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“Então, o Senhor Deus adormeceu profundamente o homem; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que
retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. Ao vê-la, o homem exclamou: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha
carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem». Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne”.
(Gn 2, 21-24)
Docente: Dr. Filipe Themudo Barata Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889
Universidade de Évora, Junho de 2004
História Económica, Social e Política Medieval I e II
“A mulher e o casamento na Idade Média”
1 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889
Évora, Junho de 04
Introdução:
O principal objectivo deste trabalho é dar a perceber a qualquer
pessoa que o venha a ler aquilo que se considerava a esposa ideal no
casamento do séc. XIII, ou seja dar uma breve perspectiva do que é o
casamento nesta altura.
Para tal, este trabalho será dividido em algumas partes
fundamentais. Na primeira, falar-se-á sobretudo de algumas noções
fundamentais ligadas ao casamento, tal como o que é considerado o
matrimónio, as razões pelas quais se deve casar, distinção entre
casamento legítimo e ilegítimo; para além disso, falar-se-á também da
dissolução do matrimónio, especialmente das razões que levam a uma
legitimação desta situação.
Numa segunda parte, e já que este trabalho é sobre a esposa
ideal do século XIII, falar-se-á um pouco dos deveres da esposa dentro
da sua nova família; ao longo dos tempos tornou-se um lugar-comum
afirmar que a mulher não tinha liberdade nenhuma ao longo da sua vida,
estava sempre dependente de uma autoridade paterna (pai, irmão ou,
quando se casava, marido), era apenas vista como uma máquina de
procriar, dever-se-ia sempre submeter à vontade do marido, entre
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
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Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889
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outras coisas. O que nos levanta, infalivelmente, algumas questões. Será
que de facto ele era obrigada a submeter-se em tudo ao seu marido? Ou
será que existiam domínios em que ela tinha direito a dizer não? Em
relação aos seus filhos (e não nos esqueçamos que outro lugar-comum
muito frequente é o de que a mulher, sendo fértil, devia ter um filho por
cada ano, de modo a combater a elevada mortalidade infantil que então
vigorava), uma das questões que se nos põe é a da amamentação e mais
tarde da educação dos seus filhos. Ficava a cargo da mulher? Ou seriam
entregues a outras pessoas? E quanto à fidelidade, que se sabe ser outra
das obrigações da mulher (se não mesmo das mais importantes)? Porque
razão lhes era imposta? Qual a sua razão de ser?
Finalmente, numa terceira parte deste breve trabalho procurar-
se-á dar a conhecer (de um ponto de vista mais religioso, já que nesta
altura religião e lei ainda se encontravam intimamente ligados) as
punições em que as mulheres incorriam em caso de desrespeito às suas
obrigações/deveres, nomeadamente no que concerne à sua vida sexual.
Com certeza que, hoje em dia, já ninguém pensa que todas as mulheres
seriam total e completamente submissas ao seu marido, ou que todas
elas manteriam a sua fidelidade e a sua castidade (assim se explica que
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
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Duby se refira, numa das suas obras, a “raparigas indóceis”1). Assim, o
que este terceiro ponto do trabalho vai tentar fazer ver aos leitores é o
que se esperava que essas mulheres fizessem, uma vez confessa a sua
“culpa”.
Tendo concluído esta pequena introdução, que refere a principal
questão a resolver e qual a estrutura a seguir, sugiro então que se passe
ao desenvolvimento do tema “A esposa ideal no casamento do século
XIII”.
1 DUBY, G. “A Idade Média, uma idade do Homem”, pg. 33
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Algumas considerações em torno do Matrimónio
Antes de se avançar neste trabalho sobre o que se espera de
uma mulher num matrimónio, convém saber exactamente o que esta
palavra significa.
“Matrimónio” deriva do étimo latino mater, que significa “mãe”;
assim se explica que nas “VII Partidas de Afonso X, o Sábio”
“matrimónio” apareça como sinónimo de “ofício de mãe”, em oposição a
“património” (que deriva de pater):
Y la razón de por qué llaman matrimonio al casamiento y no
patrimonio es esta: porque la madre sufre mayores trabajos con los hijos
que no el padre, pues como quiera que el padre los engendre, la madre
sufre gran embargo [...] con ellos mientras que los trae en el vientre y
sufre muy grandes dolores cuando ha de parir; [...] por ello es llamado
matrimonio y no patrimonio [sublinhado meu].2
Porém, uma questão se nos apresenta. Desde o momento que
duas pessoas contraem casamento/matrimónio, espera-se que este seja
consumado. E o acto de consumação do matrimónio – ou seja, a
existência de relação sexual entre os esposos – é um acto que, regra
2 “Las VII partidas de Alfonso X”, IV partida, lei 2.
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geral, é condenado pela Igreja. Nestas circunstâncias, como entender
que o matrimónio não seja condenado por esta Instituição religiosa?
Na verdade, a Igreja não condena o casamento – mas também
não o aprova incondicionalmente. Ela vê-o apenas como um mal menor,
e esta é uma ideia bastante importante que devemos ter sempre em
mente; a Igreja considera que o casamento apenas tem razão de ser se
servir para domar e refrear o desejo carnal que os humanos – e,
conforme então se pensava, especialmente o sexo feminino – eram
propensos a sentir, ou então ≪para gerar uma prole que seja educada
religiosamente≫. E também Afonso X contemplou esta limitação nas suas
“Partidas”. Ele afirma que há algumas situações em que o casal não peca
quando tem relações; e uma delas é precisamente quando o fazem tendo
em vista o nascimento de filhos: ≪(...) cuando se junta el marido con su
mujer com intención de tener hijos, no hace pecado ninguno, pues antes
hace lo que debe según Dios manda (...)3≫. A Igreja defendia que Deus
tinha ordenado aos seres humanos não que retirassem prazer do acto
sexual em si mas sim que procriassem, que se reproduzissem. Quem não
conhece a famosa afirmação divina “Crescei e multiplicai-vos!”? Será
que podemos ver aqui uma “arma” que a Igreja usava para alargar a sua
3 “Las VII Partidas de Alfonso X, el Sabio” – IV Partida, título II, lei 9, l. 4-6
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esfera de influência, para espalhar mais a religião que defendia? Creio
que sim.
