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Universidade Federal do Rio de Janeiro A ordem VS/SV e as interrogativas-Q no PE e no PB: uma análise diacrônica Mayara Nicolau de Paula 2016

A ordem VS/SV e as interrogativas-Q no PE e no PB: uma ... · 1995), this dissertation presents a diachronic analysis of Wh questions in European Portuguese (EP) based on data from

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A ordem VS/SV e as interrogativas-Q no PE e no PB: uma análise

diacrônica

Mayara Nicolau de Paula

2016

A ordem VS/SV e as interrogativas-Q no PE e no PB: uma análise

diacrônica

Mayara Nicolau de Paula

Tese de doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte

dos requisitos necessários para a obtenção do

Título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Maria Eugenia

Lammoglia Duarte

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

CIP - Catalogação na Publicação

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com osdados fornecidos pelo(a) autor(a).

d324ode Paula, Mayara Nicolau A ordem VS/SV e as interrogativas-Q no PE e noPB: uma análise diacrônica / Mayara Nicolau dePaula. -- Rio de Janeiro, 2016. 131 f.

Orientador: Maria Eugênia Duarte. Coorientador: Ana Maria Martins. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Riode Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas, 2016.

1. Sintaxe. 2. Português Brasileiro. 3.Português Europeu. 4. Interrogativas-Q. I.Duarte, Maria Eugênia, orient. II. Martins, AnaMaria, coorient. III. Título.

A ordem VS/SV e as interrogativas-Q no PE e no PB: uma análise diacrônica

Mayara Nicolau de Paula

Orientadora: Professora Doutora Maria Eugenia Lamoglia Duarte

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requesitos para a obtenção

do Título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

______________________________________________________________________

Presidente, Profª.Dr. Maria Eugênia Lammoglia Duarte (UFRJ)

______________________________________________________________________

Profª Dr. Mary Aizawa Kato (UNICAMP)

______________________________________________________________________

Profª Dr. Marina Rosa Ana Augusto (UERJ)

______________________________________________________________________

Profª Dr. Sílvia Regina de Oliveira Cavalcante (UFRJ)

______________________________________________________________________

Profª Dr. Mônica Tavares Orsini (UFRJ)

______________________________________________________________________

Prof. Humberto Soares da Silva (UFRJ) - SUPLENTE

______________________________________________________________________

Profª Juliana Esposito Marins (UFRJ) - SUPLENTE

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

RESUMO

À luz do modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1995), esta tese apresenta uma

investigação diacrônica das interrogativas-Q no português europeu (PE), com base em

uma amostra constituída de dados coletados em peças teatrais portuguesas, escritas ao

longo dos séculos XIX e XX. Paralelamente, foi elaborada uma breve análise dos

padrões de interrogativas Q encontrados entrevistas orais contemporâneas e em textos

jornalísticos. Os resultados são comparados com os obtidos para as interrogativas Q do

português brasileiro (PB), a partir de Duarte (1992) e Pinheiro e Marins (2012). Como o

PE exibe comportamento de língua de sujeito nulo consistente, trabalho com a hipótese

de que os sujeitos de primeira e segunda pessoas, bem como os anafóricos de terceira,

devem exibir a preferência por sujeitos nulos. Em relação aos sujeitos expresso (DPs

lexicais e pronomes), a gramática do PE deve apresentar a ordem V(erbo) S(ujeito) ativa

e a ocorrência de S(ujeito) V(erbo) será condicionada pela presença da clivagem.

Tomando o modelo de Competição de Gramáticas (Kroch, 1989, 2001) para a

interpretação da mudança linguística, os resultados confirmam minha hipótese inicial: o

PE exibe uma competição que envolve a ordem QVS, resquícios de uma gramática V2,

que passa a QSV em consequência da entrada e generalização da clivagem, que vai se

tornar o padrão mais frequente não apenas nas interrogativas QSV, mas também em Q

V (interrogativas com sujeito nulo). Já, o PB, que exibe resíduos de uma gramática V2,

tal como o PE, nas três primeiras sincronias analisadas (século XIX e primeiro quartel

do século XX), passa a exibir uma nova gramática, igualmente desencadeada pela

entrada da clivagem, mas, a partir de então, generalizar a ordem QSV

independentemente da clivagem, ao mesmo tempo que remarca o valor do Parâmetro do

Sujeito Nulo. As evidências empíricas aqui encontradas sustentam a hipótese de que a

ordem QSV no PE não está relacionada à perda do sujeito nulo, como ocorreu no PB.

Uma discussão seguida da sistematização formal dos padrões de interrogativas Q

atestados finaliza a análise.

PALAVRAS-CHAVE:

Interrogativas Q; Ordem VS/SV; Parâmetro do Sujeito Nulo; Clivagem; Competição de

Gramáticas

ABSTRACT

Using the theoretical framework of the Principles and Parameters Theory (Chomsky,

1995), this dissertation presents a diachronic analysis of Wh questions in European

Portuguese (EP) based on data from a sample of Portuguese plays produced along the

19th

and the 20th

centuries. An additional sample examines the Wh patterns found in

newspaper writing and spontaneous speech from recorded sociolinguistic interviews.

The results are compared with those found for Brazilian Portuguese (BP) by Duarte

(1992) and Pinheiro & Marins (2012). Since EP behaves like a consistent null subject

language, I assume the hypothesis that 1st. 2

nd. person and anaphoric subjects should be

preferably null. With respect to overt subjects (lexical DPs and pronouns), EP grammar

will present consistent VS order without clefting and SV order will always exhibit

clefting. Using the model of Grammar Competition (Kroch, 1989, 2001) to interpret

linguistic change, the results confirm my initial hypothesis: EP exhibits a competition

involving WhVS, traces of a V2 grammar and WhSV triggered by the introduction of

clefting, which generalizes in the system, becoming the most frequent pattern not only in

WhSV but also in WhV (questions with a null subject). BP, which shows traces of a V2

grammar, just like EP, in the first three synchronies analyzed (19th

century e 1st quarter

of the 20th

century), starts to exhibit a new grammar also triggered by clefting as well;

but from then on SV generalizes and clefting is no longer obligatory at the same time

that BP resets the Null Subject Parameter. Empirical evidence supports the hypothesis

that WhSV order in EP is not related to the loss of null subjects as it seems to be in BP.

A discussion and a formal systematization of the attested Wh question patterns closes

the analysis.

KEY WORDS:

Wh questions; VS/SV order; Null Subject Parameter; Clefting; Grammar Competition

“Todas as vitórias ocultam uma abdicação”. (Simone de Beauvoir)

AGRADECIMENTOS

Começo agradecendo à minha família. Pai, mãe e irmã, obrigada pela base,

pelo apoio e pela estrutura oferecida a mim em todos esses anos de vida acadêmica. Não

encontro as palavras exatas para expressar o quanto sou grata por vocês sempre

apoiarem minhas escolhas. Amo vocês!

Agradeço a Deus, pois sei que Ele foi uma presença fundamental ao longo de

toda a minha vida.

À Maria Eugênia Lammoglia Duarte, que me acompanha com seu olhar atento

desde o mestrado e me ensinou entre outras coisas a como ser uma pesquisadora. Muito

obrigada por estar disposta a compartilhar todo seu imenso conhecimento comigo.

Obrigada pela preocupação com a forma e o conteúdo de todos os trabalhos

apresentados até aqui.

À Mônica Tavares Orsini, por ter me ajudado a dar os primeiros passos dessa

longa caminhada, um muito obrigado não seria suficiente. Agradeço imensamente a

você, que ouviu minhas ideias ainda imaturas e acreditou em mim.

Agradeço aos meus amigos, que tiveram papel essencial nessa caminhada. Aos

amigos de fora da UFRJ, obrigada pela força e pela paciência quando eu não podia estar

tão presente quanto eu gostaria, pois estava ocupada com a tese. Aos amigos da UFRJ,

agradeço especialmente à Rachel e Janaína, que acompanham de muito perto as dores e

as delícias de um doutorado. E aos outros que estiveram sempre por perto e entendem

como essa conclusão é incrível. Desejo sorte a nós todos, doutores!

Aos colegas já professores, Juliana Marins, mais que amiga e colega de grupo

de pesquisa, você foi um exemplo! Obrigada por tudo o que compartilhamos, obrigada

pelas leituras e pela confiança que você sempre me passa. Humberto, obrigada pelas

dicas e pelos comentários sobre diversos pontos do trabalho. Espero um dia estar ao

lado de vocês no setor.

Aos professores da UFRJ, que me ensinaram muita coisa nesses seis anos de

mestrado e doutorado, um muito obrigado especial porque vocês abriram portas e

janelas para mim. E aos membros desta banca, que se dispuseram a ler e contribuir para

o meu trabalho: sei que cada comentário acrescentará muito à minha experiência

acadêmica.

Agradeço grandemente à Ana Maria Martins, minha orientadora e anfitriã em

Lisboa. Professora, obrigada por ter disponibilizado seu tempo e por ter aberto seu

grupo de pesquisa para mim nos poucos meses que estive em Portugal. As contribuições

da senhora foram essenciais e muito do que fizemos no Centro de Linguística da

Universidade de Lisboa está presente nesta tese.

Ainda do lado de lá do mapa, agradeço aos colegas do CLUL, que me

receberam de braços e sorrisos abertos. Além de ótimos pesquisadores, vocês são

excelentes guias turísticos e Lisboa não teria sido a mesma sem vocês.

A realização deste trabalho não teria sido possível se eu não tivesse tanto a

agradecer.

Este trabalho foi parcialmente financiado pelo CNPq e CAPES

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

V – verbo

S – sujeito

VS – ordem verbo – sujeito

SV – ordem sujeito - verbo

PB – Português Brasileiro

PE – Português Europeu

V2 - verbo em segunda posição

CL2 – clítico em segunda posição

Spec – especificador

TP – sintagma temporal (tense phrase)

DP – sintagma determinante (determiner phrase)

SN – sintagma nominal

SVO – ordem sujeito - verbo - objeto

QVS – palavra Qu – verbo – sujeito

Q é que SV – palavra Qu – clivagem – ordem SV

Q Cliv V – palavra Qu – clivagem – verbo

Q Cliv VS – palavra Qu – clivagem - ordem VS

Q Cliv SV – palavra Qu - clivagem – ordem SV

Q que SV – clivada reduzida

Q V – palavra Qu – (sujeito nulo) – verbo

PSN – parâmetro do sujeito nulo

I – núcleo do sintagma flexional (inflection)

C – complementizador (complementizer)

PM – português moçambicano

pro – pronome nulo

CP – sintagma complementizador (complementizer phrase)

FL – forma lógica

SS – estrutura superficial (superficial structure)

F – foco

FP/FocP – sintagma foco (focus phrase)

VP – sintagma verbal (verb phrase)

TopP – sintagma tópico (topic phrase)

LSN – língua de sujeito nulo

GU – gramática universal

PRON - pronome

Q [+ arg] – elemento Qu argumental

Q [– arg] – elemento Qu não argumental

Aux – verbo auxiliar

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1

PONTOS DE PARTIDA

1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................4

1.1 Periodização das diferentes gramáticas do português com base na ordem dos

constituintes.......................................................................................................................4

1.1.1 O período V2..............................................................................................5

1.1.2 O fim do período V2 e a emergência de uma nova gramática....................8

1.2 A ordem QVS no PB e no PE....................................................................................10

1.2.1 As interrogativas Q do PB e as mudanças ‘encaixadas’...........................10

1.2.3 As interrogativas do PE............................................................................17

1.2.4 Uma breve análise da fala contemporânea do PB e PE............................21

1.3 A ordem QVS em interrogativas Q em outras línguas românicas.............................23

1.4 O fenômeno da clivagem no português.....................................................................28

CAPÍTULO 2

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS................................................................................35

2.1 Diferentes abordagens no estudo da mudança...........................................................35

2.2 Teoria Linguística......................................................................................................44

2.3 O critério Q, a questão do foco e o Q in situ..........................................................47

2.3.1 O critério Q (Rizzi, 1996)........................................................................47

2.3.2 O foco......................................................................................................48

2.3.3 O Q in situ no PB....................................................................................52

2.4 O Parâmetro do Sujeito Nulo...................................................................................55

CAPÍTULO 3

3. Objetivos, Hipóteses de Trabalho e Metodologia...................................................58

3.1 Objetivos e hipóteses de trabalho..............................................................................58

3.2 Metodologia de análise – procedimentos metodológicos..........................................60

3.2.1 A amostra...................................................................................................61

3.2.2 Os dados...................................................................................................64

3.2.3 Os grupos de fatores linguísticos e não linguísticos.................................65

CAPÍTULO 4

4. A ANÁLISE DOS DADOS 70

4.1 Análise dos dados do português europeu..................................................................70

4.2 Resultados gerais.......................................................................................................70

4.2.1 Sujeitos nulos e expressos.........................................................................78

4.2.2 - Algumas restrições estruturais relativas à ordem VS/SV......................83

4.2.3 – As interrogativas com Q in situ..............................................................87

4.3 A escrita de jornais no PE.........................................................................................87

4.4 As interrogativas encaixadas ou “indiretas”..............................................................90

4.5 Revisitando os dados do PB.....................................................................................91

4.6 Comprando PE e PB.................................................................................................99

4.7 Mais algumas reflexões sobre o Q in situ................................................................103

4.7.1 As interrogativas com Q in situ no francês (Cheng & Rooryck, 2000)...107

4.8 O CP em camadas (Rizzi, 1997) e as interrogativas Q do português......................110

4.9 Algumas reflexões sobre a mudança linguística......................................................114

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................119

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................124

LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS, FIGURAS E QUADROS

GRÁFICOS

Gráfico 1.1: Evolução da ordem SV (vs. VS) em interrogativas diretas (adaptado de

Duarte, 1992, p.41)..........................................................................................................12

Gráfico 1.2 Expressão do sujeito x ordem em interrogativas Q – adaptado de Pinheiro e

Marins, 2012....................................................................................................................14

Gráfico 1.3: Evolução do sujeito pleno (Duarte, 1993), da ordem QSV (Pinheiro e

Marins, 2012) e do processo de clivagem no PB............................................................15

Gráfico 4.1: Distribuição da ordem nas interrogativas Q ao longo de sete períodos no

PE.....................................................................................................................................72

Gráfico 4.2: Interrogativas Q clivadas e não clivadas ao longo de sete períodos no PE.76

Gráfico 4.3: A ordem Q V DP (vs Q DP V) e Q V PRO (vs Q PRO V) e a representação

do sujeito ao longo do tempo no PE................................................................................83

Gráfico 4.4: Distribuição da ordem nas interrogativas Q ao longo de sete períodos no

PB....................................................................................................................................93

Gráfico 4.5: Interrogativas Q clivadas e não clivadas no PB ao longo de sete períodos

no PB...............................................................................................................................96

Gráfico 4.6: Interrogativas Q V e Q é que V (vs total de dados nas peças do PB e do

PE...................................................................................................................................100

Gráfico 4.7: Interrogativas Q VS não clivadas (vs Q SV) nas peças do PB e do PE..101

Gráfico 4.8: Interrogativas Q clivadas (vs total de dados) nas peças do PB e do PE..102

TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos padrões das interrogativas Q no PB e PE falados...............21

Tabela 4.1: Distribuição da ordem nas interrogativas Q ao longo de sete períodos no

PE.....................................................................................................................................72

Tabela 4.2: Detalhamento dos padrões nas interrogativas Q ao longo de sete períodos no

PE.....................................................................................................................................73

Tabela 4.3: Distribuição do sujeito nulo segundo sua referência no PE.........................78

Tabela 4.4: Distribuição do sujeito expresso segundo a pessoa e a referência no PE.....80

Tabela 4.5: Relação entre o padrão de interrogativa Q e o tipo de sujeito no PE...........81

Tabela 4.6: A ordem e a representação do sujeito ao longo do tempo no PE.................82

Tabela 4.7: Ordem QVS (vs. QSV) segundo o estatuto sintático-semântico do

interrogativo (argumento ou adjunto) ao longo de sete períodos no PE.........................84

Tabela 4.8: Distribuição dos tipos verbais ao longo de sete períodos no PE..................85

Tabela 4.9: Distribuição da estrutura verbal ao longo de sete períodos no PE...............85

Tabela 4.10: Padrões de interrogativas Q na escrita de jornais do PE............................88

Tabela 4.11: índices de Q in situ em três amostras.........................................................89

Tabela 4.12: Distribuição da ordem das interrogativas Q diretas ao longo do tempo no

PB....................................................................................................................................93

Tabela 4.13: Detalhamento dos padrões das interrogativas Q diretas no PB..................94

Tabela 4.14: Distribuição dos padrões das interrogativas Q no PB falado.....................97

Tabela 4.15: Interrogativas Q com sujeito nulo (clivadas e não clivadas) vs total de

dados na fala do PB e do PE..........................................................................................100

Tabela 4.16: Interrogativas Q não clivadas e ordem VS vs não clivadas e ordem SV na

fala do PB e do PE.........................................................................................................102

Tabela 4.17: Interrogativas Q clivadas (vs total) na fala do PB e do PE.......................103

Tabela 4.18: Distribuição das sentenças com Q in situ em diferentes gêneros no PE e no

PB..................................................................................................................................104

FIGURAS E QUADROS

Figura 1: O desenho da gramática no programa minimalista..........................................45

Quadro 1: Distribuição do período compreendido em cada sincronia............................61

Quadro 2: Distribuição da amostra utilizada por período e autor....................................62

Quadro 3: Relação de peças utilizadas em Duarte (1992)...............................................69

Quadro 4: Peças brasileiras utilizadas na análise............................................................92

1

INTRODUÇÃO

O comportamento da ordem dos constituintes Verbo e Sujeito no interior das

interrogativas Q já foi tópico de interesse de diversos trabalhos e vários deles são

utilizados como base para as reflexões desta tese, como o de Duarte (1992) e Lopes

Rossi (1996), além dos vários estudos teóricos como o de Kato e Ribeiro (2009, 2015),

Mioto (1996). Além da descrição da ordem VS/SV, interessa para esta tese pensar em

fenômenos de mudança relacionados ao Parâmetro do Sujeito Nulo e aos processos de

focalização ao longo da história do português.

Tenho como objetivo principal nesta tese analisar a evolução da ordem VS/SV

nas interrogativas Q do PE com base em um corpus de peças teatrais distribuídas em

sete períodos de tempo entre os séculos XIX e XX. A partir dos resultados, será

elaborada uma comparação com os resultados já existentes para o PB, particularmente

os de Duarte (1992) e Pinheiro e Marins (2012), que utilizam uma amostra de peças

teatrais brasileiras igualmente constituída

Organizo o trabalho da seguinte maneira: no capítulo 1, apresento os pontos de

partida do trabalho, retomando os estudos empíricos de Ribeiro (2007), Berlinck (1995,

2000), Duarte (1992), Lopes Rossi (1996), Pinheiro e Marins (2012), além de outros

que contribuem para a compreensão do fenômeno da ordem. Apresento nesse capítulo

questões sobre a periodização do português e como o estudo das interrogativas e da

ordem pode contribuir com evidências para delimitação das diferentes gramáticas ao

longo do tempo. Em seguida, discuto a relação entre a perda do sujeito nulo e da ordem

VS no PB e, na seção seguinte, falo sobre as descrições referentes à ordem VS/SV no

PE. Com base em resultados da fala do PE contemporâneo, aponto que existe uma

diferença entre as descrições linguísticas e o que acontece no sistema. Nesse capítulo,

apresento também breves descrições sobre outras línguas românicas e seu

comportamento no que diz respeito às interrogativas Q. Discuto, ao final do capítulo,

questões relacionadas à clivagem.

No segundo capítulo, apresento os pressupostos teóricos que norteiam a análise.

Começo fazendo uma visita aos modelos para o estudo da mudança sintática. Em

seguida, associo o modelo de mudança escolhido - Competição de Gramáticas (Kroch,

1989, 2001) com a teoria linguística de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1995). Por

fim, trato de questões teóricas que têm ligação com o fenômeno em estudo: o critério Q

2

proposto por Rizzi (1996), a questão do foco com propostas como a de Uriagereka

(1995) e as interrogativas sem movimento do sintagma Q com base em trabalhos como

o de Kato (2014), além de uma breve discussão sobre o PSN baseada em Holmberg

(2010).

No capítulo 3, apresento a metodologia, incluindo a descrição da amostra de

peças teatrais e sua divisão em períodos de tempo, além dos grupos de fatores que serão

observados na análise dos dados. Também faço referência ao corpus de entrevistas orais

que foi utilizado com o objetivo de discutir se as descrições tradicionais para o PE estão

em conformidade com a língua em vigor, bem como aos dados retirados de textos

jornalísticos que serviram como mais uma evidência do comportamento do PE.

Apresento também os critérios de seleção dos dados e exemplifico o que foi

considerado na análise empírica. Neste capítulo, refino meus objetivos e hipóteses de

trabalho, sendo os principais objetivos (i) traçar o percurso das interrogativas Q no

Português Europeu ao longo dos séculos XIX e XX, (ii) elaborar um panorama de

comparação do histórico das interrogativas Q do PE com as mesmas estruturas no PB, a

fim de contribuir para as descrições de ambos os sistemas e (iii) tomando o modelo de

competição de gramáticas como modelo de estudo e interpretação da mudança,

relacionar possíveis mudanças no padrão de interrogativa a mudanças no sistema do

português. A hipótese que norteia o trabalho se baseia em Kato e Duarte (2002) e

propõe que a tendência da língua a preencher a posição de sujeito tenha uma estreita

relação com a ordem preferencial dos constituintes tanto nas declarativas quanto nas

interrogativas Q. Uma vez que o PE se apresenta como um sistema de sujeitos nulos

estável, era de esperar que a ordem VS fosse produtiva em todos os períodos de tempo,

o que confirmaria a relação entre o PSN marcado negativamente e a ordem VS nas

interrogativas Q.

O capítulo 4 traz a análise dos dados. As seções iniciais tratam dos dados do PE

e descrevem os resultados associados a reflexões teóricas sobre o comportamento das

interrogativas Q nas peças e em outros gêneros textuais a fim de testar a

representatividade das peças. Após os resultados para o PE, apresento uma comparação

com os dados do PB, que leva em conta uma nova análise dos dados de Duarte (1992) e

Pinheiro e Marins (2012). O resultado dessa comparação permite observar o percurso

diacrônico das duas gramáticas e concluir que o PE exibe uma competição que envolve

a ordem QVS, originada a partir de resquícios de uma gramática V2. Essa ordem passa

a QSV em consequência da entrada e generalização da clivagem no sistema. O padrão

3

mais frequente não apenas nas interrogativas QSV, mas também em Q V (interrogativas

com sujeito nulo) passa, portanto, a ser com clivagem. Em relação ao PB, que também

exibe resíduos de uma gramática V2 no século XIX e primeiro quartel do século XX,

observa-se que o sistema passa a exibir uma nova gramática, igualmente desencadeada

pela entrada da clivagem. Porém, diferente do PE, o PB generaliza a ordem QSV

independentemente da clivagem. Paralelamente a isso, o sistema passa pela remarcação

no valor do Parâmetro do Sujeito Nulo. O capítulo conta também com uma seção de

formalização das estruturas analisadas. Encerro esse o capítulo 4 com algumas reflexões

sobre interrogativas com Q in situ e questões sobre a observação da mudança

linguística.

Por fim, apresento as considerações finais, em que busco retomar as principais

discussões traçadas ao longo da tese sobre como e por que as gramaticas de PB e PE se

aproximam e/ou se distanciam no que diz respeito à ordem VS/SV nas interrogativas Q

e como essa diferença está (ou não) relacionada ao PSN.

4

CAPÍTULO 1

1- Introdução - Pontos de Partida

Neste capítulo, mostro a evolução da ordem do (V) verbo e do (S) sujeito ao

longo do tempo no português com base em diversos autores que tratam do tema. Tenho

como objetivo inicial identificar diacronicamente diferentes gramáticas com base na

ordem desses constituintes. Em seguida, descrevo o fenômeno da ordem VS/SV no PB e

no PE contemporâneos a partir de trabalhos que buscam refletir sobre como as

mudanças na ordem dos constituintes se relacionam a outras mudanças no sistema.

Volto minha atenção para a ordem nas sentenças interrogativas Q, porém, em alguns

momentos, é preciso fazer um paralelo com as estruturas declarativas, que são os

primeiros contextos de mudança na ordem VS. Ainda pensando em um possível

“encaixamento” da mudança, entendendo-se aqui a correlação entre fenômenos, porém

em uma perspectiva interlinguística, descrevo brevemente algumas línguas românicas

com o objetivo de localizar o comportamento do PB e do PE dentro desse quadro.

Dedico uma seção ao fenômeno da clivagem, uma vez que se trata de uma estratégia de

focalização descrita na maioria dos trabalhos como um dos gatilhos da mudança de VS

para SV e constituirá um ponto importante para o trabalho a ser desenvolvido nos

capítulos seguintes.

1.1 - Periodização das diferentes gramáticas do português com base na ordem

dos constituintes

Ribeiro (2015, p.219 [2007]) discute as diferentes propostas de periodização do

português e afirma que “É constante, no âmbito dos estudos de sintaxe diacrônica, a

preocupação com a identificação de períodos históricos de uma língua, estando

subjacente à periodização o pressuposto de mudanças internas ao sistema, mudança de

gramática ou de Língua-I(nterna)”. Por isso, farei aqui uma breve retomada de alguns

trabalhos a fim de localizarmos no tempo as mudanças na gramática do português,

especificamente no que tange à ordem de constituintes.

5

1.1.1 - O período V2

Ribeiro (2007) reflete sobre a formação do PE relacionando propriedades como

a sintaxe da ordem e a sintaxe das interrogativas, dois temas de interesse para esta tese,

com diferentes fases históricas da língua. A autora postula a existência de duas

gramáticas no período do português arcaico: uma gramática V2, em que o foco atrai o

verbo para seu núcleo e se tem uma relação estreita entre foco e verbo flexionado; e

uma gramática CL2 (uma variante galega) em que não se observa a adjacência entre o

elemento focalizado e o verbo, ou seja, o foco não atrai o verbo flexionado,

caracterizando a gramática que Ribeiro (2015, p.219 [2007]) define da seguinte

maneira: “Identifico esta gramática como CL2, por ser o clítico o constituinte que

satisfaz os requerimentos do núcleo da categoria funcional hospedeira do Foco.”. Os

exemplos (1) e (2) ilustram estruturas de cada uma dessas gramáticas, sendo (1)

representativo da gramática V2 e (2) referente à gramática CL2.

(1) E estes dizia el-rrei que mandava matar porque forom da parte da rrainha dona

Branca.

[FocP estes [F diziai [TP el-rrei [T ti [que mandava matar porque forom da parte da

rrainha dona Branca.]]]

(2) a. Ainda vos eu mais direi

[FocP ainda [F vosi [TP eu [T mais ti direi.....]]]

b. todo nos este uemtre come

[FocP todo [F nosi [TP este uemtre [T ti come]]]

No exemplo em (1), o verbo flexionado está adjacente ao constituinte

focalizado; o sujeito permanece em spec TP, ou seja, o verbo está em segunda posição.

No exemplo em (2) um constituinte adverbial ou um quantificador é focalizado (ou

enfatizado), o clítico ocupa a posição seguinte e o verbo flexionado aparece seguindo o

sujeito em uma posição mais baixa.

Por conta dessa dupla possibilidade no comportamento do Foco, a autora

identifica a convivência de duas gramáticas, já que as duas ordens de constituintes

geradas não são compatíveis com uma mesma gramática. Basta observar que um

6

sistema estritamente V2, como o alemão, não admite tal opção em contextos-raiz. O

período de convivência entre esses dois sistemas corresponde aos séculos XIII – XV. A

partir do século XVI, Ribeiro afirma encontrar um uso mais consistente de uma

gramática portuguesa, nas palavras da própria autora. Este é o período denominado V2

pleno, que apresenta sentenças como (3) com o verbo sempre na segunda posição:

(3) a. Muyto é boa cousa a oraçõ dos monges.

b. Dous veeron o dia d’oonte que me tiraron a alma do corpo e mh’a levaron

pera o boo logar.

Torres Morais (1993) também apresenta um percurso da ordem sujeito-verbo no

português. A autora mostra que entre os séculos XVI e XVIII uma porcentagem

significativa de V2 é atestada, como ilustra o exemplo em (4):

(4) a. Cada dia vão os padres visitar os enfermos (séc XVI)

Isso significa dizer que, nessa fase, o português licenciava um movimento que fazia

com que o verbo finito sempre aparecesse na segunda posição nas orações matrizes. O

elemento que antecede o verbo pode ser um constituinte (XP) de natureza gramatical

variada: um DP sujeito, um locativo ou até mesmo um elemento discursivo.

Em relação às interrogativas Q, Ribeiro observa que nos séculos XIV e XV elas

seguem a ordem Q V (S), reflexo da gramática V2, como mostrado em (5), uma

estrutura idêntica às ilustradas em (1), (3) e (4):

(5) Que pescado cuidas tu ora que ti nós tragamos naquestes montes?

Porém, a autora aponta que em casos de interrogativas globais (sim/não) a ordem VS

padrão em todos os casos no português arcaico não aparece mais e dá lugar à ordem SV

ilustrada em (6):

(6) Disse o juiz: Lógo, vós quereis désta fazenda nòveçentos mil reáes?

7

O uso de SV nas perguntas sim/não já indica que há uma mudança em curso no

padrão da ordem dos constituintes nas interrogativas; afinal em um sistema V2 a ordem

VS seria a esperada, já que o verbo flexionado é atraído para o núcleo de Foco. A

presença de SV indica, portanto, que o PE neste momento já dispõe de uma nova

estratégia para realizar interrogativas sim/não, diferente da estratégia licenciada pela

gramática V2.

A partir do século XVII, Ribeiro (2007) identifica uma mudança na estratégia de

focalização, que deixa de ser V2 (verbo atraído para o núcleo F) e passa a ser com

clivadas invertidas, estruturas em que o foco é movido para antes da cópula como

mostra o exemplo (7):

(7) a. A estes é que na Conjugação Passiva chamamos compostos.

b. Dêste homem e da nossa desgraça é que me queixo.

As clivadas invertidas ainda estão sujeitas à sintaxe V2; porém, do século XVIII em

diante, o que aparece como estratégia de focalização é a clivada canônica, como mostra

(8); nesse caso o foco fica depois da cópula seguido pelo elemento Q:

(8) foi Vossa Eminência quem me conduziu à presença de Sua Alteza Real.

A presença dessas estruturas clivadas, como ilustra a interrogativa Q em (9), indica que

o movimento do verbo para F já não é mais categórico no século XVIII como era no

português arcaico:

(9) Logo com que substantivo é que concordam?

O uso da clivada canônica como estratégia de focalização mostra que não existe

mais uma restrição V2 atuando no sistema. A clivagem nas interrogativas é, segundo

Ribeiro, um traço que caracteriza o português europeu moderno: “a partir do século

XVI, o português europeu começa uma trajetória que resultará na realização de um V2

residual (nos termos de RIZZI, 1996), não mais um V2 pleno” (Ribeiro, 2015, p.235

8

[2007]), ou seja, já temos nesse momento, a gramática do português europeu

contemporâneo.

Já nas interrogativas Q em peças escritas no Brasil ao longo dos séculos XIX e

XX (Duarte, 1992), o uso do padrão V2 evidencia a gramática do PE, na primeira

metade do século XIX e princípio do século XX, como mostra a estrutura ilustrada em

(10 a). Depois disso, a ordem SV começa a aparecer associada à clivagem, como vemos

em (10 b):

(10) a. Que tens tu, Emília? (O noviço - 1845)

b. O que é que você sabe fazer de prático? (Um elefante no caos - 1955)

Lopes Rossi (1993 e 1996) analisa as interrogativas Q em peças teatrais, além de

um corpus de língua falada (programas de televisão - fala espontânea). Sua amostra

diacrônica compreende os séculos XVI a XVIII, que seriam períodos representativos do

português clássico, e os séculos XIX e XX, representando o PB moderno. A análise do

período correspondente ao português clássico mostra resultados semelhantes aos

encontrados por Ribeiro (2007), revelando que o padrão das interrogativas era

semelhante ao de uma língua V2 e a única exceção ao movimento ocorre quando o

interrogativo é seguido de um SN. Segundo a interpretação da autora, esse tipo de

interrogativo não é um quantificador da mesma natureza dos outros interrogativos e por

isso deve ser analisado de maneira diferente. Os resultados de Lopes Rossi para a fala

espontânea serão comentados nas seções seguintes e retomados no capítulo de análise.

