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A SANDRA HARDING instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista 1. Minhas idéias sobre es- sas questões valeram-se dos comentários de Margaret Andersen e de pareceristas anônimos de Signs: Journal of Women In Culture and Soclety, bem como se beneficiaram com as discussões trava- das nos últimos anos com várias estudiosas da ciên- cia mencionadas neste ar- tigo. Agradeço ao apoio recebido por parte da Natlonal Science Founda- tion para esta pesquisa e para o projeto mais amplo que ela Integra; agradeço Igualmente a uma Mina Shaughnessy Fellowship concedida pelo Fund for lhe improvement of Post- Secondary Education, da University of Delaware Faculty Research Grants e a uma Mellon Fellowshlp do Wesley Center for Research on Women. Infor- mações sobre o projeto maior se encontram em Harding (1986). O esforço inicial da teoria feminista foi o de estender e reinterpretar as categorias de diversos discursos teóricos de modo a tornar as atividades e relações sociais das mulheres analiticamente visíveis no ãmbito das diferentes tradições intelectuais'. Se a natureza e as atividades das mulheres são tão so- ciais quanto as dos homens, nossos discursos teóricos deveriam ser capazes de revelar nossas vidas com tanta clareza e detalhe quanto supomos que as abordagens tradicionais revelem as vidas dos ho- mens. Acreditávamos, então, que nos seria possível tornar objetivas ou exatas as categorias e conceitos das abordagens tradicionais, onde elas ainda não o fossem. Essas tentativas nos fizeram entender que nem as atividades das mulheres, nem as relações de gê- nero (dentro dos gêneros e entre os gêneros) podem ser simplesmente acrescentadas aos discursos sem distorcê-los e sem deturpar nossos próprios temas. O problema não é simples, pois a teoria política li- beral e sua epistemologia empirista, o marxismo, a teoria crítica, a psicanálise, o funcionalismo, o estru- turalismo, o desconstrutivismo, a hermenêutica e Publicado originalmente com o titulo The Instability of the Analytical Categories of Feminist Theory em Signs, Journal of Women in Culture and Society, vol. II, n 2 4, Summer, 1986, pp. 645-664. A publicação deste texto em português foi autoriza- da graciosamente pela autora e pela editora da University of Chicago Press. Seu original em inglês, intitulado The Instability of the Analytical Categories of Feminist Theory, saiu na revista Signs, volume II, n 2 4. P.P. 7 a 31 ESTUDOS FEMINISTAS 7 N. 1/93

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A

SANDRA HARDING

instabilidade dascategoriasanalíticas nateoria feminista

1. Minhas idéias sobre es-sas questões valeram-sedos comentários deMargaret Andersen e depareceristas anônimos deSigns: Journal of Women InCulture and Soclety, bemcomo se beneficiaramcom as discussões trava-das nos últimos anos comvárias estudiosas da ciên-cia mencionadas neste ar-tigo. Agradeço ao apoiorecebido por parte daNatlonal Science Founda-tion para esta pesquisa epara o projeto mais amploque ela Integra; agradeçoIgualmente a uma MinaShaughnessy Fellowshipconcedida pelo Fund forlhe improvement of Post-Secondary Education, daUniversity of DelawareFaculty Research Grants ea uma Mellon Fellowshlpdo Wesley Center forResearch on Women. Infor-mações sobre o projetomaior se encontram emHarding (1986).

O esforço inicial da teoria feminista foi o deestender e reinterpretar as categorias de diversosdiscursos teóricos de modo a tornar as atividades erelações sociais das mulheres analiticamente visíveisno ãmbito das diferentes tradições intelectuais'. Se anatureza e as atividades das mulheres são tão so-ciais quanto as dos homens, nossos discursos teóricosdeveriam ser capazes de revelar nossas vidas comtanta clareza e detalhe quanto supomos que asabordagens tradicionais revelem as vidas dos ho-mens. Acreditávamos, então, que nos seria possíveltornar objetivas ou exatas as categorias e conceitosdas abordagens tradicionais, onde elas ainda não ofossem.

Essas tentativas nos fizeram entender que nemas atividades das mulheres, nem as relações de gê-nero (dentro dos gêneros e entre os gêneros) podemser simplesmente acrescentadas aos discursos semdistorcê-los e sem deturpar nossos próprios temas.O problema não é simples, pois a teoria política li-beral e sua epistemologia empirista, o marxismo, ateoria crítica, a psicanálise, o funcionalismo, o estru-turalismo, o desconstrutivismo, a hermenêutica e

Publicado originalmente com o titulo TheInstability of the Analytical Categories of Feminist Theoryem Signs, Journal of Women in Culture and Society, vol.II, n2 4, Summer, 1986, pp. 645-664.

A publicação deste texto em português foi autoriza-da graciosamente pela autora e pela editora da Universityof Chicago Press. Seu original em inglês, intitulado TheInstability of the Analytical Categories of Feminist Theory,saiu na revista Signs, volume II, n 2 4.

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outros modelos teóricos aos quais recorremos, aomesmo tempo se aplicam e não se aplicam às mu-lheres e às relações de gênero. Por um lado, é possí-vel usar de certos aspectos ou elementos de cadaum desses discursos para esclarecer nossos temas.Pudemos, assim, estender os limites propostos pelasteorias, reinterpretar suas afirmações centrais outomar emprestados conceitos e categorias paratornar visíveis as vidas das mulheres e a visão feminis-ta das relações de gênero. No entanto, na melhordas hipóteses após todo esse esforço, não é raroque as teorias acabem por perder qualquer seme-lhança com as intenções originais de seusformuladores e adeptos não-feministas, (e isso namelhor das hipóteses). Basta lembrar os usos criati-vos que as feministas fizeram de conceitos e catego-rias do marxismo ou da psicanálise, ou na subversãode tendências fundamentais do marxismo e dofreudismo imposta pela releitura feminista. Certa-mente, não foram propriamente as experiências dasmulheres que fundamentaram qualquer das teoriasa que recorremos. Não foram essas experiências quegeraram os problemas que as teorias procuram re-solver, nem serviram elas de base para testar a ade-quação dessas teorias. Quando começamos apesquisar as experiências femininas em lugar dasmasculinas, logo nos deparamos com fenômenos -tais como a relação emocional com o trabalho ouos aspectos "relacionais" positivos da estrutura dapersonalidade -, cuja visibilidade fica obscurecidanas categorias e conceitos teóricos tradicionais. Oreconhecimento desses fenômenos abafa a legitimi-dade das estruturas analíticas centrais das teorias,levando-nos a indagar se também nós não estaría-mos 'distorcendo a análise das vidas de mulheres ehomens com as extensões e reinterpretações quefizemos. Além disso, o próprio fato de nos utilizarmosdessas teorias traz, muitas vezes, a lamentável con-seqüência de desviar nossas energias parainfindáveis polêmicas com suas defensoras não-fe-ministas: acabamos por dialogar não com outrasmulheres, mas com patriarcas.

