalho pago e vida familiar

baseados na clássica dupla ‘homem provedor’ e ‘mulher cuidadora’

vêm sendo alterados em direção a um modelo dual, no qual as mulheres

permanecem como as principais ‘cuidadoras’, mas o trânsito entre o

espaço doméstico e o público se constitui um dado contemporâneo

(ARAÚJO & SCALON, 2006, p. 4).

Cabe reafirmar o fato de que o trabalho feminino permite que a mulher circule em

um número maior de esferas sociais. Esta mobilidade permite uma expansão de sua rede

de relações e um consequente aumento dos contatos com diferentes experiências. Isso

resulta em uma maior percepção de sua individualidade e numa maior elaboração de seus

projetos pessoais. De acordo com Velho (1999, p. 32),

[...] quanto mais exposto estiver o ator a experiências diversificadas,

quanto mais tiver de dar conta de visões de mundo contrastantes, quanto

menos fechada for sua rede de relações ao nível do seu cotidiano, mais

marcada será sua autopercepção de individualidade singular.

Conforme dito, essa percepção da individualidade reforça a busca pela satisfação

pessoal, o que leva a formação de relações baseadas na afetividade, aumentando assim, o

número das uniões livres. É interessante perceber que não há um desaparecimento do

grupo conjugal, já que este é tido como uma importante forma de angariar afetos. Singly

aponta que a vivência das mulheres solteiras da atualidade demonstra essa ambiguidade

entre valorização do individual e necessidade do conjugal. Para o autor, isso significa

“uma valorização do reconhecimento de sua própria existência pelo outro e a necessidade

de um outro significativamente estável, ao mesmo tempo que uma valorização da

independência, da autonomia pessoal” (VELHO, 2007, p. 134).

É justamente a valorização desta autonomia pessoal que transforma o engajamento

no grupo familiar condicional. A pesquisa feita por Araújo e Scalon indica, ao contrário

da crença comum, que são as mulheres, mais que os homens, que rejeitam o caráter formal

do casamento e acreditam que ele não constitui o ideal de felicidade. Elas também

“tendem a aceitar mais que o casamento possa ser importante para a criação dos filhos,

mas isso é condicionado a uma situação satisfatória individual de conjugalidade”

(ARAÚJO & SCALON, 2006, p. 10).

Para alcançar esta situação satisfatória, dentro do arranjo conjugal, além de buscar

a manutenção de sua autonomia por meio do trabalho assalariado, a mulher tenderia a

questionar a divisão sexual das tarefas domésticas, numa tentativa de romper com este

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padrão estabelecido. No entanto, tanto Singly quanto Araújo e Scalon concordam que esta

divisão permanece praticamente inalterada. As últimas assinalam que

[...] a divisão sexual do trabalho doméstico (sem considerar as crianças)

ainda permanece amplamente dominada pelo padrão tradicional para

ambos os sexos. Os homens só respondem por mais de 50% na atividade

de pequenos consertos domésticos. Algumas atividades, como lavar e

passar roupa e/ou cozinhar têm sido territórios praticamente

inexplorados para os homens e assim parecem permanecer. Embora os

percentuais se alterem em algumas circunstâncias, não são suficientes

para indicar que o trabalho pago, mesmo com jornada integral, conduz

a uma situação que possa ser considerada equilibrada na divisão das

atividades domésticas (ARAÚJO & SCALON, 2006, p. 12).

A necessidade de dividir-se na dupla jornada trabalho-assalariado e trabalho-

doméstico leva a mulher a fazer um investimento menor em sua qualificação profissional.

Sabemos também, que os salários aferidos pelas mulheres, frequentemente, são menores

que os dos homens que ocupam as mesmas posições. Pesquisa feita por Cristina Bruschini

e Maria Rosa Lombardi sobre a inserção profissional de advogadas, médicas e

engenheiras indica que

[...] apesar de estarem adentrando novos e promissores espaços de

trabalho, nem por isso essas mulheres deixam de estar sujeitas a padrões

diferenciados por gênero, entre os quais a discriminação salarial é

apenas o mais evidente: em todas as profissões analisadas a tônica é o

menor patamar de ganhos femininos quando comparado ao masculino

(BRUSCHINI & LOMBARDI, 2000, p. 101).

