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Agricultores (e pescadores) da Amazônia central brasileira: racionalidades e trajetória recente dos sistemas agrícolas em duas unidades de conservação do Médio Solimões, Amazonas. Farmers (and fishermen) from Brazilian Central Amazon: rationalities and recent trajectory of agricultural systems in two conservation areas of the Middle Solimões, Amazonas. PEREIRA, Kayo Julio Cesar 1 1 Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, Brasília/DF - Brasil, [email protected]. RESUMO: O presente artigo apresenta uma análise do papel da agricultura nos sistemas de produção das Reservas Amanã e Mamirauá, descrevendo sua trajetória recente em nove comunidades, e identificando as principais identidades produtivas. Predomina em todas as comunidades um sistema de produção complexo, formado por agricultura, pesca, caça e extrativismo, com a agricultura ou a pesca assumindo função protagônica, de acordo com a estratégia de geração de renda de cada família. Os sistemas agrícolas vêm passando por intenso processo de transformação, diretamente relacionado à intensificação do contato das comunidades com a vida citadina, com a implantação de políticas de conservação e manejo dos recursos naturais e com o incremento da importância dos produtos agrícolas na geração de renda para as famílias. Os resultados revelaram estar havendo mudanças nos itinerários técnicos, com aprimoramento no processo de produção de farinha e estabelecimento de sistemas agroflorestais. Contudo, a agricultura com finalidade mais comercial, ainda é mais restrita às comunidades de terra firme, em função principalmente do regime hidrológico da várzea. PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; Agricultura tradicional; agroextrativismo, Mamirauá, Amanã ABSTRACT: This article presents an analysis of the role of agriculture in production systems and the RDS Amanã Mamirauá, describing your historical background on nine different communities that are within these two reserves, and identifying key existing productive identities. Prevails in all communities a complex production system, consisting of agriculture, fishing, hunting and gathering, with agriculture or fishery assuming protagonist role, according to strategy chosen by each family. The agricultural systems are undergoing intense transformation process, directly related to the intensification of contact with the community city life, with the implementation of nature conservation policies and with the increasing of agricultural products importance in generating income for these families. The results revealed the occurrence of changes in the itineraries of technical production systems, with improvement in the process of flour production and establishment of agroforestry systems. However, agriculture in most commercial purposes, is further restricted to upland communities, mainly due to the hydrological regime of the floodplain. KEY WORDS: Amazon; Traditional agriculture; extractivism, Mamirauá Amana Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 6(3): 115-137 (2011) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 19/08/2011

Agricultores (e pescadores) da Amazônia central brasileira

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Agricultores (e pescadores) da Amazônia central brasileira: racionalidades etrajetória recente dos sistemas agrícolas em duas unidades de conservação doMédio Solimões, Amazonas.

Farmers (and fishermen) from Brazilian Central Amazon: rationalities and recenttrajectory of agricultural systems in two conservation areas of the Middle Solimões,Amazonas.

PEREIRA, Kayo Julio Cesar1

1 Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI,Brasília/DF - Brasil, [email protected].

RESUMO: O presente artigo apresenta uma análise do papel da agricultura nos sistemas de produção das ReservasAmanã e Mamirauá, descrevendo sua trajetória recente em nove comunidades, e identificando as principaisidentidades produtivas. Predomina em todas as comunidades um sistema de produção complexo, formado poragricultura, pesca, caça e extrativismo, com a agricultura ou a pesca assumindo função protagônica, de acordo coma estratégia de geração de renda de cada família. Os sistemas agrícolas vêm passando por intenso processo detransformação, diretamente relacionado à intensificação do contato das comunidades com a vida citadina, com aimplantação de políticas de conservação e manejo dos recursos naturais e com o incremento da importância dosprodutos agrícolas na geração de renda para as famílias. Os resultados revelaram estar havendo mudanças nositinerários técnicos, com aprimoramento no processo de produção de farinha e estabelecimento de sistemasagroflorestais. Contudo, a agricultura com finalidade mais comercial, ainda é mais restrita às comunidades de terrafirme, em função principalmente do regime hidrológico da várzea.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; Agricultura tradicional; agroextrativismo, Mamirauá, Amanã

ABSTRACT: This article presents an analysis of the role of agriculture in production systems and the RDS AmanãMamirauá, describing your historical background on nine different communities that are within these two reserves,and identifying key existing productive identities. Prevails in all communities a complex production system, consistingof agriculture, fishing, hunting and gathering, with agriculture or fishery assuming protagonist role, according tostrategy chosen by each family. The agricultural systems are undergoing intense transformation process, directlyrelated to the intensification of contact with the community city life, with the implementation of nature conservationpolicies and with the increasing of agricultural products importance in generating income for these families. Theresults revealed the occurrence of changes in the itineraries of technical production systems, with improvement in theprocess of flour production and establishment of agroforestry systems. However, agriculture in most commercialpurposes, is further restricted to upland communities, mainly due to the hydrological regime of the floodplain.

KEY WORDS: Amazon; Traditional agriculture; extractivism, Mamirauá Amana

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 6(3): 115-137 (2011)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 19/08/2011

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IntroduçãoOs sistemas de produção fundamentados na

agricultura, pesca e extrativismo são a base dareprodução das famílias que habitam as margensdos rios e igarapés da Amazônia. Estes variam emfunção de aspectos culturais, relações sociais eeconômicas e especificidades do ambiente, seconfundindo muitas vezes com a própriaidentidade dos habitantes destas áreas,denominados como ribeirinhos (LITLE, 2002). É apartir deles que se estabelece a relação dohomem com a terra, e o desdobramento dasatividades produtivas informa os modos de vida ede certa forma a dinâmica ecossistêmica de umalocalidade.

Na Amazônia Central, região que abriga asmaiores bacias hidrográficas (Rios Negro eSolimões) e o maior bloco de floresta tropicalcontínuo do mundo, coexistem diversas etnias epopulações tradicionais residentes (ou não) emunidades de conservação de uso sustentável,como as Reservas Mamirauá e Amanã. Estas duasunidades de conservação, situadas entre as duasgrandes bacias dos rios Negro e Solimões,ocupam juntas quase três milhões e meio dehectares de áreas preservadas na AmazôniaCentral, abrigando diversos ambientes (várzea,igapó, terra firme e campinarana), e diversasespécies raras e endêmicas (AYRES, 1995;QUEIROZ, 2005; AMAZONAS, 2010). Além disso,nestas duas unidades convivem quase cemagrupamentos humanos (comunidades) formadospor populações indígenas, caboclos e ribeirinhos,somando aproximadamente 11 mil pessoas (IDSM,2010). Nas comunidades prevalecem até hojemodos tradicionais de vida e produção, queassociados a toda a riqueza biológica citada,fazem do Médio Solimões território fundamentalpara a conservação da biodiversidade (PEREIRA,2008; IDSM, 2010).

Nesta região, ao contrário das conceituaçõescientíficas mais clássicas, onde as populaçõestendem a ser reconhecidas pelos produtos que

extraem (seja como extrativistas, castanheiros,seringueiros ou pescadores), a realidade émarcada por sistemas de produção complexos,que incluem pesca, caça, agricultura, criaçãoanimal e extrativismo vegetal (LITLE, 2002), e queinserem atividades entrelaçadas em itineráriosdiversos, adequados a calendários específicos eexplorando uma multiplicidade de ambientes. Pormeio deles se viabiliza a reprodução social dasfamílias e sua integração com a economiaregional, gerando trabalho, produzindo alimentos,utensílios diversos e renda. Boa parte do peixe eda farinha de mandioca (os mais importantescomponentes da dieta alimentar na regiãoamazônica) consumidos em Manaus e Belém, asmaiores cidades da região Norte do Brasil, porexemplo, são produzidos nestes sistemas deprodução.

