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1 TAÍSA VIEIRA-SENA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE MASCULINA CONTEMPORÂNEA POR MEIO DA ROUPA ÍNTIMA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU ORIENTADORA: Profª Dra. Kathia Castilho UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI SÃO PAULO 2011

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TAÍSA VIEIRA-SENA

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE MASCULINA CONTEMPORÂNEA POR MEIO DA ROUPA ÍNTIMA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

ORIENTADORA: Profª Dra. Kathia Castilho

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

SÃO PAULO

2011

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TAÍSA VIEIRA-SENA

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE MASCULINA CONTEMPORÂNEA POR MEIO DA ROUPA ÍNTIMA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design - Mestrado da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Design.

Orientadora: Profª Dra. Kathia Castilho

São Paulo - SP

2011

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V719c Vieira-Sena, Taísa

A construção da identidade masculina contemporânea por meio da roupa íntima / Taísa Vieira-Sena. – 2011. 187f. il.; 30 cm Orientadora: Kathia Cunha Castilho. Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011. Bibliografia: f.177-182

1. Moda - Identidade masculina. 2. Roupa íntima. 3. Moda - Publicidade. 4. Moda - Esporte. I. Título.

CDD 741.6

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

TAÍSA VIEIRA-SENA

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE MASCULINA CONTEMPORÂNEA POR MEIO DA ROUPA

ÍNTIMA Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Design - Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora:

Profª Dra. Kathia Castilho Orientadora

Universidade Anhembi Morumbi

Profª Dra. Ana Cláudia Mei de Oliveira Avaliadora externa

PUC/SP

Profª Dra. Anna Mae Barbosa Avaliadora Interna

Universidade Anhembi Morumbi

São Paulo, agosto/2011

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Agradecimentos A Deus por sempre ter iluminado meu caminho, mesmo quando para mim ele ainda parecia ser feito de sombras. A meu marido e companheiro, Fellipe Bonifácio Sena que sempre me incentivou a alçar vôos mais altos e a nunca desistir. Obrigada pelo seu companheirismo, amor, ajuda e compreensão que foram indispensáveis na conclusão deste trabalho. Aos meus pais, Altair Antônio Vieira e Marita Helena Vieira por nunca medirem esforços para que eu seguisse meus estudos e por nunca limitarem este caminho, mesmo quando com 15 anos decidi ir morar em outra cidade para fazer faculdade, e que 3 anos depois decidi abandonar para fazer o curso de Design de Moda. A minha irmã, Heloísa Helena Vieira pelo carinho. A Profª Dra. Kathia Castilho, por sua generosidade e paciência na partilha do conhecimento. Mais que professora e orientadora, a considero uma amiga com a qual, se Deus permitir, desenvolverei muitos projetos. Aos professores do programa pela forma carinhosa e instigante com que compartilham o conhecimento conosco. Ao Prof. Dr. Jofre Silva que, esteve sempre pronto a nos auxiliar quando precisávamos. A Antônia Costa, pela paciência e prontidão, em ajudar todos os alunos do mestrado, sempre com um sorriso nos lábios A Profª Dra. Anna Mae Barbosa e Profª Dra. Ana Cláudia Mei de Oliveira que generosamente aceitaram participar da avaliação de meu trabalho e desde a qualificação fizeram importantes contribuições para a conclusão do mesmo. Aos colegas de mestrado, parceiros de aprendizado e boas risadas, que me auxiliaram a construir esta experiência inesquecível. As professoras e amigas Icléia Silveira e Mara Rúbia Sant’Anna-Muller que me impulsionaram para fazer o mestrado. A todos meus amigos e aqueles que de maneira direta ou indiretamente me ajudaram a concluir este trabalho. Obrigada pela amizade e apoio.

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“Quem olha para fora sonha, Quem olha para dentro acorda”

Carl Jung

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Resumo VIEIRA-SENA, Taísa. A construção da identidade masculina contemporânea

por meio da roupa íntima. 2011. 187f. Trabalho de Conclusão de Mestrado -

Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.

Entendemos a moda como um dos modos de construção social que constitui subjetividades pelas relações de aparência, edificando identificações feitas a partir do olhar do outro, cujas representações dependem dos sistemas culturais nos quais se inserem. Neste contexto, a presente pesquisa investigou a construção da identidade masculina contemporânea a partir dos textos sincréticos das publicidades de roupa íntima para homens. A análise das publicidades foi fundamentada na metodologia de analise da imagem de Martine Joly e no arcabouço teórico e metodológico da semiótica discursiva proposta por Algirdas Julien Greimas e seus colaboradores, destacando a sociossemiótica de Eric Landowski e os estudos de Ana Cláudia de Oliveira e Kathia Castilho em torno do discurso da moda e da construção identitaria dos sujeitos. O corpus da pesquisa abrangeu publicidades de underwear masculino das marcas Jockey e Calvin Klein, dos anos de 1960 a 2010. A seleção e recorte desse corpus se deu a partir da exploração das variantes e das invariantes que marcam a modificação da representação dos corpos masculinos nestes anúncios. Identificamos o inicio da transformação destas representações na década de 1960, com a introdução dos discursos de diversão e jovialidade, que foram acrescidos de uma apresentação mais evidenciada do corpo masculino menos vestido, nos anos de 1970, chegando à exposição do corpo como objeto de desejo da década de 1980 e que foi cada vez mais exacerbada nos dias atuais. Observamos que nos anos 1990 as publicidades divulgam e incentivaram a sexualidade dos jovens, já nos anos 2000 as celebridades, principalmente dos esportes, tornam-se o destaque nos anúncios de underwear masculino e por fim em 2010 vemos a divulgação destes anúncios em diferentes mídias, com intuito de abranger um maior público possível. A pesquisa buscou identificar como se deu a construção do efeito de sentidos, a partir dos regimes de visibilidade dos corpos, nestes anúncios e de que forma eles contribuiram para a edificação dos modelos identitarios masculinos que culminaram nas chamadas “novas” masculinidades. Palavras-chave: Identidade masculina; roupa-íntima; publicidade; moda; esportes.

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Abstract

VIEIRA-SENA, Taísa. The construction of male identity through contemporary

underwear. 2011. 187f. Masters’ Degree Dissertation - Universidade Anhembi

Morumbi, São Paulo, 2011.