Dentro de um matrimónio, as relações carnais entre os esposos
deviam ser limitadas – isto permitiria à mulher permanecer não virgem
(tal já não era mais possível) mas casta. Esta virtude - a castidade -
vai ser muito exaltada pela Igreja ao longo da Idade Média. Aliás, esta
instituição dá-nos inclusivamente exemplos de mulheres que devem
servir de exemplo pela sua castidade – é o caso de Sara, a boa esposa,
a quem Duby e Perrot fazem referência: ≪Obediente, casta, devota, Sara
encarna aos olhos dos clérigos ora uma ora outra das virtudes
requeridas à boa mulher (...)≫4.
Por forma a garantir (ou pelo menos tentar garantir) que o
contacto físico entre esposos era diminuto, a Igreja limitou ao máximo os
dias “legais” (!) para tal; assim, era proibido um casal ter relações
durante o período menstrual da mulher, durante a época da quaresma ou
ainda em dias santos ou na noite de domingo. E era crença corrente que
quem o fizesse seria facilmente reconhecido: caso resultassem crianças,
estas nasceriam com deformações físicas, quase como monstros; isto
mesmo se pode ver em Bernardino de Siena ou Paolo da Certaldo: ≪(...)
4 “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 143.
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nascerão filhos monstruosos ou leprosos (...)≫5. Outra referência a este
aspecto é expressa por Gregório de Tours, e vêmo-la numa das obras
de Duby6:
Que se abstenham de todo o comércio carnal durante os dias
santificados, senão Deus vingar-se-á; [...] os monstros, os estropiados, todas
as crianças macilentas são, sabemo-lo bem, concebidas na noite de domingo
[sublinhados meus].7
“Vós também, ó mulheres, sede submissas aos vossos maridos,
para que, se alguns não obedecem à palavra, venham a ser conquistados, sem a
palavra, pelo procedimento das suas mulheres, ao observarem a vossa vida casta
e reservada. Não seja o vosso adorno apenas o exterior: cabelos frisados,
adereços de ouro e vestidos ajustados; mas sim o ornamento interior e culto do
coração, a pureza incorruptível de um espírito suave e pacífico, que é precioso
aos olhos de Deus”8.
Quem não conhece esta famosa passagem da 1ª Carta de São
Pedro, lida em todos os casamentos que actualmente se celebram? E de
facto esta simples passagem traduz muito do que se esperava das
mulheres num casamento na Idade Média. Esperava-se que fossem
submissas, que fossem castas, que fossem modelos a seguir, que fossem
5 Citação recolhida do “Penitenciário de Martins Perez”.
6 “A Idade Média – uma Idade do Homem”, pp. 16-17.
7 Como se sabe, o dia de Domingo é o dia santo da religião Católica Cristã, e pelo que
anteriormente ficou dito percebe-se claramente o porquê desta crença. 8 Bíblia Sagrada, I Ped 3, 1-4
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
8 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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humildes, que cuidassem mais do seu espírito do que do seu aspecto
exterior9.
Ao longo de toda a Bíblia, há vários outros exemplos do que
deveria ser a boa esposa. Como paradigma, há o modelo de Sara, a
esposa casta, que foi casada 7 vezes sem nunca consumar o casamento,
pois era possuída por um demónio. Apenas o seu casamento com Tobias
foi bem sucedido, uma vez que rogaram a Deus na sua noite de núpcias,
e lhe rogaram protecção e benção.
A virtude da castidade pode-se observar nesta passagem de
Paulo. É importante referir que, se é verdade que a mulher tem um papel
fundamental no casamento e na construção do modelo social idealizado
pelos clérigos (ao contrário do que se poderia pensar), também é
verdade que a mulher-esposa e a mulher-mãe é mais imperfeita que a
mulher-virgem (esta sim, o paradigma da perfeição, tal como Maria, mãe
de Cristo). Ora, é evidente que quando uma mulher casa, sabe de
antemão que não poderá mais ser virgem, a sua pureza perder-se-ia.
Assim, como contornar religiosamente este “obstáculo”? Precisamente
9 Aliás, este era mais um dos factores que levava a Igreja Católica a não defender
incondicionalmente o casamento, uma vez que o responsabilizava pelo facto de levar as
mulheres ao pecado da vaidade. Pelo seu lado, elas justificavam-se, afirmando que só
faziam tal para agradarem aos seus maridos. Isto levou a que mais tarde se tenha ido
impondo o costume de as mulheres da nobreza que fossem casadas há mais de 6 anos se
vestissem todas de preto – isto provaria que elas eram, de facto, castas.
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9 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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como já foi referido atrás, limitando ao máximo os dias de “comércio
carnal” entre os esposos.
Mas uma questão se nos põe. Será que de facto estas limitações
todas teriam apenas um âmbito religioso, será que eram impostas apenas
para livrar os esposos do pecado da carne?
Ao lermos Jack Goody, vemos que este autor pensa que todas
estas proibições em relação à existência de relações sexuais entre as
pessoas poderiam fazem parte de uma política controlo da natalidade a
longo prazo: “Essa abstinência, tal como o celibato sacerdotal e laico e
o casamento tardio (...) contribuíram, sem qualquer dúvida, para
controlar o crescimento da população a longo prazo10”. Na minha
opinião, se de facto Goody tem razão e se a Igreja condena relações
ocorridas nestas datas, creio que podemos estar na presença de uma
aliança entre Estado e Igreja (é aliás de se referir que estas alianças
eram bastante frequentes e não só em assuntos como o casamento) que
visava um controlo efectivo da população existente. Este autor considera
ainda que todas estas restrições podem ter por base a tentativa de
“banir”, por assim dizer, as amas de leite (questão que irá ser explicada
mais à frente, no ponto que trata sobre os deveres das mulheres).