De acordo com o Censo Agropecuário de 2006,noventa por cento da mandioca produzida naregião norte é oriunda de sistemas familiares deprodução (IBGE, 2006; GALVÃO FRANÇA et al,2009); quase noventa por cento do pessoalocupado em todo o setor agropecuário eextrativista na região norte é integrante daagricultura familiar; e cerca de oitenta e cinco porcento dos estabelecimentos rurais da AmazôniaLegal compõem sistemas familiares de produção.No Estado do Amazonas, estes somam noventa etrês por cento dos estabelecimentos rurais doestado (IBGE, 2006; GALVÃO FRANÇA et al,2009).

Considerando as idéias de Geertz (2000), queafirma que a existência de uma matriz sócio-cultural pode contribuir como um elementoessencial na configuração de um potencial quemobilize a ação social coletiva, mais do queestabelecer tipologias, o maior desafio éreconhecer as racionalidades, identidades eformas tradicionais de ocupação do espaço. Esteconhecimento pode contribuir para o diálogo entre

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as populações locais e os técnicos, e para odelineamento de melhores caminhos a seremseguidos, levando sempre em consideração comoambos conhecimentos (científico e tradicional)podem (ou não) contribuir para o estabelecimentode propostas de desenvolvimento e políticaspúblicas, qualquer que seja seu foco (conservaçãoda biodiversidade, agregação de valor e renda,fortalecimento da organização comunitária). Estaconstatação se faz ainda mais relevante quandose considera as tendências recentes nosmecanismos de gestão compartilhada de unidadesde conservação na Amazônia (AZEVEDO e APEL,2004; PEREIRA, 2004).

A abordagem metodológica da análise desistemas agrários (INCRA/FAO, 1998; MAZOYERe ROUDART, 2001) é bastante eficiente para adescrição dos sistemas, permitindo a detecção depossíveis subsistemas e das relações deinterdependência entre eles. Contudo, outrasabordagens mais próximas da Antropologia, comoa etnoecológica (TOLEDO, 1992; POSEY, 1986)permitem o reconhecimento das percepções locaissobre a natureza e a produção, valendo-se demétodos que captam com bastante profundidade oponto de vista dos entrevistados. Partindo-se danecessidade do reconhecimento de formas locaisde produzir economicamente e se relacionar coma natureza, estas duas abordagens sãocomplementares e possibilitam a geração deanálises mais profundas e realistas nascomunidades rurais.

Assim sendo, o propósito deste trabalho écaptar as racionalidades de produção, se atendomais aos aspectos qualitativos da percepção dosentrevistados, do que propriamente em quantificarvalores de produção ou de uso da terra. Dentrodeste contexto, o objetivo deste artigo é analisar asprincipais racionalidades de produção e aevolução das formas de produzir nos sistemasagrícolas de nove comunidades ribeirinhas dasReservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã

e Mamirauá, situadas na região do MédioSolimões, Amazonas.

Descrição da região de estudo e aspectosmetodológicos

Local de estudoAs Reservas de Desenvolvimento Sustentável

Mamirauá (1.124.000 ha) e Amanã (2.350.000 ha)estão situadas na região do Médio Solimões,Amazonas, Brasil1, e tem como ponto dereferência, o município de Tefé. Formam territórioscontíguos que adjacentes ao Parque Nacional doJaú (2.272.000 ha), constituem o corredorecológico da Amazônia Central, um dos maioresblocos de floresta tropical protegida do planeta(SCM, 1996; QUEIROZ, 2005). A RDSM estátotalmente situada em ambiente de várzea. Já aRDSA compreende áreas de terra firme, várzea ecampinarana, e é banhada por rios e igarapés deágua preta e água branca. O regime hidrodinâmicona região pode causar uma variação anual nonível da água de até 12 metros da estação secapara a estação cheia (AYRES, 1995) e condicionanão só a dinâmica ecossistêmica, mas os modosde vida das populações locais.

O perfil étnico típico da região é o caboclo(conforme NUGENT, 1983), embora existam váriosgrupos de descendentes de migrantes nordestinos,os arigós, e alguns povos indígenas, sendo uns járeconhecidos e com terra demarcada, e outros quevem solicitando reconhecimento oficial de formamais atuante nos últimos anos. Todos essesagrupamentos possuem perfil tipicamentecamponês, de acordo com o conceito de Shanin(1974), com a unidade familiar servindo ao mesmotempo como unidade de produção e de consumo.

Na Reserva Mamirauá, à época deste estudo,conviviam mais de 60 assentamentos humanos, eem Amanã, cerca de 28. Todos são denominadoscomunidades, uma vez que foram formados apartir da atuação de organizações ligadas à Teoriada Libertação da Igreja Católica, como as

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Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s). EmMamirauá, a maior parte das comunidades estásituada às margens dos rios Solimões e Japurá. Jáem Amanã estão mais dispersas, espalhadas aolongo dos Lagos Amanã (que tem cerca de 48 kmde extensão) e Urini, e de paranás (braços de rios)diversos, como o Coraci e o Tambaqui. Ascomunidades situadas nas áreas focais das duasreservas, estas estão espalhadas pelos municípiosde Alvarães, Uarini, Fonte Boa e Maraã. Contudo,embora nenhuma comunidade das duas reservasesteja geograficamente situada em Tefé, elas têmcomo cidade pólo este município, o maior daregião.

O critério de escolha das comunidadesestudadas neste trabalho partiu principalmente doprincípio de representatividade, levando emconsideração os recursos financeiros disponíveispara a pesquisa de campo e as grandes distânciasda região. Buscou-se abranger ao máximo adiversidade local, escolhendo-se as comunidadesque representassem os principais grupos étnicosnão indígenas, as diversas racionalidades e formasde convivência com os dois principais ambientes(várzea e terra firme) nas duas reservas. Para tal,escolheram-se nove comunidades das RDS Amanãe Mamirauá. Na RDS Amanã, as comunidadesforam São Paulo do Coraci (várzea), Nova Samaria(várzea com áreas de produção em terra firme),Monte Sinai, Boa Vista do Calafate e BoaEsperança (as três últimas em terra firme). NaRDS Mamirauá, o trabalho foi realizado nascomunidades Aiucá, Marirana, Jarauá e NovaColômbia (todas em ambiente de várzea).

Formas de obtenção das informaçõesEste estudo compôs parte da tese de doutorado

do autor, defendida em 2008 na Universidade deSão Paulo, onde se estudou as relações entre omanejo dos sistemas de produção e a dinâmica daagrobiodiversidade nas duas reservas2. Para esteartigo, fez-se uso de entrevista semi-estruturada,

visitas às unidades de produção e observaçãoparticipante.

As entrevistas semi-estruturadas foramaplicadas a partir do método da saturação teórica(GLAUSER; STRAUSS, 1974), onde se optou porinterromper a aplicação dos questionários quandonão se encontravam mais informações adicionais.O roteiro dos questionários constituiu-se deperguntas norteadoras relacionadas à história daspessoas e das comunidades, aos sistemas deprodução e sua dinâmica. Foram realizadas 76entrevistas. Além das entrevistas foram feitasvisitas aos sistemas de produção, observaçãoparticipante e coleta de relatos da história oral dediversos moradores.

O exercício da observação participante foifacilitado pelo histórico de contato dopesquisador3 com as famílias participantes dapesquisa. Foram acompanhadas diversas etapasdo ciclo de cultivo, como derruba, queima, plantio,capina e colheita, além de diversos eventos davida privada e social das famílias, tais comorefeições, reuniões, cultos e assembléias. Comrelação às tipologias de ambientes e sistemas deprodução, neste trabalho optou-se por privilegiar aauto-identificação dos grupos, caracterizando-os apartir das formas como eles se reconhecem etipificam seus sistemas de produção.

