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Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
251
FRANCISCO BELTRÃO – PARANÁ
A REPERCUSSÃO GERAL E OS EFEITOS NO SISTEMA
BRASILEIRO DE CONTROLE DA
CONSTITUCIONALIDADE: O PAPEL DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL1
THE IMPACT AND EFFECTS ON THE BRAZILIAN SYSTEM OF CONTROL OF CONSTITUTIONALITY: THE ROLE OF THE FEDERAL SUPREME COURT
Edimara Sachet Risso2
Chaiane Maria Bublitz3 Jaclyn Michele Damaceno
Jaqueline Pedrozo Bitencourtt Josiane Soares Sai
Mariana Rosa Ribeiro Tamara Paola Leite
Resumo
A pesquisa desenvolvida no presente trabalho tem por objeto os contornos teóricos que envolvem a repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, criado pela Emenda Constitucional nº. 04/2005, que acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição Federal. Visou-se, especialmente, à investigação de sua eficácia no sentido de garantir a valorização do trabalho e dos julgados do Supremo Tribunal Federal, contribuindo para o desempenho da Corte Constitucional. Perquiriu-se, ainda, se tal requisito é instituto inconstitucional, na medida em que fere os direitos fundamentais de acesso à
1 Trabalho resultante da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos da Academia Brasileira de
Direito Constitucional no ano de 2009, na cidade de Francisco Beltrão/PR. 2 Mestra em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru/SP, especialista em
Direito Constitucional pelo INPG/Universidade Católica Dom Bosco/MS, graduada em Direito pela
Universidade de Passo Fundo/RS. Professora de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito
de Francisco Beltrão/PR, mantida pelo CESUL – Centro Sulamericano de Ensino Superior, e de
Direito Constitucional na UNIPAR – Universidade Paranaense. Advogada em Francisco Beltrão/PR. E-MAIL: <[email protected]/[email protected]>.
3 Acadêmicas do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Francisco Beltrão, mantida pelo
CESUL – Centro Sulamericano de Ensino Superior. Contatos: [email protected];
[email protected]; [email protected]; [email protected]; marianarosa
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justiça e do devido processo legal. Para isso, partiu-se, pelo método dedutivo, da discussão sobre o papel do STF e sobre a crise institucional que levou à criação do requisito, até a análise da constitucionalidade do instituto, passando pela breve abordagem do sistema brasileiro de controle da constitucionalidade, no qual se insere o recurso extraordinário, seus requisitos e, dentre eles, o da repercussão geral. A relevância do tema reside no fato de que houve significativa modificação no sistema de controle difuso da constitucionalidade, ao se limitar o encaminhamento de Recursos Extraordinários, reconhecendo ao STF seu papel na jurisdição constitucional. O estudo firma-se na pesquisa bibliográfica, mais especificamente em instrumentos doutrinários, jurídico-normativos e jurisprudenciais, inclusive com registro de direito comparado.
Palavras-chave: Repercussão Geral; Recurso Extraordinário; Supremo Tribunal Federal; Constitucionalidade.
Abstract
The objective of the research developed in this paper is the theoretical outline that involves the general repercussion as a condition of admissibility of the extraordinary appeal, created by Constitutional Amendment 04/2005, which added the paragraph 3 to Article 102 of the Constitution. It is aimed especially to investigate its effectiveness in ensuring the value of work and the Brazilian Federal Supreme Court judgement, contributing to the performance of the Constitutional Court. It was also questioned if such requirement is an unconstitucional institute, as it violates the fundamental rights of access to justice and due process. To this end, we decided to move into the discussion of the role of STF and about the institutional crisis that led to the creation of the requirement to review the constitutionality of the institute, through a brief overview of the Brazilian control of constitutionality system, which incorporates the extraordinary appeal and its requirements and among them, the general repercussion. The relevance of this issue lies in the fact that there was a significant material change in the diffuse control of constitutionality, by limiting the routing of extraordinary appeals, recognizing the Supreme Court’s constitutional jurisdiction role. The study is based upon literature, more specifically in doctrinal instruments, legal and regulatory and case law, including registration of comparative law.
Keywords: General repercussion; extraordinary appeal; the Brazilian Supreme Court; Constitutionality.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Supremo Tribunal Federal; 2.1 A Constituição Federal Como
Referencial; 2.2 O STF Como “Guardião” da Constituição; 3. O Sistema de Controle
da Constitucionalidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro; 3.2. Sistemas
Jurisdicionais de Fiscalização da Constitucionalidade; 3.2.1 O Controle Concentrado;
3.2.2 O Controle Difuso; 4. A Repercussão Geral como Requisito de Admissibilidade
do Recurso Extraordinário; 4.1 A Arguição de Relevância domo Precedente Histórico;
4.2 A Terminologia; 4.2.1 A Repercussão Geral como Conceito Jurídico
Indeterminado; 4.3 Direito Comparado: A Experiência Estrangeira; 4.3.1 O Writ Of
Certiorari nos Estados Unidos; 4.3.2 A Transcendência da Matéria na Argentina;
4.3.3 A Significação Fundamental na Alemanha; 4.3.4 A Importância Pública na
Austrália; 4.3.5 A Relevante Questão de Direito no Japão; 5. A Repercussão Geral à
Luz dos Direitos Fundamentais: inconstitucionalidade?; 5.1 Direitos Fundamentais
como Direitos Absolutos; 5.2 A Repercussão Geral e o Direito de Acesso à Justiça;
5.3 A Repercussão Geral e o Direito ao Devido Processo Legal; 6. Considerações
Finais; 7. Referências.
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1 INTRODUÇÃO
Em 2004, o sistema brasileiro de controle difuso da constitucionalidade de
atos normativos sofreu relevante alteração com a introdução do instituto da
repercussão geral das questões constitucionais como requisito de admissibilidade do
Recurso Extraordinário.
A repercussão geral é instituto inspirado em similares existentes em outros
sistemas constitucionais, como o writ of certiorari, da Suprema Corte Norte-
Americana, ou o requisito de transcendência da Suprema Corte Argentina.
Há carência de estudos pátrios, especialmente no sentido de que, como
alegam aqueles que se posicionam contra o instituto, trata-se de ressuscitar a já
extinta arguição de relevância e, portanto, haveria uma inconstitucionalidade no
requisito.
Dentre aqueles que condenam a adoção do novo requisito, Roberto Busato,
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil à época da aprovação do projeto de
lei que regulamentava o instituto, afirmou que a repercussão geral é instituto
antidemocrático e contraria o princípio constitucional de livre acesso do povo à
justiça.
Além disso, o requisito é daqueles conceitos jurídicos indeterminados, uma
vez que não se pode, prima facie, definir e limitar matérias que sejam de
repercussão geral.
Ainda, levantam-se polêmicas as teses de inconstitucionalidade da exigência
da repercussão geral e de sua adoção como forma de diminuir o número de
processos no Supremo Tribunal Federal. Os números publicados pelo próprio STF
são animadores. Resta saber se, a par dessa diminuição e em atendimento ao seu
propósito inicial, a repercussão geral irá proporcionar maior tranquilidade à Corte,
para que se dedique, detidamente, à análise das questões de relevância social e
que transcendem aqueles que, em razão do novo requisito, jamais chegarão à sua
apreciação.
Assim, a pesquisa desenvolvida no presente trabalho visou à investigação
dos aspectos teóricos que envolvem esse novo requisito de admissibilidade do
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Recurso Extraordinário, especialmente a sua eficácia no sentido de garantir a
valorização do trabalho e dos julgados do mais importante Tribunal brasileiro.
Nesse sentido, formulou-se a seguinte proposição: a repercussão geral,
como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, contribui para o
desempenho do Supremo Tribunal Federal como corte constitucional ou é instituto
inconstitucional, na medida em que fere direitos fundamentais?
O tema é relevante tendo em vista que, se por um lado entende-se pela
inconstitucionalidade da Repercussão Geral – ao argumento de que viola os direitos
fundamentais do livre acesso à justiça e do devido processo legal, e tendo em vista
que toda questão de cunho constitucional é relevante e, portanto, como tal deve ser
analisada, por outro lado, o instituto, modificando significativamente o sistema de
controle difuso da constitucionalidade, limita o encaminhamento de Recursos
Extraordinários “irrelevantes”, reconhecendo ao STF o merecido papel de corte
constitucional.
O estudo é respaldado em instrumentos doutrinários, jurídico-normativos e
jurisprudenciais, utilizando o método dedutivo. Em razão disso, está dividido em
cinco partes: da discussão sobre o papel do STF e a crise institucional que levou à
criação do requisito, até a análise da constitucionalidade do instituto, passando pela
breve abordagem do sistema brasileiro de controle da constitucionalidade, no qual
se insere o recurso extraordinário, seus requisitos e, dentre eles, o da repercussão
geral, mais detidamente analisado, inclusive sob o ponto de vista histórico e do
direito comparado.
2 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO REFERENCIAL
A jurisdição está em crise. Em outros momentos históricos, discutia-se a
crise pela busca de garantias de direitos. Essa fase foi superada com a positivação
dos direitos do homem nos documentos constitucionais. Assim, hodiernamente, e
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com a imensidão de leis infraconstitucionais e com a prolixidade constitucional4, o
obstáculo instaura-se na segurança jurisdicional, em especial, a constitucional.
Afora isso, o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a
base das constituições democráticas (BOBBIO, 2004, p. 203).
Analisando-se a evolução das Constituições brasileiras, a constatação mais
relevante a ser apontada é que as Cartas Fundamentais deveriam, de maneira geral,
reger-se pela vontade do povo, mas, a voz da sociedade foi ouvida apenas em
alguns momentos raros, e a segurança fundamental dos cidadãos fora
rotineiramente usurpada.
Com efeito, constata-se, agora, uma nova face da Constituição. O texto de
1988, já em suas primeiras matérias, demonstra vasta amplitude de direitos e
garantias fundamentais. Na realidade, a Constituição Brasileira de 1988 deu início à
consagração dos princípios fundamentais e conduziu o Brasil ao cenário
internacional.
Para tanto, a Constituição de 1988 traz a ideia de rompimento da soberania
estatal absoluta, ao mesmo passo que contribui para o exercício da cidadania no
Brasil. Ou seja, “O desmonte de um Estado autoritário e a construção de um Estado
de Direito que respeitasse o cidadão foi o seu grande desafio” (MALISKA, 2006, p.
183). Com isso, surgem novos valores incorporados pelo texto da Constituição de
1988, sendo necessária uma nova forma de interpretação dos antigos conceitos.
