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11REVISTADECULTURATEOLGICA- V. 19 - N. 74 - ABR/JUN 2011
Prof. Dr. Francisco Cato
A NOVA EVANGELIZAO
Prof. Dr. Francisco Cato
* Francisco Cato doutor em Teologia (Universit Strasbourg Facult de Thologie deStrasborug Paris, professor do UNISAL e do Mosteiro de So Bento, So Paulo.
RESUMO
Nesse artigo procura-se refletir
sobre o fato de que o tema da prxi-ma Assemblia do Snodo, agendadapara outubro de 2012, de acordo com
as Orientaes (Lineamento) publi-
cadas em 07/03/2011, se insere no
processo da progressiva renovao
da Igreja iniciado no Vaticano II. Oprojeto tomou corpo nos pontificados
subseqentes, e se foi tornando cada
dia mais claro atravs da multplice
recepo do Conclio. A renovaoda Igreja o aggiornamento de
que falava Joo XXIII consiste, emltima anlise, na revalorizao da
Palavra de Deus na vida e na misso
da Igreja, a que foi dado, finalmente,
por Joo Paulo II, o nome de novaevangelizao.
Palavras-chave: Evangeliza-
o. Conclio Vaticano II. Snodo.Renovao.
ABSTRACT
In this paper seeks to reflect on
the fact that the theme of the nextAssembly of the Synod, scheduledfor October 2012, according to the
guidelines (Lineament) published on
07.03.2011, is part of the process of
progressive renewal of the Church
initiated at Vatican II. The project tookshape in subsequent pontificates,
and it was becoming increasingly
clear through the manifold reception
of the Council. The renewal of theChurch - the aggiornamento - who
spoke John XXIII consist, ultimately,on the revaluation of the Word of Godin the life and mission of the Church,
which was given finally by John PaulII, the name of new evangelization.
Abstract: Evangelization. Coun-
cil Vatican II. Synod. Renewal.
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A nova evangelizao deve ser lida dentro de um projeto unificado [...]
que animou o magistrio e o ministrio apostlico do Papa Paulo VIe do Papa Joo Paulo II. Desde o Conclio Vaticano II at hoje, a
nova evangelizao se props, sempre com maior lucidez, como o
instrumento para confrontar-se com os desafios de um mundo em
acelerada transformao e como a via para viver hoje, reunidos no
Esprito Santo, o dom de fazer a experincia de Deus que nosso
Pai, testemunhando e anunciando a todos a Boa Nova - o Evangelho -
de Jesus Cristo.1
INTRODUO
H 50 anos, a Igreja se preparava para celebrar o Conclio VaticanoII. O papa Joo XXIII, recm-eleito, acenara com essa grande novidade,ao celebrar a festa da Converso de So Paulo, no dia 25 de janeiro de1959. Depois de quase trs anos de preparao, a assemblia conciliar foiinaugurada no dia 11 de outubro de 1962. A homilia do Papa na missa deabertura, Gaudet mater Ecclesia,2 abordou duas idias centrais, que iriamcomandar todos os trabalhos conciliares durante os trs anos seguintes: aimportncia da Histria como elemento indispensvel na manifestao da fe a conseqente distino entre a substncia da f e as suas expresses.
A 13 Assemblia do Snodo, agendada para os dias 7 a 28 de outubrode 2012, qinquagsimo aniversrio da abertura do Conclio, situa-se nocontexto de um projeto unificado, pois as Orientaespara o Snodo so-bre a Nova Evangelizao nos convidam a pensar a nova evangelizaoem continuidade com o Vaticano II, atravs dos pontificados de Paulo VI,de Joo Paulo II e do prprio Bento XVI, podendo, portanto, ser melhor
compreendidas luz das idias centrais que presidiram o desenrolar daassemblia conciliar.
1 Orientaes ou Lineamnta, 1: Designam-se dessa forma as Orientaes para o Snodosobre a Nova Evangelizao, em http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_2 0110202_ lineamenta-xiii-assembly_po.html
2 Cf. Vaticano II, mensagens, discursos e documentos (MDD). So Paulo: Paulinas, 1998,n. 26-69.
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1. O SENTIDO DO VATICANO II
Diferentemente dos vinte primeiros conclios ecumnicos anteriores, oVaticano II no teve por objetivo condenar erros ou propor novas expressesda f, com base na autoridade da Igreja. Visava encontrar os melhorescaminhos, para fazer chegar ao mundo de hoje, a Palavra de Deus que veioa ns na histria, na pessoa de Jesus e foi acolhida na f pelos apstolos,para ser transmitida a todos os humanos, pelo ministrio do povo de Deus,a Igreja, sacramento da salvao universal.
Essa novidade pressupe que a Histria deva ser levada em conta, na
elaborao das expresses da f. Se a religio se baseasse na fixaodefinitiva de um texto escrito ou de prticas religiosas imutveis, nada teriaa ver com a Histria e ficaria, atravs dos sculos, refm de seus ritos ede suas prticas, ainda que, com o passar do tempo, tivessem perdido todasua significao, envelhecido e se tornado incompreensveis, como acontececom todas as coisas humanas.