We understand fashion as a social construction of modes of subjectivity that is looking for relations, building identifications made from the look of the other, which depend on representations of cultural systems in which they operate. In this context, this research investigated the construction of male identity from contemporary syncretic texts of underwear ads for men. The analysis of the advertisements was based on the methodology of analysis of image Martine Joly and in the theoretical and methodological discourse of semiotics proposed by Algirdas Julien Greimas and his colleagues, highlighting the sociossemiótica Eric Landowski and studies, and Ana Claudia de Oliveira Kathia Castilho around the discourse of fashion and identity construction of subjects. The corpus of the research covered ads for male underwear from Jockey and Calvin Klein brands, the years 1960 to 2010. The selection and cut this corpus is given from the holding of the variants and the invariants that mark to change the representation of male bodies in these ads. Identify the beginning of the transformation of these representations in the 1960s with the introduction of the speeches of fun and mirth, which were increased with a more evident of the male body under her dress, in the 1970s, reaching the exposure of the body as object of desire the 1980s and was increasingly exacerbated today. We note that in the 1990s and encouraged the ads disclose the sexuality of young people, since the 2000s celebrities, especially sports, become prominent in the male underwear ads in 2010 and finally see the release of ads in different media, in order to cover a widest possible audience. The survey sought to identify how was the effect the construction of meanings, from the regimes of visibility of bodies, these ads and how they contributed to the construction of male identity model that culminated in the so called "new" masculinity. Keywords: male identity, clothing- intimate, advertising, fashion, sports.

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Sumário LISTA DE FIGURAS 09

INTRODUÇÃO 12

1 MODA E IDENTIDADE MASCULINA 22

1.1 Considerações Sobre Moda e Masculinidade 22 1.1.1 A moda e o masculino 25 1.1.2 Representações e transformações plásticas e sociais no vestir do homem 26 1.1.3 Fragmentação do homem: moda, consumo e novas masculinidade 36

1.2 Por que Vestir? 43

2 A ROUPA ÍNTIMA 48

2.1 O Que É A Roupa Íntima? 48 2.2 Breve História da Roupa Íntima 52

3 LINHAS, FORMAS, MATERIAIS E CORES QUE CONSTROEM A

MASCULINIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 86

3.1 Elementos Estruturantes Para Construção Da Masculinidade 86 3. 2 A Metodologia de Análise 89 3.3 Análise das Publicidade de Underwear Contemporâneas 94

3.3.1 Década de 1960 96 3.3.2 Década de 1970 105 3.3.3 Década de 1980 113 3.3.4 Década de 1990 121 3.3.5 Década de 2000 129 3.3.6 Década de 2010 136

3.4 Análise dos Resultados: Breves Apontamentos 144

4 O HOMEM DE CUECAS 150

4.1 Moda, Publicidade e o Corpo Masculino 150 4.2 – Publicidades de Underwear e o Esporte 153 4.3 Os Jogadores de Futebol e a Publicidade de Underwear 158

CONSIDERAÇÕES FINAIS 173

REFERÊNCIAS 177

GLOSSÁRIO ILUSTRADO 183

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Lista de Figuras

Figura 1: Pintura egípcia com exemplo de modelo de tanga enterrada

Com Tutancâmon

54

Figura 2: Escultura de uma romano usando subligaculum 55

Figura 3: Esquema de uso 55

Figura 4: Imagem ilustrando o uso de braies com chausses e braies como

peça exterior durante trabalho

56

Figura 5: Rei Henrique VIII 56

Figura 6: Peça do século XVI 56

Figura 7: Imagem de Beau Brummell, o criador do estilo dândi 57

Figura 8: Camisa masculina de 1850 57

Figura 9: Ceroula em seda de 1850 57

Figura 10: Catalogo Montgomery Ward de 1895 58

Figura 11: Anúncio de union suits Cooper’s 60

Figura 12: Anúncio de underwear divulgado Saturday Evening Post em

1911

61

Figura 13: Bermuda usada na I Guerra Mundial 61

Figura 14: Detalhe dos botões 61

Figura 15: Anúncio de underwear Rockinchair com tecido Duofold na

década de 1920

64

Figura 16: Anúncio de underwear com malha KeepKool na década de

1920

64

Figura 17: Anúncio do Atlhetic underwear Sealpax na década de 1920 64

Figura 18: Embalagem de underwear Cooper’s em 1929 65

Figura 19: Modelo Slip Jockey (1935) 66

Figura 20: o primeiro show de moda íntima, intitulado "O Casamento

Cellophane" (1938)

67

Figura 21: Anúncio da Wilson Bros de 1931 69

Figura 22: Anúncio da Scovill Manufacturing Company 1937 70

Figura 23: Anúncio do Jockey Underwear com o jogador Don Hutson 71

Figura 24: Anúncio do Jockey Underwear durante a Segunda Guerra

Mundial

71

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Figura 25: anúncio da marca Munsingwear 1945 72

Figura 26: ilustração do modelo splip Kanguru 72

Figura 27: anúncio da cueca Bracer, 1945 73

Figura 28: Anúncio underwear estampado - Jockey da década de 1950 74

Figura 29: Anúncio underwear Jockey da década de 1960 75

Figura 30: Anúncio underwear Jockey da década de 1970 77

Figura 31: Anúncio underwear Fruit of the Loom da década de 1950 77

Figura 32: Outdoor Calvin Klein na Times Square - NY 1982 79

Figura 33: Cueca samba-canção com estampa de Mickey 79

Figura 34: Publicidade da marca Mash na década de 1980 80

Figura 35: Anúncio da Calvin Klein Jeans mostrando o cós da cueca com a

marca

80

Figura 36: Anúncios da cueca de malha PET da marca D’Uomo 83

Figura 37: Foto do desfile 85

Figura 38: destaque da cueca da linha “Banana” – Aussiebum 85

Figura 39: Foto do desfile 85

Figura 40: detalhes do modelo de cueca com GPS 85

Figura 41: Painel de publicidades de underwear masculino da década de

1960

97

Figura 42: Anúncio underwear Jockey veiculado na Revista Life na década

de 1960

98

Figura 43: Painel de publicidades de underwear masculino da década de

1970

105

Figura 44: Anúncios Jockey Fashion Underwear veiculado na Revista

Playboy na década de 1970

106

Figura 45: Painel de publicidades de underwear masculino da década de

1980

114

Figura 46: Anuncio Calvin Klein Underwear veiculado na revista Vanity

Fair na década de 1980

115

Figura 47: Painel de publicidades de underwear masculino da década de

1990

122

Figura 48: Anuncio Calvin Klein Underwear veiculado na revista Vanity

Fair na década de 1990

123

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Figura 49: Painel de publicidades de underwear masculino da década de

