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A Triagem Auditiva Neonatal e as Perdas de Início Tardio na Infância Signe Schuster Grasel, Roberto Miquelino de Oliveira Beck e Edigar Rezende de Almeida A triagem auditiva neonatal detecta a maioria das crianças com perda audi- tiva congênita, mas nem todos os recém-nascidos já apresentam sintomas ao nascimento. As perdas de início tardio geralmente aparecem durante a infância, nesse caso, uma triagem auditiva normal pode nos induzir a eventuais falhas no seguimento. Esta é a história clínica de MMS, 2 anos de idade, sexo feminino, atendida no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 2011: prematuridade (25 semanas de gestação); baixo peso ao nascimento: 830 gramas; internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por 120 dias; uso de medicamentos ototóxicos (gentamicina e amicacina); hiperbilirrubinemia (tratada com fototerapia); anemia, hipoglicemia, convulsões; broncodisplasia; retinopatia; sangramento intracraniano; alterações neurológicas. Após a alta da UTI, ela fez triagem auditiva neonatal (com potencial evocado auditivo de tronco encefálico - PEATE) e passou na triagem (Figura 1): Figura 1. Triagem auditiva com potencial evocado auditivo do tronco cerebral (PEATE); diagnóstico após a saída da UTI aos 3 meses de idade. As respostas em ambas as orelhas têm latências e intervalos interpicos compatíveis com a faixa etária. Limiares em 30 dB NA bilat- eralmente

A Triagem Auditiva Neonatal e as Perdas de Início Tardio ...Figuras 4 e 5). Air conduction Air conduction Bone conduction Bone conduction Figura 2. ... Algumas causas de perdas auditivas

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A Triagem Auditiva Neonatal e as Perdas de Início Tardio na Infância

Signe Schuster Grasel, Roberto Miquelino de Oliveira Beck e Edigar Rezende de Almeida

A triagem auditiva neonatal detecta a maioria das crianças com perda audi-tiva congênita, mas nem todos os recém-nascidos já apresentam sintomas ao nascimento. As perdas de início tardio geralmente aparecem durante a infância, nesse caso, uma triagem auditiva normal pode nos induzir a eventuais falhas no seguimento. Esta é a história clínica de MMS, 2 anos de idade, sexo feminino, atendida no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 2011:• prematuridade(25semanasdegestação);• baixopesoaonascimento:830gramas;• internaçãoemUnidadedeTerapiaIntensiva(UTI)por120dias;• usodemedicamentosototóxicos(gentamicinaeamicacina);• hiperbilirrubinemia(tratadacomfototerapia);• anemia,hipoglicemia,convulsões;• broncodisplasia;• retinopatia;• sangramentointracraniano;• alteraçõesneurológicas.ApósaaltadaUTI,elafeztriagemauditivaneonatal(compotencialevocado

auditivodetroncoencefálico-PEATE)epassounatriagem(Figura 1):

Figura 1. Triagem auditiva com potencial evocado auditivo do tronco cerebral (PEATE);diagnósticoapósasaídadaUTIaos3mesesdeidade.Asrespostasemambasasorelhastêmlatênciaseintervalosinterpicoscompatíveiscomafaixaetária.Limiaresem30dBNAbilat-eralmente

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A equipe de triagem auditiva sugeriu uma avaliação comportamental aos8mesesdeidade,masissonãoocorreu.Acriançatinhaváriascomorbidadescomoretinopatia congênita e um atraso de desenvolvimento. Realizava fisioterapia, e seus pais preocupados em recuperar o atraso neuromotor da filha, perderam a avaliaçãoauditivaaos8meses.Aos2anos,amãemostrou-sepreocupadacomaaudiçãodafilha.Nessemomento,foiagendadaaavaliaçãocomportamental,masMMSnãoconseguiucompletaroteste.Aressonânciamagnética(RM)doencé-falo não mostrou nenhuma alteração nas células mastoideas, cóclea, nervos ves-tibulococlearesetroncoencefálico.OsúnicosachadosforamfocospuntiformesinespecíficosnasubstânciabrancaemT2.Aos2anose8mesesMMSrealizouumPEATEquemostrouosgráficosdaFigura 2.

