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35 CAPÍTULO 2 Algumas Considerações sobre o Feminismo Ramon Ferreira Santana “As a woman I have no country. As a woman my country is the whole world.” (Virginia Woolf, Three Guineas, 1938) 1. A questão do feminismo As discussões acerca do feminismo têm se expandido extensa- mente na teia social. Basicamente, a concepção maior que se tem concluído: a mulher, ultrapassando a sua condição biológica, está inserida em uma estrutura social que, gradualmente, modela a ma- neira como ela se comporta ao definir as acepções que servirão de base para a construção da sua identidade e que conservem as suas ações inseridas em uma estrutura anteriormente definida para na- turalizar a sua inferioridade enquanto figura feminina. Dessa ma- neira, mediante as profundas transformações que os movimentos feministas têm causado nos elementos essenciais que mantinham até então a “ordem social”, é concebível que, deslocando os le- gítimos ideais destes movimentos, grupos antifeministas brotem como alternativa para assegurar a referida ordem. O intento deste artigo é fazer uma revisão bibliográfica acer- ca de como se deu historicamente a expansão do feminismo e quais as consequências diretas da intensificação deste movimen- to na sociedade ocidental mais recente. O artigo se volta para motes como: o que é feminismo? Em quais contextos sociais e históricos este movimento surge? Que forma ele toma na con- temporaneidade? A primeira parte do artigo (tópicos 1 a 3) tem como objetivo apresentar sinteticamente o percurso histórico do feminismo, conceitua-lo e apresentar quais os objetivos a que ele

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    CAPTuLo 2

    Algumas Consideraes sobre o Feminismo

    Ramon Ferreira Santana

    As a woman I have no country. As a woman my country is the whole world.

    (Virginia Woolf, Three Guineas, 1938)

    1. A questo do feminismo

    As discusses acerca do feminismo tm se expandido extensa-mente na teia social. Basicamente, a concepo maior que se tem concludo: a mulher, ultrapassando a sua condio biolgica, est inserida em uma estrutura social que, gradualmente, modela a ma-neira como ela se comporta ao defi nir as acepes que serviro de base para a construo da sua identidade e que conservem as suas aes inseridas em uma estrutura anteriormente defi nida para na-turalizar a sua inferioridade enquanto fi gura feminina. Dessa ma-neira, mediante as profundas transformaes que os movimentos feministas tm causado nos elementos essenciais que mantinham at ento a ordem social, concebvel que, deslocando os le-gtimos ideais destes movimentos, grupos antifeministas brotem como alternativa para assegurar a referida ordem.

    O intento deste artigo fazer uma reviso bibliogrfi ca acer-ca de como se deu historicamente a expanso do feminismo e quais as consequncias diretas da intensifi cao deste movimen-to na sociedade ocidental mais recente. O artigo se volta para motes como: o que feminismo? Em quais contextos sociais e histricos este movimento surge? Que forma ele toma na con-temporaneidade? A primeira parte do artigo (tpicos 1 a 3) tem como objetivo apresentar sinteticamente o percurso histrico do feminismo, conceitua-lo e apresentar quais os objetivos a que ele

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    se destina. A segunda parte destina-se a contextualiz-lo quanto ao momento histrico em que ele surge no Brasil e de que modo ele tem se apresentado na contemporaneidade.

    Convm ressaltar que as formulaes que proponho no so definitivas, mas devem servir apenas como gnese para um dilo-go ainda mais caloroso entre os pensamentos aqui colocados em evidncia. O meu propsito, neste trabalho, primordialmente tratar do feminismo e das possveis ambiguidades que ele tem causado, por conta da complexidade de alguns dos seus elemen-tos mais essenciais. Diante destas interpretaes ora infundadas, ora incompletas, muitas pessoas tm mostrado uma atitude clara de oposio a este movimento. No entanto, levando-se em con-siderao que o feminismo um fenmeno social, este no pode conter uma anlise meticulosamente calculada e determinada, por isso a necessidade de que as refutaes aqui apresentadas sejam discutidas e contestadas inclusive, quando necessrio, em trabalhos posteriores.

    Para aqueles que pensam que o feminismo uma prtica destrutiva, oriunda do mais caudaloso mrmore do inferno, ressalto: o amplo desconhecimento dos propsitos deste movi-mento, somado cegueira intencional que desconsidera todas as conquistas que por ele foram alcanadas e que esto de acordo com o desenvolvimento prprio da sociedade contempornea concebida por alguns como ps-moderna a causa primordial do posicionamento contrrio quele proposto pelo feminismo. Mas no h porque se preocupar, tendo em vista que esta cri-se de identidade que acomete o contra movimento tpica de transformaes profundas nos alicerces da sociedade, e podem ser observados inclusive em outros momentos da nossa hist-ria enquanto humanidade, desde o seu surgimento. A prpria agressividade com que muitos antifeministas se expressam e se expem, ainda que injustificveis, so tambm atitudes comuns quando h claramente o movimento de deslocamento de uma sociedade fundamentada em uma dada concepo para uma so-