2000

129

Figura 50: Anuncio Calvin Klein Underwear veiculado na revista Vanity

Fair na década de 2000

130

Figura 51: Painel de publicidades de underwear masculino da década de

2010

136

Figura 52: Anuncio Calvin Klein Underwear na década de 2010 137

Figura 53: Anúncio underwear Rockinchair da década de 1920 154

Figura 54: Anúncio Jockey da década de 1940 155

Figura 55: Anúncio Munsignwear da década de 1940 155

Figura 56: Anúncio Calvin Klein underwear da década de 1980 156

Figura 57: Anúncio Calvin Klein underwear com jogador de futebol Fredrik

Ljungberg

163

Figura 58: Anúncio D&G underwear com jogadores da seleção italiana

natação de 2008

164

Figura 59: Anúncio Empório Armani underwear com jogador David

Beckham

165

Figura 60: Anúncio D&G underwear com jogadores da seleção italiana de

futebol de 2006 – vestiário

166

Figura 61: Anúncio D&G underwear com jogadores da seleção italiana de

futebol de areia

167

Figura 62: Anúncio D&G underwear com jogadores da seleção italiana de

futebol de 2010 – vestiário

168

Figura 63: Capa da revista Vanity Fair na edição de junho 2010 168

Figura 64: Foto central do editorial “Playing for the wolrd” 170

Figura 65: Imagens dos jogadores em “poses” que ilustram suas atividades

durante o jogo de futebol

170

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A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE MASCULINA CONTEMPORÂNEA POR MEIO DA ROUPA ÍNTIMA

Introdução

A pesquisa analisa a Moda1 a partir dos discursos2 sobre o corpo masculino,

para tanto, escolheu-se como objeto de estudo a roupa íntima, mais precisamente,

a publicidades de underwear na contemporaneidade. Busca-se identificar a

relevância destas publicidades e como as mesmas edificam questões que orientam

e se relacionam com o ideal estético e comportamental na construção da

masculinidade contemporânea.

Podemos dizer que atualmente existem masculinidades plurais,

consideramos a pluralidade uma característica da sociedade presente, onde,

segundo o sociólogo e teórico cultural Stuart Hall (2001), tudo é fragmentado,

múltiplo e com diferentes faces. Ou seja, não há mais apenas um modelo

referencial a ser seguido, como ocorreu em varias épocas da história recente, onde

o papel sócio-cultural masculino se caracterizava por ideais identitarios

relacionados a valores burgueses de poderio econômico, dirigido ao mercado de

trabalho que se evidenciava por meio da uniformização progressiva do vestir,

como disserta a antropóloga social e pesquisadora de moda, Patrícia Sant’Anna:

Ao longo do século XX a ciência e as ideologias foram provocadas à prova e hoje, pós-movimento feminista, é praticamente impossível se pensar em um modelo de masculino, pois, esta síntese não dá para ser resgatada, já que o sentido totalizador do mundo é algo superado, é algo não e condizente com as vivências das pessoas. O mundo hoje vive (e reivindica) uma existência do plural, do indivíduo múltiplo vagando e manipulando uma teia de identidades. (SANT’ANNA, 2005, p.91)

1 No decorrer do trabalho o termo moda será utilizado de duas formas: Quando construído com “M” maiúsculo, o termo moda, é entendido como fenômeno social; moda com “m” minúsculo, expressa a renovação cíclica de tendências de vestuário. 2 O discurso é sentido, é um modo de ação, uma forma com a qual as pessoas podem agir sobre o mundo, daí sua natureza social. Através da ideologia no discurso dá-se o processo de construção de sentidos. Na apresentação de seu livro “Presenças do outro” Landowski conceitua o discurso como um ato de presença, destacando aí sua importância “(...) o “discurso” (verbal, claro, mas também o do olhar, do gesto, da distância mantida) nos interessa, é porque ele preenche não só a função do signo numa perspectiva comunicacional, mas porque tem ao mesmo tempo valor de ato: ato de geração de sentido, por isso mesmo um ato de presentificação.” (LANDOWSKI, 2002, p.x)

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Vivenciamos um momento em que o masculino, assim como o feminino é

relido, onde seus valores não são abandonados, mas, sim atualizados e

confirmados de uma maneira plural, na qual, verifica-se na construção imagética

masculina, que as alterações nas manifestações artísticas e de mercado apontam

para a redefinição e ampliação do espaço para que os sujeitos, masculinos,

reorganizem novos sentidos. Assim, observa-se que o homem contemporâneo, a

partir do vestir, constrói novos significados sobre o seu corpo e começa a

manipular muito mais os elementos estéticos e estésicos para sua constituição

visual corporal que apontam importantes mudanças na relação e significação do

corpo na cultura ocidental. Neste contexto, a roupa íntima ganha importância, as

modificações de seu uso (modelagem, formas, materiais, padronagens, entre

outros) caracterizam novos discursos que se articulam e se inscrevem ao corpo

masculino. Porém, mais revelador do que as modificações ocorridas nas

modelagens e nos materiais, é a forma como estas são apresentadas ao público, ou

seja, as campanhas publicitárias que nos permitem apreender diferentes

significados na construção de novas aparências, novas configurações e adequações

plásticas de um corpo que se remodela também frente a novas propostas

comportamentais.

As publicidades de underwear de fato, mostram muito deste “novo” homem3

que vai se remodelando a partir de valores socioculturais observáveis a partir do

século XX. Tais imagens agenciadoras de desejos criam uma visualidade capaz de

mediar identificações importantes para a construção da masculinidade do homem

contemporâneo.

Vivemos, principalmente a partir do século passado, em um novo mundo

organizado em torno de imagens, que transforma radicalmente nossas

experiências de vida, cria novas identidades e múltiplas possibilidades de ação do

indivíduo, permitindo-lhe agir como “ator social”. Em um processo dialógico, a

imagem pode ser considerada, ao mesmo tempo, produto e agente, pois permite

contextualizar as relações estabelecidas na sociedade com os discursos que ela

3 A expressão “novo” homem foi cunhada na década de 1990, quando começaram a ganhar notoriedade os estudos sobre as mudanças comportamentais masculinas, mas que no decorrer das pesquisas, esse caráter de “novo”e diferenciado, se mostrou mais uma conformidade com as característica do tempo vivido, onde há uma diversidade de formas de ser e estar no social. No Brasil, este tema foi foco da pesquisa de nomes como Roberto da Matta, Sócrates Nolasco, Dário Caldas e Mário Queiroz, entre outros.

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própria contém. Neste contexto, a imagem do homem atual é dinâmica, construída

frente ao contemporâneo4, no qual o consumo é agenciador das sociabilidades e de

estilos de vida. À medida que consome, imagens ou produtos, o indivíduo agrega a

si valores atribuídos a eles ou suas marcas, constituindo uma atualização do eu a

partir do Outro5, buscando criar uma identidade.

Dentro dessa perspectiva, a Moda pode ser considerada um modo de

presença configurando a existência do sujeito em seu tempo e espaço e alicerçando

sua construção identitaria, assim a Moda reitera seu caráter social, na medida em

que proporciona o sentimento de pertença ou distinção de um grupo, a partir das

escolhas subjetivas do sujeito. “Estamos considerando a moda como traços

culturais em que são agregados valores para o grupo e também para os sujeitos.