Não raro, essa desigualdade resulta, em um momento de separação conjugal, no

empobrecimento e queda nos níveis do padrão de vida da mulher, especialmente nos casos

em que a mulher assume o cuidado integral dos filhos. Singly analisa que:

A vida conjugal altera muito mais o investimento profissional dos

capitais sociais e culturais das mulheres do que o benefício das riquezas

masculinas. Essa desigualdade é frequente entre os cônjuges, pelo

acesso das mulheres a um nível ou a um estilo de vida equivalente ao

do seu parceiro. É no momento da separação que se paga o custo da

vida conjugal, que uma relativa desvalorização se torna perceptível

(SINGLY, 2007, p. 162).

Dados analisados por Carmem Gelinsk e Ivoneti Ramos (s/d, p.144) indicam, entre

os anos 1991 e 2000, um aumento em torno de 6% no número de famílias chefiadas por

mulheres, que passou de 20,5% para 26,7%. Neste mesmo período, 86% das famílias em

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que a mulher era responsável pelo domicílio eram monoparentais. Estes dados indicam,

também, para o período uma diminuição no número de uniões legais (57,8% para 50,1%)

e aumento das uniões consensuais (18,3% para 28,3%), o que confirma as considerações

feitas anteriormente.

O aumento constante no número de mulheres responsáveis pela manutenção

material do lar, combinado ao recebimento de salários inferiores aos de seus pares

masculinos, leva a uma deterioração das condições econômicas das famílias. Para conter

esta situação, o Estado passa a criar mecanismos de proteção à mulher e à família. Como

exemplos, podemos citar as leis trabalhistas que garantem a permanência da mulher no

emprego em determinadas situações, a licença maternidade, a construção de creches onde

os filhos podem permanecer em um ou dois períodos do dia e a lei que regulamenta as

uniões estáveis no novo Código Civil de 2002 (GELINSK & RAMOS, s/d, p. 145-146).

Consideramos, portanto, que no período atual, a mulher tem conquistado uma

crescente autonomia econômica e social, o que permite que se configure um panorama de

igualdade de direitos com os homens, inclusive com negociação de situações mais

satisfatórias e que denotem uma igualdade maior entre os sexos dentro das relações

afetivas. No entanto, conforme mencionado, percebemos também, a persistência das

práticas de diferenciação salarial por meio do gênero, o que leva, em uma situação de

separação conjugal, a um empobrecimento e queda nos níveis de vida da mulher, uma vez

que esta tende a se responsabilizar pelo cuidado e manutenção da família.

Mudanças nas Famílias Militares

Reforçando o que mencionamos anteriormente, o período posterior à década de

1960, que trouxe consigo importantes mudanças comportamentais femininas, resultou em

alterações no funcionamento das famílias. Dentre estas, podemos destacar crescente

número de casais onde os dois cônjuges exercem atividades profissionais, menor

percentual de nascimentos, o aumento de separações e divórcios e crescimento no número

de famílias monoparentais ou recompostas.

Concordamos com a análise que François de Singly faz do que ele chama de

“família da segunda modernidade”. De acordo com o autor, sua configuração se dá no

final dos anos 60 e ela se caracteriza principalmente

[...] pela crítica ao modelo da ‘mulher dona-de-casa’, sob a pressão do

movimento social das mulheres e do feminismo; pela desestabilização

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do casamento, com a instauração do divórcio por consentimento mútuo

e pelo crescimento da coabitação fora do casamento (SINGLY, 2007,

p. 130).

O que leva à criação destas características é a crescente percepção na sociedade de

que “as relações só são valorizadas quando realizam as satisfações proporcionadas a cada

um dos membros da família”. Neste sentido, a felicidade individual é mais importante do

que a formação de uma “família feliz” (SINGLY, 2007, p. 131).

É interessante perceber que os laços conjugais não deixam de ser formados, mas

passam a ser percebidos como uma forma de promover a realização de cada um dentro

deste arranjo. Sendo assim, acreditamos que a formação deste tipo de núcleo familiar

pode ser vista como a realização de um projeto individual, na medida em que é uma ação

que serve à satisfação de cada um dos envolvidos e pode ter sua existência interrompida

a partir do momento em que deixa de atingir este objetivo.