Uma vez entendido o caráter arrasadoramen-te mítico do "homem" universal e essencial que foisujeito e objeto paradigmáticos das teorias não-feministas, começamos a duvidar da utilidade deuma análise que toma como sujeito ou objeto umamulher universal - como agente ou como matéria dopensamento. Tudo aquilo que tínhamos consideradoútil, a partir da experiência social de mulheres bran-cas, ocidentais, burguesas e heterossexuais, acaba

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por nos parecer particularmente suspeito, assim quecomeçamos a analisar a experiência de qualqueroutro tipo de mulher. As teorias patriarcais que pro-curamos estender e reinterpretar não foram criadaspara explicar a experiência dos homens em geral,mas tão-somente a experiência de homens heteros-sexuais, brancos, burgueses e ocidentais. As feminis-tas teóricas também procedem dessas mesmas ca-madas sociais- não por conspiração, mas em virtudedo padrão histórico que faz com que apenas indiví-duos a elas pertencentes disponham de tempo erecursos para fazer teoria e que unicamente mulhe-res dessa origem social possam se fazer ouvir. Nabusca de teorias que formulem a única e verdadeiraversão feminista da história da experiência humana,o feminismo se arrisca a reproduzir, na teoria e naprática poiltica, a tendência das explicações patri-arcais para policiar o pensamento, presumindo quesomente os problemas de algumas mulheres são pro-blemas humanos, e que apenas são racionais as so-luções desses problemas. O feminismo tem tido umimportante papel na demonstração de que não háe nunca houve "homens" genéricos - existem ape-nas homens e mulheres classificados em gêneros.Uma vez que se tenha dissolvido a idéia de um ho-mem essencial e universal, também desaparece aidéia de sua companheira oculta, a mulher. Ao Invésdisso, temos uma infinidade de mulheres que vivemem intrincados complexos históricos de classe, raçae cultura.

Este artigo discute alguns desafios que se colo-cam, nesse momento da história, ao processo deconstrução de teorias e, em particular, à elabora-ção de teorias feministas. Cada desafio relaciona-secom o uso ativo da teoria para nossa própria trans-formação e a das relações sociais, na medida emque nós, como agentes, e nossas teorias, como con-cepções de reconstrução social, estamos em trans-formação. Examinemos, por exemplo, o modo comofocalizamos análises sexistas inadequadas, ou asformulações feministas iniciais, e a maneira comodemonstramos suas insuficiências - muitas vezes combastante brilho e eloqüência. Ao fazê-lo, argumen-tamos com base nos pressupostos de algum outrodiscurso que o feminismo adotou ou inventou. Essespressupostos sempre incluem a crença de que, emprincípio, podemos construir ou atingir uma concep-ção a partir' da qual a natureza e a vida social po-dem ser vistas como realmente são. Afinal de con-tas, nossa argumentação é a de que as análises se-xistas (ou as formulações feministas iniciais) estão

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2 Veja-se, por exemplo,Maria C, Lugones e Eliza-beth V. Spelman (1983, pp.573-82); muitos artigos se-lecionados em Marks e deCourtivron (1981); JaneFlax (1986); Dora Haraway(1983. pp. 65-107).

erradas, são inadequadas ou distorcidas - não dize-mos que elas equivalem às nossas críticas em funda-mentação científica ou racionalidade .

Contudo, também dizemos, às vezes, que aprópria teorização é, em si mesma, perigosamentepatriarcal, porque presume a separação entreaquele que conhece e aquilo que é conhecido, en-tre sujeito e objeto, e supõe a possibilidade de umavisão eficaz, exata e transcendente, pela qual anatureza e a vida social tomam a perspectiva quenos parece correta. Tememos reproduzir o que nosparece ser uma associação patriarcal entre saber epoder, em detrimento das mulheres cujas expe-riências ainda não foram inteiramente expressas nateoria feminista'. Vem crescendo nossa capacidadede descobrir androcentrismo nas análises tradicio-nais de modo a encontrá-lo no conteúdo das afir-mações científicas ou nas próprias formas e objeti-vos do processo usual de produção de conhecimen-to. A voz que formula essa proposta é, ela mesma,arquimedianamente rigorosa; fala a partir de umplano tão "superior" que os seguidores deArquimedes na vida intelectual contemporânea sõoouvidos apenas porque fazem parte do fluxoirresistível e mal compreendido da história humana.Isso é verdadeiro até mesmo quando a voz demarcasua especificidade histórica, seu caráter feminino.Tal tipo de pós-modernismo - uma espécie derelativismo absoluto -, quando impensado, assumeuma postura definitiva ainda mais alienada e distan-te das necessidades políticas e intelectuais que ori-entam o dia-a-dia de nossos pensamentos e práticassociais. Em resposta, nos perguntamos como é possí-vel não querer proclamar a realidade das coisasdiante dos nossos "dominadores" e de nós mesmas,expressando assim nossa oposição aos silêncios ementiras emanados dos discursos patriarcais e denossa consciência domesticada. Há, por outro lado,fortes razões para acolher a suspeita feminista pós-moderna quanto à relação entre as definições ad-mitidas da "realidade" e o poder socialmente legiti-mado.

Como poderemos, então, construir uma teoriafeminista adequada, ou mesmo diversas teorias,pós-modernas ou não'? Onde iremos encontrar con-ceitos e categorias analíticas livres das deficiênciaspatriarcais? Quais serão os termos apropriados paradar conta do que fica ausente, invisível, emudecido,que não somente reproduzam, como uma imagemde espelho, as categorias e projetos que mistificame distorcem os discursos dominantes? Mais uma vez,

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3. Ver Thomas S. Khun(1970). "Ciência normal"foi o termo usado por Khunpara fazer referência auma "ciência madura", naqual os pressupostos con-ceituais e metodológicossão compartilhados pelospesquisadores do campo.

4. E talvez sempre tenhaestado. Mas a emergênciado "patriarcado de Esta-do", saído do "patriarca-do do marido" da primeirametade deste século, a li-bertação dos povos ne-gros do Jugo colonialista eas mudanças em curso nocapitalismo Internacional,tudo Isso garante que esteseja, de qualquer modo,um momento de exuberan-te transformação. Ver AnnFergunson (1981, pp 158-99). para uma discussãosobre as mudanças nas for-mas de patriarcado.

há dois modos de encarar essa situação. Por umlado, podemos usar a força da razão e da vontade,modeladas pelas lutas políticas, para reunir o quevemos diante de nossos olhos na vida e na históriacontemporãneas numa Imagem conceituai clara ecoerente, usando parte de um discurso aqui, outroali, improvisando de modo criativo e inspirado, erevendo assiduamente nossos esquemas teóricosenquanto continuamos a descobrir outros androcen-trismos nos conceitos e categorias que viemos utili-zando. Poderemos, então, voltar nossas atençõespara a instabilidade das categorias analíticas e afalta de um esquema permanente de construçãodas explicações.(Afinal, precisa haver algum pro-gresso na direção de um discurso "normal" em nos-sas explicações, se quisermos criar uma orientaçãocoerente para o conhecimento e a ação.) Por outrolado, é possível aprender a aceitar a instabilidadedas categorias analíticas, encontrar nelas a deseja-da reflexão teórica sobre determinados aspectos darealidade política em que vivemos e pensamos, usaras próprias instabilidades como recurso de pensa-mento e prática. Nõo há "ciência normal" para nós!'Recomendo aceitar esta mesma solução, apesar dese tratar de uma meta incômoda, pelas razões quese seguem.

A vida social que é nosso objeto de estudo,dentro da qual se formam e se testam nossas cate-gorias analíticas, está em fervilhante transforma-ção4. A razão, a força de vontade, a revisão dosdados, até mesmo a luta política, em nada poderáreduzir o ritmo das mudanças de uma maneira queencha de júbilo nossos feminismos. Não passa dedelírio imaginar que o feminismo chegue a uma teo-ria perfeita, a um paradigma de "ciência normal"com pressupostos conceituais e metodológicosaceitos por todas as correntes. As categorias analíti-cas feministas devem ser instáveis - teorias coerentese consistentes em um mundo instável e incoerentesão obstáculos tanto ao conhecimento quanto àspráticas sociais.