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    ciedade que agora no mais utiliza esta concepo, tendo em vista o seu bruto esfacelamento frente s necessidades mais mo-dernas. Como observa o terico cultural Stuart Hall:

    [...] um tipo diferente de mudana estrutural est transfor-mando as sociedades modernas no final do sculo XX. Isso

    est fragmentando as paisagens culturais de classe, gnero, sexualidade, etnia, raa e nacionalidade, que, no passado, tinham fornecido slidas localizaes como indivduos so-ciais. (Hall, 2006, p. 09)

    Sendo assim, mediante as concepes anteriormente apre-sentadas, no h nenhuma novidade no aparecimento do pensa-mento antifeminista. O que ocorre, de fato, exatamente o con-trrio: a partir das transformaes sociais que este pensamento feminista provoca e tem provocado , mais que previsvel o surgimento de uma fora contrria que atue para descreditar toda a reconstruo que o feminismo tem ofertado para o bom funcionamento da teia social. Este artigo acrescenta uma nova concepo de que o antifeminismo , na prtica, muito anterior ao nascimento do prprio feminismo, j que a necessidade de reivindicar os direitos essenciais s mulheres se deu apenas por consequncia de uma crena de que a mulher surge com a nica misso de satisfazer e servir ao homem no que lhe for neces-srio. Para que possamos analisar com mais afinco essas consi-deraes, importante antes examinar os principais conceitos construdos deste movimento social.

    1.1 As trs ondas do feminismo

    Para compreender conceitualmente este fenmeno, inte-ressante antes perceber um pouco da sua histria que pode ser dividida, basicamente em trs grandes ondas:

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    a) a onda das sufragistas;b) a onda poltica;c) a onda do ogedismo. A primeira onda a que se refere o feminismo, das sufragistas,

    refere-se a um extenso perodo de tempo que se inicia essencial-mente no sculo XIX, apesar de algumas nuances j apresentadas no sculo XVII com as preciosas francesas, mas estruturalmente concebidas apenas aps de trs sculos de resistncia. As primei-ras exigncias das mulheres oitocentistas referem-se igualdade de direitos entre elas e os maridos no casamento inclusive o prprio casamento arranjado era j uma crtica muito veemente apresentada na poca. Neste mesmo perodo, havia j ativistas como as estadunidenses Voltairine de Cleyre e Margaret Sanger que buscavam tambm garantir os direitos econmicos e sexu-ais relacionados principalmente ao controle de reproduo. Na Europa, os movimentos sufragistas tiveram maior repercusso e, com isso, conseguiram direitos mais rapidamente que nos Es-tados Unidos, basta observar que em 1918, mulheres com mais de trinta anos que tivessem residncia podiam j votar direito este dez anos depois estendido para todas as mulheres acima de vinte e um anos.

    A segunda onda, iniciada aproximadamente na dcada de 1960, teve como marco a continuao da primeira onda, mais intima-mente ligada ao movimento das sufragistas europeias que exigiam os seus direitos polticos. Neste momento, as feministas buscavam consolidar esses direitos polticos e, tambm, preocupavam-se com as desigualdades sociais e culturais que estavam evidentes en-tre os homens e as mulheres. Neste sentido, a Frente de Liberao das Mulheres passou a ter ampla visualizao nos Estados Unidos e em pases circunvizinhos, seja geogrfica ou culturalmente. Os protestos durante os desfiles da Miss Amrica e a queima de sutis foram alguns dos atos mais marcantes deste movimento.

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    Convm ressaltar ainda que outro marco da segunda onda foi a publicao de A Mstica Feminina (The Feminine Mystique, 1963), um dos livros mais importantes do sculo XX, da ativista Betty Friedan, que criticou a antiga concepo de que, para a mulher, bastavam as ocupaes do lar e a criao dos filhos. Aps a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), percebeu-se que a mulher anteriormente concebida para viver uma relao de dependncia quanto ao marido e aos filhos apresentava sinais de insatisfao canalizada muitas vezes nas compras desenfreadas ou causadores de srios distrbios psicolgicos nas mulheres. Diante disso, Friedman foi uma das primeiras a refutar estrategi-camente, fundamentada nas pesquisas feitas para a elaborao da obra, a obrigao feminina de dedicar-se exclusivamente ao lar e aos cuidados do marido e dos filhos.

    H, no entanto, uma crtica quanto s questes raciais que foram desconsideradas pelas feministas neste perodo. A consi-derao proposta por Michael Kimmel, somada s contribuies de Gloria Jean Watkins, nos faz perceber que a raa tambm um elemento essencial quando se fala em desigualdades sociais e culturais neste perodo. Para Kimmel, nossos privilgios nos so sempre invisveis e, por isso, ao observar-se no espelho, ele desconsiderava completamente o fato de ser homem e branco fato este que no acontecia quando uma mulher negra fazia o mesmo, tendo em vista que as caractersticas que a acompanham marcam profundamente a sua identidade e, consequentemente, a handcap da qual ela ser vtima.