O ser humano, que vive na histria, s pode satisfazer sua vocao quetranscende o tempo, se reconhecer como sentido da vida, pessoal e social,realidades que permanecem atravs dos anos, embora mudem incessante-
mente de figura, como ele mesmo, ser humano, mantm a sua identidade,de recm-nascido velhice, passando pela juventude e pela maturidade.
Os dois princpios estabelecidos por Joo XIII, na abertura do conclio,valorizar a Histria e distinguir a substncia da f, de ordem espiritual, desuas expresses no tempo, vo orientar todo o desenrolar dos trabalhos.Representam as exigncias antropolgicas da f e, portanto, da prpria Igreja,que por natureza uma comunidade histrica, e no pode ser entendidaapenas como realidade espiritual, depositria da verdade eterna.
O mistrio da Igreja, como se diz na linguagem da f, est em continui-dade com o mistrio de Jesus, a Palavra encarnada, o corpo de Cristo,animado pelo mesmo Esprito. Assim como a pessoa do Verbo est inscritana Histria, como homem e pelo seu agir humano, a comunidade dos fiis,participando do mesmo Esprito, est inscrita na Histria pelo seu agir, queratifica sua vocao, de participar da vida de Deus, como nova criatura.Portanto, a Igreja deveria estar sempre em renovao; esse o objetivo do
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Vaticano II: colocar a Igreja em sintonia com seu tempo, promover o seu
aggiornamento.
2. A TEMTICA DO CONCLIO
O conceito de novidade inerente histria do cristianismo. Jesus tinhaconscincia da novidade de sua pregao da iminncia do Reino de Deuse insistiu, como o deixam perceber os evangelistas, na necessidade de serenovar para acolher a mensagem que pregava, pois no se pode colocaro vinho novo em velhos odres. Paulo fez da novidade do Evangelho um dos
principais temas de sua pregao. E Joo classificou de mandamento novo oque h de central na mensagem crist: o mandamento do amor. Nem sempreos conclios se apresentaram como portadores da novidade, mas a partir,pelo menos da Idade Mdia, visaram quase sempre reforma da Igreja.
A novidade, quando se trata da f, nos chega atravs da Tradio e sempre coerente com a herana recebida. Para avaliar em que consistiua novidade do ltimo conclio, o vigsimo primeiro ecumnico, precisoconsider-lo em continuidade com o conclio que o precedeu de um sculo,
o Vaticano I. Abruptamente interrompido em setembro de 1870, com a in-vaso de Roma pelas tropas de Garibaldi, Vaticano I se limitou a promulgarduas constituies, uma sobre a revelao e a f, a Dei Filius, e a outrasobre a Igreja, a Pastor aeternus, que se restringiu definio do dogmada infalibilidade papal.
Cem anos mais tarde, cedendo vontade de Joo XXIII, a cria romanano se mostrou, de incio, favorvel a um novo conclio. Para contornar amultiplicidade de temas sugeridos, preparou o Vaticano II, em continuidadecom Vaticano I, em torno dos mesmos dois tpicos: a Igreja e a Revelao.Logo no primeiro perodo conciliar, que se esperava fosse nico, apresentaram-se, para aprovao da assemblia, os dois esquemas preparatrios sobre aIgreja e sobre as fontes da revelao. A grande surpresa, um dos aspectosmais interessantes da novidade do Vaticano II, foi a rejeio do primeiro, poruma maioria que superava os dois teros, e a constituio de uma comissomista para a reformulao do segundo esquema, com base numa maioriasimples, insuficiente, segundo o regulamento do conclio, para sua rejeio.
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O conjunto do episcopado, mais de dois mil bispos, mostrava assim querer
uma reformulao da idia que ento se fazia da Igreja e no estava satis-feito com o enfoque que se dava tradio, colocada ao lado da Escriturae se somando a ela, como fonte especfica da revelao, reeditando umainterpretao abusiva do texto tridentino.3
No se pode deixar, no entanto, de reconhecer a continuidade do VaticanoII com o Vaticano I. A prevalncia dos dois temas, Revelao e Igreja, j um indcio maior. Soma-se o fato de que, na inteno dos padres conciliares,devido, alis, natureza do desenvolvimento da reflexo crist atravs daHistria, essa continuidade dos ensinamentos da f um dos critrios bsicos
de sua autenticidade. Pode-se observar, no primeiro captulo da Constituiosobre a Igreja, o cuidado que se teve de reinterpretar a doutrina da Igrejacomo Corpo Mstico de Cristo, para salvaguardar a continuidade do ensina-mento conciliar, com a encclica de Pio XII sobre o tema.4E igualmente, noinicio da Constituio sobre a Revelao, Dei Verbum, a declarao de sequer seguir as pegadas de Trento e de Vaticano I.5
Podemos ento dizer que a novidade do Vaticano II, coerente com atemtica do Vaticano I, consistiu numa novaviso da Igreja e em uma novacompreenso da Revelao.