Logo, uma nova era de constitucionalismo e de Direito foi semeada,
igualmente, com uma nova concepção de Estado.
A Constituição Federal não se contentou em consagrar, no papel, os fatores
reais de poder, não se limitou ao aspecto sociológico defendido sarcasticamente por
Ferdinand Lassalle (1985), mas quis, de maneira inequívoca, atingir e modificar a
realidade sócio-política brasileira, com a finalidade de realizar a plena cidadania, a
ponto de ser designada “Constituição-cidadã” por Ulysses Guimarães, quando da
4 A respeito, Miranda (2008, p. 163) assevera: “A Constituição de 1988 – apesar de escrita em
português jurídico claro e preciso – está longe de ser perfeita. É demasiado extensa e minuciosa
em muitos aspectos e tem uma sistematização pouco feliz, sobretudo no domínio dos direitos
fundamentais, por se aglomerarem num único artigo (5º) todas as liberdades e garantias(...)”.
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sua promulgação, e “a Constituição da esperança” por Jorge Miranda (2008, p. 164),
no sentido de que se deseja a sua efetividade.
A Constituição Federal põe-se como referência obrigatória de todo o sistema
jurídico brasileiro, como suporte de validade de todas as normas jurídicas
positivadas e sendo a matriz de toda e qualquer manifestação normativa estatal.
A Constituição representa um momento de redefinição das relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de determinada formação social. Ela não apenas regula o exercício do poder, transformando a potestas em auctoritas, mas também impõe diretrizes específicas para o Estado, apontando o vetor (sentido) de sua ação, bem como de sua interação com a sociedade. A Constituição opera força normativa, vinculando, sempre, positiva ou negativamente, os Poderes Públicos (CLÈVE, 2000, p. 22)
Em suma, a Constituição autoproclama-se como Lei Fundamental e, dessa
maneira, garante a todos os cidadãos brasileiros o direito à invocação da normativa
constitucional em todo o exercício jurisdicional.
2.2 O STF COMO “GUARDIÃO” DA CONSTITUIÇÃO
Ademais, os Constituintes não pormenorizaram apenas as funções e a
importância da Lei Fundamental, mas atribuíram à cúpula do Poder Judiciário, ou
seja, ao Supremo Tribunal Federal, como tribunal característico do sistema federal, o
papel de guardião de todo um sistema constitucional (art. 102, caput, CF/88).
A efetividade das normas constitucionais pressupõe: (i) uma Constituição formal; (ii) a compreensão da Constituição como lei fundamental e (iii) a existência de um órgão competente, criado pelas regras secundárias de julgamento, a fim de salvaguardar o texto constitucional das eventuais violações por parte daqueles que se não enxergam dentro do ordenamento constitucional (MARRAFON, 2008, p. 119).
Diz-se guardião do sistema constitucional pois se destaca a Constituição e
seu espírito interno. “A terminologia sistema constitucional não é, assim, gratuita,
pois induz a globalidade de forças e formas políticas a que uma Constituição
necessariamente se acha presa” (BONAVIDES, 2008, p. 95).
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Pensando a partir do contexto brasileiro e considerando o momento de intensa movimentação na doutrina pátria pela luta da efetividade do texto constitucional, se compreende a Constituição de 1988 como sendo dotada de força normativa e, portanto, vinculante para todos os poderes do Estado e para a sociedade civil, até porque, como bem assinala Jacinto Nelson Miranda Coutinho, o avanço democrático reclama um sotaque constitucional irrenunciável (MARRAFON, 2008, p. 118)
Ademais, o encargo atribuído ao STF, de fazer valer o texto constitucional,
remete-o, principalmente, à noção de uma corte quase que de exclusividade política,
pois qualquer deliberação ou eventual lide política, que diga respeito à jurisdição
constitucional, cabe ao Supremo5.
Isso porque as características das normas constitucionais “dizem respeito à
superioridade hierárquica, à natureza da linguagem, ao conteúdo específico e ao
caráter político”, esse, em razão de que referidas normas “são políticas quanto à sua
origem, quanto ao seu objeto e quanto aos resultados de sua aplicação” (MALISKA,
2007, p. 59).
Com relação à função de jurisdição política atribuída ao STF, via de regra,
“as questões políticas, expressas em atos legislativos e de governo, fogem à alçada
judicial, não sendo objeto de exame de constitucionalidade, salvo se interferirem
com a existência constitucional de direitos individuais” (BONAVIDES, 2008, p. 324).
Rui Barbosa, porém, muito bem resume a necessidade de controle
jurisdicional dos atos advindos dos demais Poderes:
Atos políticos do Congresso, ou do Executivo, na acepção em que esse qualificativo traduz exceção à competência da Justiça consideram-se aqueles a respeito dos quais a lei confiou a matéria à discrição prudencial do poder, e o exercício dela não lesa direitos constitucionais do indivíduo. Em prejuízo destes o direito constitucional não permite arbítrio nenhum dos
5 Maia (2008, p. 376) adverte para o perigo da interpretação de tal papel político, uma vez que
determinadas decisões do STF demonstram suas pretensões de atuar como uma espécie de
“superego da sociedade”. E o faz contextualizando a diferença entre o direito e a política,
reservando a esta o papel de programação teleológica, enquanto que ao direito cabe um programa
na forma de condição (p. 385). Já Nery Junior (2009, p. 44) critica “o perfil constitucional de nosso
Tribunal Federal Constitucional não se nos afigura o melhor, porquanto não nos parece que um
órgão do Poder Judiciário possa apreciar, em último e definitivo grau, as questões constitucionais
que lhe são submetidas de forma abstrata (...), cujos membros são nomeados pelo Presidente da
República sem critério de proporcionalidade ou representatividade dos demais poderes.” E
complementa sugerindo que o STF deveria ser formado por juízes indicados pelos três Poderes,
com mandato por prazo determinado, como ocorre, por exemplo, na Alemanha.
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poderes. Se o ato é daqueles, que a Constituição deixou à discrição da autoridade, ou se, ainda que o seja, contravém às garantias individuais o caráter político da função não esbulha do recurso reparador as pessoas agravadas. Necessário é, em terceiro lugar, que o fato, contra que se reclama, caiba inteiramente na função, sob cuja autoridade se acoberta; porque esta pode ser apenas um sofisma, para dissimular o uso de poderes diferentes e proibidos.
(...) Numa palavra: A violação das garantias individuais, perpetradas à sombra de funções políticas, não é imune à ação dos tribunais. A estes, compete sempre verificar se a atribuição política, invocada pelo excepcionante, abrange em seus limites a faculdade exercida (Apud BONAVIDES, 2008, p. 324).
Ou seja, o título honroso de guardião encarrega o STF de zelar pelo texto
constitucional propriamente dito e ainda lhe atribui inúmeras outras competências de
caráter interpretativo e declaratório, em função da integralidade das normas
brasileiras, na qual vários ramos do direito dialogam.
Com a promulgação da Constituição de 1988, havia uma enorme esperança
de que, criado o Superior Tribunal de Justiça6, o STF pudesse efetuar, com maior
celeridade, a tarefa de julgar as ações originárias e os recursos de sua
competência7. Entretanto, não se atingiu tal objetivo. Inclusive, “A Constituição de
1988 ampliou significativamente a competência originária do STF, sobretudo em
relação ao controle abstrato de normas e ao controle da omissão do legislador”
(MENDES, 2007, p. 41), enaltecendo, assim, notoriamente, o papel do Supremo
Tribunal Federal direcionado ao controle concentrado de constitucionalidade8.
E, nesse passo, com todas essas atribuições (art. 102 da CF), é que se pode
afirmar que a corte máxima jurisdicional, no Brasil, está em crise. Afinal, os direitos
constitucionais foram garantidos e estão muito bem elencados na Carta
Fundamental. Entretanto, a tutela e a efetividade dessas prerrogativas tornaram-se
um dilema para o Poder Judiciário, que, mesmo com sua independência e
6 Algumas das competências anteriores do STF foram transferidas ao STJ, numa das inúmeras
tentativas de desafogá-lo da imensa carga de trabalho. 7 O Supremo Tribunal Federal não é uma Corte Constitucional pura, apesar de apreciar, mediante
recurso extraordinário, questões relacionadas à Constituição. Possui ele, também, competência
originária e para julgar recursos ordinários muito extensa, como se observa dos incisos I e II, do
art. 102 CF/88. 8 Para Bonavides apud Lima (2009, p. 124), o STF não tem condições práticas de analisar as
grandes questões constitucionais que lhe são submetidas diuturnamente, em razão do excesso de
competência que a CF/1988 lhe conferiu.
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autonomia financeira, não consegue desengarrafar a imensa quantidade de
processos aguardando julgamento que a banalização (leia-se sem um sentido
pejorativo) do acesso à justiça criou9.
Isso acaba por fazer com que
(...) as cúpulas tenham que se valer de equipes, às quais se delegam funções, tanto jurisdicionais (secretários e auxiliares que ‘redigem’ as sentenças), quanto administrativas (exercício do poder verticalizador). Por fim, cai-se em uma ficção, pois a cúpula não detém o poder, senão que na cúpula se encontra um conjunto de empregados e funcionários sem jurisdição, que são os que exercem o verdadeiro poder e que têm realmente mais arbítrio que os próprios juízes, que materialmente lhe estão subordinados (ZAFFARONI apud KOZIKOSKI, 2006, p. 679).
Não se tem cumprido, de igual forma, a celeridade processual que prevê o
inciso LXXVIII no art. 5º, o qual dispõe, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação” acrescentado, inclusive, pela mesma EC
n. 45/2004.
O STF é o legítimo titular da jurisdição constitucional, responsável pela
guarda da Constituição Federal. Nesse sentido, é de grande importância na
consolidação do estado brasileiro democrático de direito. É seu o papel de dizer a
última palavra acerca das normas constitucionais. Também lhe cabe o esforço de
garantir que suas decisões e as interpretações que dá às normas constitucionais
sejam legitimadas pela sociedade. E essa legitimação aumenta na medida em que
se reconhece que as decisões são fruto de ponderações consubstanciadas na
justiça e na razoabilidade. Deve-se ter em vista que a maioria das decisões que lhe
são submetidas são interpretações de normas de conteúdo aberto que, justamente
por essa razão, exigem uma profunda e detida reflexão acerca das reais
necessidades que a sociedade apresenta para atingir seu objetivo de garantir o
desenvolvimento e a dignidade da pessoa humana10
.