Já é possível observar que, tanto no PB quanto no PE, a entrada das estruturas

canônicas de clivagem causou um impacto no sistema de ordenação de constituintes,

licenciando uma ordem que não era o padrão no português arcaico e no português

clássico.

1.1.2 - O fim do período V2 e a emergência de uma nova gramática

Os estudos de Berlinck (1995, 2000) mostram os padrões principais na ordem

das declarativas do PB, entre os quais está o já citado padrão V2, também conhecido

como inversão germânica, além da inversão românica e o padrão VS em construções

inacusativas.

9

Os padrões V2 e V1 ainda são encontrados por Berlinck no século XIX como

mostram os exemplos em (11), exatamente os padrões que Torres Moraes aponta como

típicos do período anterior, compreendido entre os séculos XVI e XVIII (cf. exemplo

(4)).

(11) a. Emília, aos cinco anos estava eu órfão, e tua mãe, minha tia, foi nomeada por

meu pai sua testamenteira e minha tutora. (séc XIX)

b. Então, não pensou ela na felicidade de seus filhos. (séc. XIX)

O outro padrão encontrado nas declarativas do PB, a inversão românica, é aquele

em que o sujeito não aparece contíguo ao verbo, mas ocupa a posição final e recebe

valor de foco, como vemos em (12) (com verbos intransitivos, a construção é ambígua

entre inversão germânica e românica). Observe-se que o verbo se encontra em primeira

posição e o DP sujeito é pesado, o que favorece sua posposição:

(12) Tocou à minha cunhada, como principal bem de fortuna e fonte de renda, a

conhecida fábrica de meias da rua de Santa Engrácia. (Século XIX)

Finalmente, temos o terceiro padrão descrito por Berlinck, a ordem VS, com

construções inacusativas, que incluem os inacusativos propriamente ditos e as

construções com a cópula, como em (13).

(13) a. Nesses planos estávamos, quando apareceu este homem, não sei donde, (...)

(Século XIX)

b. Não é mais dramático um salto daqui de cima (Século XX)

A inversão com inacusativos é o contexto em que a ordem VS resiste no PB –

esses verbos têm seu único argumento gerado na posição interna do sintagma verbal,

não se podendo falar propriamente em inversão. Esta é, certamente, a razão de sua

resistência à mudança na fixação da ordem SV. A essa resistência de VS com os

monoargumentais Kato (2000) dá o nome de restrição de monoargumentalidade.

Torres Morais (1993) aponta o começo da perda da ordem VS tanto nas

interrogativas quanto nas declarativas finitas entre os séculos XVIII e XIX,

considerados como períodos de transição, pois seus resultados para as declarativas

10

mostram que a não inversão já aparecia no sistema desde o século XVIII. A ordem

(X)SVX é muito frequente a partir do século XVIII, como mostramos em (14):

(14) Finalmente, o pequeno tomou juízo. (séc. XIX)

Embora, a partir de então a ordem (X) SV se torne mais frequente, ainda são atestados

casos que podem ser interpretados como V2 e ocorrências de VS, o que sugere uma

competição de gramáticas.

Portanto, o português passou por um processo de mudança de gramáticas que

pode ser resumido na perda do sistema V2 e na entrada de uma gramática que prioriza a

ordem SVO. No PB contemporâneo, apesar de a ordem preferencial ser com sujeito

anteposto ao verbo, encontramos VS com verbos inacusativos tanto nas declarativas

quanto nas interrogativas. Esse é um contexto de resistência à mudança na direção de

SV. No PE, diferentemente disso, encontramos mais contextos de VS além dos

inacusativos. Nas declarativas, por exemplo, o sujeito focalizado deve ficar em posição

pós-verbal para que receba essa leitura. Nas interrogativas Q, que serão detalhadas em

seções subsequentes, observamos a ordem VS que tende a ser mantida no PE salvo em

contextos licenciados por algum outro fator como a clivagem, por exemplo. O

comportamento da ordem no PE está sempre relacionado ao processo de focalização;

esse é um dos pontos centrais desta tese.

1.2 - A ordem QVS no PB e no PE

1.2.1 - As interrogativas Q no PB e as mudanças encaixadas

Duarte (1992), estudo já referido na seção precedente, apresenta uma análise

detalhada sobre o comportamento das sentenças interrogativas Q no PB utilizando peças

teatrais distribuídas em sete períodos de tempo1. A autora mostra que a mudança na

ordem de VS para SV está, inicialmente, associada à clivagem. Nas peças de 1734

estudadas pela autora, todas as interrogativas exibiam ordem Q VS, o que está em

consonância com o que outros pesquisadores mencionam para períodos anteriores. Até

o ano de 1918 a ordem SV se mantem um pouco abaixo dos 20%, tal como na segunda

1 A última sincronia analisada no texto de Duarte (1992) contava com episódios de novelas e foi depois

substituída pelos dados de uma peça de teatro.

11

metade do século XIX. As poucas ocorrências de SV coincidem com a entrada da

clivagem no sistema, porém só nos anos 1930, é possível observar o aumento de

estruturas clivadas e os dois padrões - Q VS e Q é que SV - aparecendo em distribuição

complementar, ou seja, há uma relação entre presença de clivagem e SV; na ausência de

clivagem, a ordem é VS, como ilustrado, respectivamente, em (15 a,b).

(15) a. Que é que você está fazendo? (O hóspede do quarto no. 2 - 1937)

b. Mas que veio você fazer aqui novamente? (O hóspede do quarto no. 2 -

1937)

A partir da peça representativa de 1955, a ordem VS se mantém com

interrogativos argumentais (16 a) e a complementaridade atestada no período não se

verifica mais. A ordem SV já aparece com clivagem, padrão anterior, ou sem clivagem,

como ilustrado, respectivamente, em (16 b, c):

(16) a. Que fez seu filho com os documentos que lhe dei? (Um elefante no caos -

1955)

b. O que é que ele disse? (Um elefante no caos - 1955)

c. Onde você andou? (Um elefante no caos - 1955)

A partir de 1975, a ordem SV é predominante (17 a, b), enquanto VS fica restrita

aos verbos monoargumentais desde que o sujeito seja um DP lexical (17 c, d), tal como

ocorre nas declarativas. Além disso, a clivagem pode ou não aparecer:

(17) a. Como é que você sabe? (A mulher integral - 1975)

b. E por que os erros persistem? (A mulher integral - 1975)

c. Onde andará a Neiva? (No coração do Brasil - 1992)

d. Como é que me acontece uma coisa dessas? (No coração do Brasil - 1992)

Finalmente, nesse mesmo período, surgem as clivadas reduzidas (estruturas em

que a cópula é apagada) e as interrogativas com Q in situ, não descritas no trabalho de

Duarte (1992), ilustradas em (18), com dados da peça de Miguel Falabella, de 1992:

(18) a. Se eu estiver mesmo grávida, o que que eu vou fazer?

12

b. E eu vou pra onde?

c. E eu vou dizer o quê?

Tais sentenças podem receber duas interpretações - (1) pergunta eco: tem

entoação ascendente e denota espanto (esse tipo não foi encontrado nas peças). (2)

pergunta real: tem entoação descendente, a mesma das perguntas sim/não, como vemos

em (18 b, c). De acordo com um levantamento feito para esta tese, na peça de 1975, já

encontramos 15% de sentenças (14/89) com o interrogativo in situ e na peça de 1992,

10% das estruturas (7/68) seguem esse padrão. Esse resultado aliado ao crescimento da

ordem SV indica que no PB a subida do Q, tal como a subida do verbo, já não é

obrigatória.

O gráfico a seguir, adaptado de Duarte (1992), permite observar a evolução da

ordem SV (vs VS) nas interrogativas diretas do PB:

Gráfico 1.1: Evolução da ordem SV (vs. VS) em interrogativas diretas (adaptado de

Duarte, 1992, p.41)

Como mencionado anteriormente, a ordem SV aparece em índices muito baixos

na primeira metade do século XIX e fica em torno de 20% na segunda metade desse

século e no primeiro quartel do século XX. Com a peça de 1937, a autora afirma que o

sistema parece se estabilizar apresentando sistematicamente a ordem VS sem a

3%

16% 14%

57%

77%

95% 87%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992

SV

13

clivagem e a ordem SV com a clivagem, como exemplifiquei em (15). A autora

encontra nesse período o predomínio de SV (67%) contra VS (33%).

Lopes Rossi (1996) também afirma que uma mudança no padrão das

interrogativas começa a ser percebida na 1ª metade do século XIX. Essa mudança,

segundo a autora, é a perda do movimento do V. O padrão encontrado é, portanto, a

ordem Q SV, já que o movimento de Q ainda permanece no sistema. O PB só vai perder

a obrigatoriedade do movimento de Q na 2ª metade do século XX, período em que o

movimento de V já não aparece mais. A autora afirma que casos de movimento de V só

aparecem em construções inacusativas, corroborando resultados anteriores como o de

Duarte (1992). É também na 2ª metade do século XX, como já foi mencionado acima,

que a autora observa, a partir das amostras de fala, o aumento das sentenças clivadas; o

surgimento da clivada reduzida e uma grande porcentagem de Q in situ. Logo,

observamos que os resultados de Lopes Rossi (1993 e 1996) estão na mesma linha dos

encontrados por Duarte (1992), ambas apontam que a entrada da clivagem alterou a

ordem preferencial no sistema do PB e relacionam essa mudança a outras mudanças

pelas quais o português passava no momento, como a mudança no quadro pronominal e

o enfraquecimento da concordância verbal, por exemplo.

Mais recentemente, o trabalho de Pinheiro e Marins (2012), apresenta uma

revisita à análise de Duarte (1992) com o objetivo principal de incluir as interrogativas

Q com sujeito nulo na investigação sobre a evolução dessas estruturas no PB, sob a

perspectiva teórica de competição de gramáticas (Kroch 1989). Observando os

resultados desse trabalho é possível notar a redução dos sujeitos nulos e da ordem VS

como mostra o gráfico 1.2:

14

Gráfico 1.2 Expressão do sujeito x ordem em interrogativas Q – adaptado de

Pinheiro e Marins, 2012

Esses resultados corroboram os encontrados por Duarte (1993), apresentados no

gráfico 1.3, que investiga a realização do sujeito pronominal em todos os tipos de

sentença no mesmo corpus de peças teatrais. Seus resultados mostram que a mudança

na ordem de VS para SV não acontece isoladamente. É justamente na passagem do

terceiro para o quarto período, que corresponde ao ano de 1937, que o aumento de SV

começa a ser notado e é nesse mesmo período que o sujeito nulo começa a cair junto

com a ordem VS. O gráfico 1.3 mostra que o sujeito pleno (nas declarativas e

interrogativas) e a ordem QSV crescem juntos. A clivagem atua paralelamente aos dois

processos e tem um efeito forte no período referente ao ano de 1937, momento em que a

competição entre sujeito nulo e pleno, bem como entre a ordem QVS e QSV fica

evidente. No período seguinte, a ordem QSV já não depende mais da clivagem. As

curvas de ambos os gráficos sugerem que a mudança de VS para SV no PB é um

fenômeno paralelo à remarcação do PSN.

55% 47% 56%

48%

37%

15% 14%

38% 39%

35%

19% 16% 18%

10% 7%

14%

9%

33%

47%

67% 76%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992

Q V Q VS Q SV

15

Gráfico 1.3: Evolução do sujeito pleno (Duarte, 1993), da ordem QSV (Pinheiro e

Marins, 2012) e do processo de clivagem no PB

Além da relação com o preenchimento do sujeito mostrada nos gráficos 1.2 e

1.3, existe no PB uma correlação das referidas mudanças com a redução do paradigma

flexional. Desde 1937, segundo os dados de Duarte (1995), você se gramaticaliza e entra

no paradigma como um pronome de segunda pessoa, mesmo momento em que se dá a

implementação do sujeito pleno e da ordem SV nas interrogativas. Os exemplos com

sujeitos nulos (a forma preferida nas três primeiras sincronias) e os sujeitos expressos

(preferidos a partir dos anos 50), ilustrados em (19) e (20), mostram a primeira, segunda

e terceira pessoas nas declarativas, além de uma sentença interrogativa Q:

(19) a. Quando [Ø]1ps te vi pela primeira vez, [Ø]1ps não sabia que [Ø]2ps eras viúva e

rica. (O noviço - 1845)

b. Tua filhai lamentar-se-á, [Ø]i chorará desesperada, não importa (...) Depois

que [Ø]i estiver no convento e acalmar-se esse primeiro fogo, [Ø]i abençoará o

teu nome e, junto ao altar, no êxtase de sua tranqüilidade e verdadeira

felicidade, [Ø]i rogará a Deus por ti. (O noviço - 1845)

c. Por que saíste do convento? (O noviço - 1845)

(20) a. Se eu ficasse aqui eu ia querer ser a madrinha. (No coração do Brasil - 1992)

0%

14% 6%

49%

45%

58%

78%

20% 23%

25%

46%

50%

67%

73%

7% 14% 9%

33%

47%

67%

76%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992

clivada

suj pleno

QSV

16

b. Você não entende meu coração porque você tá sempre olhando pro céu e

procurando chuva. (No coração do Brasil - 1992)

c. Agora ele não vai mais poder dizer as coisas que ele queria dizer. (No coração

do Brasil - 1992)

d. Desde quando a gente precisa saber escrever prá vender bala? (No coração do

Brasil - 1992)

Observe-se que em (19 a), os sujeitos de primeira e segunda pessoa são nulos. Em (19

b) os sujeitos nulos são identificados pelo DP [tua filha], o que mostra um sistema capaz

de licenciar e identificar categorias vazias nessa posição. Em (20), são ilustrados os

sujeitos plenos, acompanhando a tendência das peças mais recentes e os resultados

obtidos para a fala espontânea (cf. Duarte, 1995).

O que se depreende das análises citadas acima é que nos períodos em que o

sujeito não era realizado foneticamente, a ordem VS se mostrava obrigatória nas

declarativas. Com o aumento do preenchimento da posição de sujeito o sistema muda e

tal mudança afeta diretamente a ordem preferencial dos constituintes nas sentenças

declarativas, que passa de VS a SV. Tal mudança na ordem das declarativas se espraia

para as interrogativas-Q, ou seja, a ordem SV passa a ser aplicada tanto nas declarativas

quanto nas interrogativas. O gráfico 1.3 indica que a clivagem acompanha essas

evoluções passando a ser o processo focalizador por excelência e depois perdendo sua

obrigatoriedade no licenciamento de QSV.

Nesse sentido, Kato e Duarte (2002) apresentam uma possível explicação para a

mudança na ordem das interrogativas no PB. Segundo elas, por conta do aumento dos

sujeitos preenchidos em todos os tipos de oração, a geração mais jovem passou a

reanalisar a posição do sujeito em relação ao verbo nas interrogativas-Q. Tal reanálise

consistia em entender estruturas que antes eram V(S)2 como sendo (S)V, desencadeando

a mudança na gramática. Esse processo é ilustrado em (21):

(21) a. Por que __ parou __ com a leitura ?

b. Por que parou (você) com a leitura?

c. Por que (você) parou com a leitura?

2 (S) indica o sujeito nulo.

17

Os estudos apresentados para o PB mostram que há dois gatilhos principais

quando tratamos de mudança na ordem VS nas interrogativas Q: a clivagem e a perda

do licenciamento do sujeito nulo. Acredito que estes fenômenos atuem de modo

paralelo; no entanto exercem influências de modo distinto no sistema. Essa hipótese se

justifica uma vez que no PE não observamos o mesmo processo. Logo, a clivagem pode

atuar tanto como parte de um conjunto de mudanças relacionadas que serviram de

gatilho para uma mudança de gramática; caso do PB, como pode se tornar o processo

focalizador principal e ainda assim não influenciar na estabilidade dos sujeitos nulos,

aparente caso do PE. Buscarei investigar essa hipótese durante a análise dos dados.

1.2.2 - As interrogativas Q do PE

A ordem das interrogativas no PE apresenta um comportamento diferente do que

já foi descrito para o PB. Segundo Ambar (1992), uma sentença como (22 a) sem o

movimento do verbo seria agramatical por não apresentar inversão (subida do verbo),

que é obrigatória no PE; logo, somente (22 b) é gramatical:

(22) a. *O que a Maria comprou?

b. O que comprou a Maria?

Descrições mais recentes, presentes em Brito, Duarte e Matos (2003), sobre as

interrogativas Q do PE, reiteram as informações já fornecidas por Ambar em 1992. Na

seção 12.3.2 da Gramática da Língua Portuguesa (Mateus et al. 2003), as autoras se

dedicam às interrogativas Q (referidas como interrogativas parciais), afirmando que tais

estruturas podem envolver movimento dos constituintes Q para uma posição à esquerda

da frase como mostra (23) ou este elemento pode permanecer in situ:

(23) a. *Onde a Maria trabalha? (Brito, Duarte e Matos, p. 471)

b. Onde trabalha a Maria?

c. A Maria trabalha onde?

A princípio a inversão é obrigatória no PE, no entanto Ambar aponta algumas

exceções à regra, as chamadas inversões não obrigatórias, que seriam aquelas que

18

podem concorrer com outros processos não sintáticos para o licenciamento das

sentenças, como o acento prosódico, por exemplo, como mostra (24):

(24) a.* Onde o Pedro encontrou a Joana?

b.Onde O PEDRO encontrou a Joana?

b'.ONDE o Pedro encontrou a Joana?

O acento prosódico que confere foco a um constituinte específico pode tornar a

ordem VS facultativa como se vê em (24 b e c). Nesse caso, a ordem SV é licenciada

por um processo de focalização de ordem prosódica e não sintática.

No exemplo (25), o constituinte Q integra um N foneticamente realizado (Q

complexo), diferentemente do que se vê nos outros exemplos. Em tais casos, como

mostra (25), a ordem VS também é facultativa. Sendo assim, a possibilidade de ordem

SV é explicada tendo em conta o fato de um elemento Q acompanhado de um SN não

ser um operador genuíno e por isso ele pode apresentar um comportamento diferente do

que rege os operadores reais:

(25) a. Que disco o Pedro ofereceu à Joana?

Ambar (1992) trabalha com a hipótese de que existe uma categoria vazia no

constituinte Q interrogativo. Segundo ela, essa hipótese explica porque em casos de

interrogativos simples a subida do verbo é obrigatória; pois nesse caso existe uma

categoria vazia em C que precisa ser preenchida. Como foi dito anteriormente, Lopes

Rossi (1993) defende que esse tipo de interrogativo não é um quantificador da mesma

natureza dos outros interrogativos e por isso deve ser analisado de maneira diferente,

levando em conta que seu domínio não é a sentença toda, mas somente o SN que o

acompanha. Segundo Ambar, alguns falantes preferem a inversão mesmo diante de Qs

complexos.

Na descrição de Brito, Duarte e Matos (2003, p.471), os interrogativos que têm a

estrutura ilustrada em (25) - especificador ou quantificador interrogativo + N realizado

foneticamente - seriam estruturas mais “pesadas” ou complexas, também constituindo

uma exceção à regra de inversão, que lhes permite aparecer com ordem VS ou SV,

como pode se ver em (26).

19

(26) a. Quantos livros leu a Maria?

b. Quantos livros a Maria leu?

Ambar afirma também que a ordem SV poderá ocorrer no caso de clivagem,

tanto em interrogativas diretas como indiretas. A autora define a clivagem da seguinte

maneira: (i) “é que é uma partícula com função de realce” e (ii) “é que é uma forma

derivada do verbo ser e do complementador que” (Ambar, 1992, p.189). Diante dessa

estratégia, a autora afirma que a flexão sobe para C, ocupando o lugar que deveria ser

ocupado pelo verbo. Para a autora, a coocorrência de clivagem com a ordem VS é

marginal, mas é possível no PE.

Brito, Duarte e Matos (2003, p.472) também apontam as sentenças clivadas

como estruturas que, assim como os interrogativos complexos, não levam

obrigatoriamente à inversão, podendo o sujeito aparecer em posição pré ou pós verbal

como mostram os exemplos em (27 a e b), respectivamente:

(27) a. Onde é que a Maria trabalha?

b. Onde é que trabalha a Maria?

Ainda em relação à clivagem, as autoras chamam a atenção para o fato de que,

ao contrário do que se observa no PB e no português moçambicano, o interrogativo e o

complementizador (referido por Mioto et al. como clivada reduzida), com o apagamento

da cópula, são agramaticais no PE, como mostra (28):

(28) *Quem que chegou?

Encerrando a descrição, Brito, Duarte e Matos (2003, p.474) apontam algumas

interrogativas que não apresentam movimento, ou seja, a partícula interrogativa

permanecendo in situ. Como já nos referimos antes, trata-se das interrogativas plenas

(de fato), como (29 a e b) e as interrogativas eco, como ilustram as sentenças em (29 a’

e b’), que podem ter as duas interpretaçoes a depender da curva entoacional e do acento

de intensidade que recai sobre o constituinte em destaque na interrogativa eco:

(29) a. A Maria sai quando?

a’ A Maria sai QUANDO?

20

b. Ela demorou tanto por quê?

b’ Ela demorou tanto POR QUÊ?

Tanto em Ambar (1992) quanto em Brito, Duarte e Matos (2003), encontramos

restrições gramaticais para o fenômeno da inversão. As autoras o consideram um

fenômeno gramatical, não estilístico, já que deve ser aplicado para satisfazer condições

de boa formação das sentenças interrogativas. Com base nas informações acima,

concluímos que a obrigatoriedade da inversão só não se aplicaria no PE: (i) quando o

elemento Q está acompanhado de um sintagma nominal (SN); (ii) quando a sentença

interrogativa é uma estrutura clivada e (iii) nas sentenças interrogativas indiretas, exceto

se introduzidas por que e por que. É possível observar também que, de fato, a

focalização é muito importante na estruturação das interrogativas do PE, ao que parece

o sistema se organiza da seguinte maneira: mediante a presença de um processo de

focalização (acento prosódico ou clivagem) a ordem SV é licenciada, na ausência de

qualquer processo focalizador a ordem VS é obrigatória, salvo nos casos de Qs

complexos.

Além disso, no PE contemporâneo, a ordem VS, segundo as descrições, é

mantida não só com estruturas apresentativas com verbos inacusativos, mas também

com verbos transitivos, nos casos de sujeito focalizado como em (30), em que a resposta

deve aparecer com a ordem VS:

(30) Quem comeu a torta?

Comeu a Joana

* A Joana comeu

A ordem SV, por outro lado, aparece quando o sujeito não é informação nova (31). A

diferença no uso de VS e SV, nesses casos, leva a crer que a ordem no PE está, de fato,

associada ao processo de focalização como mostra a resposta em (31):

(31) O que é que o João partiu?

O João partiu a janela.

21

A descrição apresentada aqui para o PE parte de dados observados na fala de forma não

sistemática; em grande parte, as autoras seguem dados da intuição ou da escrita.

Veremos a seguir como se comporta o PE na fala espontânea.

1.2.3 - Uma breve análise da fala contemporânea do PB e PE

A fim de verificar se a fala contemporânea segue os padrões apontados nas

descrições do PE, elaborei para esta tese uma análise que leva em conta sentenças

interrogativas Q retiradas de algumas entrevistas do Cordial – Sin3 e do corpus

Concordância4. No sentido de poder elaborar uma analise comparativa entre PE e PB,

fiz o mesmo levantamento com entrevistas brasileiras do NURC-RJ5 e corpus

Concordância do PB. Como meu alvo são as interrogativas, foi necessário levantar os

dados da fala dos entrevistadores e não dos entrevistados, como é de praxe. Tive o

cuidado de observar a origem de cada entrevistador a fim de garantir que fossem todos

portugueses nas amostras do PE e todos brasileiros nas amostras do PB.

Foram lidas 40 entrevistas no total. A seleção de duas sincronias diferentes com

um pequeno intervalo de tempo entre elas me permitiu realizar uma observação em

“tempo real de curta duração” (Labov, 1994) e observar se, no intervalo de cerca de

vinte anos, houve mudanças nos padrões mais recorrentes. Os resultados gerais estão na

tabela 1 seguida de um exemplo para cada padrão:

Tabela 1: Distribuição dos padrões das interrogativas Q no PB e PE falados

PADRÕES COM INTERROGATIVAS Q

PE PB Cordial – Sin

Anos 1980

Concord.

Anos 2000

NURC-RJ

Anos 1970

Concord.

Anos 2000

Q Cliv V 42% 53% 2% 0%

Q Cliv SV 20% 16% 73% 44%

Q Cliv VS 19% 9% 4% 0%

Q in situ 17% 5% 4% 10%

Q V 0,5% 6% 0% 3%

3 O Corpus dialetal para o estudo da sintaxe investiga a variação sintática dialetal do português europeu,

usando uma metodologia de constituição/exploração de um corpus anotado. Disponível em:

http://www.clul.ul.pt/pt/recursos 4 O projeto Concordância cumpre o objetivo de realizar e disponibilizar entrevistas sociolinguísticas no

âmbito do PB (Rio de Janeiro e Nova Iguaçu) e do PE (Lisboa/Oeiras e Cacém). Disponível em:

http://www.concordancia.letras.ufrj.br/ 5 O acervo do Projeto NURC-RJ (Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro) constitui

referência nacional para estudos da variante culta da língua portuguesa. Trata-se de entrevistas gravadas

nas décadas de 70 e 90 do século XX com informantes com nível superior completo, nascidos no Rio de

Janeiro. Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/

22

Q VS 1,5% 10% 1% 1%

Q SV 0% 1% 16% 42%

TOTAL (%) 157 (100%) 120 (100%) 83 (100%) 77 (100%)

(32) a. O que é que [ø] começaste por fazer? (Concordância PE)

b. Como é que você escolheu uma loja de artesanato? (Concordância PB)

c. E como é que se chama essa operação de ir lá tirar o mel? (Cordial-Sin)

d. Vocês viveram aonde? (Concordância PB)

e. Como [ø] acha que está o custo de vida? (Concordância PE)

f. Como surgiu o gosto pela advocacia? (Concordância PE)

g. Quando você vem? (NURC-RJ)

A sentença clivada com sujeito nulo (32 a) é o padrão mais recorrente no PE

falado com 42% na amostra recolhida nos anos 1980 e 53% na que foi gravada cerca de

vinte anos depois. É interessante notar que, embora a frequência desse padrão seja

muito alta, ele sequer é mencionado nas descrições do PE (cf. Brito, Duarte e Matos,

2003), mesmo nas mais recentes. Seguindo a clivagem com sujeito nulo, o segundo

padrão mais frequente no PE foi a clivada com ordem SV (32 b), com 20%. Esse

padrão, apesar de ser contemplado nas descrições, sempre aparece como uma mera

opção à ordem VS, tida como majoritária.

A clivagem com a ordem VS alcança índice semelhante, com 19% na amostra

Cordial-sin e 9% na amostra Concordância. O que parece explicar esse índice mais alto

das entrevistas do Cordial-Sin são as perguntas que procuram saber o nome de alguma

coisa. A grande frequência desse tipo de pergunta, como em (32 c), gerou um elevado

número de clivadas com ordem VS, o que não ocorre na amostra Concordância. Tal

padrão, mais recorrente com “como se chama X” é geralmente seguido de DPs longos6.

Também diferentemente do que mostram as descrições, as sentenças com Q in situ são

recorrentes no Cordial-Sin, mas ao que tudo indica se trata de mais uma peculiaridade

dessa amostra, já que observamos uma diferença entre os 17% na amostra do Cordial-

Sin e os 5% na amostra mais recente. Por fim, nas sentenças interrogativas Q sem

clivagem, os padrões são VS ou sujeito nulo, correspondendo ao que está em todas as

descrições do PE, embora apenas VS tenha alcançado 10% na amostra Cordial-sin.

6 A presença de DPs longos parece favorecer VS mesmo em contextos prototípicos de SV.

23

Quanto a SV sem clivagem, pode-se dizer que é de fato uma estrutura raríssima, com

apenas 1% na amostra Concordância e nenhuma ocorrência no Cordial-Sin.

Em relação ao PB, a distribuição confirma os resultados de Duarte (1992), Lopes

Rossi (1993, 1996) e Pinheiro e Marins (2012), já citados neste capítulo. Observamos

que apenas os padrões que envolvem a ordem SV e Q in situ são relevantes. A clivada

com SV (32 b) mostra uma queda se compararmos a amostra dos anos 1970 com a mais

recente, o que é explicado pelo aumento de SV independentemente da clivagem (32 g),

que apresenta 16% na amostra NURC-RJ e 42% na amostra Concordância que é mais

recente. Encontramos nas amostras do PB alguns casos de clivadas reduzidas; essas

estruturas, ilustradas em (33), são exclusivas do PB não sendo nem reconhecidas como

gramaticais pelos falantes do PE:

(33) E que que você acha da política atual?

Por que que você acha que tem esses problemas lá?

O sujeito nulo e a ordem VS ou estão ausentes ou apresentam índices irrelevantes no

PB.

O que o levantamento nos mostra é que as descrições para as interrogativas Q do

PE não dão conta de algumas evoluções pelas quais o sistema passa, especialmente no

que diz respeito ao uso da clivagem. A distribuição mostra que essa estratégia é a mais

frequente seja com sujeitos nulos ou expressos (antepostos ou pospostos a V). Essa

preferência pode indicar que a ordem VS não é mais o padrão principal das

interrogativas Q do PE como sugerem trabalhos sobre o assunto. Por outro lado, o

sujeito nulo revela comportamento estável, já que continua a ser a estratégia preferida

exceto nos casos de sujeitos expressos representados por DPs lexicais (novos). Esse

resultado será importante para elaboração de algumas hipóteses que serão apresentadas

no capítulo seguinte.

1.3 - A ordem VS em interrogativas Q em outras línguas românicas

Apresento aqui uma breve descrição do comportamento das interrogativas Q em

algumas línguas românicas, além do PB e PE, com base em trabalhos anteriores, a fim

24

de que um panorama mais amplo em relação a este tópico seja fornecido. Pretendo

retomar alguns pontos apresentados aqui no capítulo de análise dos dados.

Segundo as descrições tradicionais, o espanhol europeu exige a ordem VS nas

interrogativas Q. No entanto, segundo o estudo de Torrego (1984) a ordem VS só é

obrigatória com interrogativos argumentais como os de (34 a e b). Nos casos de

elementos Q não argumentais a ordem SV é licenciada (34 c).

(34) a. ¿Qué compró Juan?

a’.* ¿Qué Juan compró?

b. ¿A quién dió Juan el libro?

b’. *¿A quién Juan dió el libro?

c. ¿Por qué Juan quiere salir antes que los demás?

As interrogativas podem aparecer com o Q in situ, porém essa estrutura é rara e,

quando aparece, recebe leitura de pergunta eco (Ordóñez, comunicação pessoal). Para as

interrogativas indiretas, a ordem VS é obrigatória como mostra (35):

(35) a. No sé qué dijo Juan.

b. Me pregunto a quién vio tu hermano.

Assim como no PE, o interrogativo por que, Qs pesados e expressões D-linked7

não obrigam a presença de VS, porém, em alguns casos, o julgamento de

gramaticalidade é duvidoso, como mostra (36 c).

(36) a. Por qué el estudiante salió tan tarde?

b. A cuál de estos chicos tu Hermano va a regalar um juguete?

c. ??Que estudiantes tú piensas que van a salir?

No espanhol caribenho (Cuba, República Dominicana e Costa Rica) conforme

aponta Ordóñez (no prelo) a ordem VS também não é obrigatória. Ela aparece apenas

com sujeitos pronominais e em alguns outros poucos casos. Porém, o autor aponta que

7 Expressões D-linked são estruturas nominais ligadas ao discurso anterior acompanhadas de um nome

explícito – Q + SN

25

apesar da não obrigatoriedade de VS, essas línguas não usam a ordem SV de modo

muito consistente. O autor observa que o elemento que desempenha papel fundamental

na escolha da ordem parece ser o traço morfológico do sujeito: pronomes fracos

aparecem na ordem SV nessa variedade do espanhol, enquanto os pronomes fortes

aparecem com VS.