Os pais, preocupados com os resultados do exame, pediram uma avaliação mais minuciosa. O Pediatra os encaminhou para o otorrinolaringologista que pediu mais testes.Aos2anose10mesesMMSfeznovoPEATE(Figura 3),emissõesotoacústicas (EOA)eaavaliação frequênciaespecíficapor tone burst e respostas auditivasforamdeestadoestável(RAEE)emaltasintensidades,emnossainstituição(Dep.deORLdoHosp.ClínicasdaFMUSP).(Figuras 4 e 5).

Air conduction Air conduction

Bone conduction Bone conduction

Figura 2.PEATEclique:orelhaesquerdacomatrasodasondasIIIeV,limiarem80dBNA.Orelha direita: ausência de respostas neurais.

Figura 3.PEATEcliqueaos2anose10meses.Orelhaesquerda:apenasondaV,comlatênciaaumentadaem90dBNA.Orelhadireita:ausênciaderespostasporviaaéreaeviaóssea.

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Nessemomento,aavaliaçãoeletrofisiológicasugeriuapresençadeaudiçãoresidualnasfrequênciasgraves(500e1000Hz)noladoesquerdoenenhumares-postanoladodireito(Figura 6A).AavaliaçãocomportamentalemcampoabertofoirealizadaquandoMMSjátinhaquase3anoseconfirmouoslimiaresobtidosnaavaliaçãoeletrofisiológica(Figuras 6A e 6B).

No responses at 2000 and 4000 Hz500 Hz

1000 Hz

4000 Hz

2000 Hz

No responses at 100 dB HL

Figura 5.Avaliação frequência específica com tone burst e respostas auditivas de estado estável(RAEE).Orelhaesquerda:limiaresem75dBNAem500Hze80dBNAem1000Hz(toneburst).AusênciaderespostasnasintensidadesaltasàsRAEEem100dBNAem2000e4000Hz.Orelhadireita: Ausência de respostas às RAEE nas intensidades altas.

Figura 4.Emissõesotoacústicasporprodutosdedistorção:ausênciaderespostasbilateralmente.

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A 500 Hz 1000 Hz 2000 Hz 4000 HzOrelha esquerda (dB HL) 75 80 i100 i100Orelha direita (dB HL) i100 i100 i100 i100

Figura 6 A. Avaliação da frequência específica por tone burst e RAEE

B 250 Hz 500 Hz 1000 Hz 1500 Hz 2000 Hz 4000 HzdB HL 70 75 85 95 i100 i100

Figura 6 B. Audiometria em campo livre: procurou a fonte sonora sempre à esquerda. Limiares semelhantes aos eletrofisiológicos mostrados na Figura 6A

A paciente foi adaptada com aparelhos de amplificação sonora individual (AASI)einicioufonoterapiaregulareintensiva,comresultadoruim.Aos3anose4meses,elarecebeuimplantecoclearnaorelhadireitaemanteveoaparelhoàesquerda. Desta vez, a fonoterapia foi mais efetiva e MMS desenvolveu lingua-gem oral, ainda assim mais devagar que crianças implantadas mais precocemente.

Comopodemosobservar,umacriançacomfatoresderiscoparasurdezpodepassar na triagem e desenvolver perda auditiva de início tardio. A família estava feliz pelo fato de a criança ter passado na triagem. Mais do que isso, ela havia apresentadolimiaresnormaisaoPEATEdiagnósticoapósaaltadaUTI,eospaisestavam relutantes em aceitar que este resultado poderia não ser permanente. Eles não consideraram que sua filha apresentava fatores de risco para perda auditiva e que a avaliação auditiva e monitoramento eram necessários, como recomendados pela equipe de triagem auditiva neonatal. Quando a criança não tem comorbi-dades, a perda auditiva normalmente é detectada precocemente. Mas, em crianças com múltiplas comorbidades e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, aidentificação correta da perda auditiva tende a ser mais demorada e difícil, como enfatizado pelo Joint Committee on Infant Hearing (JCIH) em2007, atualizadoem2009e20131-3.