9 Segundo Lima (2007, p. 125), já o Ministro Celso de Mello, em seu discurso de posse na
presidência do STF (1997-1999) mostrava-se apreensivo com o volume de feitos existentes naquela Corte. Sua preocupação foi confirmada quando apresentou dados de que, até 17.12.1998, seriam julgados 51.086 processos, e anunciava a distribuição de outros 50.263.
10 No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio encontra-se na Constituição Federal, art. 1º, III.
Sobre ele, Nery Junior (2009, p. 76) ensina que “Dignidade humana constitui a norma
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Logo, para que conquiste tal reconhecimento, é necessário que o STF,
dentre inúmeras outras condições11
, tenha uma carga de trabalho compatível com
tarefa de tamanha envergadura e importância social.
3 O SISTEMA DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Certamente, uma das mais relevantes competências do Supremo Tribunal
Federal diz respeito ao Controle de Constitucionalidade, problema para o qual é
especialmente dotado.
Constitucionalidade e Inconstitucionalidade designam conceitos de relação, ou seja, a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não em seu sentido. (MIRANDA apud PALU, 2001, p. 69) (...) A inconstitucionalidade reside no antagonismo e contrariedade do ato normativo inferior (legislativo ou administrativo) com os vetores da Constituição, estabelecidos em suas regras e princípios. A relação de compatibilidade ou incompatibilidade vertical implica uma relação de caráter normativo-valorativo e não simplesmente lógico-formal (PALU, 2001, p. 69)
Sendo a Constituição de 1988 rígida, os meios propostos para a salvaguarda
da constitucionalidade estão intrinsecamente ligados à ideia de um controle de
constitucionalidade mais formal e minucioso que o processo de instituição de leis,
ocorrido no Poder Legislativo. Assim, controlar a constitucionalidade significa
fundamental do Estado, porém é mais do que isso: ela fundamenta também a sociedade
constituída. Ela gera uma força protetiva pluridimensional, de acordo com a situação de
perigo que ameaça os bens jurídicos de estatura constitucional”. Logo, a dignidade
humana é o fundamento axiológico do Direito, o princípio central do ordenamento jurídico,
base para a fundamentação da ordem democrática. 11
Cite-se, como exemplo de outras condições, os recursos humanos, tecnológicos e orçamentários,
citados pelo Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, em seu discurso de encerramento do II
Encontro Nacional do Judiciário, em 16/02/2009. Na ocasião, assim se pronunciou o Ministro: “O
ponto central a ser buscado na gestão estratégica é o equilíbrio no alcance dos objetivos que aqui
definimos. Não há celeridade sem cidadania ou responsabilidade social; pouco adianta acesso à
justiça (porta de entrada) se não houver efetividade no cumprimento da decisão proferida; não se
faz gestão estratégica alinhada e integrada se não há orçamento compatível e proporcional; de
nada valem ferramentas tecnológicas potentes se os magistrados e servidores não estiverem
capacitados para a sua operação. A construção desproporcional dos pilares, assim como a não
construção de algum deles, pode comprometer a estrutura.”
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verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a
Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais (MORAES, 2003, p.
582).
Aferir a constitucionalidade de uma lei depende de uma miscelânea de
fundamentos jurídicos e sociais, em consonância não apenas com o ordenamento
jurídico positivado e fortalecido – o chamado bloco da constitucionalidade –, mas
também com a realidade material e com os anseios surgidos na sociedade.
O controle formal difere do controle material de forma bastante acentuada,
não se questionando a substância da lei, mas sua validade, sua legitimidade.
A inconstitucionalidade formal não resulta de contradição ou contrariedade, no sentido lógico dos termos, entre lei e Constituição. A incompatibilidade normativa, nesta hipótese, decorre da inadequação ou desconformidade do procedimento efetivo de elaboração legislativa (plano do ser) ao conteúdo de norma constitucional prescritiva do processo legislativo (plano do dever ser) (NEVES apud CLÈVE, 2000, p. 36).
O controle material, por sua vez, é de caráter prioritariamente substancial, e
de alçada mais política que jurídica. Ocorre quando a substância de um ato
normativo, isto é, seu conteúdo propriamente dito, é questionado. No que diz
respeito ao vício material, o ato normativo que confrontar matéria da Lei Maior deve
ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material, não interessando a
elaboração da espécie normativa, mas unicamente o conteúdo. Trata-se, aqui, do
papel político do STF, como dito anteriormente.
O Controle de Constitucionalidade brasileiro ocorre primordialmente no
Poder Judiciário, mas os demais poderes também possuem ferramentas que
influenciam na concretização da constitucionalidade.
No Poder Legislativo (MORAES, 2003, p. 584), a verificação ocorre através
das chamadas “Comissões de Constituição e Justiça”. O art. 58 da Constituição
Federal prevê a criação destas comissões, e o art. 32, III, do Regimento Interno do
Senado Federal regulamenta sua atividade. Se houver algum vício que macule o
projeto de lei, a Comissão poderá apresentar emenda corrigindo a falha, embora o
mais recomendável seja a anulação e o arquivamento do mesmo, de acordo com o
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
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art. 101, §1º, do mesmo Regimento. Na Câmara dos Deputados, o procedimento
ocorre de maneira similar.
No Poder Executivo, o controle ocorre quando o Chefe do Executivo veta um
projeto, por entendê-lo inconstitucional. Em ambos os casos, está-se em face do
controle preventivo; isto é, o controle ocorrido antes de uma lei ser aprovada em
todas as fases de sua concretização formal e inserida no ordenamento jurídico. Tal
controle, embora real, exerce uma influência menos significativa que o controle
repressivo, portanto, aquele cuja prerrogativa é exclusiva do Poder Judiciário. Este
último busca excluir do ordenamento a norma incompatível com a Constituição; o
primeiro, impedir que ela se positive, barrando sua passagem pelas etapas do
processo legislativo.
Tradicionalmente e em regra, no direito constitucional pátrio, o Judiciário realiza o controle repressivo de constitucionalidade, ou seja, retira do ordenamento jurídico uma lei ou ato normativo contrários à Constituição. Por sua vez, os poderes Executivo e Legislativo realizam o chamado controle preventivo, evitando que uma espécie normativa inconstitucional passe a ter vigência e eficácia no ordenamento jurídico (MORAES, 2003, p. 581).
Logo, em relação aos órgãos que exercem, efetivamente, o controle de
constitucionalidade – com o poder de revogar uma lei depois de inserida no
ordenamento –, estes estão impreterivelmente vinculados ao Judiciário,
expressando, desta forma, a influência do modelo norte-americano de controle
jurisdicional.
3.2 Sistemas Jurisdicionais de Fiscalização da Constitucionalidade
3.2.1 O controle concentrado
No Brasil, no que concerne ao sistema de fiscalização, pode-se falar no
controle híbrido, assentando num mesmo ordenamento a possibilidade de se
suscitar a inconstitucionalidade pelo modelo difuso e incidental com o concentrado e
principal. No controle concentrado, permite-se inclusive a verificação da
inconstitucionalidade por omissão, sendo esta de caráter negativo. Ou, seja, quando
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
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o legislador não fizer aquilo a que, de forma concreta, estava constitucionalmente
obrigado (CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 222).
No controle jurisdicional concentrado dos atos normativos, a invocação de
inconstitucionalidade ocorre por meio de um único órgão, neste caso, o Supremo
Tribunal Federal12
.
Mas, nem sempre tal controle é feito por órgão do Poder Judiciário. Casos
há em que o controle político, o “controle de constitucionalidade dos actos
normativos (sobretudo leis e diplomas equiparáveis) é feito por órgãos políticos (ex.:
assembleias representativas)” (CANOTILHO, 2002, p. 888-889).
Reconhece-se, no entanto, a existência da tarefa ser acometida à jurisdição
constitucional, ou seja, há a possibilidade de as decisões acerca da
constitucionalidade dos atos políticos ficarem a cargo de Tribunais Constitucionais.
À jurisdição constitucional atribui-se também um papel político-jurídico, conformador da vida constitucional, chegando alguns sectores da doutrina a assinalar-lhe uma função de conformação política em tudo semelhante à desenvolvida pelos órgãos de direcção política. As decisões do Tribunal Constitucional acabam efectivamente por ter força política, não só porque a ele cabe resolver, em última instância, problemas constitucionais de especial sensibilidade política, mas também porque a sua jurisprudência produz, de facto ou de direito, uma influência determinante junto dos outros tribunais e exerce um papel condicionante do comportamento dos órgãos de direcção política. O Tribunal Constitucional (...) não se pode furtar à tarefa de guardião da Constituição, apreciando a constitucionalidade da política normativamente incorporada em actos dos órgãos de soberania. (grifos no original) (CANOTILHO, 2002, p. 674-675).
Atribui-se a Hans Kelsen a criação do sistema de controle concentrado (por
isso mesmo também chamado modelo austríaco), o qual salienta que, se fosse
permitido a qualquer cidadão deferir ou não a constitucionalidade de uma lei,
dificilmente haveria o acato aos comandos jurídicos em sua totalidade; por esse
motivo, é vantajoso ao Estado que um único órgão fosse incumbido desta
competência.
12
WENDPAP e KOTOLELO (2008, p. 415) questionam “se a concentração do poder de controlar a
constitucionalidade é salutar para a democracia. À sensibilidade mais chã, democracia tem
afinidade com difusão do poder. A concentração ocorre, em regra, em autocracias”. E levantam
paradoxo entre a democracia como valor fundante da CF/88 e a concentração do controle de
constitucionalidade.
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
264
Busca-se, com este controle, a derradeira segurança das relações jurídicas,
uma vez que um ordenamento legítimo e fortalecido deve estar em harmonia em
todas as suas bases.
Mais uma vez Rui Barbosa (apud ÁVILA, 2009, p. 21) explica que uma lei
considerada inconstitucional deve possuir efeitos retroativos, anulando todo e
qualquer ato realizado durante sua vigência que seja regulamentado por ela,
produzindo efeitos erga omnes (CF/88, art. 102, § 2º) e ex tunc13
.
3.2.2 O controle difuso
Note-se, todavia, que o STF não é o único órgão jurisdicional competente
para o exercício da jurisdição constitucional. No Brasil, por influência do sistema
norte-americano, o controle de constitucionalidade também é exercido de maneira
difusa, autorizando qualquer tribunal ou juiz a conhecer inconstitucionalidade de uma
norma, como via de exceção, em um caso concreto.