    A terceira onda surge com o propsito de rearranjar aqui-lo que no ficou bom na ltima onda e, por isso, o feminismo agora no se preocupava apenas com a realidade de mulheres brancas e abastadas, mas tambm de grupos minoritrios que estavam tambm inseridos no contexto a que se refere o movi-mento. Neste sentido, a partir da segunda metade do sculo XX, a emergncia do pensamento feminista quem ser a respons-vel pela reestruturao do pensamento ocidental e a sua refor-

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    mulao (Cruz, 2006, p. 142). evidente, assim, nesta terceira onda eclodida na dcada de 1990, uma tentativa de responder, ou mesmo preencher, as lacunas deixadas pela onda anterior e a discusso feminista passa a espalhar-se largamente, o que pode ser observado atravs do nmero de grupos de estudo e de pes-quisadores ligados a esse tema no mundo. O prprio desenvolvi-mento tecnolgico, atravs da popularizao da televiso e bem mais recentemente a internet, tambm serviram de mote para que o feminismo atingisse a dimenso global a que ele se associa na contemporaneidade. Curiosamente, uma parcela significativa da populao neste perodo, por exemplo, absorve estrategica-mente a mxima de Simone de Beauvoir, a feminista francesa, que publica O Segundo Sexo (Le Deuxime Sexe, 1949) e nos insere a concepo de que no se nasce uma mulher, torna-se uma.

    vital considerar que estas trs ondas aqui apresentas re-ferem-se apenas a uma histria simplificada de como se deu o desenvolvimento do feminismo no ocidente. Algumas outras consideraes histricas sero levantadas a partir da necessidade no momento da argumentao. No entanto, ainda assim, apre-senta-las anteriormente nos fornece um embasamento histrico essencial para a melhor compreenso deste processo.

    1.2 Os conceitos de feminismo

    Outro aspecto a ser analisado ainda no interior desta conver-sao so os conceitos atribudos ao feminismo que, ao longo do tempo e, principalmente, do olhar de quem o analisa, apresenta pe-quenas modificaes, sem perder necessariamente a sua identidade.

    Basicamente, o feminismo um fenmeno social e, por isso,

    considera inmeros conceitos relacionados s Cincias Sociais para uma maior compreenso. Maria Helena Santana Cruz, quanto ao feminismo, define-o:

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    [...] como um movimento social organizado que abriu no-vas perspectivas e que trouxe novas questes aos campos disciplinares, produo do conhecimento e cincia, bem como desencadeou mudanas na ordem social e poltica, na medida em que demandou uma nova postura sobre as expe-rincias e as prticas concretas da vida (Cruz, 2006, p. 143)

    Sendo um movimento social organizado, convm ressaltar a necessidade de existir anteriormente uma estrutura social que precisou, a partir de um determinado instante, ser remodelada a fim de atender as necessidades prprias de uma comunidade que cada vez mais se desenvolvia sob a tica econmica e social.

    O feminismo integra um longo processo de mudanas que envolveu a emancipao dos indivduos das formas tradicio-nais da vida social. A recusa do Esclarecimento em conferir tradio um poder intelectual, moral e de normalizao das relaes sociais uniu o feminismo s promessas de reconstru-o social ecoadas pela modernidade. (Sorj, 1992, p. 18)

    Para que mantivesse a sua organizao prpria, foi necess-rio que o feminismo integrasse tambm a autonomia intelectual de seus participantes, at ento restrita apenas figura masculi-na, pois este o caminho mais prtico para se atingir qualquer transformao social.

    A political discourse and movement aimed at transforma-tion away from patriarchy and towards a society free from gender oppression. It involves various movements, theo-ries, and philosophies, all concerned with issues of oppres-sion and privilege based on gender. (Cornell, 1998)1

    1. Um discurso poltico e movimento que visa a transformao da distncia do patriarcado para uma sociedade livre da opresso de gnero. Envolve diversos movimentos, teorias e filosofias, todos preocupados com questes de opresso e

    privilgio com base no sexo. (Minha traduo)

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    Drucilla Cornell concebe, particularmente, a heterogeneida-de que compe o movimento feminista, tendo em vista que ele no se limita apenas s estncias sociais especificas, mas, do con-trrio, refere-se aos mais diversos campos, estejam eles ligados aos movimentos, s teorias ou mesmo s filosofias relacionadas a esta acepo. Conforme possvel tambm perceber a partir do conceito apresentado por Maria Helena Santana Cruz, o femi-nismo caracterizado como movimento, pois, para concretizar as mudanas necessrias emancipao dos indivduos presos ainda forma tradicional de vida, fez-se pertinente a execuo de aes devidamente organizadas e socialmente visveis para que a causa pudesse, enfim, ser percebida pelas mais amplas classes e organizaes. Neste sentido, os efeitos causados pelo feminismo podem logo ser observados.