10 Goody, 1985, pg. 173
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
10 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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Há ainda mais uma razão para todas estas imitações; tal como se
irá ver mais adiante, neste trabalho, os filhos eram um dos objectivos
primordiais da contracção do matrimónio. De modo a não gerar filhos
doentes ou com qualquer deficiência, aplicavam-se todas estas medidas
de limitação. O mesmo se passava em relação ao incesto – é actualmente
comprovado pela ciência que o casamento entre parentes chegados
origina fraquezas genéticas; por certo que na Idade Média, embora não o
soubessem cientificamente, já se tinham dado conta deste facto. Mais
uma razão para se lutar contra o incesto.
Passemos agora a outra questão. Até há muito pouco tempo, era
quase impensável um homem e uma mulher contraírem matrimónio
meramente civil; eram olhados como uma excepção à regra se não se
casassem pela Igreja. O que nos leva a pensar. De que forma entrou a
Igreja Católica nas celebrações matrimoniais? Por que razão começou a
ser necessário a aprovação desta Instituição, e por que razão se lhe
concedeu o poder de unir (e em certos casos desunir) casais?
Na realidade, esta situação tem uma razão de ser muito prática.
Há situações em que a coabitação ou relação entre homens e mulheres é
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
11 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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proibida; e como é fácil de perceber, uma destas situações é o incesto11.
A este nível, os dois poderes reinantes sobre a terra estão de acordo, e
os próprios soberanos dizem que proíbem exactamente o que os
eclesiásticos proíbem. Como se torna lógico, o rei per se não tem poder
suficiente para impedir que o incesto aconteça – afinal de contas, ele é
apenas um. No entanto, o rei tem poder para uma coisa – para pedir
ajuda à Igreja. Já anteriormente referi que as questões religiosas
estavam intimamente ligadas ao quotidiano. Uma proibição da Igreja era
de facto cumprida, quanto mais não seja pelo medo que as pessoas
tinham da excomunhão, pelo medo que tinham de, no Além, não poderem
participar no banquete divino oferecido pelo Criador e para o qual se
tinham preparado, muitas vezes durante toda a sua vida. E como
conseguia a Igreja controlar isto? Através dos inquéritos que lhe eram
11 E é importante perceber que o incesto aqui se refere não apenas ao incesto “directo”,
ou seja, entre pais e filhos ou entre irmãos, mas também entre primos – directos ou até a
um certo grau, que era definido pela Igreja. Este grau foi mudando ao longo dos tempos,
consoante as pressões de que a Igreja era alvo. Em certas alturas, diz-nos Goody, a
Igreja proibia o casamento entre parentes em tantos graus que para uma pessoa de uma
aldeia poder casar, tinha que ir procurar cônjuge nalguma aldeia vizinha, pois na sua
aldeia natal não havia ninguém que não fosse seu parente. Goody, no entanto,
apresenta-nos as razões que poderiam levar à realização de casamentos endogâmicos;
segundo este auto, o facto de uma jovem casar fora da sua paróquia só traria
desvantagens. Em primeiro lugar, daria uma parte da propriedade da paróquia a um
forasteiro. Para além disso, cada rapariga que casasse fora da sua aldeia/paróquia
aumentaria a possibilidade de um rapaz ficar solteiro e “de trabalhar como criado em casa
de outrém” (Goody, 1995, pg. 171)
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12 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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realizados e após os quais dava ou não o consentimento para a cerimónia
se realizar. Para que serviam estes inquéritos? Uma das medidas que
foram tomadas para evitar o incesto foi a obrigatoriedade das nuptiae
públicas, de modo a poderem ser controladas oficialmente. Para tal –
para este controle ser levado a cabo com eficácia – eram então
realizados os já referidos inquéritos, para se poder averiguar se de facto
os nubentes não eram parentes próximos, facto que impediria o seu
matrimónio. Estes inquéritos tomavam lugar junto de vizinhos/parentes
(ou seja, junto dos veteres populi), mas apenas depois de terem sido
efectuados junto das autoridades eclesiásticas (padres/bispos). Creio
resultar daí a tradição, ainda hoje vigente, de o padre perguntar à
assembleia se alguém sabe de algum impedimento à celebração do
casamento entre os nubentes. O próprio Afonso X contemplou esta
situação: ≪[el clérigo] amonesta a todos cuantos allí están a que si saben
que hay algún impedimento entre ellos por el que no deban casar en
uno, que lo digan (...)≫12.
Se bem que mais tarde o seu papel se vá modificando, nos seus
primórdios a Igreja foi chamada a participar no matrimónio ≪não apenas
para abençoar, para exorcizar, não apenas para moralizar, mas para
12 Afonso X, idem, IV partida, título III, Lei I.
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
13 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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controlar e para autorizar. Para julgar. Portanto para reger. [sublinhado
meu]≫13 Penso que este excerto de Duby nos mostra claramente qual o
verdadeiro papel da Igreja dentro do matrimónio. Na minha opinião, o
incesto deve ter sido um dos pontos em que poder temporal e poder
espiritual se uniram e estiveram de acordo, e creio que se “usaram”
mutuamente (passo a expressão) para o evitar.
Depois de tudo quanto ficou dito até este ponto do trabalho,
penso ser mais fácil perceber a questão dos matrimónios secretos – que
eram, obviamente, proibidos.
Numa das principais fontes para este trabalho – as “VII Partidas
de Afonso X” – vemos o que é considerado como um matrimónio secreto:
Escondidos son llamados los casamientos de tres maneras: la
primera es cuando los hacen encubiertamente y sen testigos, de manera que no
se pueden probar; la segunda es cuando lo hacen ante algunos, mas no demandan
la novia a su padre o a su madre o a los otros parientes que la tienen en guarda,
ni dan sus arras [...] ni les hacen las otras honras [...]; la tercera la tercera es
cuando no lo hacen saber concejeramente [en público] en aquella iglesia de
donde son parroquianos (...).
Todos estes pontos nos vêm confirmar aquilo que anteriormente
foi dito. Tudo é feito para evitar o incesto, um dos mais graves crimes
sexuais de então. Não se pode casar sem testemunhas (ou seja, não se
13 DUBY, idem, pg. 19
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14 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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pode casar se as núpcias não forem públicas); não se pode casar sem
autorização da Igreja; não se pode casar sem a realização prévia de
inquéritos para provar a exogamia do acto. Quem for castrado11
não
pode casar; quem for criança14 não pode casar – apenas pode ser
prometida em casamento. Há toda uma série de entraves feitos ao
casamento.