O italiano exige a ordem VS nas interrogativas matrizes (Barbosa, 2001). No

entanto, na maioria dos exemplos de gramáticas descritivas observamos o sujeito nulo,

como (37):

(37) Quando pensi di andartene?

‘Quando pensa em ir embora?’

Rizzi (1997) apresenta exemplos com sujeito expresso, em que é possível

observar a obrigatoriedade da inversão como em (38). Segundo o autor isso acontece

por conta do critério Q que deve ser obedecido. Esse critério estabelece que uma relação

de adjacência deve ser mantida entre um operador Q e um núcleo Q. Retomo esse ponto

no capítulo 2:

(38) a * Che cosa Gianni ha fatto?

‘Que coisa Gianni fez?’

a’ Che cosa ha fatto Gianni?

‘Que coisa fez Gianni?’

b * Dove Gianni è andato?

‘Onde Gianni foi?’

b’ Dove è andato Gianni?

‘Onde foi Gianni?’

O autor aponta que a inversão é obrigatória tanto com interrogativos simples

quanto com complexos, como mostra (38 a). Alguns interrogativos, no entanto, não

exigem a aplicação de VS, são eles: perché e come mai exemplificados em (39):

(39) a Perché Gianni è venuto?

‘Por que Gianni saiu?’

b Come mai Gianni è partito?

26

‘Como que Gianne saiu?’

Rizzi acredita que esses dois elementos podem ocupar uma posição específica

que não obrigaria o movimento do verbo de I para C, a posição de especificador de INT

que é um nó funcional intrinsicamente dotado do traço +WH em italiano. Os

interrogativos perché e come mai mostram comportamento diferente também quando se

trata dos processos de focalização, como mostra (40):

(40) Perché QUESTO avremmo dovuto dirgli, non a qualc’altro? ‘Por que ISTO devemos dizer pra ele, e não a qualquer outro?’

É possível observar que a coocorrência de perché com o elemento focalizado

logo em seguida é gramatical. Isso não acontece com os outros interrogativos, pois estes

são incompatíveis com elementos focalizados em sentenças matrizes como mostra (41):

(41) * Che cosa A GIANNI hanno detto (non a Piero)?

‘Que coisa a Gianni disseram (não a Piero)?’

Voltando ao português, o trabalho de Chutumiá (2013) para o Português

Moçambicano (PM) revela que diferentemente do PE, no PM a subida do verbo é

facultativa, como se observa em (42). Ou seja, existe opcionalidade entre VS e SV.

(42) a. Onde esteve o João a noite passada?

b. Onde o João esteve a noite passada?

Além disso, através de recolha de dados por meio de juízos de gramaticalidade e

produção dos falantes, o autor concluiu que o PM tem interrogativas com o Q movido

para posição inicial, forma preferencial; porém o Q in situ também é encontrado. Os

casos de não movimento do Q podem receber leituras de eco ou de perguntas reais,

assim como no PB, como em (43):

(43) Os miúdos fizeram o quê?

O PM apresentou uma estrutura inovadora em relação às outras línguas

românicas, descrita pelo autor como Q em posição intermediária. Esse padrão, em (44),

27

não é encontrado no PE e muito raramente no PB e lembra a estrutura conhecida como

inversão românica já descrita neste capítulo8:

(44) Fizeram o quê os miúdos?

Por fim, o PM apresenta uma construção que é rejeitada no PE, mas cada vez

mais frequente no PB, que é a clivada reduzida ou ‘COMP duplamente preenchido’ nas

palavras do autor. As clivadas são estratégias muito utilizadas nesse sistema, porém não

interferem na ordem VS/SV, segundo Chutumiá. Essas estruturas estão ilustradas em

(45):

(45) a. Quem que chegou?

b. Onde que esteve o João a noite passada?

Esse breve panorama das línguas românicas aqui descritas, permite organizar

esses sistemas em alguns grupos. O primeiro grupo seria o de línguas com ordem VS

obrigatória em contextos básicos (sem processos como a clivagem ou expressões D-

linked), como o PE e o italiano. Esse grupo de línguas só aceita SV sob condições

especificas; embora alguns interrogativos não argumentais tenham comportamento

variado. O segundo grupo seria o de línguas com ordem VS opcional como o PM e o

espanhol europeu e caribenho. Esses sistemas apresentam uso tanto da ordem VS

quanto da ordem SV, embora o espanhol apresente mais restrições para tal

opcionalidade do que o PM. Por fim, temos outro grupo que apresenta um sistema

muito estável em relação ao uso de SV difundido em quase 100% dos contextos, caso

do PB. Neste último, é a ordem VS que aparece apenas sob fortes restrições, como em

estruturas inacusativas. Ainda seria preciso acrescentar mais algumas línguas para que a

disposição desses grupos fosse mais bem elaborada, mas já é possível observar que PB e

PE se encontram em lados opostos quando tratamos do fenômeno da ordem nas

interrogativas.

8 Pode se tratar também de uma construção de antitópico – (eles) fizeram o quê, os miúdos? – em que

temos um sujeito nulo e seu correferente numa posição periférica á direita também chamada de “afterthought construction” Kato e Tarallo (2006 [1989])

28

1.4 - O fenômeno da clivagem no português

Retomo aqui, de modo mais detalhado as estruturas clivadas e descrevo

trabalhos de autores que propõem análises nas quais baseio algumas assunções desta

tese.

Kato e Ribeiro (2009) apresentam uma análise das sentenças clivadas do PB e do

PE a partir de uma perspectiva interlinguística e mostram a relevância dessas estruturas

na evolução do português desde sua fase antiga. Pensando em um breve histórico dessa

estrutura, as autoras afirmam que nas sentenças declarativas as construções

pseudoclivadas invertidas (46 a) (estrutura com o foco – quase sempre um elemento

dêitico - em posição inicial seguido de uma relativa) já aparecem nos textos do século

XIV, bem como as pseudoclivadas interrogativas (46 b). Nos textos do século XVI, as

autoras começam a registrar casos de pseudoclivadas canônicas (46 c) (estruturas em

que o sujeito é uma relativa livre e o predicado que vem depois da cópula é o foco):

(46) a. Aquesto he o que todos devemos a fazer. (séc XIV)

b. Que he o que dizes, irmãã? (séc XIV)

c. Quem beijou a Maria foi o João.

Em relação às clivadas nas sentenças declarativas, as autoras afirmam que,

apesar de serem de difícil identificação, as clivadas invertidas (47 a), aquelas com o

foco movido para antes da cópula, já aparecem no século XVII e as clivadas canônicas

(47 b) (com foco depois da cópula seguido pelo que) aparecem depois, no século XVIII.

Por hipótese, as clivadas invertidas aparecem antes das canônicas devido ao fato de o

português ainda se comportar como um sistema V2 e como mostra a clivada invertida

em (47) essa estrutura respeita tal restrição:

(47) a. E Isso é que se chama postura, ou posição reta. (séc XVII)

b. É o rei legítimo que devemos opor ao usurpador. (séc XVIII)

As clivadas nas sentenças interrogativas Q são encontradas por Lopes Rossi

(1996) somente no século XIX, resultado também encontrado por Duarte (1992 p. 42)

na segunda metade do século XIX, em seu estudo para o PB, exemplo (48 a). O trabalho

29

de Kato e Ribeiro (2009) recua essa data de registro de clivadas em interrogativas para o

século XVII, com dados como os apresentados em (48 b e c):

(48) a. O que é que eu represento? (Caiu o Ministério - 1882)

b. Com que substantivo é que concordam? (séc XVII)

c. E quando é que são relativos? (séc XVII)

Com o fim do período V2, o sistema de focalização se reorganiza no português

e como consequência dessa reorganização uma nova maneira de marcar elementos

focalizados é exigida pelo sistema; logo, as clivadas canônicas ganham força. Paixão e

Sousa (2004) diz que “no sistema médio (V2), qualquer sujeito pré-verbal é saliente do

ponto de vista informacional.” Quando o sistema passa de V2 a SVO a posição à

esquerda do verbo não é mais saliente, e com isso é preciso que o sistema disponha de

uma nova estratégia de focalização nas declarativas e, posteriormente, nas

interrogativas.

A explicação da entrada da clivagem como consequência da mudança de

gramática do português pode ser colocada em dúvida quando pensamos que Lopes

Rossi (1996) e Kato e Ribeiro (2009) já encontram esses dados em forma de clivadas

invertidas no século XVII ou até em períodos anteriores, quando o sistema ainda era

V2. Porém, ao que tudo indica, apesar de disponível no sistema, a clivagem não era a

estratégia de focalização mais frequente, já que o sistema dispunha de outra forma de

focalizar. O que acontece depois é uma mudança que aparece como resultado de uma

mudança anterior, generalizando a clivagem canônica como processo de focalização nas

declarativas. O processo que acontece nas declarativas é exatamente o mesmo que Kato

e Ribeiro (2009) apontam para as interrogativas. Essas autoras, como dito acima,

diferentemente de Lopes Rossi (1996) e Duarte (1992), encontram clivagem nestas

sentenças desde o século XVII, o que mostra que as estruturas já eram possíveis, mas

pouco frequentes, como mostram os exemplos (48 b e c). A frequência só vai se fazer

notar no século XIX, período em que Lopes Rossi (1993) e Duarte (1992) encontram

dados como esse de modo consistente na língua.

Entendendo as clivadas como estruturas de focalização, posição que eu

assumirei também, Kato e Ribeiro (2009) observam que o foco no português (PB e PE)

se comporta de modo similar ao do inglês. Porém, para o português é preciso assumir a

existência do expletivo nulo pro como mostram as sentenças em (49):

30

(49) a. It was MY IPod that the thief took.

b. pro foi o MEU IPod que o ladrão levou. (Kato e Ribeiro, 2009)

Em se tratando das interrogativas Q especificamente, as autoras afirmam que se

trata de um tipo especial de focalização com o elemento Q figurando como foco da

sentença. É esta também a posição que assumo nesta tese. Portanto, a questão da

focalização será retomada no capítulo seguinte. No caso das estruturas de focalização

encontramos diferenças entre PE e PB; o primeiro utiliza VS enquanto o PB utiliza SV

nas estruturas não clivadas como vemos em (50).

(50) a. Que bebes tu? [PE]

b. O que você bebe? [PB]

Ambas as gramáticas apresentam a estrutura de clivada inversa com ordem SV, além de

o PE apresentar também VS com a clivagem, como mostra (51):

(51) a. Que é que (tu) bebes?

b. Que é que bebes tu? [PE]

b. O que é que você bebe? [PB]

E a clivada reduzida, estrutura semelhante, porém sem a cópula é exclusiva do PB,

ilustrada em (52):

(52) O que que você bebe?

As autoras concluem que, de acordo com a evolução das sentenças interrogativas

clivadas, o PE ainda apresenta traços do Português Antigo e Clássico, enquanto o PB

exibe traços únicos nas estruturas de clivagem.

Mioto (1996) defende que as estruturas aqui chamadas de clivadas reduzidas não

produzem as mesmas estruturas sintáticas das sentenças com cópula, ou seja, o autor

defende que ‘Q é que’ é diferente de ‘Q que’. Essa é uma distinção importante, uma vez

que trabalharei com as duas estruturas na analise das interrogativas do PB e do PE.

Mioto argumenta que no componente fonológico é difícil que ocorra o apagamento da

31

cópula já que se trata de um monossílabo tônico, que tende a resistir aos processos de

cancelamento. Sendo assim, é difícil derivar “quem que” de “quem é que”. Outro

argumento do autor considera a interpretação semântico-pragmática que trata a cópula

como um elemento sem conteúdo semântico; logo, se o verbo ser é vazio

semanticamente, não haveria problema em ser esvaziado foneticamente também, mas

esse apagamento não pode acontecer naturalmente. Segundo o autor, no PE, por

exemplo, o apagamento da cópula gera sentenças agramaticais como mostra (53):

(53) a. Quem é que inventou o pecado? PB e PE

b. Quem que inventou o pecado? PB e *PE

Além disso, falantes brasileiros consultados apontam diferenças entre as sentenças

em (53 a e b), considerando a estrutura em (53 a) mais enfática do que a pergunta

ordinária em (53 b). Em uma tentativa de explicar sintaticamente as diferenças, o autor

assume que “é que” é formado por um verbo ser (que seleciona um CP como

complemento) + o núcleo que de seu complemento que é marcado [+cleft] resultando na

seguinte estrutura:

CP 3 Spec C’

O quei

3 C IP 3 Spec I’ pro exp 3 I VP

éj g V’ 3 V CP

tj 3 Spec C’ 3 C IP

que 6 a Maria está fazendo ti

(Mioto, 1996)

32

Nessa configuração, o especificador do CP mais baixo está disponível para

receber qualquer elemento clivado (focalizado), como os grifados nos exemplos (54):

(54) a. É a Maria que está fazendo o bolo hoje?

b. É o bolo que a Maria está fazendo hoje?

c. É hoje que a Maria está fazendo o bolo? (Mioto, 1996)

A representação adequada para uma sentença clivada reduzida deve, portanto, ser

diferente da mostrada na figura acima; afinal, o autor defende que se trata de estruturas

distintas sintaticamente. Sendo assim, temos a seguinte configuração para a sentença em

(55):

(55) O que que a Maria está fazendo?

CP 3 Spec C’

O quei 3 C IP

que 6 a Maria está fazendo ti

(Mioto, 1996)

Duas posições estão disponíveis no CP e cada um dos elementos Q pode se

posicionar. Comparando as duas representações, observamos que somente a primeira

abriga a cópula, elemento responsável pela leitura enfática da sentença, enquanto a

segunda reflete uma pergunta ordinária, nas palavras do autor, ou seja, sem ênfase.

Essa segunda representação não está disponível no PE, já que nessa gramática o verbo

deve ocupar o núcleo C, que não estará disponível para receber nenhum outro elemento.

No PB, a inserção do “que” em C ativa a obrigatoriedade do movimento do elemento

interrogativo para spec CP. A não aplicação desse movimento gera agramaticalidade

como mostra (56):

(56) *Que a Maria está fazendo o que?

33

Acredito que as diferenças na representação das estruturas clivada e clivada

reduzida são suficientes para afirmar que estamos diante de duas derivações diferentes.

Sendo assim, os dois padrões não podem ser duplicados, mas ambos podem coocorrer,

como mostra a agramaticalidade de (57 a e b) e a gramaticalidade de (57 c):

(57) a. *? O que é que é que você está fazendo?

b. * O que que que você está fazendo?

c. O que que é que você está fazendo?

Os trabalhos mostram que PB e PE têm comportamentos diferentes em relação à

clivagem e a descrição proposta por Mioto (1996) mostra a diferente derivação da

clivada canônica e da clivada reduzida, servindo para explicar a razão de a última não

ser licenciada no PE.

Em suma

Apresentei nesta seção um histórico conciso do fenômeno da ordem VS/SV nas

sentenças declarativas e interrogativas do português, passando por uma divisão histórica

e chegando a descrições mais recentes tanto para o PB quanto para o PE. Discuti como a

perda do sujeito nulo se relaciona com a perda da ordem VS no PB e mostrei na seção

seguinte que o sujeito nulo continua consistente no PE e que a ordem VS/VS nas

interrogativas Q da fala espontânea apresenta diferenças significativas em relação às

descrições em gramáticas recentes. Elaborei um pequeno panorama do comportamento

das interrogativas Q na fala contemporânea do PB e do PE a fim de verificar se as

descrições refletem a realidade da língua e levantar algumas hipóteses. Em seguida,

apresentei o perfil das interrogativas Q no espanhol, italiano e no português

moçambicano. Por fim, apresentei trabalhos de autores em relação à clivagem,

fenômeno que parece ter relação direta com a ordem dos constituintes nas sentenças do

português, tanto brasileiro quanto europeu. No capítulo seguinte, serão apresentados os

34

pressupostos teóricos que sustentam meu trabalho, meus objetivos e hipóteses, bem

como a metodologia de análise.

35

CAPÍTULO 2

2 - Pressupostos Teóricos

Discuto neste capítulo algumas possíveis abordagens para o estudo da mudança

linguística. Para isso, apresento a visão de diversos autores e, a partir de uma reflexão

sobre o fenômeno em estudo nesta tese, escolho o modelo de mudança que sustentará a

presente análise. Tendo em mente que nenhum modelo de mudança pode prescindir de

uma teoria linguística para que seja implementado, apresento ainda neste capítulo os

pressupostos da teoria gerativa, na qual me baseio. Por fim, apresento pequenas seções

que abordam alguns tópicos essenciais à análise das sentenças interrogativas Q - a

focalização, o movimento do sintagma Q, e algumas questões sobre o Parâmetro do

Sujeito Nulo.

2.1 - Diferentes abordagens no estudo da mudança

A explicação para os processos de mudança linguística – sua origem e

propagação - sempre foi um problema central dos estudos empíricos. Considero nesta

seção algumas abordagens possíveis para o estudo da mudança.

Uma proposta que busca apresentar fundamentos básicos para o estudo da mudança

linguística é o modelo da Teoria da Variação e Mudança, proposto por Weinreich,

Labov& Herzog (2006 [1968]), que enfatiza o lugar central da variação e da mudança

nas línguas naturais e aponta o que está envolvido nesses processos. Os autores rompem

com os modelos predominantes na linguística do século XIX e o modelo estruturalista

da primeira metade do século XX, por exemplo, que se centravam na diacronia e na

sincronia, respectivamente, e propõem eliminar essa dicotomia. Os autores criticam a

visão de língua como estrutura autônoma e homogênea sem relação com fatores sociais,

tal como propõem, de modo particular, Saussure e os gerativistas; esses últimos, na

ocasião em que o clássico artigo de W, L & H é apresentado, estavam longe de qualquer

preocupação com a mudança linguística, ocupando-se de “um falante-ouvinte ideal,

numa comunidade de fala completamente homogênea” (Chomsky, 1965:3, apud W, L

& H, 1968[2006], p.60) e atribuindo eventuais desvios a limitações de memória,

distrações, etc. Como veremos adiante, a própria teoria gerativa, se não tinha de se

36

ocupar da mudança, tinha pelo menos de reconhecer a variação linguística, que terá de

ser enfrentada a partir do interesse pela mudança nos anos 1980.

A proposta de W, L & H introduz, então, a noção de língua como um sistema

essencialmente heterogêneo, sem, no entanto, deixar de ser ordenado. A grande

novidade apresentada pelos autores está na atribuição de um caráter sistemático à

variação graças ao conceito de heterogeneidade ordenada inerente à língua. Isso

significa dizer que não há variação livre: formas variantes são sempre condicionadas por

fatores internos e/ou externos e, mesmo em períodos em que uma forma inovadora se

propaga pelos diversos contextos linguísticos e sociais, o sistema é capaz de se manter

eficiente. Justamente por isso, a variação é passível de sistematização e está sujeita a

limites impostos pelo sistema.

A mudança, na visão desses autores, acontece de maneira lenta e gradual, ou

seja, implica um período de variação que se dá de modo estruturado. Labov (1994)

estabelece dois modelos para observação da mudança linguística, ambos partem do

princípio de que é possível utilizar o passado para explicar o presente, o que os autores

chamam Princípio do Uniformitarismo. Tal princípio diz que forças que atuam no

momento presente são as mesmas que atuaram no passado e vice-versa. Certamente é

essa noção que leva Tarallo (2001) a lembrar que uma teoria de mudança linguística

deve guiar-se por uma articulação teórica e metodológica entre presente-passado e

presente.

Labov propõe um modelo de observação sincrônico, no qual uma mudança é

acompanhada através de distribuições de dados por faixas-etárias. A hipótese é que se

fatores sociais se mantêm constantes ao longo do tempo, diferenças linguísticas entre

gerações etárias diferentes da população são reflexos de uma mudança diacrônica. A

esse modelo deu-se o nome de estudo em “tempo aparente”.

A contraparte do construto do “tempo aparente” é o chamado estudo em

“tempo real” que pode ser de longa ou curta duração. O primeiro (longa duração) tem

objetivo de traçar o perfil histórico de uma mudança, ou seja, acompanhar um processo

durante um grande período de tempo. Para que esse estudo seja feito são necessários

materiais escritos, já que são essas as únicas fontes de registros passados. Já o estudo da

mudança em tempo real de “curta duração” consiste na observação da língua em dois

momentos diferentes separados por um lapso de tempo mais curto, em geral uma

geração (cerca de 20 anos) e compreende dois tipos: o estudo de “painel”, que analisa o

comportamento de um mesmo indivíduo gravado em dois momentos, e o estudo de

37

“tendência”, que observa a possível mudança na gramática de uma mesma comunidade

de fala gravada segundo os mesmos parâmetros sociais, em dois momentos separados

por um lapso de tempo.

De acordo com W, L e H, existem cinco problemas empíricos que devem ser

respondidos por aqueles que se preocupam com o estudo da mudança linguística:

O problema da restrição diz respeito aos fatores linguísticos e sociais que atuam

favorecendo ou desfavorecendo uma mudança e condicionando seu percurso. Permite-

nos, portanto, observar os contextos que mais prontamente aceitam uma nova forma

bem como os que mais resistem a ela. Os chamados fatores condicionantes podem ser

de natureza interna ou externa ao sistema e podem favorecer ou não a implementação de

uma nova forma “variante”. É assim que os autores explicam a “heterogeneidade

ordenada”.

O problema do encaixamento procura explicar as razões pelas quais além de se

dar de maneira ordenada, uma mudança nunca acontece de maneira isolada no sistema,

ou seja, ela está sempre encaixada em outras mudanças que acontecem ou que

aconteceram e certamente produzirão outras, como uma reação em cadeia. Em outras

palavras, nenhuma mudança é acidental. Temos no PB inúmeras evidências do

encaixamento de mudanças decorrentes de outras sofridas pelo nosso sistema

pronominal. Esse é o caso das mudanças relacionadas à ordem VS/SV descritas no

capítulo 1 desta Tese.

A transição é o problema que considera as diferentes etapas em um processo de

mudança. No decorrer de determinado período, as formas linguísticas alternantes

coexistem até que uma se torna obsoleta e cai em desuso. É importante ressaltar que a

mudança é vista como um processo contínuo. Um período de variação pode permanecer

por um longo tempo na língua sem que uma das formas seja eleita pelos falantes. Em

estudos de “longa duração” é possível verificar com maior clareza que momentos foram

favoráveis ao progresso ou ao refreamento de um processo de mudança em curso. No

entanto, a transição pode ser observada no “tempo aparente”, através do

comportamento das faixas etárias, e no tempo real de curta duração, através do

comportamento do indivíduo e da comunidade.

Uma das grandes dificuldades dos estudos sobre a mudança linguística está

relacionada ao problema da implementação. Esse “problema” ou “questão” procura

entender a origem e a propagação da mudança, o que significaria buscar a razão de uma

mudança ocorrer em um dado momento e em um dado lugar e não em outro momento

38

qualquer e em um lugar diferente. E, segundo Labov (1994, p.9), embora o fato de que

as línguas mudam seja indiscutível, a própria existência da mudança está entre os

problemas mais "difíceis de assimilar”. O autor sugere que a busca da origem de uma

mudança é circular, porque, uma vez respondida, leva a outra possível causa; por isso,

sugere que a observação da “propagação” da mudança seja mais importante do que

propriamente buscar identificar sua causa última. De fato, temos em português alguns

fenômenos para os quais é mais fácil investigar a propagação do que a origem da

mudança. Por que preferimos, em algumas regiões a forma você e em outras o tu? E em

outras ainda, você e tu convivam, embora o predomínio de uma e outra forma seja

diferente? Por que implementamos o uso de a gente, forma nominal gramaticalizada, em

substituição a nós? Acompanhar a propagação dessas duas formas no sistema e suas

consequências é bem mais fácil do que explicar por que elas entraram no nosso

sistema, como enfatiza Duarte (2015).

Por fim, o problema da avaliação leva em conta a percepção que os falantes têm

de um fenômeno variável e sua atitude em relação às estruturas em variação. A

avaliação faz parte de todos os processos de mudança e pode acontecer de maneira

consciente ou não. A avaliação positiva ou negativa pode estar relacionada a duas

coisas: (i) o grau de implementação da forma no sistema e (ii) no caso de falantes

letrados, a condenação ou não da forma nova pela escola. A avaliação linguística está

sempre relacionada a uma avaliação social e uma avaliação positiva, naturalmente,

favorece a propagação da forma nova no sistema.

Tarallo e Kato (2006 [1989]) entenderam que um modelo de mudança não pode

prescindir de uma teoria linguística e uma vez que a Teoria da Variação não dispõe de

categorias linguísticas para uma análise (e nunca foi sua intenção propor tais

categorias), justamente por se tratar de um modelo de mudança, é preciso que ela se

associe a uma teoria linguística. Ou seja, a aplicação do modelo variacionista não pode

prescindir de um componente gramatical.

A execução do modelo pode se associar a qualquer descrição linguística. No

caso dos primeiros trabalhos em morfossintaxe desenvolvidos no Brasil, desde Mollica

(1977) e Omena (1978), passando por Paredes Silva (1988) entre outros, a teoria

linguística utilizada era a Teoria Funcionalista. Nesse caso, a premissa básica é a de que

a língua só pode ser entendida nos seus variados contextos de uso, sendo assim: “as

funções a que a língua serve se refletem na forma como ela se estrutura” (Paiva e

Duarte, 2006).

39

Da mesma forma, tal aplicação pode se associar aos postulados da teoria gerativa

(em sua versão de Princípios e Parâmetros) como propôs Tarallo (1987) e Tarallo e

Kato (2006 [1989]). Ao propor essa associação, os autores olhavam para uma mudança

sintática, relacionada à remarcação do valor de um parâmetro. Ao contrário, porém, do

que ocorre com a utilização da Teoria Funcionalista, são inúmeras as restrições a tal

combinação, a principal delas está relacionada ao fato de que a Teoria Gerativa não

admitia a variação intralinguística, isto é, dentro de uma mesma gramática. Daí vêm as

críticas ao modelo que passou a ser conhecido como Sociolinguística “Paramétrica”.

A assunção de que a variação pode se dar dentro de um mesmo sistema e ocorrer

como remarcação de um parâmetro, defendida por Tarallo, por exemplo, não é a mesma

assumida nesta tese. Acredito que a variação se dá quando entram em disputa formas

diferentes pertencentes à sistemas diferentes. Sendo assim, um parâmetro não teria seu

valor remarcado dentro de uma gramática já formada, o que aconteceria é a aquisição de

um novo valor para o parâmetro em questão por uma geração posterior.

Nesse sentido, o artigo de Martins, Coelho e Cavalcante (2015) discute as

possíveis interfaces entre modelos de mudança e teorias de gramática. Os autores

apresentam dois modelos para o estudo da mudança, o da Teoria da Variação e

Mudança, brevemente apresentado acima e o de Competição de Gramáticas, a que nos

dedicaremos a seguir, e discutem que ganhos e perdas cada modelo apresenta no

entendimento dos fenômenos sintáticos em variação. Enquanto o primeiro busca adaptar

os conceitos do modelo gerativo à noção de variabilidade, o outro, proposto por Kroch

(1989, 2001), se alinha com a concepção de língua da teoria gerativa e mantém a

variabilidade fora da gramática. Os autores consideram trabalhos empíricos e seus

resultados estatísticos para ilustrar a concepção por trás de cada modelo e concluem que

“muito ainda se tem a pesquisar na interface da sociolinguística com a teoria gerativa

e, para Kroch (2001), a associação dos dois modelos pode ser “uma agenda e uma

dialética proveitosa entre os conceitos teóricos e as descobertas empíricas” (Martins,

Coelho e Cavalcante, 2015).

Ao se voltar para a mudança diacrônica dentro do quadro gerativo o modelo de

Competição de Gramáticas proposto por Kroch (1989, 2001) defende que a mudança

linguística ocorre entre gerações.

40

“When a language changes, it simply acquires a different grammar. The change from

one grammar to another is necessarily instantaneous and its causes are necessarily

external” (Kroch, 1989 p.200)9

Kroch (2001) define a mudança linguística como sendo uma falha no processo

de transmissão de traços linguísticos através do tempo, tais falhas acontecem no

processo de aquisição. O modelo parte do princípio gerativista de que a criança fixa os

parâmetros e molda sua gramática até o fim de um período denominado período crítico.

Ao final desse estágio, a gramática nuclear já está formada, ou seja, o processo de

aquisição e fixação de parâmetros já está encerrado. Kroch entende que a mudança

acontece quando algum parâmetro é marcado diferentemente da marcação da geração

anterior, o que quer dizer que a mudança é abrupta e se dá no momento da aquisição.

A mudança linguística associada ao processo de aquisição também aparece em

Lightfoot. O autor a interpreta como sendo resultado de uma remarcação abrupta no

valor de parâmetros. Para Lightfoot (2003), a criança faz uma interpretação “errada” da

gramática dos pais e a partir daí temos uma mudança sintática. O autor acredita que a

aquisição é baseada em pistas (cue-based), isso significa que a mudança na frequência

de uma estrutura serve de dica ou pista para a aquisição de determinado valor

paramétrico. Logo, a mudança acontece porque em algum momento a frequência das

pistas mudou e uma linha foi ultrapassada, permitindo a remarcação do parâmetro.

Portanto, a mudança se dá quando a criança fixa um parâmetro de modo diferente do

que está nos dados a que foi exposta.

Na visão de Roberts e Rousseu (2003) a aquisição da sintaxe também é um

processo de marcação de parâmetros, ou seja, a mudança sintática pode ser vista como

uma mudança no valor paramétrico especificado para uma dada língua. Para os autores,

o ponto central é levar em conta os motivos e razões que levam a mudança sintática

diacrônica a acontecer. Alguns problemas são levantados pelos autores, como o

problema lógico da mudança linguística, que busca entender porque uma experiência é

suficiente para uma geração adquirir um parâmetro e não é para outra. E o problema

lógico da aquisição que gira em torno do fato de um parâmetro em questão não poder

mais ser fixado. A conclusão é que diante desses problemas, os falantes são obrigados a

buscar outras opções e isso vai acarretar uma mudança linguística. A aquisição acontece

9 “Quando uma língua muda, ela simplesmente adquire uma gramática diferente. A mudança de uma

gramática para outra é necessariamente instantânea e suas causas são necessariamente externas.”

41

quando todos os parâmetros estão marcados, não necessariamente todos marcados de

maneira igual ao input, e é essa possibilidade que dá espaço para a variação. A

mudança, portanto, só vai ocorrer se o input for ambíguo ou obscuro. Se o falante não

recebe um input claro o suficiente para que o parâmetro seja marcado, ele fará uma

escolha pelo parâmetro que implica em menos esforço, segundo os autores. Entre um

parâmetro que obrigue a mover o verbo e um que não obrigue esse movimento, por

exemplo, o último será escolhido já que exige um menor esforço. Essa forma de

interpretar a motivação da mudança pode ser interessante no entendimento do fenômeno

em estudo nesta tese.

Com base na visão de Kroch e dos autores que compartilham dessa visão, a

mudança sintática poderia ser explicada por uma mudança anterior que se deu em outros

níveis do sistema linguístico e gerou uma reanálise gramatical, ou ainda via contato

linguístico que eventualmente leva a empréstimos de traços sintáticos, que distinguem

as línguas em contato. A entrada de uma nova forma no sistema poderia, portanto, ser

fruto de contato ou aquisição tardia, e seria um traço de outra gramática que entra em

competição com um traço da primeira. Nessa visão, não existe lugar para um período de

variação linguística em que duas ou mais formas competem dentro de uma mesma

gramática como entende a Teoria da Variação e Mudança, já que uma gramática é

estável ao final do processo de aquisição. A variação na sintaxe corresponde à fixação

de oposições para parâmetros sintáticos, o que indica a presença no falante ou na

comunidade de gramáticas mutuamente incompatíveis que entrarão em disputa até o

estabelecimento de uma forma.

Alguns dos problemas propostos por W, L e H permanecem básicos no modelo

de competição de gramáticas. No entanto, recebem uma formulação diferente devido ao

enfoque que a teoria gerativa, que sustenta o modelo, dá à Gramática Universal (GU) e

à aquisição. A restrição, por exemplo, está relacionada aos limites impostos pela GU

para a mudança linguística e não a fatores de natureza diversa (linguística e

extralinguística) como postulam W, L e H. A implementação, para o modelo de Kroch,

é pontual e tem sua percepção centrada no fato de que uma mudança se implementa na

gramática de uma língua no período de aquisição quando uma criança fixa um

parâmetro diferente do encontrado na gramática alvo, diferente da Teoria da Variação

que considera a origem e propagação da mudança ao pensar na implementação.