    O trabalho feminista prepara o terreno para outras pesqui-sas, outras aes e polticas que transcendem e transfor-mam. Na minha opinio, a investigao feminista dialtica, e possui diferentes vises que se fundem para produzir no-vas snteses que, por sua vez, formam as bases da pesquisa, das prxis e das polticas que esto por vir (Olesen, 2006)

    Sendo assim, no podemos conceber o feminismo meramen-te como um rompimento desconexo e inteiramente desligado da realidade da qual ele prprio faz parte, mas, primordialmente, como a insero de um questionamento no cerne da prpria sociedade ligado aos papis que as mulheres devem limitar-se por consequncia das suas relaes afetivo-sexuais no mbi-to das relaes ntimas do espao privado (Grossi, 1998). E exatamente nesta dicotomia entre os papis a serem executados nos mbitos pblicos e privados e a consequente submisso de um em relao ao outro quanto figura da mulher que as lutas feministas tm intensificado a sua atuao.

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    As mudanas extremamente necessrias para atender as atu-ais demandas econmicas e sociais no poderiam, assim, serem apenas aguardadas com a mesma pacincia de mudanas anterio-res que ocorreram h sculos passados e ainda hoje no foram completamente introduzidas na gnese da nossa formao. Da a necessidade dos visveis embates entre o feminismo e as estru-turas sociais que prevalecem na contemporaneidade.

    Por mais desagradveis que elas possam parecer e, fazen-do-se uma anlise mais humanstica, elas o so realmente este foi, inteiramente, o caminho mais bem concebido para que a questo do feminismo, que no pode jamais ser considerado um movimento nico homogeneizado, pudesse ser introduzida na fundamentao das mais diversas classes sociais, desde o seu ni-velamento mais bsico at o topo da pirmide que ainda nos de-fine. Essa insero quase sempre violenta, dado o pouco tem-po e a agilidade necessria para que as devidas transformaes aconteam e atendam os indivduos inseridos j neste projeto.

    1.3 A que se prope o feminismo

    Foram abordados, at o presente instante, aspectos histricos e conceituais deste fenmeno extremamente complexo e multifa-cetado. No entanto, muito pertinente que tenhamos ao nosso alcance algumas abordagens mais prticas deste para que melhor o compreendamos diante da sua natureza to ampla e pluralizada.

    Em 2010, a pesquisa Mulheres brasileiras e gnero nos espaos pblicos e privados, realizada pela Fundao Perseu Abramo em 25 estados brasileiros, identificou que a cada dois minutos cinco mulheres eram agredidas no pas.

    Esse nmero, no entanto, ainda inferior ao que havia sido constatado antes quando, em pesquisa realizada no ano de 2001 em que oito mulheres eram agredidas no Brasil a cada dois minu-tos. Esta uma breve ilustrao de como as conquistas feministas tm surtido amplo efeito na manuteno da seguridade da mulher.

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    Obviamente, este nmero em muito ultrapassa o volume de homens que so espancados por mulheres no Brasil e, por isso, evidenciamos aqui a necessidade de se estruturar uma poltica que atenda a diferena, a partir das suas necessidades especfi-cas, tendo em vista que os dados ratificam o quanto as mulheres no pas ainda so violentadas dadas as estruturas bio-psquico--histrico-social que elas carregam no processo de construo da sua identidade. exatamente por este motivo, alm de outros to evidentes quanto, que os movimentos feministas arquitetam as suas polticas a fim de se dissipar inteiramente retratos como esse do nosso cotidiano, especialmente em tempos to ditos modernos como este em que vivemos. Por se tratar de um mo-vimento extremamente heterogneo, conforme disse anterior-mente, as determinaes a que se destinam o feminismo tam-bm mantm este mesmo carter de pluralidade, sendo possvel, no entanto estabelecer alguns parmetros que nos serviro de norte para o entendimento de alguns dos principais objetivos do fenmeno ora citado.

    Neste sentido, ao adentrar o sculo XXI, possvel perceber que muitas das reivindicaes do movimento feminista contem-porneo esto, sim, em voga. Destacam-se:

    Reconhecimento dos direitos universais, previstos na Declara-o Universal dos Direitos Humanos de 1948, e a assegurao de que estes atendam diretamente tambm todas as mulheres; Defesa dos direitos sexuais e reprodutivos para que a mulher tenha autonomia em relao ao uso que ela faz do seu corpo; Efetivao do acesso universal educao, visto que este ainda restrito ao sexo masculino em inmeras culturas, povos e lu-gares, bem como o acesso tambm aos programas de sade e de previdncia social, igualmente utilizados pelos homens, sem que haja nenhuma distino ligada s diferenas de gnero; Reconhecimento do direito gestao, ao uso dos mtodos conceptivos e contraceptivos a partir da escolha pessoal da mu-

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    lher, tendo em vista que esta possui total direito em relao ao uso do seu corpo e sua reproduo; Equiparao salarial, seleo de vagas de trabalho indepen-dente do gnero, mas levando-se apenas em considerao para clculo de salrio e seleo de candidatos ou candidatas o cargo veiculado e a natureza do trabalho e no mais as distines de homem/mulher.

    evidente que se h um movimento to amplo e uma rees-truturao poltica e social que atende as necessidades supraci-tadas, porque a maior parte desses direitos, ou mesmo destas polticas e prticas sociais, no esto ainda equiparados como muitos acreditam. As distines salariais, de atendimento hospi-talar, de seleo de vagas em trabalhos, ou mesmo do direito reproduo ainda so extremamente injustas e levam em consi-derao aspectos meramente biolgicos que reafirmam as dife-renas socioeconmicas entre mulheres e homens.