Mas não nos iludamos. Os entraves a que me refiro não são
apenas feitos à realização do casamento. São-no também à sua
dissolução – “o que Deus juntou, não separe o Homem”... Tal como na
questão das relações sexuais, há alguns casos apontados por Afonso X
em que a dissolução do casamento (ou seja, o divórcio) é legal e
autorizado pela Igreja: em caso de desejo de um dos cônjuges em entrar
numa ordem religiosa (e há descrições dessas situações), em caso de
adultério/fornicação (mas apenas por parte da mulher; a razão de ser
desta situação será explicada noutra parte do trabalho). Vejamos então o
que diz Afonso X sobre o divortium:
14 Pois as crianças (por natureza) e os castrados (que poderão ter ficado assim por várias
razões) são impotentes, e se uma das justificações do casamento é a geração de filhos,
facilmente se percebe por que razão o matrimónio lhes está interdito.
História Económica, Social e Política Medieval I e II
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15 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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(...)[em relação aos esposos] si a alguno de ellos, después que
fuesen juntados carnalmente, le viniese en voluntad entrar en orden y se lo
otorgase el otro (...) de esta manera se hace el departimiento para ser llamado
propiamente divorcio (...). Otrosí haciendo la mujer contra su marido pecado de
fornicación o de adulterio, es la otra razón que dijimos por que e hace
propiamente el divorcio (...)
O divórcio pode ainda ser concedido em caso de impotência15,
pois logicamente isto resultaria numa não consumação do casamento. É
importante não nos esquecermos que esta impotência nunca se referirá a
homens castrados ou crianças; tal como explico na nota de rodapé n.º
11, estes dois grupos estavam proibidos de contrair casamento. Mais
uma vez, nas “Partidas” de Afonso X se encontram referências à
concessão do divórcio com base na impotência:
(...)ocurre en los hombres que son fríos por naturaleza y en las
mujeres que son tan estrechas que por maestrías que les hagan sin peligro
gran de ellas, ni por uso de sus maridos que se esfuerzan por yacer con
ellas, no pueden convenir con ellas carnalmente; pues, por tal impedimento
como este bien puede la santa Iglesia anular el casamiento (...) y debe dar
licencia para casar al que no fuere impedido.
E no caso de alguém se divorciar efectivamente? Será que se
podia voltar a casar? O “recasamento” era possível? “Se o divórcio era
difícil, o recasamento era impossível16”, diz-nos Goody.
15 Impotência tanto masculina como feminina.
16 Goody, 1995, pg. 171
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16 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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Curiosamente, um novo casamento apenas era proibido em caso
de divórcio, uma vez que aos olhos de Deus o casamento não tinha sido
dissolvido. Aliás, o próprio Jesus afirma que “Se alguém repudiar a sua
mulher – excepto em caso de adultério e casar com outra, comete
adultério” (Mt, 19, 9). Se por acaso alguém quisesse voltar a contrair
casamento por ter enviuvado, nenhuma lei havia que o proibisse (embora
também nada o encorajasse). É importante referir que as segundas
núpcias eram tão mais frequentes quanto mais baixa era a classe social
dos nubentes. Porquê? É fácil de percebermos se pensarmos que a um
nível socio-económico mais baixo a mortalidade era maior; as pessoas
tinham menos condições de vida, estavam mais sujeitas a doenças, a
mortalidade infantil era maior. Logo, para tentar preencher o vazio que a
mortalidade teimava em deixar, era frequente o homem (pois enviuvava
mais facilmente – não nos esqueçamos que o acto de dar à luz trazia
bastantes perigos para a mulher) procurar uma nova esposa:
“Quando enviuvavam, muitos progenitores ficavam sozinhos com a
responsabilidade de cuidar dos filhos e um novo casamento era uma grande ajuda
não só em casa mas também no trabalho da fazenda ou na oficina. As segundas
núpcias faziam com que a presença de padrastos e madrastas fosse bastante
vulgar17”.
17 Goody, 1995, pg. 172
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17 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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Ainda em relação ao matrimónio, há que referir um aspecto muito
importante. Ao nível das classes mais ricas os nubentes não pertenciam
ao mesmo extracto económico. Regra geral – e vários autores nos
confirmam isso – há uma tendência para a mulher casar num nível
económico inferior ao seu e para o homem casar num nível superior:
José Mattoso dá-nos a entende este facto muitíssimo bem na sua obra
“Ricos-homens, cavaleiros e infanções”, principalmente no capítulo em
que fala da “circulação de mulheres”: ≪(...) superioridade da família que
dá a mulher ou da que a recebe (...)≫[sublinhado meu]. Analisando o
comportamento de várias famílias da nobreza, este autor chega à
conclusão que apesar de o grau de endogamia ser mais reduzido do que
originalmente se pensava, a verdade é que os casamentos não se
realizavam (pelo menos a um nível económico mais abastado) entre
pessoas do mesmo nível. Isto justifica a asserção de que a mulher, ao
casar-se, é obrigada a uma dupla deslocação. Uma horizontal, para a
casa do seu marido, e outra vertical, para uma escala social diferente,
normalmente para uma inferior, pois os pais querem para os seus filhos
esposas melhor nascidas que eles.
Assim, depois de tudo o que ficou dito, vemos que o matrimónio
não era algo que se encarasse de ânimo leve na Idade Média, uma vez
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18 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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que subjacente a si havia toda uma série de complicações que tocavam
vários âmbitos – sociais, políticos, religiosos, económicos...
Os deveres das mulheres
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19 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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“Deus criou o homem à Sua imagem , criou-o à imagem de
Deus; Ele os criou homem e mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes:
≪crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os
peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se
movem na terra≫. (Gn 1, 27-28).