3. OS PRESSUPOSTOS DA NOVIDADE
A religio, de um modo geral, resiste mudana. Entendida, na perspectivadas cincias humanas, como construto cultural constitudo por ritos, mitosou doutrinas, prticas especficas e exigncias ticas, a religio s podeadmitir mudar, sem se tornar outra, quando inclui, na sua compreensocomo religio, a relao com a transcendncia. Dessa forma, entende-seque permanece a mesma, atravs das mais radicais transformaes de suas
3 Trento havia, de fato, falado de livros escritos e tradies no escritas, mas o contextono permite entender o e como aditivo, seno, simplesmente, como conjuntivo, sem oporEscritura e Tradio como fontes distintas da revelao, Cf. Denziger-Hnermann, Com-pndio dos smbolos, definies e declaraes de f e moral. So Paulo: Paulinas/Loyola,2007, n. 1501.
4 Cf. Lumen gentium, 7 (MDD, n. 96-302).5 Cf. Dei Verbum, 1 (MDD), n. 872.
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expresses, seus ritos, mitos, prticas e exigncias morais, que relevam da
Histria, sempre em evoluo.
No entanto, essa referncia transcendncia, que justifica a mudana,leva, quase sempre, sua fixao em formas consideradas sagradas, quepor se apresentarem como expresses da transcendncia, tendem a per-manecer imutveis, apesar das transformaes do meio cultural. Fixa-se suaexpresso em uma lngua sagrada, numa frmula doutrinria pretendidamentedefinitiva, em prticas imutveis e preceitos morais absolutos, ainda que ten-ham surgido como exigncias de circunstncias histrico-culturais relativas.
Por isso, o primeiro pressuposto da novidade, em religio, uma cor-reta filosofia da mudana. Estabelece o critrio indispensvel para discernirna religio em geral, mas tambm, no caso especfico da Igreja, ou docristianismo, a verdadeira reforma, que muda, mantendo uma saudvel eindispensvel continuidade com o passado, e as falsas reformas, revoluesem ruptura com a verdade profunda da religio.
A novidade conciliar foi historicamente precedida de uma reflexo sobrea mudana, permitindo evitar os desvios das muitas reformas propostas aolongo dos sculos, que propunham uma falsa adaptao da religio crist
aos novos tempos. Sob esse aspecto, desempenhou importante papel oestudo do Padre Congar, Verdadeira e falsa reforma na Igreja, publicadodez anos antes da convocao do Conclio.6
O Padre Congar, pessoalmente, insistia muito na importncia de se terem mente uma teologia da mudana. Somente luz de uma correta com-preenso da mudana se podem evitar os desvios observados em torno dosanos 1900, que foram violentamente combatidos por Roma, sob o nome demodernismo. Somente quando se entende corretamente a mudana, com-preende-se a indispensvel continuidade com a tradio viva, fonte atravsda qual chega at ns a Palavra de Deus, veculo de comunicao de seu
6 Yves M.-J. Congar, Vraie et fausse reforme dans lglise. Paris: Cerf, 1950. Consta queentre os livros de cabeceira do Cardeal Roncalli, que foi nncio em Paris antes de setornar o papa Joo XXIII se encontra um exemplar desse estudo, amplamente anotado.
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Esprito, sob as mais diversas formas, desde o prprio livro da natureza
at as Escrituras Sagradas.7
Esses princpios, concretamente, se aplicam em primeiro lugar, leituradas Sagradas Escrituras. A controvrsia gerada pela Reforma, a respeitodo lugar que ocupa a Bblia na gnese e na sustentao da f, colocou aIgreja romana numa posio defensiva, distanciando o povo da leitura daBblia, geradora de problemas, e defendendo a sua interpretao do textosagrado que estava na base de sua prpria estrutura religiosa, como sendoa nica legtima.
Essa defesa dogmtica, da mais importante expresso da f, no resistius formas de interpretao fundadas na Histria e nas novas orientaesliterrias e filosficas que se desenvolveram a partir do sculo XVII, passarampela sacudidela iluminista do sculo XVIII e se revestiram do instrumentalda Histria e das cincias humanas desenvolvidas no sculo XIX.
Nasceu ento, entre os cristos, a percepo da necessidade de umanova abordagem do texto sagrado, criando o que se veio a denominar omovimento bblico, a partir do sculo XIX. Progressivamente, na Igreja catlica,se foi valorizando cada vez mais a leitura da Bblia nas comunidades e,
em particular, na liturgia. Multiplicaram-se as tradues para o vernculo ese foi aos poucos recolocando a leitura da Bblia no centro da vida crist,em continuidade com a tradio mais antiga, particularmente desenvolvidae sistematizada na Idade Mdia, sob a forma de lectio divina. Voltar Bblia correspondia, alis, ao movimento de volta s fontes, generalizadona modernidade.
Por sua vez, a valorizao da Bblia e da liturgia pressupe uma perceponova do mistrio da Igreja. A Igreja deixa de ter, como estrutura bsica, oarcabouo da instituio, apresentada como eterna, de certo modo divina,para ser considerada prioritariamente a comunidade histrica dos fiis se-guidores de Jesus e do Evangelho, expresso histrica da vocao divinade toda humanidade unio com Deus.