Pensando no contexto inicial de formação destas famílias – mudanças

comportamentais e econômicas, inclusive com maior abertura para a inserção feminina

no mercado de trabalho, mesmo que em atividades vistas como “de mulher” –

consideramos que as mulheres socializadas neste período estão sujeitas ao estereótipo de

gênero tradicional, mas possuem uma atitude de gênero mais flexível, possibilitando, que

na idade adulta, por exemplo, estas vissem a escolha de um curso superior e o consequente

exercício de uma profissão como um direito a ser plenamente exercido. A associação

desta atitude de gênero com os ideais individualistas, resultaria em um aumento das

possibilidades de formação do tipo de família acima descrito.

No que se refere ao universo militar, a necessidade de adentrar o mercado de

trabalho – imposta pela conjuntura econômica e agravada pelo decréscimo do poder

salarial dos militares – leva ao aumento da autonomia da esposa frente ao marido, o que

acarreta mudanças nos arranjos que atendem às necessidades específicas da profissão

militar. Nas entrevistas realizadas, quando perguntados sobre como percebem atualmente

a disposição feminina em acompanhar os oficiais em suas transferências, as entrevistadas

respondem da seguinte maneira:

Eu acredito que não. Hoje as mulheres não estão abrindo mais tanta mão

assim da sua carreira, da estabilidade. Tanto é que, hoje em dia, tem

casos de esposas que não estão acompanhando os maridos. Ficam em

determinadas cidades e o marido vai transferido, porque, realmente, a

vida não está fácil financeiramente. Então eles procuram juntar as duas

profissões, de um e de outro, e está mais difícil para a esposa, hoje em

dia, acompanhar o marido.14 [...] as moças não estão tão adeptas. Muitas

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vezes, os maridos moram num lugar e elas continuam trabalhando em

outro.15

Então, eu acho assim, existem esposas que ainda acompanham, que

abdicam do seu trabalho para acompanhar a carreira desse militar, mas

agora existe uma predisposição para tentar conciliar essas duas coisas.

Por que isso que eu vejo? Por causa da questão financeira. Hoje em dia,

não tem como, se você tiver uma quantidade de filhos maior, não tem

como você sustentar com o salário só de um.16

Acredito que não. É uma decisão muito difícil, já que você tem que

fazer uma opção muito difícil. Acaba sendo complicado, porque a

mulher batalha muito para conseguir o espaço dela em vários espaços

de representação, tanto na questão de emprego, como de liberdades,

então acredito que a mulher já se pergunta muito17.

Verifica-se que, atualmente, há menor disposição das esposas em acompanhar seus

maridos em suas designações e que o fator visto como preponderante para esta decisão é

a necessidade de manter-se no mercado de trabalho. Essa predisposição em permanecer

pode ser identificada, também, como uma necessidade de realização, de conquista

pessoal. Neste sentido, para as esposas mais jovens, este tipo de escolha pode indicar um

apego maior a um projeto pessoal e não ao projeto do marido, como acorria, com mais

frequência, anteriormente.

Entre os novos arranjos para equacionar essa situação, podemos destacar os

seguintes: a possibilidade de o marido seguir sozinho para sua designação e a esposa

permanecer na cidade onde trabalha, encontrando-se regularmente em uma das

localidades; a esposa esforçar-se para passar em um concurso público federal ou trabalhar

em uma empresa que possibilite transferências pelo território nacional, para poder

acompanhar o marido quando surge a necessidade ou, a mais inovadora das

possibilidades, o marido deixar ou licenciar-se da instituição para acompanhar a esposa.

Acreditamos que esta opção, muitas vezes por ser financeiramente vantajosa em

comparação com os soldos militares, tende a ser cada vez mais considerada,

principalmente entre os escalões mais baixos, onde os proventos são menores. Seguem as

impressões das entrevistadas.

