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A LUTA DAS MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU, PELA LIBERTAÇÃO DO “COCO PRESO” E PELA POSSE DA TERRA 1 . Maria Regina Teixeira da Rocha 2 Summary The main purpose of the article is to make a contextualization of the process of the historical fight attempted by the women, breaking the oil palm coconuts, defending the oil palms, and for the ownership of land, their constitution when undertaken collectively with own identity, the new roles taken over together with a familiar group and the people, to whom they do belong, and, how this process brought the breaking of the invisibility of the women in the productive processes. In function of this fight and, before the needs to secure their ways of survival, these women do their protest for: the identity of the women breaking the oil palm coconuts and raise the banner oil palms deliberated, as an instrument in the fight, putting themselves as legitimate defenders of the environment. We understand that the situation analyzed and characterized, through the social position these women do occupy in the social institutions, from this determinate historical moment, where they see them selves pressed by the cattle raisers, and attacked in their way to survival. Key words: Movement of palm oil coconut breakers; identity, environment, posse and use of the land. 1 Este artigo trata de um dos aspectos desenvolvidos na dissertação de mestrado da autora, apresentado ao Núcleo de estudos Integrados sobre Agricultura Familiar 2 Socióloga, com mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, pesquisadora da Fundação Universidade do Tocantins UNITINS. E-mail: [email protected] e [email protected] .

A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

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Page 1: A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

A LUTA DAS MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU, PELA LIBERTAÇÃO DO “COCO PRESO” E PELA POSSE DA TERRA1.

Maria Regina Teixeira da Rocha 2

Summary

The main purpose of the article is to make a contextualization of the process of the historical fight attempted by the women, breaking the oil palm coconuts, defending the oil palms, and for the ownership of land, their constitution when undertaken collectively with own identity, the new roles taken over together with a familiar group and the people, to whom they do belong, and, how this process brought the breaking of the invisibility of the women in the productive processes. In function of this fight and, before the needs to secure their ways of survival, these women do their protest for: the identity of the women breaking the oil palm coconuts and raise the banner oil palms deliberated, as an instrument in the fight, putting themselves as legitimate defenders of the environment. We understand that the situation analyzed and characterized, through the social position these women do occupy in the social institutions, from this determinate historical moment, where they see them selves pressed by the cattle raisers, and attacked in their way to survival.

Key words: Movement of palm oil coconut breakers; identity, environment, posse and use of the land.

1 Este artigo trata de um dos aspectos desenvolvidos na dissertação de mestrado da autora, apresentado ao Núcleo de estudos Integrados sobre Agricultura Familiar 2 Socióloga, com mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, pesquisadora da Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS. E-mail: [email protected] e [email protected].

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1. Introdução:

Este artigo faz uma análise a respeito da experiência das mulheres

quebradeiras de coco babaçu, em torno da luta empreendida a partir da década

de 1980, em defesa dos babaçuais e pela posse da terra.

A situação analisada é caracterizada, sobretudo, pelas posições sociais

que estes atores e atrizes sociais passam a ocupar nas instituições sociais, a

partir de determinado momento histórico, em que se vêem pressionados,

atacados em seus meios de sobrevivência. A identidade coletiva é construída

nesse momento, e os sinais diacríticos dizem respeito justamente ao que é

essencial às mulheres – sua atividade econômica principal – e que lhes está

sendo usurpada. A identidade das quebradeiras é relacional – emerge da

relação com seus antagonistas.

Assim, esse trabalho procura abordar, a questão acima referida. Num

primeiro momento, procuro fazer uma contextualização histórica do trabalho

das quebradeiras de coco e a importância dessa atividade na reprodução

familiar. No segundo tópico, procuro apresentar o processo da luta das

quebradeiras de coco babaçu pelo acesso livre aos babaçuais ou pelo babaçu

livre, palavra de ordem utilizada pelo movimento das quebradeiras de coco. No

último tópico, arrolo algumas considerações finais.

2. Uma breve contextualização histórica:

As mulheres quebradeiras de coco babaçu dos Estados do Maranhão,

Piauí, Pará e Tocantins na sua grande maioria, vivem numa situação de

exclusão e subalternidade, enfrentando ao lado do marido e dos filhos, uma

rotina diária de trabalho que inclui as atividades domésticas, o cuidado com

os(as) filhos(as), com o quintal visto apenas como extensão da casa, o trabalho

da roça e a quebra do coco babaçu.

Especificamente no estado do Maranhão na região denominada de

Médio Mearim, as áreas onde moram e produzem as famílias dos povoados

Centrinho do Acrízio, Ludovico e São Manuel, localizados no município de Lago

do Junco, foram adquiridas em um longo processo de luta iniciada pelas

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mulheres quebradeiras de coco babaçu, que lutavam pelo que chamaram de

libertação do coco preso, visto que os autodenominados proprietários cercaram

as áreas para implantação de pastos, destinados à pecuária, proibindo a coleta

e a quebra do coco.

Trata-se de uma região de povoamento antigo, onde a abundância de

terras públicas foi tida como livres por posseiros, pequenos proprietários e

descendentes de escravos, além das populações indígenas que já habitavam

na região.