Este tipo de controle não acarreta a anulação da lei, apenas a invalida na
questão. Não é o objeto principal da ação verificar sua constitucionalidade, por isso
mesmo sendo chamado controle incidental ou via de defesa; a declaração de
inconstitucionalidade é sempre incidenter tantum, podendo ou não ser arguida pelas
partes. No Brasil, essa possibilidade existe desde a Constituição Republicana de
1891.
O controle difuso caracteriza-se, prioritariamente, pelo fato de ser realizado
somente no caso da lide em questão. Este controle nasceu na Suprema Corte dos
Estados Unidos, através do caso Malbury versus Madison, ocorrido em 1803. Tendo
o caso chegado até a última instância, o juiz Marshall entendeu a lei questionada
estar em desacordo com a Constituição Americana, julgando-a inválida, não
podendo então ser aplicada naquele litígio, ao afirmar: “the constitucion is superior to
any ordinary act of the legislature” (CANOTILHO, 2002, p. 890).
13
O art. 27 da Lei nº 9.868/99 prevê, no entanto, que a eficácia da decisão que declara a
inconstitucionalidade pode, de acordo com a interpretação que se der ao texto, se dar de um
momento até pro futuro requerida sempre por razões de segurança jurídica e de excepcional
interesse social.
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
265
Foi aberto o primeiro precedente para o controle difuso, então, aquele no
qual qualquer juiz pode determinar algum ato normativo inconstitucional, e invalidá-
lo, com efeito inter partes.
Cabe ressaltar que a declaração de inconstitucionalidade só terá efeito para
aquele caso, não havendo possibilidade de ser aplicado o efeito erga omnes pelo
Supremo Tribunal Federal14
.
Da mesma forma, ao contrário do sistema concentrado, no qual a decisão de
inconstitucionalidade não produz efeitos retroativos, no sistema difuso a
característica é a retroatividade da lei compreendida como uma afronta à
Constituição; aplica-se a decisão atingindo a gênese da relação jurídica.
A grande relevância do controle difuso reside na possibilidade do acesso
mais democrático aos mecanismos de consolidação do ato normativo, a partir da
prerrogativa de qualquer cidadão poder arguir a inconstitucionalidade por meio de
qualquer instância ou tribunal primário, enquanto que no controle concentrado a
iniciativa da ação é dada apenas àqueles legitimados previstos no art. 103 da
Constituição Federal.
Assim, há a possibilidade de, em qualquer lide, as partes, via do recurso
extraordinário, chegarem ao STF para a apreciação de sua alegação de
inconstitucionalidade.
Essa possibilidade configura o momento liberal para as instituições pátrias,
volvidas preponderantemente, desde a Constituição de 1891, para a defesa e
salvaguarda dos direitos individuais (BONAVIDES, 2008, p. 325).
De qualquer sorte, há de se ver que o acesso, por meio do recurso
extraordinário, ao STF, no controle difuso, precisa preencher uma série de
pressupostos e requisitos, previstos na legislação processual e na jurisprudência e,
agora, também, na própria Constituição Federal, que prevê a necessidade de
demonstração da repercussão geral.
14
A CF/88 criou mecanismos para ampliar a eficácia da decisão de inconstitucionalidade
reconhecida dentro do controle difuso. A única possibilidade nesse sentido ocorre quando o
Senado Federal, conforme previsto no art. 52, X, o faz por resolução, suspendendo a execução
parcial ou total da lei.
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
266
O que houve, em verdade, foi um verdadeiro fortalecimento da via difusa:
“com a implantação do instituto da repercussão geral das questões constitucionais,
reforça-se a ideia de que o recurso extraordinário não tem por objetivo precípuo a
tutela imediata do interesse do recorrente” (KOZIKOSKI, 2006, p. 684).
Entende-se, com isso, que o objetivo é aproximar a tarefa do STF no
controle difuso àquela já exercida no controle concentrado.
4 A REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O recurso extraordinário é uma forma excepcional de recurso15
, que tem por
finalidade manter a autoridade e a unidade da Constituição Federal. Trata-se de
mecanismo processual pelo qual se busca a análise, pelo STF, de questões
constitucionais no caso concreto, ou seja, que se iniciam em determinados
processos, no controle difuso.
Esse recurso não tem por objeto o reexame da matéria de fato, provas e
demais questões relativas ao mérito da lide em curso, mas tão somente a discussão
sobre uma questão constitucional controvertida.
As decisões sujeitas a recurso extraordinário são as proferidas quando o
recorrente percorreu todas as etapas processuais, isto é, quando tenham sido
esgotadas todas as possibilidades de recursos admissíveis perante as instâncias
inferiores.
A previsão do recurso encontra-se na Constituição Federal, que estabelece
no art. 102 que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, cabendo-
lhe: “Art. 102. (...) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas
em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (...)”
A dita democratização do acesso ao STF, pela via difusa, porém, trouxe um
número excessivo de processos e tornou-se um dos grandes problemas enfrentados
15
Em razão dos objetivos do presente trabalho, não se adentrará na análise das origens históricas
do recurso, nem mesmo nas hipóteses de cabimento.
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
267
no desempenho satisfatório do seu papel16
. E, nesse sentido, uma das falhas
apontadas era a falta de um mecanismo de controle para que processos que não
possuem uma determinada relevância chegassem à apreciação da Corte
Constitucional.
A Emenda Constitucional n. 45/2004, conhecida como a Emenda
Constitucional que programou a Reforma do Poder Judiciário, dentre outras
inúmeras mudanças, adicionou o § 3º ao Artigo 102 da Constituição Federal, criando
um novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário: a Repercussão
Geral das questões constitucionais.
Diz o referido parágrafo:
Art. 102. (...) §3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Segundo o próprio STF, essa reforma tem por objetivo auxiliar na
padronização dos procedimentos de julgamento recursal, de maneira que possa
garantir a racionalidade dos processos e a segurança dos jurisdicionados17
. Nesse
sentido, busca-se, com a introdução do novo instituto, acentuar a tarefa do STF de
decidir questões de impacto para os interesses da nação, retirando, pois, da sua
pauta de julgamentos, a análise de controvérsias que, conquanto importantes para
as partes litigantes, não apresentem relevância erga omnes.
Dessa forma, o recorrente deverá, além de preencher os requisitos já
anteriormente exigidos pela lei processual18
e pela jurisprudência19
, demonstrar – ao
16
Estima-se que cada um dos onze ministros receba, por ano, atualmente, cerca de 6.700
processos. Acumulam-se na Corte aproximadamente 105.523 processos, já que ainda existe o
passivo da época em que uma maior variedade de processos era recebida e julgada pelo Tribunal.
Já foram rejeitados mais de 31 mil recursos extraordinários pela Corte desde que a regra da
repercussão geral está em vigor, tanto por não apresentar preliminar cabível para a norma, quanto
pelas regras que regulamentam o filtro e impedem os tribunais de enviar ao Supremo todos os
recursos sobre cada tema em análise, e os obriga a acatar a decisão final da Corte. (Fonte:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 abr. 2009). 17
Fonte: <www.stf.jus.br>. 18
Os requisitos extrínsecos, ou genéricos, comuns a todos os recursos são a tempestividade, a
regularidade formal e o preparo. Já os intrínsecos são específicos de cada recurso, abrangendo o
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
268
STF20
– que o tema discutido no recurso tem relevância que transcende aquele caso
concreto, revestindo-se de interesse geral, institucional21
.
A matéria foi regulamentada no Código de Processo Civil, no 543-A, e seus
parágrafos, acrescidos pela Lei n. 11.418/06, e no Regimento Interno do Supremo,
artigos 322-A e 328, com redação dada pela Emenda Regimental 21/07.
Diz o art. 543-A, caput que ”O Supremo Tribunal Federal, em decisão
irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão
constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste
artigo.”
Uma das marcantes diferenças com os demais requisitos de admissibilidade
encontra-se no fato de que este, a repercussão geral, não será objeto de análise
pelo juízo recorrido, mas pelo próprio STF, em sessão plenária22
.
4.1 A Arguição de Relevância como Precedente Histórico
A arguição de relevância da questão federal é o precedente histórico da
repercussão geral de maior relevância, pois, além de ser o mais recente que se
tenha notícias no ordenamento jurídico pátrio, trata-se de uma tentativa frustrada de
desafogamento do STF.
Em linhas gerais, a arguição de relevância da questão federal foi instituída
pela Emenda Regimental n. 3, de 1975, que alterou a maneira de admissão do
recurso extraordinário. Essa Emenda instituiu como competência do regimento
cabimento, a legitimação para recorrer, e a inexistência de fato impeditivo, ou extintivo do direito
de recorrer (WAMBIER, 2008). 19
Tais como o prequestionamento (Súmulas 282 e 356 do STF). 20
Art. 543-A,§ 2º. “O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.” (grifou-se). 21
O instituto tem inspiração no direito alienígena, como se verá a seguir. 22
O Regimento Interno do STF, atualizado pela emenda regimental 21/07, em seu art. 323, prevê a
sistemática: “Art. 323. Quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a)
Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre
a existência, ou não, de repercussão geral.”
Logo, como refere MALTEZ (2007, p. 194) “A repercussão geral acaba por se reduzir a uma
argüição de ‘irrelevância’. Isso porque a relevância é presumida e a irrelevância só será
reconhecida se neste sentido se manifestarem dois terços dos Ministros.”
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
269
interno do STF a admissibilidade do recurso em casos de relevância federal. Foi
criada com o intuito de diminuir os processos que chegavam ao STF, vez que se
encontrava abarrotado23
.
Entretanto, muitas foram as críticas a esse instituto, as quais alegavam que
não poderia caber ao Regimento do Tribunal a admissão do recurso extraordinário,
vez que as disposições constitucionais vigentes não outorgavam ao referido
instrumento interno do STF a possibilidade de restringir as hipóteses de cabimento
de recurso.
Para que então fosse constitucional a restrição do recurso, foi introduzida a
Emenda n. 7, de 1977, que implantou na Constituição de 1969 o critério da arguição
de relevância da questão federal para admissibilidade do recurso extraordinário.
Em regra, para este instituto, toda questão era irrelevante, devendo-se,
então, provar a sua relevância para ser admitido o recurso, o que exigia quatro votos
dos Ministros. O julgamento da arguição era feito em sessão secreta. Também não
era preciso justificar a irrelevância e a decisão era irrecorrível.