Buscou-se entender, na medida do possível, arealidade a partir do ponto de vista dosentrevistados4. Como referencial analítico, fez-sevaler dos conceitos e ferramentas da Etnobiologiae a Etnoecologia (TOLEDO, 1992; POSEY, 1986,MARQUES, 2001), da Agroecologia (SEVILLA-GUZMAN e MOLINA, 1993; ALTIERI, 1999;GLIESMANN, 2001) e da Análise de SistemasAgrários e Agroecossistemas (CONWAY, 1993;MAZOYER e ROUDART, 2001).

Resultados e DiscussãoTrajetória recente da agricultura na região de

Tefé

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Embora este estudo englobe populaçõeshumanas que vivem em várzea e em terra firme, ouem alguns casos utilizam os dois ambientes, ésempre importante frisar que a várzea é oambiente que predomina em termos de dimensãoterritorial e informa com muito mais veemência osmodos de vida na região de Tefé. Na RDSMamirauá todas as comunidades existentes emseu interior estão em áreas de várzea. Na RDSAmanã, toda a porção sul, mais próxima ao rioJapurá, abrange áreas de várzea, estando as áreasde terra firme mais concentradas na porção norte,mais próximas da bacia do rio Negro e banhadaspor água preta. Essas características se refletemem modos de vida predominantemente aquáticos,ou como classifica Fraxe (2002), “anfíbios”. Osmodos de produção são, conseqüentemente,fortemente embasados pela lógica de convivênciae sobrevivência em ambiente alagado.

A região viveu um processo histórico típico daregião de colonização mais antiga da Amazônia(PORRO, 1996), sofrendo influência das missõescatólicas dos séculos XVI e XVII; do apogeu daeconomia da borracha no século XIX e da chegadados migrantes nordestinos na década de 40 doséculo XX. Todos os eventos tiveram como eixoeconômico principal o extrativismo. Relatos dosentrevistados mais antigos confirmam isto,informando que entre as décadas de 1940 e 1980,os habitantes das comunidades estudadas viviambasicamente da extração de látex da seringueira(resultado da breve reanimação da economia daborracha ocorrida na década de 19405) e deoutras formas tradicionais de extrativismo vegetal(extração de castanha, sorva6, amapá7 e copaíba),pesca, (especialmente de pirarucu) e a caça paravenda de fantasias (peles de animais,principalmente jacaré) e também carne (tartaruga,jabuti, anta, queixada, macaco-guariba, paca,cotia, veado, tatu, dentre outros). A produção eranegociada por meio dos tradicionais sistemas de

comercialização existentes até hoje nos rios daAmazônia, ou seja, com o patrão8, em sistema deaviamento, e também com regatões9 e barcos depesca que passavam pela comunidade, ospeixeiros, a maioria de Manaus eBelém10(RIBEIRO, 1992; ARAMBURU, 1994;AUBERTIN, 2000).

Em ambos os casos, a agricultura, quandoexistente, se resumia à produção de farinha demandioca para o auto-consumo, tendo em vistaque os produtos do extrativismo significavamretorno financeiro muito mais rápido, e ainda haviaalta demanda (AUBERTIN, 2000; NEVES, 2005).Isto sem levar em consideração os casosextremos, onde os patrões, que freqüentementeexerciam poder de proprietários das áreas deextração, simplesmente proibiam os ribeirinhos decultivar mandioca. Todavia, vale ressaltar que namaioria das comunidades das duas reservas aagricultura sempre existiu e foi fundamental para asegurança alimentar das famílias, mesmo nãonecessariamente significando atividade queproporcionasse retorno financeiro.

“Eu trabalhei muito com castanha, cortavaseringa, sorva, caçava muita onça,tartaruga...matava pirarucu, peixe-boi...já mateimuitos por aí afora. Nóis quase não trabalhavaera em agricultura. Mas com o tempo essascoisa foram perdendo valor e aí tivemos queaprender a plantar roça, banana, cará, prapoder ganhar um dinheirinho né? (J. agricultor,63 anos, comunidade Calafate).

A transformação dos sistemas agrários doMédio Solimões foi lenta e seu estágio atual estádiretamente relacionado com as mudançasprovocadas com o advento dos movimentos sócio-ambientalistas, principalmente a partir darealização da ECO-9211 no Rio de Janeiro(PEREIRA, 2004). Este fato, associado com a

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redemocratização a partir dos anos 1980, queproporcionou a reorganização dos movimentossociais, acendeu a reflexão sobre o uso dosrecursos naturais, a cidadania e a organizaçãocomunitária, principalmente no que diz respeito aocontrole social dos recursos aquáticos e ao manejodos estoques de peixes, que segundo osentrevistados, declinavam à medida queaumentava o trânsito dos grandes barcos depesca.

A assimilação desta discussão por parte doEstado implicou em reordenamento territorial, coma criação de diversas unidades de conservação deuso direto (como Florestas Nacionais, ReservasExtrativistas e Reservas de DesenvolvimentoSustentável) e com elas um pacote de normasregulatórias de acesso aos recursos naturais. AsRDS Mamirauá e Amanã foram criadas emmeados da década de 1990. No caso deMamirauá, o primeiro passo para conversão daárea em unidade de conservação se deu no anode 1990, quando foi criada a Estação EcológicaMamirauá, uma das categorias de unidade deproteção integral mais restritivas à presençahumana. Somente em 1996, após váriasnegociações é que foi criada a RDS Mamirauá,antes mesmo desta categoria ser normatizada peloSistema Nacional de Unidades de Conservação –SNUC, que é de 2002. A RDS Amanã foi criadaem 1998.

Estando as duas UC’s enquadradas no regimede uso sustentável (categoria VI no sistema declassificação da União Internacional deConservação da Natureza - IUCN, (DUDLEY,2008)), mesmo com todas as restrições ao acessoaos recursos que passaram a existir a partir de suacriação, é inegável que houve uma certademocratização no processo decisório sobre o usoe a conservação dos recursos naturais, ainda quehajam enormes deficiências de informação porparte dos moradores das reservas12. Como

resultado, a partir da década de 1990, foraminstitucionalizados os primeiros acordos depesca13, marcos na história dos processos de co-gestão na Amazônia (PEREIRA, 2004); eimplementadas uma série de medidas regulatórias.No caso das RDS Amanã e Mamirauá, porexemplo, os barcos de pesca comercial foramproibidos de entrar na área das duas reservas. Ecom a já evidente diminuição dos estoquesnaturais e a crescente dificuldade de escoarprodutos do extrativismo animal no mercado(devido ao enrijecimento da legislação querestringe as atividades extrativas e aumento dafiscalização), outras formas de produção foramganhando destaque, como a pesca manejada14

de pirarucu e tambaqui, o manejo florestal e aagricultura.

A agricultura começou a ganhar destaque apartir das transformações que modificaram asformas de interação entre campo e cidade. Aenergia elétrica foi cada vez mais se inserindo nocotidiano das comunidades rurais, que por sua vezpassaram a ter mais acesso às informaçõesveiculadas pelo rádio e pela televisão, e ossistemas de transporte foram se transformando. Apartir da década de 1990, foi se tornando maisfácil adquirir produtos industrializados, tais comomotosserras e embarcações, sejam motores decentro (para pequenos barcos, de até 13 Hp) ourabetas (motores de popa, de baixa potênciaacoplados em canoas de madeira). São raríssimasas famílias que não dispõem de um motor denavegação, seja ele o mais simples. Essasmudanças refletiram diretamente na produção,dado que o contato com a cidade foi facilitado emuitos ribeirinhos passaram a ter mais liberdadepara negociar suas produções, principalmente defarinha, obtendo melhores preços, e estimulando aeconomia regional.