Além das concepções já apresentadas, Kroch (1989) defende que uma mudança

se espalha seguindo uma mesma taxa em todos os contextos; esse é o chamado Efeito da

42

Taxa Constante. Nas palavras do autor: “Although the rate of use of grammatical

options in competition will generally differ across contexts at each period in time, the

rate of change will be the same across contexts” (Kroch, 1989 p.204)10

A premissa de que a mudança segue uma taxa constante em todos os contextos

implica em entendermos que contextos menos favorecedores ou não favorecedores

adquirem novas formas tão cedo quanto os contextos que favorecem a mudança, porém

com frequências iniciais menores. O padrão de contextos favorecedores ou

desfavorecedores não reflete as forças que empurram a mudança; esse padrão reflete

efeitos funcionais, discursivos e de processamento em relação às escolhas feitas pelo

falante, porém o peso desses efeitos permanece constante ao longo de todo o processo

de competição.

Pintzuk (2003) combina ideias da análise formal com a metodologia

quantitativa. A autora também entende que a mudança sintática acontece via competição

de gramáticas, ou seja, variação entre duas opções gramaticais em uma área da

gramática que não permite opcionalidade. Pintzuk defende que a natureza gradual da

mudança sintática é reflexo da natureza gradual do processo de competição de

gramáticas que acontece da seguinte maneira: uma forma nova é adquirida pelo falante;

a forma nova é utilizada ao lado da forma antiga e, por fim, a forma antiga perde

espaço. Essa evolução gradual é implementada seguindo o Efeito da Taxa Constante

proposto por Kroch, que afirma que a taxa de aumento do uso de uma forma em um

processo de mudança é a mesma em todos os contextos envolvidos naquele mesmo

processo ao longo do tempo.

Um questionamento à proposta de Kroch é feito por Henry (2002) que pontua a

ausência de uma explicação por parte do modelo em relação ao fato de uma nova

estrutura não se introduzir na mesma frequência em todos os contextos, já que esta seria

o efeito visível de uma mudança em um parâmetro. Ou seja, Henry questiona o fato de

contextos favorecedores ou não adquirirem a forma nova ao mesmo tempo, porém com

frequências diferentes.

O debate sobre a variação ocorrer dentro da mesma gramática ou se dar via

competição entre duas gramáticas distintas não é uma questão simples. Particularmente

em se tratando do PB; temos evidências de casos em que as formas em competição são

adquiridas em momentos distintos, (o que se conforma com a afirmação de Kroch), mas

10

“Ainda que a taxa de uso de formas gramaticais em competição geralmente seja diferente entre os contextos em cada período de tempo, a taxa de mudança será a mesma entre os contextos”.

43

vemos também casos de aquisição de regras variáveis com os mesmos pesos relativos

obtidos para fala do adulto. Por exemplo, Duarte (2015 – apresentação oral) apresenta

alguns fenômenos de mudança relacionados ao sujeito no PB. A fim de ilustrar essa

situação, a autora coloca o caso da representação dos sujeitos proposicionais neutros no

PB que se mantêm estáveis, diferentemente dos outros padrões encontrados para o

sujeito referencial ao longo do período de tempo estudado por ela (1845-1992). De

acordo com Duarte, os resultados do PB para os fenômenos relacionados ao

preenchimento do sujeito sugerem que as gerações adquirem regras variáveis e,

portanto, o sistema de aquisição deve ser sensível à frequência. Para Duarte, é mais fácil

entender o conceito de gramáticas em competição quando uma forma obsoleta como

haver existencial é recuperada via escolarização indicando a ativação de uma gramática

periférica. Assim, ter e haver são duas formas adquiridas de maneiras diferentes e

passam a coexistir na gramática do letrado (Kato, 2005), mas não se encontram em

variação.

Todas essas maneiras de interpretar a mudança linguística são relevantes na

tentativa de entender os processos de mudança e o que os motiva. Acredito que a

diacronia das interrogativas Q no português possa ser mais bem descrita dentro do

modelo de competição de gramáticas pensando em uma mudança de gramáticas ao

longo do tempo, ou seja, uma mudança abrupta, reflexo de mudanças paramétricas que

se deram na aquisição. A mudança começa com uma única forma no português antigo e

chega ao final com dois padrões diferentes, um para a gramática do PB e outro para a

gramática do PE. Sendo assim, não considero o fenômeno em análise um caso de

variação propriamente dita, mas sim formas originárias de gramáticas distintas. Logo,

seguirei a proposta de Kroch (1989, 2001) como modelo de mudança para o presente

trabalho, uma vez que o modelo de Competição de Gramáticas é compatível com a

concepção de gramática da teoria gerativa, utilizada como teoria linguística neste

trabalho em sua versão Minimalista (Chomsky, 1995) apresentada na seção a seguir. A

teoria pode auxiliar na descrição do processo de evolução da ordem nas interrogativas Q

do PE para o PB bem como me fornecer uma base para a análise dos dados, a

elaboração de hipóteses e a interpretação dos resultados, como foi dito no início da

seção.

44

2.2 - Teoria Linguística

Como componente gramatical a ser associado ao modelo de mudança, adotarei o

modelo de Princípios e Parâmetros em sua versão Minimalista (Chomsky 1995 e

publicações subsequentes), que é um modelo em tudo compatível com a perspectiva de

mudança delineada acima. A Gramática Universal (componente biológico de todo ser

humano) é um conceito central na teoria, sendo composta por princípios e parâmetros.

Os princípios são gerais, rígidos e invariáveis. Tomemos como exemplo o Princípio da

Projeção Estendida, que garante a existência de uma posição estrutural de sujeito (spec,

TP) em todas as orações, independentemente da língua.

Os parâmetros podem ser entendidos como comutadores linguísticos, segundo

Raposo (1992) ou como as menores unidades linguísticas (Kayne, 1996 apud Soares da

Silva, 2011). Sendo assim, marcam a diferença entre as línguas, podendo ter seu valor

positiva ou negativamente marcado a depender da gramática, ou seja, uma gramática

seria então um conjunto de combinações de marcações paramétricas. A fixação do seu

valor é determinada pelos dados linguísticos primários a que a criança é exposta.

Segundo Chomsky (1981) e Rizzi (1982) uma língua com o parâmetro marcado

[+sujeito nulo] exibiria um conjunto de propriedades: (i) sujeito pronominal nulo; (ii)

inversão ‘livre’ do sujeito; (iii) movimento longo do qu- sujeito; (iv) pronome de

retomada vazio em subordinadas; (v) ausência do efeito do filtro complementador-

vestígio; (vi) movimento longo de objeto (Rizzi, 1982); A essas propriedades, Roberts

(1993) acrescentaria (vii) seleção de auxiliar; (viii) subida de clítico; e Roberts e

Holmberg (2010) (ix) diferença de interpretação entre sujeito nulo e pleno; (x) expletivo

nulo e Soares da Silva (2011), (xi) riqueza de oposições número-pessoais no paradigma

verbal. Todas elas estão relacionadas ao mesmo parâmetro e a mudança de uma,

certamente, influenciará no comportamento das outras, o que já está previsto quando se

fala em mudanças encaixadas. Com a evolução dos estudos acerca do PSN, hoje já se

fala em parâmetros do sujeito nulo (cf. Holmberg, 2010).

O modelo de Princípios e Parâmetros em sua versão minimalista conserva alguns

pressupostos básicos da versão da Teoria de Regência e Ligação (Chomsky, 1981),

como a noção de Gramática Universal, os princípios compartilhados pelas línguas do

mundo e os parâmetros binários. O objetivo da nova versão da teoria é refinar o desenho

da gramática e definir exatamente a que condições a faculdade da linguagem deve

satisfazer para que a língua funcione.

45

Na versão minimalista, uma língua-I tem quatro componentes básicos: um

léxico; um componente sintático; um componente fonético e outro semântico

independentes entre si, sendo a sintaxe o componente central do conhecimento

gramatical. O desenho da gramática fica da seguinte maneira:

Léxico

Numeração

Spell out

Forma fonética Forma lógica

------------------------------------------------------------------------

A-P C-I11

Figura 1: O desenho da gramática no modelo minimalista (Chomsky, 1995)

As expressões linguísticas se constroem por meio de um processo chamado

derivação, que seleciona elementos disponíveis em uma lista não ordenada de unidades

lexicais – o léxico. Essa seleção de unidades léxicas recebe o nome de numeração

devido ao fato de uma mesma unidade poder aparecer mais de uma vez na mesma

expressão linguística; essa unidade recebe um índice numérico que define quantas vezes

ela vai aparecer. É na numeração que traços não inerentes aos itens são adicionados,

como os traços de número e caso por exemplo.

No programa minimalista, os traços das unidades lexicais são classificados

levando em conta seu conteúdo; podem ser fonéticos, semânticos e formais. A

classificação leva em conta também o ponto da derivação em que o traço é introduzido;

nesse caso, os traços podem ser intrínsecos ou opcionais. Além desses, mais dois

critérios são considerados na classificação dos traços: a interpretabilidade, ou seja, 11

Os sistemas de atuação são denominados articulatório – perceptual (interface fonológica) e conceptual

– intencional (interface semântica). A informação enviada pela forma fonética e forma lógica deve ser

interpretável no âmbito dos sistemas de atuação. Uma derivação não legível no nível desses sistemas

fracassará.

Componente

computacional

Sistemas de atuação

46

existem traços que são interpretados pelos sistemas de atuação e traços que não são

interpretados. No caso desses últimos, eles devem ser checados e apagados, pois um

traço não interpretável não pode chegar até o fim da derivação. É a necessidade de

checar esses traços que motiva as operações computacionais ao longo da derivação.

Finalmente, o último critério leva em conta o momento da derivação em que os traços

são checados. O programa estabelece uma distinção entre traços fortes e fracos, os

traços fortes são checados antes de spell out. Isso significa que eles obrigam o

movimento de constituintes em tempo de receber informação fonética fazendo com que

estes sejam pronunciados. Os traços fracos, por outro lado, são checados depois de spell

out e por isso não geram efeitos fonéticos, já que não são revestidos de informações

desse tipo.

Essa compreensão do sistema de traços trazida pelo minimalismo contribui

muito para uma melhor interpretação do movimento do sintagma Q. Na versão da

Teoria de Regência e Ligação, o movimento do Q era interpretado como realizado, tanto

em línguas que apresentam o elemento Q movido, como o espanhol e o PE, quanto em

línguas como o japonês ou chinês, que têm o Q in situ; porém nas línguas que exibem o

Q movido o movimento era interpretado como realizado antes da estrutura-S, enquanto

nas línguas de Q in situ, esse movimento tinha lugar somente na forma lógica, sendo,

portanto, invisível (não pronunciado).

Essa explicação é reformulada no âmbito do Programa Minimalista: o

movimento visível do sintagma Q para especificador de CP acontece por conta de um

traço Q forte em C, que deve ser apagado. A diferença entre as línguas se deveria, então,

à presença ou não de um traço Q forte em C.

Com o avanço da teoria, a explicação do movimento Q muda novamente, ele

acontece para satisfazer um traço EPP que está no nó funcional C. Caso o C tenha esse

traço EPP, é necessário que algum elemento se mova para seu especificador para

satisfazer o EPP. Para explicar a diferença entre as línguas, supõe-se que o traço EPP

em C seja opcional; algumas línguas obrigam o movimento para checar o EPP, outras

não exibem esse traço, e, portanto, não exigem movimento do Q.

A questão do movimento do Q parece ser mais complexa do que as explicações

acima mostram; afinal línguas como o francês e o PB, por exemplo, apresentam suposta

opcionalidade entre sentenças tanto com Q movido quanto com Q in situ. Uma possível

explicação para tal opcionalidade seria a entrada ou não do traço EPP na numeração, o

que pode acontecer uma vez que a teoria assume o traço como opcional.

47

2.3 – O critério Q, a questão do foco e o Q in situ

2.3.1 - O critério Q (Rizzi, 1996)

As sentenças interrogativas Q devem obedecer a uma condição de boa formação,

que garante a interpretação dos operadores Q em FL. O critério propõe que:

(i) Um operador Q deve estar em relação especificador – núcleo com um núcleo

Q

(ii) Um núcleo Q deve estar em relação especificador – núcleo com um operador

Q

Em línguas como o inglês, por exemplo, o critério se aplica em SS e o traço

[+Q] se ancora em I, isso significa que tanto a expressão Q quanto o I devem ser

movidos para CP para que o critério se verifique.

(1) What has John seen?

‘O que aux. João viu?’

Vemos em (1) que o operador Q e o I com traço [+Q] estão em relação Spec – núcleo

No PB devemos assumir que o I é [-Q], segundo Mioto (2001), diferentemente

do inglês, o que significa que o traço Q não se ancora na flexão, e, portanto, não existe

movimento de I para C, ou seja, a adjacência entre a expressão Q e o verbo finito não é

prevista no PB.

Uma expressão Q quando está in situ não é um operador Q, o que permite que as

sentenças sem movimento no PB não violem o critério. No entanto, para termos a

interpretação de pergunta quando o Q está em sua posição de origem algum elemento

deve ser marcado com o traço [+Q], o que nos leva à discussão da seção 2.3.3 sobre

como são formadas as interrogativas com Q in situ.

Como no PB, o traço Q não se ancora na flexão, o C poderia receber esse traço e

ser marcado como [+Q], o que geraria problemas para explicar os casos de Q in situ. A

solução proposta por autores que tratam desse tema é que isso se explica via

concordância dinâmica, uma forma alternativa de marcar um núcleo como [+Q]. O que

acontece é que o CP é dotado do traço [+Q] quando seu especificador é preenchido pela

expressão Q.

48

Em relação ao PE, temos três problemas para o critério Q: os casos de Q in situ,

as sentenças com ordem SV e os casos de VS em sentenças encaixadas. No PE,

diferentemente do PB, o I é [+Q], o que obriga a subida de toda a estrutura para CP

assim como no inglês, ou seja, nenhuma expressão Q poderia permanecer in situ. Como

solução, é apresentada uma proposta de opcionalidade na marcação do I. Sendo assim,

em interrogativas com Q in situ o I é [-Q]. Essas seriam interrogativas especiais “com

sabor de eco” nas palavras de Ambar (2000).

De acordo com Ambar (1992), uma expressão Q tem uma categoria vazia que

deve ser regida, por isso o V deve subir para C. Entretanto, uma expressão Q pesada não

apresenta essa categoria vazia e a subida do verbo não se faz necessária. Esse é outro

ponto de problema para o critério Q, já que na ordem SV, sem a subida do verbo, o

critério seria violado. A explicação para isso está no fato de expressões Q pesadas ou

complexas (interrogativos com preposição se encaixam nesse caso – por que) serem D-

linked (Pesestsky, 1987 apud Mioto, 1994). Isso quer dizer que essa expressão não é um

operador de pleno direito, aceitando SV em alguns casos e podendo se comportar como

um operador obrigando a subida do verbo em outros.

Por fim, a questão da ordem em sentenças encaixadas não é de fato um problema

para o critério Q, pois ela está, na realidade, relacionada a processos de focalização. A

questão da focalização é muito importante no estudo das interrogativas Q, uma vez que

é possível assumir que tais estruturas sejam semelhantes a estruturas de focalização.

É importante mantermos o critério Q em mente quando pensamos em um estudo

das interrogativas como o que me proponho nesta tese. Tanto para o PB quanto para o

PE problemas e soluções já foram levantados em relação à proposta de Rizzi, que surge

basicamente para dar conta da diferença entre línguas com e sem movimento do

elemento interrogativo Q.

2.3.2 - O foco

Uriagereka (1995) propõe que as categorias de tópico, foco, ênfase, contraste,

entre outras apresentam um aspecto em comum: todas carregam o ponto de vista do

falante ou algum traço de subjetividade. Dessa forma, o autor assume que existe uma

posição, que ele chama de F, que codifica o ponto de vista na sintaxe e é pra lá que se

movem todas as categorias citadas anteriormente. A categoria funcional FP estaria

localizada entre o CP e o IP e teria a função de receber em seu especificador os

49

chamados elementos afetivos, sintagmas quantificadores e operadores de foco;

advérbios aspectuais; a negação; expressões enfáticas e expressões interrogativas.

Mioto (2003, p.4) não se distancia de Uriagereka, quando define o foco como

“um conceito discursivo que se aplica ao constituinte que veicula a informação nova na

sentença”. Um constituinte é interpretado como foco somente se for movido para a

posição Spec, FocP. O autor demonstra que o elemento Q também é uma estrutura de

foco afirmando, com base em Rizzi (1997), que cada sentença pode apresentar apenas

um foco. Na sentença (2 a), por exemplo, o elemento focalizado é o sintagma [Pandora],

enquanto em (2 b) o elemento focalizado é [Quem]:

(2) a. Foi FPandora que gerou a polêmica.

b.FQuem gerou a polêmica? (Mioto, 2003, p.4)

Observamos que (3) não é uma sentença bem formada justamente pelo fato de

termos ao mesmo tempo um foco e um elemento Q, o que mostra que se os dois não

podem coexistir na mesma estrutura, é porque são da mesma natureza, ou seja, o Q vale

pelo foco nas sentenças em que aparece.

(3) a. *FO que foi FPandora que gerou?

b.FO que foi que Pandora gerou? (Mioto, 2003, p.5)

Quando temos um elemento Q na posição de foco, a interpretação vai ser a de

foco informacional já que o elemento Q é um operador que licencia uma variável cujo

valor deve ser atribuído pelo interlocutor.

Rizzi (1997) propõe que a periferia esquerda da sentença não é constituída

apenas por uma projeção de CP, mas que este CP é cindido e se relacionam a ele

categorias ligadas ao discurso. Retomo essa proposta no capítulo de análise. Pensando

nas estruturas de foco, a proposta diz que existe um FocP na periferia esquerda da

sentença e esse é o local onde o foco é articulado com a pressuposição. Sendo assim, um

constituinte vai receber interpretação de foco quando estiver em relação Spec – núcleo

com Foc, estando o elemento focalizado em Spec, FocP e a pressuposição no núcleo

Foc. Essa relação, na verdade, não acontece somente na periferia esquerda, o foco

também pode ser atribuído in situ e Belletti (2001, apud Mioto, 2003) propõe um FocP

interno ao IP que se localiza logo acima do vP e também tem seu Spec destinado a

50

receber elementos focalizados. A proposta de Belletti encontra fundamento em

construções como (4), em que o sujeito é pós-verbal e é o elemento focalizado.

(4) Quem chegou ontem?

Ontem chegou o João.

Diante da discussão apresentada, Mioto (2003, p.11) conclui que “a discussão

tentou tornar plausível o postulado de que existem duas áreas onde a categoria FocP é

projetada: uma na periferia esquerda da sentença, outra na periferia esquerda do VP.”

Desse modo, o foco pode aparecer tanto deslocado quanto in situ, porém seu movimento

para Spec, FocP é sempre obrigatório.

Kato (2014) faz uma análise aproximando as construções de foco das sentenças

interrogativas Q no português. A autora apresenta o exemplo em (5), a seguir, para

traçar o paralelo entre as duas estruturas:

(5) a. Deus soo é juyz. (século 14)

Só Deus é juiz

b. Como veste vós a aqueste ermo? (Século 14)

Como chegaste a este lugar deserto?

Os elementos em negrito em (5) são o foco das sentenças. Tanto na declarativa

quanto na interrogativa temos um elemento focalizado; no primeiro caso, o DP está

acompanhado do adverbio aspectual soo; no outro é um interrogativo. Kato mostra,

portanto, que existe uma semelhança nos padrões de focalização e interrogativas Q, o

que lhe permite tratá-las como padrões idênticos. Ou seja, a sentença (5 b) segue o

mesmo padrão de (5 a) e o foco aparece na mesma posição. A autora afirma que o que

quer que tenha acontecido na evolução dos processos de focalização no português ao

longo do tempo (basicamente a evolução da clivagem) afetou também as interrogativas

Q.

Assim como nos trabalhos citados acima (Uriagereka, 1995; Rizzi, 1997 e

Mioto, 2003), Kato e Belletti assumem que existe uma projeção FocP na periferia

51

esquerda e outra na periferia do vP. Esse núcleo funcional é responsável tanto por

receber elementos focalizados quanto por fazer a checagem dos traços Q nas sentenças

interrogativas Q. Além disso, Kato afirma que pode haver opcionalmente uma projeção

TopicP acima ou abaixo da FocP.

Kato e Ribeiro (2015) também seguem essa perspectiva de análise para estudar

as estruturas de focalização presentes no corpus do projeto PHPB ao longo do século 19

e primeira metade do século 20. As autoras propõem que estruturas declarativas de foco

identificacional ou contrastivo e as interrogativas Q são definidas pelo mesmo núcleo de

checagem de traços. Neste trabalho, as autoras concluem que nas sentenças do período

analisado ainda há resquícios de construções FocoVS e FocoVXS. As clivadas

canônicas já começam a aparecer; no entanto ainda não se verifica o uso de clivadas

reduzidas. Sobre tais estruturas as autoras levantam uma hipótese interessante: “É

possível que o letrado evite as clivadas reduzidas por ainda serem estigmatizadas na

escrita e escolham uma alternativa mais aceitável, seja a forma canônica mais

conservadora, ou optando por cortar o complementizador que, uma variante fonológica

da clivada reduzida.” (Kato e Ribeiro, 2015)

No português contemporâneo, a ordem XVS passa então a ser atribuída à

projeção de um FocP, e não mais a um sistema V2 como no português antigo. O sujeito

só aparece posposto em contextos de focalização ou com verbos inacusativos. Além

disso, a diferença na ordem VS/SV do PE e PB é explicada por Kato: no PE o verbo

sobe até o nó T e o sujeito permanece no spec,VP. Diferentemente do que acontece no

PB, em que o elemento focalizado vai para spec, FocP, o verbo vai para T, mas o sujeito

fica mais alto, em spec, TP, já que este possui um traço EPP que precisa ser checado.

Em (6) temos a configuração dos dois sistemas, PE e PB, respectivamente. As

construções em (6) podem se assemelhar a construções de tópico-comentário, no

entanto as estruturas não se confundem. Em cada sentença pode existir apenas um foco

enquanto o tópico pode ser múltiplo (Barbosa, 2001).

(6) a. [FOCUSP Muitos CDs [F [TP me-recomendou [VP o João recomendou [VP

recomendou me muitos CDs]]]]] (PE)

b. [FocusPMuitos CDs [F [TP o João me-recomendou [vPo João recomendou [vP

recomendou me muitos CDs]]]]] (PB)

52

As interrogativas Q são derivadas de modo semelhante, já que no PE o elemento

Q vai para spec, FocP, o verbo vai para T e o sujeito fica in situ. No PB, a derivação é a

seguinte: o elemento Q vai para spec, FocP, o verbo para T e o sujeito para spec, TP

gerando (7):

(7) a. O que te recomendou o João? (PE/*PB)

b. O que o João te recomendou? (PB)

2.3.3 – O Q in situ no PB

Kato (2013) apresenta uma análise, da qual farei uso na presente tese, para o Q

in situ do PB usando os pressupostos minimalistas descritos na seção 2.2. A autora

inicia o artigo buscando entender o porquê de o PB apresentar uma entoação para cada

tipo de pergunta com Q in situ – interrogativa comum (real) (entoação descendente) e

pergunta eco (entoação ascendente). No francês, língua que também aceita Q não

movido para perguntas comuns, a mesma entoação é usada sempre que o Q fica na sua

posição de origem (entoação ascendente). Distinção semelhante à do PB ocorre no

japonês, que, segundo Kato, tem um morfema para a pergunta com Q in situ eco e outro

para pergunta comum.

Segundo a autora, Cheng e Roorick (2000), trabalho que retomarei

posteriormente, explicam que os dois tipos de pergunta (interrogativas sim/não – ou

globais – e interrogativas com Q in situ) partilham da mesma entoação no francês

porque contam com o mesmo morfema Q. Esse morfema aparece de maneira opcional

na numeração: se ele não entrar, o movimento ocorre; se ele estiver presente, o

movimento é inibido. Tal explicação não serve para o PB já que temos uma entoação

diferente para cada tipo de pergunta.

Uma segunda explicação é proposta por Boskovic (1998 apud Kato 2013), que

diz que o francês permite a inserção de um traço +Q em LF. Consequentemente, na

sintaxe aberta o Q não se move porque não tem nenhum elemento para atrair. Essa

explicação também não se encaixa no PB.

A autora lança então a hipótese de que a pergunta eco no PB seria um caso real

de Q in situ, por isso a entoação é ascendente. Tal entoação é dada pelo operador

53

interrogativo Q silencioso, o mesmo que ocorre nas perguntas sim/não; isso leva à

mesma entoação ascendente nos dois tipos de pergunta.

(8) a.Você viu quem?

O que assegura a entoação descendente para as perguntas reais com Q não

movido é o movimento do Q para uma posição de foco interna a um sintagma FP,

sintagma este que recebe os constituintes focalizados nas sentenças; nessa posição, o

elemento recebe uma prosódia descendente.

b. Você viu quem?

Por semelhança com a estrutura do japonês, que usa um morfema do discurso

indireto, a autora analisa as sentenças eco do PB como sendo originárias de um discurso

indireto conservando a entoação.

(9) Você disse que o professor viu quem?

Alguns pontos importantes sobre as interrogativas com Q in situ devem ser

investigados, como, por exemplo: quando elas surgem no sistema e a questão da

opcionalidade no português. Além disso, uma análise prosódica dessas sentenças traria

boas contribuições para a interpretação do fenômeno. Seriam as sentenças com Q

movido e in situ variantes ou elas recebem interpretações diferentes ou atuam em

contextos diferentes? Autores como Vergnaud e Zubizarreta (2001 apud Kato, 2013)

afirmam que no francês as sentenças recebem interpretações diferentes: uma leitura com

foco mais restrito é conferida às interrogativas com Q in situ, enquanto uma leitura mais

abrangente é atribuída às perguntas com Q movido. No francês, as sentenças com Q in

situ não aceitam respostas negativas:

(10) Marrie a achetéquoi?

‘Maria comprou o quê?’

*Rien/‘Nada’

54

Acredito que essa restrição não aconteça no PB. Seriam necessários alguns testes

(que fogem ao escopo desta pesquisa no presente momento), para afirmar que o mesmo

ocorre no PB, mas alguns falantes brasileiros com quem conversamos, de modo

informal, sobre o assunto atribuíram um caráter duvidoso à suposta agramaticalidade de

respostas negativas num contexto como o do francês citado acima. No entanto, alguns

falantes afirmam que em um contexto como: a Maria, conhecida por ser uma

compradora contumaz, voltou de um shopping recém-inaugurado. Nesse caso, a

resposta em (11) seria gramatical:

(11) A Maria comprou o quê?

Nada

Em análise subsequente, Kato (2014) assume que as sentenças com Q in situ não

são estruturas sem movimento como a superfície pode mostrar. Elas apresentam um

movimento para um sintagma de foco localizado no interior da estrutura sintática, o já

referido FocP interno. Ou seja, essas sentenças também apresentam movimento do

sintagma Q. Porém, como o verbo vai para Spec T, o Q acaba permanecendo

linearmente a direita do verbo.

Ou seja, o mesmo FocP adjacente ao vP já citado anteriormente como

responsável pela ordem VS em alguns contextos é o responsável pela estrutura de Q in

situ tratada acima. Kato (2014) mostra o exemplo (12):

(12) a. Você deu este CD para quem?

b. [TP você deu [TopPeste CD [FocusPpra quem [vP você deu [vPdeu este CD pra

quem]]]]]

O que vemos em (12) é uma projeção de FocP na periferia do vP, que recebe o foco da

sentença, mas o verbo continua seu movimento até T, o que faz com que o elemento Q

esteja a direita do verbo, mesmo depois de ter se movido para a posição de foco.

55

Adotarei a proposição de que as interrogativas Q são estruturas de focalização e,

portanto, os elementos Q sempre ocupam a posição de FocP já que devem receber a

leitura de foco da sentença. A relação spec – núcleo proposta por Rizzi, discutida na

seção anterior, continua sendo válida; porém, devo assumir que a relação acontece no

núcleo Foc e não em C, como apontam alguns trabalhos e descrições em momentos

anteriores nesta tese.

2.4 - O Parâmetro do Sujeito Nulo

Com objetivo de desenvolver a hipótese de Kato e Duarte (2002), já descrita no

capítulo 1, que relaciona o aumento de sujeitos expressos à entrada da ordem SV no PB,

apresento aqui uma breve discussão sobre o PSN. Sabemos que o PB exibe

comportamento diferente quando comparado a outras línguas românicas, como o

espanhol, italiano e PE. Isso acontece porque a mudança na representação do sujeito

pronominal desencadeou uma série de outras mudanças a ela relacionadas, e, embora a

ordem SV nas interrogativas Q nunca tenha sido apresentada como uma das

propriedades relacionadas ao PSN, acredito que, no caso do PB isso possa ser

constatado.

Nesse sentido, é possível ir ao encontro da hipótese de Kato e Duarte (2002) e

pensar que o que fez com que o PB passasse a licenciar a ordem SV nesse contexto e o

PE não fizesse o mesmo teria a ver com diferentes marcações em relação ao valor

positivo/negativo do PSN. Os resultados empíricos os resultados de Duarte (1992) para

a representação da ordem VS/SV em interrogativas Q e os de Duarte (1993) para a

representação do sujeito pronominal em sentenças declarativas e interrogativas, com

base na mesma amostra, apresentados no capítulo 1, mostram que o sujeito expresso

cresce paralelamente à ordem SV nas interrogativas Q do PB.

O PSN se refere, em geral,12

somente a sentenças finitas e em contextos

discursivos neutros, sendo a interpretação do sujeito nulo a de um pronome definido e

referencial. Muitas línguas de sujeito não nulo (inglês, por exemplo) permitem sujeitos

nulos sob condições diferentes da pontuada acima, como é o caso em que o sujeito nulo

12

Ver, entretanto, Barbosa Duarte e Kato (2005) sobre a ordem do sujeito em sentenças gerundivas.

Enquanto o PE e outras línguas românicas de sujeito nulo mantém GER S (chegando a Maria, iniciamos

a reunião), o PB e o francês, sistema [-sujeito nulo] usam a ordem S GER (a Maria chegando, iniciamos

a reunião).

56

é pragmaticamente identificado. Esses contextos não nos interessam aqui. Nosso

interesse recai sobre a evolução na descrição do que caracteriza de fato uma LSN. Com

tantos anos de estudos sobre esse parâmetro da GU, os pesquisadores começaram a

observar que as línguas não apresentam comportamento que contém apenas uma opção

Sim/Não. Dentro do grupo de línguas de sujeito não nulo, por exemplo, encontram-se

línguas com comportamentos distintos e, a partir dessa observação, encontramos em

Roberts e Holmberg (2010) uma tipologia que distribui as línguas em línguas de sujeito

não nulo (como o inglês); línguas de sujeito nulo expletivo (como o alemão); línguas de

sujeito nulo consistente (como o italiano) e línguas de sujeito nulo radical (como o

chinês) sem concordância (pro-drop discursivo). Essas línguas estão posicionadas em

uma escala que vai de sistemas que não licenciam sujeitos nulos de nenhuma espécie até

aquelas que licenciam não só a categoria de sujeito, mas como também a posição de

objeto nula sem que qualquer concordância precise ser realizada, caso do chinês,

japonês e coreano.

O PB tem sido descrito como um sistema de sujeito nulo parcial, que

compartilha características com o finlandês, islandês e russo, por exemplo. As línguas

desse grupo se caracterizam por apresentar três traços básicos levantados por Holmberg

(2005): (i) somente pronomes de 1ª e 2ª pessoa são livres para serem apagados em

contextos finitos; (ii) pronomes de 3ª pessoa só podem ser nulos sob condições muito

específicas (quando estão ligados a um argumento mais alto e sintaticamente acessível,

ou seja, constituindo um tópico sentencial ou discursivo); (iii) pronomes com referência

genérica podem e devem ser nulos. Como se pode perceber, o PB se diferencia do que

está aqui listado. Levando em conta a análise de Duarte (1995), os sujeitos pronominais

plenos começam a se implementar na 1ª e 2ª pessoa (traço + humano), atingindo

lentamente a 3ª pessoa, que pode ter traços [+/- animado] e [+/- específico] e os sujeitos

de referência genérica, diferente do descrito acima, também apresentam tendência ao

preenchimento. O que nos leva a crer que o PB não parece se adequar tão bem à classe

dos sujeitos nulos parciais.