    2. As transformaes necessrias

    Neste tpico apresentarei, conforme fiz no artigo A instru-o da fmea: a educao da mulher brasileira no sculo XIX, publicado na Revista Tempos e Espaos em Educao (Vol. 12, jan-abr de 2014), alguns aspectos histricos relacionados am-pla diferenciao entre homens e mulheres ao longo do desen-rolar social, cultural e ideolgico do pensamento ocidental es-pecialmente no Brasil, ao longo da sua estruturao j na Idade Moderna quando este formou os pilares do seu pensamento a partir da importao de uma cultura europeia colonizadora, ex-tremamente conservadora e crist.. O foco principal aqui uma breve anlise da nossa histria para melhor entendimento de como este apartheid entre gneros foi se consolidando em nosso imaginrio coletivo e, com isso, como surge ento a necessidade de estruturar movimentos que gradualmente, mesmo a partir do

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    uso da violncia em alguns casos, amenizaram estas barreiras desde sempre desnecessrias.

    Para compreender de maneira bem acompanhada como se deu este processo, inevitvel deixar de evocar um dos maiores conhecedores da nossa histria e, sem nenhuma dvida, um dos principais referenciais do pensamento histrico do nosso pas que o recifense Gilberto Freyre. Certamente este recorte tem-poral no foi feito de maneira efusiva, visto que o achamento e todo o processo de conquista do territrio nacional para a for-mao do pensamento e da cultura brasileira, comparados a ou-tros eventos, so recentssimos e, como sabemos, a histria das diferenciaes entre homens e mulheres no comea, obviamen-te, com a formao da famlia patriarcal do Brasil. No entanto, concebendo a impossibilidade de se ampliar uma anlise histri-ca mais amplamente necessria e aprofundada, dado o pouco es-pao aqui disponvel, bem como o carter mais elementar deste artigo, optei por manter o meu olhar fixamente lanado nossa

    histria para que compreendamos melhor como, ao longo da nossa formao, estas diferenas foram sendo incorporadas com naturalidade maneira como olhamos e concebemos a existn-cia do mundo tal qual este aparenta ser.

    Em sociedades muito antigas, mesmo ante a prpria Anti-guidade Clssica, conforme o prprio Engels concebeu, era j evidente o incio da supervalorizao masculina em detrimento da submisso feminina a este, mesmo havendo, vez ou outra em algumas sociedades a dissipao parcial ou integral deste patriar-calismo nato. A partir do momento que o homem passa a viver de modo sedentrio e se estabelece em um determinado lugar, nasce a necessidade de manter algum no ambiente domstico, enquanto este sai em busca do alimento e dos utenslios neces-srios sobrevivncia do seu grupo. neste momento, para En-gels, que a mulher passa ento a assumir as responsabilidades privadas e deixa, para o homem, as atividades no mbito pblico

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    externo ao seu ambiente domstico. A humanidade passa, as-sim, a desenvolver-se socialmente sob esta concepo.

    Gilberto Freyre quem mais vai se preocupar, dentro dos cnones relacionados ao entendimento da formao do Brasil, quanto s estratificaes sociais que demarcam o campo das con-dies do que est sujeito mulher e daquilo que j reservado ao homem desde o seu nascimento. Como resultado direto deste processo estabelecido por Engels, que resulta consequente na hie-rarquia tpica das sociedades mais modernas e complexas, inicia--se a instituio de um princpio da Autoridade em que, enquanto alguns satisfazem-se em obedecer cegamente o mando de outros poucos, estes poucos mantm-se no bojo da hierarquia estabele-cida historicamente, bem como historicamente legitimada. Muitos escravos inserir-se-o nesta roda-viva, assim como muitas mulhe-res, principalmente as senhoras esposas dos donos de engenho e ricos proprietrios tambm legitimaro o mesmo princpio.

    curioso como essa virtude da mulher branca, somada a uma castidade e, por assim dizer, uma quase constituio de fi-gura imaculada, ir se fazer, alm de outros elementos, por conta do prprio comportamento de mulheres negras que para sobre-viverem adentravam-se na prostituio e nos meios mais des-moralizantes para o sustento prprio e da famlia. O estabeleci-mento do patriarcado a partir da prpria gnese da construo da famlia vai se enraizar ainda mais ao longo da formao do Brasil, visto que o regime escravocrata legitimar a posse da mu-lher negra em relao ao seu dono, o homem branco, e, por isso, deveria ela submeter-se aos mais diversos anseios do seu pro-prietrio, sejam eles at mesmo sexuais. Enquanto isso, a esposa do senhor de engenho estabelecia o iderio de figura casta, pura e frgil, incapaz de manter-se sozinha de p.