"Antes se usava carauaçu pra fazer

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cobertura de casa. Hoje o pessoal só quersaber de telha de zinco. As coisas mudarammuito..."(Z.,agricultor, 52 anos, Nova Colômbia,fevereiro de 2005).

"Antigamente não tinha esse negócio de lojanão! Nóis fazia roupa com aqueles sacos deaçúcar, que se comprava a granel do regatão"(J., agricultor, 45 anos, Boa Esperança,fevereiro de 2006).

Conforme destacam as frases acima, esteprocesso modificou não só as relações deprodução, mas os modos de vida das populaçõeslocais, que ao se integrarem cada vez mais com asociedade nacional, passaram a ter novos hábitosde consumo. A racionalidade orientadora dodesenho de seus sistemas de produção passariatambém a ser influenciada pela necessidade daaquisição dos produtos que desejavam obter(denominados como objetos) e conseqüentementedas dívidas que viriam a surgir. A farinha passou aser um dos principais meios para viabilizar aobtenção destes objetos. E a agricultura,principalmente nas comunidades de terra firme, foise tornando uma atividade cada vez maisestratégica na economia local, vindo a sediversificar.

Muitos moradores das comunidades, segundovários relatos, tiveram que aprender a plantar, oque significa, na realidade, aperfeiçoar a produçãopara se adaptar às exigências do mercado, atéentão pouco conhecido por eles. A produção dafarinha, que antes podia ter “cor de barro”, passoua ter itinerários cada vez mais aperfeiçoados. Emalgumas comunidades, como Boa Esperança,Calafate, Monte Sinai, Aiucá e Jarauá, a farinhaproduzida passou a ter qualidades organolépticaspróximas à Farinha do Uarini, surgida na cidade domesmo nome, e apreciada em toda a Amazônia.Esta farinha possui coloração amarela (na maioriadas vezes obtida a partir das próprias raízes, sem

necessidade de corantes), grãos bem redondos euniformes e teor de umidade que lhe confere oaspecto de estar “bem torrada”.

Constatou-se que em comunidades onde haviapredomínio da atividade extrativista, como emCalafate, os roçados de mandioca foramganhando com o tempo cada vez mais espaço eimportância. Nesta comunidade reside um senhorque é tido pelos outros moradores da RDSA comoum dos maiores caçadores de peixe-boi da região.Ele também era um grande pescador de pirarucue tambaqui, e hoje, devido às mudanças nossistemas de produção e principalmente aorecrudescimento das normas de caça e pesca,praticamente abandonou a atividade extrativista,sendo um dos moradores da comunidade queobtém a maior produção de farinha, além decomercializar eventualmente frutas e algunstemperos.

Já no caso da comunidade Boa Esperança,que surgiu de um movimento migratório formadopor descendentes de nordestinos que queriammelhorar de vida, a paisagem que antes eraocupada predominantemente por roçados(praticamente uma monocultura de mandioca),hoje é composta por estes e também por sistemasde cultivo mais diversificados, como os sítios(sistemas agroflorestais com árvores de diferentesespécies e vários estratos de dossel), no quepoderíamos chamar de transição agroflorestal,altamente relevante e benéfica para aconservação da biodiversidade. Boa parte dosagricultores da comunidade obtém dinheiro não sópor meio da venda da farinha, mas também deoutros produtos agrícolas e do agroextrativismo,como abacate, pupunha e açaí. Arranjopaisagístico parecido é encontrado na zonaperiurbana de Tefé, às margens do Rio Solimões(em local conhecido como “Costa de Tefé”). Estelocal, por ser muito próximo ao mercado dacidade, propicia a adoção de estratégias maisdiversificadas de produção, o que resultou no

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estabelecimento de dezenas de hectares deaçaizais, pomares multiestratificados, hortas ebananais.

Ou seja, os sistemas de produção estãoevoluindo nas comunidades de terra firme de formaque a agricultura vêm ganhando mais espaço.Contudo, os impactos na cobertura florestal,embora ainda não devidamente mensurados,aparentam ser ainda muito reduzidos (IDSM, 2010,Richers, 2010). A baixa taxa de transformação dehabitats, associada à baixíssima densidadedemográfica nas duas reservas e a distancia dascomunidades dos mercados globais, leva aentender que o aumento do número de áreas deagricultura na região ainda não é motivo depreocupação.

Já nas comunidades de várzea, os sistemasvêm evoluindo de um extrativismo mais clássico,para sistemas de pesca manejada e manejo delagos, em função das modificações trazidas com alegislação ambiental. Todavia, mesmo nestascomunidades, a agricultura não deixa de serpraticada, mesmo que seja exclusivamente para oabastecimento alimentar das famílias ou para ocultivo de espécies de ciclo rápido, como melanciae feijão-de-praia (feijão do gênero Vigna).

As profissões em Mamirauá e AmanãSe antes os habitantes destas comunidades

diziam viver basicamente de tirar seringa, e/oupescar ou também extrair madeira, sorva, amapá eoutros produtos da floresta, nos tempos atuais,quando indagados sobre a principal estratégia demanutenção, os entrevistados se auto-enquadraram em uma de três atividades, ouprofissões (tipologias locais que designam aestratégia produtiva principal) declaradas: os quetrabalham com roça, os que pescam, e os quetrabalham com roça e pescam. Não que uma coisaexclua a outra. Mas a auto-denominação estásempre associada às estratégias de aquisição de

recursos financeiros. Ou seja, do ponto de vista doribeirinho, a profissão é aquela atividaderesponsável pela geração de renda na família, enas nove comunidades estudadas (assim comonas demais da RDSA e RDSM), a pesca e aagricultura são as atividades estruturantes dageração de renda.

Não obstante, o extrativismo, o manejo florestale o artesanato, mesmo que praticados em quasetodos os casos pesquisados, em nenhum doscasos foram considerados pelos entrevistadosestratégias chave para a geração de renda,funcionando como componentes acessórios dossistemas de produção. Pensando sob aperspectiva da gestão de unidades deconservação (UC’s), esta mudança de perfilsignifica muito, pois as mudanças econômicas esociais das famílias que vivem dentro de uma UCdizem também respeito aos impactos sobre acobertura florestal, sobre as populações deanimais silvestres e sobre os estoques pesqueiros.

De um modo geral, na várzea predominam ospescadores, e na terra-firme, os agricultores,embora haja exceções. No âmbito desta pesquisahá dois casos (comunidades Jarauá e Aiucá) ondealguns moradores dividem seu calendário deforma bastante planejada, e tanto a pesca quantoa agricultura desempenham papel fundamental namovimentação financeira da família, embora nuncade forma equitativa – a pesca rende, quase queinvariavelmente, mais recursos financeiros do quea agricultura. São os que trabalham com roça epescam.

Cabe advertir que mesmo havendo umreconhecimento como pescador ou agricultor, asduas atividades convivem em quase todas asfamílias, constituindo seu sistema de produção,havendo raríssimos casos onde os ribeirinhos nãoplantam ou não pescam, mesmo porque assimcomo a farinha é o alimento mais importante parao fornecimento de calorias, o peixe é a principal

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fonte protéica dos moradores das comunidadesribeirinhas da Amazônia. Estudos indicam que oconsumo médio per capita é de 500 gramas pordia (ADAMS et al, 2002; PEREIRA, 2004).

Os motivos que determinam as escolhas estãoassociados à herança cultural e também àintensidade de trabalho, à organização do tempo, àdependência do regime hidro-dinâmico e àpossibilidade de progredir economicamente. Paramuitos agricultores,

“peixe até dá dinheiro, mas tá tudo aí solto,nóis num vê eles né? A roça tá aí, nóis vê,planta a hora que quer e tem hora certa pracolher.”

E para muitos pescadores,

“trabalhar com roça é demais desgastante,nóis trabaia, trabaia e demora pra ver resultado,isso quando num vem a água e joga tudoprofundo”.