Por que a triagem neonatal auditiva UNIVERSAL ?Um a três em cada 1000 recém-nascidos de berçários de normais terá perda auditiva perma-

nente, mas 50% deles não tem fatores de risco.

De acordo com Morton et al., a incidência de perda auditiva ao nascimento éestimadaem1,86/1000nascimentos,noentantoaprevalênciadeperdaaudi-tivasensorioneuralpermanenteaos5anosalcançaa taxade2,7/1000crianças.Algumas causas de perdas auditivas permanentes que são detectadas tardiamente na infância inluem o aqueduto vestibular alargado e perda auditiva tardia porinfecçãoporcitomegalovirus(CMV)4.

Aatualizaçãode2009do JCIH (Eichwald)mostra asdiscrepâncias entre aprevalência de surdez entre neonatos e crianças em idade escolar (Figura 7). Édemonstradoumaumentode26,8vezesnapresençadeperdaauditivaleveentreos dois grupos, possivelmente pela calibração inadequada dos equipamentos detriagem e falha na detecção de perda auditiva leve, quando se realiza o teste com equipamento que é utilizado em todas as crianças 3. Em nossa opinião, o aumento

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de 3,4 vezes das perdas auditivasmoderadas na idade escolar se jus-tifica pela presença de perda auditi-va de instalação tardia e ainda pela otitemédiacomefusão(Figura 8).Sabemos que a otite média comefusão(OME)éfrequentenainfân-cia, sendo a maior causa de perdas leves nesta faixa etária.

OJCIHde20071 recomenda que o potencial evocado auditivo deve ser a única técnica de tria-gemnaUTIneonatal (Figura 9).As crianças que recebem alta da

UTI tem um risco até 10 vezesmaior para perda auditiva permanente quandocomparadasàsdoberçárioderecém-nascidosnormais.AincidênciadeDoençadoEspectrodaNeuropatiaAuditivaétambémaltaentreascominternaçãoemUTIneonatal.Estadoençasópodeserdetectadapelacombinaçãodopotencialevoca-doauditivodotroncocerebral(PEATE)eemissãootoacústica(EOA)quemostratipicamenteausênciaderespostasnoPEATEerespostasnormaisnasEOA.

Como mostrado na Figura 10,oPEATEautomáticoéumaferramentarápi-daeobjetivadetriagem.Ostestesnosfornecemresultadosde“passa”e“falha”. Jáostestesdiagnósticosestimamoslimiaresauditivos(Figura 11).

30 seconds 42 seconds

EichwaldDiscrepância entre a prevalência de perda auditiva em neonatos e em idade escolar

TAXA / 1000 NEONA-TOS

ESCO-LARES AUMENTO

LEVE 21 – 40 dB 0.34 9.1 x 26.8

MODERADA 41 – 70 dB 0.53 1.8 x 3.4

Taxas aproximadas JCIH. 2009

Figura 7. Discrepância entre a prevalência de perda auditiva entre neonatos e na idade escolar.

Figura 10. PEATEautomáticoemprotocolodeUTIneonatal.Acriança“passou”notesteemambasasorelhas.Duraçãodotestede30segundosàdireitae42segundosàesquerda.