[...] as moças não estão muito adeptas. Muitas vezes os maridos moram

num lugar e elas continuam trabalhando em outro. E ficam naquela

coisa cíclica: viajam, passam um tempo aqui e voltam para o seu

trabalho. Pode dar certo? Pode. Mas acho meio difícil numa relação

uma vida inteira assim, cada hora um num canto.18

Eu tenho visto no dia-a-dia que a solução é que a esposa fica mesmo

em outra cidade e o marido vai para o destino. [...] Eu tenho visto muitos

casos assim.19

Então, muitas esposas dos militares que eu vejo, elas trabalham em

alguma instituição ou mesmo passam em concurso público para

poderem estar acompanhando o marido, para ajudar na renda da família,

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porque nem todos os filhos passam em faculdade pública, tem tudo

isso.20

Eu tenho um amigo, que na verdade, ele é militar de outra Força, e a

mulher foi transferida. Ela era de uma empresa e foi transferida e ele

acabou pedindo licença para acompanhá-la, porque acabava sendo, até

financeiramente, mais significativo para a estrutura familiar, então eles

fizeram isso. Não é regra. Acho que ainda é um número pequeno, mas

eu acredito que nós estamos conseguindo conquistar nossos espaços em

gerenciamentos, em condução e que não sei se é tão fácil abrir mão.

Seria difícil, cruel e acho que precisa ser revisto sim.21

Cumpre dizer que a maioria dos depoentes, como dito acima por Luiza, acredita

que existe a real necessidade, por parte do Exército, de uma adaptação a esta nova

realidade. Falando sobre uma solução para esta situação, Érica propõe: “O militar ficar

mais tempo parado em cada local que serve. Quero dizer muito tempo. Bastante tempo.

E as pessoas criarem uma solidez maior”.22 Os dois coronéis entrevistados dizem que já

existe um processo de adaptação por parte da instituição. De acordo com o coronel

Oliveira, o “[...] o próprio Exército já também, flexibilizou um pouco. Ele procura atender

as necessidades do serviço e depois as necessidades individuais. Então, hoje, não há uma

frequência de transferências tão grande como era anteriormente”.23 O coronel Miranda

aponta para uma preocupação para com atendimento das necessidades da família:

É uma evolução que está acontecendo, está sendo humanizado, muito.

Antigamente, éramos movimentados assim de uma maneira bastante

aleatória e pelo interesse do serviço. E, atualmente, se tenta sempre

conjugar o interesse familiar. Aumentou-se muito a sensibilidade

institucional para os problemas individuais de cada família. Isso está

melhorando, está diminuindo o impacto. Mas a tendência é das

mulheres não abrirem mão das suas conquistas profissionais, e ai, de

alguma maneira a instituição vai ter que se equacionar para que a

família não seja separada e seja mantida sempre unida24.

Como demonstra a tenente Camila, nos casos em que ambos os cônjuges são

militares, o Exército tem aberto a possibilidade de acompanhamento no caso de

transferência de um dos membros do casal. No caso dela, casada com o subtenente

Martins, ao sair da Escola de Administração do Exército (EsAEx), foi transferida para

Brasília e seu marido pediu acompanhamento a partir da cidade de Porto Alegre, no que

foi atendido. No relato dela:

Eu fiz a Escola [...] fui classificada aqui em Brasília. Aí eles me

transferem, aí ele pede transferência por interesse próprio para

acompanhar a família. Geralmente, o Exército tem dado, mas tem umas

certas exigências – tem que ter um tempo de guarnição suficiente para

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a pessoa ser transferida, tem que estar de acordo com o comandante –

mas quando é para acompanhar a família o Exército tem dado, se a

pessoa atende as exigências. E aí, ele vem, eu ganho a indenização,

quem é transferido, e o outro vem como se fosse por interesse próprio25.