Nesta passagem da Bíblia, que por certo todos conhecem,
afirma-se uma das coisas mais importantes em relação a um casal e que
muitas vezes tende a ser esquecida (pelo menos na Idade Média):
homem e mulher foram criados à semelhança de Deus (por conseguinte,
eles próprios são semelhantes) e o seu papel fundamental é o de se
reproduzir.
Esta mesma passagem foi no entanto “reciclada” pela sociedade
medieva; de facto, um dos deveres mais importantes atribuídos às
mulheres era a da perpetuação da espécie. Aliás, quem não conhece o
lugar-comum de que a mulher, enquanto fosse sexualmente activa,
deveria dar um filho por ano à sociedade onde estava inserida18?
Este seu dever facilmente se compreende se pensarmos na alta
mortalidade infantil que se fazia sentir ou se pensarmos que o séc. XIII
18 “Gerar filhos continuadamente e até á morte”, é o que nos diz o dominicano Nicolau de
Gorran.
História Económica, Social e Política Medieval I e II
“A mulher e o casamento na Idade Média”
20 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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foi o século do renascimento das cidades e que fazia falta regenerar a
população.
Além disso, uma mulher que dê à luz já não é obrigatoriamente
virgem; assim, diz-nos Nicolau de Gorran que o acto de dar
continuadamente à luz “constitui a alternativa real à conquista da
salvação por meio da virgindade19”.
Em relação aos filhos, mulher tinha que tomar toda uma série de
cuidados. Estes cuidados começariam ainda durante a gravidez, uma vez
que qualquer aborto ou qualquer nado-morto seria considerado da
inteira responsabilidade da mulher. O mesmo se passa em relação à
amamentação. Esta deveria estar a completo cargo da mulher e não a
cargo de amas de leite. A razão disto deve-se à responsabilidade que é
dada à mulher na educação dos seus filhos. Se ela amamentar os seus
filhos, terá possibilidade de lhes incutir todos os seus valores (não nos
esqueçamos que estamos a falar do que em princípio seria uma mulher
ideal à vista da sociedade de então); ora, se a amamentação fosse levada
a cabo por uma ama de leite, não havia certezas de a criança vir a
crescer dentro dos valores cristãos.
19 DUBY e PERROT, “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 163.
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
21 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889
Évora, Junho de 04
É no entanto importante fazer notar o que nos diz Goody; apesar
de a Igreja não ver com olhos muito bons esta questão das amas de leite,
admite-as pois considera que é melhor a mulher estar apta a satisfazer o
seu marido para que este não caia no pecado do adultério, e isto seria
impensável caso a mulher estivesse a amamentar.
E em relação ao amor mãe-filho? Será que se podia falar deste
conceito numa época em que não existia a própria noção de criança? É
evidente que a mãe tem uma tendência natural para amar os seus filhos
e as suas filhas. No entanto, como “ser fraco” que é, os filhos (os filhos-
homens, é importante que se note) têm uma certa tendência, após os
primeiros anos de vida, a transferir o seu amor pela mãe para um amor
pelo pai, criatura mais perfeita porque homem.
Esta questão do amor da mãe em relação aos seus filhos está
intimamente ligada à questão da educação. A educação20 das crianças
variava consoante elas fossem um rapaz ou uma rapariga, como
facilmente se poderá calcular. Por exemplo, no caso dos rapazes, as
mães deveriam velar pelos seus valores morais e cristãos, mas só e
apenas no caso de elas conseguirem dominar o amor carnal que são
20 É importante referir que, regra geral, acreditava-se que a educação dos filhos (e
nalguns casos das filhas) deveriam ser entregues a uma autoridade masculina, como
aconteceu com o cavaleiro de La Tour Landry e com o rei de França, São Luís
História Económica, Social e Política Medieval I e II
“A mulher e o casamento na Idade Média”
22 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889
Évora, Junho de 04
propensas a sentir; já no caso das raparigas, as mães devem velar não
apenas pelos seus valores morais e cristãos mas também pela castidade
(mais uma vez, esta virtude fundamental) dos seus corpos; notemos o
que nos diz Silvana Vecchio acerca desta temática:
“o controlo da sexualidade das filhas surge de facto como âmbito
privilegiado da pedagogia materna, o único do qual a mãe, seja como for, é
responsável, independentemente até da sua própria moralidade: (...)21”
Penso que deverá ser nesta perspectiva de repressão do corpo
feminino, de o afastar de qualquer fonte de possível pecado, de o afastar
de qualquer perigo para a sua castidade, que devemos enquadrar uma
das actividades mais conhecidas das mulheres, ao longo de toda a
História: o bordar, o coser. Quem nunca ouviu dizer que o papel das
mulheres é ficar em casa a cozinhar e a coser/bordar?
Na obra dirigida por Jaques le Goff, “O Homem medieval”,
encontramos a explicação para este facto. Bordar, fiar, tecer... tudo isto
são tarefas que obrigam a mulher a ficar em casa, a não sair para o
exterior (onde os seus percursos são todos delineados e seguidos), e que
as obrigam a ocupar mãos e espírito, para não “vaguearem” por onde
quiserem. Assim,
21 DUBY e PERROT “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 167
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
23 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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“desde a mais tenra idade que as mulheres fiaram, teceram,
coseram e bordaram sem descanso, e quanto mais alta for a linhagem, quanto
mais honra tiverem, menos tempo se lhes concederá para brincarem, rirem ou
brincarem22”
Passemos agora a outro dos deveres fundamentais da mulher
dentro do casamento. O dever da fidelidade e do dever conjugal.
Muitas questões se nos põem neste âmbito. Será que a mulher
tem mesmo que ser submissa em tudo ao seu marido, na questão do
dever conjugal? Ou será que tem direitos iguais?
Analisando a partir da Bíblia, poderíamos ser induzidos a pensar
que de facto homem e mulher foram feitos à semelhança de Deus e que
portanto são semelhantes. Mas esta temática da igualdade ou submissão
é muito controversa, uma vez que a Bíblia também nos pode levar a
pensar que a mulher deve ser submissa uma vez que foi feita a partir da
costela do homem: “Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do
homem” (Gn, 2, 23). Também Paulo exorta as mulheres a serem
submissas.