Figura 8.TriagememcriançassemfatorderiscoFigura 9.TriagememcriançadeUTI

Emissões otoacústica (EOA)

Não passouReteste com EOA ou BERA/PEATE automático

Não Passou

Avaliação diagnóstica

BERA/PEATE

Reteste: BERA/PEATE automático

Avaliação Diagnóstica

Não passou

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Teste rápido e objetivo• Emissõesotoacústicas• PEATEautomáticoTeste+resultadoaté1mêsResultado: passa ou falha

PEATEcliquediagnóstico +Emissõesotoacústicas +Avaliaçãofrequênciaespecífica Resultado:estimativadelimiares

Figura 11.Triagemauditivaeavaliaçãodiagnóstica

Gostaríamos de enfatizar que a avaliação diagnóstica é necessária não só para criançasquefalharamnatriagem,mastambémparaaquelasquepassarametemfatores de risco para perda auditiva congênita, de inicio tardio ou progressiva (Tabelas 1 e 2 e Figura 12).

Tabela 1. Indicadoresde riscoassociadosaperdaauditivapermanente, congênita,deapare-cimento tardio ou progressive na infância. American Academy of Pediatrics Joint Committee on Infant Hearing Year 2007 Position Statement: Risk Indicators Associated With Permanent, Congenital, Delayed-Onset*, or Progressive Hearing Loss in Childhood and COMUSA.Indicadores de Risco Associados à Perda Auditiva1. Preocupação do responsável* em relação a atrasos na audição, fala, linguagem ou desenvolvimento2. História familiar* de perda auditiva permanente na infância, consanguinidade3. Permanência em UTI Neonatal por mais de cinco dias, ou qualquer um dos seguintes,

independente da duração: oxigenação extracorpórea por membrana*, ventilação assistida,exposição à ototóxicos (gentamicina e tobramicina) ou diuréticos de alça (furosemida), ouhiperbilirrubinemiaquerequerexsanguíneo-transfusão,anoxiaperinatal,peso<1500g,Apgar0-4(1ºmin)ou0-6(5ºmin)

4. Infecçõesintrauterinas,taiscomoCMV*,herpes,rubéola,sífilisoutoxoplasmose,HIV5. Anomaliascraniofaciaisenvolvendoaorelhae/ouossotemporal6. Síndromes associadas com perda auditiva, sensorioneural ou condutiva, progressiva ou de início

tardio*,comoneurofibromatose,osteopetrose,Usher,Waardenburg,Alport,PendredeJervelleLange-Nielsen

7. Doençasneurodegenerativas*(Hunter,ataxiadeFriedreich,Charcot-Marie-Tooth)8. Infecçõesbacterianasouviraispós-natais:meningitebacterianaeviral(herpesvírusevaricela)9. Traumatismocrânio-encefálico/fraturadabasedocrânio/ossotemporal*10. Quimioterapia*11. Otite média recorrente ou persistente por pelo menos três mesesJCIH2007position statement. Pediatrics2007;120:898–921,Comusa,BrazJOtorhinolaryngol2010;76:121-8

Alguns fatores de risco associados a perda de início tardio são frequen-temente negligenciados.

Tabela 2. Fatores de risco para perda auditiva de início tardio• Baixopesoaonascimento• Síndromedodesconfortorespiratórioe,displasiabroncopulmonar• Ventilaçãoassistida>36dias/membranadeoxigenaçãoextra-corpórea(ECMO),

citomegalovirus, sífilis congênita • Síndromescraniofaciais,malformaçõesdaorelhainterna

• Meningite(ououtrainfecçãopós-natalrelacionadacomaperdaauditivasensorioneural)• Alteraçõesneurodegenerativas• Síndromesassociadascomperdaauditiva(e.g.SíndromedeUsher)• Traumatismocraniano• Otitemédiacomefusão>3meses

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Como recomendado pelo JCIH, todas as crianças devem ser submetidas aumaavaliaçãoglobaldedesenvolvimentocomumaferramentavalidadaaos9,18e30mesesdeidade1(Figuras 13 e 14).Aferramentavalidada(por.ex.DenverII,Batelle,Prunape)deveseraplicadaemnívelprimáriodeatendimentoounocon-sultório do Pediatra. A maioria dos testes inclui questionário com os pais, avaliação eobservaçãodiretadacriança.RecentementefoipublicadaporRomoet al.7 uma análisecomparativadostestesglobaisdedesenvolvimentoneuropsicomotor.