As áreas de terra daquela região pertenciam à União ou aos grandes

proprietários que se dedicavam ao monocultivo do algodão, chamados na

região de fazendeiros. A partir do final do século XIX, com a desagregação das

fazendas de algodão, as terras pertencentes a esses grandes proprietários,

passam ao controle dos pequenos produtores que adquiriram suas terras

através da intermediação do Governo Municipal, segundo (ESTERCI,1977,

citada por MUSSUMECI,1988), ou através de doações3 diretas feitas pelos

antigos senhores aos seus ex-escravos ou ainda pela ocupação das fazendas

abandonadas, por pequenos produtores tanto os que já moravam na região,

quanto os que vinham chegando de outras áreas do Nordeste. Quanto às

terras da União, foram sendo ocupadas principalmente nas décadas de 1940 e

1950, por contingentes de nordestinos que, impelidos pela seca e pela crise da

plantation açucareira no Nordeste, passam a adentrar o Maranhão no final da

década de 20, ocupando inicialmente a região do Itapecuru, seguida daquelas

do Mearim e Pindaré-Mirim. (ANDRADE, 1968).

Martins, (2000, p.5-39) ao fazer uma descrição sociológica daquela

região, demonstra que esse contingente populacional, formado principalmente

por ex-escravos e por famílias em deslocamento, oriundas principalmente do

Ceará e Piauí, adentraram a região, passando a ocupar as terras públicas,

dedicando-se à agricultura e à coleta de coco, praticada livremente no período

entre 1920 a 1950, ou seja, o relativo a uma frente de expansão, é

caracterizada justamente pelo “uso privado das terras devolutas em que estas

3 Vale ressaltar que em muitos casos, o que se está chamando de “doação”, na realidade foram situações em que os escravos trabalharam para pagar as dívidas de seus senhores em épocas de crise financeira desses grandes produtores.

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não assumem a equivalência de mercadoria. Por isso a figura central da frente

de expansão é a do ocupante ou posseiro” (MARTINS, 1975, p.43-45).

O momento mais significativo na questão da posse e uso dessas terras

consideradas livres pelo Estado, se dá a partir da final do década de 1960, com

a promulgação da Lei de Terras do Estado, que considerava essas áreas de

fronteira agrícola como disponíveis, dando início a um violento processo de

mercantilização e grilagem dessas terras agora valorizadas principalmente pelo

investimento em infra-estrutura como estradas e eletrificação rural.

A Lei de Terras do Estado, lei nº 2.979/69, também denominada Lei

Sarney, reestrutura formalmente o mercado de terras, favorecendo os

interesses das grandes empresas que vieram implantar no estado projetos

agropecuários, madeireiros e de mineração.

Essa implantação de grandes e médios empreendimentos agropecuários

no Estado só foi possível, pela institucionalização do mercado de terras,

propiciado pela Lei Estadual de Terras. Dessa maneira, as fronteiras do

Maranhão se abrem para “homens de empresa”, segundo denominação dada

por José Sarney, e se fecham para os pequenos produtores (GONÇALVES,

2000, p.176). Nos anos seguintes à promulgação da Lei de terras, gesta-se no

estado, uma proposta de “construção de um futuro novo para o Maranhão”,

através da formulação de um documento chamado de I Programa de Governo

do Estado do Maranhão, que previa como fator de desenvolvimento o

investimento no chamado setor primário, entendido como sinônimo de

pecuarização.

A opção por investimentos no setor primário foi precedida por uma

polêmica quanto aos investimentos do Estado com vistas ao seu

desenvolvimento. De um lado, estavam os chamados industrialistas, que

apontavam como solução aplicar investimentos no setor industrial, por julgarem

o setor agrário como responsável pelo atraso do Estado. Do outro, estavam

aqueles que defendiam o setor primário como o grande motor de

desenvolvimento, via investimentos no setor agropecuário. (ALMEIDA &

MOURÂO; 1976) e (GONÇALVES; 2000). Nesse mesmo cenário, o modelo de

desenvolvimento adotado no Estado, toma por base os princípios da

denominada modernização agrícola, fundamentada nas atividades

agropecuárias, que no Brasil Segundo (JARA, 1998, p.71), atingem cerca de

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375 milhões de hectares, ou seja, 44% do território nacional, e no Maranhão,

368.191 estabelecimentos ocupando uma área de 12.560.639 hectares

(MESQUITA, 2000, p.66).

Por um lado, o governo entende a produção agropecuária como

responsável pelo desenvolvimento do setor primário, concedendo fartos

incentivos fiscais para os pecuaristas, o que provocou um acirramento das

tensões entre os pretensos proprietários e aqueles que se dedicavam à

atividade agrícola. Do lado oposto, as famílias dos pequenos agricultores se

vêem impedidas de implantar suas lavouras, pelo menos nas mesmas

condições em que produziam anteriormente, onde havia disponibilidade de

terras para trabalhar. Privatizadas essas terras, as áreas destinadas ao plantio

das famílias de pequenos agricultores vão sofrendo diminuições e a sua

utilização passa a ser através de arrendamento, o que provoca mudanças nas

práticas e nas estratégias de sobrevivência, como é o caso dos deslocamentos

para áreas de garimpo4, assim como das mobilizações em torno da luta pela

terra, principalmente na década de 80, culminando na desapropriação de várias

áreas para implantação dos chamados assentamentos rurais de reforma

agrária5, resultado de uma nova intervenção do Estado, diante dos sérios

conflitos de terra envolvendo trabalhadores rurais e pecuaristas.