Embora existam, tanto por parte do núcleo familiar como por parte da instituição

arranjos para equacionar as questões relativas às transferências, por vezes, o afastamento

geográfico do casal acaba por resultar na separação deste. Falando sobre um possível

aumento no número de divórcios nos meios militares, Carolina observa que, embora não

tenha informações estatísticas, “existem muitos casos, em que a esposa não acompanha o

marido”.26

Pensando que, anteriormente, a adesão ao projeto do marido pelas esposas militares

resultava em uma total adequação às necessidades profissionais deles e em uma grande

cota de sacrifícios feita por elas, as separações indicam um movimento contrário: a

valorização do projeto individual feminino diante da dificuldade de conciliação dos

projetos de ambos. Nas palavras do capitão Mercaldo:

Agora, o que houve de mudança é que é uma mudança da sociedade em

relação à mulher. Então, por exemplo, há 20, 30 anos atrás, a mulher se

sujeitava a muitas coisas em função de depender do marido. Hoje, com

a evolução em que a mulher tem seu salário, tem uma educação

superior, ela não se sujeita mais a certas coisas. Isso é uma evolução,

não só do meio militar, é uma evolução da sociedade. Então, você vai

ver que o índice de separação tem aumentado muito.27

Da mesma maneira que o engajamento da esposa ao projeto de ascensão

profissional do marido é importante para o sucesso deste, o desengajamento, por meio da

separação, pode ser prejudicial para a consecução deste objetivo. De acordo com os

depoimentos, dentro da instituição, as separações são vistas, atualmente, de uma maneira

menos negativa do que em períodos anteriores, embora ainda possam causar

impedimentos no processo de ascensão na hierarquia militar. Na avaliação do capitão

Mercaldo: “Até aí você vê outras coisas, você vê que até anos atrás, que o militar separado

não sairia general. [...] E hoje em dia não tem mais isso”.28 As considerações de Érica

podem ser vistas como complementares à anterior:

Tem alguns casos que, vamos assim dizer, de oficiais que estavam

praticamente certos como generais e, por uma separação, causou

problemas e eles acabam não sendo promovidos. E como tem casos em

que isso ai não é muito levado em consideração e saem generais. 29

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Para explicar o fato de que, em determinados casos, a separação é vista como um

fator negativo e em outros não é considerada, Moysés faz a seguinte afirmação:

[...] eu acredito que o Exército ainda tem que mudar alguns paradigmas.

Um dos paradigmas é o seguinte: um militar de carreira que quer chegar

ao posto de general, da forma que ocorrer uma separação, um divórcio,

a maneira que ocorrer, pode prejudicar sim. Então, às vezes, [...] ele se

separou da mulher, deu muita briga, ele namora uma pessoa do próprio

ambiente de trabalho dele, às vezes bem próxima, sendo subordinada

dele. Isso, às vezes, perante aos amigos que já são de um posto

avançado, que podem indicar ele para um posto de general, isso pode,

realmente, atrapalhar. No Exército ainda tem aquele negócio, depende

de com quem você está casado. Se essa pessoa não tem um histórico, se

ela tem um histórico ela pode queimar sua ascensão, mas isso eu

acredito nos postos mais em cima, para general. O que nos de mais para

baixo, não interfere.30

Apesar de haver uma tendência a uma aceitação das separações no âmbito

institucional, pode-se perceber na Família Militar uma forte resistência a esta situação.

As palavras de Érica são representativas ao explicitar essa posição. Embora longa, vale a

citação:

Eu acho importante o casamento para a manutenção da saúde da

instituição, porque esse convívio... de troca de esposas é até difícil no

convívio, na relação social da Família Militar. Porque eu, por exemplo,

sou amiga de uma pessoa. E, de repente, ela se separa. Essa outra

esposa, eu vou ter uma certa rejeição com ela. Uma dificuldade. Por

quê? Porque o militar leva uma vida muito difícil. Só quem vive isso

desde o início, do casamento até chegar a coronel. A gente leva uma

vida muito difícil. Você mora em lugares que jamais pensou na vida.

Você tem que deixar até as suas guloseimas para ficar comendo só o

que tem. Então, você leva uma vida muito difícil. Tem que abrir mão

de muita coisa. Então, quando um oficial se separa da pessoa, que você

vê que se dedicou, você fica meio revoltado. Aquela pessoa passa a ser

mal vista. Ela [a nova esposa] chega e não tem a mesma, vamos dizer,

aceitação do que aquela esposa. [...] a gente tem uma dificuldade de

realmente colocar essa pessoa dentro do circulo de amizade normal, que

você desenvolve a vida inteira. Até pela intimidade que você já tem.