Plantar para eles é uma atividade consideradaextremamente onerosa em termos de mão-de-obra, e principalmente, arriscada, levando emconsideração a dinâmica hidrológica da várzea. Navárzea, ouvindo os relatos dos entrevistados, tem-se a sensação de que tudo está semprerecomeçando, pois é comum se perder tudo com acheia.

O manejo dos sistemas de cultivo, as táticas eestratégias de pesca são diferentes para osagricultores e os pescadores, assim como aorganização do trabalho e da produção. Emambiente de várzea a atividade agrícola só épossível nos períodos de vazante e seca, uma vezque durante a enchente e a cheia, as áreas ficamalagadas. O tempo disponível para cultivo,portanto, normalmente não ultrapassa seis meses,o que implica na elaboração e adoção deestratégias produtivas adaptadas a estas

condições. As cheias por sua vez trazemsedimentos, promovendo uma fertilização noterreno e permitindo sua utilização por vários anossem necessidade de pousio. Isto é impossível naterra firme, onde as áreas são mais distantes doscursos d’água e os solos possuem estoques muitomenores de nutrientes, restringindo o período paracultivo da mandioca para no máximo dois anos,havendo necessidade de pousio e migração paranovas áreas, como ocorre em outras regiões daAmazônia, segundo Balée (1987,1988); Meggers(1977); Ribeiro (1992) e Shorr (2000).

As diferenças entre várzea e terra firmeenglobam não só aspectos ambientais, mastambém temporalidades distintas. Na concepçãodo vargeiro, o ano se dá entre uma alagação eoutra, ou seja, entre os momentos em regra anuaisde se “começar tudo de novo”. Já para o moradorda terra firme, o ano tem a duração do roçado demandioca, podendo durar 18 meses ou mais. É apartir desse referencial de tempo que constroemsuas agendas, que planejam suas vidas. Acondição da terra firme permite um planejamentode mais longo prazo, o que faz com que a vida daspessoas seja mais cadenciada. Entretanto, o caosda várzea e sua eterna reconstrução obrigam queas pessoas revejam suas trajetóriasperiodicamente.

Nas áreas de terra firme, os até entãoextrativistas estão aos poucos se tornandoagricultores. Embora desde o “tempo da borracha”muitas famílias produzissem pequenasquantidades de farinha para seu próprio consumo,ao longo de todo este processo em que aagricultura foi se tornando a atividade principal,muitos moradores que praticamente não tinhamexperiência com roça, tiveram que aprender aplantar. Em outros casos, tiveram no mínimo queaprimorar a produção a partir de uma dinâmicamais focada no mercado. Aquela farinha “cor debarro”15, feita sem maiores cuidados e resultadode itinerários técnicos mais simplificados, passaria

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a não ter mais valor comercial. Tudo isso levou atransformações nas formas de produzir. Ossistemas de cultivo vão deixando de ser quase queexclusivamente roçados para se tornarem sítios,bananais, dentre outros sistemas, capazes defornecer frutas e outros produtos ao mercado. Esteprocesso, que ainda está em franca evolução,provocou profundas alterações nas formas derelação com o ambiente e nos modos de vida daspopulações.

“Antes a gente vendia farinha branca. Omercado era menos exigente. Nem ensacarprecisa, só bastava empaneirar”. Hoje, se nãotiver farinha amarelinha, bem emboladinha, nãoconsegue vender nem pro vizinho. (JoaquimSérgio (Joca), agricultor, Boa esperança, marçode 2002).

No caso da várzea, segundo os pescadores, se

por um lado a proibição da entrada dos “peixeiros”melhorou a produção por influenciar diretamentenos estoques de peixes, por outro, os pescadorestiveram que se adequar a legislação ambiental, aosistema de zoneamento implantado por ocasião dacriação da reserva, e a novidade dos acordos depesca. Essas mudanças foram fundamentais paraa transformação dos processos organizativos epara a dinamização sócio-econômica da região.

Em algumas comunidades, o processo detransformação foi mais lento e gradual, enquantoem outras, em função de migrações, presença deatores externos, como as Organizações Não-Governamentais (ONGs) e contatos entrediferentes povos e etnias, esse processo se deuem maior velocidade, como aconteceu em BoaEsperança, Jarauá e Aiucá16. As tabelas 1 e 2trazem algumas informações sobre as estratégiasde produção nas nove comunidades.

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Tabela 1: Características gerais dos sistemas de produção de cinco comunidades das Reservas deDesenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas.

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Tabela 2: Características gerais dos sistemas de produção de quatro comunidades das Reservas de

1 Por família, advinda da produção entre 2004 e 2007, segundo Pereira (2008).

2 Em ordem de importância

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O fato é que essas populações, tanto asresidentes nas comunidades estudadas quantotodas as demais que estão fixadas nas margensdos rios Solimões e Japurá têm suas dinâmicaslocais extremamente ligadas às mudanças daeconomia global, o que derruba qualquerargumento de que se tratam de povos isolados eresistentes ao capitalismo. Masulo da Cruz (2007),reforça esta tese afirmando que nas comunidadesribeirinhas da Amazônia o avanço do capitalismose deu sem que houvesse expropriação, sem queo trabalhador fosse expulso da terra, masalterando as relações de trabalho e de produção.

As relações de produção tem se transformadomuito ao longo destes últimos anos, em função daabertura dos mercados, bem como das novasnecessidades de aquisição de bensindustrializados. A “materialização” da vidacomunitária foi tanta, que a ausência de certosbens nas casas (como telha de alumínio, fogão,rádio ou televisão) pode denotar precariedade oupobreza entre os moradores as comunidades.Adquirir bens significa trabalhar mais, o que poderesultar em menor dedicação a vida comemorativa,religiosa e social. Essa mudança refletediretamente na organização da produção, queagora passa a ser orientada (no caso dosagricultores) por uma racionalidade baseada nadisciplina, previsão e ordenação, que fundamentaum planejamento de receitas e despesas, fato que

antes não ocorria. Antônio Cândido, no clássico“Parceiros do Rio Bonito” (CÂNDIDO, 2001(1964)), registrou fenômeno parecido ao estudaros caipiras do interior paulista, na primeira metadedo século XX. Outro fato, também relatado porCândido passa a ser percebido em Amanã eMamirauá: a incorporação de uma dimensãopsíquica que se enraíza no terreno dos hábitos,que faz com que práticas antes inquestionáveis(como pegar lenha para fazer a comida, ou tomarágua do rio) passem a ser rechaçadas diante dasnovas opções.

O período histórico em que foram realizados osestudos de Antônio Cândido coincidia justamentecom o início do estreitamento do contato dosmoradores daquelas regiões rurais com modos devida e de consumo citadinos, associados aoprocesso de industrialização que estava em francoprocesso de expansão. Analogamente pode-seinferir que os moradores de Amanã e Mamirauáestão tendo agora uma overdose de informações einfluências nunca antes presenciada, o que podeser exemplificado com o contato cada vez maisfreqüente com a cidade (antes o intervalo devisitas a cidades como Tefé ou Manaus, segundomuitos entrevistados, podia ser de anos, hoje namaioria dos casos é mensal, ou quinzenal); com achegada da energia elétrica, da televisão e atémesmo da internet nas comunidades; com oaumento das facilidades de crédito para compra

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1 Por família, advinda da produção entre 2004 e 2007, segundo Pereira (2008).

2 Em ordem de importância

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de produtos industrializados no comércio (osfamosos carnês); e com as mudanças nos hábitosalimentares, com uma dieta cada vez maisindustrializada. Grosso modo, pode-se deduzir queda década de 1990 para cá, os moradores dasregiões rurais do Médio Solimões estão saindo dafloresta para ter contato com um mundo novo paraeles.