3. A luta das quebradeiras pela libertação do coco preso e pela posse da terra.

A luta das quebradeiras de coco babaçu pela libertação do coco preso,

teve início no Estado do Maranhão na região do Médio Mearim, a partir do

impedimento por parte dos proprietários de terras da atividade de coleta e de

quebra do coco nas áreas cercadas pelos pecuaristas e ainda pela “derrubada”

das palmeiras de babaçu. A expressão coco preso é utilizada pelo Movimento

das Quebradeiras de Coco Babaçu - MIQCB, para designar o período de

cercamento das propriedades e das proibições, pelos pretensos donos, do

acesso aos babaçuais e, conseqüentemente, da livre coleta do coco babaçu.

4 cf. (MARTINS, 2000). 5 É uma categoria social que surgiu e se firmou nas últimas décadas, sendo no entanto, categoria datada e formulada pelo Estado. Andrade; (1992)

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No estado do Tocantins os conflitos sociais em torno da questão dos

babaçuais, deram-se principalmente na região do Bico do Papagaio, marcada

por confrontos entre fazendeiros e pequenos posseiros pelo controle da terra e

dos recursos naturais durantes as décadas de 1970, 1980 e 1990, acentuada

com a morte do Padre Josino em 1986, religioso católico que atuava naquela

região, cujo assassinato teve repercussão a nível internacional através dos

meios de comunicação.

Com esses acontecimentos as mulheres quebradeiras de coco do Bico

do papagaio tiveram oportunidade de travar conhecimento com outras

realidades e, a partir daí, passaram a desenvolver um processo contínuo de

formação e organização, segundo depoimento da Sra. Raimunda Gomes da

Silva dado ao pesquisador Miguel Henrique P. da Silva, que diz: “Aí logo em 1986, aí foi quando mataram o padre Josino e nós

tivemos a possibilidade de sair rodando no mundo,

denunciando, fazendo várias denuncias, cobrando os direitos

da gente em Brasília...”

Além da proibição da quebra do coco, outro fator que contribuiu para

esse processo de luta pela libertação do coco preso e da terra, foi à diminuição

das áreas destinadas à pequena agricultura, visto que a prioridade dos

fazendeiros era o plantio do capim, ocupando grandes extensões de terra.

Aliadas a esses fatores, as ameaças constantes e as práticas violentas de

impedimento do trabalho das mulheres fez com que essas iniciassem um

processo de reação, que gerou uma série de conflitos6, iniciados em função da

libertação do coco preso.

No relato que se segue, uma informante do Estado do Maranhão, que

participou ativamente da luta nos conta como tiveram início os conflitos:

P - Como teve início o conflito?

R - O conflito começou quando eles começaram a cortar as alças de nossos

jacás e derramar o coco juntado, ameaçar nós de peia, proibir a gente de fazer

o carvão, a gente não agüentava mais tanta humilhação. O coco era privado,

pior do que a própria terra, mulher ia quebrar coco a 6 km, o preço era deles, a

6 Para maior aprofundamento vide levantamentos de conflitos realizados pelo Ministério da Reforma e do desenvolvimento Agrário – MIRAD, Brasília:1986 e pela Sociedade de Direitos Humanos do Maranhão –1975)SMDDH. São Luís:1989.

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gente quebrava 15 kg de coco pra comprar um pacote de café. Ai nos

decidimos que ia quebrar o coco de qualquer jeito, com ou sem a permissão

deles.

Nesse depoimento observa-se, que a luta pelo acesso aos babaçuais,

antecede a própria luta pela terra. Isso porque, na lógica dessas mulheres o

coco é considerado um recurso natural que deve estar disponível ao usufruto

comum. Essa concepção é indicada pelo termo privado, que seria a antítese do

usufruto comum, ou seja, preso, contrário de solto. Segundo essas concepções

camponesas, o coco deveria ser liberto, visto que o extrativismo do babaçu é

um meio de vida. As mulheres entrevistadas são unânimes em afirmar que o

babaçu é quem sustenta suas famílias. Elas dizem: é o coco que garante nosso

sustento ou, ... quando nos estamos aperriada, é o coco que nos salva.

A principal fonte de renda monetária dessas famílias advém da venda da

amêndoa do coco, visto que somente parte dos produtos agrícolas oriundos de

suas lavouras é comercializada. O coco privado é uma categoria fundamental

nesse contexto. Ela move a luta dessas mulheres. É no sentido da libertação

do coco preso, que a luta se inicia, primeiro com as mulheres, seguida do apoio

dos homens. A situação de coco preso fere a lógica camponesa, visto que para

as famílias camponesas os recursos naturais não podem ser privatizados já

que não são mercadorias. Ao contrário, são valores de uso, bem como valores

de troca, de bem comum, que podem ser apropriados por quantos o

desejarem, ou quantos deles necessitem, via trabalho familiar.