Mas o que quer dizer uma mulher ser submissa no casamento?
Será que implica submeter-se a todas as vontades sexuais do marido,
quaisquer que elas sejam?
22 “O homem medieval”, dir. Jacques le Goff, pg. 207
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24 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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Curiosamente, o âmbito sexual é o único em que a mulher tem o
direito de dizer “Não”. É interessante notar, porém, que Afonso X, nas
suas “Partidas”, nos diz que o parceiro (isto é tanto válido para o homem
como para a mulher) tem o dever de ter relações com o seu cônjuge
quando este tem vontade, mesmo que ele próprio não tenha vontade.
Afonso X diz-nos que isto não é considerado pecado e que é uma forma
de evitar a luxúria, o adultério e outros pecados afins. Apesar disto, o
marido não tem de forma alguma o direito de pedir o que quer que seja a
nível sexual à sua mulher. Apesar de ser submissa, ela tem o direito de
dizer “não” sempre que o marido lhe queira pedir algo que seja
completamente contra a natureza humana (como por exemplo certas
posições sexuais). Portanto, assim se vê que a submissão da mulher não
é tão completa como actualmente há tendência para as pessoas
pensarem.
O mesmo se passa em relação à fidelidade. Ambos os cônjuges
têm, em teoria, o dever de a praticar, uma vez que a posse do corpo do
outro implica exclusividade e fidelidade (é igualmente importante referir
que este era o único meio para assegurar uma descendência23 e para
23 Considerava-se que uma mulher casta, que não tivesse relações sexuais
habitualmente, tinha mais probabilidades de dar à luz que uma mulher “pecadora”.
História Económica, Social e Política Medieval I e II
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25 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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garantir que a paternidade pertence ao marido). É no entanto
reconhecido que a mulher é mais propensa a guardar a fidelidade a que
está sujeita, enquanto que o marido pensa estar menos obrigado a ela. E
de facto, assim acaba por ser. Pensemos nos filhos extra-matrimónio. Se
for o homem a tê-los, não haverá grande problema. Porém, se estes
forem filhos de uma mulher, são considerados como tendo nascido da
fraude e são acusados de um duplo crime, o terem nascido do pecado da
carne e o terem nascido da traição da mãe...
Esta questão da fidelidade das mulheres prende-se ainda a outro
facto, que tem a ver com uma teoria herdada da Antiguidade, segundo a
qual a mulher era um ser passivo sexualmente. Sendo passiva, ela
dever-se-ia manter completamente fiel ao marido para que o sangue
paterno ficasse puro dentro dela, ela que apenas moldaria/amadureceria
o feto. Esta questão do sangue paterno puro fazia temer a entrada de
outro sangue na família, o que iria alterar a pessoa que a criança viria a
ser. Assim se percebe o porquê da fidelidade que era absolutamente
exigida às mulheres e a razão pela qual os homens pensavam estar
menos vinculados a ela. No entanto, é fundamental referir um facto
ainda acerca desta fidelidade. No caso de o marido se ausentar muito
tempo (quer seja uma ausência de casa quer seja apenas uma ausência
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26 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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a nível carnal), a mulher ganha o direito de se relacionar com outros
homens.
Passemos agora outro dos deveres fundamentais de um mulher
dentro do seu casamento: o dever de salvar a sua família através da
oração e da evangelização. A mulher toma um papel de evangelizadora e
de missionária junto aos seus maridos, dando-lhes o exemplo do que
deve ser alguém cristão; rezando, santifica-se a si e à sua família. Aliás,
Cristina de Pisano, ao longo da sua obra, considera que a mulher é a
mais válida conselheira do marido e guia espiritual para a sua salvação.
Outro exemplo: “Francisco de Barberino atribui à rainha não só a tarefe
de assistir o esposo nas necessidades da vida quotidiana mas também a
função de o aconselhar na conduta moral (...)24”. Assim, conforme se
pode ver, o papel das mulheres dentro de um casamento não é assim tão
nulo.
Um outro ponto muito importante se impõe agora. Já vimos a que
espécie de obrigações a mulher estava sujeita para com o seu marido –
mas será que a mulher amava de facto o homem com quem se tinha
casado? Costuma dizer-se que era raro o casamento que era feito por
amor (embora teoricamente a partir do séc. XI a Igreja tenha procurado
24 DUBY e PERROT, “História das Mulheres – a Idade Média”, pg 157.
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27 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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fazer casamentos tendo por base a vontade dos nubentes); o que se
passava é que, ao longo do tempo, os esposos iam aprendendo a amar-
se mutuamente. No entanto, o grau de amor a que se entregavam era
diferente. A mulher, enquanto ser mais frágil e mais imperfeito, amava
mais o seu marido do que este, mais perfeito, a amava a ela. O amor do
marido para com a mulher é igual ao amor de um ser superior por um ser
inferior, as teorias de Alberto Magno e Tomás de Aquino justificam-nos
porque razão o marido é mais amado do que ama. Isto leva-nos a poder
dizer que o facto de a mulher amar mais nos aparece como mais um sinal
da sua fraqueza, da sua imperfeição. “(...) a obrigação de amar o marido
que lhe é imposta como essencial à sua função de esposa revela-se ao
mesmo tempo tarefa inexaurível e marca de inferioridade.25”
Depois destas obrigações “maiores”, a mulher tinha toda uma
outra série de obrigações “menores” (pelo menos na minha opinião, estas
obrigações são importantes mas de modo algum tão fundamentais como
as primeiras).
Podemos começar por referir a obrigação de honrar os sogros,
não ter para com eles senão palavras respeitosas, nunca os fazer alvo
de qualquer tipo de agressão, ser reverente, doce, ter capacidade de os
25 DUBY e PERROT, “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 151
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28 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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amparar. No fim de contas, eles eram agora a sua própria família, os
seus próprios pais e se estamos na perspectiva de uma esposa cristã, não
nos podemos esquecer o que nos diz o IV mandamento da Lei de Deus:
“Honrarás teu pai e tua mãe”. Além disso, a mulher tem o dever e a
tarefa de manter as boas relações não só com os seus sogros mas
também com todos os parentes do seu marido.