Precisamos aprender a ver nossos projetos teó-ricos como acordes claros que se repetem entre oscompassos das teorias patriarcais, e não comoreleituras dos temas de quaisquer delas - marxismo,psicanálise, empirismo, hermenêutica,desconstrutivismo, para citar apenas algumas dasteorias -, capazes de expressar perfeitamente o queachamos que queremos dizer no momento. O pro-blema é que não sabemos e não deveríamos saberexatamente o que queremos dizer a respeito de uma

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5. Milan Kundera, no arti-go intitulado " O Romancee a Europa" (1984), per-gunta se seria acidentalque o romance e a hege-monia da racionalidadecientífica tenham nascidoJuntos.

série de opções conceituais que nos são oferecidas:exceto que as próprias opções criam dilemas insolú-veis para o feminismo.

No campo em que venho trabalhando - osdesafios feministas à ciência e à epistemologia -essa situação torna o momento atual estimulantepara viver e pensar, mas difícil de definirconceitualmente de modo definitivo. Ou seja, asdisputas entre nós que nos dedicamos a fazer a críti-ca da ciência e da epistemologia são insolúveisdentro dos esquemas teóricos em que as coloca-mos. Precisamos começar a encarar essas disputasnão como um processo de identificação de ques-tões a serem resolvidas, mas como oportunidadespara propor melhores problemas do que aqueles dosquais partimos. A crítica do pensamento temfreqüentemente feito avançar o conhecimento commais eficácia do que o seu estabelecimento; a crí-tica feminista à ciência aponta para uma áreaparticularmente fértil em que as categorias do pen-samento ocidental necessitam de revisão. Emboratais críticas tenham começado por indagações poli-ticamente controvertidas, mas teoricamente inócu-as, acerca da discriminação contra as mulheres naestrutura social da ciência, dos usos indevidos datecnologia e do preconceito androcêntrico nasciências sociais e na biologia, elas logo seavolumaram em interpelações das premissas maisfundamentais do pensamento ocidental moderno. E,com isso, as críticas implicitamente desafiam asconstruções teóricas em que as questões iniciaisforam formuladas, e segundo as quais poderiam serrespondidas.

Todos os feminismos são teorias totalizantes.Como as mulheres e as relações de gênero estão emtoda parte, os temas das teorias feministas não po-dem ser contidos dentro de um esquema disciplinarsingular, ou mesmo em um conjunto deles. A "visãode mundo da ciência" também se propõe comouma teoria totalizante - toda e qualquer coisa quevalha a pena ser compreendida pode ser explicadoou interpretada com os pressupostos da ciência mo-derna. Naturalmente há um outro mundo - o dasemoções, sentimentos, valores políticos, do incons-ciente individual e coletivo, dos eventos sociais ehistóricos explorados nos romances, teatro, poesia,música e arte em geral, e o mundo no qual passa-mos a maior parte de nossas horas de sonho e vigíliasob a constante ameaça de reorganização pelaracionalidade científica s. Um dos projetos das femi-nistas teóricas é revelar as relações entre esses dois

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6. Sara Ruddick expressatal ênfase de diferentesformas em 'MaternalThinking", (1980, pp. 342-67). Veja-se, Igualmente,Caro) GlIllgan (1982);Dorothy Smith (1974, pp. 7-13 e 1979).

7. Ver, por exemplo, as re-senhas de Signssobre ciên-cias sociais e os trabalhosapresentados no BrIghtonWomen and ScienceGroup, Alice through theMicroscope (London, Vi-rago Press, )980); RuthHubbard, M. S. Henflin eBarbara Frled (1982),Marlan Lowe e RuthHubbard (1983); EthelTonach e Betty Rosoff(1978, 1979, 1981 e 1984),(Hubbard e Lowe sôo edi-toras convidadas no vol. 2da série, intitulada PitfallsIn Research on Sex andGender). Também em RuthBleier (1984).

mundos - como cada um modela e informa o outro.No exame da crítica feminista ã ciência, devemos,portanto, refletir sobre tudo o que a ciência não faz,as razões das exclusões, como elas conformam aciência precisamente através das ausências, quersejam elas reconhecidas ou não.

Em vez da fidelidade ao princípio de que acoerência teórica é um fim desejável por si mesmo ea única orientação válida para ação, podemos to-mar como padrão a fidelidade aos parâmetros dedissonância entre os pressupostos dos discursos pa-triarcais e dentro de cada um deles. Essa visão doprocesso de teorização capta o que alguns conside-ram ser uma ênfase tipicamente feminina na refle-xão e na tomada de decisão contextuai e nos pro-cessos necessários ã compreensão de um mundoque não foi criado por nós - isto é, um mundo quenão encoraja à fantasia sobre os modos de ordenara realidade segundo nossos desejos'''. Tal concepçãodefine as maneiras como uma "consciência aliena-da", "dividida" ou "contestadora" funcionaria noplano da construção de teorias - bem como no pla-no do ceticismo e da revolta. Precisamos ser capa-zes de acolher certos desconfortos intelectuais, po-líticos e psíquicos, de considerar inadequados e atémesmo derrotistas determinados tipos de soluçõesluminosas aos problemas que nos colocamos.

"Má ciência" ou "ciência corriqueira"?Será que os pressupostos sexistas da pesquisa

científica substantiva resultam de procedimentos de"má ciência" ou apenas de uma "ciência corriquei-ra"? A primeira alternativa oferece esperanças deque se possa reformar o tipo de ciência que faze-mos; a segunda parece negar tal possibilidade.

Não há dúvida de que a crítica feminista dasciências naturais e sociais identificou e descreveuuma ciência mal conduzida - isto é, uma ciênciadistorcida pela visão masculina preconcebida naelaboração da problemática, nas teorias, nos con-ceitos, nos métodos de investigação, nas observa-ções e interpretações dos resultados'. Existem fatosda realidade, afirmam essas autoras, mas a ciênciaandrocêntrica não os pode localizar. A identifica-ção e eliminação da visão masculina através daestrita adesão aos métodos científicos permite-nosconfigurar um quadro objetivo, destituído de gênero(e, nesse sentido, não-valorativo) da natureza e davida social. A pesquisa feminista não representa asubstituição da lealdade a um gênero pela lealdadea outro - a troca de um subjetivismo pelo outro -,

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8. Marcia Millman e Rosa-beth Moss Kanter (1975, p.vII).

mas a transcendência de todo gênero, o que, por-tanto, aumenta a objetividade.

Nessa linha de raciocínio, usamos umaepistemologia empirista porque suas finalidades co-incidem com as nossas: obter resultados de pesquisaobjetivos e Isentos de juízos de valor. O empirismofeminista alega que o sexismo e o androcentrismosão preconceitos sociais. Os movimentos de liberta-ção "possibilitam ver o mundo com uma perspectivaampliada, porque removem os véus e os antolhosque obscurecem o conhecimento e a observação".Dessa maneira, o movimento de mulheres cria aoportunidade da perspectiva ampliada - assimcomo o fizeram a revolução burguesa dos séculosXV a XVII, a revolução proletária do século XIX e asrevoluções que derrubaram o colonialismo europeue norte-americano em décadas recentes. Além dis-so, o movimento de mulheres gera mais cientistas emais cientistas feministas, homens e mulheres, commaior propensão para reconhecer a predisposiçãoandrocêntrica do que o fazem os homens não-feministas.