7 Essa doutrina est retomada de forma amadurecida no n. 7 da Exortao Apostlica VerbumDomini (11/11/2010), em que o papa Bento XVI promulga a 12 Assemblia do Snodo de2008 sobre a Palavra na vida e na misso da Igreja.
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significativo que o Vaticano II, na Constituio Dogmtica sobre a
Igreja, a entenda como sacramento da unio com Deus e da unidade detoda a humanidade [...] povo unido pela unidade do Pai, do Filho e do Es-prito Santo.8 Significativo tambm que, na ordenao dos temas tratados,d prioridade ao captulo segundo, sobre o povo de Deus em relao aocaptulo terceiro, sobre a Hierarquia.9
4. A NOVIDADE DO VATICANO II
O Vaticano I havia sido interrompido pela invaso das tropas da unidade
italiana, que obrigaram o papa Pio IX a se refugiar como prisioneiro no Vati-cano. O Vaticano II sofreu um rude golpe com a morte de Joo XXIII, emjunho de 1963. Chegou-se a pensar que seria decretada, como h cem anos,a interrupo do conclio inaugurado, em outubro de 1962, e que estava emrecesso. A eleio do cardeal Montini, dada a certeza de que retomaria aobra de seu antecessor, significou a disposio majoritria do conclave deque era indispensvel continuar o trabalho comeado.
O novo papa Paulo VI, porm, necessitava apelar para uma temtica queanimasse o conjunto do episcopado a continuar o trabalho e motivasse inclu-
sive a minoria recalcitrante, que temia a extenso das reformas esboadas, acomear pelo que se pressentia em gestao na esfera da liturgia, que haviasido objeto de discusses acirradas no primeiro perodo conciliar de 1962.
Paulo VI confirmou a convocao do segundo perodo do Conclio doVaticano II, para o dia 29 de setembro de 1963. Acreditamos interpretarcorretamente esse texto fundamental, dizendo que o apelo ao Conclio,como centrado na compreenso do que a Igreja e do que h nela a serrenovado, foi a bandeira escolhida para despertar nos bispos, das maisvariadas tendncias, o empenho a levar avante o trabalho comeado.
8 Lumen Gentium, n. 1 e n. 4 (MDD, 284; 288).9 Sabe-se que esta ordem dos temas foi objeto de uma consulta assemblia conciliar, o que
induziu Paulo VI a adot-la, embora os votos no tenham atingido a maioria regulamentardos dois teros.
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Sob o signo da renovao da Igreja, que correspondia aos objetivos
ditados por Joo XXIII, o Conclio se desenvolveu, trabalhando os maisvariados aspectos da vida da Igreja em si mesma e na sua relao como mundo. Todos os que o acompanhamos, participando da vida da Igreja,nesses ltimos cinqenta anos, o reconhecemos sem dificuldade.
Mas sabemos tambm que a fisionomia histrica de um conclio nose desenha apenas pela temtica em que se insere, nem tampouco pelasimples anlise de seus documentos, no tempo e no espao cultural em quese inscrevem historicamente. Na interpretao de um conclio preciso levarainda em conta a maneira como repercute na vida da Igreja, sua recepo,
que tem tambm valor hermenutico, fundado no fato de que Deus conduza Histria atravs dos acontecimentos, os sinais dos tempos, dentre osquais os conclios figuram como dos mais importantes. Elaborou-se, assim,o conceito tcnico de recepo.10
Ora, percebe-se hoje, com nitidez cada vez maior, que o centro doVaticano II, na histria do cristianismo no propriamente a Igreja, mas aPalavra de Deus, quer dizer, a presena atual da Palavra de Deus, atuantena natureza e na Histria, presena de que nasce a Igreja, constitutiva doprprio mistrio cristo.11 luz da recepo do Vaticano II, deve-se recon-
hecer que o Vaticano II passar Histria como o conclio que recolocouno centro da vida e da misso da Igreja a Palavra de Deus, tema, alis,proposto por Bento XVI para a primeira assemblia sinodal que convocou.12
Um primeiro indcio da centralizao da Igreja na Palavra de Deus aevoluo pela qual passou a reformulao do esquema sobre a revelao.Afastado da agenda, num primeiro momento, tendo cedido lugar Igreja,que ocupou o lugar de destaque durante todo o segundo perodo conciliar,
10 Cf. Francisco Augusto Carmil Cato, O perfil distintivo do Vaticano II: recepo e interpreta-o, em Paulo Cesar Lopes Gonalves e Vera Ivanise Bombonato (org.), Conclio VaticanoII: anlise e prospectivas. So Paulo: Paulinas, 2004, p. 95-115.
11 Cf. Christoph Theobald, La rception du Concile Vatican II. I.Accder la source. Paris:Cerf, 2009.
12 A escolha, por Bento XVI, do tema para a 12 Assemblia do Snodo nos leva a pensarque o papa, bom telogo e profundo conhecedor da Igreja durante os anos que estevena Congregao da Doutrina, tem a percepo ntida da centralidade da Palavra, comoautntico foco do trabalho da renovao da Igreja, visada pelo conclio.