    No entanto, a elaborao dessa figura to singela que era a senhora esposa do senhor de engenho, no era assim to ho-mogenia como muitos atestam conceber, visto que ao longo da nossa histria comum, por exemplo, que muitas meninas

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    expressem o seu mais alto grau de sadismo com as pequenas escravas. Meninas brancas e escravas criavam-se juntas em meio aos corredores e arredores das fazendas imensas de caf ou cana de acar, e se divertiam a fim de matar o tempo que possuam durante toda a infncia. Dessa maneira, era cotidiano o uso de castigos fsicos por parte das senhoras de engenho mais direta-mente voltados s negras escravas que, quase sempre por obri-gao, sujeitavam-se aos mais libidinosos anseios de seu dono.

    Fica evidente assim, a reafirmao da submisso feminina em relao figura masculina ao longo da formao da nossa sociedade e do modo como a economia brasileira vai funcionar a partir do perodo Colonial, ou mesmo durante todo o pero-do do Imprio em que estas diferenas mantm-se, agora mais ainda incisivamente dado o aparato cientfico e tecnolgico que reafirmava a inferioridade feminina frente aos despojos mascu-linos to superiormente naturalizados em nosso pas. A prpria maneira como a cincia conceber o corpo feminino j eviden-cia a sua inferioridade: a mulher, tal como um homem revestido para dentro, o corpo feminino como um corpo masculino de-feituoso, desconfigurado das suas reais atividades necessrias existncia e superioridade do ser (Fernandes, 2009).

    O prprio Imperador do Brasil, Dom Pedro I, segundo in-meras fontes histricas elencadas por Gilberto Freyre, ir satisfa-zer-se das suas necessidades carnais atravs do ledo uso do ser-vio escravo de mulheres negras, e esta prtica que se manteve durante quase todo o perodo Colonial, ir reafirmar-se tambm no perodo Colonial a partir das prticas do Imperador:

    Em meados do sculo XIX, reinando sobre o Brasil Sua majestade o imperador D. Pedro II, um homem to casto e puro tipo do marido ideal para a rainha Vitria em con-traste com seu augusto pai que, muito brasileiramente, at negrinhas desvirginou e emprenhou as ruas do Sabo hoje, desaparecida, com a construo da avenida Presidente

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    Vargas e da Alfndega eram ainda piores que o Mangue carioca: escravas de dez, doze, quinze anos mostrando-se s janelas, seminuas; escravas a quem seus senhores e suas senhoras (geralmente mairesses de maison) obrigavam diz--nos um escrito da poca a vender seus favores, tirando desse cnico comrcio os meios de subsistncia. Nas ruas da Bahia, diz-nos Vilhena, referindo-se aos ltimos anos de vida colonial, que era um horror: Libidinosos, vadios e ociosos de hum e outro sexo que logo que anoitece en-tulho as ruas, e por ellas vago, e sem pejo nem respeito a ningum, fazem gala de sua torpeza... Refere-se ainda o professor de grego a paes de famlia pobres os nossos brancos pobres que no deixando s filhas outra heran-a seno a da ociosidade e a dos preconceitos contra o tra-balho manual, depois de adultas se valem dellas para pode-rem subsistir... Mas o grosso da prostituio, formaram-no as regras, exploradas pelos brancos. Foram os corpos das negras, s vezes meninas de dez anos que constituram, na arquitetura moral do patriarcalismo brasileiro, o bloco for-midvel que defendeu dos ataques e afoitezas do dom-juan a virtude das senhoras brancas. (Freyre, 2006, p. 538)

    Neste sentido, perfeitamente possvel perceber como o pensamento ocidental, mais propriamente este formado aqui no Brasil, acerca do patriarcado e da estrutura social baseada na figura masculina integrou-se ao nosso imaginrio de tal modo que, por consequncia, foi sendo naturalizado um comporta-mento que, no entanto, sempre foi, e ainda , socialmente e culturalmente constitudo (Saffioti, 1987). Este processo de na-turalizao foi, certamente, o modo mais prtico encontrado pelo homem para ratificar o seu poderio sobre a figura feminina inclusive colocando-se acima por conta do seu porte fsico que, para o pensamento da poca, era j assim formado com a finalidade de proteger sua mulher e a sua cria de possveis inva-sores ou inimigos.

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    No haver nenhuma mudana muito significativa em todo este perodo compreendido desde o processo de colonizao do Brasil, quando muitas mulheres sero trazidas da Europa e da frica para somarem-se s que aqui havia, at o final do Imp-rio, quando todas estas se encontravam aqui estabelecidas. Isto no significa, no entanto, que o tratamento das mulheres tenha sido homogneo, at mesmo porque a prpria populao que aqui se estabelecia apresentava j uma heterogeneidade que ser talvez a principal caracterstica da formao do nosso pas enquanto nao.