Assim, a moda passa a ser entendida como um modo de presença, uma das

construções da existência ou da porção identitaria do sujeito.” (CASTILHO,

2004a, p. 11)

O discurso da moda, apresentado pela publicidade, busca criar modelos,

ideais de estilo de vida, que tratam de transformar sujeitos em sujeitos

consumidores que internalizam, como seus próprios, os valores simbolicamente

construídos para os produtos. Conforme coloca Landowski (2002), as encenações

publicitárias muitas vezes trazem o simulacro6 de sujeitos que expõe sua

subjetividade7, convocando o consumidor/leitor a também se presentificar ali,

criando uma relação de interação recíproca. Assim, tomamos como objeto de

4 Para o filósofo italiano Giorgio Agamben a contemporaneidade é, pois, uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, toma distância dele. Ela é caracterizada por um “anacronismo". O autor diz que os que coincidem de um modo excessivamente absoluto com a época, que concordam perfeitamente com ela, não são contemporâneos, porque, justamente por essa razão, não conseguem vê-la, não podem manter seu olhar fixo nela. Para Agamben um bom exemplo dessa experiência especial do tempo que chamamos de contemporaneidade é a moda. O que define a moda é que ela introduz uma descontinuidade no tempo, que o divide segundo sua atualidade ou falta de atualidade, seu estar e seu não estar mais na moda (na moda, e não simplesmente de moda, que alude só às coisas). 5 De acordo com Eric Landowski (2002) o sujeito só se define pelo reconhecimento da diferença, pois necessita de um “ele” e dos “outros” (eles). O que dá forma a minha identidade é a maneira pela qual eu me defino em relação à imagem que outrem me envia de mim mesmo. E também pela maneira pela qual eu objetivo a alteridade do outro, atribuindo um conteúdo específico à diferença que me separa dele. Assim a emergência do sentimento de identidade passa pela intermediação de uma “alteridade” a ser construída. 6 Para Landowski, o termo simulacro é utilizado como sinônimo de modelo, através das quais a semiótica se esforça em dar conta dos fenômenos de produção e percepção do sentido. 7 Entendemos subjetividade como o espaço de encontro do indivíduo com o mundo social, resultando tanto em marcas singulares na formação do indivíduo quanto na construção de crenças e valores compartilhados na dimensão cultural que vão constituir a experiência histórica e coletiva dos grupos.

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pesquisa as imagens publicitárias de moda, mais especificamente roupa íntima

masculina, capazes de nos oferecem um repertório amplo e múltiplo, para a

investigação e para o re-conhecimento dos modos de ser do masculino no

contemporâneo.

Temos por objetivo investigar a construção da identidade masculina

contemporânea por meio da publicidade de roupa íntima dos séculos XX e XXI, com

foco nas peças publicitárias veiculadas a partir da década de 1960, período no qual

identificamos as primeiras mudanças no discurso publicitário de moda no que

concerne a representação do masculino. Nosso estudo, discute a relação moda,

corpo e consumo pelo viés da imagem publicitária de produtos do vestuário íntimo

masculino, tratando a imagem como mediadora da constituição do comportamento

e do modo de ser e estar do masculino contemporâneo, considerando que tais

imagens são capazes de transformar os valores éticos, estéticos e simbólicos

culturais dentro de um sistema de hierarquização social e da reconstrução do eu e

da relação deste mesmo sujeito com o outro ou seu grupo social.

O problema de pesquisa envolve questões sobre como se constitui a

identidade masculina contemporânea a partir do discurso de moda e dos

simulacros de corpos presentificados nas publicidades de roupa íntima para

homens. Partindo da afirmação de Katz (2008, p. 69) de que “Um corpo nunca

existe em si mesmo, nem quando está nu. Corpo é sempre um estado provisório de

uma coleção de informações que o constitui como corpo. Esse estado vincula-se

acordos que vão sendo estabelecidos com os ambientes em que vive”, levantamos

algumas questões: Como se deu a relação de visibilidade do corpo masculino em

sua intimidade, como este corpo foi se desnudando e se fazendo ver por meio de

campanhas publicitárias onde é apreendido a partir das modificações

comportamentais promovidas especialmente pelo esporte? Que valores se

inscrevem na reorganização plástica dos corpos masculinos vestidos em sua

intimidade? Que corpo é esse, que figuraturização apresenta e que narrativas

encenam no contexto publicitário? Que códigos sociais são impostos e percebidos

neste revelar? Por que os corpos expõem sua nudez e intimidade e por que as

cuecas ganham status de roupa social? Quando o corpo masculino começou a

aparecer menos vestido? Quem é o homem que se revela de cueca nestas

campanhas?

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Ao investigar a construção da identidade masculina nas publicidades de

underwear, a fim de depreender como se dá a produção de sentido a partir da

relação intersubjetiva, do sujeito ali presentificado e do consumidor/leitor, nos

questionamos ainda: Como se produz o sentido a partir dos anúncios de roupa

íntima masculina? Quais as estratégias de manipulação das marcas que veiculam

estas publicidades? A quem se destinam estas campanhas, que ao longo de seis

décadas transformaram a imagem do masculino, expondo-o, na atualidade, como

objeto de desejo?

Algumas hipóteses podem ser articuladas, no que tange as modificações

sofridas pelo masculino a partir do discurso da moda: acreditamos que elas se

iniciaram principalmente a partir da década de 1960, onde o discurso sobre

juventude e liberdade sexual começara a inserir novos padrões de comportamento

social, agregando á imagem do homem, significados de modernidade, jovialidade,

irreverência e sensualidade. E que a partir da década de 1980, com a exposição de

forma mais liberta e sensual do corpo masculino na mídia, tenham influenciado

diretamente na constituição de novos perfis de masculinidade, quebrando o

“modelo de homem” típico da sociedade patriarcal8. Acreditamos ainda que, em

grande parte, as modificações comportamentais masculinas foram articuladas pelo

esporte, observamos, nas publicidades analisadas, o uso da temática esportiva

como uma forma autorizada de mostrar o corpo masculino menos vestido, nelas

também, o esporte foi mostrado como o construtor de um padrão de corpo

desejado, e a figura do desportista foi apresentada, no decorrer dos anos, como um

exemplo a ser seguido, chegando à imagem do jogador de futebol como modelo

identitario a ser adotado na atualidade.

A escolha do corpus levou em consideração os anúncios que figurativizavam

a alteração da representação do masculino, em um primeiro momento, a partir dos

discursos de jovialidade e diversão, e posteriormente pela exposição do corpo do

homem como objeto de desejo. Por meio dessa delimitação, foi possível que

observássemos nas publicidades de roupa íntima masculina suas diferenças e suas

8 Pedro Paulo de Oliveira, em seu livro, “A construção social da masculinidade” afirma que o modelo de homem da sociedade patriarcal gravita em torno de valores como valentia, firmeza, inteligência, alteridade e virilidade, que são positivados e associados ao ser masculino, além de serem vistos como qualidades sobre as quais a própria sociedade gostava de se autoprojetar.