O que está em jogo nessa categoria, é a sobrevivência da própria

família. A expressão coco privado remeteria a uma situação na qual o trabalho

dessas mulheres tem sido dificultado ou impedido, além de lhes impor uma

sobrecarga de trabalho. Percebe-se que essa privatização dificulta o trabalho

extrativo aumentando a penosidade do trabalho, pois serão obrigadas a

percorrer longas distâncias para coletar, gastando mais energia física para

garantir o sustento de suas famílias. Dessa maneira, a sobrevivência ficará

comprometida, pois, ao terem menos acesso a esse recurso vegetal

estratégico para a economia familiar, submeter-se-ão aos baixos preços

praticados pelos compradores dos produtos. A título de exemplo, cita-se a

comparação da quantidade de quilos de amêndoa (15 kg) necessária para

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comprar um pacote de café. Essa quantidade corresponde em média a dois

dias e meio de trabalho de uma quebradeira de coco7.

Nesse período de impedimento de seu trabalho nas áreas de babaçuais,

podemos demarcar uma nova forma de agir daquelas mulheres, diferente das

representações como dependentes, pacientes, tímidas, mulheres do lar. Elas

saem da sua privacidade, do seu anonimato, para lutar pela sobrevivência da

família e ganham visibilidade. Durante todo o processo de luta, as mulheres

assumem papéis normalmente caracterizados como masculinos, como

participar de reuniões com autoridades e enfrentar pistoleiros. O que distingue

a situação das quebradeiras é que, neste caso, o móvel da luta é o seu espaço

de trabalho, é o recurso vegetal estratégico que coletam, dentro de uma divisão

sexual do trabalho vivida historicamente pelas famílias de pequenos

agricultores maranhenses.

Na seqüência da entrevista que virá a seguir, temos o relato da luta pela

terra que, segundo as informantes, seguiu-se à luta pelo que chamam de

libertação do coco, como já referido.

P - E quando começou a luta pela terra?

R - Foi logo em seguida. A gente não queria mais só ter direito de quebrar o

coco, a gente queria a terra pra plantar, aí nós decidimos, que queria a terra

também, a gente não queria só o coco não, a gente queria a terra também.

Essa é que é difícil porque elas consideram beneficiadas, e terra beneficiada

não pode.

Aqui se torna clara a distinção que a informante faz do seu ponto de

vista e daquele dos vários segmentos camponeses que é o de pensar a terra

mediatizada pelo trabalho familiar daquela dos aparelhos de Estado, que

consideram-na como mercadoria para fins de implantação da atividade

pecuária. Com o tempo, diz a informante, o trabalho familiar investido na terra,

essa voltaria ao seu estado de normalidade. Deste ponto de vista, o normal

seria a produção agrícola, a produção de alimentos, por meio do trabalho

familiar.

Em seqüência ao início da luta pelo livre acesso aos babaçuais, segundo

as entrevistadas, segue-se a luta pela posse da terra, visto que, para as

7 Em média uma quebradeira de coco quebra entre 6 a 8 quilos de coco por dia.

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famílias que se dedicavam às atividades agrícolas, o direito ao acesso aos

babaçuais, apenas, não era suficiente para resolver seus problemas. Essas

terras que estavam sendo devastadas pelos pecuaristas para plantarem capim

tornavam-se inadequadas ao estabelecimento das lavouras, sendo necessário

um longo período de trabalho na terra para que ela voltasse a produzir arroz,

feijão, mandioca e milho,nas quais são as principais culturas tradicionais.

A privatização e cercamento dos babaçuais e suas conseqüências,

significaram um despertar para aquelas mulheres, levando-as a acionar

estratégias coletivas de resistência para enfrentar a situação. As entrevistadas

relatam que iniciaram juntando-se para efetuar a quebra do coco a despeito da

proibição dos fazendeiros. Para isso, cortavam o arame das cercas e

adentravam nas fazendas para quebrar o coco no próprio cocal, para

transportar os cocos nos animais ou na cabeça até suas casas, onde também

realizavam (e ainda realizam) as atividades de quebra e beneficiamento do

babaçu.

Observa-se que a luta pelo acesso livre aos babaçuais ou pelo babaçu livre, palavra de ordem utilizada pelo movimento das quebradeiras de coco,

está intimamente ligada à defesa e preservação dos babaçuais, que representa

muito mais do que um simples meio de sobrevivência da família. Ao falar sobre

a importância da preservação dos babaçuais, estas, referem-se à palmeira

como uma mãe... “A palmeira é nossa mãe” , ....“Quem mata uma palmeira é

mesmo que ta matando uma mãe de família” . A relação aqui, não é apenas

uma relação econômica, é também uma relação simbólica, a palmeira é como

mãe que sustenta os filhos através da alimentação, da moradia, que está

presente em todos os momentos, e principalmente esta presente na hora da

necessidade, portanto, deve ser respeitada, não pode ser cortada, não pode

ficar presa, não pode morrer.

Considerações Finais:

A luta pela libertação do coco preso e pela posse da terra demarca a

história das quebradeiras de coco babaçu, no antes e no depois dos conflitos

em que estiveram envolvidas. Nesse contexto aparece à expressão “babaçu

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livre” que se tornou à bandeira de luta do Movimento assim como a logomarca

de alguns de seus produtos.

A partir desse contexto podemos apontar algumas pistas acerca da

identidade do grupo em questão, integrado por protagonistas de uma história

de luta em favor da defesa dos recursos naturais. Como essas protagonistas

são mulheres, nos vimos diante da chamada questão de gênero, de um modo

muito concreto. Foram essas mulheres que assumiram a luta pelos babaçuais;

quem adotaram a luta pela terra e são elas que estão levantando a bandeira da

agricultura orgânica. Ao reclamarem a condição de quebradeiras de coco e ao

elegerem a bandeira babaçu livre como instrumento de luta, colocam-se como

legítimas defensoras do meio ambiente.