BERA Automático

Falha Passa

Acompanhamento do desenvolvimentoe comportamento auditivo apropriado

para idade e das habilidades comunicativascom avaliação auditiva objetiva e

subjetiva antes dos 24 meses

BERA Click ABR com estímulosrarefeitos e condensados

BERA Click por Via Óssea

Respostas Auditivas deEstado Estável

Timpanometria eReflexo estapediano

Normal

Passa Passa Falha

BERA Automático Falha BERA

Alterado

Figura 14 A(acima).Avaliaçãoauditivaoquantoantes.Figura 14B(abaixo).Intervençãopodecomeçar antes dos 6 meses de idade.

Figura 12.Abordagemrecomendadaparaavaliaçãoauditivaparacriançascomfatoresderisco6.

Figura 13.Teste de desenvolvimento global padronizado com ferramenta validada aos 9, 18 e30meses (p. ex.Battelle,Denver II,PRUNAPE).Ascrianças com fatoresde riscoparaperdaauditiva:pelomenosumtestediagnósticoatéos30meses8. Aquelas com fatores de risco para perdatardiaouprogressivadevemteravaliaçõesmaisfrequentes(porex.CMV,malformaçõesdeorelhainterna).

3 meses

Avaliação diagnóstica(em sono natural)

6 meses

Reabilitação auditiva e exames

evolutivos

¸

¸

Nascimento

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280 ! XIII Manual de OtOrrInOlarIngOlOgIa PedIátrIca da IaPO

Como estamos em 2014?IremosdarcomoexemploocasodeEGJ,meninode3mesesdeidade,avaliadoemnossainstituição(DepartamentodeOtorrinolaringologiadoHospitaldasClínicasdaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeSãoPaulo)emMarçode2014.

• Partonormalatermo,pesoaonascimentode3520g• Diabetesgestacional• Semfatoresderiscoparaperdaauditiva• Triagemauditiva:Falhanotesteereteste(emissõesotoacústicas)• PEATEclique(02/08/2014):ausênciaderespostasàesquerda• PEATEclique(02/10/2014):ausênciaderespostasàesquerdaepossívellimiarem50dBNAà

direita

Como os testes não forneceram limiares confiáveis, o otorrinolaringologista solicitou novos exames, realizados em nossa clínica em 12 de março de 2014. A otomicroscopiamostroumembranas timpânicas normais. À esquerda, observamosausênciaderespostasem90dBNAaoscliquesrarefeitosecondensados.Olimiardaorelhadireitafoiobtidoem55dBNA(Figura 15).Alatênciaestavanolimitesuperiordanormalidadeparaumacriançade3meses;então,foirealizadaaavaliaçãoporviaósseacomrespostasem55dBNAnoladodireitoeausênciaderespostasàesquerda (Figura 16). Como podemos ver na curva latência/intensidade, todas aslatências e intervalos interpicos estão normais.

Figura 16.PEATEporviaóssea.Ausênciaderespostasàesquerdaelimiarem55dBNAàdireita.

Figura 15.PEATEclique.Orelhaesquerda:ausênciaderespostasneuraisem90dBNA.Orelhadireita:OndasI,IIIeVeintervalosinterpicosdentrodanormalidadeparaafaixaetária,limiarem55dBNA.

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AsrespostasaoPEATEàdireita,obtidasporviaaéreaeviaóssea,sugeremperdaauditivacoclear,semalteraçõescondutivasoudisfunçãoneural.Aausênciade respostas à esquerda não predizem com precisão o grau de perda auditiva, uma vez que pode haver audição residual em frequências graves.