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recorrências, viabilizando a identificação das marcas Jockey e Calvin Klein como

portadoras dos discursos que promoviam a transformação do masculino.

A Jockey, atualmente, é responsável por 40% do mercado norte americano

de roupas íntimas masculinas9, originalmente chamada Coopers Inc., foi fundada

por Samuel T. Cooper em 1876 como uma empresa de meias que buscava

desenvolver um produto de melhor qualidade para os operários, que sofriam com

as bolhas e infecções causadas pela utilização de meias de lãs mal construídas. Em

1900 a Cooper começou a produzir roupa de baixo, tornando-se precursora no

lançamento de diversos modelos de produtos de underwear, usados inclusive

atualmente, como Jockey Short, uma cueca confortável muito semelhante a

tradicional samba-canção, Jockey Y-Front, uma cueca revolucionária para a época,

que possuía um suporte frontal sem abertura, proporcionando muito mais

conforto, a cueca tipo “tanga”, com uma modelagem menor e mais ajustada ao

corpo, peças coloridas e estampadas, na década de 60 a Jockey desenvolveu roupas

íntimas para os astronautas da NASA, confeccionadas com elásticos e tecidos

especiais, entre outras inovações de mercado. No ano de 1982 lançou sua primeira

linha completa de lingeries e peças íntimas para mulheres. Nas décadas seguintes a

marca desenvolveu linhas completas de lingeries e roupas íntimas para homens,

mulheres, adolescentes e crianças, além de meias, camisetas e outros produtos

relacionados a esse segmento. Em 2000 a marca passou a vender seus produtos

diretamente pela sua página na Internet, e em 2005 criou uma divisão de vendas

diretas com pessoas treinadas, chamadas de Confort Specialist Consultants

(Consultoras especializadas em Conforto) para vender sua linha feminina.

A Calvin Klein Limited foi fundada em 1968, pelo estilista de mesmo nome e

por seu amigo de infância Barry Schwartz, iniciando como uma loja de casacos no

Hotel York, em Nova York, já em 1969 o estilista foi descrito pela revista Vogue

como “o mestre supremo do minimalismo”, recebendo em 1973, e pelos três anos

consecutivos, o Coty American Fashion Critics Award10, e atingindo o faturamento

de US $ 30 milhões, em 1977 com produtos licenciados como lenços, sapatos,

cintos, casacos de pele e óculos de sol. Ainda na década de 1970, a marca passou a

produzir as linhas jeans e moda masculina, ampliando ainda mais o mercado seu

9 Dados obtidos no site oficial da empresa, disponível em http://www.jockey.com. 10 Importante prêmio na área de moda norte americana, com relevância comparada ao Oscar para o cinema.

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de atuação. Nos anos 1980 foi lançada a linha Calvin Klein Underwear, com uma que

mostrava o atleta olímpico Tom Hintnaus, na ilha grega de Santorini, expondo seu

corpo com músculos delineados pelo esporte, usando apenas uma cueca branca

com o elástico com o nome da marca grifado no cós, esta imagem instituiu uma

nova forma de expor o corpo masculino nas publicidades de roupa íntima. A

empresa também lançou linha de fragrâncias com bastante sucesso, chegando ao

seu ápice de desenvolvimento financeiro na década de 1990, porém no ano de

2003 a marca foi vendida para o grupo Phillips-Van Heusen configurando uma das

maiores aquisições do mercado da moda americano11.

O corpus formado, portanto, se constitui em seis anúncios, um

representando cada década, selecionados de um painel de imagens, também

separadas por décadas, e que se destacaram pela inserção da atualização imagética

do masculino, chegando a presentificação dos simulacros de corpos desejantes

com modelo identitario. Dispúnhamos, para composição dos painéis, cerca de 17

anúncios da marca Jockey da década de 1960; 13 anúncios da marca Jockey da

década de 1970; 14 anúncios da marca Jockey e 4 da marca Calvin Klein da década

de 1980; da década de 1990 possuíamos 20 anúncios, sendo 15 destes, da marca

Calvin Klein e 5 da marca Jockey, já da década de 2000 o número de anúncios

pesquisados chegou a 27, dos quais 19 da marca Calvin Klein e 5 da marca Jockey e

por fim do ano de 2010 nossa amostra era composta por 10 anúncios da marca

Calvin Klein e 4 da marca Jockey. Os anúncio foram obtidos nos sites The

Advertising Archives12 - com hospedagem no Reino Unido, que disponibiliza,

mediante a cadastro (gratuito para estudantes e cobrado para empresas de

publicidade), anúncios de diversas categorias e épocas – e Vintage Skivvies13, além

dos sites das próprias marcas. Nas informações que acompanham as publicidades

oferecidas pelos sites, havia informações sobre a que categoria pertenciam, local e

ano de publicação.

A metodologia escolhida para análise das imagens foi a desenvolvida por

Matine Joly14 e apresentada no livro introdução à análise da imagem, que segundo

11 Dados do site norte americano de negócios http://www.fundinguniverse.com/company-histories/Calvin-Klein-Inc-Company-History.html 12 Informações disponíveis em http://www.advertisingarchives.co.uk. 13 Informações disponíveis em http://www.vintageskivvies.com 14 Martine Joly, professora na Universidade Michel de Montaigne (Bordeaux III), é responsável pela formação em ofícios de produção audiovisual do Instituto Francês de Ciências de Informação e da

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a autora, tem por objetivo ajudar a detectar de que maneira somos intrínseca e

culturalmente iniciados na compreensão das imagens. A proposta de análise de

Joly visa a descoberta da mensagem implícita nos anúncios, colocando em

evidência as escolhas perceptivas e de reconhecimento essenciais para a

interpretação de uma imagem, que evidentemente passa por experiências

culturais. A metodologia proposta pela autora é dividida em três fases: descrição

da imagem, reprodução do texto e a separação e análise de três tipos de mensagens

- plástica, icônica e lingüística. A análise detalhada de cada uma delas permitirá,

conforme a autora, detectar a mensagem implícita global do anúncio.