Pode-se inferir que todas essas indicações de mobilização de mulheres

em torno de atividades econômicas, mas que são também atividades políticas,

apontam para novos papéis que essas agricultoras assumem junto ao grupo

familiar, junto ao povoado, junto ao município, enfim, ampliando cada vez mais

a rede de atores com os quais passam a estar envolvida. Também têm

contribuído para o avanço do nível das organizações coletivas para a produção

das mulheres, denominadas quebradeiras de coco babaçu, atualmente

presentes em associações de mulheres, cooperativas de pequenos produtores

rurais, associações comunitárias, e grupos de estudos do babaçu.

Concluímos, sugerindo que a situação analisada é caracterizada,

sobretudo, pelas posições sociais que estes atores e atrizes sociais passam a

ocupar nas instituições sociais, a partir de determinado momento histórico, em

que se vêem pressionados, atacados em seus meios de sobrevivência. A

identidade coletiva é construída nesse momento, e os sinais diacríticos dizem

respeito justamente ao que é essencial às mulheres – sua atividade econômica

principal – e que lhes está sendo usurpada. A identidade das quebradeiras é

relacional – emerge da relação com seus antagonistas.

Identidade e estratégias de organização e autodefesa acionadas pelas Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu.

Nesse processo de luta em que estão envolvidos os pequenos

agricultores daquela região, aquelas famílias têm desenvolvido estratégias de

organização e mobilização para a autodefesa seja na defesa da preservação

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dos babaçuais, seja na mobilização pelo direito ao uso e posse da terra, ou do

direito ao acesso livre às áreas de ocorrência dos babaçuais, tendo em vista a

garantia da manutenção e reprodução das suas unidades produtivas,.

Dentre essas estratégias, destacamos duas categorias de fundamental

importância nesse processo de organização e mobilização política das

mulheres quebradeiras de coco babaçu, são elas: a categoria quebradeira de

coco babaçu e a categoria babaçu livre.

A quebradeira de coco babaçu é uma categoria “de afirmação de uma

existência coletiva, enquanto unidades de mobilização” que tem como

característica básica: a mobilização em torno da terra, do livre acesso e da

preservação dos babaçuais e da relevância do trabalho feminino na unidade

doméstica, tendo no trabalho extrativo do babaçu, o seu principal meio de vida

(ALMEIDA, 1995, p.13).

Em termos de mobilização, essa categoria funciona como instrumento

de legitimação de uma identidade coletiva, para fazer frente à violação de um

direito básico desse segmento que é o acesso aos babaçuais. Nesse cenário,

as quebradeiras de coco vão incluindo, no diálogo que passam a manter com

estruturas de mediação, com partidos políticos, com autoridades

governamentais, elementos que são intrínsecos as suas luta, tais como:

ambientalismo, questão de gênero e etnia, que legitimam sua luta e reforçam a

afirmação de sua identidade, que emerge como estratégia que lhes permite

“reposicionarem-se política e economicamente face à ação governamental e

aos circuitos de mercado” (ALMEIDA, op. Cit. 1995, P.14).

O termo quebradeira de coco assume, então, o caráter de identidade

coletiva, na medida em que as mulheres que sobrevivem dessa atividade e

reconhecem sua posição e condição desvalorizada pela lógica da dominação,

se organizam em movimentos de resistência e de luta pela conquista da terra,

pela libertação dos babaçuais, pela autonomia do processo produtivos. Passam

a atribuir significados ao seu trabalho e as suas experiências, tendo como

principal referência sua condição preexistente de acesso e uso dos recursos

naturais. Segundo (ALMEIDA, op.Cit. 1995, p.19) a quebradeira de coco já foi

naturalizada como parte da paisagem. Os pintores pintavam a paisagem

maranhense com uma mulher sentada debaixo de uma palmeira, quebrando

coco, como se pertencessem ao mundo da natureza. À medida que essas

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mulheres se transformam em sujeito político coletivo, recusam serem

consideradas partes do mundo natural e se inserem em uma rede de relações

que envolvem diferentes atores sociais pertencentes a órgãos oficiais, a

ONG´s, a organismos financeiros multilaterais.

Nessa perspectiva, as quebradeiras de coco desse povoados,

juntamente com outras quebradeiras de outras regiões e de outros Estados

circunvizinhos, iniciaram um processo de luta em defesa dos babaçuais, que

culminou com a criação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco

Babaçu – MIQCB8.

Dentre as principais conquistas conseguidas a partir desse processo,

destacam-se as seguintes:

a) afirmação da identidade individual dessa mulher que inverte sua

condição negativa (o ser quebradeira era vergonhoso pois era uma condição

dos mais despossuídos) e a transforma em positiva. O estigma é invertido,

como no caso dos negros: “black is bealtiful”. Em vários momentos as mulheres

nos chamam atenção para o fato de que antes sentiam vergonha e agora não

mais. Ser quebradeira é um trabalho tão merecedor de respeito como qualquer

outro.

b) A construção de uma identidade coletiva que surge no bojo da luta,

dos conflitos e das mobilizações em torno do direito à propriedade da terra, do

livre acesso aos babaçuais, da preservação do meio ambiente e da importância

do trabalho da mulher.

c) A criação de várias leis municipais denominadas leis do babaçu livre,

que asseguram o livre acesso e o uso comum por parte das famílias que

sobrevivem das atividades ligadas a essa atividade extrativa; proibição do uso

predatório e da derrubada e queimada de palmeiras; proibição do uso de

agrotóxicos.