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foi inesperadamente relembrado por Paulo VI, no discurso de encerramento
desse perodo, em 4 de dezembro de 1963.13
Retomaram-se ento os estudos e se procurou uma nova redao, emcontinuidade com o trabalho da comisso mista, que havia ficado em hiber-nao. Reformulou-se o conceito de revelao, ao articular Bblia e Tradio,sob a gide da Palavra de Deus que as sustenta e de que so os veculosque a trazem at ns. Em conseqncia, a Bblia e a Tradio, de que elaera a expresso maior, em virtude da Palavra de que so portadoras, ocu-pam lugar preeminente na vida e na misso da Igreja. A Palavra de Deus,em continuidade com a encarnao, foi sempre entendida, desde as mais
remotas origens crists, como fonte perene da Igreja, alimento de sua vidae de sua reflexo, alma da teologia.
Esse lugar preeminente da Palavra, no Conclio, passou a iluminar demaneira nova as relaes ecumnicas da Igreja Catlica, ou seja, com asdemais igrejas e denominaes crists, a ponto, por exemplo, de a Con-stituio Dei Verbum acolher o voto favorvel da maioria dos peritos dasdiversas comunidades crists presentes na aula conciliar.14 Abria-se assimuma nova possibilidade de instaurar o dilogo ecumnico e, inclusive, odilogo inter-religioso, em continuidade com a declarao Nostra Aetate e,
sobretudo, justificava-se teologicamente a doutrina da liberdade religiosa nadeclarao Dignitatis humanae, sem falar do impacto que o primado da Pa-lavra, de significao universal, exercia sobre a compreenso da verdadeiraposio da Igreja no mundo de hoje, expressa na Constituio Gaudium etspes. Pode-se dizer que os documentos aprovados e promulgados nas trsltimas semanas do Conclio giravam em torno, no mais da Igreja, mas deDeus, que vem a ns atravs de sua Palavra!
Essa era a novidade do Vaticano II: a recuperao pela Igreja Catlicada centralidade da Palavra, reatando com a tradio do primeiro milnio e
13 MDD, 202-234, a meno retomada do esquema da revelao se encontra no pargrafo220.
14 Vale lembrar aqui o celebrado artigo de Karl Barth, Conciliorum Tridentini et Vaticani Iinhaerens vestigia, escrito em latim em Ad limina apostolorum, Zurique: EVZ Verlag,1967,em que o grande telogo luterano aprova a seu modo Placet juxta modum a Cons-tituio. Cf. a traduo francesa em Vatican II, La rvlation divine. Vol. 2. Paris: Cerf,1968, p. 513-522.
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se preparando para viver nos dias de hoje, em continuidade com Jesus,
dando testemunho do Reino, da salvao, fiel ao Pai, no Esprito.
5. A CAMINHO DA NOVA EVANGELIZAO
Christoph Theobald, que prepara o segundo volume de sua obra sobre arecepo do Vaticano II, em que tratar das conseqncias que essa recenteinterpretao do conclio tem para a vida e para a misso da Igreja,15publicoutambm outra obra importante sobre a maneira de fazer teologia.16Sua idiade base de que, na Igreja, seguindo, inclusive a orientao do magistrio
ordinrio de centrar a reflexo teolgica na Palavra, deve-se fazer teologiaem continuidade com o modo de pensar e falar da Escritura, em especialdo Novo Testamento, anunciando o desgnio salvador de Deus, segundo otestemunho de Jesus, pela narrativa de seu gesto salvador.
O magistrio ordinrio da Igreja nos induz hoje a uma forma nova, nos de fazer teologia, mas tambm de anunciar a Boa Nova. o que, nasua intuio pastoral profunda, Joo Paulo II chamou de nova evangelizao.A expresso serve para sintetizar a originalidade de seu carisma pastoral.
Depois de haver convocado a 12 Assemblia do Snodo sobre o papelcentral da Palavra de Deus na vida e na misso da Igreja, Bento XVI, se-guindo as pegadas de seu antecessor, prepara agora a 13 Assemblia doSnodo sobre a nova evangelizao e a transmisso da f.17
O texto das Orientaes para o Snodo sobre a nova evangelizao nosparece da maior importncia. Sua leitura deve ser feita levando-se em conta,como est explcito logo no incio, que a assemblia sinodal se coloca como
15 O segundo volume anunciado tem como ttulo II. Lglise dans lhistoire e la socit (AIgreja na histria e na sociedade) previsto em cinco partes: O evangelho e a Igreja, nahistria e na sociedade, a vocao universal santidade, identidade apostlica e estruturaeclesial (os carismas e sua instituio), finalmente, nas fontes da vida (liturgia e misso),cf. op. cit., p. 10.
16 Christoph Theobald, Le christianisme comme style. Une manire de faire da la thologieen postmodernit. Vol I-II. Paris: Cerf, 2008, 1110 pginas.