Unidos a metodologia de Joly, faremos uso dos conhecimentos

investigativos da imagem à luz da semiótica discursiva na busca da compreensão

de como se dá a construção da identidade masculina na atualidade, a partir da

análise dos modos de visibilidade veiculados nas campanhas publicitárias de roupa

íntima para os homens. Enfatizamos o embasamento nos estudos da

sociossemiótica de Eric Landowski15 que destaca o papel da mídia na edificação de

estereótipos e no modo como ela nos faz ver as imagens que elege como corpos

desejáveis e o que ela nos faz ser a partir do contato com essas imagens, como

descreve o autor:

(...) a incidência social das imagens midiáticas - seu poder - não se explica unicamente e talvez, nem mesmo principalmente por aquilo que nos mostram ou dizem em termos de Verdadeiro, de Belo ou de Bem (ou dos seus opostos), mas pela desmultiplicação dos níveis de apreensão do real que implica o próprio regime de sua presença ao nosso redor enquanto coisas a serem vistas. (LANDOWSKI, 2002, p.128)

As imagens serão observadas procurando uma relação entre seus diferentes

elementos, como fontes para um estudo de construção de uma simbologia

constituída em relação aos produtos que auxiliarão na contextualização histórica e

sociocultural. De acordo com Peter Burke, as imagens são fontes importantes de

estudo, principalmente quando falta material escrito sobre o tema pesquisado, mas

Comunicação. Sua obra mais conhecida é Introdução à análise das imagens (1994). É autora também de L’image et les signes:approche sémiologique de l’image fixe (1994) e L’image et son interprétation (2002). 15 Eric Landowski é diretor de pesquisa no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), em Paris, foi o criador, com Ana Claudia de Oliveira, do Centro de Pesquisas Sociossemióticas da PUC-São Paulo. É diretor da revista Nouveaux Actes Sémiotiques Co-edita, Seus livros, publicados em português, Presenças do Outro e A Sociedade Refletida: Ensaios de Sociossemiótica, foram muito importantes na construção deste trabalho.

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alerta que não se pode lançar um olhar ingênuo sobre ela, e que para ser usada

como evidência histórica, deve-se observar o contexto de sua criação, a questão da

propaganda, ou das visões estereotipadas, sem esquecer das convenções visuais de

cada época e cultura. Principalmente quando se analisa a publicidade, deve-se

levar em conta que “essas imagens testemunham valores que são projetados em

objetos inanimados na nossa cultura de consumo” (BURKE, 2004, p. 117)

A dissertação está dividida em quatro capítulos. O capítulo 1 aborda a

relação moda e identidade masculina na contemporaneidade, parte-se de uma

breve retrospectiva da relevância do vestuário para o masculino, sob o

embasamento teórico de autores como Anne Hollander, John Harvey e François

Boucher, são identificados aspectos formais e socioculturais do vestir masculino.

Na seqüência do capítulo é apresentada a relação entre moda, consumo e “novas”

masculinidades, mostrando uma tipologia do masculino contemporâneo. O

capitulo traz ainda a questão do “por que vestir?”, levantada sob a ótica da

psicologia, com fundamentos de Flugel e da comunicação com embasamento nos

estudos de Barnard.

Partindo de uma abordagem histórica, o Capítulo 2 visa pontuar das

diferentes denominações dadas ao traje íntimo, bem como as mudanças ocorridas

com os mesmos até chegar às peças que conhecemos hoje. Para tanto foram

levantas inovações formais, matéricas, cromáticas e de uso a partir das pesquisas

de Joe Boxer, Benson & Esten e John de Greef, e que são ilustradas por imagens e

publicidades veiculadas em cada época.

Os períodos na história da indumentária onde a modelagem destaca-se

como recurso para solucionar problemas do vestuário. A análise dos trajes é feita

do ponto de vista técnico, sem aprofundar-se nas questões sociais específicas de

cada época, uma vez que o interesse está em apontar alguns momentos onde se

verificam invenções e estruturas relevantes para o entendimento da construção

das roupas.

As transformações e inovações tecnológicas e de design que constituíram o

underwear masculino como conhecemos hoje, foram veiculas em publicidades que

evidenciam o corpo masculino criando uma imagem visual contemporânea. Tais

modificações indicam como se deram as transformações das relações do homem

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com seu corpo, iniciando um processo que implicará no que conhecemos

atualmente como as novas masculinidades.

O capítulo 3 traz a análise de publicidades das décadas de 1960 à 2010,

buscando identificar como se dá presentificação de corpos que se tornam a os

modelos identitarios masculinos e como se dá este processo de identificação,

baseados na metodologia de análise da imagem de Martine Joly e na

sociosemiótica de Eric Landowski, além dos estudos de Ana Cláudia de Oliveira e

Kathia Castilho em torno do discurso da moda e da construção identitaria dos

sujeitos.

E por fim, o capítulo 4, intitulado o homem que cuecas, será voltado à

questões sobre como o corpo masculino foi se desnudando nos séculos XX e XXI

(moda, corpo masculino e publicidade) e a relação entre a publicidade de

underwear e os esportes, chegando até a imagem do jogador de futebol como

garoto propaganda e imagem identitaria.

O design bem como a moda pode nos auxiliar na investigação, de modo mais

complexo, da produção simbólica, assim, podemos propor inicialmente uma

discussão, investigando como a moda e a publicidade de roupa íntima masculina

modificaram, ao longo dos séculos XX - a partir da década de 1960 - e XXI, a

imagem visual do homem moderno e sua pertinência e relevância na construção da

masculinidade contemporânea.

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Capítulo 1 - MODA E IDENTIDADE MASCULINA

Este capítulo procura abordar pontos relevantes, assinalados pelas

bibliografias estudadas16 sobre e moda e masculinidade. Fizemos uma breve

percurso histórico sobre o vestir masculino, para construirmos um embasamento

que nos possibilitasse a apreensão dos modos de ser e de apresentar por meio dos

trajes do homem não apenas no processo histórico, mas também na atualidade

uma vez que este estudo nos permitirá também verificar coerências e relações que

o homem constrói na sua organização estética, como na relação dos vestiveis como

também nos aproximarmos das questões contemporâneas que nos interessam

neste trabalho. Assim, a retrospectiva histórica nos auxilia a compreender como o

homem utiliza-se elementos estéticos e estésicos para edificar seu parecer,

apontando a relevância do vestir na em sua presentificação em diferentes épocas.

Também serão tratados aqui neste capítulo, temas como a fragmentação da

sociedade contemporânea e como isto reflete na construção da identidade

masculina, bem como diferentes perfis, propostos pela mídia, visando estimular o

consumo, propostos como possíveis definições para o homem atual. Tais

apontamentos são arrematados por questões levantadas sobre “por que vestir”,

que nos indicam e a importância do vestuário e da moda nas relações sociais.

1.1 Considerações Sobre Moda e Masculinidade

Com intuito de respaldar a opção feita, nesta dissertação, pelo

embasamento teórico de autores de diferentes áreas de conhecimento, destacamos

o caráter interdisciplinar17 dos estudos acerca da Moda, que busca seus

fundamentos em conhecimentos de diferentes disciplinas e áreas de pesquisa.

Entendemos a Moda como um campo do saber no qual se entrecruzam relações

advindas de distintos saberes, como a história, a semiótica, a sociologia, psicologia,

16 Destacamos neste capítulo os postulados de Anne Hollander (1996), John Harvey (2003) e François Boucher (2010), Flugel (1966), Barnard (2003) e Oliveira (2004), entre outros. 17 Bonfim (1997) afirma que uma teoria do design, assim como a Moda não se enquadraria em nenhum dos grupos clássicos da ciência, só podendo existir de forma inter ou transdisciplinar. Para o autor, o design através de sua praxis, seria o elo conciliador ou interventor entre especialistas de diversas áreas.