Racionalidades e apropriação do espaço pelaagricultura17

A agricultura na RDSA e RDSM é tipicamentetradicional, com as tomadas de decisõesresultantes de elementos constantes no própriosistema, com aporte mínimo de insumos ou mão-de-obra externos. A matriz tecnológica daagricultura nas nove comunidades estudadas ébaseada no uso do fogo, da tração humana e narotatividade de terras e cultivos. Os sistemas decultivo são tipicamente itinerantes. O manejo ébaseado no sistema derruba e queima, seguido depousio, denominado na literatura científicainternacional como shifting agriculture ou swiddenassim como em outras regiões da Amazônia, deacordo com Seubert et al., (1977), Sanchez;Benitez (1987), Bandy et al. (1994) e Shoor(2000).

O sistema de posse da terra adotado pelosribeirinhos é o de propriedade comum. Dados abaixa densidade demográfica e a razoáveldisponibilidade de terras, são poucos os conflitosgerados pela posse da terra na RDSA18, estandoestes mais concentrados no que diz respeito àposse da água, mais especificamente na gestãode lagos e igarapés utilizados para a atividadepesqueira, como ocorre em outras áreasribeirinhas da Amazônia (CASTRO E McGRATH,2001; OLIVEIRA et al, 2001 e PEREIRA, 2004) .

As formas como são gerenciados estessistemas de posse contribuem de certa forma parao desenho dos agroecossistemas e também da

paisagem. A agricultura é mais diversificada (noque tange aos tipos de sistema de cultivo eprodutos gerados) nas áreas de terra firme, umavez os riscos são menores que na várzea. Tantoem ambiente de várzea quanto em terra firme, asáreas de cultivo seguem um padrão deespacialização que tende a situá-las nas margensdos cursos d’água, devido às facilidades deacesso e transporte da produção. De modo geral,as áreas de cultivo são estabelecidas próximas àscomunidades, com distâncias variando de 200metros a três quilômetros. Há os casos onde acomunidade está situada na várzea, mas osroçados em terra firme, o que requerdeslocamento de barco, muitas vezes dificultosono período de seca dos rios.

Na RDSA e na RDSM os sistemas deprodução, incluindo aí a agricultura, são dispostosgeograficamente de forma difusa ao longo doterreno, formando mosaicos de paisagem,misturando florestas, áreas agrícolas, capoeiras ecursos d’água, sem haver fronteiras determinandoum sistema de produção contínuo. Estaconstatação é muito importante para adeterminação do zoneamento das unidades deconservação, como frisa Diegues (1998). Ospadrões de espacialização são diversos e nãonecessariamente seguem uma lógica deproximidade ou uma racionalidade meramenteeconômica. Valores morais e culturais estãoenvolvidos e é necessário reconhecê-los, em setratando de uma perspectiva co-gestionária.

A grande diversidade de ambientes existentesnas duas reservas informa por sua vez a grandediversidade de sistemas de cultivo. Os agricultoresdistinguem e usam diversos tipos de ambientes,tendo como critérios para classificação ezoneamento do sistema de cultivo a serimplantado, a altitude do terreno, tipo de corpod’água predominante, e tipo de solo, sendo poreles considerados mais adequados para a

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agricultura os ambientes de terra firme, além dasrestingas (áreas de várzea, mas situadas em cotasmais altas, onde a água demora mais tempo parachegar), baixos (áreas de várzea situadas emcotas mais baixas), praias (praias de areiaformadas nas margens ou leito dos rios emperíodo de seca), barrancos e áreas de terra preta(áreas utilizadas como depósitos de matériaorgânica ou mesmo cemitérios, por gruposhumanos antepassados, há séculos atrás, e quepossuem elevados teores de matéria orgânica,macro e micronutrientes), cada um de acordo como tipo de cultivo a ser desenvolvido.

De acordo com Pereira et al. (2007) e Pereira(2008), os principais sistemas de cultivo da RDSAe RDSM são os roçados, as áreas onde érealizado o cultivo de plantas anuais,principalmente a mandioca. Em seguida, vem ossítios, consórcios multiestratificados de plantasfrutíferas, sejam eles pomares, ou quintaisdomésticos; os bananais, que são maisencontrados na várzea, nas restingas altas, onde osolo é mais fértil e o risco de inundação é menor;os caminhos, trilhas utilizadas para chegar àsáreas de cultivo e que são utilizados pelosagricultores para plantar diversas espécies, comomacaxeira (Manihot esculenta), frutíferas comoabacaxi, açaí e cupuaçu; e as lamas e praias,também sistemas típicos de várzea, que sãopraticados nas terras (às vezes no próprio leito dosrios) que surgem primeiro durante os períodos de

vazante e seca.A Tabela 3 apresenta as relações entre os

habitats classificados pelos ribeirinhos e ossistemas de cultivo adotados.

Há uma tendência ao reaproveitamento dasáreas, para o estabelecimento de sítios. Essa“transição agroflorestal”, denominada desta formadevido à sucessão de plantas de diferentes portesno mesmo sistema de cultivo19, tem implicaçõesextremamente favoráveis para a conservação, poisé associada à redução no desmatamento,aumento da diversidade genética cultivada intra einterespecífica, além de proporcionar melhoria narenda dos agricultores. Políticas de valorização daprodução familiar e ações de assistência técnicapodem ser extremamente valiosas para oincremento deste processo.

À guisa de conclusão: apontamentos sobre odiálogo entre técnicos e habitantes deunidades de conservação

Uma das formas mais importantes de apoio aoreconhecimento das identidades e lógicas deprodução nas duas reservas vem se dando pelaatuação de atores institucionais, políticos e sociaisda região, principalmente organizações nãogovernamentais, ambientalistas, ou mais ligadasàs questões sociais, estas ligadas à IgrejaCatólica.

Esta última deu, segundo os entrevistados, acontribuição mais significativa para a organização

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Tabela 3: Relações entre ambiente, habitats e sistemas de cultivo em nove comunidades da RDSA eRDSM

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social e política dos moradores das reservas, pormeio do Movimento de Educação de Base (MEB)e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s),iniciada nos anos 60 e que teve seu auge nadécada de 1980. O missionário Irmão FalcoMichiles foi o pioneiro na implementação deestratégias de preservação de lagos na região. Apartir das idéias dele, por exemplo, começaram ase consolidar os conceitos de lago de manutenção(onde se permitia apenas a pesca para auto-consumo), lago de procriação (onde a pesca eraproibida) e lago de comercialização (em que erapermitida a pesca comercial por parte dosmoradores das comunidades possuidoras do lago).Estes conceitos viriam a se aprimorar anos maistarde com a implantação das duas unidades deconservação

Foi também no contexto da ação pastoral quesurgiram as primeiras experiências dealfabetização de adultos20 e as primeiras açõesvoltadas para o desenvolvimento comunitário comfoco na autonomia das populações locais. Comoem outros municípios da Amazônia, o trabalho daIgreja foi fundamental na consolidação de redessociais e na criação de um senso de comunidade,tanto social, quanto físico, pois incentivou aformação de agrupamentos de casas, que anteseram isoladas.

A ação da Igreja favoreceu a formação delideranças e o surgimento de valores de identidadeque antes não existiam. É consensual que em umacomunidade cívica, como definem alguns autores,entre eles Liu et al. (1998), as relações horizontaisde reciprocidade e cooperação substituem asrelações verticais de dependência e autoridade, oque favorece o surgimento de instancias maisdemocráticas de discussão, e mesmo arranjosinstitucionais, como associações e cooperativas.

As marcas do trabalho da Igreja são visíveisaté os tempos atuais. As lideranças comunitáriasmais expressivas das duas reservas têm ligação

com o trabalho feito pela Igreja; foi por meio daação desta que se deu a primeira proposta dedivisão geopolítica das comunidades, quepassaram a se organizar em setores (que em boaparte prevalecem até hoje); e praticamente tudo oque foi construído na região, em termos deformação política e cidadania, se deu com o apoiodestes movimentos.