17 Cf. as Orientaes para o Snodo sobre a Nova Evangelizao e a transmisso da f,publicados em 07/03/2011.
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um passo a mais dentro de um projeto unificado, que tem as suas origens
na novidade do Conclio da a importncia do adjetivo nova e se inscrevenuma evoluo ditada pela sua recepo no contexto da ps-modernidade.
Trata-se, portanto, na transmisso da f, de observar duas exigncias:levar em conta os desafios de um mundo em acelerada transformao etraar uma via para viver, hoje, o dom de estarmos reunidos no EspritoSanto. Situam-se aqui as duas notas fundamentais da nova evangelizao:
Primeiro preciso visar aos desafios de um mundo em acelerada trans-formao, ou seja, encontrar um novo estilo de pensar a f ou de fazer
teologia na ps-modernidade, para descobrir, tambm, com fundamentona Tradio, uma nova forma de testemunhar a f, de evangelizar. Somosconvocados a nos dedicar, em vista da 13 Assemblia do Snodo, a buscarem conjunto essas novas formas. O Esprito no-las quer comunicar, contantoque no tenhamos a pretenso de hav-las j descoberto. Seria um graveequvoco se cada um de ns, ou cada grupo de fiis, pensasse que devecomunicar sua prpria experincia da descoberta de Jesus, como padropara toda a Igreja, como por vezes acontece.
Depois, o que talvez venha antes e tenha prioridade, preciso desco-
brir uma via para viver o dom de estarmos reunidos no Esprito Santo. Opertencimento Igreja, que foi um dos temas mais discutidos na poca doconclio, deu aqui lugar, com a evoluo dos tempos, conscincia de quea salvao mais ampla do que a Igreja.
A vocao de todos os seres humanos a santidade, a fidelidade Palavra no Esprito, lao que ultrapassa as fronteiras histricas da Igreja enos faz solidrios com todos os homens e mulheres, de todos os tempos eculturas, na busca de Deus e na fidelidade verdade de sua Palavra e aoamor de seu Esprito. A plena conscincia da universalidade da salvaopode ser considerada um dos fundamentos e, at mesmo, a pedra de toqueda nova evangelizao.
Mas o texto das Orientaes continua. A evangelizao nova, na me-dida em que o testemunho de Jesus, dado de forma a ser acolhido peloshomens e mulheres de hoje, animados universalmente pelo dom do Esprito,se situar na busca de Deus. Na Exortao Apostlica Verbum Domini, Bento
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XVI definiu essa prioridade pastoral: no existe prioridade maior do que
reabrir ao homem atual o acesso a Deus.18
As Orientaes do um passoa mais, explicitando o fato de que essa busca prioritria de Deus, em vistada qual se estabelece a nova evangelizao, a experincia de Deus que nosso Pai que leva a testemunhar e anunciar a todos a Boa Nova oEvangelho de Jesus Cristo.19
6. A EXPERINCIA DE DEUS
O caminho da nova evangelizao seria ento abrir a todos os homens
o acesso a Deus, humanamente falando, ou seja, experincia de Deus,pois atravs da experincia que o ser humano tem acesso realidade,como j o sabia Aristteles, para quem, nada est na inteligncia senotendo, de algum modo, passado pelos sentidos.
A teologia catlica, opondo-se, no sculo XVI, ao pensamento luterano queinsistia na subjetividade do ato de f, entendido como confiana em Deus,e na conseqente interpretao individualista do texto bblico, suspeitou daexperincia religiosa como fonte do conhecimento de Deus e rejeitou todaliteratura teolgica baseada na experincia. Quando se rejeita a experincia,
porm, e se concebe a f como a submisso voluntria da inteligncia autoridade dos responsveis pela Igreja,
difcil ser fiel at o fim e viver puramente da f, sem ceder ao fas-
cnio da experincia. Todas as vezes que se cede, surgem as crises,
que acabam por opor f e experincia, o que obriga a Igreja a rejeitar
vigorosamente tal experimentalismo desastroso. Foi o que aconteceu
com a crise protestante [...] a jansenista [...] a quietista [...] a tradicio-
nalista [...] e a modernista.20
No contexto da rejeio da experincia, a evangelizao privilegiou aobedincia ao ensinamento oficial da Igreja, em detrimento da experincia
18 Verbum Domini, 2.19 Lineamnta, 1.20 Cf. Jean Mouroux, Lxprience chrtienne. Introduction une thologie. Paris: Aubier,
1954, p. 5.
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da f,21 pensou o anncio do Evangelho como sujeio a verdades procla-
madas, em lugar de acolhimento da Palavra. Foi o que se pde observarna catequese, por exemplo, com a nfase dada ao ensino da doutrina daIgreja e na sua renovao, como a agregao comunidade crist.