O empirismo feminista oferece uma explica-ção convincente - embora enganadora - para amaior adequação empírica da pesquisa feminista.Tem a virtude de responder como é possível a ummovimento político, o feminista, contribuir para oaumento da objetividade do conhecimento científi-co. Raciocinando dessa maneira, entretanto, deixa-mos de perceber que o apelo ao empirismo acabapor, de fato, subvertê-lo de três maneiras. Primeiro, oempirismo supõe a irrelevância da identidade socialdo observador para a qualidade dos resultados dapesquisa. O empirismo feminista argumenta que asmulheres (melhor dizendo, mulheres e homens femi-nistas) têm, como grupo, maior probabilidade deproduzir resultados objetivos, destituídos detendenciosidade, do que homens ou pessoas não-feministas, como grupo social. Segundo, afirmamosque uma razão básica da visão androcêntrica pre-concebida se encontra na seleção dos temas depesquisa e na definição do que neles é problemáti-co. O empirismo insiste que suas normasmetodológicas se aplicam apenas ao contexto dajustificativa e não ao da descoberta, em que sãoidentificadas e definidas as problemáticas. Por con-seguinte, assumimos como demonstradas ainadequação e a impotência dos métodos cien-tíficos no alcance de seus objetivos. Em terceiro lu-gar, freqüentemente indicamos que conclusõesandrocêntricas decorrem exatamente da adoção

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9. A tensão entre os dois ti-pos de critica é apontadapor Helen Longino e RuthDoell (1983, pp. 206-27) eDonna Haraway (1981, pp469-81). Longino e Doellpensam que "as feministasnão têm de escolher entrecorrigir a má ciência ou re-jeitar toda a atividade ci-entifica" (p. 208), e quesomente o desenvolvimen-to de uma compreensãomais abrangente do funci-onamento do preconceitomachista na ciência, co-mo distinto de sua existên-cia, pode levar-nos maisalém dessas duas perspec-tivas em nossa busca desoluções" (p 207). A análi-se de Longino e Doell é re-almente valiosa na cria-ção desse entendimento,mas como as duas autorasnão confrontam a criticada "ciência corriqueira",minha solução se afasta daque elas propõem. Nara-way não apresenta saldapara o dilema.

10. Veja-se, por exemplo,Elizabeth Fee (1979, PP.415-33); Susan Griffin,(1978); Diana Long Hall,(1973-4,pp. 81-96), DonnaHaraway (1978, pp 21-60);Ruth Hubbard (1982); L. J.Jordanova, (1980); EvelynFox Keller, (1985) e CarolynMerchant, (1980).

das normas lógicas e sociológicas de investigação -o apelo à corroboração por parte da comunidadecientífica já existente (ocidental, burguesa,homófoba, branca , sexista); a generalização paratodos os humanos de observações feitas sobre seresmasculinos. Nossa crítica empirista da "má ciência",realmente, subverte os próprios critérios de ciênciaque ela pretende reforçar.

Esses problemas sugerem que as categoriasmais fundamentais do pensamento científico sofremde um desvio machista. Muitas feministas aderem àsegunda crítica da "má ciência", embora esta tam-bém atinja os pressupostos da primeira 9. A esse res-peito elas mencionam as descrições dos historiado-res onde a política sexual aparece influenciando aciência e esta, por sua vez, como desempenhandoum papel significativo na promoção dessa mesmapolítica; uma vem fornecendo recursos políticos emorais para a outra m . Além disso, elas mostram quea "ciência pura" - a pesquisa imune às necessidadestecnológicas e sociais da cultura - apenas existe namente irrefletida de alguns cientistas e na retóricados seus defensores. Ou seja, não é preciso impug-nar as motivações Individuais de certos físicos, quí-micos ou sociólogos, para argumentar de modoconvincente que o empreendimento científico é,estrutural e simbolicamente, integrante dos sistemasde valores da cultura. Entretanto, esse argumentonos traz dificuldades, pois, se os próprios conceitosde natureza, de investigação axiologicamente neu-tra, objetiva e isenta de juízos de valor, de conheci-mento transcendente, são androcêntricos, brancos,burgueses e ocidentais, então a adesão mais rígidaao método científico não pode eliminar essas predis-posições, já que os próprios métodos reproduzem asopiniões geradas pelas hierarquias e, dessa maneira,deturpam nossas interpretações.

Embora essa nova compreensão da história daciência e da sexualidade amplie enormemente nos-so conhecimento, ela não nos diz se é possível de-sembaraçar uma ciência de seus laços com a histó-ria da política sexual a ponto de colocá-la a serviçode fins humanos mais amplos - ou mesmo se a tenta-tiva vale a pena como estratégia. Será a históriauma fatalidade ? A completa eliminação doandrocentrismo na ciência significa o fim da própriaciência? Mas não será importante tentar eliminar aomáximo o caráter de gênero da história em um mun-do onde as afirmações científicas são o modelo detodo conhecimento? Como podemos nos dar aoluxo de escolher entre redimir a ciência ou dispensá-

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la totalmente quando nenhuma das alternativas nosconvém?

11 Diversas autoras têmfeito importantes reflexõesepistemológicas na dire-ção de uma 'ciência femi-nista alternativa"; porexemplo, Jane Flax, (1983),Nancy Harstock, (1983,1983a, cap. 10), Hilary Ro-se, (1983, pp. 73-90 e 1984),D. Smith, (1974 e 1979).

Ciência alternativa ou pós-modernismoO dilema provocado pelas críticas à "má ciên-

cia" ou ã "ciência corriqueira" reaparece, em outroplano, em duas tendências conflitantes dentro dateoria feminista, uma voltada para o pós-modernis-mo e outra para o que denominarei de propostas de"ciência alternativa". As realizações da pesquisafeminista, inclusive sua aparente contradição de seruma pesquisa científica politizada, são explicadas,ainda que de modo subversivo, pelo empirismo femi-nista e seus conhecidos pressupostos. Em contraste,as epistemologias da posição alternativa articulamuma outra compreensão da busca do conhecimen-to científico, que substitui a visão iluminista assimila-da pelo empirismo". Tanto a corrente alternativaquanto a pós-moderna colocam o feminismo numasituação ambivalente e desconfortável em relaçãoaos discursos e projetos patriarcais (a exemplo doque ocorreu com o empirismo feminista). Há razõespara considerarmos as duas tendências con-vergentes e imperfeitas no que diz respeito a umarealidade pós-moderna, mas há, igualmente, bonsmotivos para nos determos nos seus aspectosconflitantes.

As epistemologias da posição alternativa utili-zam, para fins próprios, a visão marxista de que aciência pode refletir "como o mundo é" e pode con-tribuir para a emancipação da humanidade. Asconclusões da pesquisa feminista no campo dasciências naturais e sociais parecem ser, de fato,mais fiéis ao mundo e, portanto, mais objetivas, doque as alegações sexistas destes que vieram substi-tuir. As primeiras conclusões de pesquisa feministapermitem uma compreensão da natureza e da vidasocial que transcende as lealdades de gênero emvez de substituir, uma pela outra, interpretações su-bordinadas a gêneros. Além do mais, os apelos femi-nistas à verdade e objetividade revelam confiançano papel da razão no triunfo do feminismo, a crençade que este venha a ser corretamente entendidocomo algo mais do que uma política de poder - em-bora ele também o seja. As correntes da ciênciaalternativa têm por objetivo proporcionar uma com-preensão mais completa e menos enganosa, menosdistorcida, menos defensiva, menos incorreta e me-nos racionalizadora do mundo, da natureza e dasociedade.

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12. FrIedrIch Engels, (1972);Georg Lukács, (1968).