As expectativas quanto ao sucesso da arguição de relevância restaram
frustradas haja vista que se criticava a falta de definição, a ausência de
fundamentação das decisões, bem como o julgamento discricionário, sem
participação das partes, também, sob o argumento de cerceamento do direito de
acesso à Justiça.
Por se tratar de remédio concebido durante a ditadura militar, a reconstitucionalização democrática do país, levada a efeito pela Carta de 1988, repeliu-a (a argüição de relevância) por completo, ao invés de aprimorá-la ou substituí-la por outro meio de controle que desempenhasse a mesma função, mas de maneira mais adequada ao Estado Democrático de Direito (THEODORO JUNIOR, 2007, p. 102).
O que se nota é que o momento histórico clamava contra qualquer ato que
cerceasse direito, bem como contra o poder discricionário com que o STF decidia a
relevância, ou não, do recurso24
.
23
Dantas (2008, p. 78-79) refere que a crise do recurso extraordinário é quase tão antiga quanto o
próprio, tendo em vista que já em 1920 discutiam-se formas de solucionar o crescente número de
recursos que se avolumavam no STF.
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
270
Nota-se que a Constituição Federal de 1988 repeliu a arguição de
relevância, criando outro instituto, mais democrático, distribuindo a competência do
STF, com o fim de reduzir a quantidade enorme de processos que chegavam todo
ano no STF e se tratava de matéria Constitucional e infraconstitucional. Qual seja,
criou-se o STJ.
O STJ foi criado sob os aspectos contributivos dos estudos de José Afonso
da Silva, datados de 1963.
Sustentava, desde então, esse eminente jurista que a chave para a crise do recurso extraordinário passava ‘por uma reforma constitucional, no capítulo do Poder Judiciário Federal, com o fim de redistribuir competências e atribuições dos órgãos judiciários da União’ (DANTAS, 2008, p. 50).
Contudo, apesar de diminuída a atuação do STF, o número de recursos não
diminuiu, não pela frustração daquela tentativa de auxílio, mas em razão da já
apontada falta de filtragem dos processos que podem chegar ao STF, pela via
difusa.
4.2 A Terminologia
Clara é a intenção do legislador em não adotar novamente o termo “arguição
de relevância da questão federal”. Obviamente, a introdução de um instituto da
época ditatorial, reafirmando a terminologia, geraria ainda mais polêmica e
contrariedade ao instituto da repercussão geral, vez que repristinaria um requisito
arcaico utilizado com discricionariedade à época de sua criação.
Assim, há pelo menos dois motivos para não se ter adotado a mesma
terminologia: primeiramente, por ser a “arguição de relevância” instituto ditatorial,
querendo a CF/88 eliminar qualquer resquício do período; em segundo lugar,
“porque seria (...) difícil afirmar que alguma questão constitucional não é dotada de
24
MANCUSO (2007, p. 83-85) relata que, apesar das críticas dirigidas ao instituto da relevância nos
seus quase 13 anos de existência, vozes respeitáveis defendiam o sistema por ele inaugurado,
citando os Ministros Djaci Falcão, Moreira Alves e Evandro Gueiros Leite. Para este último, “não
há soluções ótimas para o para o problema das atribuições de uma Corte Suprema, de modo que
teremos que nos contentar com as soluções mais razoáveis, a exemplo da relevância da
questão federal” (grifou-se).
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
271
relevância (...). Assim, a admissão de que existem questões constitucionais
irrelevantes seria a própria negação de boa parte da teoria da Constituição (...)”.
(DANTAS, 2008, p. 29)
Outro aspecto que merece atenção é a expressão comumente utilizada
“repercussão geral do recurso extraordinário”.
Entender que a Repercussão Geral exigida pela Constituição se refere ao próprio RE significaria rompimento do sistema de Civil Law por nós adotado (...). É que, caso se exigisse no juízo de admissibilidade que o próprio RE tivesse o condão de causar repercussão geral, somente seriam conhecidos extraordinários referentes a ações de natureza coletiva, pois só nesses casos o RE em si acarretaria algum impacto na vida de outras pessoas além das partes (DANTAS, 2008, p. 50).
O que quer dizer o jurista é que o quesito da repercussão geral não se refere
ao recurso extraordinário em si, mas às questões nele discutidas. Logo, trata-se de
repercussão geral da questão constitucional.
4.2.1 A repercussão geral como conceito jurídico indeterminado
O artigo 543-A §1º do Código de Processo Civil tratou de conceituar
repercussão geral: “Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência,
ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou
jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.
Nota-se, no entanto, uma vaguidade semântica do termo “repercussão
geral”, não ficando claro o que se deveria designar por “geral” ou mesmo
“relevantes”.
Percebe-se que o legislador faz uso de conceitos elásticos que permitem ao
intérprete e aplicador da norma uma atividade construtiva ou concretizadora
(THEODORO JUNIOR, 2007), fugindo à aplicação literal da norma, já que uma
“definição exata, taxativa, de repercussão geral por parte do legislador poderia até
mesmo levar a um indesejável engessamento do instituto e do próprio texto
constitucional” (REIS, 2008, p. 65).
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
272
Pode-se observar que, quando a lei não definiu repercussão geral, elaborou
um conceito jurídico indeterminado, de modo que a repercussão geral deve ser
interpretada, pelo STF, no caso concreto.
De qualquer sorte, pode-se verificar que repercussão geral significa o
transbordamento dos limites subjetivos do caso, de forma que a decisão do Supremo
Tribunal Federal normalmente encontrará eco em outras demandas similares, para
as quais é imprescindível formar-se jurisprudência (BARIONI, 2007, p. 218).
A partir deste conceito jurídico indeterminado de repercussão geral, chega-
se ao questionamento se não se estaria conferindo, novamente, como na arguição
de relevância, um poder discricionário ao STF.
Mas, tem-se que o preenchimento desses conceitos não é uma tarefa a ser
exercida arbitrariamente, e sim à luz dos valores e princípios constitucionais, i.e.
aqueles vetores que a própria constituição da República já indica como
fundamentais ao Estado brasileiro. “Com o passar do tempo e o paulatino
amadurecimento do instituto, aos poucos será adjudicada maior segurança e
previsibilidade à noção de repercussão geral” (REIS, 2008, p. 66). Assim, poder-se-
ia obter um maior controle social das atividades do STF, observando-se os casos já
decididos pelo Tribunal.
Numa tentativa de interpretar as hipóteses em que ocorre repercussão geral,
aponta-se:
I – No plano econômico (...) há que se levar em conta as questões em torno daquelas atividades de larga repercussão coletiva que se encontram regulamentadas a partir da própria Constituição, como os serviços públicos essenciais (...). São igualmente relevantes, para a coletividade, questões que envolvam pretensões reivindicadas por um número considerável de pessoas, a exemplo do que se passa com os índices de correção monetária, remuneração (...). (THEODORO JUNIOR, 2007, p.108).
Não se deve esquecer, porém, que não basta a repercussão de algum ponto
relevante para a coletividade, sendo sempre indispensável o nível constitucional da
questão. Afinal, a repercussão geral não é “chave” para se ter o recurso analisado
pelo STF; é, apenas, mais um requisito.
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
273
Ainda há perspectiva de que, no plano político, a repercussão geral dar-se-ia
quando a questão pudesse influenciar relações com Estados estrangeiros e
organismos internacionais, ou, ainda, envolva atrito de competências entre órgãos
soberanos ou ponha em risco a política pública e diretrizes governamentais
(THEODORO JUNIOR, 2007, p.108).
Já a questão social ocorreria quando estivessem envolvidos direitos
protegidos constitucionalmente, como saúde, educação, moradia, dentre outros.
A relevância jurídica estaria presente quando algum instituto básico do
direito estivesse em risco, havendo necessidade de evitar que uma decisão forme
precedente perigoso ou inconveniente à preservação de tal instituto.
Com relação ao procedimento a ser adotado pelo recorrente, a
demonstração da repercussão geral há de ser feita na própria peça do recurso
extraordinário, em tópico a parte, em obediência ao que prevê o § 2º do art. 543-A
do Código de Processo Civil: “§ 2º. O recorrente deverá demonstrar, em preliminar
do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da
repercussão geral”.
Por outro lado, não há que se confundir natureza da matéria versada no
recurso com natureza da repercussão: a exigência da repercussão geral vale para
todos os recursos extraordinários, independentemente da natureza da matéria neles
veiculada (cível, criminal, trabalhista ou eleitoral) (STF – Pleno, AI 664.567-QO, Min.
Gilmar Mendes, j. 18.6.07, DJU 6.9.07). (Citado por NEGRÃO, 2009, p. 771)
Observa-se que são inúmeras as tentativas de elencar as matérias que
conteriam repercussão geral. Contudo, são meras tentativas, afinal, caberá ao STF,
em cada caso, resolver se há ou não a demonstração da repercussão geral. Resta,
apenas, aguardar os julgamentos do STF para que se possa formar um catálogo,
contendo as principais matérias com repercussão, a fim de se ter com maior clareza
e segurança quais são as questões relevantes do ponto de vista econômico, político,
social ou jurídico e que ultrapassam o interesse subjetivo da causa25
.
25
Neste sentido, ver os relatórios mensais publicados pelo STF, acerca das questões tidas como
relevantes.
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
274
A título de demonstração, elencam-se alguns casos em que houve a
repercussão geral reconhecida e negada26
.
Teve reconhecida a repercussão geral do ponto de vista econômico, político,
social e jurídico o agravo de instrumento que põe em análise a competência para
julgar causas envolvendo complementação de aposentadoria por entidades de
previdência privada. Também se reconheceu repercussão geral por transcender o
interesse subjetivo da causa a possibilidade de imposição de efeitos próprios de
sentença penal condenatória à transação penal prevista na Lei n. 9.099/95.
Em contrapartida, não se reconheceu a repercussão geral em agravo de
instrumento interposto contra decisão que indeferiu processamento de recurso
extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que rejeitou
pedido de gratuidade de justiça, por constarem dos autos elementos no sentido da
efetiva capacidade econômica das recorrentes.
4.3 Direito Comparado: a Experiência Estrangeira
O conhecimento sobre a aplicabilidade da repercussão geral, instituto
“importado”, a realidade sociológica em que nasceu e as causas que fundamentam
seu sucesso ou fracasso, são basilares para melhor compreensão do tema. Afinal,
se o legislador inspirou-se em experiências estrangeiras, e o conhecimento destas
favorece a compreensão da lei nacional e até mesmo a previsão se a repercussão
geral está fadada ao sucesso ou ao fracasso.