Em face, porm, da conscincia contempornea, os cristos se deramconta de que a experincia religiosa no s um condicionamento antrop-olgico indispensvel da f, como convm eminentemente evangelizao.A Palavra de Deus se fez carne e vem como homem at ns, para que Oacolhamos como amigo, e no apenas como adoradores religiosos ou comoservos. A nova evangelizao tem como objetivo proporcionar a todos os
humanos, independentemente de seu pertencimento ou no Igreja histrica a salvao mais ampla do que a Igreja22 a ocasio de estabelecer umlao existencial de amizade com Jesus, que nos d acesso ao Pai e nosfaz participar do Esprito de Deus.
A importncia da experincia na teologia teve como pioneiro o estudo deJean Mouroux a que nos referimos acima, falando do experimentalismo.23Apartir dos anos cinquenta, os telogos catlicos, apesar de algumas hesita-es, comearam a se dar conta da importncia da experincia, na gnesee no desenvolvimento da vida crist. O Vaticano II, embora explicitamente
parea no ter ido muito longe nesse sentido, contm indubitavelmente, naDei Verbum, na Dignitatis humanae e na Gaudium et spes os germes davalorizao da experincia como fator do conhecimento da f, no s naesfera da vida mstica, mas na prpria vida crist e na teologia, a comearna iniciao, passando por toda a formao e alcanando as exignciasmais rigorosas da reflexo crist e da teologia.
A experincia religiosa, sobre a qual se assenta toda a revelao bblica,do Antigo e do Novo Testamento, que vivida por Jesus, na intimidade doPai, como homem, na plenitude do Esprito, torna-se o elemento chave daevangelizao, entendida como testemunho da Palavra, pela narrao de
21 Lembremo-nos da terrvel palavra de Karl Marx a respeito de Lutero, segundo a qual a fperde sua autoridade quando apela para outra autoridade que no ela mesma.
22 Cf. Frei Bernardo (Francisco) Cato, A Igreja sem fronteiras. So Paulo: Duas Cidades,1966.
23 Cf.nota 19.
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sua ao criadora e salvadora. Os cristos, pelo fato mesmo de crerem, de
serem discpulos de Jesus, so missionrios, pois sua vida, experincia daamizade com Jesus, o elemento comunicativo da Palavra, a todos aquelesque, de uma forma ou de outra, so indiferentes ou esto afastados de Deus.
Esse posicionamento teolgico da experincia foi plenamente reconhe-cido pela 12 Assemblia do Snodo, sobre a Palavra de Deus na vida ena misso da Igreja, como se pode ler na Exortao Apostlica VerbumDomini. Dentre as muitas menes, destacamos aqui trs passagens quenos parecem mais significativas:
na Igreja h um Pentecostes tambm hoje, ou seja, ela fala em muitas
lnguas; no s no sentido externo de estarem nela representadas
todas as grandes lnguas do mundo, mas tambm, e mais profunda-
mente, no sentido de que nela esto presentes os variados modos
da experincia de Deus e do mundo, a riqueza das culturas, e s
assim se manifesta a vastido da existncia humana e, a partir dela,
a vastido da Palavra de Deus.24
A partir da sua experincia pessoal do encontro e seguimento
de Cristo, Joo, que a tradio identifica com o discpulo que Jesus
amava (Jo 13,23; 20,2; 21,7.20), chegou a essa certeza ntima: Je-
sus a Sabedoria de Deus encarnada, a sua Palavra eterna feitahomem mortal [...] Trata-se de uma novidade inaudita e humanamente
inconcebvel: O Verbo fez-Se carne e habitou entre ns (Jo 1,14a).
Estas expresses no indicam uma figura retrica mas uma expe-
rincia vivida.25
Todo o Antigo Testamento se nos apresenta j como histria na qual
Deus comunica a sua Palavra [...] em palavras e obras, de tal modo
que Israel pudesse conhecer por experincia os planos de Deus
sobre os homens.26
24 Verbum Domini, 4, citando Bento XVI, Discurso Cria Romana (22/12/2008): AAS 101(2009), 50.
25 Verbum Domini, 5, citando Bento XVI, Angelus (04/01/2009): Insegnamenti, V/1 (2009),13.
26 Verbum Domini, 11.
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A Verbum Dominino desenvolve explicitamente uma teologia da experin-
cia crist, mas a pressupe adquirida e com base, no apenas antropolgica,mas cristolgica, pois a f crist acolhimento da Palavra que vem a ns,Palavra encarnada, que viveu no tempo, como ser humano, sua vida decomunho com o Pai, desde toda a eternidade.
Portanto, o fundamento sobre o qual se assenta a nova evangelizao,segundo o texto das Orientaes, o encontro com Jesus, vivido numaexperincia pessoal, em que O acolhemos, como Palavra, no Esprito, luz denossa vida, amigo ntimo e em continuidade com a metfora bblica, comoesposo de nossas almas:
Falando do Evangelho, no devemos pensar apenas em um livro ou a
uma doutrina; o Evangelho muito mais do que isso: uma Palavra
viva e eficaz, que realiza o que afirma. No um sistema de artigos
de f e de preceitos morais, e ainda menos um programa poltico, mas
uma pessoa: Jesus Cristo, Palavra definitiva de Deus, feito homem.27
O carter de encontro pessoal, que se reconhece como a categoria emque se insere a converso e a f, constitui um dado precioso do personal-ismo cristo, constantemente relembrado por Bento XVI.28Mais do que isso,
podemos dizer, um dado implicado na prpria confisso do mistrio deDeus, Pai, Filho e Esprito Santo, antes de tudo, portanto, trs pessoas, quecomungam da mesma natureza. Acolher Deus no aderir a uma essncia,a uma idia ou a uma energia, seno entrar em comunho pessoal com oPai, o Filho e o Esprito Santo.