Os limiares frequência específicos foram obtidos no lado direito usandorespostasauditivasdeestadoestável(RAEE)(Figura 17)9, para facilitar a adap-tação de prótese auditiva 10.Àesquerda,nenhumarespostasfrequênciaespecíficafoiobservadaem80dBNA.OpacienteEGJrecebeuaparelhosdeamplificaçãosonoraindividual(AASI)einicioureabilitaçãoauditivaaos3mesesdeidade.Ospaisforamorientadossobreaimportânciadomonitoramentoauditivo.Enfatizamosque métodos eletrofisiológicos e técnicas comportamentais seriam necessários para avaliar se a perda auditiva permaneceria com as mesmas características e para estabelecersehaviaaudiçãoresidualemalgumafrequêncianoladoesquerdo.Asavaliaçõesregularespermitemaadequaçãodapróteseparaoslimiaresdacriança.

A avaliação comportamental é obrigatória e imprescindível na avaliaçãoauditiva. A etiologia da perda auditiva deve ser investigada incluindo-se avalia-ção genética que pode ser realizada precocemente. Os exames de imagem como tomografiacomputadorizada(TC)eressonânciamagnética(RM)sãorealizadosquando a criança for um pouco maior e são muito importantes antes de se indicar o implante coclear.

Figure 17. Respostas Auditivas de Estado Estável. Orelha direita com limiares eletrofisiológi-cosem70,60,50e50em500,1000,2000e4000Hz,respectivamente.Oslimiaresauditivoscostumamsermelhoresepodemserestimadosusandofatoresdecorreção(círculosvermelhos).Orelhaesquerda:ausênciaderespostasem80dBNAemtodasasfrequências.

Que exames devo solicitar para uma criança?PEATE clique + frequência específica + emissões otoacústicas

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Como a otite média com efusão (OME) é muito frequente na infância, aotomicroscopia deve ser realizada antes da avaliaçãoauditiva(Figura 18).Osachadosda otomicroscopia podem sugerir alteração condutivaeajudaraestabelecerasmelhoresestratégias para os testes. Quando não houver disponibilidade de otomicroscopiana sala de exames, a otoscopia convencional

realizadaporummédicoexperienteassociadaàtimpanometriasãoumaboaestratégia.As Figuras 19 e 20mostramoPEATEdeumacriançacom21mesesde

idadecomOMEnaorelhadireita.Nestecaso,aavaliaçãoatravésdePEATEporviaósseaédegrandevalia(Figura 20).

Figura 18. Otite média é comum na criança

Right ear conductive hearing loss

Figura 19.Criançadosexomasculino,com21mesesdeidade.PEATEcliqueporviaaéreamostracomponentecondutivoàdireita:Limiarelevadoporviaaérea(45dBNA)eaumentodaslatênciasdasondasI,IIIeV,comintervalosinterpicosnormais.Àesquerda,examenormal.

Otitis media is common in children

Figura 20.PEATEporviaóssea:limiarem20dBNAbilateralmente.

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Lembre-sequeaOMEestánormalmenteassociadaàperdaauditivaconduti-va temporária. Os limiares voltam ao normal após o tratamento clínico adequado.Maturação das vias auditivas

A maturação das vias auditivas até o tronco encefálico está completa entre 18e24mesesdeidade;então,aos2anosdeidadeaslatênciaseintervalosinter-picos atingem os mesmos valores do adulto. A Figura 21mostraPEATEdeumacriançacom9mesesdeidade.Comopodemossaberqueaslatênciaseintervalosinterpicos são normais para a faixa etária? A curva latência intensidade fornece valores de normalidade para cada faixa etária. Se as latências e intervalos interpi-cos estiverem nas áreas com fundo cinza, podemos deduzir que a maturação dos potenciaisevocadosestaadequadaparaaidade(Tabela 3).