    Quanto a estes aspectos, podemos caracterizar esta hetero-geneidade em algumas categorias que, seguramente, no forne-cem subsdios para o entendimento total deste retrato. Ainda assim, destacamos, no perodo supracitado, a existncia de:

    mulheres honradas, grupo composto quase totalmente por mulheres brancas que restringiam a sua vida ao espao privado do lar no cuidado com o marido, com a casa e com os filhos e, por isso, elas jamais adentrariam qualquer espao pblico. Elas seguiam, assim, todo o ideal que se prezava sua figura sempre muito recatada e passiva; mulheres desonradas, que, tal como o primeiro grupo, era este tambm formado por mulheres brancas, mas ao contrrio das primeiras, estas estavam desajustadas aos padres que lhes eram impostos. Era comum, por exemplo, elas manterem relaes ex-traconjugais ou relaes sexuais antes do casamento. Este com-portamento manchava a honra da famlia e de seus maridos e por isso elas eram sempre fonte de dio da sociedade; mulheres sem honra, quase sempre formado por mulheres ne-gras, escravas e mulheres brancas pobres. Dada a falta de re-cursos financeiros que este grupo dispunha, era necessrio que elas se inserissem na esfera pblica da sociedade afim de de-sempenhar trabalhos e com isso manter o seu sustento. Por este motivo, elas eram mal vistas socialmente j que, ao contrrio do modelo que era estabelecido, estas no se limitavam aos espa-

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    os privados reservados figura feminina. As prostitutas con-figuram um exemplo muito curioso neste contexto, visto que para a sociedade elas no tinham moral alguma e, no entanto, elas desempenhavam uma funo social diferenciada, pois en-quanto elas prestavam seus servios sexuais aos homens brancos ricos, este tipo de comportamento era socialmente concebvel levando-se em considerao que o prazer sexual no era uma virtude a ser desempenhada pelas suas esposas. A virtude que as mulheres honradas tanto preservavam as obrigavam que o ato sexual tivesse, estritamente, a funo reprodutiva e jamais po-deria ser praticado como fonte de prazer. Por isso, para atender esta necessidade fisiolgica que, na poca, era tida apenas como unicamente masculina, as prostitutas ento eram contratadas, ex-clusivamente, para esta finalidade (Follador, 2009).

    Ainda considerando a heterogeneidade ora mencionada, no h como categorizar todas as mulheres dentro deste padro de subordinao e passividade com o qual grande parte da massa fe-minina da poca se restringir. Havia ainda uma srie de mulheres que, mesmo inseridas nesta opresso estabelecida patriarcalmen-te, conseguir de modo muito incisivo estabelecer seu poder indi-vidual, ou mesmo de grupo, a partir das relaes sociais que estas estabeleciam no interior daquela estrutura (Del Priore, 2000).

    O sculo XIX despede-se do mundo e encontramos ainda, no Brasil, a figura de uma mulher passiva, alienada e submissa s determinaes masculinas, conforme aconteceu durante todo o perodo supracitado. O breve sculo XX, como ser assim con-cebido por Hobsbawn (1995), que se encarregar de compor as mais profundas modificaes nessa estratificao social e neste apartheid configurado e estabelecido por ambas as partes ho-mens e mulheres desde os primrdios modernos de nossa constituio enquanto pas, inicialmente colonizado e, por isso, considerado apenas como uma extenso da nao portuguesa e, desde 1822, compondo finalmente uma nao livre e insti-

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    tuda de uma suposta autonomia necessria ao seu prprio de-senvolvimento econmico e social. Fica evidente, no entanto, que mesmo sendo to acanhadas as modificaes em relao submisso feminina, possvel observar um nmero significa-tivo de mulheres que, gradualmente, ousaram romper mesmo timidamente com as amarras que a asseguravam dos gozos e dos despojos sociais a que os homens faziam total usufruto. Vide a Virglia de Machado de Assis:

    Vi que era impossvel separar duas coisas que no esprito dela estavam inteiramente ligadas: o nosso amor e a consi-derao pblica. Virglia era capaz de iguais e grandes sa-crifcios para conservar ambas as vantagens, e a fuga s lhe deixava uma. (Assis, 1957)

    2.1 Estilhaos da histria recente

    Certo dia, enquanto estava em um pequeno intervalo, um jovem oficial no interior de uma trincheira nos meados de 1916, escrevendo uma carta a um de seus amigos de infncia, disse que certamente, a partir daquele conflito que ele prprio estava vivenciando, a sua impresso era a de que alguma coisa se que-brou para sempre. Este jovem oficial chamava-se John Ronald Reuel Tolkien, que em anos posteriores ficaria famoso com a publicao de livros da trilogia O senhor dos anis e O hobbit. O que havia dito o jovem escritor era, talvez, uma das principais snteses do que efetivamente ocorrera com a chamada Grande Guerra compreendida entre 1914 a 1918.