A centralidade de Cristo, que caracteriza a nova evangelizao, , aomesmo tempo, princpio e decorrncia desse carter de lao pessoal dasalvao e da santidade, pois
O Evangelho Evangelho de Jesus Cristo: no tem somente como
contedo Jesus Cristo. Jesus , atravs do Esprito Santo, muito
mais, o promotor e o tema principal da sua mensagem, da sua
transmisso. O objetivo da transmisso da f , portanto, a realizao
27 Orientaes, 11.28 Bento XVI, Carta encclica Deus caritas est (25 de Dezembro de 2005), n. 1: AAS 98
(2006), 217.
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desse encontro com Jesus Cristo, no Esprito, para chegar a fazer a
experincia do Seu e do nosso Pai.29
Por isso, a nova evangelizao, mais do que a transmisso de umaverdade ou de um ensinamento, consiste em
criar, em cada lugar e em cada tempo, as condies para que o
encontro entre os homens e Jesus Cristo acontea. A f, encontro
com a pessoa de Cristo, tem a forma da relao pessoal com Ele, da
memria dEle (na Eucaristia) e do formar em ns a mentalidade de
Cristo, na graa do Esprito [...] Dado que Deus foi o primeiro a amar-
-nos (cf.1Jo4,10), agora o amor j no apenas um mandamento,
mas a resposta ao dom do amor, com que Deus vem ao nossoencontro.30 A prpria Igreja toma forma a partir da realizao dessa
tarefa de anunciar o Evangelho e transmitir a f crist.31
Assim como o mistrio de Deus se exprime como a comunho interpes-soal do Pai com o Filho, no Esprito Santo, o encontro pessoal com Jesusest no centro do mistrio da Igreja e o resultado que se espera hoje daevangelizao, denominada, por isso, nova:
O resultado que se espera desse encontro o de inserir os homens
na relao do Filho com o Pai, para sentir a fora do Esprito. O fimda transmisso da f, a finalidade da evangelizao, a de levar por
Cristo ao Pai, no Esprito (Ef2,18);32 essa a experincia da novidade
do Deus cristo. Nessa perspectiva, transmitir a f em Cristo significa
criar as condies para uma f pensada, celebrada, vivida e anuncia-
da: isso significa inserir na vida da Igreja.33Essa uma estrutura de
transmisso profundamente enraizada na tradio eclesial.34
29 Orientaes, 11. Cf. Congregao para a Doutrina da F, Nota doutrinal sobre algunsaspectos da evangelizao (3 de Dezembro de 2007), 2: AAS 100 (2008).
30 Bento XVI, Carta encclica Deus caritas est(25 de Dezembro de 2005), 1: AAS98 (2006),217.
31 Orientaes, 11.32 Congregao para o Clero, (15 de Agosto de 1997), 100.33 Cf. Ibid., 141.34 Orientaes, 11, Cf. Joo Paulo II, Constituio apostlica Fidei depositum, (11 de Novembro
de 1992), 122: AAS86 (1994) 113-118, retomada em Congregao para o Clero, DiretrioGeral para a Catequese (15 de agosto de 1997), 122.
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CONCLUSO
Historicamente, o texto das Orientaesse prende, portanto, a um projetodivino que se desdobra no tempo e se explica pela orientao para centrali-dade da Palavra na Igreja, tal como se deduz da recepo do Vaticano II,no cinqentenrio de sua celebrao.
Uma reflexo teolgica sobre esse tema nos levaria muito longe. Seria,entretanto, esclarecedora das orientaes que Bento XVI imprime a seupontificado e do entendimento renovado que tem a Igreja de que sua fonte a Palavra portadora do Esprito, ou, em virtude da misso conjunta do Verbo
e do Esprito, em outros termos, de que sua fonte o Esprito, Sustentadorda Palavra, o Parclito.
Logo aps o Conclio, viveu-se na teologia um momento significativo,ao perceber-se a importncia de articular a reflexo sobre o Verbo com areflexo sobre o Esprito. Talvez a grande lio que nos est reservada,como fruto da valorizao da Palavra de que se aproxima o momentode acolher na luz da Palavra o mistrio de Deus comunicado Igreja, noEsprito. Mistrio de comunicao da vida do Esprito, graas ao qual temosacesso verdade e plenitude do amor, testemunhado pelos apstolos e
seus sucessores, tornando-nos, ns mesmos, filhos de Deus, testemunhosde Jesus e mensageiros do Amor, isto , da verdadeira solidariedade entreos homens, como artfices da paz.
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