Tabela 3.OqueesperardoPEATEcomclique.PEATE com cliqueAvaliação dos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico com estimulação

separada de cada orelha• Limiareseletrofisiológicos(nãofrequênciaespecífica)• Integridadeneural• Maturaçãodasviasauditivas

A avaliação frequência específica é tão necessária ?Sabemosqueolimiaraocliqueem20dBNAnãopredizcorretamenteoslimi-

aresauditivosnasdiferentesfrequências.Diferentesconfiguraçõesaudiométricas,com vários graus de perda auditiva são possíveis. Por isso, é importante acrescentar aavaliaçãodafrequênciaespecíficaaotradicionalPEATEclique(Figura 22).

Figura 21A.PEATEcliquecomidadede9meses.21B.Latência/curvadaintensidade.

Figura 22. PEATEcliquenormalpodesercompatívelcomdiferentescurvasaudiométricas.

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284 ! XIII Manual de OtOrrInOlarIngOlOgIa PedIátrIca da IaPO

Respostas Auditivas de Estado Estável (RAEE)NaFigura 23 podemos observar limiares em 20 dBNA nas frequências

centraisentre500e4000Hznasduasorelhas,sugerindoníveisdeaudiçãonor-mais.Estes limiares frequência-específicos foramobtidos atravésda técnicadeRespostasAuditivasdeEstadoEstável(RAEE)9.

Omédicotambémpodelançarmãodasemissõesotoacústicascomocomple-mento (Figura 24) quando as respostas auditivas do estado estável (RAEE) ouPEATE por tone burst não estiverem disponíveis.Neste caso, deve-se utilizar oprotocolo diagnóstico e não o de triagem neonatal. Devemos ter em mente que emissõesotoacústicasnormaisnãoestimamolimiarauditivo,masforneceminfor-mações importantessobreo funcionamentodaorelha interna (funçãodascélulasciliadasexternas)econdiçõesdaorelhamédia.QuandoasrespostasdoPEATEedas EOA estão normais, pode-se deduzir que o funcionamento do sistema auditivo até o tronco encefálico funciona normalmente, e que uma perda auditiva periférica seria pouco provável.

Figura 23. Avaliação frequência específica com Respostas Auditivas de Estado Estável (RAEE)acrescentainformaçõesimportantesaoPEATEclique.

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285!XIII Manual de OtOrrInOlarIngOlOgIa PedIátrIca da IaPO

Acompanhamento auditivoUmacriançadosexofeminino,DGMcom3anosdeidade,foiencaminhadaao

otorrinolaringologista para adenotonsilectomia. A história médica pregressa mostra-vaqueDGMhaviafalhadonatriagemauditivaneonatalemambasasorelhas,tantonotestequantonoreteste.NenhumaoutraavaliaçãofoirealizadaposteriormenteeDGM adquiriu linguagem apropriada para a faixa etária, de acordo com seus pais. Ospaisnãotinhamnenhumadúvidacomrelaçãoàaudiçãodacriançaesuashabi-lidades de linguagem, portanto nenhuma avaliação auditiva foi realizada. Mesmo assim, o otorrinolaringologista recomendou avaliação auditiva pré-operatória.

OPEATEporcliquemostrouperdaauditivasensorioneural(possivelmentecoclear) com limiares em 70 dB NA bilateralmente; não foram observadasalterações neurais ou condutivas (Figura 25). As respostas auditivas de estado estávelestabeleceramlimiarfrequênciaespecífica(Figura 25),confirmadospos-teriormentepelaaudiometriatonal(Figura 26).Foiadaptadaapróteseauditiva(AASI–aparelhodeamplificaçãosonoraindividual)bilateralmenteeDGMini-cioufonoterapia.OOtorrinolaringologistatambémsolicitouavaliaçãogenéticaeexames de imagem para diagnóstico etiológico da perda auditiva sensorioneural.

Nessecaso,gostaríamosde ressaltara importânciado seguimentoauditivo.Nãoésuficientepautar-sesomentenorelatodospaisàrespeitodashabilidadesdelinguagemeaudição,umavezqueasexpectativassãomuitovariáveisepoucoobje-tivas. A mãe de DGM estava satisfeita com a produção vocal de sua filha, apesar de limitada.Elaconsideravanormalqueumacriançade3anosdeidadesóproduzissesentenças com duas ou três palavras.