Outra das obrigações da mulher prende-se à administração da
casa e ao amparo de quantos nela vivem (servos, criados...).
Quando se diz que a mulher devia ficar em casa, isto não era
apenas para a impedir de ir ao exterior; era também em grande parte
porque a mulher tem dentro de casa um volume de trabalho equivalente
ao que o homem tem fora dela; no entanto, a tarefa de governar a casa
não pode ser exclusiva da mulher – isto significaria que ela se tinha
tornado na senhora da casa, e de facto não era assim. O homem
continuava a ser o senhor inconfundível de cada casa, de cada lar. O
que se passa é que “casa” é uma metáfora da consciência, da Igreja, do
Paraíso (ou, se for caso disso, do Inferno...). Assim, cabe à mulher velar
pela cristandade da sua casa; isto aplica-se tanto aos seus filhos, a
quem ensina antes de tudo a temer e respeitar a Deus, como às suas
História Económica, Social e Política Medieval I e II
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29 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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filhas, velando incansavelmente pela sua virgindade/castidade, como
aos seus servos e criados.
Aliás, se queremos ter uma ideia de todas as obrigações que uma
mulher enquanto dona de casa tem, basta-nos ler algumas partes do
provérbio 31:
“Levanta-se, ainda de noite,
distribui o alimento pelos da sua casa
e a tarefa pelas suas servas
Ela vê um campo e adquire-o
Planta uma vinha com o ganho das suas mãos
(...)
Fabrica linho fino e vende-o
E fornece cintos ao mercador
(...)
Vigia o andamento da casa
E não come o pão da ociosidade26”
Creio que este salmo evidencia muito bem todas as tarefas da
mulher dentro do seu lar. Tal como acontecia quando ainda era uma
simples donzela, que não tinha tempo para rir nem brincar (mais uma vez
a questão do interminável bordar), agora que é casada, tem muito
trabalho à sua frente na sua nova casa, o que não lhe deixa espaço nem
tempo para se dedicar à ociosidade.
26 Bíblia Sagrada, Prov. 31
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“A mulher e o casamento na Idade Média”
30 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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Estão assim analisados os principais deveres da mulher dentro do
casamento. Como se pode ver, o seu papel não é tão destituído de
importância como se poderia pensar. Passemos então ao último ponto.
Punição das mulheres
No ponto anterior, falou-se de todos os deveres que estavam
inerentes a uma boa esposa. No entanto, não podemos pensar que todas
as mulheres que se casavam obedeciam estritamente obedeciam
estritamente aos cânones instituídos de deveres e obrigações dentro da
nova família a que pertenciam. Decerto ninguém pensa que o adultério
ou o incesto são “invenções” do nosso século. Eles existiam de facto na
Idade Média, tal como existiam antes e tal como existirão sempre até à
extinção da raça humana.
A questão que é lícito colocarmos é a seguinte: partindo do facto
conhecido de que existiam mulheres “pecadoras” (pelo menos aos olhos
da sociedade instituída), como se lidava com essas mulheres? O que lhes
aconteceria caso os seus actos se tornassem conhecidos?
Em primeiro lugar, é muito importante esclarecer um ponto
fundamental, sem o qual creio que não se poderá perceber tão bem as
História Económica, Social e Política Medieval I e II
“A mulher e o casamento na Idade Média”
31 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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punições impostas. Já antes referi que a sociedade medieval era uma
sociedade muito ligada ao aspecto religioso, ao mundo do Além, à vida
pós-morte. Esta situação, em conjunto com o medo do
Purgatório/Inferno, justifica, na minha opinião, que as pessoas
confessassem tudo o que consideravam pecado de modo a se poderem
penitenciar (e esta penitência era pública, o que equivale a dizer que as
pessoas, para além de se penitenciarem, humilhavam-se perante todos).
Na realidade, ninguém saberia se as pessoas cometiam certos pecados
se estas não se confessassem e consequentemente se penitenciassem. E
apenas se confessavam, creio, por medo de não conseguirem entrar no
reino dos Céus, por medo de não participarem do banquete divino.
Esclarecido este ponto, passemos então a analisar as penitências
em que as pessoas – e neste caso específico, as mulheres – incorriam
caso “pecassem”. Para tal, tomei como fonte o “Penitenciário de Martins
Perez”. Nesta obra encontramos relativamente pouca informação sobre
penitências de mulheres, mas mesmo assim podemos tirar algumas
conclusões.
Assim, vemos que as penitências variam entre um jejum de 20
dias até à entrada numa ordem religiosa perpetuamente. Por exemplo,
diz-nos Martins Perez que se uma mulher tiver relações com um bispo,
História Económica, Social e Política Medieval I e II
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32 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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deve entregar todos os seus bens à Igreja e para além disso “tomar
estado de religion e sirva em elle a Deus ataá morte”27.
Nesta obra encontramos mais especificações sobre castigos e
penitências a que as mulheres se deviam submeter. Por exemplo, se uma
mulher incorrer no pecado do incesto com o próprio pai, dever-se-á
penitenciar durante 15 anos. Porém, se o incesto for com um seu irmão,
a penitência será apenas de 10 anos, e se for um incesto mais
“longínquo” (passo a expressão) – com um cunhado – fará penitência de
40 dias e 7 anos de “suso”.
Se para ter relações, a mulher usar aliquo instrumento para
ajudar, a penitência será de 3 anos, e se o pecado for a masturbação, a
penitência será de 1 ano.
Se a mulher cometesse o que actualmente se chama “pedofilia” –
ou seja, se “algum moçinho parvoo super se pusit” – incorrerá numa
penitência de 2 anos.
A penitência seguinte diz respeito a raparigas solteiras. Ao
contrário do que acontecia na Antiguidade Clássica, em que as raparigas
solteiras não eram obrigadas a manter a sua virgindade, apenas eram
obrigadas a ser fiéis depois de se casarem, na Idade Média, se uma
27 Penitenciário de Martins Perez, pg. 95
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33 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
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rapariga solteira cometesse um “pecado sexual”, ela deveria jejuar XX
dias a apenas pão e água.