Percebem-se, em primeiro plano, duas grandes aproximações nos objetivos
dos ordenamentos jurídicos dos países que adotam mecanismos similares à
repercussão geral: preservar o papel da Suprema Corte Constitucional como de fato
guardiã da Constituição, e não como última instância recursal; e, com isso, filtrar a
demanda processual, chegando ao conhecimento do Tribunal Constitucional
somente os casos em que a decisão transcenda o caso concreto, e seja útil para
26
Todos os exemplos foram tirados do Relatório da Repercussão Geral emitido pelo STF no mês de
Agosto de 2009.
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
275
uma determinada classe, possuindo eficácia erga ommes, para os indivíduos a ela
pertencentes.
Foram identificados institutos semelhantes nos EUA, na Argentina, na
Alemanha, na Austrália e no Japão, os quais se passa a abordar, de maneira
sintética, tão somente com o intuito de se fazer o registro e no sentido de apontar-se
as experiências positivas na utilização do instituto similar.
4.3.1 O “writ of certiorari” nos Estados Unidos
A Suprema Corte Norte-Americana possui o poder discricionário27, baseada
no princípio da relevância, pelo qual os ministros fazem uma triagem e analisam
somente os casos em que a questão federal e constitucional possui relevância para
o interesse público. Portanto, a liberdade que a Corte tem é de decidir (como antes,
com a arguição de relevância, no Supremo brasileiro), administrativamente, o que
merece ou não se submeter à jurisdição máxima.
O papel da Corte Constitucional federal norte americana, é distinto do papel
do STF no Brasil, uma vez que as leis norte-americanas são em sua maioria
estaduais28
, e normalmente as questões são resolvidas nos próprios tribunais
estaduais.
Writ of certiorari, em 1891, era mecanismo de inclusão na competência da
Suprema Corte Norte-Americana que, após 1914, começou a acolher questões em
que se estivesse questionando, em ação ou defesa, matéria federal29
. Após 1926, a
Suprema Corte passou a julgar apenas questões que envolvam interpretações
constitucionais. Antes disso, ainda em 1922, o tribunal a quo poderia emitir
certificado ressaltando a importância da matéria, e permitindo assim a interposição
27
Conforme Levada (2007, p. 90-91) e Azem (2009, p. 41). 28
Em decorrência do federalismo norte-americano, no qual os Estados-membros possuem maior
força do que os Estados-membros brasileiros, em razão do tipo federalista (por secessão, no caso
brasileiro) e também em razão grande número de estados, seria impossível à Suprema Corte
resolvê-los com a rapidez necessária (SCHWARTZ apud AZEM, 2009, p. 41). 29
Cabe ressaltar que questões federais nos EUA, podem ser de tamanha relevância quanto no
Brasil, uma vez que lá o direito é majoritariamente por leis infraconstitucionais, já que o processo
de emendamento da Constituição é extremamente rígido, dependendo de aprovação de dois
terços de cada Casa do Congresso e da ratificação de três quartos dos Parlamentos estaduais.
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
276
recursal no ápice do Judiciário norte-americano. Em 1928, a Corte tinha autoridade
para decidir sobre quais questões constitucionais poderia manifestar-se: se a tese da
petição do certiorari contivesse duas questões constitucionais e o tribunal se
limitasse a julgar apenas uma, estaria autorizada a restringir a jurisdição a somente
aquela (DANTAS, 2009, p. 97).
Quanto ao procedimento, as petições protocoladas são distribuídas
simultaneamente – como no Brasil – aos oito juízes do tribunal, para que seja
concedido o certiorari faz se necessário quatro votos nesse sentido.
O poder discricionário é baseado no princípio da relevância, e não se
manifesta somente pela seleção dos casos que a corte pretende julgar, mas também
de quais questões do caso concreto, serão julgadas.
É comum a corte esperar que os tribunais se manifestem por inúmeras
vezes sobre questões de relevância, para que ele se manifeste a respeito, assim
como é comum ser concedido o writ of certiorari, nas questões em que a União é
autora, nas questões que hajam mais de três intervenções de amicus curiae e,
ainda, em questões que existam conflitos entre tribunais federais e estaduais
(DANTAS, 2009).
A finalidade desse filtro constitucional se dá, para que ocorra a
uniformização da jurisprudência uma vez que o stare decisis é uma das bases
fundamentais do common law.
4.3.2 A transcendência da matéria na Argentina
O que pra nós é a repercussão geral, os argentinos denominam
‘transcendência da matéria’. O recurso extraordinário, na Argentina, somente se
justifica quando a questão levada à Suprema Corte Argentina expressar o que se
designou como “gravedad institucional”, ou, por outras palavras, na hipótese da
questão mostrar-se transcendente em relação à hipótese concreta.
O filtro recursal semelhante ao requisito da repercussão geral foi inserido na
Argentina, após uma reforma no código de processo civil. Contendo o seguinte texto
“A Corte poderá rechaçar o recurso extraordinário, por falta de lesão federal
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
277
suficiente ou quando as questões discutidas carecerem de substancialidade ou de
transcendência.” (DANTAS, 2009, p. 115)
O conceito de lesão federal suficiente consiste em existir negativa de
vigência de direito federal e deve ser grave a ponto de por em risco a integridade do
ordenamento jurídico. A violação ao direito federal, assim como no sistema alemão,
deve ser qualitativamente e não quantitativamente analisada pela Corte Suprema.
Questões insubstanciais são aquelas que vão de encontro a linhas
jurisprudenciais consolidadas sem a utilização de argumentos suficientemente
sólidos para ensejar uma mudança de entendimento (DANTAS, 2009, p. 120).
Já a transcendência das questões define-se no conceito de gravidade
institucional, que consiste em que as questões ultrapassem o interesse individual
das partes e afetem de modo direto o interesse da comunidade.
As questões discutidas referem-se a violações constitucionais e federais
(MEDINA, 2009, p. 206). Quando se trata de questões federais sempre haverá
transcendência. Nas questões infraconstitucionais, quando: houver
comprometimento das instituições básicas da nação; para a preservação dos
princípios básicos da Constituição; casos em que haja a comoção da sociedade, que
afetem sua consciência ou impactem o consenso coletivo; preservação de serviços
públicos; cobrança de tributos; jurisprudência contraditória; cumprimento pelo Estado
de suas obrigações internacionais.
4.3.3 A significação fundamental na Alemanha
Revisão é o recurso dirigido a Corte Federal de Justiça (Bundesgerichtshof –
BGH) contra decisões de última instância proferidas pelas cortes regionais de
recurso (Oberlandesgericht – OLG). (DANTAS, 2009, p. 107).
Foi incluído em 2001 o requisito da significação fundamental para a
apreciação do recurso de revisão. A questão dotada de significação fundamental,
quando julgada, deve servir de modelo e repercutir alem da lide, e ainda deve ter em
sua essência uma dúvida de direito de difícil solução – não se encaixam aquelas que
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
278
possam ser sanadas com a interpretação razoável do texto legal – uma das
finalidades buscadas é o aperfeiçoamento das instituições jurídicas.
O requisito da significação fundamental, não depende da gravidade da lesão
causada pela decisão recorrida, mas da abrangência da resposta perante a
sociedade.
Não se pode fundamentar a significação fundamental, somente pelo número
de casos semelhantes discutidos no Poder Judiciário, uma vez que não é o fato de
existir um milhão de recursos a discutir uma questão banal que fará com que ela se
torne importante (DANTAS, 2009, p. 110).
Quando proferida decisão do OLG, o vencido deve pedir licença30
a este
tribunal para recorrer ao BGH. Essa licença vincula o BGH, e não pode deixar de
admitir o recurso por falta de significação fundamental. A licença será concedida
quando a questão jurídica for dotada de significação fundamental ou quanto a fim de
aperfeiçoar o direito ou uniformizar a jurisprudência.
No sistema Alemão, só chegam à Suprema Corte Constitucional
reclamações constitucionais que tenham por objeto a violação de direitos
fundamentais de especial gravidade. E também estão sujeitas à análise prévia de
admissibilidade. Assim como o recurso extraordinário brasileiro, o sistema alemão,
não admite qualquer espécie de debate sobre elementos fáticos ou legais, o que fica
restrito aos tribunais inferiores. Não apresenta qualquer característica de recurso,
mas apresenta feições de ação constitucional específica.
4.3.4 A importância pública na Austrália
Na Austrália, existem apenas duas formas de recurso à Corte Superior. Na
primeira, há necessidade de o recorrente postular licença especial para a ela
recorrer. A Corte examinará se a questão jurídica em discussão detém importância
pública, seja decorrente de aplicação geral, seja da necessidade de unificar o
entendimento pretoriano, ou, ainda se o interesse da administração da justiça, de
30
Segundo Azem (2009, p. 48), o juízo de adminissibilidade é feito, portanto, no órgão a quo.
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
279
modo geral ou no próprio caso particular, requerer o posicionamento da corte sobre
a questão em discussão (DANTAS, 2009, p. 129).
Na segunda hipótese, recursos oriundos das cortes de família, quando há
importante questão jurídica de interesse publico envolvida, há a expedição de
certificado explicitando a relevância da questão e autorizando o ingresso com o
recurso.
4.3.5 A relevante questão de direito no Japão
No Japão existe filtro recursal semelhante à repercussão geral do Brasil,
porém distinto é o seu objeto: a discricionariedade de jurisdição se dá somente em
casos referentes à legislação infraconstitucional, enquanto os erros de índole
constitucional recebem jurisdição obrigatória da Corte Suprema.
Verifica-se que no Japão a parte prejudicada por decisão de segunda
instância poderá requerer à Suprema Corte o direito de recorrer, o qual será
concedido se a decisão impugnada for contrária à decisão anterior daquele Tribunal
ou envolver relevante questão de direito.
5 A REPERCUSSÃO GERAL À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: INCONSTITUCIONALIDADE?
A doutrina, como anteriormente referido, tem levantado a tese de que a
repercussão, como filtro do recurso extraordinário, pode afrontar direito fundamental,
em especial em razão do texto do art. 60 § 4°, inciso IV31
, da CF, logo, considerado
cláusula pétrea do ordenamento.
Este direito considerado fundamental é o de acesso à justiça, incluindo o
direito ao devido processo legal, que a Constituição pretende garantir – e não
apenas proclamar – a faculdade de todos exigirem-no indistintamente.
31
Diz o referido dispositivo legal: Art. 60 (...) 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais.
A repercussão geral e os efeitos...