Porque as coisas vem de longos anos. Então é difícil uma pessoa, de

repente, que chega e agora é tua esposa e faz parte daquele circulo que

você constrói... é difícil a aceitação. É mais complicado. Então, eu acho

e até fico chateada, às vezes, de ter uma rejeição porque a pessoa não

tem culpa. Muitas vezes, [o oficial] conhece uma pessoa que não foi a

causa de uma separação. Simplesmente, então, quando o caso é esse, é

até mais fácil. Quando é causa de uma separação, essa é inviável.31

Sendo um grupo com participação prioritária das mulheres32 e que se baseia no

estabelecimento de fortes laços de apoio mútuo e solidariedade entre elas, a Família

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Militar, ao opor-se às situações advindas de uma separação, age como uma fonte de

regulação moral de todo o meio militar. Ela traz para si a obrigação de denunciar o desvio

dos valores cultivados na caserna. Sendo assim, no exemplo citado por Érica, ao

denunciar o desvio, ou seja, a exclusão da esposa do projeto conjunto com o marido, a

Família Militar marca a distinção entre as práticas aceitas e as rejeitadas, sendo estas

percebidas como necessárias para a manutenção da existência do grupo na forma em que

é conhecido. De acordo com Velho (1999, p. 59),

[...] a existência de uma ordem moral identificadora de determinada

sociedade faz com que o desviante funcione como um marco

delimitador de fronteiras, símbolo diferenciador de identidade,

permitindo que a sociedade se descubra, se perceba pelo que não é ou

pelo que não quer ser.

Esta situação nos remete à distinção praticada na caserna entre nós-militares e eles-

civis, onde os primeiros são percebidos como possuidores de melhores condições morais

que os demais. Neste sentido, a preservação das práticas da Família Militar seria uma

forma de defender a manutenção dos valores da corporação, neste caso, a valorização do

papel desempenhado pela mulher durante toda a carreira de seu marido.

Considerações Finais

As mesmas transformações que se imprimem no processo de socialização feminina

deixam também suas marcas no foco de formação das famílias. As que se estabelecem

nas últimas décadas têm como característica cada vez mais marcada, a objetivação da

realização pessoal e da satisfação de cada um de seus membros. Esta apresenta adesão

cada vez maior, por parte dos indivíduos, a projetos particulares e sua duração está

circunscrita ao período em que seus objetivos continuam a ser atendidos.

Sendo assim, consideramos que as mulheres socializadas a partir do final dos anos

60, educadas a partir de uma atitude de gênero mais flexível, passaram a ocupar cada vez

mais espaços, inclusive os tidos como exclusivamente masculinos. No que se refere à

caserna, as atitudes de gênero apresentadas levam a diferentes níveis de inserção social e

à formação de redes de relações sociais diversas, como no caso das que desenvolvem

atividades profissionais fora do lar e das que permanecem em casa. Esta diferenciação

resultará em variados níveis de adesão ao projeto da carreira militar do marido.

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Quando se incorpora ao Exército, o oficial estabelece um projeto individual – sua

profissionalização e a consequente carreira militar. Porém, quando se casa, as exigências

específicas de sua profissão tornam-se impedimento para que suas esposas tenham seus

próprios projetos pessoais. Percebemos, portanto, nas famílias com formação mais

recente, que esta adesão acontece, mas em menor grau, em comparação com períodos

anteriores, justamente porque neste caso, os dois cônjuges trabalham, têm contatos com

uma rede social mais ampla e há um foco maior na realização dos projetos da esposa, o

que leva a um distanciamento do projeto do marido.

Este desengajamento pode resultar em novos arranjos para atender às necessidades

da profissão militar: a permanência da esposa na cidade em que trabalha, enquanto o

marido se dirige à sua nova designação; o emprego de um dos cônjuges em uma empresa

ou instituição federal que permita a transferência por todo o território nacional, assim

como o faz o Exército; ou, levando-se em consideração questões financeiras, o

afastamento por parte do militar de suas funções para acompanhar seu cônjuge em uma

oportunidade profissional mais vantajosa. Cabe salientar que o primeiro arranjo é visto

como ponto de partida para uma eventual separação do casal.

Consideramos, também, que diante destes novos arranjos, há uma busca por

adaptação, por parte do Exército, para o atendimento das necessidades específicas de seus

membros. Dentre essas podemos destacar uma diminuição do número de transferências e

a criação da possibilidade de movimentações casadas.