Finalmente, a última medida que nos aparece neste penitenciário
diz respeito àquelas mulheres que se deixam tocar e acariciar apenas
por luxúria, ou então em relação àquelas mulheres que servem de
alcoviteiras da parte de uma mulher para um homem. Em qualquer
destes casos está prevista uma penitência de 2 anos.
Como se pôde acabar de verificar, a sociedade medieval estava
grandemente limitada não só nas suas práticas quotidianas “públicas”
(passo a expressão) mas também nas suas actividades de foro familiar
mais íntimo.
Não se admitia que um casal – ou mais propriamente uma mulher
– retirasse qualquer prazer da sua vida sexual. A mulher deveria ser
passiva, deveria ser como um objecto que o marido manipulasse de
forma a retirar dela maior prazer mas sem retirar ela própria prazer.
Aliás, as relações sexuais na altura eram vistas apenas como uma forma
de perpetuar a espécie – não como uma outra coisa qualquer. Daí que
qualquer mulher que começasse a agir como um ser activo e que
começasse a pensar nas relações como algo mais que gerador de
crianças fosse tão malvista e incorresse em penas tão pesadas.
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Conclusão
Ao longo de todo este trabalho, pudemos tirar algumas
conclusões que, provavelmente, à primeira vista não seriam assim tão
óbvias.
Por exemplo, apesar de se pensar que o casamento era sempre
imposto pelos pais, na verdade a partir do séc. XI a Igreja esforçou-se
por garantir que o matrimónio era contraído de livre vontade pelos
nubentes. Daí a importância da pergunta “É de livre vontade que contrais
matrimónio?”, uma vez que se se provar que o casamento foi forçado
poderá ser dissolvido. É no entanto importante referir que se há um
esforço para que o casamento não seja totalmente imposto, também é
verdade que o casamento, como acto político-social que é, é muitas
vezes arranjado pelos pais e os noivos só vêem o seu futuro cônjuge no
dia do próprio casamento.
Durante o decorrer do trabalho, também foi interessante analisar
alguns dos deveres mais importantes da esposa dentro do seu
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casamento. Ao contrário do que se poderia pensar, o papel da esposa
dentro do casamento não é assim tão nulo e tão desprovido de valor;
afinal, ela acaba por ser o elo fundamental entre a família e Deus.
Rezando, ela acaba por se santificar, bem como à sua família. Com as
suas acções castas, humildes, calmas, ela mostra ao seu marido quais os
verdadeiros atributos de uma esposa cristã, digna de ser considerada um
modelo de virtude.
Pudemos igualmente concluir que a mulher, apesar do importante
papel social que detém dentro do casamento (não nos esqueçamos que o
casamento servia também como “machado da paz” entre algumas
famílias), era considerada inferior em todos os aspectos – até pelo amor
que era obrigada a dar ao marido ela era considerada inferior, pois ama-
o demasiado, mais do que é amada. Lembremos o que os é dito na
“História das Mulheres – a Idade Média”:
“A mulher, dominada pelos sentidos e incapaz de atingir o
autocontrole afectivo do homem, é condenada a amar de um modo total mas
errado, num esforço contínuo de adequação àquele inatingível amor, limitado mas
perfeito, que o marido lhe oferece”
Em relação aos seus pecados, pudemos concluir que muito
provavelmente a mulher não seria obrigada a qualquer penitência – não
fosse o peso que a religião detinha na altura naquela sociedade. Aliás, se
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ainda actualmente a religião tem o peso que tem para algumas pessoas,
naquela altura, o temor a Deus estava muito mais enraizado e coagia
mais as pessoas a fazerem determinado tipos de coisas. Ou seja, não
fosse o medo do Purgatório e do Inferno, talvez as pessoas não
confessassem coisas que o senso comum no diz serem normais e
naturais, mas que na altura eram consideradas pecados.
Assim, uma vez confessa a sua culpa, a mulher deveria
penitenciar-se e humilhar-se publicamente, pois isso era considerado o
verdadeiro caminho para a salvação. Só assim se conseguiria expiar a
culpa e aspirar a conseguir entrar no reino dos céus.
Dou assim por concluído este trabalho sobre as mulheres e o
casamento na Idade Média, esperando ter conseguido despertar a
atenção do leitor e esperando igualmente que este mesmo trabalho tenha
conseguido elucidar alguns dos pontos que por vezes são mais obscuros
em relação a este tema; ou seja, espero ter “desmistificado” um pouco
certos lugares-comuns que muitas vezes se ouvem e dos quais não
sabemos a razão nem a origem.
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Fontes e Bibliografia
Fontes:
Afonso X, O Sábio, Las siete partidas – antología, Editorial
Castalia, Madrid, 1992;
Bíblia Sagrada, 16ª edição, Lisboa, 1992;
“Penitenciário de Martins Peres”, in Lusitânia Sacra, Tomo
II, Lisboa, 1957;
Bibliografia:
DUBY, G., A Idade Média – Uma Idade do Homem, trad.
Maria Assunção Santos, Editorial Teorema, Flammarion, 1988;
GOODY, J., Família e Casamento na Europa, Celta Editora,
Lousã, 1995;
MATTOSO, J., Ricos-homens, infanções e cavaleiros,
Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins, Junho de 2001;
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38 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata
Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889
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VECCHIO, S., A boa esposa, in História das Mulheres no
Ocidente – a Idade Média, dir. de Georges Duby e Michelle Perrot,
revisão científica de Coimbra: Edições Afrontamento, Porto;
Outro material de apoio:
NP 405-1 1994, Documentação – Informação e
Documentação, Lisboa, IPQ. 49 p.
ECO, U., Como se faz uma tese, Editorial Presença, Porto,
1982;
FERNANDES, A. J., Métodos e Regras para elaboração de
trabalhos Académicos e científicos, 2ª ed., Porto Editora, Porto, 1995.
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Índice:
Introdução............................................................................1
Algumas Considerações sobre o Matrimónio ......................4
Deveres das Mulheres ......................................................18
Punição das Mulheres .......................................................29
Conclusão..........................................................................33
Fontes e bibliografia..........................................................36