A quebradeira de coco se afirma por uma identidade sociocultural e

profissional específica9, caracterizada principalmente pela sua relação com o

8 O MIQCB, vem atuando nos estados do Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará, desde o início da década de 90 junto a vários municípios destes estados onde há ocorrência de babaçuais. Para uma melhor compreensão sobre esse movimento de mobilização das quebradeiras de coco babaçu, vide, ALMEIDA (1995) 9 Uma das ações políticas do MIQCB, é a luta pelo reconhecimento da quebradeira de coco, enquanto categoria profissional. Cf. relatório de Avaliação Institucional do MIQCB de agosto de 2001.

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meio ambiente, particularmente com os babaçuais. A identidade é afirmada a

partir de uma concepção própria de natureza, de meio ambiente e de terra.

A identidade da quebradeira, se tomarmos como referência a concepção

das relações sociais de fundamento étnico em (WEBER 2000, p.267-277),

ganha novos significados no decorrer da luta pela libertação do chamado coco

preso. Este autor, desvincula o fenômeno étnico dos laços de sangue e define

a comunidade étnica a partir do sentimento de compartilhar uma característica

comum. O grupo étnico organiza, segundo o autor, sua identidade a partir

daquele elemento que está em perigo, como é o caso das mulheres citas que

untavam seu cabelo com manteiga, que logo exalava um cheiro rançoso,

impossibilitando a aproximação social com as helenas que untavam seus

cabelos com óleo perfumado. No caso das quebradeiras de coco, o elemento

em jogo, é essa atividade econômica fundamental, que garante sua reprodução

familiar.

Ainda segundo (WEBER, op.cit), as relações sociais de caráter étnico

têm fins políticos, sendo, portanto, uma construção social e não algo

naturalmente dado. Assim definido, as quebradeiras de coco, enquanto um

grupo étnico organizam-se, em decorrência de mobilização política, acionada

no processo de luta e, depois, de comunicação com os poderes instituídos.

Castells (2000, p.22-28) nos diz que a construção social da identidade

sempre ocorre em um contexto marcado por relações de poder, assumindo

distintas formas: a identidade legitimadora de uma situação de dominação; a

identidade de resistência por parte dos atores que se encontram em

posições/condições desvalorizadas; e a identidade de projeto, que é quando os

atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu

alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na

sociedade.

Se nos basearmos nessa idéia de Castells, no contexto específico da

situação social abordada, o que temos é a identidade de resistência e a

(re)construção de uma identidade de projeto coletivo, - anteriormente

estigmatizada pela inferioridade, e/ou negatividade-, marcada agora pela

construção de uma identidade política, que vem sendo reconhecida pelos

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aparelhos de poder10, que “emprestam significado político a uma categoria

historicamente de uso cotidiano”, cf. (ALMEIDA, op. Cit. 1995, p.19). Ou seja,

estamos diante da passagem de uma existência atomizada, onde a

quebradeira aparece nas gravuras e pinturas, como se fizesse parte da

paisagem natural, para uma existência coletiva, que seria o advento do

indivíduo ciente de seus direitos políticos e agrupado segundo novas

identidades. Conforme esse autor, a quebradeira se “desnaturalizou”, saiu do

quadro, saiu da gravura, para sentar-se à mesa com as autoridades que não

têm mais como fingir que elas não existem. Nesse contexto, a quebradeira de

coco apresenta-se como atriz social com possibilidade estratégica de

intervenção em políticas públicas, particularmente aquelas direcionadas ao

acesso à infra-estrutura básica, à terra, e à aprovação da Lei do babaçu livre.

Tendo ainda como base o critério político-organizativo, essa categoria é

sempre acionada na defesa e manutenção do seu território, que diz respeito

não apenas à área geográfica ocupada pelo núcleo de moradia e de trabalho

dessas famílias, mas particularmente às áreas de babaçuais. Assim, o território

das quebradeiras de coco transcende os limites geográficos da região

delimitada a partir de uma dimensão espacial, descrita a partir de seus

aspectos físicos e demográficos. Vale lembrar, inclusive, que o MIQCB se

movimenta num espaço mais amplo do que aquele definido como Amazônia

Legal, já que o Estado do Piauí fica fora dessa divisão político-administrativa.

As divisões político administrativas promovem descontinuidades em um todo

contínuo, qual seja a extensão dessa formação florestal específica que são os

babaçuais. O Movimento existe onde existem palmeiras, estejam elas dentro

ou fora das classificações político-administrativas.

Sendo os babaçuais, onde quer que se encontrem, os locais onde se

objetiva o território das quebradeiras, nessa situação, a noção de território

torna-se muito mais complexa, visto que na maioria das vezes as atividades

realizadas por essas mulheres são realizadas em áreas privadas, já que,

segundo o Código Civil Brasileiro, a propriedade da terra é algo absoluto.