O que os trabalhos recentes indicam é que o sujeito nulo do PB difere em alguns

pontos daquele encontrado no PE, ou no italiano, por exemplo, que têm sido descritos

como línguas de sujeito nulo consistente. A diferença entre PB e PE nesse ponto se deve

a diversos fatores, desde a redução no paradigma pronominal e flexional (Duarte 1993,

2005) até a orientação do PB para o discurso, que afeta as construções impessoais,

hipótese levantada por Kato e Duarte (2008).

57

Independentemente do que gera essa diferença, o que é preciso ter em mente é

que a ordem preferencial dos constituintes nas sentenças interrogativas Q básicas, isto é,

sem nenhum outro fator sintático ou prosódico interferindo, apresenta um

comportamento em uma língua de sujeito nulo parcial e outro comportamento distinto

em um sistema de sujeito nulo consistente. Essa diferença fica clara no capítulo 1

quando listo as descrições de algumas línguas românicas em relação ao seu

comportamento no âmbito das interrogativas Q.

Em suma

No capítulo 2 foram apresentados os pressupostos teóricos que orientam meu

trabalho. Na seção 2.1 foi discutida a questão das diferentes abordagens possíveis para

se empreender um estudo de mudança sintática, com algumas propostas relevantes

apresentadas de modo breve com o objetivo de contribuir para a construção da posição

assumida por mim neste trabalho. Na seção 2.2 apresentei o modelo da teoria linguística

na qual baseio minhas questões, hipóteses e grupos de fatores estruturais que

caracterizam o fenômeno e tracei um histórico conciso de como o movimento Q, um

dos tópicos desta tese, tem sido tratado na teoria gerativa. A seção 2.3.1 apresenta a

descrição do critério Q de Rizzi (1996), que rege a formação de interrogativas Q e

mostra como os problemas que iam de encontro à aplicação do critério foram

solucionados no PB e no PE. A seção 2.3.2 traz algumas questões atuais sobre a

localização do foco na estrutura sintática e um paralelo com as interrogativas Q e como

as propostas podem explicar as diferenças na ordem VS/SV do PE e do PB. Por fim, a

seção 2.3.3 introduz a visão de Kato (2013, 2014), na qual eu me apoio para explicar

diversas questões sobre as sentenças com Q in situ. Encerro com uma breve introdução

à questão da tipologia em relação ao PSN, ponto que será um dos pilares da minha

análise. O capítulo seguinte aborda questões metodológicas, momento em que são

reforçados objetivos e hipóteses de trabalho.

58

CAPÍTULO 3

3 - Objetivos, Hipóteses de Trabalho e Metodologia

Neste capítulo, apresento um refinamento dos objetivos e hipóteses deste

trabalho. Apresento também os procedimentos metodológicos adotados no

desenvolvimento da análise.

3.1 – Objetivos e Hipóteses de trabalho

Diante dos pressupostos teóricos apresentados, reforço que o objetivo geral deste

trabalho é traçar o percurso das interrogativas Q no Português Europeu ao longo dos

séculos XIX e XX, acompanhando a evolução dos padrões sentenciais em cada período

de tempo avaliado. Posteriormente, pretendo elaborar um panorama de comparação do

histórico das interrogativas Q do PE com as mesmas estruturas no PB a fim de

contribuir para as descrições de ambos os sistemas. Tomando o modelo de competição

de gramáticas como modelo de estudo e interpretação da mudança, busco relacionar

possíveis mudanças no padrão de interrogativa a mudanças no sistema do português.

A pesquisa também busca responder a questões como:

(a) Os resultados confirmam as descrições apresentadas por Âmbar (1992) e

Brito, Duarte e Matos (2003) para a ordem das interrogativas Q no PE?

(b) Com que frequência, sob que forma e a partir de quando a clivagem aparece

nos dados?

(c) Há no PE a presença da clivada reduzida ou tal estrutura é, de fato,

característica do PB? O que bloqueia ou licencia a existência dessa estrutura?

(d) Haveria no corpus diferenças relacionadas ao estatuto argumental do

interrogativo e à transitividade verbal?

(e) Haveria um número elevado de interrogativas com sujeito nulo?

(f) Haveria, assim como encontramos no PB, um número relevante de

interrogativas com Q in situ?

(g) Haveria estabilidade ou mudança em curso no PE?

59

Uma das hipóteses que norteia esta pesquisa diz respeito à relação estabelecida

por Kato e Duarte (2002), Kato et alii (2006) e Pinheiro e Marins (2012) entre a

mudança na ordem de VS para SV e o aumento de sujeitos pronominais expressos no

PB. A partir desses estudos, é de esperar que no PE, uma língua de sujeito nulo

consistente (cf. Duarte 1995 para a língua oral e Barbosa, Duarte e Kato, 2005, Duarte

(2007) para a escrita), que não apresenta indícios de mudança na marcação do valor do

PSN, seja encontrada uma maior produtividade e diversidade de contextos de uso da

ordem VS do que no PB, uma língua com a tendência a exibir mais sujeitos plenos e

preferir a ordem SV em declarativas (cf. Berlinck 1989, Kato et al. 2006).

Ou seja, por hipótese, a tendência da língua a preencher a posição de sujeito

afeta a ordem preferencial dos constituintes tanto nas declarativas quanto nas

interrogativas Q do PB. Como as estruturas VS no PE não parecem sofrer tal pressão, é

de se esperar que a ordem VS seja produtiva com todos os tipos de verbos e em todos os

períodos de tempo estudados. Logo, a não relação entre o PSN e a ordem VS nas

interrogativas Q seria confirmada.

Entretanto, o levantamento feito para o PE falado apresentado no capítulo 1

revela que, em relação ao PSN, nada muda – as interrogativas Q com um sujeito dado

no contexto discursivo apresentam um sujeito normalmente nulo. No entanto, com

sujeitos novos ou mesmo pronominais expressos, o padrão VS para as interrogativas Q

não é mais o preferido, contrariando o que apontam as descrições. A hipótese então

deve ser revista: o PSN e a ordem das interrogativas Q não estão relacionados como no

PB. Acredito, então, que essa mudança de preferência ao longo do período observado se

deve ao aumento no uso da clivagem no PE.

Outra hipótese importante considera a evolução dos processos de focalização e

sua relação direta com as interrogativas Q, também tratadas como estruturas de

focalização neste trabalho. Acredito que, como mostram os resultados para o PB

(Duarte, 1992, Lopes Rossi, 1993, entre outros), o uso mais consistente da estratégia de

clivagem canônica para focalizar constituintes fez com que a ordem SV passasse a ser

licenciada nas interrogativas Q. No PE, somente mediante processos específicos de

focalização a ordem das interrogativas Q pode ser SV; caso contrário VS continua

sendo obrigatória. Uma investigação sobre as razões pelas quais a clivagem atua

diretamente nesses processos é um dos objetivos da minha análise.

60

Levando em conta os resultados para o PB, os trabalhos aqui resenhados e o

levantamento dos padrões obtidos por mim na análise das entrevistas de língua oral

contemporânea, espero que o PE se mostre estável no que diz respeito à ordenação

preferencial dos constituintes nos períodos iniciais. É esperado também que a ordem SV

apareça à medida que aumentem os contextos em que a clivagem é utilizada, já que, na

presença de clivagem, a ordem VS não é obrigatória no PE. Espero encontrar um

aumento no uso da clivagem ao longo do tempo, de modo que os resultados dos

períodos mais recentes se aproximem daqueles encontrados na análise da fala

contemporânea. Não espero encontrar restrições ou preferências quanto ao tipo de verbo

que ocorre com VS no PE. Essa ordem deve se estabelecer independentemente do tipo

de verbo, desde que não apareça a clivagem.

Um número elevado de sentenças com sujeitos nulos em todos os períodos deve

ser encontrado, não havendo preferência por qualquer pessoa pronominal. Por fim, o

número de Q in situ em perguntas reais no PE deve ser menor que no PB, já que o PE é

tradicionalmente descrito como uma língua com movimento obrigatório de Q, assim

como o espanhol (o que não exclui a possibilidade de Q in situ em interrogativas eco).

Respondidos todas as questões acima, acredito que seja possível mostrar uma relação

entre as línguas de sujeito nulo, a ordem VS e o movimento de Q.

3.2 – Metodologia de análise - Procedimentos metodológicos

Apresento aqui os procedimentos metodológicos que guiaram o levantamento e

o tratamento dos dados deste trabalho. Descrevo as estruturas que foram levadas em

consideração, bem como aquelas que foram excluídas e apresento as devidas

justificativas para tais decisões. Os grupos de fatores escolhidos para a análise são

listados e alguns serão descritos de modo mais detalhado. Faço algumas considerações

sobre o corpus e sobre a etapa de análise comparativa que será elaborada com base em

dados do PB.

Foi empreendida uma análise diacrônica a fim de buscar evidências empíricas

para acompanhar a evolução da ordem Q-VS/Q-SV nas interrogativas Q do PE. A

metodologia quantitativa da Teoria da Variação e Mudança servirá de suporte para a

organização e distribuição dos dados ao longo dos sete períodos de tempo que compõem

o percurso estudado aqui. O empreendimento de uma análise nesses moldes se justifica

com base nas palavras de Guy e Zilles (2007) “a realização de análises quantitativas

61

possibilita o estudo da variação linguística, permitindo ao pesquisador apreender sua

sistematicidade, seu encaixamento linguístico e social e sua eventual relação com a

mudança linguística. A variação (...) não pode ser adequadamente descrita e analisada

em termos categóricos ou estritamente qualitativos.” (p.73).

3.2.1 - A Amostra

A fim de poder comparar os resultados para o PE com os apresentados nos

estudos de Duarte (1992) e Pinheiro e Marins (2012) sobre o PB, a mostra utilizada

nesta tese provém de peças teatrais portuguesas, que tem em comum o caráter popular,

que se vêm em comédias de costumes, comédias urbanas, o que nos garante uma maior

tentativa por parte do autor de proximidade com a fala espontânea. As primeiras peças

dessa amostra do PE nos foram cedida pela Profa. Izete Coelho (UFSC), tendo sido

mais tarde ampliada pela Profa. Juliana Esposito Marins, durante seu estágio de

doutorado sanduíche em Lisboa.

A distribuição das peças ao longo do tempo não é regular; note-se que há apenas

duas sincronias no século XIX, enquanto encontramos cinco períodos no século XX.

Essa distribuição se deve ao interesse de comparar os resultados com aqueles

encontrados para o PB. Na realidade, as análises do PB escrito ao longo do século XIX

e início do século XX não têm revelado mudanças significativas. É a partir dos anos

1930 que a gramática do PB aparece nesses textos. O quadro 1 apresenta o período

compreendido em cada sincronia e a seguinte organização foi feita em uma tentativa de

utilizar mais de um autor por período para evitar possíveis tendências estilísticas ou

reflexos da gramática de um indivíduo:

Quadro 1: Distribuição do período compreendido em cada sincronia (PE)

Período 1 Período 2 Período 3 Período 4 Período 5 Período 6 Período 7

1841-1852 1870 -1897 1900- 1923 1931- 1944 1954-1960 1965-1980 1995-1998

Essa ampliação do período compreendido para cada sincronia se deve à tentativa

de conseguir um maior número de dados (a análise de Duarte utiliza um autor por

período). Opto aqui por utilizar o ano em que a peça foi escrita, porém vou controlar o

ano de nascimento do autor para verificar possíveis diferenças individuais. Busquei

62

evitar a utilização de um mesmo autor repetidas vezes, mas nem sempre isso foi

possível.

Ao todo foram lidas 40 peças. Sabemos que, por se tratar de língua escrita, as

peças, ainda que de caráter popular, estão, mais ou menos, sujeitas às pressões da

norma. No entanto, acreditamos que é possível ter acesso à gramática interna dos

autores em relação ao fenômeno da ordem dos constituintes e do uso ou não da

clivagem nas interrogativas Q. O quadro com as peças (com o ano em que foram

produzidas) e seus respectivos autores (com o ano de seu nascimento) é apresentado

abaixo:

Quadro 2: Distribuição da amostra utilizada por período e autor (PE)

PERÍODO 1

Casar ou meter freira (1848)

Uma cena de nossos dias (1843)

Nem tudo que reluz é ouro (1849)

A domadora das feras (1857)

Os logros numa hospedaria (1841)

O misantropo (1852)

Antonio Pedro L. de Mendonça (1826)

Paulo Midosi (1790)

João de Andrade Corvo (1824)

Luís Augusto Palmeirim (1825)

Paulo Midosi (1790)

Paulo Midosi (1790)

PERÍODO 2

Quem desdenha... (1874)

A liberdade eleitoral (1870)

Clero, Nobreza e Povo (1871)

O festim de Baltazar (1892)

A Senhora Ministra (1897)

Pinheiro Chagas (1842)

Teixeira de Vasconcelos (1816)

César de Lacerda (1829)

Gervásio Lobato (1850)

Eduardo Schwalbach (1860)

PERÍODO 3

O álcool (1912)

A festa da atriz (1903)

Antes de começar (1919)

Cavalheiro respeitável (1914)

Os degenerados (1905)

Penélope (1919)

Bento Mântua (1878)

Jorge Santos

Almada Negreiros (1893)

André Brun (1881)

Mário Gollen

Abreu e Sousa (1893)

63

Os que furam (1905)

O doido e a morte (1923)

Terra Mater (1904)

A bisbilhoteira (1900)

Emídio Garcia (1838)

Raul Brandão (1867)

Augusto de Lacerda (1864)

Eduardo Schwalbach (1860)

PERÍODO 4

Continuação de comédia (1931)

Três gerações (1931)

A prima Tança (1934)

A invenção do guarda chuva (1944)

O ausente (1944)

João Pedro de Andrade (1902)

Ramada Curto (1886)

Alice Ogando (1900)

Luís Francisco Rebello (1924)

Joaquim Paços d’Arcos (1908)

PERÍODO 5

Alguém terá que morrer (1954)

É urgente o amor (1957)

Mário o eu próprio – o outro (1957)

O meu caso (1957)

Luís Francisco Rebello (1924)

Luís Francisco Rebello (1924)

José Régio (1901)

José Régio (1901)

PERÍODO 6

O grande mágico (1979))

A lei é a lei (1977)

Prólogo Alentejano (1975)

A sogra (1973)

Grito no outono (1980)

A guerra santa (1965)

A menina feia (1970)

Luís Francisco Rebello (1924)

Luís Francisco Rebello (1924)

Luís Francisco Rebello (1924)

Alice Ogando (1900)

Romeu Correia (1917)

Luís de Sttau Monteiro (1926)

Manuel Frederico Pressler (1907)

PERÍODO 7

Um filho (1996)

Quinze minutos de glória (1998)

O céu de Sacadura (1998)

Luísa Costa Gomes (1954)

Jaime Rocha (1949)

Luísa Costa Gomes (1954)

64

Como as peças mais antigas são mais curtas, foi preciso ler uma quantidade

maior de textos para que um número equilibrado de dados fosse alcançado; por isso, o

número de peças por período não é igual.

Além das peças, foram utilizadas para este trabalho amostras de língua falada do

PE e PB, ambas já apresentadas no capítulo 1. Os dados foram retirados das entrevistas

das amostras Cordial-Sin e Projeto Concordância no caso do Português Europeu e do

projeto NURC-RJ e também do projeto Concordância para o PB. Utilizei a fala dos

entrevistadores como fonte de dados. A fim de encontrar mais evidências do

comportamento do PE em relação a alguns pontos de interesse, fiz um levantamento de

textos jornalísticos do jornal O público e das entrevistas de jornal que fazem parte da

amostra CRPC.

3.2.2 - Os dados

Para a fase de coleta de dados, levei em conta dois tipos de estruturas básicas:

interrogativas Q com sujeitos expressos e interrogativas Q com sujeitos nulos como

mostram (1) e (2) respectivamente

(1) a. Que queres tu que eu faça? (Nem tudo que reluz é ouro – 1)

b. Onde é que eu deixei as cartas? (Um filho – 7)

(2) ...então porque 2ps não simplifica as coisas? (A menina feia – 6)

No caso das primeiras, a ordem do sujeito em relação ao verbo é um dos

principais focos de interesse, já que só é possível fazer observações sobre a ordem nos

dados de sujeito expresso. Quanto às interrogativas com sujeitos nulos, elas foram

incluídas no levantamento, a fim de testar a hipótese de Kato e Duarte (2002), que

apontam que a mudança observada no PB por Duarte (1992) – de QVS para QSV –

estaria intimamente relacionada ao aumento de sujeitos pronominais expressos ao longo

do mesmo período. Essa comparação, que permitiu às autoras levantar a hipótese de que

o aumento de pronomes expressos em declarativas e interrogativas teria servido de input

para a aquisição de SV, é empiricamente demonstrada (cf. seção 1.2.1) e será testada

para o PE.

65

A essas evidências acrescentam-se outros estudos que apontam a fixação da

ordem SV ao longo da história do português. O estudo de Duarte (1992) ainda não

contava com as interrogativas Q com sujeito nulo; entretanto, esse tipo de levantamento

foi feito posteriormente por Pinheiro e Marins (2012), a partir da mesma amostra

analisada em Duarte (1992), de onde tirarei alguns dados e resultados a fim de elaborar

uma análise comparativa com o PE.

Na coleta de dados, foram excluídas construções equativas com a cópula,

geralmente, com verbo ser, e sentenças em que o interrogativo é analisado como

sujeito como (3) e (4), respectivamente. Nas estruturas em (3), a ordem não parece ser

opcional e tanto no PE quanto no PB o que aparece é sempre VS:

(3) Qual será a continuação da comédia? (Continuação de comédia – 4)

(4) Quem a trouxe? (Continuação de comédia – 4)

A codificação dos dados distinguiu interrogativas diretas (exemplo 5) e indiretas

(exemplo 6), já que as interrogativas indiretas apresentam comportamento diferente

aceitando, por exemplo, a ordem SV sem qualquer restrição, segundo as descrições

apresentadas na seção 1.2.2 do capítulo 1. Como as interrogativas indiretas são menos

frequentes, Meu objetivo é apresentar uma análise detalhada das interrogativas diretas e

uma análise qualitativa das indiretas.

(5) Que tens tu com isso? (É urgente o amor – 5)

(6) Oh, minha senhora, tinha acabado de perguntar ao seu marido [aonde lhe poderia

beijar as mãos] (O ausente – 4)

3.2.3 - Os Grupos de Fatores linguísticos e não linguísticos

Para o processamento dos dados levantados, utilizei o programa Goldvarb 2001

(Robinson, Lawrence e Tagliamonte 2001), que mostra tanto a frequência de uso de

cada forma em relação aos fatores estruturais (e, eventualmente não estruturais) a que

tais formas estão relacionadas, ao mesmo tempo que pode indicar o que favorece ou não

66

o uso da ordem QVS ou QSV, a variável em questão. Além disso, a partir de

cruzamentos dentro do programa também é possível observar a distribuição dos padrões

ao longo do tempo, entre outras coisas.

Os dados foram codificados com base em grupos de fatores já propostos em

trabalhos anteriores sobre as interrogativas Q do PB e a ordem VS/SV visando

responder ao que significam os resultados oriundos da análise quantitativa. Abaixo

vemos a lista que mostra que a análise contou com diversos grupos de fatores. Elenquei

alguns de maior relevância em trabalhos relacionados para uma descrição mais

detalhada.

Expressão do sujeito (nulo ou expresso)

Ordem do sujeito expresso (VS/SV)

Padrão sentencial

Classe gramatical/representação do sujeito (SN/ pronome)

Pessoa do sujeito

Tipo de elemento Q (que, o que, quem, quando, onde, como, por que

etc..)

Interrogativo simples x complexo

Estatuto sintático-semântico do interrogativo (argumento / adjunto)

Transitividade verbal

Estrutura verbal (simples ou complexa)

Período de tempo

Autor (ano de nascimento)

1- A expressão do sujeito é a variável dependente, como foi dito e exemplificado em

(1) e (2), seguida pelo grupo que controla ordem do sujeito em relação ao verbo

nos casos de sujeitos expressos. A ordem, como já exemplificado ao longo desta

tese, pode ser VS ou SV, como vemos em (7) e (8):

(7) Mas porque saiu ela de casa? (A senhora ministra – 2)

(8) Desde quando é que os filhos dão ordens aos pais? (É urgente o amor – 5)

67

2- O grupo classe gramatical do sujeito tem como objetivo controlar a hipótese de

que sujeitos pronominais no PE serão preferencialmente nulos, o que vale para

todas as pessoas pronominais (controladas em outro grupo). Por outro lado, os

sujeitos lexicais, que sempre introduzem referentes novos, naturalmente, serão

expressos, o que possibilitará a ocorrência da ordem Q VS/SV. Os exemplos (9) e

(10) ilustram, respectivamente o sujeito pronominal nulo e expresso, bem como o

sujeito representado por um DP lexical, em VS e SV:

(9) a. E que idade tem agora? (A invenção do guarda chuva – 4)

b. Que surpresa hei-de eu fazer à pequena? (Quem desdenha – 2)

(10) a. Onde pôz sua mercê o bacalhao? (O misantropo – 1)

b. E como foi que este doido entrou aqui? (O meu caso – 5)

3- Foi importante controlar o estatuto sintático-semântico do interrogativo, uma vez

que diferentes restrições podem afetar estruturas argumentais, como (11), ou não

argumentais, como (12).

(11) De que é que eles estão à espera? (O grande mágico – 6)

(12) Quando chega? (A menina feia - 6)

4- A transitividade verbal ou grade argumental do verbo é um fator controlado por

todos os trabalhos interessados em entender o fenômeno da ordem. Apesar de em

Pinheiro e Marins (2012) tal grupo não ter se mostrado relevante, sabemos que no

PB a ordem VS resiste apenas com construções com verbos inacusativos, que

incluem a cópula, desde que o sujeito seja um DP lexical. Assim, os verbos aqui

também foram estruturas controladas e classificados em transitivos, intransitivos,

inacusativos e cópulas, como nos exemplos abaixo:

(13) a. Então que quer você? (A bisbilhoteira – 3)

b. Por que chora? (A festa da atriz – 3)

68

c. Que me importam os bens terrenos? (Quinze minutos de glória – 7)

d. Onde estará o quinto? (O misantropo – 1)

5- O grupo padrão sentencial é um dos mais importantes, já que é a partir dele que

vou obter resultados para a descrição do comportamento das interrogativas Q ao

longo do tempo. Inicialmente, o grupo contém fatores que dão conta de todas as

possibilidades de estruturação sentencial, porém algumas, devido à baixa

frequência, serão amalgamadas com outras em momentos posteriores da análise. Os

padrões podem ser de interrogativas não clivadas, como as de (14); interrogativas

clivadas, ilustradas em (15) e interrogativas com Q in situ como (16):

(14) a. Então que respondeu Sofia à minha carta? (Uma cena de nossos dias - 1)

b. Porque ela te horroriza? (O ausente – 4) SV

c. Quantos pratos tem? (A bisbilhoteira – 3) Sujeito nulo

d. E que te importa a minha sinceridade? (O ausente – 4) VS com inacusativo

(15) a. O que é que a gente faz? (É urgente o amor – 5) Clivada SV

b. O que é que disse? (A menina feia – 6) Clivada sujeito nulo

c. Onde é que está o prisioneiro? (A guerra santa – 6) Clivada VS

(16) Acusas-me, então de quê? (A sogra – 6) Q in situ

Os resultados da análise dos dados de peças teatrais do PE serão confrontados

com resultados para as interrogativas do PB. A fonte desses resultados são os trabalhos

de Duarte (1992, 1993) e Pinheiro e Marins (2012), ambos já apresentados no capítulo 1

desta tese e alguns levantamentos elaborados por mim a fim de obter informações não

disponibilizadas pelos trabalhos citados. Os autores trabalham com peças teatrais de

autores brasileiros organizadas em diferentes períodos de tempo. A análise de Duarte

(1992) conta com as seguintes peças, representando os seguintes períodos de tempo:

69

Quadro 3: Relação de peças utilizadas em Duarte (1992)

1734 – O judeu Antônio José da Silva

1845 – O noviço Martins Pena

1882 – Como se fazia um deputado França Júnior

1918 – O simpático Jeremias Gastão Tojeiro

1937 – O hóspede do quarto nº 2 Armando Gonzaga

1955 – Um elefante no caos Millôr Fernandes

1975 – A mulher integral Carlos Novaes

1992 – No coração do Brasil13

Miguel Falabella

Pinheiro e Marins (2012), que fazem uma revisita ao trabalho de Duarte (1992),

organizam a amostra de modo semelhante e fazem uso basicamente das mesmas peças,

partindo, tal como Duarte, da peça de 1845, contemplando oito sincronias.

Os resultados encontrados no levantamento feito com base nas entrevistas tanto

do PB quanto do PE, já apresentados no capítulo 1, também serão levados em conta

sempre que possível, ao longo da análise, a fim de não perder de vista a descrição de

como o sistema contemporâneo funciona e quais são os padrões mais recorrentes. Desse

modo, também será possível saber se as descrições atuais estão em consonância com o

que revelam as peças teatrais.

Em suma

Foram apresentados neste capítulo os procedimentos metodológicos, que

incluíram a descrição da amostra utilizada e os grupos de fatores levantados, que serão

submetidos a tratamento estatístico, o que permitirá responder às questões colocadas a

partir das hipóteses de trabalho.

13

Como já foi dito no capítulo 1, essa peça foi incluída posteriormente nos dados de Duarte. O texto

original utilizou capítulos de novela por não dispor na época de uma peça representativa da década de

1990.

70

CAPÍTULO 4

4.1 - Análise dos dados do português europeu

No modelo de Princípios e Parâmetros, as análises das interrogativas Q

envolviam o movimento de um operador interrogativo para uma posição na periferia

esquerda da sentença. Tal operador deixaria como vestígio uma categoria variável e se

moveria para Spec CP. Existia, nesse momento da teoria, a associação entre movimento

do sintagma Q e movimento da categoria I para o núcleo C, ou seja, a inversão era

obrigatória em línguas com movimento de Q, já que um operador deve ser localmente

regido. O critério Q (Rizzi 1996), já apresentado no capítulo 2, é a formulação que

melhor dá conta dessa relação entre movimento Q e subida do verbo, afirmando

inclusive que línguas que não apresentam os dois movimentos associados conseguem

atribuir o valor [+Q] ao operador por meio de um tipo especial de concordância entre

especificador e núcleo, a concordância dinâmica. Este seria o caso em estruturas como

Quem a Maria viu? O que ele fez?

No programa minimalista (PM), a forma de interpretar o movimento Q muda um

pouco em relação à versão anterior; pois os movimentos passam a ser motivados pela

necessidade de checar traços. Sendo assim, o movimento Q só ocorre porque é preciso

que um traço forte no núcleo C seja checado e apagado, conforme a explicação

desenvolvida no capítulo 2 desta tese. No PM, as operações de movimento são

comandadas pela condição last resort que só autoriza movimentos quando estes são

motivados pela checagem de traços. Apenas línguas que têm o traço Q forte apresentam

movimento do sintagma Q, pois este deve ser checado antes de spell-out. O local de

parada do sintagma Q ainda é alvo de diversas discussões teóricas e temos propostas

como a de Uriagereka (1995), apresentada no capítulo anterior, que propõe a existência

de um FP na periferia esquerda da sentença, para onde se movem elementos como os

interrogativos.

Tomando como base as descrições do PE como um sistema de traço Q forte, que

obriga a subida do verbo para licenciar uma sentença interrogativa Q, busco

acompanhar tais estruturas diacronicamente e para isso utilizo dados retirados de peças

teatrais portuguesas organizadas em sete períodos de tempo. O objetivo principal desta

etapa da análise é elaborar um quadro detalhado com o comportamento das

interrogativas Q no PE e observar quais os padrões sentenciais mais recorrentes e o que

71

pode estar relacionado com esses padrões ao longo do tempo. Busco também responder

a todas as questões levantadas no capítulo anterior, refletindo, por exemplo, sobre a

relação que a ordem QVS/QSV tem com o preenchimento do sujeito. Com base em

descrições anteriores e no meu levantamento para a língua falada (apresentado no

capítulo 1), espero encontrar um crescimento expressivo da clivagem ao longo do

tempo, sem que, no entanto, se perca o predomínio do sujeito nulo na primeira e

segunda pessoas, e na terceira, se o sujeito for um DP anafórico.

A justificativa para o enfoque nas interrogativas diretas é baseada em diversos

trabalhos anteriores que mostram que em contextos encaixados não encontramos

mudanças nas interrogativas Q, como afirma Lopes Rossi (1996): “É fato conhecido

que o PEM (Português Europeu Moderno) não exige movimento de [V+I] em

interrogativas indiretas, ou seja, em contextos encaixados, como comentam Ambar

(1988) e Brito (1991), entre outros. Essa característica também é observada no PEC

(Português Europeu Clássico). Não houve, portanto, mudança sintática com relação às

sentenças encaixadas do PEM e do PBM.” (1996, p.43)

4.2 - Resultados Gerais

Foram levantadas 681 sentenças interrogativas Q diretas nas peças portuguesas

lidas, dentre as quais 356 (53%) são sentenças com sujeito nulo e 325 (47%) com

sujeito expresso. Em relação à ordem, as sentenças com sujeito expresso se

compreendem 260 sentenças com ordem QVS (80%) e 65 com ordem QSV (20%).

Essas estruturas se encontram exemplificadas em (1):

(1) a. Então por que 2ps a agrediu? (Os degenerados – 3)

b. Que farão as personagens depois de a peça findar? (Continuação de comédia

– 4)

c. Mas o que é que nós ganhamos com isso? (Prólogo Alentejano – 6)

Como o foco desta tese é uma análise diacrônica, a Tabela e o Gráfico a seguir

mostram o resultado geral distribuído ao longo dos sete períodos levando em conta as

estruturas com sujeito expresso - as ordens QVS, QSV - e o sujeito nulo. É importante

apontar que as sentenças com Q in situ estão fora do gráfico e da tabela, pois serão

72

analisadas separadamente, já que a ordem nelas parece estar sujeita a restrições

diferentes, como foi discutido no capítulo 2.

Tabela 4.1: Distribuição da ordem nas interrogativas Q ao longo de sete períodos no PE

1840-1858

1870-1898

1900-1928

1931-1944

1950-1963

1965-1988

1990-1998

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Q V (Nulo)

57 62 40 43 49 52 55 55 46 43 51 53 51 57

Q VS

34 38 48 51 42 46 34 34 48 43 24 24 27 28

Q SV

- - 5 6 2 2 10 11 14 14 21 23 12 15

Total 91 100 93 100 93 100 99 100 108 100 96 100 90 100

Gráfico 4.1: Distribuição da ordem nas interrogativas Q ao longo de sete períodos

no PE

Como se pode observar, essa distribuição inicial confirma algumas hipóteses. O

uso de sentenças com sujeito nulo é sempre alto, se mantendo acima dos 40% em todos

os períodos, o que mostra que, de fato, o PE é um sistema de sujeitos nulos consistente.

Caso fossem retirados os DPs lexicais, esse índice de nulos seria ainda mais alto. Esse

resultado está muito próximo do encontrado por Lopes Rossi (1996) também para peças

teatrais que vão da primeira metade do século XIX até a segunda metade do século XX.

A autora verifica que os índices de uso da estratégia QV ficam sempre acima dos 50%

em todos os períodos estudados.

62%

43%

52% 55% 43%

53% 57%

38%

51%

46%

34% 43% 24% 28%

0 6% 2%

11% 14% 23%

15% 0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1840 1870 1900 1931 1950 1965 1990

Q V Q VS Q SV

73

No que diz respeito à ordem QVS, observa-se uma queda em sua ocorrência a

partir do período 5 (1950-1963), por conta da subida no uso da ordem QSV, inexistente

no período inicial e utilizada em níveis bem baixos até o momento desse aumento. De

modo preliminar, já é possível apontar uma mudança na estrutura preferencial das

interrogativas Q no PE tradicionalmente descrita como VS. Este resultado também não

é muito diferente do encontrado por Lopes Rossi (1996), que mostra uma queda no uso

de QVS, porém com índices que passam um pouco dos 30% no último período do

século XX.