Um projeto destes já é, por si mesmo, radical,porque a concepção iluminista explicitamente ne-gava que as mulheres possuíssem a racionalidade ea capacidade de observação desapaixonada eobjetiva exigidas pelo pensamento científico. Asmulheres podiam ser objeto da razão e da observa-ção masculinas, mas nunca seus sujeitos, jamais po-deriam ser mentes humanas reflexivas euniversalizantes. Somente os homens eram vistoscomo formuladores Ideais de conhecimento; e. en-tre eles, apenas os que pertenciam à classe, raça ecultura corretas eram vistos como detentores decapacidade inata para o raciocínio e a observaçãosocialmente transcendentes. As finalidades e propó-sitos de tal ciência se revelaram tudo menoslibertadoras.

O marxismo reformulou essa visão iluministafazendo do proletariado, guiado pela teoria e pelaluta de classes, o detentor do conhecimento porexcelência, o único grupo capaz de usar a observa-ção e a razão para apreender a verdadeira formadas relações sociais, inclusive as relações com anatureza' 2 . A alternativa marxista à ciência burgue-sa, a exemplo de sua predecessora, iria dotar umgrupo social - no caso, o proletariado - de conheci-mento e poder para liderar o restante da espéciehumana em direção à emancipação. Aepistemologia marxista funda-se numa teoria dotrabalho e não numa teoria das capacidades mas-culinas inatas; assim como as faculdades humanasnão são iguais na versão burguesa, no marxismo otrabalho não é igual; o proletariado produz conheci-mento através da luta nos locais de trabalho. Nemna prática socialista, nem na teoria marxistaconsiderou-se que as mulheres se definiam funda-mentalmente pelas relações com os meios de pro-dução, independente de sua participação na forçade trabalho. Elas jamais foram vistas como membrosde pleno direito do proletariado, capazes de racio-cinar e, dessa maneira, de saber como o mundo éconstruído. O trabalho reprodutivo específico dasmulheres, o trabalho feito com emocão, o trabalho"mediador", desaparecia, então, no interior do es-quema conceituai da teoria marxista, tornando-asinvisíveis como classe ou grupo social agente doconhecimento. (Outras formas de trabalho não-assalariado ou não-industrial também desaparece-ram do centro desse modelo conceituai, mistifican-do o saber disponível para escravos e povos coloni-zados).

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13. Hartsock, especialmen-te, argumenta contra odescabimento da visãoandrocêntrica (ver nota11). Menciono, a seguir, adicotomia homem-mulherpois esta é a maneira co-mo as teóricas dessa cor-rente colocam a questão.Entretanto, penso que es-sas categorias são incon-venientes até mesmo paraas propostas alternativas:deveríamos estar discutin-do aqui posições feminis-tas contra não-feministas(sexistas).

14. Jane Fiax (1986), cita-da na nota 2 acima, discu-te essa corrente pós-mo-derna da teoria feminista.Ela cita entre os principaiscéticos do modernismoFriedrich Nietzsche, (1969 e1966), Jacques Derrida,(1967); Michel Foucault,(1973 e 1972); JacquesLacan, (7968, 7973); PaulFeyerabend, (1975); Ri-chard Rorty, (1979); Hans-George Gadamer, (1976);Ludwig Wittgenstein, (1972e 1970). Veja tambémJean-François lyotard,(1984)

15. As diferentes autorasconferem, porém, pesosdistintos a cada uma des-sas tendências, emboratodas se mostrem explici-tamente conscientes datensão produzida em seutrabalho pelos dois tipos decrítica à moderna episte-mologia ocidental. A ma-neira como cada uma pro-cura resolver essa tensãomerece um outro estudo.Ver em Harding (1986) umaprofundamento da dis-cussão do trabalho dessasautoras.

Essa corrente feminista fundamenta suaepistemologia numa teoria alternativa do trabalho,melhor dizendo, da atividade propriamente huma-na, e pretende substituir o proletariado pelas mulhe-res ou as feministas (as opiniões diferem) comoagentes potencialmente ideais do conhecimento.As percepções (sexistas) que os homens fazem de simesmos, dos outros, da natureza e das relações en-tre tudo isso são não só parciais quanto descabi-das 13 . A experiência social característica dos ho-mens, assim como a da burguesia, oculta a naturezapolítica das relações sociais que eles vêem comonaturais. Os padrões dominantes do pensamentoocidental justificam a subjugação da mulher comonecessária ao progresso da cultura e as visões muitoparciais e mais despropositadas do homem comosendo as únicas dotadas de excelência humana. Amulher é capaz de usar a análise e a luta políticapara oferecer uma compreensão menos parcial,menos defensiva, menos descabida tanto das rela-ções sociais humanas como da natureza. As defen-soras dessa posição alegam que seu tipo de análise,e não o empirismo, é responsável pelas realizaçõesda teoria e da pesquisa feministas, porque estas sãopoliticamente engajadas, efetivadas a partir doponto de vista da experiência social do sexo-gênerodominado.

A segunda corrente de pensamento - quepode ser encontrada nesses mesmíssimos textos -expressa um profundo ceticismo com relação à vi-são iluminista da capacidade "do" espírito humanode espelhar perfeitamente um mundo pronto e aca-bado que se nos oferece ã reflexão. Muitas feminis-tas compartilham a rejeição do valor das formas deracionalidade, da objetividade desapaixonada e dorigor arquimediano que deveriam servir de instru-mentos do conhecimento. Nesse sentido, elas seligam de modo ambivalente aos outros céticos domodernismo como Nietzsche, Wittgenstein, Derrida,Foucault, Lacan, Feyerabend, Rorty, Gadamer e aosdiscursos da semiótica, psicanálise, estruturalismo edesconstrutivismo 14 . O que surpreende é a maneiracomo a idéia da ciência alternativa e o ceticismopós-moderno são igualmente defendidos por essasteóricas, sendo que os conceitos tão diametral-mente opostos nos discursos não-feministas15.

Vista da perspectiva da tendência pós-moder-na no pensamento feminista, a proposta de umaciência alternativa pode parecer ainda demasiadoarraigada a modos tipicamente masculinos de estarno mundo. Como afirmou uma autora, "talvez a 're-

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16. Flax (1986, o. 17).

17. Flax parece não se darconta desse problema.Engels distingue entre so-cialismo utópico e socialis-mo cinetifico.

alidade' só tenha 'uma' estrutura quando se pensaa partir do ponto de vista equivocadamenteuniversalizante do dominador. Ou seja, somente namedida em que uma pessoa ou grupo domina atotalidade, a "realidade" parece governada por umúnico conjunto de regras ou constituída por um con-junto privilegiado de relações sociais" 16 . Como é queo feminismo pode redefinir totalmente a relaçãoentre saber e poder, se ele está criando uma novaepistemologia, mais um conjunto de regras paracontrolar o pensamento?