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entre outros, e, respeitando a especificidade de cada área de conhecimento, busca-

se estabelecer e compreender a relação entre elas e a conceituação de Moda, a

partir de uma visão holística, objetivando conciliar os conceitos pertencentes às

diversas áreas do conhecimento, a fim de promover a produção conhecimento.

A Moda se caracteriza por um fenômeno social complexo

e efêmero, que se articula em torno de uma busca incessante do novo, do diferente,

do surpreendente, e de fato, o comportamento orientado por ela está presente na

interação do homem com o mundo. O filósofo francês Gilles Lipovetsky (1989)

observa que vinculada à cultura específica de cada sociedade, o traje usado em

uma determinada época demonstra os hábitos e os costumes da sociedade em

questão, atuando como um dos modos de construção e manutenção da cultura.

Muito além de ser entendida como um ciclo de mudanças sazonais de

tendências que acompanham o vestuário, (e por vezes outras tantas categorias de

bens de consumo como carros ou celulares), a moda deve ser vista, segundo

Sant’Anna (2007) como um fenômeno que constitui subjetividades a partir das

relações de aparência. Essas construções subjetivas da Moda na

contemporaneidade, se dão de forma coletiva, precisam da interação e do olhar do

outro para se constituírem e fazem parte do contexto cultural a que estão

inseridas. Assim, essas construções subjetivas da Moda, não são um processo

individual, já que são perpassadas pelas identificações feitas a partir do olhar do

outro, ou seja, encontram-se vinculadas a um sistema social múltiplo e dinâmico,

cujas representações dependem dos sistemas culturais nos quais se inserem.

A Moda então, se apresenta como um agente de modificações onde o

vestuário se torna parte do processo de constituição de sentidos dos sujeitos e, por

conseguinte, estas modificações se encontram atreladas às representações de

identidades masculinas, ou seja, as imagens que os homens produzem tanto

perante seus pares como para si mesmos.

No que concerne a identidade dos sujeitos, faz-se importante ressaltar que

ela algo se constrói na interação com o outro, numa relação dinâmica entre

alteridade e identidade, em um processo de construção de sentidos que são

negociados e revistos constantemente no espaço social, a partir de valores,

crenças, normas, práticas e representações dentro de um determinado grupo. Para

Landowski a identidade se constrói a partir do reconhecimento da diferença:

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Não é diferente com o ‘sujeito’ - eu ou nós - quando o consideremos como uma grandeza sui generis a constituir-se do ponto de vista da sua ‘identidade’. Também ele condenado, aparentemente, a só poder construir-se pela diferença, o sujeito tem necessidade de um ele - dos ‘outros’ (eles) (...). (LANDOWSKI, 2002, p.3-4)

Stuart Hall (2005) nos alerta que as velhas identidades estão em declínio.

Novas identidades surgem e fragmentam o indivíduo no mundo moderno, antes

visto como um sujeito unificado. A identidade passa a configurar como uma

“celebração móvel”, desenvolvida e alterada ininterruptamente em relação às

formas pelas quais somos representados nos sistemas culturais que nos circulam.

“À medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam,

somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de

identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao

menos temporariamente.” (HALL, 2005, p.13).

Assim, o modo como entendemos a masculinidade só pode ser

compreendido se for considerado de que homem se fala: onde vive, qual é a sua

classe social, como expressa sua sexualidade, qual é a sua raça, em que momento

da história e em que instituição está sendo focalizado etc. Oliveira considera a

masculinidade quando considera um lugar simbólico/imaginário de sentido

estruturante nos processos de subjetivação, apresentando-se como “uma

significação social, um ideal culturalmente elaborado ou sistema relacional que

aponta para uma ordem de comportamentos socialmente sancionados.”

(OLIVEIRA, 2004, p.13)

De acordo com historiadora americana, Joan Scott (1990), o gênero

masculino é a representação cultural construída pelos discursos sociais, que

determinam os papéis que devem ser seguidos por homens e mulheres em

determinados contextos sociais. Desta forma, tais papéis também sofrem

modificações significativas dentro do contexto social vigente.

Assim, entendemos que a Moda, é mediadora das transformações de tais

representações. Apresenta-se tanto como meio de expressão, como intercessora

de relações de aparência entre os sujeitos. Relações estas que se dão sobre o corpo

e pelo corpo, que se torna lugar de significações através das diversas formas de

configuração do vestuário e da Moda nos espaços sociais.

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1.1.1 A moda e o masculino

A Moda tem historicamente criado uma associação forte entre o ser mulher

e a busca do “estar na moda”, onde se ressalta a importância da aparência na

construção social estética da feminilidade. O pesquisador de história da moda João

Braga (2008), afirma que os homens sempre se adornaram, em alguns momentos,

mais que as mulheres, no entanto, o homem minimizou os enfeites em seus trajes

devido à exigência de uma emergente sociedade capitalista em meados do século

XIX. Neste momento, “o homem não precisa mais se impor com o que veste, passa a

ter prestígio pelo que produz”. (BRAGA, 2008, p. 65)

Efêmera por natureza, a Moda é uma das expressões, tanto individual como

coletiva, dos valores e idéias que permeiam determinadas sociedades e épocas.

Representativa também da hierarquia e do poder masculino, somente no século

XIX a Moda será entendida como "característica" do Universo feminino18.

Norteados pelos valores do tempo e dinheiro, os burgueses associaram a Moda

com a futilidade e desperdício aristocráticos, relegando-a, como discurso, ao que

configurava representativamente os dizeres da riqueza e do poder masculino.

Para compreendermos as formas que estes discursos se articulam na

constituição da aparência masculina, é necessário que se faça uma breve

retrospectiva dos valores expressos pelo vestuário masculino na necessidade de

entendermos o papel do homem no seu tempo e processo histórico. O estudo da

vestimenta masculina pode revelar como o homem usou a moda na construção de

sentidos ao vestir-se, edificando assim a sua aparência, em um ato comunicativo,

rearticulando sua posição em dado contexto, assim, por meio do vestuário é

possível compreender e revelar informações sobre os sujeitos que se constroem

em diferentes discursos, pois o traje é portador de representações, tornando-se

peça importante no processo de comunicação. “Pela moda, entrevê-se então como

um sujeito vestido está no mundo e como esse mundo o faz ser segundo uma

certa moda, ou seja, seus modos de presença imbricam-se com os da moda”

(OLIVEIRA, 2002, p. 128)

18 Gilda de Mello e Souza (1996) disserta sobre o vestir faustoso do feminino também como uma forma de ostentação e demarcação de poder do masculino. Na medida em que o vestuário masculino se simplifica, os ornamentos são transferidos para o vestir da mulher, que ricamente decorada, denota a posição social e o poder do homem, na figura do marido ou do pai.