Segundo SHIRAISHI NETO (2000, p.47), nem o Direito Civil nem o Direito 10 Em nível Federal, foi criado o Grupo de Trabalho Babaçu, instituído em março de 1999 através da Lei nº 9649 de 29 de maio de 1998, revalidada em 2 de abril de 2001, pela medida provisória de nº 2143/30, sendo compostas por representantes do Ministério do Meio Ambiente, do MIQCB e por outras organizações da sociedade civil, sendo este um espaço de discussão política

Page 15: A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

Agrário brasileiro e suas específicas legislações, atendem às necessidades dos

segmentos de trabalhadores extrativistas, para quem as árvores são recursos

mais importantes e estratégicos à reprodução social desses grupos que o

próprio solo.

Quando, a condição de quebradeira é ameaçada outros domínios de sua

existência social também o são. O território das quebradeiras nessa situação

fica ameaçado, e quando isto acontece, sua própria sobrevivência, suas

representações sociais e simbólicas, é colocada em risco. Daí sua necessidade

constante da luta pela libertação dos babaçuais.

Outra categoria utilizada pelo Movimento é a do babaçu livre, que

emerge no bojo dessas lutas pela libertação dos babaçuais e começa a ser

utilizada pelas quebradeiras de coco, desde 1991, ano em que foi realizado o I

Encontro Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, e diz respeito a

necessidade de acesso livre e de uso comum das áreas de ocorrências de

babaçuais. Tornar os babaçuais livres, ganha força e termina por se

transformar em lema do Movimento.

O termo uso comum11 é entendido pelos informantes como aquele local

onde qualquer quebradeira possa ter acesso livre para trabalhar na atividade

extrativa do babaçu, mesmo em áreas consideradas privadas. As palmeiras do

babaçu representam o elemento de uso comum, sendo estas, o seu bem

principal, ou seja, as árvores são mais importantes do que a própria terra, do

que o solo.

Praticamente todas as mulheres que vivem nas áreas de ocorrência de

babaçuais, quebram coco para fazer face aos gastos cotidianos com gêneros

alimentícios como açúcar, café, sal, macarrão, dentre outros, como querosene,

velas, remédios.

11 ANDRADE (1996), em seus estudo sobre o grupo que mora e cultiva na chamada Terra dos Índios, em Viana, analisa a categoria nativa comum em vários de seus aspectos, conforme acionada por seus entrevistados no momento da luta contra a grilagem de seus território. A partir dos depoimentos de seus informantes, tenta desvendar a jurisprudência camponesa, que distinguiria o que seria passível de apropriação individual e o que, segundo as regras do grupo, seria interditado à apropriação privada. As terras de uso comum representariam, então, para a autora, a articulação de sistemas de apropriação familiar e de usufruto comum nao apenas do solo, mas de outros recursos da natureza.

Page 16: A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

No entanto, a maioria das famílias extrai o babaçu12, ainda trabalham

em áreas que não lhes pertencem, sob a condição de ocupantes, posseiros,

parceiros, arrendatários, conforme classificação adotada pelo Censo (IBGE),

sendo a aprovação da lei de livre acesso ao babaçu, o elemento que pode

eliminar ou diminuir a violência simbólica e econômica13 a que essas mulheres

estão submetidas.

Alguns autores14 têm realizado esforço no sentido de inventariar e

descrever as formas de acesso e uso comum dos recursos naturais, por

segmentos de trabalhadores extrativistas na Amazônia, com destaque para as

condições de “ocupação” e “posse”, dominantes na atividade extrativa na

Amazônia

No plano legal, algumas iniciativas, ainda que incipientes, já foram

tomadas, no sentido de garantir o acesso livre aos babaçuais15. Na

Constituição Estadual do Maranhão, a exploração dos babaçuais em regime de

economia familiar e comunitária é assegurada nas terras públicas e devolutas.

Nos Municípios de Lago do Junco, Esperantinópolis, Lago dos Rodrigues, e

São Luís Gonzaga, localizados na região do Médio Mearim, existem leis

municipais que asseguram o livre acesso e uso comum às palmeiras de

babaçu, em áreas publicas e privadas.

No plano político-organizativo, as noções subjacentes à expressão que

se tornou o lema do Movimento - babaçu livre – têm lugar central no sistema de

representações16 sobre os recursos naturais. È um termo utilizado pelas

mulheres como instrumento de luta e de mobilização, bem como de

identificação, como é o caso dos sabonetes produzidos pelas mulheres da

12 Estima-se que nos 30 municípios maranhenses de maior ocorrência de babaçuais, no Maranhão, existem em média 135.120 mulheres envolvidas na atividade extrativa do babaçu, e cerca de 300 mil mulheres envolvidas no extrativismo do coco babaçu, nos estados do Piauí, Maranhão, Tocantins e Pará. Cf. MESQUITA. 2000:87 13 As mulheres são acusadas de invadirem propriedades privadas, roubarem coco babaçu, e no sentido econômico, ainda são obrigadas a pagar foro ou meia, mesmo naqueles municípios aonde já foi aprovado a lei do babaçu livre. 14 Dentre eles, citamos Shiraishi Neto, (2000, p. 44-51) 15 Cf. Shiraishi Neto, op. Cit. a preocupação em garantir o uso das palmeiras de babaçu ocorreu em diversos momentos na história do Maranhão, como o Decreto-lei nº 573, de 4 de fevereiro de 1942...Ou o mesmo projeto de Lei apresentado à Assembléia Legislativa do Maranhão em 1962. 16 Quando utilizo o conceito de representação, estou referida à literatura clássica: DURKHEIM, E & MAUSS, M (.1970 p 15-47 –No âmbito da antropologia, poderíamos também pensar nos termos de L. Strauss, quando trabalha, em O Pensamento Selvagem, as formas de classificação dos recursos da natureza.