Referências

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VENTURA, Z. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

Notas

1 Para esta pesquisa, escolhemos como objeto oficiais do Exército Brasileiro por acreditarmos ser esta a

Força mais representativa entre as Forças Armadas Brasileiras. Isto se dá tanto por ser a que possui o maior

número de componentes, como por ser a que se destaca em protagonismo histórico ao longo da história

brasileira. 2 Grupo formado pelas famílias dos militares, que é percebido como uma rede de apoio e solidariedade

onde, principalmente as esposas, em virtude da ausência constante dos maridos, encontram apoio.

Acreditamos, também, que a chamada Família Militar exerce funções de regulamentação das ações e

atitudes de seus membros, fazendo com que se comportem de acordo com os valores internos do grupo. 3 Para maiores detalhes sobre esta conformação familiar específica, ver: ADÃO, Maria Cecília de Oliveira.

Aspectos da adesão feminina aos valores militares: o casamento e a família militar. História, Franca, v.

29, n. 2, Dec. 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/his/v29n2/v29n2a07.pdf>. Acesso em

15.12.2013. 4 Utilizamos aqui a definição dada por Gilberto Velho (1999, p. 16): “uma sociedade na qual a divisão

social do trabalho e a distribuição de riquezas delineiam categorias sociais distinguíveis com continuidade

histórica, sejam classes sociais, estratos, castas. Por outro lado, a noção de complexidade traz também a

idéia de uma heterogeneidade cultural que deve ser entendida como a coexistência, harmoniosa ou não, de

uma pluralidade de tradições cujas bases podem ser ocupacionais, étnicas, religiosas etc.” (grifo do autor) 5 Definido como “ação com algum objetivo predeterminado” (grifo do autor). 6 Estamos trabalhando com a idéia de que todo indivíduo esta imerso em um contexto histórico e, portanto,

sujeito a suas determinações, sendo que seus projetos estarão submetidos aos mesmos pressupostos. 7 Nas palavras do subtenente Martins: “O que acontece é que mesmo não havendo contato anterior ou

militares na família, o contexto onde está inserido aquele que pretende a carreira militar, quando ele busca

isso, ele está isolando outras opções de vida: iniciativa privada, curso superior, estágio. Ele está inserido

em um grupo muito parecido, porque há muitas semelhanças nesse grupo. Por isso que a unidade se dá tão

forte lá dentro, são pessoas que se identificam e são um grupo verdadeiro. Pessoas que se juntam com

objetivos comuns. [...] Quando eles se juntam, eles vão com objetivos muito parecidos. Não interessa que

não sejam, ainda, militares, mas eles acreditam no valor da carreira militar” (grifo nosso). 8 Além destas entrevistas foram realizadas entrevistas e conversas informais com membros e ex-membros

das Forças Armadas que não figuram aqui como documentação para este artigo. Umas das dificuldades

encontradas em se pesquisar uma instituição fechada é justamente a realização das entrevistas. Por vezes,

elas precisam ser autorizadas pelo comando, a escolha dos entrevistados acontece mais por designação do

que por oferecimento voluntário e as declarações tendem a ser feitas no sentido de minimizar as possíveis

implicações negativas das falas para a corporação. 9 Estamos utilizando o conceito de gênero como “a soma das características psicossociais consideradas

apropriadas para cada grupo sexual” e identidade de gênero como “o conjunto das expectativas

internalizadas pelo indivíduo em resposta aos estímulos biológicos e sociais” (D’AMORIM, 1996, p. 158).