O projeto pós-moderno parece, no entanto,perniciosamente utópico, quando visto pela óticada tendência alternativa''. Parece desafiar a legiti-midade da tentativa de descrever a realidade domundo de uma perspectiva especificamente fe-minista; vem sobrepor-se ao desejo burguês e mas-culino de justificar suas próprias atividades negandoo lugar que ocupam na história; o pós-modernismotranscender esta posição política burguesa que sediz objetiva pelo recurso à postura arrependida,onisciente e genérica de um ego transcendentalque observa, do alto, a fragilidade dos seres huma-nos. Em outras palavras, na sua desconfortávelafiliação ao pós-modernismo não-feminista, a ten-dência pós-moderna dentro do feminismo pareceapoiar uma posição relativista inadequada por par-te dos grupos dominados, posição esta que contidacom a percepção de que a realidade da políticasexual exige uma luta política ativa. A proposta pós-moderna parece ainda apoiar um refativismo igual-mente retrógrado para os membros um tanto aliena-dos de grupos dominados, que mantêm dúvidas arespeito da legitimidade de seu próprio poder e pri-vilégio. Vale lembrar que a formulação dorelativismo, como posição intelectual, surge na his-tória apenas como uma tentativa de diluir os desafi-os à legitimidade das crenças e modos de vida con-siderados universais. O refativismo é um problemaobjetivo, ou a solução de um problema, apenaspara a perspectiva dos grupos dominantes. A reali-dade pode, com efeito, aparentar muitas estruturasdiferentes conforme as diversas posições que ocu-pamos nas relações sociais, mas algumas dessasaparências são ideologias na acepção forte do ter-mo: não são apenas crenças falsas e "interessadas",mas crenças usadas para estruturar, para todos nós,as relações sociais. Do ponto de vista dos gruposdominados, a posição relativista expressa uma falsaconsciência, que aceita a insistência dos dominan-tes na legitimidade intelectual do direito de manter

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concepções distorcidas do mundo (e, naturalmente,de definir planos para todos nós com base nessasdistorções).

O controle do pensamento, a serviço do poderpolítico, e o recuo para interpretações simples,relativistas, do mundo não serão as duas faces daconcepção iluminista e burguesa a que o feminismose opõe? Não será verdadeiro, como todas essasteóricas alegam de diferentes maneiras, que os vári-os tipos de interação, realizadas por homens e mu-lheres, com a natureza e a vida social (os diferentes"trabalhos") conferem as mulheres pontos de vistaepistemológicos e científicos privilegiados? Comopode o feminismo se dar ao luxo de abandonar oprojeto de uma ciência alternativa se esta irá capa-citar todas as mulheres em um mundo onde o co-nhecimento socialmente legitimado e oconsequente poder político estão firmemente insta-lados nas mãos de homens brancos, ocidentais, bur-gueses, compulsoriamente heterossexuais? E, noentanto, como podemos deixar de desconfiar doslaços históricos entre conhecimento legitimado epoder político?

Um modo de entender essas duas correntes dateoria feminista é vê-Ias como abordagens conver-gentes para um mundo pós-moderno - um mundoque não vai existir antes que as tendências em con-flito atinjam seus objetivos. Olhando dessa maneira,o pós-modernismo, na melhor das hipóteses,prefigura a epistemologia em um mundo onde opensamento não necessite de controle. A correntealternativa procura nos encaminhar para o mundoideal, legitimando e dando poder aos "saberesdominados" das mulheres, sem os quais a situaçãoepistemológica pós-moderna não poderá nascer.Fracassa, contudo, na contestação da intimidademodernista entre saber e poder, ou no questiona-mento da legitimidade da pretensão de uma únicahistória feminista da realidade. Haja ou não utilidadeem ver dessa maneira a relação entre as duas ten-dências, o meu argumento é o de que devemos re-sistir à tentação de desconsiderar os problemas quecada corrente formula e de escolher uma em detri-mento da outra.

A alternativa feminista e os demais "outros"Os projetos da ciência alternativa feminista

estão em uma incômoda relação com outrasepistemologias libertadoras, na medida em que asprimeiras procuram basear uma ciência e umaepistemologia singulares, legítimas e distintas nas

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18. Veja Flax (1983);Hartsock (1983, 1983a);Rose (1983,1984); Smith(1974,1979),

19. "Virtualmente em todaparte" para conceder obenefício da dúvida àsafirmações dos antropólo-gos acerca das "culturasigualitárias". Veja EleanorLeacock (1981),

características comuns das atividades femininas.Hilary Rose encontra essa base no modo como otrabalho feminino reúne atividades mentais, manuaise de cuidados afetivos. Nancy Hartsock focaliza aprofunda oposição existente na dualidade entretrabalho mental e manual que se encontra nas ativi-dades diárias e concretas da mulher, tanto na vidadoméstica quanto na profissional. Jane Flax identifi-ca o sentido do eu, relativamente mais recíproco doque o dos homens, que as mulheres introduzem emtodas as suas atividades. A autora sugere que a pe-quena distância entre os conceitos masculino efeminino do eu, do outro e da natureza pressupõe adistância provavelmente maior que existe entre umconhecimento dualista defensivo, característico dasordens sociais dominadas pelo homem, e o conheci-mento relacional e contextuai possível numa futurasociedade de "eus recíprocos". Dorothy Smith afirmaque o trabalho social da mulher é concreto e nãoabstrato, que ele não pode ser vinculado nem a for-mas administrativas de dominação nem a categori-as da ciência social, e que ele tem permanecidosocialmente invisível - tudo isso se somando paracriar uma consciência alienada e dividida na mu-lher". Contudo, outras perspectivas libertadorasreivindicam aspectos equivalentes de sua própriaatividade como recursos para a elaboração de polí-ticas e epistemologias.

De um lado, é claro, o feminismo tem razãoem identificar mulheres e homens como classes emoposição neste momento da história. Em toda parteencontramos essas duas classes e praticamente emtodos os lugares o homem domina a mulher de ummodo ou de outro'''. Além disso, até mesmo homensfeministas se beneficiam de um sexismoinstitucionalizado que eles ativamente se empe-nham por eliminar. Objetivamente, nenhum indiví-duo do sexo masculino consegue renunciar aosprivilégios sexistas da mesma forma como nenhumindivíduo de cor branca consegue abster-se dosprivilégios racistas - as vantagens de gênero e raçaadvêm a despeito da vontade dos indivíduos quedelas usufruem. O gênero, a exemplo da raça e daclasse, não é uma característica individualvoluntariamente descartável. Afinal de contas, nos-sos feminismos se voltam, fundamentalmente, paraas vantagens sociais retiradas e transferidas dasmulheres para os homens, como grupos de sereshumanos, em escala mundial. Identificando osaspectos comuns à experiência social das mulheresatravés das culturas, as teóricas da corrente alter-

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20. Russell Means (1980, p.167); Vernon Dixon (1976 etambém em Paulin Houn-tondji, 1983); JosephNeedham (1979). Discutoessa situação com maisdetalhe em Harding(1986a) e no capitulo 7 deHarding (1986).

21. Michelle Cliff (1980).

nativa dão uma contribuição importante para onosso trabalho.

De outro lado, as características peculiaresdas atividades femininas que Rose, Hartsock, Flax eSmith identificam na nossa cultura provavelmentetambém são encontradas no trabalho e na experi-ência social de outros grupos dominados. Há indíciosna literatura acerca de populações americanas,africanas e asiáticas de que aquilo que as feministaschamam de oposição feminino-masculino nas perso-nalidades, ontologias, éticas, epistemologias e vi-sões de mundo, talvez seja o mesmo que outros mo-vimentos de libertação denominam de personalida-des e visões de mundo não-ocidentais em oposiçãoàs ocidentais". Não seria o caso, então, de havertambém ciências e epistemologias de povos ameri-canos, africanos e asiáticos, baseadas na experiên-cia social e histórica peculiar dessas populações?Será que essas epistemologias e ciências alternati-vas não fariam análises semelhantes às das teóricasda ciência feminista? Isso para não mencionar ascomplicações de fundo implícitas nesse raciocínio -o fato de que a metade desses povos é constituídade mulheres e que a maioria delas não é ocidental.Qual a base da superioridade das ciências eepistemologias feministas em relação às outras?Qual é e qual deveria ser a relação entre os projetosfeministas para essas outras propostas libertadorasde busca de conhecimento?