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
280
O direito do acesso à justiça está positivado no art. 5º inciso XXXV da CF:
“XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito;”.
Logo no anúncio da regulamentação do instituto, houve a seguinte
manifestação institucional:
A OAB se posiciona contra o retorno, ainda que dissimulado sob novas denominações, do fracassado instituto da argüição de relevância que, na prática, gerou a inexistência da própria prestação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal. Trata-se da solução de matar o doente, ao invés de acabar com a doença. Em 1977, foi editado o chamado “Pacote de Abril”, e no bojo da reformulação constitucional, foi criado esse instituto que, com o tempo, se mostrou ineficiente e centralizador
32.
Mostra-se claro o medo da reafirmação de um instituto da época ditatorial,
sempre com a desconfiança de que, restringindo um direito, se está atentando
contra os princípios fundamentais constitucionais, não sendo, então, legítimo.
Ora, o Supremo Tribunal Federal sempre exerceu o seu papel de guardião da Constituição Federal, analisando apenas questões de direito com violação direta a nossa Carta Magna. Se algum operador do direito menos desavisado insistia em levar ao conhecimento da Excelsa Corte matéria de
fato, ao relator caberia, tão somente, aplicar o contido no Art 557 do CPC33
.
Da mesma forma, quando contrariasse súmula ou jurisprudência dominante do STF. Logo, criar mais um requisito de admissibilidade recursal não é sinônimo de desafogamento de processos. Como se sabe, a questão de morosidade do poder judiciário e do grande número de processos para julgamento perante o STF não é culpa dos processos repetitivos, que podem ser eliminados liminarmente pelo relator, mas uma questão estrutural. Temos um crescimento populacional exagerado para um número reduzido de ministros na nossa maior Corte de Justiça. Realmente, é humanamente impossível, para onze ministros, dar conta da crescente demanda (LIMA, 2008).
O temor existe principalmente por duas ordens de razão: (i) a existência do
precedente histórico da repercussão geral (a arguição de relevância) era aferida em
32
Roberto Busato, então Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em
pronunciamento quando da aprovação do projeto de lei que regulamentava o instituto. Disponível
em: <http://www.oabms.org.br/noticias/lernoticia.php?noti_id=2601>, veiculado em 02/06/2006,
Acesso em: 29 abr. 2009. Apesar disso, não se tem notícia, até hoje, de que a OAB, apesar de
legitimada pelo art. 103, VII da CF, tenha ajuizado qualquer Ação Direta de Inconstitucionalidade
da Lei n. 11.418/2006. 33
O artigo trata da possibilidade de o relator negar seguimento ao recurso, nos casos em que prevê.
Edimara Sachet Risso et al.
Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
281
sessão secreta e por decisão não motivada34
; não há possibilidade de recurso da
decisão de inexistência da repercussão geral, o que em tese feriria o princípio do
devido processo legal.
O julgamento a respeito da existência ou inexistência da repercussão geral,
ao contrário, deve ser público e motivado, por força do contido no art. 93, IX35
, da
Constituição Federal de 1988, garantia que não existia ao tempo da arguição de
relevância.
Da mesma forma, teme-se que a vaguidão semântica do instituto possa
levar à discricionariedade pelo STF.
mesmo que a regra utilize termos vagos ou conceitos indeterminados, há parâmetros e valores que se impõem ao julgador de maneira cogente. (...). Jamais estará ele livre para optar por uma deliberação que seja indiferente aos parâmetros e valores proclamados pela norma (THEODORO JUNIOR, 2007, p. 105).
A norma, obviamente, trata-se da própria CF. Em contrapartida,
não podemos admitir, nem mesmo conceder poderes ao magistrado para legislar por via oblíqua, sob pena de se estar violando, mais uma vez, a CF/88, no que tange ao princípio da separação dos órgãos do poder. Este é o grande risco deste instituto: deixar nas mãos de magistrados, escolhidos pelo Presidente da República, o poder de decidir quais são as questões políticas do país (BERALDO, 2005, p. 145)
Vê-se que ainda não se chegou a um consenso sobre a legitimidade do STF
para impor e julgar o requisito da repercussão geral.
Contudo, por mais vaga que seja a exigência do requisito da repercussão
geral, o STF nunca terá liberdade para, arbitrariamente, rejeitar um recurso sobre o
argumento de ausência de tal requisito. Terá, sempre, que demonstrar a ausência da
34
Conforme Medina (2009, p. 201), a justificativa para tanto “era a de que não se tratava de ato
jurisdicional, mas de ato de natureza legislativa, já que com isso, os Ministros, que estabeleciam
as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário no Regimento Interno do STF, estariam pura
e simplesmente acrescentado ‘mais um inciso’ ao art. 325, em cujo caput eram previstos os casos
em que cabia”. 35
Art. 93. IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade (...).
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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional
282
repercussão geral, “submetendo o caso concreto às exigências da razoabilidade”
(THEODORO JUNIOR, 2007, p. 106).
Efetivamente, uma análise prima facie dos dispositivos constitucionais, em
divergência com a nova previsão, também constitucional, de possibilidade do STF
recusar recurso extraordinário em casos em que não vislumbre a repercussão geral,
pode remeter à possibilidade de afronta a um direito fundamental. Isso porque, tal
decisão limitaria o acesso à última instância recursal. Da mesma forma, tendo em
vista que não há previsão de recurso para as decisões do plenário do STF acerca da
existência ou inexistência da repercussão geral.
De qualquer sorte, esse não é o único caso em que a Corte Suprema
funcione como única instância na análise de matéria de direito. Isso ocorre, inclusive,
nos casos de sua competência originária, havendo, obviamente, possibilidade de
recurso ao plenário, mas ainda do STF.
5.1 Direitos Fundamentais como Direitos Absolutos
Para a correta apreciação da existência ou não de inconstitucionalidade, é
necessário que se proceda à análise dos direitos fundamentais.
Há duas correntes que discutem a polêmica matéria acerca da aplicação dos
direitos fundamentais: uma que nega a existência de direitos fundamentais absolutos
e outra que afirma a sua existência.
Para a corrente que nega a existência, está presente a “teoria externa” da
limitação dos direitos fundamentais, defendida por Robert Alexy, que preceitua pela
ponderação sempre que ocorrer conflitos entre direitos fundamentais.
Em contrapartida está a corrente da teoria interna, a qual considera
inadmissível a ideia de restrições ou limitações externas aos direitos fundamentais,
no caso o acesso à justiça.
Os direitos fundamentais há muito tempo permeiam documentos, cartas e
declarações pretéritas, mundiais. Exemplo disso é a Magna Carta (1215-1225), a
Petition of Rights (1628), o Bill Of Rights (1688), a Declaração Francesa (que data
do final do século XVIII) etc.
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283
Tais direitos podem ser caracterizados como:
(...) direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais, e, portanto, que encaram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual (DIMOULIS e MARTINS, 2005, p. 119).
Esses direitos tidos como fundamentais, como base da Constituição, estão
em posição de destaque no ordenamento brasileiro e interagem como todo o
sistema jurídico. Na Magna Carta de 1988, eles se encontram positivados no Título
II, juntamente com as garantias fundamentais, embora por todo o texto constitucional
se possa perceber a sua presença, já que não houve um corte metodológico rígido
no enfoque jurídico positivo desta categoria de direitos.
5.2 A Repercussão Geral e o Direito de Acesso à Justiça
O que, em um primeiro momento, pode-se ter ideia, é que a efetividade da
justiça depende de seu acesso, e que são necessários instrumentos que facilitem
cada vez mais a sua eficiência e celeridade.
No Direito brasileiro, todos têm direito a um processo justo, ao acesso à
justiça (art. 5.°, XXXV, da CF). Esse direito pode ser identificado como uma cláusula
geral, a qual é necessária como sempre, à averiguação de casos concretos para
resolução de conflitos.
Logo, o direito de acesso à justiça apoia-se em bases mínimas, as quais são
primordiais para sua existência. São elas: o direito à tutela jurisdicional efetiva (art.
5.°, XXXV, da CF), o direito ao juiz natural (art. 5.°, XXXVII e LIII, da CF), o direito à
paridade de armas (art. 5.°, I, da CF), o direito ao contraditório (art.5.°, LV, da CF), o
direito à ampla defesa (art. 5.°, LV, da CF), o direito à prova (art. 5.°, LVI, da CF), o
direito ao processo com duração razoável (art.5.°, LXXVIII, da CF), entre outros.
Observa-se, em verdade, que
O “novo” instituto não fere o princípio de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Isso porque o acesso à justiça já é garantido por meio de inúmeras
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Justiças existentes (Estadual e Federal, Comum e Especial), dos Tribunais Estaduais e Federais e dos inúmeros recursos existentes. ... Importante ressaltar que, ao contrário do que ocorria com a argüição de relevância (em que a avaliação pelo STF era realizada em sessão reservada), o acolhimento da repercussão geral é pública e fundamentada (ainda que de forma sucinta), ante expressa disposição constitucional (art. 93, IX, da CF) e a garantia do devido processo legal. Dessa forma, visa-se evitar o arbítrio das decisões, considerando que, diante do sistema jurídico pátrio e do papel desempenhado pelo STF, não há possibilidade de julgamento exclusivamente político e não jurídico (MALTEZ, 2007, p. 193).
Nesses termos, o requisito de admissibilidade não fere o direito de acesso à
justiça uma vez que o STF é Corte Suprema, e deve ser especializada ao exercer
sua função primordial de resguardar a ordem constitucional. Há outros tribunais,
também competentes, capazes de julgar essas causas não apreciadas pela corte
suprema.
5.3 A Repercussão Geral e o Direito ao Devido Processo Legal
Não subsiste, da mesma forma, o argumento de que o instituto fere o direito
ao devido processo legal, positivado no art. 5º, LV, da CF (“LV - aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”).
A Lei n. 11.418, de dezembro de 2006, acrescentou o art. 543-A ao Código
de Processo Civil, com o intuito de disciplinar o instituto da repercussão geral.
Diz o referido artigo: Art. 543-A. “O Supremo Tribunal Federal, em decisão
irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão
constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste
artigo.”
A questão é complexa, uma vez que, ao haver a recusa da existência da
repercussão geral (por dois terços, o que corresponde a oito Ministros), exclui-se
qualquer meio de se provocar a apreciação ou a correção de uma eventual injustiça
cometida.