Com relação ao Instituto Mamirauá (IDSM), apercepção que se obteve a partir das falas dosentrevistados, e é que para eles sua importância émenos associada a idéias como promoção deautonomia, educação e cidadania. A percepçãoacerca do IDSM é muito mais relacionada àsações de fiscalização ambiental, conservação dosecossistemas e promoção de alternativaseconômicas de produção sustentável, o que é bemrazoável, tendo em vista a própria missãoinstitucional do IDSM (Mamirauá, 2010).

Atribui-se ao trabalho do Instituto aumentos narenda obtida com a comercialização de artesanato,madeira certificada, promoção do Ecoturismo ecom a venda de pirarucu e tambaqui, estas, comtécnicas de manejo construídas a partir deconhecimentos tradicionais dos pescadores. Nãoobstante, o IDSM influencia fortemente a geraçãodireta de empregos, uma vez que centenas demoradores das comunidades são funcionários ouprestadores de serviços da instituição. Não esta noescopo deste artigo propor reflexões maisprofundas a este respeito, mas é inevitável aconstatação de que o fato acima vem de encontroa conceitos como autonomia e emancipação, tãocaros aos projetos de desenvolvimento sustentávelde populações tradicionais.

Como um dos resultados das iniciativas daIgreja, do IDSM e de outras organizações, todasas comunidades estudadas, e praticamente todasas comunidades das duas reservas possuem umaassociação comunitária com registro legal. Estes,em sua maioria, tem tido pouca efetividade no que

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diz respeito à organização da produção, e temproblemas até mesmo de representatividade juntoaos moradores. Há comunidades onde co-existemduas figuras de liderança: o presidente dacomunidade (fruto de um processo endógeno deliderança, já existente antes da criação dasassociações) e o presidente da associação. Esteautor vivenciou, na Reserva Mamirauá, reuniõesde associações comunitárias onde nenhum dospresentes (todos os moradores da comunidade emquestão) sabia quem eram os representanteslegais da entidade (presidente, vice, tesoureiro,etc).

Não deixa de ser um demonstrativo da falta delegitimidade dessas associações, na imensamaioria das comunidades (Boa Esperança, SãoPaulo e Jarauá são algumas das raras exceções),onde as relações sociais se manifestam de fato noparentesco e no compadrio e a identidade seconstruiu por meio de processos informais,gerando instituições (no sentido de regras decomportamento) também informais, mas bastantesólidas. Talvez porque identidade e liderançasejam valores que se constroem com o tempo ecom as relações, não sendo passíveis de sereminstitucionalizados ou normatizados pela simplescriação de uma entidade registrada em cartório.Os processos de organização de comunidades eco-gestão de unidades de conservação têm quelevar isto em consideração.

Contudo, não se pode deixar de admitir que,mesmo com todos os problemas já citados, ainstitucionalização das organizações comunitáriasé também um dos indicadores da evolução dossistemas agrários na região. E que no contexto detransformação cultural descrito, e de avanços daspolíticas públicas governamentais para a produçãofamiliar nos últimos anos, as associações tornam-se importantíssimas, ou mesmo imprescindíveis.Elas podem ser potenciais co-executoras deprogramas dos Governos Estadual e Federal, entre

eles compra antecipada de produtos da agriculturafamiliar, ou projetos de manejo comunitário derecursos naturais. Isto pode, desde que conduzidode forma ética e cautelosa, significar ganhos paraas comunidades em termos de autonomia edesenvolvimento.

Os resultados deste trabalho reforçam, quemesmo com todas as mudanças culturais e sócio-econômicas que a região vem passando, aindavigora a coexistência de modos extremamentetradicionais de relação entre populações humanase ambiente, que segundo diversos levantamentosbiológicos (IDSM, 2010), não tem provocadoimpactos negativos na cobertura florestal.Portanto, pode-se deduzir que se trata de umaconvivência bastante razoável, permitindo areprodução social das populações e amanutenção da estrutura e das funções dosecossistemas, fato extremamente positivo em setratando de duas unidades de conservação de usosustentável.

Mas isto de forma alguma pode ser confundidocom benevolência, ingenuidade ou qualqueralusão à figura do bom selvagem, utilizando aalcunha tão discutida por Diegues (1998). Asprofissões não deixaram de evoluir com oaumento da inserção das comunidades nasociedade global e as entrevistas revelam que osmoradores das reservas sempre manejaram oambiente em função de suas necessidadesmateriais.

Portanto, se o objeto dos elaboradores depolíticas públicas é realmente a promoção dealternativas de gestão participativa de unidades deconservação, esta não pode estar dissociada doreconhecimento das identidades locais, dasracionalidades produtivas e da promoção deautonomia e cidadania nas comunidades, tudo istocom papel protagonista do Estado, que estevemuito ausente das comunidades até o início dosanos 2000. Este reconhecimento deve estar

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associado à oferta de um sistema de educaçãoformal e informal que permita o acesso ainformações básicas por parte dos moradores,inclusive sobre os aspectos políticos e legais daconservação e do desenvolvimento rural. Por maisque tenha se constatado que nos últimos dez anoshouve um aparelhamento de escolas e uma sériede iniciativas de promoção da educação por partedo Estado, são ainda enormes as deficiênciasneste sentido. Relatos de moradores das novecomunidades estudadas e de muitas outras dasduas UCs revelam pouco conhecimento acerca daprópria legislação ambiental que tanto os afeta; dopapel do Estado; da representatividade dospolíticos; e de noções básicas de democracia e doexercício da participação.

Este autor concorda em parte com osresultados do trabalho de Creado et al (2008), queestudando as realidades da RDS Mamirauá e doParque Nacional do Jaú concluíram que residentesem unidades de conservação tem grandecapacidade de se auto-adaptar a novas dinâmicassociais, inclusive participando ativamente daprodução coletiva destas. Idem com o trabalho deFerreira et al (2007) que demonstra que o sucessodas políticas de conservação da biodiversidadedepende muito mais da ação coletiva nos sub-sistemas social e político dos atores em confronto,do que das características culturais dos usuáriosdiretos e indiretos dos recursos a serempreservados.

A experiência do autor como extensionista epesquisador nas duas reservas mostrou que asimples tentativa de substituição destas formas deviver e produzir por outras alternativas econômicasnão funciona, devido aos traços tradicionais dasprofissões. Foram vivenciadas várias tentativas deconversão de estratégias produtivas (incentivo daagricultura ou artesanato junto a pescadores comvistas à redução dos impactos nos estoquespesqueiros, por exemplo); ou iniciativas dos

moradores de migração para a cidade com vistasa aumentar a renda da família, a maioria semsucesso. Portanto, o sucesso das intervenções,com vistas à promoção de políticas públicas depromoção da produção familiar, ou daconservação da biodiversidade deveobrigatoriamente passar pelo reconhecimento dasformas locais de produzir, mesmo que estereconhecimento sirva como base para umareflexão crítica de sua pertinência. Os técnicos,sejam eles pesquisadores, extensionistas ouburocratas de nível de rua21(como os fiscaisambientais, por exemplo), devem ser capacitadospara este diálogo, e sensibilizados para aexistência desta diversidade. E as estratégias deidentificação e reconhecimento desteconhecimento devem partir de uma lógicasistêmica, de forma a entender o todo para entãose buscar as especificidades das partes. Estetrabalho demonstrou que há uma forteinterdependência entre os subsistemas deprodução e profissões nas comunidades, de formacom que não há atividade produtiva isolada deoutra ou especialização “profissional” que impeçaum tipo de produtor de desempenhar qualqueroutra atividade alheia a sua profissão. Tanto apesquisa, quanto a assistência técnica tem queser desenvolvidas portanto a partir de uma lógicasistêmica, de forma a promover tanto a produçãoeconômica, quanto a reprodução social e asegurança alimentar das famílias, além dapreservação ambiental.