Presumir que todos os africanos, para não dizertodos os povos colonizados, compartilham personali-dades, ontologias, éticas, epistemologias e visões demundo específicas, ê uma generalização exagera-da. Mas será isso pior do que supor a existência deuma comunhão de experiências ou visões de mundopor parte de todas as mulheres? Observe-se queestamos pensando em concepções tãoabrangentes quanto as que aparecem em frasescomo "visão de mundo feudal", "visão de mundomoderna" ou "visão de mundo científica". Além domais, nós, mulheres, também reivindicamos umaidentidade que fomos ensinadas a desprezar 21 ; nomundo inteiro insistimos na importãncia de nossaexperiência social, como mulheres, e não apenascomo membros de classe, raça ou grupos culturaisde gênero invisível. Da mesma forma, os povos doTerceiro Mundo pretendem que sua experiência so-cial colonizada seja a base de uma identidade parti-lhada e uma fonte comum de interpretações alter-nativas. Por que não se considera razoável examinaro modo como a experiência da colonização confi-

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22. ris Young, (1981),

23 Veja Bell Hooks (1983,especialmente o capítulo4) e Haraway (1983).

gura personalidades e visões de mundo? Como po-dem as mulheres brancas ocidentais sustentar a legi-timidade do que pensam repartir com todas as mu-lheres e não aceitar a Igual legitimidade daquiloque outros povos acreditam ter em comum? Emsuma, não podemos resolver esse problema persistin-do na crença em uma singularidade cultural de Indi-víduos pertencentes a outras culturas, enquanto, aomesmo tempo defendemos as similaridades de gê-nero entre mulheres de todas as culturas.

Uma forma de resolver o dilema seria dizer quea ciência e a epistemologia feminista terão um valorpróprio ao lado, e fazendo parte integrante, de ou-tras ciências e epistemologias - jamais como superio-res às outras. Com essa estratégia abandonamos ocaráter totalizante de "teoria magistral" de nossasexplicações, que, por sinal, é pelo menos a metaimplícita de algumas teorias feministas e nos afasta-mos dos pressupostos marxistas que Influenciaramnossos projetos de ciência alternativa. Essa respostaao problema tem conseguido reter as categorias dateoria feminista (por mais instáveis que elas sejam) esimplesmente alinhá-las junto aos conceitos dasteorizações de outros grupos dominados. Em vez da"teoria dos sistemas duais" com que se debatem asfeministas socialistas22 , tal resposta nos oferece umateoria de sistemas múltiplos. Naturalmente, a solu-ção mantém a divisão (talvez ainda maisaprofundada) das identidades de todas as mulhe-res, exceto as ocidentais, brancas, de classe domi-nante. Há uma incoerência fundamental nessemodo de pensar sobre os fundamentos das aborda-gens feministas ao conhecimento.

Uma outra solução seria renunciar à meta daunidade de experiências sociais compartilhadas emfavor da solidariedade em torno de objetivos possi-velmente comuns 23 . Desse ponto de vista, cadaepistemologia alternativa - feminista, terceiromundista, homossexual, operária - indica as condi-ções históricas que produzem as oposições concei-tuais a serem superadas, mas não gera conceitosuniversais nem objetivos políticos. Como o gênero étambém uma classe e uma categoria racial em cul-turas estratificadas segundo classe, raça e tambémgênero, a experiência isolada de uma mulher nãopode servir de base para concepções e políticasque nos emanciparão a todas da hierarquia de gê-nero. Vários grupos sociais lutam, no momento, con-tra a hegemonia da visão de mundo ocidental,branca, burguesa, homofóbica e androcêntrica econtra a política que essa hegemonia, ao mesmo

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tempo, engendra e justifica. As lutas internas raciais,sexuais e de classe, bem como as diferenças de nos-sas histórias culturais que definem quem somos nóscomo seres sociais, impedem nossa união em tornode objetivos comuns. Somente a história poderá re-solver ou dissipar esse problema, não os nossos esfor-ços analíticos. Entretanto, as feministas brancas,ocidentais, deveriam prestar atenção na necessida-de de travar uma luta teórica e política mais ativacontra nosso próprio racismo, classismo e centrismocultural, forças que mantêm a permanente domina-ção das mulheres em todo o mundo.

24. Ver, especialmente, odebate do texto de SherryOrtner (1974) em Mac-Cormack e Strather (1980).

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Cultura e natureza, gênero e sexoHistoriadores e antropólogos mostram que a

maneira como a sociedade ocidental contemporâ-nea estabelece os limites entre a cultura e a nature-za é nitidamente moderna e, ao mesmo tempo,inseparável da cultura", A dicotomia cultura e natu-reza reaparece de modo complexo e ambíguo emoutras oposições nucleares para o pensamento oci-dental moderno: razão e paixões ou emoções; obje-tividade e subjetividade; mente e corpo , intelecto ematéria física; abstrato e concreto; público e priva-do, para citar apenas algumas. Tanto na ciênciaquanto na nossa cultura, a masculinidade éidentificada com o lado da cultura e a feminilidadecom o da natureza em todas essas dicotomias. Emcada caso, a natureza é percebida como uma po-derosa ameaça que se erguerá e absorverá a cul-tura, a não ser que esta exerça um rígido controlesobre aquela.

Essa série de dualismos foi um dos alvos iniciaisdas críticas feministas ao modelo conceituai daciência moderna. Reconhece-se, porém, em muitomenor escala a maneira como o dualismo retorna nopensamento feminista sobre gênero, sexo ou sobre osistema gênero/sexo. Nas seções anteriores desteartigo, discuti a possibilidade de eliminar o gênero,como se fosse possível separar claramente o socialdos aspectos biológicos das nossas identidades, prá-ticas e desejos sexuais. Nos discursos feministas essemodo de conceituar a sexualidade é um nítido pro-gresso com relação ao pressuposto do determinismobiológico de que as diferenças de gênero simples-mente decorrem de diferenças sexuais. Uma vez queo determinismo biológico está vivo e próspero nasociobiologia, endocrinologia, etologia, antropolo-gia e, de fato, na maioria dos discursos não-feminis-tas, não quero desvalorizar a poderosa estratégiaanalítica de insistir numa separação nítida entre os

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25. Veja as referências ci-tadas nas notas 7 e 10, aci-ma.

26. inez Smith Reid (1975,pp. 397-422)

efeitos reconhecidos (e conhecívels) da biologia eda cultura. No entanto, as recentes pesquisas embiologia, história, antropologia e psicologia dese-nham um quadro muito diverso das identidades, prá-ticas e desejos sexuals25 . Surpreendentemente, essequadro também poderia ser acusado dedeterminismo biológico, embora o que apareçacomo determinado nessas pesquisas seja antes aplasticidade do que a rigidez das Identidades, práti-cas e desejos. Nossa espécie está condenada a selibertar das restrições biológicas, conforme diriam osexistencialistas.

Nesse sentido, surgem dois problemas para ateoria e a prática feministas. Em primeiro lugar, nósenfatizamos que os seres humanos são de carne eosso - e não mentes cartesianas cjue, por acaso, ha-bitam uma matéria biológica em movimento. A es-trutura do corpo da mulher é diferente da estruturado corpo do homem. Queremos, portanto, conheceras implicações dessa configuração corpórea diver-sa sobre as relações sociais e a vida Intelectual.Menstruação, penetração vaginal, práticas sexuaislésbicas, parto, aleitamento e menopausa são expe-riências sexuais que os homens não podem ter. Ofeminismo contemporâneo não endossa o objetivodo poder público de tratar as mulheres da mesmaforma que os homens. É preciso, assim, dizer quaissão essas diferenças. Mas receamos que, ao fazê-lo,estejamos alimentando o determinismo biológicosexual (basta atentar para os problemas que tivemosao formular uma posição feminista quanto àsíndrome pré-menstrual e os riscos à reproduçãoassociados ao trabalho, sem vitimizar as mulheres).O problema se torna mais complexo quando quere-mos falar de diferenças raciais entre mulheres".Como poderemos escolher entre defender oreconhecimento de nossas diferenças biológicaspelo poder público e sustentar que a biologia não éuma fatalidade nem para os homens nem para asmulheres?