Em complemento, concordamos com Felícia Reicher Madeira (1997, p. 75), quando esta define que “no

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conceito de gênero inclui-se a dimensão psicológica e social de sexo (isto é, as características atribuídas a

feminilidades e à masculinidade e os papéis que desempenham homens e mulheres em uma determinada

sociedade)”. 10 Para a execução deste trabalho, adotamos a conceituação de atitude de gênero como “a desejabilidade da

característica para cada sexo”. Este conceito diferencia-se do de estereótipo de gênero, que pode ser

definido como “a percepção da tipicabilidade do traço segundo o sexo. ” Relacionando as duas definições,

percebemos que o que se deseja como característica para homens e mulheres pode variar ao longo das

décadas, enquanto que os traços percebidos como típicos permanecem constantes. Por exemplo: a figura

do conquistador é tida como um papel tipicamente masculino, mas atualmente, para desempenhá-lo é

necessário que o homem demonstre atitudes consideradas, anteriormente, como eminentemente femininas,

como o cuidado com o vestuário e a forma física (D’AMORIM, 1996, p. 160). 11 Embora tida como fator libertador, o uso da pílula anticoncepcional demorou a se popularizar. Como

mostra Zuenir Ventura: “Uma pesquisa realizada no então Estado da Guanabara, entre 1965 e 67, mostrava

que 76% das quatro mil mulheres ouvidas usavam todos os tipos de velhos anticoncepcionais – dos

diafragmas à raspagem do útero –, menos as pílulas. ” (VENTURA, 1988, p. 35) 12 Maria Helena Bueno Trigo faz uma excelente análise do papel socializador exercido pela Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, por ocasião de sua fundação na década

de 30. A autora considera que com a abertura deste espaço, começou-se a cogitar, entre as famílias, a

possibilidade de suas filhas cursarem uma universidade, embora isso necessariamente não significasse que

futuramente, elas pudessem exercer a profissão para a qual estudaram (TRIGO, 1994, p. 93). 13 Maria Alice D’Amorim considera que existe uma permanência do estereótipo de gênero ao longo das

décadas, mas que, no entanto, no mesmo período, houve uma flexibilização constante quanto à atitude,

sendo que esta é definida como as características consideradas desejáveis para cada sexo. Acreditamos que

esta flexibilização explicaria a permanência da identificação da mulher com determinados traços e papéis

tidos como inerentes, tais como a afetividade, dependência e a obediência, mas que, ao mesmo tempo,

tornaria aceitável a atual ocupação de novos espaços profissionais, inclusive daqueles que eram tidos como

exclusivamente masculinos (D’AMORIM, Maria Alice, 1996, p. 160) 14 Entrevista concedida por Carolina, esposa do coronel Oliveira, em 20/02/2008. 15 Entrevista concedida por Érica, esposa do coronel Miranda, em 21/02/2008. 16 Entrevista concedida pela capitã Eduarda, em 21/02/2008. 17 Entrevista concedida por Luiza, esposa do capitão Mercaldo, em 20/02/2008. 18 Entrevista concedida por Érica, esposa do capitão Miranda, em 21/02/2008. 19 Entrevista concedida por Carolina, esposa do coronel Oliveira, em 20/02/2008. 20 Entrevista concedida pela capitã Eduarda, em 21/02/2008. 21 Entrevista concedida por Luiza, esposa do capitão Mercaldo, em 20/02/2008. 22 Entrevista concedida por Érica, esposa do coronel Miranda, em 21/02/2008. 23 Entrevista concedida pelo coronel Oliveira em 20/02/2008. 24 Entrevista concedida pelo coronel Miranda em 21/02/2008. 25 Entrevista concedida pela tenente Camila em 21/02/2008. 26 Entrevista concedida por Carolina, esposa do coronel Oliveira, em 20/02/2008. 27 Entrevista concedida pelo capitão Mercaldo em 20/02/2008. 28 Entrevista concedida pelo capitão Mercaldo em 20/02/2008. 29 Entrevista concedida por Érica, esposa do coronel Miranda, em 21/02/2008. 30 Entrevista concedida por Moysés, marido da capitã Eduarda, em 21/02/2008. 31 Entrevista concedida por Érica, esposa do coronel Miranda, em 21/2/2008, grifo nosso. 32 Embora participem das atividades promovidas pelo grupo, os maridos passam boa parte do tempo “em

serviço” e, além disso, tem a oportunidade de estabelecer um número maior de contatos nas diferentes

esferas sociais que suas funções lhes permitem contato. Sendo assim, são as mulheres a força preponderante

neste espaço, sendo que a valorização deste acaba por significar também uma valorização delas.

Artigo recebido em: 1º/12/2013. Aprovado em: 15/01/2014.