Page 17: A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais - AMTR em Lago do Junco, que

trazem no rótulo o título de babaçu livre. No depoimento abaixo, as

representações sobre o babaçu percebido e vivido como recurso que deve

estar disponível ao usufruto coletivo, estão pautadas no entendimento de que

os babaçuais são resultados da criação da natureza e não do trabalho humano.

“...o babaçu não pode ter dono, ninguém plantou nenhuma palmeira de babaçu, nenhum fazendeiro plantou e nem cuidou de nenhuma palmeira, elas nascem porque Deus quer, foi Deus que fez nascer as palmeira...o babaçu tem quer ser livre pra quem precisar fazer uso dele”.

Neste caso, o argumento das quebradeiras de coco é o de que ninguém

plantou os babaçuais, ninguém cuidou deles, portanto, nesse sentido os

babaçuais são pensados como devendo ser explorados livremente,

independentes do consentimento de terceiros.

É no reconhecimento do direito básico do acesso ao trabalho como

garantia de sobrevivência, tendo nas palmeiras dos babaçuais os recursos

básicos para realização de suas atividades, que as mulheres recorrem à

categoria quebradeira de coco e babaçu livre.

“ A expressão “babaçu-livre” tornada bandeira de luta do movimento das quebradeiras, compreende a garantia do pleno acesso das trabalhadoras extrativas aos babaçuais, sem quaisquer interdições. Separa a propriedade do imóvel rural do uso da floresta de babaçu nele incidente”. (ALMEIDA op. Cit, p.12)

O autor chama a atenção para o fato de que os órgãos oficiais trabalham

com a idéia de imóvel e de propriedade, enquanto as trabalhadoras operam

com noções pertinentes aos recursos vegetais que incidem sobre esses

solos. Desse ponto de vista, o que está em jogo não é uma questão

patrimonial de domínio17, mas uma questão de usufruto comum da cobertura

florestal.

17 Para um aprofundamento sobre a questão do dominium (propriedade para o direito romano, que é o que ficou na nossa legislação, leia-se: MOURA, (1984).

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O babaçu livre, também se apresenta como uma nova concepção de

direito, em contraposição ao direito civil e agrário, conforme nos chama

atenção (SHIRAISHI NETO, 2002).

“ O babaçu livre representa, então, uma figura essencial de uma “nova concepção” de direito em oposição ao Direito civil, que privilegia a propriedade privada, como também ao Direito agrário, que impôs o caráter social da terra e não estendeu à cobertura vegetal”. (grifos da autora)

Dentro dessa perspectiva, os instrumentos de luta das quebradeiras

descritos, apresentam-se como fator de identificação, de mobilização, de

defesa e de resistência.

Considerações Finais:

A luta pela libertação do coco preso e pela posse da terra demarca a

história das quebradeiras de coco babaçu, no antes e no depois dos conflitos

em que estiveram envolvidas. Nesse contexto aparece à expressão “babaçu

livre” que se tornou à bandeira de luta do Movimento assim como a logomarca

de alguns de seus produtos.

A partir desse contexto podemos apontar algumas pistas acerca da

identidade do grupo em questão, integrado por protagonistas de uma história

de luta em favor da defesa dos recursos naturais. Como essas protagonistas

são mulheres, nos vimos diante da chamada questão de gênero, de um modo

muito concreto. Foram essas mulheres que assumiram a luta pelos babaçuais;

quem adotaram a luta pela terra e são elas que estão levantando a bandeira da

agricultura orgânica. Ao reclamarem a condição de quebradeiras de coco e ao

elegerem a bandeira babaçu livre como instrumento de luta, colocam-se como

legítimas defensoras do meio ambiente.

Page 19: A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

Pode-se inferir que todas essas indicações de mobilização de mulheres

em torno de atividades econômicas, mas que são também atividades políticas,

apontam para novos papéis que essas agricultoras assumem junto ao grupo

familiar, junto ao povoado, junto ao município, enfim, ampliando cada vez mais

a rede de atores com os quais passam a estar envolvida. Também têm

contribuído para o avanço do nível das organizações coletivas para a produção

das mulheres, denominadas quebradeiras de coco babaçu, atualmente

presentes em associações de mulheres, cooperativas de pequenos produtores

rurais, associações comunitárias, e grupos de estudos do babaçu.

Concluímos, sugerindo que a situação analisada é caracterizada,

sobretudo, pelas posições sociais que estes atores e atrizes sociais passam a

ocupar nas instituições sociais, a partir de determinado momento histórico, em

que se vêem pressionados, atacados em seus meios de sobrevivência. A

identidade coletiva é construída nesse momento, e os sinais diacríticos dizem

respeito justamente ao que é essencial às mulheres – sua atividade econômica

principal – e que lhes está sendo usurpada. A identidade das quebradeiras é

relacional – emerge da relação com seus antagonistas.

Page 20: A Luta Das Quebradeiras de Coco Babacu

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