Em segundo lugar, temos dificuldade em defi-nir conceitualmente o fato de que a dicotomia natu-reza e cultura e suas similares não são simplesinvencionices a serem despachadas para o sótãodas idéias que caíram de moda. Esse tipo dedualismo tende para uma ideologia no sentido maisforte do termo, e tal propensão não pode ser des-cartada apenas pela higiene mental e a vontade. Adicotomia cultura-natureza estrutura a política públi-ca, as práticas sociais institucionais e individuais, aorganização das disciplinas (ciências sociais em

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28. Jerome Ravetz (1971);Rose e Rose (1986) RitaArditti, Pat Brennan e SteveCafrak (1980).

29. É, principalmente,Hilary Rose( 1983,1984)quem assinala essa ques-tão. Talvez seja precisoque todos os paradigmasde uma nova pesquisa te-nham de ser estabelecidosartesanaimente, como dis-se Khun.

27, Janice G. Raymond(1979) discute essa ques-tão.

oposição às ciências naturais); na verdade, a pró-pria maneira como vemos o mundo que nos cerca.Conseqüentemente, até que sejam mudadas nossaspráticas dualistas (separação da experiência socialem mental e manual, em abstrata e concreta, emo-cional e negadora das emoções), somos forçadas apensar e a existir no interior da própria dicoto-mização que criticamos. Talvez seja possível trocar opressuposto de que o natural é difícil de mudar eque o cultural é mais facilmente mutável, da mesmaforma como separamos catástrofes ecológicas etecnologias médicas, de um lado, e a história dosexismo, das classes e do racismo, de outro n. Noentanto, devemos persistir na distinção entre culturae natureza, gênero e sexo (principalmente diante dorefluxo do determinismo biológico), mesmo que, porexperiência e análise, possamos perceber que sãoinseparáveis dos indivíduos e das culturas. Asdicotomias são empiricamente falsas, mas não po-demos descartá-las como irrelevantes enquanto elaspermanecem estruturando nossas vidas e nossasconsciências.

A Ciência como artesanato:anacronismo ou modelo?As filosofias tradicionais da ciência presumem

uma imagem anacrônica do pesquisador como umgênio isolado da sociedade, selecionando proble-mas para pesquisar, formulando hipóteses, criandométodos para testar as hipóteses, recolhendo dadose interpretando os resultados da investigação. Ébem diferente a realidade da maior parte da pes-quisa científica de hoje, pois esses procedimentosartesanais de produção do conhecimento científicoforam substituídos, durante o século XIX, por mode-los industrializados no campo das ciências naturaise, desde meados deste século, na maioria das pes-quisas em ciência sociais. Como resultado, as regrase normas da filosofia da ciência aplicáveis aospesquisadores isolados são irrelevantes para a con-dução e o entendimento de boa parte da ciênciacontemporãnea, conforme têm apontado várioscríticos".

Contudo, as pesquisas feministas mais interes-santes surgiram precisamente nas áreas de Investi-gação que permanecem organizadas artesanal-mente 29. As afirmações mais revolucionárias talveztenham surgido de situações de pesquisa em quefeministas isoladas, ou em pequenos grupos, identifi-caram um fenômeno problemático, formularam umahipótese provisória, imaginaram e realizaram a cole-

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30. Edgar ZIIsel 0942. PP.545-60).

ta de dados e depois Interpretaram os resultados.Em contraposição, quando a concepção e a execu-ção da pesquisa são realizadas por pessoas de dife-rentes grupos sociais, como acontece na grandemaioria da ciência natural institucionalizada e emboa parte das ciências sociais, a atividade de con-cepção da pesquisa é muitas vezes desempenhadapor um grupo privilegiado, enquanto a execuçãocabe a um grupo dominado. Tal situação garanteque os formuladores do projeto poderão evitar con-testação à adequação dos conceitos, categorias,métodos e interpretações dos resultados.

Tal tipo de análise reforça a afirmação dasdefensoras da ciência alternativa de que uma teoriaconsagrada do conhecimento - uma epistemologia -deve basear-se em uma teoria do trabalho, ou daatividade humana, e não em uma pretensa teoriada capacidade inata, conforme quer a epistemo-logia empirista. Com efeito, as epistemologias femi-nistas mencionadas acima são todas fundadas emuma teoria distintiva da atividade humana, a qual éapoiada por um exame das precondições da emer-gência da ciência moderna nos séculos XV a XVIII.As feministas assinalam a unificação dos esforçosmental, manual e emocional no trabalho da mulher,o que lhes proporciona uma compreensão potenci-almente mais abrangente da natureza e da vidasocial. À medida que a mulher se sente atraída pelotrabalho dos homens e o procura - do direito e ela-boração de políticas à medicina e à pesquisa cientí-fica - nosso trabalho e nossa experiência social rom-pem com as tradicionais distinções entre trabalhodetomem e trabalho de mulher, permitindo que amaneira feminina de compreender a realidade co-mece a conformar as políticas públicas. Um rom-pimento semelhante da divisão feudal do trabalhopossibilitou a união do trabalho mental e manualnecessário à criação do novo método experimentalna ciência". A imagem do pesquisador como umartesão, consagrada na filosofia da ciência tradicio-nal, é, portanto, Irrelevante como modelo para ati-vidade da maioria dos atuais trabalhadores da ciên-cia. Ao contrário, essa imagem reflete as práticasdos pouquíssimos trabalhadores cientificamentetreinados envolvidos na construção de novos mode-los de pesquisa. Como a visão de mundo criticadapelo feminismo foi elaborada para explicar a ati-vidade, os resultados e os objetivos do trabalhoartesanal que constituiu a ciência do período anteri-or, e uma vez que a pesquisa artesanal feministacontemporânea produziu algumas das novas expli-

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cações mais importantes, parece ser necessáriopensar mais atentamente nos aspectos da visão demundo que devem ser mantidos ou rejeitados. Talvezo empreendimento dominante hoje em dia nem sejacientífico no sentido original do termo! Pode-se pen-sar que o feminismo e outras Investigações marginaissejam os verdadeiros descendentes de Galileu,Copérnico e Newton? Será Isso possível quando, aomesmo tempo, esses descendentes abalam a episte-mologia que Hume, Locke, Descartes e Kant desen-volveram para explicar o nascimento da ciênciamoderna? Uma vez mais nos aproximamos de minhaproposta de uma fértil ambivalência com relação àciência que temos. Devemos, simultaneamente, cul-tivar a investigação "separatista" artesanalmenteestruturada e impregnar de valores e objetivos femi-nistas as ciências industrialmente organizadas.

Essas são algumas das principais instabilidadesconceituais que aparecem quando examinamos acrítica feminista à ciência. Muitas delas emergemcom mais generalidade no processo de teorizaçãofeminista. Argumento que não podemos resolveresses dilemas nos termos em que têm sido colocadose que, ao invés disso, devemos aprender a encararas próprias instabilidades como recursos válidos. Sepudermos aprender a usá-las, chegaremos a igualara maior realização de Arquimedes - sua criatividadena invenção de um novo modo de construir teorias.

TRADUÇÃO DE VERA PEREIRA

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