Figura 24.Emissõesotoacústicasprodutosdedistorção(acima)e transientescomprotocolodiagnóstico:respostasnormaisbilateralmente.

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286 ! XIIIMANUALDEOTORRINOLARINGOLOGIAPEDIÁTRICADAIAPO

Obviamente, é muito mais fácil de detectar uma perda profunda, noentanto, as perdas leves ou moderadas podem permanecer imperceptíveis por um longo período.

ComoestáaaderênciaaoacompanhamentoauditivonoBrasil11? Estudos recentes demonstraram que mesmo serviços bem estruturados que oferecemprogramasdeconservaçãoauditivatembaixosíndicesdeseguimento12-13.Issoocorre mesmo quando o programa é gratuito, na comunidade perto da residência ou mesmo quando oferecido no final de semana. De acordo com os autores 13 uma das principais causas da baixa adesão familiar aos programas é queos pais não compreendem a importância do acompanhamento auditivo para o desenvolvimento saudável de seu filho.

Figura 25.PEATEclique.Latênciaseintervalosinterpicosnormais.Limiarem70dBNAbilater-almente.Abaixo,limiaresfrequênciaespecíficosobtidoscomRAEE.Círculosabertose“X”trace-jadoscorrespondemaoslimiareseletrofisiológicoseosfechados(negrito)aoslimiarescomfatordecorreção(limiartonalestimado).

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287!XIII Manual de OtOrrInOlarIngOlOgIa PedIátrIca da IaPO

ConclusãoTodasascriançasdevemtermonitoramentoregulardesuashabilidadesaudi-

tivasduranteainfância.ComosugeridopeloJCIHem20071, crianças sem fatores de risco para perda auditiva congênita ou adquirida que passaram na triagem auditivaneonataldevemsersubmetidasaumaavaliaçãoobjetivadedesenvolvi-mentoglobalcomferramentavalidadaaos9,18e30mesesdeidade.Seacriançanão atingir os marcos do desenvolvimento, o Pediatra ou Otorrinolaringologista devemsolicitarotesteauditivoobjetivoecomportamental,deacordocomafaixaetáriaecapacidadedecooperação(Tabelas 4 e 5).

Lembramosqueos irmãosdecriançascomperdaauditivadevemterpelomenosumaavaliaçãodiagnósticaatéosdoisanosdeidade(24e30meses).

Uma vez detectada a perda auditiva, a intervenção precoce e o seguimento auditivo e otorrinolaringológico devem ser garantidos.

Tabela 4. Como realizar a investigação auditiva?História Familiar e Pessoal

Testes Objetivos Testes Comortamentais

Emissão otoacústica Audiometria de observação comporta-mental (AOC): 0 a 8 meses

PEATE cliquePEATE frequência específicaEletrococleografia

Audiometria comportamental com reforço visual: 8 a 24 meses

Audiometria condicionada (> 2 anos)

Testes de habilidade de comunicação adequados para a idade

Imitânciometria

Figura 26. Audiometria e impedanciometria realizadas 4 meses depois

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Tabela 5.Monitoramento auditivoAvaliaçãododesenvolvimentoglobalparaidadecom9,18,24e30

mesesdeidade(ex.PRUNAPE,Battelle) (E.g. Battelle, Denver II, PRUNAPE)

Pedir avaliação diagnóstica se criança não atingir os marcos esperados para idade

TestesobjetivosecomportamentaisExames sequenciais podem ser necessários IntervençãoprecocenaperdaauditivaCriançascomfatoresderiscobemcomoIRMÃOS de crianças com

perda auditiva diagnosticada: pelo menos uma avaliação diagnóstica entre 24e30mesesdeidadeouantes.

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