Os resultados para ordem QSV mostrados no gráfico e tabela acima indicam que

este padrão parece estar em crescimento no PE. Entre os períodos 4 (1931-1944) e 5

(1950-1963), QSV começa a subir tendo seu pico no período 6 (1965-1988) com 23% e

depois volta a se aproximar dos períodos anteriores com 15%. O padrão QSV não

aparece explicitamente no trabalho de Lopes Rossi (1996), pois a autora contabiliza um

padrão “Q é que”, mas não especifica se se trata de clivadas com SV ou todas as

clivadas; a autora apenas afirma que é um padrão que compete com QVS.

A tabela 4.2 nos permite observar as estruturas contidas em cada padrão:

Tabela 4.2: Detalhamento dos padrões nas interrogativas Q ao longo de sete períodos no

PE

1840-1858

1870-1898

1900-1928

1931-1944

1950-1963

1965-1988

1990-1998

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Q V

57 62 39 42 44 47 49 49 31 28 41 42 31 34

Q Cliv V

- 1 1 5 5 6 6 15 13 10 10 20 23

Q V S

31 35 45 48 39 42 29 29 45 40 20 20 19 20

Q V S inacusativo

3 3 3 2 3 2 5 5 3 2 3 3 8 8

Q Cliv V S

- - - - - 1 1 -

Q Cliv S V

- 4 4 2 2 6 6 14 13 21 21 12 14

Q S V

- 1 1 - 4 4 - - -

Q in situ - 1 1 1 1 1 1 4 3 3 3 1 1

Total 91 100 94 100 94 100 100 100 112 100 99 100 91 100

74

O grupo dos sujeitos nulos contém sentenças Q V e Q cliv V (primeira e segunda

linhas da Tabela, com claro predomínio de Q V); o grupo da ordem Q V S engloba

casos de subida do verbo com sujeito expresso, distinguindo os inacusativos, além de

apresentar um único caso de clivada com essa ordem; o grupo da ordem Q S V

apresenta, em sua maioria, a clivagem e apenas cinco casos de Q SV sem a clivagem;

finalmente, a Tabela apresenta as ocorrências de Q in situ, 11 ocorrências em toda a

amostra.

É possível observar que as clivadas com sujeito nulo (linha 2 da Tabela e

exemplo 2) começam a aparecer no período 2 (1870-1898), com apenas 1 dado e vão

aumentando até chegar aos 23% no período 7 (1990-1998):

(2) a. O que é que quereis dizer no tal programa? (Clero, nobreza e povo – 2)

b. Onde é que 2pp meteram o prisioneiro ao chegar? (A guerra santa – 6)

Conforme o trabalho de Kato e Ribeiro (2009), a presença de clivagem já é

documentada nas interrogativas do português desde o século XVII, embora não fossem

ainda estratégias muito frequentes. Esse padrão de clivada com sujeito nulo foi um dos

mais recorrentes na análise da fala contemporânea do PE e os dados das peças parecem

sugerir essa tendência, ainda que o aumento seja mais lento.

Em relação a Q V S, vemos na Tabela o predomínio de VS “padrão” em todas as

sincronias (3 a); em seguida vemos o padrão Q V S com inacusativos, que inclui

construções com a cópula (exemplos 3 a – f). O outro padrão nesse segundo grupo –

QVS - é a estrutura clivada. Segundo Brito, Duarte e Matos (2003), o uso de clivagem

com ordem V S é marginal no PE e a presença de apenas um dado na amostra parece

confirmar isso (exemplo 3 g).

(3) a. Como cheguei eu a isso, meu Deus? (Quinze minutos de glória – 7)

b. Que é que importa estar debaixo da carpete? (Quinze minutos de glória – 7)

c. Onde é que está a mulher de um dos generais? (A guerra santa – 6)

d. Onde é que está isso na comédia? (O meu caso – 5)

e. Como é que está a Sónia? (Um filho – 7)

f. Onde é que se meteu o meu estado-maior? (A guerra santa – 6)

g. Mas o que é que vai dizer o patrão? (A guerra santa – 6)

75

Os dados em (3) mostram que a opção por separar estruturas inacusativas com

ordem VS foi acertada, já que se trata de um contexto típico de VS independentemente

da presença da clivagem. O único dado classificado como clivagem com ordem VS

(exemplo 3g) aparece como exceção no conjunto de sentenças desse padrão. A não

utilização da clivagem com ordem VS serve como mais um indício de que, quando a

clivagem entra no sistema do PE, ela força a realização da ordem SV, como veremos

adiante.

Em relação à ordem Q SV (terceiro grupo na Tabela 4.2), confirma-se que, o que

motiva o crescimento de QSV mostrado no gráfico 4.1 é justamente a clivagem. O uso

de SV sem clivagem (penúltima linha da Tabela) só aparece em um dado no período 2

(1870-1898), com uma ocorrência, e no período 4 (1931-1944), com quatro dados,

listados em (4):

(4) a. Quem nós temos por aí apresentável? (Quem desdenha – 3)

b. Porque ela te horroriza? (O ausente - 4)

c. Que noção exata você tem do que seja liberdade? (O ausente - 4)

d. O que você conhece em matéria de modas? (O ausente - 4)

e. O que isto me custa? (O ausente - 4)

O que se observa é que, com exceção do dado do período 2, todos os demais são

do mesmo autor na mesma peça. Um deles, em (4 c) pode ser explicado pelo fato de o

interrogativo – que noção – ser complexo o que licencia a ordem SV, como apontam as

descrições. Para os outros casos, não encontrei explicações possíveis a não ser

classificar como exceções (veja-se que em (4 e), temos um inacusativo, o que torna a

ordem SV ainda mais inesperada). Para eliminar qualquer dúvida em relação à presença

desse padrão no período 4, fiz a leitura de uma peça extra (O Cúmplice – 1940), que não

teve seus dados computados na análise, mas a ausência de SV sem clivagem serviu para

confirmar que o uso atestado na peça ‘O ausente’ foge a qualquer padrão. Essas

sentenças são rejeitadas quando apresentadas aos portugueses, que as classificam como

duvidosas ou agramaticais.

Por fim, os casos de Q in situ foram raros nesta amostra, como é possível

observar na última linha da tabela, razão pela qual não entraram na distribuição

76

percentual das estratégias mostradas no gráfico 4.1. A maioria dos períodos apresenta

somente uma ocorrência dessa estratégia, com exceção dos períodos 5 e 6 que

apresentam um número ligeiramente maior de dados dessa natureza. Essa estrutura será

retomada na seção 4.3.2, onde apresento os 11 dados encontrados.

Deixando os casos isolados de QSV sem clivagem, observamos o crescimento

de QSV motivado pela clivagem ao longo do tempo. Esses resultados caminham no

sentido de se aproximar do encontrado para a fala contemporânea, que tem QSV com

clivagem como um de seus padrões preferidos. O período 4 é o momento que marca a

entrada e fixação da clivagem como um padrão nas estruturas interrogativas Q, o que

acontece tanto nas estruturas com sujeitos nulos quanto naquelas com sujeito expresso

na ordem SV. A queda do padrão QSV mostrada no gráfico 4.1 pode se dever ao fato de

no período 7 termos mais dados de clivagem com sujeito nulo, diferente dos períodos

anteriores que apresentam números altos de clivagem com ordem SV.

O gráfico a seguir mostra como os padrões de clivadas e não clivadas se

comportam no PE (aqui incluindo sujeitos nulos e expressos):

Gráfico 4.2: Interrogativas Q clivadas e não clivadas ao longo de sete períodos no

PE

O que se vê é uma evidente mudança no padrão mais recorrente, que passa de

100% de não clivagem período 1 (1840-1858) para 61% no período 7, um curva de

mudança muito clara. A clivagem, como se vê, aparece nos dados da segunda metade do

século XIX (7%) e se mantém até os anos 1931 em índices muito baixos, para iniciar

100%

93%

95%

88%

72% 63%

61%

0 7% 5% 12%

28% 37%

39%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1840 1870 1900 1931 1950 1965 1990

não clivad clivad

77

uma curva ascendente a partir dos anos 1960, alcançando quase 40% no período 7

(1990-1998). Diante disso, resta refletir sobre o que motiva essa entrada mais

consistente da clivagem no sistema de interrogativas Q do PE, mas é bem claro que a

estratégia de focalização muda ao longo do tempo.

Autores como Lopes Rossi (1996) e Kato e Ribeiro (2009) mostram que a

clivagem já é uma estratégia utilizada nas declarativas do português desde o período V2,

de modo muito restrito, pois o sistema dispunha de outra forma de focalização. Com o

fim do sistema V2, a clivagem vai se generalizando, e as interrogativas Q são atingidas

pela mudança no padrão de focalização um pouco mais tarde que as declarativas,

conforme mostram os resultados dos referidos autores. Lopes Rossi (1996), por

exemplo, só encontra interrogativas Q clivadas no final do século XIX, o que não se

distancia dos resultados desta análise. Acredito que o que se observa entre os períodos 2

e 3 (1900-1928) da minha análise é um período de gramáticas em competição, ou seja, o

momento em que a nova estrutura entra no sistema, passando a competir com a

gramática antiga. Daí em diante, a clivagem só aumenta, corroborando os apontamentos

de vários autores. O que vemos a partir de então é a implementação da nova estrutura a

partir da aquisição por sucessivas gerações.

Assim, o gráfico 4.2 pode ser tratado como uma evidência de gramáticas em

competição, entendendo que temos, de um lado, um sistema com resquícios de uma

gramática V2 sem clivagem ou com clivagem rara e, de outro, um sistema SVO

claramente associado à clivagem. É com base nessa perspectiva que analisarei os

resultados desta tese, levando em conta que o PE é um sistema que passou por uma

mudança gramatical, deixando de ser V2 e passando a SVO; como um reflexo um

pouco mais tardio dessa mudança, temos SVO como a ordem preferencial das

interrogativas Q. O gráfico 4.1 também mostra um reflexo dessa competição quando, no

período 6 (1965-1988), temos as linhas de QVS e QSV (estratégia licenciada pela

clivagem) muito próximas, uma descendente e outra ascendente, o que serve como

evidência de presença de duas gramáticas em competição.

Associando esses resultados com aqueles obtidos para a fala contemporânea (cf.

capítulo 1), é possível confirmar a implementação dessa mudança no PE, uma vez que a

forma preferida na fala já é a forma com clivagem e não mais a estrutura QVS sem

clivagem, originária da gramática que saiu de cena. Com base nessas reflexões, acredito

que o PE pode ser um sistema estável em relação ao sujeito nulo, mas que deixa de ser

uma gramática com sujeitos nulos e ordem QVS, que obrigava a subida do verbo, e

78

passa a ser uma gramática que mantém os sujeitos nulos, mas passa a privilegiar a

ordem QSV (sujeito fica in situ). Em outras palavras, a gramática não perdeu o sujeito

nulo, mas perdeu o movimento do verbo justamente por conta da clivagem. Essa

mudança nada tem a ver com o PSN; antes, o que está em jogo no PE é a

obrigatoriedade vs a perda do movimento do verbo. A baixa frequência de dados de

QVS com clivagem reforça essa tese e mostra que a simples generalização da clivagem

nas interrogativas Q do PE pode ter influenciado na ordem das interrogativas Q.

Lopes Rossi (1993) afirma que a ordem QSV não tem qualquer relação com a

clivagem. A autora utiliza como argumento o fato de as clivadas estarem disponíveis no

PE e o sistema continuar preferindo a ordem QVS. No entanto, não parece ser isso que

os dados desta tese mostram. A entrada da clivagem altera a preferência dos falantes e

faz com que VS seja cada vez menos utilizada, o que abre espaço para a ordem Q é que

(S)V. A análise de dados de fala espontânea não deixa dúvida de que esta é a ordem do

sujeito nulo nas interrogativas Q depois da mudança, anteposto a V, como mostro a

seguir.

4.2.1 - Sujeitos nulos e expressos

Além do comportamento da ordem VS/SV, um dos objetivos desta tese é

observar o sujeito nulo nas interrogativas do PE; para isso, foram computadas sentenças

como (1) em que não é possível saber se se trata de um caso de QVS ou QSV

justamente pelo fato de o sujeito estar nulo. O gráfico 4.1 já nos mostrou que o sistema

do PE não passa por qualquer mudança no que diz respeito a esse parâmetro, o que

confirma resultados de diversas análises sobre tal gramática. Interessa, porém, saber um

pouco mais sobre esses sujeitos nulos e por isso foi feita uma análise que tenta dar conta

da distribuição dos mesmos. A análise considerou os 356 casos de sujeitos nulos desta

amostra e a tabela abaixo os distribui segundo a pessoa e a referência:

Tabela 4.3: Distribuição do sujeito nulo segundo sua referência14

no PE

Referência Nº oco %

1ª pessoa singular 34 10

2ª pessoa singular 225 64

14

Algumas tabelas foram elaboradas considerando o total geral de dados já que a distribuição diacrônica os tornaria muito esparsos e, por isso, pouco relevantes.

79

3ª pessoa singular 32 9

1ª pessoa plural 21 5

2ª pessoa plural 9 2

3ª pessoa plural 15 4

Indefinido (se) 14 4

Demonstrativo (referência neutra) 6 2

Total 356 100

Observa-se que a maioria absoluta dos dados de sujeitos nulos é referente a

segunda pessoa do singular, o que é perfeitamente esperado em diálogos, que

caracterizam o gênero utilizado: peças teatrais. Em seguida, temos a 1ª e 3ª pessoas

também do singular. Esses três casos estão exemplificados em (5):

(5) a. Então de quem 2ps gosta _ , de meu sobrinho, talvez? (Uma cena de nossos

dias – I)

b. Onde 1ps hei-de _ ir desencantar um passaporte? (Os logros numa

hospedaria – I)

c. Porque é que 3ps diz _ muito obrigado? (A invenção do guarda-chuva – IV)

Duarte e Kato (2002) apontam que, no caso do PB, durante a aquisição, gerações

mais antigas interpretavam um sujeito nulo como posposto. A partir do aumento de SV

passaram a interpretar o sujeito como anteposto, o que se aplica a todos os pronomes

sujeito. No caso do PE, ao que os dados indicam, as gerações mais novas passam a

interpretar o sujeito como anteposto devido ao aumento na frequência da clivagem.

Não foram encontrados muitos casos de sujeitos de referência indefinida. Todos

eles apresentam o pronome se e foram colocados junto com os nulos pela ausência de

um pronome pessoal na posição de sujeito em relação ao verbo. A estrutura está

exemplificada em (6 a, b). Além disso, foram encontrados poucos casos de pronomes de

3ª pessoa do plural com referência arbitrária (6 c, d):

(6) a. Para onde se há-de apelar? (Uma cena de nossos dias – 1)

b. Como é que se pode encenar uma peça assim? (A guerra santa – 6)

c. Que podem inventar? (O ausente – 4)

80

d. Por que atiraram ao chão o Esfinge gorda? (Mário o eu próprio, o outro – 5)

Dada a maioria de dados de sujeitos nulos em relação aos expressos, a

distribuição corrobora as descrições atuais que colocam o PE como uma língua de

sujeitos nulos consistente. Segundo Holmberg (2010) esse tipo de língua apresenta

sujeitos definidos nulos e sujeitos indefinidos (genéricos) não nulos e arbitrários (com o

verbo na 3pp). É justamente isso que os dados mostram.

Uma língua de sujeitos nulos consistente também pode apresentar sujeitos

expressos, desde que funcionalmente motivados, como Marins (2009) aponta para o

italiano em declarativas e interrogativas. Foram levantados 250 dados com ordem QVS

e 65 com ordem QSV, como foi dito no início deste capítulo. Considerando os sujeitos

representados por DPs lexicais e sujeitos pronominais, o resultado obtido foi: 131 DPs e

194 pronomes. Assim como feito para os nulos, mostro a distribuição dos sujeitos

pronominais segundo sua referência na tabela 4.4:

Tabela 4.4: Distribuição do sujeito expresso segundo a pessoa e a referência no PE Referência Nº oco %

1ª pessoa singular 46 24

2ª pessoa singular 64 33

3ª pessoa singular 47 24

1ª pessoa plural 13 7

2ª pessoa plural 6 3

3ª pessoa plural 5 2

Demonstrativo (referência neutra) 13 7

Total 194 100

Com uma distribuição mais equilibrada que a apresentada pelos sujeitos nulos,

os sujeitos pronominais expressos também têm a 2ª pessoa do singular como forma mais

recorrente, seguida da 1ª e 3ª do singular, exemplificadas abaixo:

(7) a. Que vens tu cá fazer? (Três gerações – 4)

a’ Para que demónio tinha você uma necessidade tão esquisita? (Os

degenerados – 3)

b. E que tenho eu com isso? (Alguém terá que morrer – 5)

81

c. Onde é que ele está? (A guerra santa – 6)

É importante salientar que as 64 ocorrências de pronomes plenos de 2ª pessoa

(vs 225 de nulos – 78% - como mostra a Tabela 4.3) apenas 20 são de você enquanto 44

são de tu. Isso significa que o PE não compartilha com o PB a mudança no quadro

pronominal que serve como um dos gatilhos de mudanças posteriores como a passagem

de QVS a QSV.

É interessante tentar estabelecer uma relação entre o tipo de sujeito e os padrões

de interrogativas Q levantados. Para isso foi feito um cruzamento, cujo resultado está na

tabela 4.5:

Tabela 4.5: Relação entre o padrão de interrogativa Q e o tipo de sujeito no PE

Padrão DP Pronome

Nº % Nº %

Q V S 93 71 138 71

Q V S inacusativo 12 9 7 4

Q Cliv V S 9 7 1 1

Q S V - 0 5 2

Q Cliv S V 17 13 43 22

Total 131 100 194 100

A posição do sujeito focalizado no PE é posposta ao verbo e isso é o que parece

acontecer com os casos de ordem QVS e DPs. Por outro lado, a ordem QSV está mais

associada aos sujeitos pronominais, que permanecem nulos em grande parte dos dados

do PE. Entretanto, quando aparecem expressos são mais relacionados à ordem QSV do

que a QVS. Uma explicação possível também estaria relacionada ao processo de

focalização, já que essa ordem em quase todos os casos é licenciada pela clivagem.

Contando com outro processo de focalização, a sentença interrogativa não precisa

dispor da ordem VS para marcar o sujeito focalizado, já que este trabalho está sendo

desempenhado pelo processo de clivagem, o que torna a ordem QVS desnecessária.

Em busca de uma confirmação para essa hipótese de que existe uma relação

entre DPs lexicais e ordem QVS e pronomes e ordem QSV dispus ambas as estruturas

ao longo do tempo a fim de observar sua evolução.

82

A distribuição abaixo mostra, mais uma vez, a estabilidade dos sujeitos nulos

que se destacam em comparação com os outros quatro padrões. Quanto aos expressos,

observamos a queda de QVS, mostrando que QV DP cai de modo mais regular e passa

de 26% para 13% no período final. QV PRO se comporta de modo mais instável ao

longo do tempo e não tem uma queda tão bem marcada quanto a apontada para os DPs.

No que diz respeito ao padrão QSV, é possível observar seu aumento. No entanto, Q DP

V atinge apenas 5% dos dados no período final. O que tem um crescimento expressivo é

Q PRO V que tem um pico de 19% no período 6 reforçando a relação da ordem SV com

sujeitos pronominais. Um exame mais detalhado sobre a natureza dos pronomes, se

fortes ou fracos, pode trazer boas contribuições para a descrição dos padrões.

Tabela 4.6: A ordem e a representação do sujeito ao longo do tempo no PE

1840-1858

1870-1898

1900-1928

1931-1944

1950-1963

1965-1988

1990-1998

Sujeito Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

(V) 57 63 40 43 49 52 55 55 46 42 51 54 51 56

Q V DP 24 26 23 24 20 21 10 10 14 13 12 12 12 13

Q V PRO 10 11 25 27 23 25 24 25 34 31 12 12 17 19

Q DP V - - 2 2 - - - - 6 6 3 3 4 5

Q PRO V - - 3 4 1 2 10 10 8 8 18 19 6 7

TOTAL 91 100 93 100 93 100 99 100 108 100 96 100 90 100

Com o objetivo de tornar a visualização da queda de QVS em oposição ao

crescimento de QSV mais clara, coloquei no gráfico 4.3 apenas os padrões que

envolvem os sujeitos expressos e observei a relação entre a ordem dos DPs em relação

ao verbo e também a ordem dos pronomes em relação ao verbo.

83

Gráfico 4.3: A ordem Q V DP (vs Q DP V) e Q V PRO (vs Q PRO V) e a

representação do sujeito ao longo do tempo no PE

No gráfico 4.3 é possível observar que a ordem VS decresce, tanto QVS com

DPs quanto com pronomes. No entanto, as sentenças com pronomes exibem uma curva

mais irregular, com uma queda acentuada no período 6. Nessa sincronia, é possível

deduzir que o uso de Q PRO V ganhou certo impulso. A mudança nas estruturas com

DP começa a ser percebida a partir do período 5 quando os índices saem da casa dos

90% e 100% e chegam a 80%. Por se tratar de um gráfico com informações

complementares, fica evidente que as sentenças com Q DP V ganham força nesse

mesmo momento e vão se implementando aos poucos no sistema.

4.2.2 - Algumas restrições estruturais relativas à ordem VS/SV

Seguindo a linha de análise que trata dos sujeitos expressos, apresento agora os

resultados oriundos de rodadas que excluem os sujeitos nulos, a fim de tecer

comentários sobre o fenômeno da ordem. As tabelas e gráficos apresentam os resultados

para a ordem QVS versus a ordem QSV.

Inicialmente, comentamos a função do operador Q, se argumental se não

argumental, exemplificada em (8):

(8) a. Que posso eu fazer para que a não sigas? (Continuação de comédia – 5)

b. Por que saiu ela de casa? (A senhora ministra – 2)

100%

92% 100% 100%

70%

80% 75%

100%

90% 96%

70%

80%

40%

74%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

1840 1870 1900 1931 1950 1965 1990

Q V DP

Q V PRO

84

A tabela 4.7 mostra a distribuição ao longo do tempo da função sintática do elemento

interrogativo que poderia ser classificada em Q argumental ou não argumental:

Tabela 4.7: Ordem QVS (vs. QSV) segundo o estatuto sintático-semântico do interrogativo

(argumento ou adjunto) ao longo de sete períodos no PE

1840- 1858

1870- 1898

1900- 1928

1931- 1944

1950- 1963

1965- 1988

1990- 1998

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Q

+arg

21/21 100 30/31 97 30/31 97 21/26 81 33/40 82 20/34 88 14/23 61

Q

- arg

13/13 100 18/22 82 13/14 93 13/18 72 15/23 65 4/11 36 15/18 83

Total 34/34 100 48/53 100 43/45 100 34/44 100 48/63 100 24/45 100 29/41 100

O resultado mostrou que com elementos Q [+arg] saímos de 100% de VS para

chegar à casa dos 60% no período final. Com os Q [-arg] saímos de 100% e passamos

por períodos de índices mais baixos como o 5 e 6 com 65% e 36% respectivamente.

Diante desse resultado acredito ser possível afirmar que a implementação de SV parece

ser mais rápida com Q [- arg]; já que acompanhamos uma ligeira redução de tais

estruturas na presença de VS. Isso significa dizer que existe uma relação entre Q não

argumentais e a perda da ordem VS no PE.

Apresento abaixo os resultados para a análise da grade argumental dos verbos

das orações interrogativas, considerando, mais uma vez, a ordem VS (versus SV). Os

exemplos em (9) ilustram verbos segundo sua grade argumental (transitivos,

inacusativos, copulativos e intransitivos):

(9) a. Porque é que ele não disse muito obrigado? (A invenção do guarda chuva – 4)

b. Que me importam os bens terrenos? (Quinze minutos de glória – 7)

c. Onde estão eles? (O ausente - 4)

d. Onde vais tu buscar dinheiro para te a ti e à tua mãe? (É urgente o amor – 5)

85

Tabela 4.8: Distribuição dos tipos verbais ao longo de sete períodos no PE

1840- 1858

1870- 1898

1900- 1928

1931- 1944

1950- 1963

1965- 1988

1990- 1998

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

transitivo 24/24 100 38/42 90 32/34 94 25/35 71 36/49 73 18/38 47 20/32 63

inacusativo 3/3 100 2/2 100 2/2 100 5/5 100 2/2 100 0/0 - 7/7 100

copulativo 4/4 100 5/5 100 4/4 100 3/3 100 2/2 100 4/5 80 2/2 100

intransitivo 3/3 100 3/4 75 5/5 100 1/1 100 8/10 80 2/2 100 0/0 -

Total 34/34 100 48/53 100 43/45 100 34/44 100 48/63 100 24/45 100 29/41 100

Tradicionalmente, a ordem VS é associada a verbos inacusativos e a verbos

como ser e estar (copulativos), incluídos entre as construções inacusativas (cf. Kato

2015). Os dados mostram que esses grupos de verbos não são os mais frequentes na

amostra, mas, de fato, favorecem claramente QVS como mostra a tabela 4.8. Em todas

as sincronias a ordem VS é ativada na presença de inacusativos ou cópulas 100% das

vezes. Os intransitivos apresentam um comportamento um pouco menos regular, no

entanto a prevalência é de VS na presença de verbos desse grupo. Nos dois períodos que

VS não acontece na presença de intransitivos, a exceção se deve apenas a um ou dois

dados. Por fim, os verbos transitivos aparecem como o contexto que impulsiona a

mudança na direção de SV. Observa-se a redução na frequência desses verbos em

sentenças com ordem VS ao longo do tempo, ou seja, estruturas com SV começam a

entrar nesses ambientes.

Ainda levando em conta a estrutura verbal, apresento o resultado referente às

formas simples e complexas, exemplificadas em (10):

(10) a. Por onde andará o senhor seu marido? (A bisbilhoteira – 3)

b. Que flores hei-de eu levar hoje na cabeça? (Nem tudo que reluz é ouro – 1)

Tabela 4.9: Distribuição da estrutura verbal ao longo de sete períodos no PE

1840- 1858

1870- 1898

1900- 1928

1931- 1944

1950- 1963

1965- 1988

1990- 1998

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

simples 27/27 100 32/37 86 33/35 94 23/33 69 33/48 68 17/19 89 25/32 78

compl 7/7 100 16/16 100 10/10 100 11/11 100 15/15 100 7/9 78 4/9 45

Total 34/34 100 48/53 100 43/45 100 44/44 100 48/63 100 24/45 100 29/41 100

A distribuição mostra que, com formas verbais simples, a ordem VS cai mais

rápido do que em contextos com a presença de um auxiliar, saindo de 100% no primeiro

86

período e chegando a 78% no final. No caso de formas verbais com auxiliar, acontece a

manutenção de VS até a quinta sincronia e só nas duas últimas é que os percentuais

começam a cair.

Ambar (1992) afirma que na presença de um auxiliar o sujeito pode ocorrer em

posição pós-verbo-auxiliar, pós-verbo principal e em posição final. Há, contudo, uma

diminuição de aceitabilidade à medida que se passa da primeira à última daquelas

posições. Também com auxiliares, a posição final de frase é marginal para os pronomes.

A autora lista os seguintes exemplos:

(11) a. Não sei onde tem ele posto os livros.

b. ? Não sei onde tem posto ele os livros.

c. *? Não sei onde tem posto os livros ele. (AMBAR, 1992, p.63)

A grande maioria dos dados com estruturas verbais complexas (auxiliar + verbo

principal) ocorreu com a ordem QVS como mostra a tabela 4.9. Confirmando a

descrição de Ambar (1992), a maioria dos dados segue a ordem Auxiliar – Sujeito -

Verbo.

Além dos casos de Aux S V, exemplificados em (12 a,b,c), foram atestados

casos de Auxiliar V S (em 12 d, e), ou seja, temos a subida do auxiliar e do verbo,

estruturas que Ambar considera duvidosas, como se viu em (11b) acima:

(12) a. Mas que está vosselência a dizer? (Quem desdenha – 2)

b. Para que vai o tio incomodar-se? (Terra Mater – 3)

c. Que querem vocês fazer à minha Constituição?! (O grande mágico – 6)

d. Onde pode encontrar o nosso chefe um carácter mais elevado, um talento mais

vigoroso? (A sr. Ministra – 2)

e. O que está dizendo aquella mulher? (A bisbilhoteira – 3)

Os casos de estrutura verbal complexa com a ordem Q S Aux V foram raros,

totalizando apenas 7 ocorrências nos dois últimos períodos, todas com clivagem,

confirmando a ordem inovadora no sistema.

(13) c. O que é que isso quer dizer? (Prólogo Alentejano – 6)

d. Como é que eu posso entender se não assisti? (Grito no outono – 6)

87

4.2.3 – As interrogativas com Q in situ

Analisando os poucos dados sem o movimento do sintagma Q, observei que a

maioria dos elementos em posição in situ é de Q [+arg]. Os interrogativos mais

frequentes na posição final foram ‘o quê’ como em (14 a, b, f, g, h, j) e ‘que’ (14 c, d, i),

associados a preposições. Listo aqui em ordem cronológica todos os dados encontrados.

(14) a. Se hei-de arranjar o que? (Clero, nobreza e povo – 2)

b. E tem o quê? (A bisbilhoteira – 3)

c. Estou pronto a quê? (O ausente – 4)

d. Era preciso para quê? (É urgente o amor – 5)

e. Mas não pode por quê? (É urgente o amor – 5)

f. Se eu quisesse o quê? (É urgente o amor – 5)

g. Protesta o quê? (O meu caso – 5)

h. Mas evitar o quê? (A sogra – 6)

i. Acusas-me, então de quê? (A sogra – 6)

j. Não acabei o quê? (A menina feia – 6)

k. E isso é pra quando? (O céu de sacadura Luísa Costa Gomes - 7)

Exceto em (14 d,e), todos são [+argumentais].) Essas estruturas, como mostram

os dados em (14), começam a aparecer no período 2 (um dado) e seguem com apenas

um dado até o período 5. Temos quatro ocorrências, seguidas de três, no período 6 e

uma no período 7. Retomo essas estruturas na seção seguinte, quando comparo os dados

encontrados nas peças com dados de língua escrita jornalística e língua falada.

Posteriormente, essas sentenças receberão um tratamento teórico mais detalhado.

4.3 - A escrita de jornais no PE

Além do levantamento de dados de língua falada já apresentado no capítulo 1,

elaborei também um pequeno levantamento de dados da escrita de jornais do PE. Os

dados foram retirados de entrevistas escritas no jornal O público (escrita

88

contemporânea) e das entrevistas de jornais presentes no corpus CRPC. Os padrões

atestados, que podem contribuir para a interpretação dos resultados discutidos até o

momento, se encontram na Tabela 4.10, a partir do mais frequente:

Tabela 4.10: Padrões de interrogativas Q na escrita de jornais do PE

Jornais – PE

Nº oco %

Q V 41 31

Q cliv V 37 28

V S 30 22

Q cliv S V 25 18

Q S V 1 1

Total 134 100

O que esses dados mostram é que a escrita jornalística se encontra entre a língua

falada e a escrita das peças, já que apresenta índices praticamente idênticos de estruturas

com sujeito nulo (as duas primeiras linhas), sem clivagem (15 a) ou com clivagem (15

b), seguidos de índices aproximados de QVS sem clivagem (22%), como mostra (15 c);

a ordem Q clivagem SV (18%), como em (15 d) já se mostra implementada nessa

modalidade. Apenas um dado com QSV sem clivagem foi atestado (15 e).

(15) a. Que critério seguiu para estas três escolhas ? (O público)

b. Por que é que decidiu deixar a FNE , ao fim de 22 anos? (CRPC)

c. Onde nasceu você ? (CRPC)

d. Como é que nós herdamos, por exemplo, o nariz da nossa avó ? (O público)

e. O que você acha? (CRPC)

Apesar de não contar com um número grande de dados, os resultados para a

escrita de jornais levantados por mim apontam para o mesmo caminho que o percurso

traçado nas peças, refletindo, como mencionado antes, dois padrões na gramática do PE:

QVS e QSV associado à clivagem.

As interrogativas sem movimento do sintagma Q para uma posição periférica à

sentença não se mostraram frequentes nas amostras do PE estudadas por outros autores,

como apontam os resultados da língua falada, da escrita de jornal e das peças teatrais.