    Certamente, a importncia do referido conflito na confi-gurao do pensamento e do comportamento poltico e social do mundo ao longo de todo o sculo XX imprescindvel. A Primeira Guerra Mundial foi, sem nenhuma sombra de dvi-da, o acontecimento que mais moldou toda a nossa estrutura ideolgica seja no campo social, poltico, econmico ou mesmo

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    cultural. Convm ressaltar que, mesmo atingindo um curto es-pao de tempo logrados os quatro anos de conflitos diretos -, as consequncias deste desastre se alastraro at o ano de 1991, com a desintegrao da Unio Sovitica.

    Com isso, inmeros acontecimentos que seguiro nos anos posteriores so, direta ou indiretamente, estilhaos do que ou-trora ocorrera nas trincheiras da Primeira Grande Guerra Mun-dial. Um conflito nunca antes visto, ou mesmo imaginado, pelo pensamento humano, mas que certamente moldou todo o nosso comportamento e a maneira de nos relacionarmos, seja no inte-rior da nossa comunidade ou mesmo na forma de naes distin-tas se arrolarem. Destaco, para ilustrao, duas consequncias diretas que reverberaro nos anos posteriores:

    Asceno dos regimes totalitrios, especialmente na Itlia, Es-panha e Alemanha; A crise poltica na Europa que provocar a ecloso da Segunda Guerra;

    Foi o que aconteceu a certo soldado austraco naturalizado alemo, em outubro de 1918. Cegado por um ataque brit-nico com gs, em Ypres, o rapaz de 25 anos passou os l-timos meses do conflito em um hospital na Alemanha. No

    dia 10 de novembro, um pastor protestante anunciou aos pacientes a j esperada notcia: o kaiser havia cado, a Ale-manha se tornara uma repblica, e a guerra estava perdida. O jovem recuperou a viso e escreveria, anos depois, em suas memrias: Seguiram-se dias terrveis e noites ainda piores eu sabia que tudo estava perdido... Nessas noites o dio cresceu em mim... Confinado quela cama, veio mi-nha cabea a ideia de que um dia eu libertaria a Alemanha, que um dia eu a tornaria grande de novo. Seu nome era Adolf Hitler. (Botelho, 2014)

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    A Segunda Guerra Mundial vem, em seguida, 21 anos aps o trmino do grande conflito anterior, reestabelecer o clima blico e extremamente tenso que ser talvez uma das maiores marcas deste sculo ltimo passado. Mais uma vez, o mundo observa atnito o exerccio de um dos maiores genocdios que se tem re-gistro em toda a histria da humanidade. Os conflitos e o arsenal blico e tecnolgico do qual o ser humano usufruir marcaro profundamente as aes necessrias a este momento histrico.

    Uma das consequncias diretas desta Segunda Grande Guer-ra, que foi efeito direto do conflito consolidado anos antes, foi a morte de 40 milhes de pessoas a maioria do sexo masculi-no, j que estes eram os enviados para os conflitos diretos nas reas de batalha. Com isso, muitas mulheres que haviam perdi-do os seus companheiros, seus pais ou a figura masculina que era, at ento, o centro da famlia, precisaram automaticamente substitu-las para o funcionamento dos afazeres necessrios manuteno do lar. Por conta da morte instantnea desta figura masculina, elas passam, assim, a exercer este papel tomando as decises necessrias e, inclusive, ingressando em diversos am-bientes que antes eram inconcebveis figura feminina. No que o movimento feminista tenha incutido o seu ideal apenas aps este grande conflito. So visveis inmeros traos deste movi-mento no perodo entre guerras, bem como no perodo ante-rior Primeira Guerra Mundial a morte da sufragista Emily Davison, em 1913, ao atirar-se contra um cavalo durante uma corrida, um exemplo evidente da atuao destes movimentos no entanto, as consequncias das duas guerras mundiais implo-diro um enorme entusiasmo, somado prpria necessidade vi-svel da poca, para que os ideais do movimento feminista sejam consolidados na prtica cotidiana social. Agora, com a ausncia completa do chefe familiar, as atividades que apenas a este eram destinadas passam a ser atendidas pelas mulheres que sobrevive-ram aos conflitos do perodo referido.

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    exatamente neste prembulo que muitas mulheres, por exemplo, tero o direito ao voto concebido. A Revoluo Russa de 1917 trar, dentre outras transformaes, o direito das mulheres elegerem seus polticos, conforme j ocorria na Nova Zelndia, desde 1893, na Austrlia desde 1902 e na Finlndia desde 1906. At os anos de 1950, por exemplo, cerca de cem naes daro s suas mulheres o direito de escolha dos seus governantes, tal como fazem os prprios homens. No entanto, convm aqui des-tacar que a participao feminina nos grupos polticos ser, nesta poca, praticamente nfima, pois, por mais que estas obtivessem o direito ao voto, no havia ainda nenhuma seguridade em relao candidatura, bem como participao mais ativa de mulheres em cargos pblicos especialmente administrativos, ficando estes, naquele perodo, destinados injustamente apenas aos homens.

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