Para apreciar o processo, como já exposto anteriormente, há necessidade
de demonstrar-se que ele seja digno de relevância e transcendência, conceitos
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285
vagos e abertos, a depender da subjetividade de cada ministro interpretar, se cabe
julgar o processo ou não.
A Constituição Federal já conta com mais de vinte anos de vigência, e
mesmo assim as discussões a respeito dos direitos fundamentais ainda não estão
consolidadas na jurisprudência por critérios objetivos e límpidos diante das restrições
e ponderações desses direitos.
O que cabe destacar é que não se pode consentir uma série de direitos, de
cunho ilimitado, pois se assim fosse, esses direitos seriam conduzidos à ineficácia.
Sendo os direitos fundamentais atribuídos a todas as pessoas, não há como conceber sua fruição permanente e simultânea sem que haja uma disciplina ordenadora a viabilizar que estes coexistam. Só é possível tornar efetiva a titularidade universal dos direitos à medida que sejam harmonizados, o que implica logicamente a imposição de limites (PEREIRA, 2006, p. 133).
A partir do momento em que se concebem os direitos fundamentais, como
partícipes de um modelo normativo de normas e princípios, parece impossível
aceitar que os mesmos não são ilimitados. É nessa esteira que nascem as duas
correntes que discutem a aplicação dos direitos fundamentais, já citadas.
Para a corrente que lhes afirma existência absoluta, presente na teoria
interna, considera-se inadmissível qualquer ideia de restrições externas aos direitos
fundamentais. Ainda, não admite colisão e nem ponderação entre esses mesmos
direitos, tendo como um dos seus maiores representantes Friedrich Müller.
E assim o é tendo em vista que “para os adeptos dessa corrente os limites
permitidos aos direitos fundamentais jamais podem configurar recortes externos em
seu âmbito de incidência, mas sempre resultam da análise de seu conteúdo tal como
estatuído na Constituição” (PEREIRA, 2006, p. 141).
Dessa, forma a teoria interna critica as restrições feitas pela EC n. 45/2004,
pois não admite a ponderação na análise da repercussão geral das questões
constitucionais em detrimento do direito de recorrer, decorrente do direito de ação.
Em contrapartida, a teoria externa preceitua que nenhum direito, ainda que
fundamental, é absoluto, pois esses direitos podem sofrer limitações para possibilitar
o implemento de outros direitos fundamentais considerados de maior significância,
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286
seguindo-se a técnica da ponderação diante do conflito, entre direitos, teoria
defendida por Robert Alexy.
Dentre as características dos direitos fundamentais apontados pela doutrina,
está a limitabilidade, uma vez que, apesar de fundamentais e tendentes à
concretização da dignidade da pessoa humana, sua “aplicação concreta não pode
resultar na aplicação da norma jurídica em toda sua extensão e alcance” (ARAUJO e
NUNES JÚNIOR, 2009, p. 122).
A teoria externa, também foi recepcionada por outros doutrinadores:
Por conseguinte, a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflitos. Não pode falar-se em restrição de um determinado direito fundamental em abstracto, fora de sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse constitucional diverso. (...) Os direitos fundamentais não nascem já com limites inerentes ou naturais não escritos. (...) A restrição é sempre a posteriori, face à necessidade de proceder à conciliação com outro direito fundamental ou interesse constitucional suficientemente caracterizado e determinado, cuja a satisfação não possa deixar de passar pela restrição de um certo direito fundamental. (CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p.134-135).
Nesse sentido, vê-se que a técnica da ponderação está relacionada à
necessidade. Assim, tanto pelas ideias defendidas por Alexy quanto por Canotilho e
Moreira, a limitação é pertinente desde que o objetivo maior vise à promoção do bem
comum, erga omnes.
Nesse enfoque, ao haver colisão de direitos fundamentais é primordial
analisar se existe ou não um verdadeiro conflito, ou se se trata, apenas, de uma
aparência.
No que tange aos recursos, sempre se guardando paralelo com o direito de
ação, o juízo de admissibilidade é mais amplo e, compreensivelmente mais rigoroso,
até por haver um funcionamento suplementar da máquina judiciária (BARBOSA
MOREIRA apud FORNACIARI JUNIOR, 2007, p. 47).
Aliás, o próprio direito de ação não é ilimitado. Há que se preencher todos os
pressupostos e as condições previstos na lei processual para que se possa
efetivamente acessar o Judiciário.
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287
O princípio do devido processo legal significa, inclusive, o direito a uma
decisão fundamentada e a um rápido e público julgamento (NERY JUNIOR, 2009, p.
84).
Existe um nexo imediato entre o acesso à justiça, entre o direito fundamental à tutela jurisdicional e o direito à motivação das decisões judiciais. Toda decisão jurisdicional, por força constitucional, tem de ser motivada, tendo em conta a necessidade de controle do poder jurisdicional por parte da sociedade, pendor de legitimidade dessa função em um Estado Constitucional (art. 1º CF). (MARINONI, 2008, p. 49-51).
De outra forma, não se pode admitir que a função jurisdicional, apesar de
indivisível, não possa ser especializada.
É o que se poderia chamar funcionarização do Judiciário, problema para o qual a comunidade jurídica brasileira precisa estar alerta, para detectar – enquanto é tempo – suas verdadeiras causas e oferecer alternativas para melhorar e agilizar a prestação jurisdicional. (...) o bom senso parece sinalizar no sentido da adoção de medidas, que possibilitem uma triagem razoável no afluxo de recursos excepcionais, dirigidos aos Tribunais (...). (MANCUSO apud KOZIKOSKI, 2006, p. 686).
Privilegia-se, com isso, também a Constituição Federal, que, a par de prever
o direito de ação, previu a organização judiciária, de forma a privilegiar que todos
tenham direito de acesso à justiça, mas nem todos tenham direito de acesso a
qualquer órgão do Poder Judiciário, incluindo o STF.
O direito a um processo justo tem de levar em conta, necessariamente, o perfil judiciário brasileiro. Vale dizer: tem que ter presente as normas de organização judiciária, dentre as quais se destacam aquelas que visam a delinear a função que se acomete aos tribunais superiores em nosso país e a maneira como essa vai desempenhada (MARINONI, 2009, p. 12).
Tanto no direito constitucional brasileiro como no direito comparado, há
registros históricos de uma orientação segura que prestigia o critério seletivo das
Cortes Supremas no exame das questões próprias do recurso extraordinário
(THEODORO JUNIOR, 2007, p. 101).
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Emenda Constitucional n. 45, criou o requisito da Repercussão Geral,
inspirado na antiga arguição de relevância, o qual permite ao STF deixar de apreciar
alguns recursos extraordinários que lhe são dirigidos. Com o filtro, a Corte passa a
analisar apenas processos que tenham reconhecida relevância social, política,
econômica ou jurídica. E, ainda, determina que os demais órgãos jurisdicionais
direcionem-se de acordo com o entendimento da Suprema Corte, evitando o
encaminhamento de processos idênticos ao Supremo.
Todos os recursos extraordinários que chegam ao STF devem conter uma
preliminar de Repercussão Geral. A ausência deste pressuposto pode levar à
rejeição do recurso pela Corte.
Já são 225 (duzentos e vinte e cinco) temas analisados sob o filtro da
repercussão geral. Em 168 (cento e sessenta e oito) deles, foi reconhecida a
existência da relevância para toda a sociedade. Desses 168, 35 (trinta e cinco) já
foram analisados no mérito e outras 13 (treze) reafirmaram jurisprudência dominante
na Corte (STF, p. 3-4)36
auxiliaram o Supremo na edição de Súmulas Vinculantes.
Dessa maneira, o filtro recursal, embora não completamente novo, é uma
grande inovação na jurisdição constitucional, pois proporciona uma solução mais
breve aos processos que, porventura, poderiam ter sua tramitação postergada em
face de um recurso descabido, e ainda, valoriza a autoridade do STF na
interpretação e na tutela da Constituição, sem ampliar sua carga de trabalho. Da
mesma forma, possibilita que a Corte desempenhe papel apenas subsidiário na
jurisdição incidental de controle de constitucionalidade, exercida pelos juízes e
tribunais inferiores, desafogando, consequentemente, a crise jurisdicional.
A doutrina não é unânime na aceitação do novo instituto como requisito de
admissibilidade do Recurso Extraordinário.
36
A pesquisa foi encerrada no dia 06 de novembro de 2009, quando ainda não havia sido divulgado
o Relatório da Repercussão Geral do mês de outubro. Os dados, portanto, são do Relatório do
mês de Setembro de 2009, divulgado em obediência à determinação do art. 329 do Regimento
Interno do STF, com a redação que lhe deu a Emenda Regimental n. 21/07, que diz: Art. 329. A
Presidência do Tribunal promoverá ampla divulgação do teor das decisões sobre repercussão
geral, bem como formação e atualização do banco eletrônico de dados a respeito.
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289
Para aqueles que apoiam a adoção da Repercussão Geral, o Brasil segue a
tendência mundial que já vem, há um bom tempo, tendo resultados positivos em
muitos países como os Estados Unidos, a Argentina e o Japão.
Logo, a novidade deve ser encarada como instrumento de efetividade do
direito fundamental da razoável duração do processo, uma vez que se trata de
verdadeiro mecanismo de racionalização do volume de trabalho que chega ao STF e
que, a um só tempo, busca resguardar dois interesses: das partes, na realização de
processos judiciais em tempo justo, e da justiça, no exame de casos que
ultrapassem a esfera individual dos litigantes.
Assim, o STF deixa de funcionar como uma instância superior e poderá
produzir uma jurisdição de melhor qualidade, no seu real papel de guardião da
Constituição Federal.
Os defensores da repercussão geral afirmam ser ela instituto constitucional,
uma vez que não colocará óbices ao acesso dos litigantes ao Poder Judiciário, que
continuam dispondo das instâncias ordinárias para a análise das suas pretensões.
7 REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1993.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 13.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
ÁVILA, Ana Paula. A Modulação de Efeitos Temporais pelo STF no Controle de
Constitucionalidade: Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a
constituição do artigo 27 da Lei n. 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso
extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
BARIONI, Rodrigo. Repercussão geral das questões constitucionais: observções sobre a Lei n.
11.418/2006. In: MELLO, José Licastro Torres de, (Coord). Recurso Extraordinário e Especial:
Repercussão Geral e Atualidades. São Paulo: Método, 2007.
BERALDO, Leonardo de Farias. Recurso Extraordinário e a EC nº 45/2004. Revista Eletrônica de
Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Minas Gerais, n. 11, mar. 2008.
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