Kato e Mioto (2005) afirmam que, tanto no PB quanto no PE, o elemento Q pode

89

permanecer in situ em interrogativas reais. No entanto, autores como Ambar (2000)

questionam o status de interrogativas reais para algumas dessas sentenças no PE. O

critério utilizado por mim para definir uma estrutura com Q in situ como interrogativa

real foi a presença de uma resposta no contexto seguinte, já que as sentenças só

apareceram em peças e entrevistas, situações em que o tipo textual diálogo é o

predominante.

Kato e Mioto (2005) fazem um levantamento nos jornais Folha de São Paulo

(PB) e O Público (PE) que mostra que as sentenças com Q não movido são oito vezes

mais frequentes no PB do que no PE, que apresenta índices muito baixos de Q in situ na

escrita de jornais, 1,2% segundo os autores. Aparentemente, no PE, essa estratégia é

mais utilizada em contextos de pergunta eco com entoação ascendente.

Os resultados para interrogativas Q in situ nas três amostras analisadas para esta tese

são apresentados na tabela 4.11 e ilustrados em (16):

Tabela 4.11: índices de Q in situ em três amostras no PE

Fala (Cordial Sin + Concordância) 11%

Peças 1,5%

Jornais (O Público + CRPC) 0%

(16) a. E isso assim é para fazer o quê? (Cordial Sin)

b. Esta casca mais fininha era aproveitada para quê? (Cordial Sin)

c. O temão do arado vai prender aonde? (Cordial Sin)

d. Acusas-me, então de quê? (A sogra – VI)

A tabela 4.11 sugere que o uso de Q in situ é característico da fala, chegando a

índice muito inexpressivo nas peças e não ocorrendo na amostra da escrita de jornais. O

resultado para a língua falada é interessante, pois mostra um índice expressivo de um

padrão que, apesar de considerado nas descrições, é quase sempre relacionado à

interrogativas “com sabor de eco” nas palavras de Ambar (2000).

O resultado para a fala está próximo do encontrado por Lopes Rossi (1996), que

atestou 8,1% de Q in situ. Diante da baixa ocorrência desse padrão, especialmente na

língua escrita, a autora levanta dois questionamentos: (i) por que a gramática do PE,

língua com característica de [+ movimento Q], permite casos de Q in situ ainda que com

90

porcentagens mínimas? E (ii) Há algum condicionamento para a ocorrência desses

casos?

Tais índices baixos podem sugerir que as interrogativas sem movimento do

sintagma Q estão sujeitas a restrições diferentes daquelas com Q movido. Volto a esta

questão posteriormente a fim de tentar explicar o percentual de 11% de Q in situ na fala

do PE.

4.4 As interrogativas encaixadas ou “indiretas”

As interrogativas Q encaixadas também foram levantadas na minha análise das

peças teatrais. Entretanto, como não são focos de mudança, serão alvo de uma análise

qualitativa.

As interrogativas Q podem aparecer encaixadas constituindo complemento de

verbos como perguntar, mas não de verbos como achar, como mostra (17):

(17) a. O João perguntou [com quem o senhor prefere disputar].

b. *O João acha [com quem o senhor prefere disputa]r. (Kato e Mioto, 2005)

A diferença entre (17 a) e (17 b) se deve exclusivamente a exigências dos verbos

da oração matriz, que selecionam ou uma sentença interrogativa ou uma declarativa.

Foram encontradas na amostra de peças analisada para esta tese, 55

interrogativas encaixadas no total. A distribuição por período é altamente irregular, o

que justifica uma análise qualitativa. Os verbos encontrados foram: saber, contar, dizer,

entender, perguntar, calcular, perceber e adivinhar. Sentenças com o verbo saber na

oração matriz são visivelmente mais recorrentes e totalizam 26 dos 55 dados

encontrados. Os verbos dizer, entender e perguntar apresentaram entre 4 e 5

ocorrências, enquanto os restantes, apenas uma.

Quanto à ordem no interior da sentença encaixada, obtive os mesmos padrões

encontrados para as interrogativas diretas: sujeito nulo em Q V e Q cliv V,

exemplificados em (18) e (19), respectivamente:

(18) Perguntei como haveria de entender tudo isto.

(19) a. O diabo é não saber onde é que estamos.

91

b. Nunca percebi por que é que ficas todo eriçado de cada vez que eu digo a

palavra psico.

Entre as encaixadas com sujeito expresso, atestamos os padrões Q V S ilustrado

em (20), com verbo inacusativo, e Q S V, com verbos transitivos, em (21):

(20) Não sei para que servem esses estudos todos.

(21) a. Não entendo o que ele está a dizer.

b. Nem sei como meu filho tem paciência para guardar em casa uma velha inútil.

Sentenças com sujeito nulo são as mais recorrentes, porém a presença tanto de

VS quanto de SV confirma que as interrogativas encaixadas são um contexto em que a

obrigatoriedade de VS não se aplica, mesmo a estruturas não clivadas, embora o uso da

clivagem seja expressivo.

4.5 Revisitando os dados do PB

Nesta seção, faço uma revisita aos já mencionados dados e resultados do PB.

Como descrito no capítulo 1, os trabalhos de Duarte (1992) e Lopes Rossi (1993)

mostram que o PB passa de um sistema QVS para um sistema QSV ao longo do tempo

e que a clivagem foi um importante gatilho nessa mudança.

Retomo brevemente o percurso mostrado por Duarte (1992), a fim de

contextualizar a discussão deste capítulo. Ao longo do século 19 e no primeiro quartel

do século 20 todas as interrogativas diretas exibem ordem VS no PB, e essa ordem vai

se manter por cerca de 100 anos como mostra Duarte (1992).

Com a peça de 1937, o sistema passa a mostrar uma interessante distribuição

complementar graças à entrada da clivagem (que antes tinha um uso restrito) – a ordem

QVS ocorre sem clivagem e a ordem QSV com clivagem. A partir de 1955, essa

sistematicidade em relação à clivagem se perde e passamos a ter três formas convivendo

no sistema: QVS sem clivagem (com Q argumental), QSV com clivagem ou sem

clivagem. Isso significa que a regularidade observada antes (SV com clivagem) se

perdeu e QSV vai crescendo independentemente da clivagem. No final do século 20

temos o predomínio da ordem QSV, independentemente da clivagem e a ordem VS é

restrita a verbos monoargumentais desde que o argumento interno seja com um DP

92

lexical. A clivagem pode aparecer com SV ou VS. Além disso, a clivada reduzida entra

no sistema, e o uso de interrogativas com Q in situ, aumenta, duas estruturas muito

frequentes na fala atual.

Lopes Rossi (1996) parte de uma relação estabelecida entre o núcleo I (a flexão)

e o movimento Q para explicar as mudanças nas interrogativas do PB. Para a autora, os

padrões QSV e Q in situ frequentes no PB são resultado de uma mudança paramétrica

relacionada: a perda de traços de concordância verbal.

Em uma perspectiva de Competição de Gramáticas (Kroch, 1989; 2001),

Pinheiro e Marins (2012) retomam o trabalho de Duarte (1992) a partir da amostra de

peças de teatro utilizadas em Duarte (1992), incluindo as interrogativas Q com sujeito

nulo, e confirmam a proposta de Kato e Duarte (2002), para quem sujeito nulo e VS são

mudanças paralelas no PB. Os resultados de Pinheiro e Marins para os três padrões – Q

V, VS e Q SV – se encontram na seção 1.2.1, gráfico 1.2.

A fim de comparar os resultados de Pinheiro e Marins15

para o PB aos meus

resultados para o PE, retomei o conjunto de sentenças coletadas e empreendi uma nova

análise quantitativa guiada por critérios por mim utilizados para a análise do PE. As

peças brasileiras utilizadas são as seguintes:

Quadro 4: Peças brasileiras utilizadas na análise

Período I - 1845 O noviço (Martins Pena)

Período II - 1889 Caiu o ministério (França Júnior)

Período III - 1918 O simpático Jeremias (Gastão Tojeiro)

Período IV - 1937 O hóspede do quarto nº2 (Armando Gonzaga)

Período V - 1955 Um elefante no caos (Millôr Fernandes)

Período VI - 1975 A mulher integral (Carlos Eduardo Novaes)

Período VII - 1992 No coração do Brasil (Miguel Falabella)

Foram levantadas 363 sentenças interrogativas Q, distribuídas, na Tabela 4.12,

segundo o padrão e representadas no Gráfico 4.4. Em (22) temos exemplos de cada

padrão apresentados no gráfico 4.4 e na tabela 4.12:

15

Agradeço à Profa. Juliana Marins (UFRJ) pela disponibilização dos dados do PB para esta análise.

93

(22) a. E quando vem? (O Noviço – 1)

b. E o que lhe disse ele? (Caiu o ministério – 2)

c. Aonde você vai? (Um elefante no caos – 5)

Tabela 4.12: Distribuição da ordem das interrogativas Q diretas ao longo do tempo no PB

1845

1889 1918 1937 1955 1975 1992

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Q V (Nulo)

32 59 23 53 25 49 10 17 12 33 12 22 2 5

Q VS

22 41 16 38 22 43 21 37 3 8 3 5 1 3

Q SV

0 0 4 9 4 8 26 46 21 59 40 73 34 92

Total 54 100 43 100 51 100 57 100 36 100 55 100 37 100

Gráfico 4.4: Distribuição da ordem nas interrogativas Q ao longo de sete

períodos do PB

O gráfico 4.4 mostra que, no PB, interrogativas Q com sujeitos nulos e a ordem

QVS seguem uma curva descendente muito próxima ao longo dos sete períodos. O

ponto mais preciso para descrever o início dessa queda é o período 4 (1937), mesmo

período apontado em outros trabalhos sobre o tema. QVS tem 37% dos dados no

período 4 e cai para 8% no período 5 (1955), chegando a 3% na última sincronia (1992).

O sujeito nulo representa 17% dos dados no período 4 (1937), mostra uma leve subida

no período 5 (1955), mas volta a cair alcançando apenas 5% nos dois últimos períodos.

59% 53%

49%

17%

33%

22%

5%

41% 38% 43% 37%

8% 5% 3%

0% 9%

8%

46%

59%

73%

92%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992

QV QVS QSV

94

É possível, a partir desses resultados, reforçar a tese de Kato e Duarte (2002) que

apontam uma relação direta entre a queda de VS e de sujeitos nulos no PB.

A ordem QSV ainda não aparece no período 1 (1845), mas já apresenta uma leve

subida nos períodos 2 e 3; a partir do período 4 (1937), observamos uma súbita elevação

de 8% para 46%. Depois dessa disparada, esse padrão só cresce chegando aos 92% no

período final. O detalhamento dos padrões está na tabela 4.13:

Tabela 4.13: Detalhamento dos padrões das interrogativas Q diretas no PB

1845 1889 1918 1937 1955 1975 1992

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Q V

32 59 21 49 25 49 7 11 12 32 8 11 2 4

Q Cliv V 0 0 2 4 0 0 3 4 0 0 4 5 0 0

Q V S

22 41 14 34 22 43 21 32 2 5 1 1 1 2

Q V S inacusativo

0 0 2 4 0 0 0 0 1 3 2 3 0 0

Q Cliv S V

0 0 4 9 3 6 25 39 16 43 17 25 27 61

Q S V

0 0 0 0 1 2 1 2 5 14 14 21 3 7

Clivada Reduzida

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 10 14 4 9

Q in situ

0 0 0 0 0 0 8 12 1 3 14 20 7 16

Total 54 100 43 100 51 100 65 100 37 100 70 100 44 100

Essa tabela mostra, nas duas primeiras linhas, as estruturas com sujeito nulo,

exemplificadas em (23). Em relação às sentenças sem clivagem, o que se observa é a

redução desse padrão saindo de 59% no período 1 para apenas 4% no último período

analisado. As clivadas com sujeito nulo não mostram regularidade e aparecem com

valores pouco expressivos no PB, um resultado bem diferente do encontrado para o PE.

(23) a. A que devo a honra? (Um elefante no caos – 5)

b. Como é então que não sabe como vai sua mãe? (O hóspede no quarto nº 2 –

4)

Nos exemplos (24), observamos os padrões relacionados à ordem QVS. Essa

ordem, como já apontaram os trabalhos aqui resenhados, perde espaço no PB, o que é

95

confirmado nesta reanálise. A ordem QVS apresenta queda de 41% para apenas 2%.

QVS com clivagem não é encontrada nos dados e QVS com inacusativo se apresenta

sempre com frequências baixas e de modo irregular.

(24) a. Que hei de eu agora fazer? (O simpático Jeremias – 3)

b. Que te importas tu com o canudo? (Caiu o ministério – 2)

Em seguida, aparecem na tabela os padrões QSV e Q é que SV. O padrão sem

clivagem aparece de modo pouco expressivo nos períodos 3 e 4 e começa a entrar de

modo mais consistente a partir do período 5 (1955), como Duarte (1992) havia

mostrado. A clivagem aparece no período 2, porém se torna mais estável a partir do

período 4 (1937).

Observamos também o padrão das sentenças clivadas reduzidas, que também

apresentam ordem SV. Essas estruturas só aparecem no período 6 (1975) com 14% dos

dados e permanece na última sincronia com 9%. Os dados estão exemplificados em (25

c, d). Para Kato (2009), a estrutura clivada sem a cópula é uma variante da clivada não

inversa resultante de um processo de gramaticalização.

(25) a. Por que você não vem? (A mulher integral – 6)

b. Como é que a senhora sabe dessa história toda, se era só uma foto? (No

coração do Brasil – 7)

c. Que que eu vou dizer a ele? (A mulher integral – 6)

d. Por que que prá você, a bala tem sempre que acertar no mocinho? (No

coração do Brasil – 7)

Finalmente, a tabela inclui os casos de Q in situ, que começam a aparecer a

partir do período 4 (1937). Diferentemente do que vimos na tabela com os resultados

para o PE (cf. tabela 4.2 deste capítulo), o PB exibe a entrada da clivada reduzida nas

duas últimas sincronias (último quartel do século XX), que aparece em número baixo,

mas é consistente nos períodos finais (6 e 7) e todas elas apresentam a ordem QSV. Os

padrões estão exemplificados em (26):

(26) a. Estuda comigo pra quê? (No coração do Brasil – 7)

b. Que que o livro diz quanto a isso? (A mulher integral – 6)

96

É certo, portanto, que a clivagem entra como um gatilho para licenciar novos

padrões de interrogativas Q tanto no PE quanto no PB. O gráfico 4.5 mostra a evolução

das sentenças com e sem clivagem no PB ao longo dos sete períodos analisados.

Gráfico 4.5: Interrogativas Q clivadas e não clivadas no PB ao longo de sete

períodos

O desenho do gráfico acima é bem eloquente no sentido de mostrar a entrada da

clivagem e como essa estratégia, que já estava disponível no sistema, mas era usada

com pouca frequência, ocupa o espaço da estratégia não clivada, que era o padrão. O

que o gráfico nos indica é que, nos períodos 4, 5 e 6, o sistema passa por um momento

de competição de gramáticas, que sabemos, no caso do PB, não estar associado apenas à

clivagem, mas também ao PSN. No período 6, e mais consistentemente no período 7,

observamos a estabilidade retornando e a clivagem “vencendo” a competição. Os

exemplos em (27) mostram a evolução da ordem e da clivagem no PB.

(27) a. Que faz você? (O hóspede no quarto nº 2 – 4)

b. Onde é que eu meti essa chave? (Um elefante no caos – 5)

c. E por que os erros persistem? (Um elefante no caos – 5)

Observamos na tabela que SV é predominante com a clivagem. No entanto, as

peças já mostram que o sistema permite SV sem clivagem e clivadas reduzidas, o que

100%

86%

94%

51% 55%

42%

22% 0%

14% 6%

49% 45%

58%

78%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992

não cliv clivada

97

pode ser interpretado como reflexo da evolução na remarcação do valor do PSN e não

da simples mudança no processo de focalização e organização de interrogativas Q.

A fim de traçar uma breve comparação com a fala contemporânea, reproduzo

aqui parte dos resultados do levantamento já apresentado no capítulo 1.

Tabela 4.14: Distribuição dos padrões das interrogativas Q no PB falado

NURC-RJ Anos 1970

Concord. Anos 2000

Q é que S V 39% 12%

Q SV 16% 42%

Q que SV 34% 32%

Q in situ 4% 10%

Q é que VS 4% -

Q é que V 2% -

QV - 3%

QVS 1% 1%

TOTAL (%) 83 (100%) 77 (100%)

O que a análise dos dados de fala revela é que a clivada com SV (exemplo 28 a)

cai se compararmos os valores obtidos nos anos 1970 com aqueles apresentados nos

anos 2000; por outro lado, o padrão Q SV revela significativo aumento, de 16% para

42% (exemplo 28 b):

(28) a. E como é que você resolve o problema de alimentação? (NURC-RJ)

b. O que você acha das escolas daqui de Nova Iguaçu? (Concordância PB)

A clivada reduzida, que já alcançava percentual expressivo nos anos 1970

(34%), mantém praticamente o mesmo resultado nos anos 2000 (32%). Em (29) é

possível observar que essa estratégia ocorre com os mais variados tipos de

interrogativos, argumentais ou não, e está bem difundida na fala, diferentemente do

resultado da escrita das peças.

(29) a. O que que você está fazendo?

b. De que que você se valeu pra decorar?

c. Como que você avalia isso?

d. E que que você pensa das famílias atuais?

98

A clivada reduzida parece entrar no sistema no lugar da clivagem com a cópula,

que vai tendo seu uso diminuído. Os exemplos em (30) mostram que as estruturas

podem aparecer nos mesmos contextos:

(30) a. O que é que você acha da fala do presidente Lula? (Concordância PB)

b. Que que você acha da fala assim do Lindberg? (Concordância PB)

Mioto (1996) defende uma análise diferente para essas estruturas com e sem a

cópula e afirma que a clivada sem cópula não é uma alternativa à clivada com cópula. O

autor afirma que a estrutura com cópula configura um contexto de ênfase, o que não é

aplicável às clivadas reduzidas.

Seu argumento se baseia no fato de que a estrutura sem a cópula pode aparecer tanto em

declarativas como em interrogativas como mostram (31 a e b)

(31) a. O Pedro que a Maria viu.

b. Quem que a Maria viu?

Seguindo a análise de Kato e Mioto (2005) e Kato (2009), Kato e Ribeiro

defendem que a clivada reduzida não é originada a partir de uma clivada invertida como

(32 a), mas geradas a partir da gramaticalização, como mencionado acima. Observe-se

(32 b):

(32) a. Quem é que a Maria viu?

b. É [FP quem] que a Maria viu?

O que sustenta tal proposta é a observação de Kato (2009), que mostra que apenas

cópulas em posição inicial podem ser apagadas, como em (33):

(33) a. É lindo o seu cabelo.

b. __ Lindo o seu cabelo.

c. * O seu cabelo __ lindo (Kato, 2009)

99

Kato (2009, p.384) afirma que “O PB continua a mudar em relação somente às

clivadas, que sofrem dois processos de gramaticalização: a) a neutralização temporal da

cópula e b) o apagamento da cópula.”

Outra diferença entre a fala e a escrita das peças foi em relação ao Q in situ,

ilustrado em (34), que se mostra mais recorrente na fala, como era de esperar:

(34) a. Você ri do quê? (Concordância PB)

b. Você gosta de ir a teatro normalmente pra ver o quê?

Naturalmente, a fala está adiante no percurso da mudança em comparação com a

escrita das peças, o que pode explicar a presença mais consistente, na fala espontânea,

de QSV sem clivagem, de Q in situ e de clivadas reduzidas, três padrões característicos

do sistema atual do PB, mas que não são capturados tão nitidamente somente com dados

de língua escrita; daí a importância dos dados da fala.

4.6 Comparando PE e PB

Coloco nesta seção os resultados obtidos na análise do PE e do PB lado a lado. A

comparação tem como objetivo principal verificar em que contextos os sistemas são

semelhantes e em que pontos e momentos ao longo do tempo eles se distanciam.

Um dos pontos de interesse da minha análise é investigar a presença de sujeitos

nulos nas interrogativas Q, especialmente no PE. Logo, o primeiro contexto a ser

comparado será este, com o objetivo de mostrar a já descrita manutenção dos nulos no

PE e a respectiva perda no PB. Naturalmente os percentuais para nulos são

complementares aos sujeitos expressos em cada variedade.

100

Gráfico 4.6: Interrogativas Q V e Q é que V (vs total de dados nas peças

do PB e do PE

A estabilidade de Q V no PE fica evidente e a flutuação dos nulos tem a ver com a

presença de sujeitos novos e outro fatores funcionais, que podem levar à representação

fonológica do sujeito, ao contrário do que a linha do PB mostra: um claro percurso em

direção à perda de sujeito nulo nas interrogativas Q. A comparação dessas duas linhas

confirma o que vem sendo discutido neste capítulo e mostra claramente que PB e PE

parecem andar juntos até o período 3, com percentuais bem semelhantes. A partir do

período 4, momento em que outras mudanças também se implementam no PB, os

sistemas começam a se distanciar.

Os dados provenientes da fala na Tabela 4.15 reforçam o caminho mostrado pelo

resultado das peças, com 2% e 3% de sujeitos nulos nas interrogativas Q do PB, e 51%

e 60% nas interrogativas Q do PE. Essa primeira comparação contribuiu no sentido de

mostrar que qualquer mudança no padrão das interrogativas Q no PE não envolve o

PSN, que permanece estável ao longo do tempo, diferentemente do que acontece no PB.

Tabela 4.15: Interrogativas Q com sujeito nulo (clivadas e não clivadas) vs total de dados

na fala do PB e do PE

Fala

Nº/tot %

NURC RJ PB 2/87 2%

Projeto Concordância PB 3/77 3%

Cordial-Sin PE 80/157 51%

Projeto Concordância PE 72/120 60%

59% 53%

49%

17%

33% 22%

5%

62%

43%

52% 55%

43%

53% 57%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

1840 1870 1900 1931 1950 1965 1990

PB

PE

101

O próximo ponto de comparação é a ordem Q VS em sentenças não clivadas.

Tomo como base neste momento apenas as sentenças com sujeito expresso que não

apresentem clivagem. Como os resultados desta tese e outras descrições já indicam, PB

e PE se diferenciam nesse ponto também. Em contextos de ausência de clivagem,

espera-se que o PE mantenha 100% de VS, enquanto o PB mostre a redução desse

padrão ao longo do tempo:

Gráfico 4.7: Interrogativas Q VS não clivadas (vs Q SV) nas peças do PB e do PE

Conforme o esperado, o PB mostra a redução no uso de interrogativas Q com

ordem VS em contextos sem clivagem, pois já sabemos que esse padrão tende a ser

substituído por SV. Os 25% no período 7 do PB correspondem a apenas um dado no

total dos 4 dados sem clivagem presentes no período. Analisando a ordem QVS

isoladamente, observa-se que as descrições do PE ainda são fieis ao uso de VS, quase

categórico nesse padrão ao longo dos períodos.

É possível interpretar esse resultado, associado ao anterior, como mais um ponto

a favor da hipótese de Kato e Duarte (2002) sobre a relação entre sujeitos nulos e ordem

VS nas interrogativas, especialmente porque os percentuais da língua oral confirmam

que a tendência é essa: QVS alcança 7% e 3% no PB oral, enquanto o PE revela 100% e

93% na ausência de clivagem:

100% 100% 95%

95%

38%

7%

25%

100% 100% 98%

90%

100% 100% 100%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

1840 1870 1900 1931 1950 1965 1990

PB

PE

102

Tabela 4.16: Interrogativas Q não clivadas e ordem VS vs não clivadas e ordem SV na fala

do PB e do PE

Fala

Nº/tot %

NURC RJ PB 1/12 7%

Projeto Concordância PB 1/31 3%

Cordial-Sin PE 2/2 100%

Projeto Concordância PE 12/13 93%

Contudo, é importante destacar que a frequência de uso de interrogativas Q em

contextos como o isolado aqui - sem clivagem - é cada vez menor no PE, como indicam

os resultados da língua falada e dos períodos finais das peças teatrais.

A clivagem é essencial para que QSV seja licenciada, como mostram as

comparações acima. Aproximo, então, os valores obtidos para as sentenças com

clivagem a fim de mostrar um traço comum do PB e do PE, o crescimento do uso da

estratégia de focalização pela clivagem:

Gráfico 4.8: Interrogativas Q clivadas (vs total de dados) nas peças do PB e do PE

O gráfico reforça o que já foi mostrado neste capítulo sobre o aumento no uso das

interrogativas Q associadas à clivagem (sujeitos nulos e expressos), tanto no PB quanto

no PE. O aumento no PE é mais lento e não apresenta um salto tão grande como o

apresentado pelo PB entre os períodos 3 e 4. Esse crescimento também é registrado na

fala e os resultados colocam PB e PE em níveis bem próximos com 79%, 80% e 78%.

0%

14% 6%

49% 45%

58%

78%

0% 7% 5%

12%

28%

37% 39%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

1840 1870 1900 1931 1950 1965 1990

PB

PE

103

Tabela 4.17: Interrogativas Q clivadas (vs total) na fala do PB e do PE

Fala

Nº/tot %

NURC RJ PB 66/87 79%

Projeto Concordância PB 34/77 44%

Cordial-Sin PE 126/157 80%

Projeto Concordância PE 94/120 78%

Com índices por volta dos 80% na língua falada pode-se afirmar que a clivagem

está implementada como um padrão nas interrogativas Q diretas do PE. Esse resultado

contribuiu para a confirmação da tese de que esse sistema passou por uma mudança no

processo de focalização e agora tem o padrão com clivagem difundido, já que a

clivagem canônica é uma estratégia de focalização característica de gramáticas SVO e

não de gramáticas V2, como era a do PE.

4.7 Mais algumas reflexões sobre o Q in situ

Retomo aqui a questão das sentenças sem movimento do Q para a posição

inicial, uma vez que alguns pontos não foram bem resolvidos no momento da descrição

dos resultados e, a partir de agora, posso fazer referências tanto aos resultados do PB

quanto aos do PE.

Em Kato (2013), proposta descrita no capítulo 2, a autora analisa o Q in situ no

PB e explica como essas perguntas recebem a leitura de interrogativas reais: o sintagma

Q se move para uma posição de foco mais baixa (interna ao FP), posição em que o

elemento recebe a prosódia descendente de pergunta real. Associando as propostas de

Rizzi (1996), que explica o licenciamento de SV, com a de Kato (2014), que explica

como a sentença recebe leitura de pergunta, é possível encontrar um caminho para

explicar o Q in situ no PE. Apesar de poucos dados, a possibilidade de não mover Q na

língua falada indicaria que ou o PE já mudou de gramática, passando de uma gramática

com movimento Q para uma gramática sem movimento Q, ou este sistema apresenta a

ausência de movimento sob condições muito específicas.

Augusto (2005) apresenta um estudo que investiga algumas questões

relacionadas à derivação e à aquisição de interrogativas com Q in situ. A autora, assim

como alguns outros trabalhos, afirma que o movimento do constituinte Q para a

periferia esquerda da sentença não é atestado em todas as línguas. O que encontramos é

uma lista de quatro possibilidades, a saber: (i) línguas com movimento obrigatório,

104

como o inglês; (ii) línguas sem movimento, como o chinês; (iii) línguas com movimento

parcial, como o alemão (o Q se move até a periferia esquerda da sentença encaixada

apenas) e (iv) línguas com movimento opcional, como o PB e o francês, que será

analisado a seguir.

Meu ponto de interesse inicial aqui é a comparação dessas estruturas no PB com

as do PE. Comparo, neste momento, os resultados obtidos a partir dos levantamentos

apresentados nas seções anteriores e utilizo como fonte de dados de jornais do PB os

resultados de Kato e Mioto (2005):

Tabela 4.18: Distribuição das sentenças com Q in situ em diferentes gêneros no PE e no PB

PE PB

Fala 11% Fala 7,5%

Peças 1,5% Peças 8,2%

Jornais 0% Jornais 8,8%16

O que a comparação dos resultados mostra é que, indiscutivelmente, existe uma

diferença entre os sistemas do PE e do PB no tocante às interrogativas sem movimento

de Q. O PE se apresenta como um sistema que permite a estrutura in situ de modo

consistente apenas na língua falada com 11%. Esse índice é elevado em relação ao que

se descreve para o PE. No entanto, o resultado para as peças (1,5%) e os jornais (0%)

reforça a ideia de obrigatoriedade do movimento. Portanto, ainda é preciso entender

como o PE, tradicionalmente descrito como de movimento obrigatório, licencia

estruturas sem movimento.

Como já foi dito em momentos anteriores desta tese, busquei diferenciar, durante

a coleta de dados, estruturas com perguntas eco e perguntas retóricas daquelas que

continham um pergunta real e selecionei, através do contexto, apenas aquelas que

apresentavam um caráter de busca de informação a respeito de uma variável

desconhecida pelo falante. No entanto, esses 11% de sentenças com Q não movido na

fala do PE instigaram uma investigação mais aprofundada.

O que ficou evidente é que a maioria das estruturas analisadas faz referência a

algo já dito no contexto discursivo e o falante parte de um trecho ou item da fala de seu

interlocutor para formular a pergunta, isso fica claro observando os exemplos em (35).

16

Resultado retirado de Kato e Mioto (2005)

105

(35) a. Começa a fazer mal a quê?

b. E a peneira é para quê?

c. E com a de milho, a de milhão faziam o quê?

d. Mas o vedenho é o quê?

Na tentativa de entender melhor as estruturas encontradas, recorri à tipologia de

Ambar (2000), que separa as interrogativas do PE em dois grupos: interrogativas puras

e interrogativas não puras (com sabor de eco). Ou seja, existiriam sentenças com um

verdadeiro caráter interrogativo e outras que englobam leituras diferentes desta. Amaral

(2009) chega a uma organização interessante com base na proposta de Ambar e distribui

as sentenças em: (i) interrogativas Q puras – o falante busca o valor de uma variável

desconhecida, (ii) interrogativas Q semipuras – o falante já dispõe do valor da variável,

mas pede que lhe seja identificada novamente no momento da enunciação e (iii)

interrogativas Q não puras – o falante não pede qualquer informação sobre uma

variável, pois já dispõe dela. As interrogativas com Q in situ do PE estariam no segundo

grupo – interrogativas semipuras. As que se enquadram em interrogativas Q puras são

as interrogativas com movimento do elemento Q para periferia esquerda e as últimas, as

interrogativas eco, não consideradas nesta tese.

Essa classificação dá conta do que eu percebi nas sentenças do PE. Elas

ocorrem sempre que o locutor já dispõe de uma informação e, com base nela, forma

uma pergunta pedindo um reforço, explicação ou identificação exatamente como

mostram os exemplos em (35) acima. Sendo assim, as estruturas presentes no grupo de

interrogativas semipuras incluem sentenças que não denotam qualquer espanto, mas

buscam saber de algo partindo de uma informação velha no discurso.

Ainda em relação às estruturas com Q in situ no PE, Ambar (1998) aponta que

essas sentenças apresentam uma pressuposição implícita e, por consequência,

bloqueariam respostas negativas como mostra (36)

(36) a. O que o João falou? Nada.

b. O João falou o que? * Nada

A mesma restrição é apontada para o francês, sobre o qual falaremos na seção

seguinte.

106

A proposta de Ambar, brevemente apresentada acima, é importante no sentido

de mostrar que a escolha entre os tipos de interrogativas disponíveis não é livre. Ela é

sempre determinada pelo contexto pragmático, ou seja, o sistema não apresenta caráter

de opcionalidade. Pensando nas interrogativas com Q in situ, a situação de comunicação

que motivaria sua presença seria, segundo Amaral (2009), a seguinte: alguém acabou de

lhe dar a informação de que os rapazes compraram os livros, mas, como não entendeu

bem, pede que repitam – Os rapazes compraram o quê? A pergunta nesse padrão não

denota necessariamente espanto, como seria uma pergunta eco. Porém, carrega um claro

valor pressuposicional e não aceitaria, por conta disso, uma resposta negativa como

mostrou o exemplo (36). A pressuposição engloba exatamente o conceito de

interrogativas semipuras, segundo Ambar. É importante investigar se essa mesma

restrição acontece nas sentenças do PB. a necessidade de uma análise prosódica volta a

aparecer como um ponto importante para a descrição das sentenças com Q in situ.