Notas1 As RDS são um tipo de unidade de

conservação onde é permitida (e teoricamenteincentivada) a presença de assentamentoshumanos. Por lei, o objetivo principal deste tipo deunidade de conservação é promover aconservação da biodiversidade aliado à melhoriadas condições de vida das famílias e garantia da

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reprodução social das mesmas (BRASIL, 2000). Omodelo proposto em Mamirauá é baseado na“permanência e participação das populaçõeslocais e manutenção de uma forte base científicapara subsídio do manejo e conservação dabiodiversidade” (QUEIROZ, 2005). A propostaentão (embora isso nem sempre funcione naprática) é de associar o conhecimento tradicionalcom a pesquisa científica, de forma a estabelecernormas de uso sustentado dos recursos ealternativas econômicas para mitigar os impactoscausados pelas políticas de conservação. Asdecisões de manejo seriam, portanto, discutidasentre moradores (representados pelas liderançascomunitárias), pesquisadores e gestores.

2 Maiores detalhes acerca dos sistemas deprodução e cultivo, bem como sobre o manejo daagrobiodiversidade nas comunidades podem serencontrados em Pereira (2008).

3 O autor atuou junto às comunidades entre osanos de 2002 e 2007 na condição de extensionistae pesquisador associado do Instituto deDesenvolvimento Sustentável Mamirauá, tendooportunidade de acompanhar diversos momentosdos ciclos produtivos e da própria vida comunitárianas duas reservas.

4 As categorias êmicas descritas neste artigose encontram em itálico.

5 Por ocasião da “convocação” pelo Governode Getúlio Vargas de enormes contingentes paraocupar a área com vistas a aumentar a produçãode borracha para suprir as necessidades daSegunda Guerra Mundial (1939-1945). Estesnovos seringueiros foram denominados “soldadosda borracha”. Até então, a economia da borrachana Amazônia brasileira estava em profundadecadência.

6 A sorva (Couma utilis) é uma espécie vegetalamazônica de valor econômico, principalmentepara produção de látex. Seu fruto é comestível ebastante apreciado pelos povos amazônicos. A

sorva é utilizada também pra calefetar canoas eoutras embarcações. É encontradaespontaneamente na Amazônia Central.

7 O amapá (Brosimum parinarioides) é outraespécie vegetal da qual se pode extrair látex comfinalidades econômicas. O leite do amapá éutilizado com fins medicinais para o tratamento dedoenças respiratórias, como asma e bronquite.

8 Patrão é a denominação utilizada para definiros compradores de produtos agrícolas e doextrativismo nas comunidades.

9 Os regatões são comerciantes que viajampelos rios da Amazônia vendendo bensindustrializados de primeira necessidade, comovestuário, açúcar, café, sal e sabão (que sãoavaliados em até 400% do seu valor de mercado)ou os trocando por produtos dos ribeirinhos, comofarinha, peixe e caça, geralmente pagando preçosbaixíssimos. Funciona como agente intermediário,pois comumente vende os produtos dos ribeirinhospara terceiros, antes que os mesmos cheguem aoconsumidor final. Durante muitos anos foi um dosúnicos elos entre os ribeirinhos e a cidade, o quelevou à construção de uma relação histórica deconcomitante embate e reciprocidade(ARAMBURU, 1994; FRAXE, 2002).

10 Segundo Smith (1985) e Hartmann (1992),apud Pereira (2004), entre os anos de 1950 e1970, a atividade pesqueira no Amazonas sofreutransformações consideráveis, que provocaram a“modernização” da atividade: especialização edivisão social do trabalho; introdução de fibrassintéticas para fabricação de armadilhas; aumentona fabricação e uso do gelo; uso de motores adiesel nas embarcações. Essas inovações juntaspermitiram que os estoques pesqueiros pudessemser explorados até a exaustão, fato que mais tardegeraria algumas transformações significativas nocontexto sócio-ambiental da região.

11 Conferência das Nações Unidas para oMeio-Ambiente.

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12 O autor teve a oportunidade de participar,ao longo de sua pesquisa e de sua experiência naregião, de diversas assembléias gerais da RDSMamirauá, e de reuniões onde foram discutidosacordos diversos sobre o uso dos recursosnaturais nas duas reservas.

13 Acordos de pesca são instrumentos deviabilização de negociação do uso dos recursosaquáticos, geralmente firmados entrerepresentantes das comunidades e do poderpúblico – órgãos nacional e estaduais de gestãoambiental, etc (O’DWYER, 2005)

14 Por pesca manejada entende-se a práticada atividade pesqueira associada a medidasrestritivas, estipulando tamanhos mínimos decaptura, períodos de defeso reprodutivo erespeitando regras de zoneamento dos corposaquáticos, de forma a estabelecer períodos dedescanso e promover a contagem de espécimes(QUEIROZ e SARDINHA, 1999; CASTELLO, 2004;SANTOS e SANTOS, 2005).

15 Farinha produzida a partir de variedadescom diversas colorações de raiz; sem muitoesmero ou classificação.

16 No Jarauá, houve uma influencia muito fortenos processos organizativos, de idéias de umafamília formada por descendentes de portugueses,que exercem há várias décadas função deliderança no local. Em Boa Esperança e Aiucá,residem diversos descendentes de nordestinos, osarigós. Em Boa Esperança, estes chegaram noinício da década de 1980.

17 Informações detalhadas sobre sistemaslocais de classificação de habitats e apropriaçãodo espaço pela agricultura na RDSA e RDSMpodem ser obtidos em Pereira et al (2007) ePereira (2008).

18 Ocorrem sim alguns conflitos provocadospelo uso da terra para estabelecimento depastagens (para criação de gado bovino ebubalino), mas estes não foram verificados nas

comunidades abrangidas por este estudo.19 O processo é iniciado logo na etapa de

estabelecimento do roçado, quando junto com amandioca, os ribeirinhos plantam mudas deespécies frutíferas, como abacate e açaí. Quandoo roçado já está em seu segundo ciclo (segundoplantio/colheita da mandioca, denominadalocalmente por roçado de arrancador), as mudasjá estão em estádio mais avançado dedesenvolvimento, e são plantadas outras espécies,geralmente ombrófilas, como cupuaçu, que sebeneficiam da pequena sombra deixada pelaprimeira. E então segue o processo de sucessão,culminando na formação do sítio.

20 Muitos dos entrevistados atestam o poucoque sabem ler e escrever aos cursos dealfabetização de jovens e adultos promovidos peloMEB, em um contexto onde o Estado praticamentenão atuava.

21 Lipsky (1980) usou o termo burocrata nívelda rua para descrever os servidores públicos queinteragem diretamente com os cidadãos noexercício de suas funções, e que dispõem dediscricionariedade substancial na execução dosseus trabalhos, podendo promover certasmudanças na execução da política à medida emque consideram cabíveis. Por isto estesprofissionais, embora estejam de certa forma muitodistantes das instâncias de formulação ecoordenação das políticas, desempenham papelestratégico na implementação destas. O dilema daimplementação das políticas, portanto, é envolvervários atores em vários níveis de decisão.

AgradecimentosO autor agradece a todas as comunidades

participantes da pesquisa, pela receptividade,carinho, e saberes compartilhados; à Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –FAPESP, pela concessão da bolsa de estudos; aoInstituto de Desenvolvimento Sustentável

Pereira

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Mamirauá, que apoiou financeiramente estapesquisa; e a Bianca Ferreira Lima, em nome detoda a equipe do Programa de Agricultura Familiardo IDSM, por todo o apoio oferecido.

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