Para o PB, obtive resultados bem equilibrados para os três gêneros, com valores

próximos aos 8%. Apesar de não ter encontrado um crescimento expressivo deste

padrão ao longo do tempo nas peças, é possível afirmar, com base na sua presença na

escrita de jornais, que se trata de uma estrutura que ganha espaço no sistema.

Em relação a possíveis restrições na leitura das interrogativas com Q in situ no

PB é possível pensar que o contexto de pressuposição também está presente nas nossas

sentenças sem movimento; sendo assim, temos contextos discursivos semelhantes aos

do PE, em que se busca um reforço ou identificação de um ponto já citado no discurso

anterior. Entretanto, a tendência à perda de movimento é forte no PB e isso nos leva a

crer que já está entrando no sistema uma nova possibilidade de leitura um pouco

diferente da leitura do PE e mais próxima da leitura de perguntas reais com movimento.

Os exemplos das entrevistas do PB mostram que não necessariamente as perguntas são

construídas com base em um pressuposto ou em uma ideia fornecida anteriormente no

discurso:

(37) a. O senhor costumava brincar de quê?

b. O senhor comprou o quê?

c. Eles foram pra onde?

d. Você gosta de ir a teatro normalmente pra ver o quê?

107

Respostas negativas para sentenças como as de (37) não parecem tão estranhas

quanto para as interrogativas sem movimento de Q do PE. Essa possibilidade de

interpretação de perguntas sem movimento do Q exatamente como perguntas com o

elemento movido parece ser exclusiva de alguns falantes do PB e pode mostrar uma

restrição sendo derrubada no sistema.

O movimento do Q para posição à esquerda da sentença só se torna

indispensável no PB quando está presente na numeração um complementizador que

(estrutura que formará as clivadas reduzidas); neste caso a não subida do Q torna a

sentença agramatical como já foi mostrado no capítulo 2 e está ilustrado em (38).

(38) * que o João comprou o que?

Como apontei na seção anterior, a entrada e implementação do Q in situ no PB é

um subproduto de uma mudança maior que envolve a remarcação do PSN em última

instância. Acredito que essa relação entre implementação progressiva de Q in situ e

mudanças motivadas pela remarcação do PSN justifique o baixo índice de tais estruturas

nas modalidades escritas do PE; uma vez que este é um sistema de sujeito nulo

consistente.

4.7.1 As interrogativas com Q in situ no francês (Cheng & Rooryck, 2000)

Os autores partem de algumas perguntas que motivam a ocorrência das

interrogativas com Q in situ, como, por exemplo: (i) o que permite que certas estruturas

permaneçam na sua posição original? (ii) como tais sentenças são interpretadas? São

questões que se aplicam ao português também. Para responder a tais indagações, os

autores trabalham com duas hipóteses envolvendo dois tipos de Q in situ: a primeira

hipótese conta com duas possibilidades – uma que envolve o movimento do traço Q em

LF e outra que não envolve qualquer tipo de movimento; a segunda hipótese leva em

conta a entonação, que desempenharia um papel central no licenciamento de Q in situ.

Essa será a hipótese defendida pelos autores para as sentenças do francês.

Cheng e Rooryck apresentam 3 tipos de sentenças interrogativas com o Q não

movido: (i) interrogativas múltiplas; (ii) interrogativas do tipo do chinês e japonês e (iii)

interrogativas com movimento opcional, como as do francês. No caso das duas

108

primeiras, o que licencia a permanência de um sintagma Q na posição original é a

presença de uma outra estrutura que checa o traço Q forte em C – um outro elemento Q

no caso das interrogativas múltiplas e um operador silencioso ou uma partícula Q no

caso das línguas orientais citadas. Interessa, portanto, saber como são licenciadas as

sentenças do francês.

Segundo os autores, um traço muito importante em todas as interrogativas do

francês é a entonação. Além da possibilidade de a estrutura aparecer in situ, o francês

licencia outros tipos de interrogativas: uma envolvendo est-ce que e a outra envolvendo

inversão ambas exemplificadas em (39):

(39) a. Quel livre est-ce que Jean a acheté?

Que livro est-ce que João tem comprado?

‘Que livro o João comprou?’

b. Quel livre a-t-il acheté?

Que livro tem-ele. comprado?

‘Que livro comprou ele?’

As estruturas em (39) apresentam entonação descendente, sempre diferente da

entonação das interrogativas sim/não do francês, que é ascendente, de acordo com os

autores. No caso das interrogativas com Q in situ, em (39), observa-se uma entonação

mais semelhante a das perguntas sim/não.

A entonação ascendente das perguntas que não apresentam movimento de Q, ilustradas

em (40), deve ser mantida sempre:

(40) Jean a acheté quoi? João comprou o quê?

Caso haja uma mudança para uma prosódia descendente as sentenças se tornam

agramaticais. Essa proximidade de entonação leva os autores a acreditar que as

interrogativas sim/não têm uma relação mais próxima no licenciamento das in situ do

que as interrogativas com Q movido.

Outra propriedade que distancia as estruturas com Q in situ das interrogativas Q

com movimento é a não legitimação de respostas negativas, como já foi citado na seção

anterior desta tese. No francês, uma resposta com rien (= nada) para uma pergunta com

109

Q in situ é agramatical, assim como Ambar afirma para o PE e isso acontece,

justamente, por conta do forte contexto de pressuposição, de acordo com os autores.

Diante dessas reflexões, é apresentada uma proposta de que existe um morfema

entoacional de perguntas sim/não que se realiza na forma de entonação ascendente na

sintaxe aberta. Esse morfema pode aparecer tanto em interrogativas sim/não, quanto em

interrogativas Q. Esse mesmo morfema, que é subespecificado para interrogativas

sim/não e interrogativas Q, também licencia Q in situ. Sendo assim, a aplicação ou não

do movimento do Q no francês, de acordo com a proposta de Cheng e Rooryck, é

regulada pela presença ou ausência desse morfema. Quando o morfema aparece na

numeração, ele ocupa a posição Spec, CP e checa os traços Q permitindo que os outros

elementos Q da sentença permaneçam in situ. Quando o morfema entoacional não entra

na numeração, o movimento do Q é obrigatório, pois há traços fortes que precisam ser

checados em C. Essa proposta muda a visão sobre a opcionalidade; afinal o movimento

ou não do elemento Q é resultado de duas numerações diferentes no francês.

Segundo Kato (2014), essa proposta que toma a entoação como base não dá

conta de explicar o Q in situ do PB. Isso acontece porque a entoação das nossas

interrogativas reais com Q in situ não é a mesma das interrogativas sim/não. No PB, a

entoação ascendente em casos de Q in situ é restrita à interrogativa eco. Para que a

leitura de pergunta real seja alcançada, a entoação no PB precisa ser descendente. O que

se observa, portanto, é que existem semelhanças entre PB e francês quando tratamos do

movimento do Q, porém é importante pontuar que também existem diferenças como a

entoação, por exemplo. Essa diferença acarreta a necessidade de diferentes explicações

teóricas. Enquanto no francês a explicação gira em torno de movimento ou não, no PB,

Kato (2014) defende que os Q in situ podem ser checados em uma posição medial

acima de vP - o sintagma FP . Sendo assim, o PB apresentaria dois núcleos Q: um

morfema que com traço [+Q] e um morfema 0 com traço [+Q].

Nos casos de sentenças com Q in situ, quem entra na numeração é o 0 [+Q] que

ocupa Spec, CP e assim o FP é projetado na posição medial acima do vP. Isso significa

que sempre há movimento do Q, o que muda é o local de pouso desse sintagma, que

pode ser em um FP interno, próximo ao vP ou em um FP na periferia esquerda da

sentença. Em outras palavras, o Q in situ não coocorre com um sintagma Q em CP; isso

só acontece nas clivadas reduzidas.

110

4.8 O CP em camadas (Rizzi, 1997) e as interrogativas Q do português

Como foi discutido na seção referente ao foco no capítulo 2, diversos autores

compartilham da ideia de que existe uma posição FP, onde são checados os traços de

foco. Rizzi (1997) define a sentença como uma estrutura hierárquica de constituintes

complexos de natureza funcional CP e IP e de natureza lexical VP. Os itens que ocupam

o núcleo C, posicionado na periferia esquerda da sentença, atuam diretamente em sua

arquitetura. No entanto, além desse núcleo funcional da periferia esquerda – CP - há

também outros núcleos que figuram na periferia esquerda, a saber: ForceP, TopP, FocP,

TopP e FinP. A categoria FocP é a responsável por codificar o foco; sendo assim, é ali

que será checado o traço Q das interrogativas, uma vez que se trata de um tipo de

estrutura de focalização. De acordo com Rizzi (1997), o Spec, FocP aloja a expressão Q

ou o foco deslocado. O núcleo Foc é a posição que aloja I em casos de movimento de I

para C. Tal proposta é interessante, pois dá conta de posicionar o que das clivadas

reduzidas do PB, que também se aloja no núcleo Foc, quando está presente.

Outra categoria que atua na estruturação das interrogativas é ForceP, que é

responsável pelo tipo de sentença – declarativa ou interrogativa. O núcleo ForceP

sempre faz parte da estrutura da sentença, mesmo que de forma abstrata, ou seja, ele não

precisa ser necessariamente um domínio explícito. No caso das orações encaixadas,

ForceP conecta CP com o núcleo da oração matriz que subcategoriza um ForceP

específico, interrogativo ou declarativo, por exemplo. Um ForceP interrogativo se

caracteriza pela presença de uma expressão Q em seu especificador.

O critério Q, já apresentado no capítulo 2, pode ser reformulado assumindo que

Foc é a categoria que checa os traços Q. Assim, operador e núcleo providos de traço Foc

devem estar em relação spec-núcleo. Tal condição não pode ser violada em nenhuma

língua. No PB, o critério se aplica antes de LF e, por isso, a expressão Q não pode ficar

in situ na presença de um núcleo marcado como [+Foc]. Esse é o caso das clivadas

reduzidas, em que o núcleo Foc recebe o complementizador que, não autorizando a

permanência da expressão Q principal em seu local de origem. No caso do PE, a

estrutura que licencia a clivada reduzida não funciona; já que nesse sistema atua o filtro

de CP duplamente preenchido que bloqueia uma possível adjacência entre duas

expressões Q no Spec e no núcleo de Foc.

Assumindo essa perspectiva teórica apresento as seguintes propostas de

representação para as interrogativas Q analisadas nesta tese: as sentenças básicas do PE

111

conservam o movimento de I para C, salvo em casos de clivagem, que vem se tornando

o padrão mais recorrente como mostraram os resultados da análise. A ordem QVS está

representada em (41):

(41) Onde foi a Maria? – QVS

FocP 3 Spec Foc’

Ondei

3 Foc CP

foij 3 C’ 3 C IP 3

Spec I’ a Mariak 3 I VP

tj 3 tk V’ 3 V AdvP tj ti

No caso do PB, o que temos como padrão nas sentenças básicas é a ordem QSV,

representada em (42). O que se observa aqui é a ausência da obrigatoriedade do

movimento do verbo para o núcleo adjacente à expressão Q:

(42) Onde a Maria foi?

FocP 3 Spec Foc’

Ondei 3 Foc CP 3 C’ 3 C IP 3

Spec I’ a Mariak 3 I VP

foij 3 tk V’ 3 V AdvP tj ti

112

As sentenças clivadas, comuns entre PB e PE, licenciam a ordem SV e se

estruturam da seguinte maneira:

(43) O que é que a Maria está fazendo?

FocP 3 Spec Foc’

O quei

3 Foc CP 3 C’ 3 C IP 3 Spec I’ pro exp 3 I VP

éj g V’ 3 V CP

tj 3 Spec C’ 3 C IP

que 6 a Maria está fazendo ti

Por se tratar de uma sentença clivada não há nenhum problema na presença de SV no

PE. O núcleo I é ocupado pela cópula impossibilitando a subida do verbo principal.

A clivada reduzida, exclusiva do PB, apresenta a categoria FocP duplamente

preenchida, o operador Q ocupa a posição de Spec e o núcleo é preenchido pelo

complementizador. Essa adjacência deve ser respeitada, não podendo, portanto, haver

elementos intervenientes entre a expressão Q e o complementizador, como mostra (44):

113

(44) O que que a Maria está fazendo?

FocP 3 Spec Foc’

O quei

3 Foc CP

quei 3 C’ 3 C IP 3 Spec I’ pro exp 3 I VP g V’ 3 V CP 3 Spec C’ 3 C IP

ti 6 a Maria está fazendo ti

Por fim, as sentenças com Q in situ compartilham da representação em (45).

Sigo aqui a proposta de Kato (2014), já referida nesta tese, e apresento a formalização

de um FocP interno à sentença na periferia do VP.

114

(45) A Maria foi onde?

FocP 3 Spec Foc’

3 Foc CP 3 C’ 3 C IP 3 Spec I’ a Maria 3 I FocP

Foij 3 ondei Foc’ 3 Foc VP

g V’ 3

V AdvP tj ti

4.9 Algumas reflexões sobre a mudança linguística

Após diversas reflexões provenientes da análise dos resultados desta tese à luz

de diversas propostas teóricas sobre o fenômeno descrito aqui e assumindo a

perspectiva teórica da gramática gerativa associada ao modelo de competição de

gramáticas, é possível interpretar as mudanças na ordem das interrogativas Q como

reflexo de uma mudança na focalização, com isso o sistema passa a produzir mais

interrogativas Q clivadas. Tal mudança pode ter consequências na gramática dos

indivíduos.

No caso da língua falada, os resultados indicam que, no PB, os falantes já

adquiriram a ordem QSV como padrão. Essa mudança teve sua origem em um ponto

específico do sistema junto com outras mudanças que se davam naquele momento,

como, por exemplo, o enfraquecimento da concordância verbal, a mudança no quadro

115

pronominal, a fixação da ordem SV em declarativas (Cf. Berlinck, 1989; Kato, Duarte,

Cyrino e Belinck, 2006). A partir desse momento, a nova estrutura das interrogativas Q

já começa a ser adquirida pelos falantes da geração seguinte e vai se propagando pelo

sistema, o processo de competição de gramáticas fica bem evidente.

O trabalho de Paixão de Souza (2004) mostra que uma das mudanças ocorridas

do Português Clássico para o PE está relacionada com a perda da propriedade de

fronteamento, que consiste em uma forma de focalização em gramáticas V2. Ou seja, o

Pcl apresenta o fronteamento de constituintes e essa propriedade não é encontrada na

gramática do PE; já que este sistema deixa de ser V2. Sendo assim, a ordem SV nas

declarativas do Pcl é, na verdade, uma estratégia de fronteamento do sujeito. No PE,

uma gramática que não exibe comportamento de gramática V2, os sujeitos pré-verbais

(SV) não são fronteados. O fronteamento descrito por Paixão de Souza nas declarativas

era aplicado a fim de preservar a ordem V2. Nas interrogativas, o responsável por

preservar esse padrão era o movimento de subida do verbo. Na evolução da gramática

do PE, a obrigatoriedade do movimento é perdida, já que a gramática passa de V2 a

SVO. As ocorrências de interrogativas Q sem clivagem podem ser evidências de que V2

ainda resiste nas interrogativas Q, no entanto a expansão da clivagem reforça a mudança

de gramática (de V2 para SVO).

No caso do PE falado, o que os resultados mostram também indica uma nova

forma sendo adquirida pelas novas gerações. A estratégia de interrogativas Q clivadas

está originalmente associada a uma mudança no processo de focalização do PE e

posteriormente entra na gramática dos falantes em fase de aquisição como a estratégia

principal, o que nos fornece resultados como os descritos no capítulo 1, que mostram

que as formas preferidas no PE oral são interrogativas clivadas, com ou sem sujeito

expresso. Um estudo em tempo real de curta duração (“painel”, nos termos de Labov,

1994) possivelmente reforçará essa observação, mostrando o crescimento da clivagem

em relação aos indivíduos.

Pensando nas peças de teatro, é possível acompanhar o processo gradual da

mudança na focalização. A partir dos gráficos, podemos observar o ponto de entrada da

ordem SV (associada à clivagem) tanto no PB quanto no PE. No entanto, é interessante

observar o comportamento de autores longevos, que escrevem em mais de um período.

Optei por não apresentar resultados com base nas datas de nascimento dos autores para

que fosse possível alcançar um dos objetivos principais desta tese e elaborar a

comparação do PE com o PB.

116

Um dos autores que se encaixa no perfil citado é Luis Francisco Rebello (1924)

para o PE. Utilizo peças desse autor nos períodos 4, 5 e 6. Em uma observação

detalhada, ele é o único que parece mudar de comportamento ao longo do tempo. Nos

períodos 4 e 5, ele apresenta uma distribuição muito equilibrada entre QVS e QSV com

clivagem, reflexo de uma possível competição de gramáticas, em que conviviam dois

padrões incompatíveis com uma mesma gramática. Porém, no período 6, o mais recente

para esse autor, 6 dados (dos 7 totais encontrados na sua peça) seguem o padrão

clivadas SV. Isso pode indicar que a competição entre QVS e QSV não existe mais e o

autor passa a usar a forma que vence a competição. Interpreto essa mudança como uma

evidência a favor da natureza gradual da implementação da mudança no sistema e a

importância de observar o comportamento dos autores e diferentes momentos de sua

vida.

O ano de nascimento desse autor também auxilia na interpretação de que a forma

nova entra durante a aquisição. Em 1924, ano em que Luis Francisco Rebello nasce já

temos no PE o início da subida dos índices de clivagem. Ao que parece, esse autor

adquire uma forma nova na aquisição e vai aumentando seu uso ao longo da vida.

Defendo tal interpretação, pois é possível comparar esse autor com outros de períodos

anteriores, como Eduardo Schwalbach (1860), que escreve nos períodos 2 e 3 e se

mantém altamente estável no uso de sujeitos nulos e ordem QVS tanto no período 2

quanto no 3. Afinal a forma da gramática nova ainda não havia entrado em jogo nesses

dois momentos.

Para o PB. é possível fazer observações semelhantes usando autores como

Millôr Fernandes, que tem uma obra que abarca mais de uma sincronia estabelecida em

nossos estudos e apresenta comportamento instável em relação aos sujeitos nulos e às

interrogativas Q, como mostra uma observação informal, por exemplo. No entanto, tal

investigação caberá a uma análise futura. De todo modo, o ano de nascimento dos

autores pode servir como uma boa evidência da aquisição como o lugar da mudança

linguística que se dá via competição de duas formas pertencentes a sistemas distintos.

Em suma

Lopes Rossi (1996) já havia afirmado que a única diferença qualitativa entre o

português clássico (PCl) e o PE moderno são as interrogativas clivadas. Os índices

apontados nesta tese permitem desenvolver essa afirmação mostrando que a diferença

117

entre PCl e PE está relacionada a uma mudança na focalização, visto que o uso da

ordem QSV aumenta significativamente ao longo do tempo por conta da clivagem. Ou

seja, um novo padrão está implementado no sistema e vai aos poucos aumentando sua

taxa de uso ao longo do tempo.

Foram apresentados, nesta seção, os resultados oriundos da análise dos dados

estudados para esta tese. Apresentei descrições para os dados do PE e associei os

resultados com algumas hipóteses teóricas propostas no capítulo 2. Além dos dados de

peças teatrais, foram usadas sentenças retiradas de textos jornalísticos a fim de elaborar

uma comparação entre os diferentes gêneros textuais e observar como as interrogativas

Q se comportam. Posteriormente, fiz uma revisita aos dados do PB e acrescentei

algumas contribuições às análises que já haviam sido realizadas com base nos mesmos

dados. Essa revisita foi feita visando a uma comparação entre PB e PE.

Depreendo, como pontos importantes dessa comparação, o fato de PE e PB

caminharem juntos em relação às interrogativas Q até por volta do período 3 e passarem

a mostrar comportamentos distintos a partir de então. Essa dissociação é reflexo de

mudanças “encaixadas” que se dão no PB e não acontecem no PE, como a redução do

paradigma flexional, que viria a se implementar a partir dos anos 1930 (cf. Duarte,

1995). Foi possível observar que existe uma relação clara entre a presença de sujeitos

nulos e a manutenção da ordem QVS, ou seja, o PE se mantém como um sistema de

sujeito nulo consistente, com ordem QVS ativa; esse padrão, porém, acaba restrito a

contextos sem clivagem e a entrada da clivagem passa a ser o padrão preferencial com

SV e com sujeitos nulos, como mostram os índices crescentes para esta estratégia. No

caso do PB, ordem QSV não está mais relacionada exclusivamente a contextos de

clivagem, como já mostrado por Duarte (1992) e confirmado em Pinheiro e Marins

(2012) e na análise dos autores aqui revisitada à luz dos padrões considerados. Os

resultados mostram, no entanto, que, embora não obrigatória, a clivagem no PB ainda

aparece com muita frequência. No PE, por outro lado, essa relação ainda é obrigatória, o

que faz com que o uso de QSV aumente à medida que a clivagem vai ganhando mais

espaço. Por conta da falta de relação com o PSN, não é provável que a restrição

desapareça e SV seja desvinculada da clivagem como aconteceu no PB.

Finalmente, os resultados permitem reforçar a hipótese de que existe um

processo de mudança sintática que pode ser observado através das interrogativas Q,

associado aos processos de focalização, tanto no PB quanto no PE, uma vez que as

118

interrogativas Q compartilham o mesmo local de checagem das estruturas de

focalização.

119

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta tese, me propus a apresentar a trajetória da ordem VS / SV nas

interrogativas Q no Português Europeu (PE) ao longo dos séculos XIX e XX,

acompanhando a evolução dos padrões sentenciais em cada sincronia estabelecida,

usando como base uma amostra de peças de teatro de caráter popular. Paralelamente a

isso, apresentei uma análise do comportamento das interrogativas Q na fala

contemporânea do PE com o objetivo de verificar como a língua espontânea se

apresenta em relação às descrições propostas e qual é a representatividade de peças

teatrais na tentativa de se aproximar da fala do tempo em que são produzidas. A partir

dos resultados obtidos, elaborei uma comparação das interrogativas Q do PE com as

mesmas estruturas no PB. Os resultados para o PB foram retirados de trabalhos

anteriores sobre o tema, principalmente os de Duarte (1992) e Pinheiro e Marins (2012),

que utilizam o mesmo tipo de amostra utilizada nesta tese. A partir desses resultados e

dados, organizei uma nova análise nos mesmos moldes daquela feita para o PE. De

modo geral, meu objetivo foi mostrar, primeiramente, qual é o padrão (ou os padrões)

das interrogativas Q do PE ao longo do tempo. Em segundo lugar, busquei comparar o

comportamento dos dois sistemas e observar pontos comuns e pontos divergentes.

Partindo da hipótese de que existe uma relação entre a mudança na ordem de

QVS para QSV e o aumento de sujeitos pronominais expressos no PB (Duarte e Kato,

2002), era de esperar que o PE não apresentasse indícios de mudança na ordem, já que

se caracteriza como uma língua de sujeito nulo consistente, que não apresenta indícios

de mudança na marcação do valor do PSN. Desse modo, imaginei encontrar

produtividade de contextos de uso da ordem QVS, sendo a ordem QSV além de menos

frequente, sempre associada à clivagem, como afirmam as descrições gramaticais

recentes. Essa hipótese principal conduz a um dos objetivos desta tese que foi mostrar

que de fato existe uma relação entre o PSN e a ordem preferencial dos constituintes

verbo e sujeito na sentença interrogativa Q.

No capítulo 1, apresentei os pontos que servem como motivadores da pesquisa

empreendida nesta tese, discutindo alguns trabalhos que tratam da ordem VS/SV e

procurei mostrar como o estudo da ordem pode contribuir para a diferenciação das

gramáticas do português ao longo do tempo. Discuto os trabalhos sobre o PB e

apresento as descrições para o PE. Além disso, descrevo os resultados para o

120

comportamento das interrogativas Q no PB e PE orais com base em dados de entrevistas

contemporâneas. Os resultados da fala mostraram que o PE não se comporta de acordo

com as descrições presentes em Ambar (1992) e Brito, Duarte e Matos (2003) em

relação à ordem SV / VS nas interrogativas Q, apesar de ser indubitavelmente um

sistema de sujeitos nulos consistente. Isso significa que, o padrão QVS não é o mais

produtivo nesse sistema, como sugerem as descrições. A língua falada apresenta a

clivagem (Q é que V e Q é que SV) como padrões mais recorrentes, ou seja, a clivagem

se implementa tanto nas interrogativas com sujeito nulo quanto naquelas com sujeito

expresso.

No capítulo 2, estão os pressupostos teóricos que norteiam a pesquisa. Apresento

uma discussão sobre propostas para a observação da mudança linguística e a partir daí

seleciono o modelo de mudança a ser adotado – o modelo de Competição de Gramáticas

(Kroch, 1989, 2001). Associo esse modelo à teoria linguística de Princípios e

Parâmetros, a fim de levantar hipóteses e restrições de natureza estrutural para

investigar que fatores influenciam o fenômeno em estudo. Ao final do capítulo, trato de

questões teóricas como o critério Q proposto por Rizzi (1996), a focalização, que inclui

as interrogativas Q (Uriagereka, 1995 e Kato e Ribeiro 2009, 2015) e a análise das

interrogativas sem movimento do sintagma Q com base em trabalhos como o de Kato

(2014), além apresentar de uma breve discussão sobre o PSN, com base em Holmberg

(2010).

O terceiro capítulo apresenta a metodologia de trabalho, com a descrição da

amostra de peças e sua periodização, a amostra de língua falada e o material de onde

retiro dados de jornais do PE. Apresento também os dados considerados na análise e os

grupos de fatores que a integraram, os critérios levados em conta para a seleção e

codificação dos dados, bem como o programa estatístico utilizado no seu

processamento. Retomo, neste mesmo capítulo, meus objetivos e hipóteses. Meu

objetivo principal foi apresentar um estudo diacrônico que mostrasse o perfil da ordem

das interrogativas Q do PE e, posteriormente, comparar com as interrogativas Q do PB.

Além disso, busquei associar as assunções do modelo de mudança adotado nesta tese

com os resultados encontrados. A hipótese principal, apresentada no início desta seção,

gira em torno da relação entre PSN e ordem VS/SV.

Por fim, no capítulo 4, a análise dos dados das peças mostrou que a ordem QVS

perde sua produtividade ao longo do tempo e entra em vigor no sistema um novo padrão

preferencial para as interrogativas Q. Essa mudança acontece motivada pela clivagem,

121

que entra na língua por volta do ano de 1950 e cresce nas sincronias seguintes. Não há,

pois, evidências de que essa mudança tenha sido desencadeada por uma remarcação no

valor do PSN.

Ao longo da análise, busco relacionar as mudanças no padrão de interrogativa a

mudanças de gramática tanto do PE quanto do PB. De maneira geral, foi possível

concluir que, no que diz respeito às interrogativas Q, ambos os sistemas passam por

processos de mudança motivadas por mudanças no processo de focalização. Uma vez

que a clivagem entra no sistema oferecendo uma nova forma de focalizar, a ordem QVS

vai perdendo espaço tanto no PB quanto no PE. Ou seja, um sistema que tinha traços de

uma gramática V2 e produzia estruturas de focalização com ordem VS perde espaço

para um sistema que usa a clivagem como estratégia de focalização e com isso pode

fazer uso de QSV nas interrogativas.

Posteriormente, o PB dissocia a clivagem de QSV e passa a licenciar

interrogativas não clivadas com ordem SV, enquanto muda a marcação do valor do

PSN. Com relação aos resultados do PE, o que os dados mostram é um sistema que tem

QVS como ordem básica até por volta dos anos 1950, quando a clivagem começa a

ganhar espaço. Com a entrada da clivagem, a ordem das interrogativas se estrutura em

torno de uma gramática SVO, como a do PB, que não obriga mais a presença do verbo

em segunda posição. O que difere os processos do PB e PE é justamente a relação que a

língua tem com o PSN. Uma vez que o PE não passa pela mudança detectada no PB

rumo à preferência por sujeitos expressos, esse sistema não pode prescindir da clivagem

para licenciar SV, o que só acontece no PB.

Logo, foi possível confirmar que a mudança no PE, de fato, não está relacionada

com a perda de sujeitos nulos. Os dados mostram um sistema de sujeitos nulos sem

indícios de mudança. O que está em jogo no PE é a estratégia de construir interrogativas

Q, que passa a ser preferencialmente por meio da clivagem, eliminando, assim, a

necessidade da subida do verbo. A análise dos dados de fala comprova isso, mostrando

que os dois padrões mais frequentes no PE contemporâneo são a clivada com sujeito

nulo e a clivada com SV. Sendo assim, a hipótese baseada em Duarte e Kato (2002)

pode ser confirmada.

O estudo com peças teatrais é, de fato, um meio seguro de trabalhar com dados

diacrônicos, uma vez que as evidências apontadas nos períodos finais das peças são

confirmadas pela análise da língua oral contemporânea. Pode-se, assim, presumir que as

sincronias passadas se aproximam igualmente da fala de seu tempo.

122

Retomando as perguntas que orientam este trabalho, posso agora responder:

(a) Os resultados confirmam as descrições apresentadas por Âmbar (1992) e Brito,

Duarte e Matos (2003) para a ordem das interrogativas Q no PE?

O que os dados mostram é um resultado diferente das descrições para o PE.

Acompanhamos uma redução na produtividade da ordem QVS e um aumento no uso do

padrão com clivagem.

(b) Com que frequência, sob que forma e a partir de quando a clivagem aparece nos

dados?

Encontramos a clivagem a partir de 1950 no histórico do PE. O padrão é sempre Q é

que SV ou V. No PB, a clivagem entra por volta do ano 1937 e, além do padrão

encontrado no PE, encontramos também a clivada reduzida (sem a cópula).

(c) Há no PE a presença da clivada reduzida ou tal estrutura é, de fato, característica

do PB? O que bloqueia ou licencia a existência dessa estrutura?

Não encontramos dados de clivada reduzida no PE. O que as evidências apontam é que

esse sistema apresenta o filtro de C duplamente preenchido, bloqueando a estrutura sem

cópula.

(d) Haveria no corpus diferenças relacionadas ao estatuto argumental do

interrogativo e à transitividade verbal?

A implementação de SV parece ser mais rápida com Q [- arg]; já que acompanhamos

uma ligeira redução de tais estruturas na presença de VS. Isso significa dizer que existe

uma relação entre Q não argumental e a perda da ordem VS no PE. Os verbos

transitivos aparecem como o contexto que impulsiona a mudança na direção de SV.

Observa-se a redução na frequência desses verbos em sentenças com ordem VS ao

longo do tempo, ou seja, estruturas com SV começam a entrar nesses ambientes.

(e) Haveria um número elevado de interrogativas com sujeito nulo?

Os resultados para o PE mostram que o sistema de sujeitos nulos permanece estável ao

longo do tempo, com altos índices desse padrão nas interrogativas Q. Por outro lado, o

PB, conforme as descrições já apontam, mostra o desaparecimento desse tipo de

sentença.

(f) Haveria, assim como encontramos no PB, um número relevante de interrogativas

com Q in situ?

A língua falada do PE apresentou um índice de 11% de interrogativas com Q in situ

enquanto a escrita das peças e jornais apresenta índices muito baixos. Uma análise mais

123

detalhada mostra que esse padrão está relacionado a um forte contexto de pressuposição

no PE.

(g) Haveria estabilidade ou mudança em curso no PE?

O PE não mostra mudança em curso em relação ao PSN. No tocante às interrogativas Q,

é possível observar dois padrões diferentes: QVS vs Q é que SV/V.

As evoluções e consequências da mudança na marcação do PSN ainda podem

render bons frutos de trabalhos sobre o PB. O modelo de competição de gramáticas tem

se mostrado importante no estudo da sintaxe comparativa e tem permitido identificar

diferentes gramáticas. No caso em questão, foi possível observar a transição entre a

gramática com traços de V2 na ordem das interrogativas, momentos em que PE e PB se

aproximam, para o momento em que a entrada da clivagem desencadeia uma mudança.

PE e PB se diferenciam à medida que no PE sujeito nulo e clivagem são independentes,

enquanto no PB sujeito expresso impulsiona SV, com sujeitos preferencialmente

expressos, podendo as interrogativas exibir ou não a clivagem. Finalmente, os

resultados aqui discutidos podem servir como mais uma evidência empírica de que PB e

PE configuram gramáticas distintas.

124

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