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A roupa influencia é influenciada pela maneira de viver, o traje sofreu

diferentes alterações em seu arranjo plástico (formas, cores e materiais), passando

a mostrar e alterar o parecer daquele que o veste, acompanhando as

transformações socio-economicas-culturais no modo de vida do homem de cada

época. Pelo vestir podemos estabelecer uma relação com o meio em que

vivemos, no decorrer da história, ou seja, sabemos que o homem usou o traje para

marcar e efetivar a sua presença em diferentes contextos sociais. A partir da

análise dos trajes podemos apreender os valores que o homem se utiliza para

construção do seu modo ser e estar no mundo. Para Oliveira a moda enquanto

configuração sensível faz (...) “com que outros apreendam a sua significação, que

se põe a repercutir em seu entorno, pois, o sentido é fonte de vida, é o modo

de cada época, cada grupo social viver, assumindo-se e ao seu vir a ser.” (id ibidem,

p.134)

1.1.2 Representações e transformações plásticas e sociais no vestir do

homem

As diferenças entre a forma de vestir masculina e feminina já se

anunciavam desde os primórdios da Moda19 onde o masculino, no período

medieval, ajustava-se ao corpo, encurtava-se enquanto o feminino avolumava-se

criava formas distanciadas do corpo demarcando assim, os espaços e as formas de

se relacionar no social. Desde então, o vestir do homem foi se modificando de

acordo com seu modo de ser e estar no social, chegando ao ápice de sua opulência

e luxuosidade durante o reinado de Luis XIV (1638 – 1715). Sendo a moda de

Versailles, copiada por toda a Europa e, conseqüentemente, por todas as colônias,

já que o Rei Sol, como era conhecido o monarca francês, estava empenhado, “em

tornar a França o árbitro da Europa, não só politicamente, como também em

questões de gosto” (LAVER20, 1989, p. 116). Ainda segundo o autor, as roupas

masculinas francesas continuaram seguindo esta estética luxuosa mesmo após a 19

Lipovetsky afirma que a moda não pertence a todo tempo ou lugar, o autor localiza o surgimento da

moda no Ocidente e no final do período medieval. “Só a partir do final da Idade Média é possível

reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus

movimentos bruscos, suas extravagâncias. A renovação das formas se torna um valor mundano, a

fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e

ornamentações já não é exceção, mas regra permanente: a moda nasceu” (LIPOVESTKY, 1989, p.23) 20

James Laver é um historiador da moda inglês, foi curador no Victoria ano Albert Museum em Londres.

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morte de Luis XIV, modificando-se pouco durante a primeira metade do século

XVIII. As tentativas iniciais de se instituir de um novo estilo aconteceram por volta

de 1760, quando houve uma ênfase menor no estilo da corte francesa e a crescente

adoção das roupas inglesas, buscando-se maior praticidade e simplicidade no

vestir.

O professor de literatura e pesquisador cultural John Harvey (2003) diz que

o estilo simples inglês, não tem ligação com um suposto nivelamento, e sim com as

necessidades práticas da aristocracia inglesa que viajava a cavalo e não em

carruagens. A historiadora Anne Hollander (1996) complementa, afirmando que as

formas mais vitais de elegância masculina na segunda metade do século XVIII

foram desenvolvidas pela aristocracia inglesa que desdenhava de modo crescente

o exibicionismo e o ritual da corte francesa. A moda à inglesa, adotou uma mistura

de simplicidade chique proposta pelos antigos puritanos, pelos proprietários de

terras e pelas pessoas de boa posição social, dando destaque a vida e os esportes

campestres, que sugerem a conquista perene da natureza bruta.

Na Inglaterra, um casaco simples, botas úteis, chapéu e roupa branca e simples estavam se tornando sinais de um cavalheiro que possuía não apenas muitos acres e um cofre cheio, mas também uma mente sensível com um desdém maduro pelas instituições primitivas e seus badulaques desnecessários, não importa quão raros. (HOLLANDER, 1996, p.107)

No mesmo século, a Revolução Francesa proporcionou a ascendência da

classe burguesa, e conseqüentemente, a erradicação das roupas faustosas do

Antigo Regime. Nestes tempos revolucionários ser confundido com a aristocracia,

com suas roupas bordadas a ouro e prata, poderia resultar em guilhotina. Desta

forma a austeridade, traduzida pela simplicidade e praticidade do estilo das roupas

aristocráticas inglesas se transformou em referência para o vestuário masculino, o

valor e a moral hierárquica do homem passou a estar consolidada através do tipo

de trabalho que executava e não mais era visto pela profusão de artigos luxuosos

que revestiam seu corpo.

Os dândis elegeram o preto e o branco como as cores oficiais de sua

vestimenta, criando o estilo chic urbano21 para os homens. De acordo com Harvey

21 Termo usado pela pesquisadora Elizabeth Wilson, para mais informações sobre o assunto ver WILSON, Elisabeth. Enfeitada de sonhos. Moda e modernidade. Lisboa: Edições 70, 1989. p. 242-246

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(2003), o dândi é a figura que torna elegantes as roupas simples e escuras, de

preferência negras. O estilo dândi renuncia às plumas, mas ainda é uma forma de

ostentação, presente nas sutis evidências da boa qualidade do tecido, quando visto

de perto, e na meticulosidade do corte.

A pesquisadora de estudos culturais Elizabeth Wilson (1989) diz que o

dândi inaugurou a o estilo que podia ser caracterizado como uma versão do herói

romântico. A sua dedicação a um vestuário que idealizava a sutileza, iniciou uma

época que punha em destaque o tecido, o corte e o caimento do traje. Este estilo de

vestir, com corte retilíneo clássico e cores sóbrias fazia oposição direta a e

ostentação do rebuscado traje barroco e rococó do período onde reinava a

aristocracia. A autora afirma ainda que o dândi, narcisista por natureza, trouxe

uma nova masculinidade, sem perucas ou maquiagem, mas com calças muito

apertadas e altamente eróticas.

Sabe-se que o dândi, de fato, em sua grande maioria, não tinha profissão ou

nome de família, aparentemente vivia sem nenhum meio de sustento econômico,

criou o arquétipo do novo homem urbano, que praticava o flaneur, ou flanar; a arte

de circular pelas ruas da cidade se impondo pelo bom gosto e elegância. Os

primeiros representantes do dandismo foram, na Inglaterra Beau Brummell, seu

criador e na França o escritor Charles Baudelaire.

A moda se torna mais austera no Período Vitoriano22 (1837-1901), na

medida em que o fazer masculino se organiza em torno dos valores da moral e do

trabalho. A Segunda Revolução Industrial23, no século XIX, editou a figura de um

homem abastado e discreto no seu vestir, e de sua mulher, trajada com roupas

ricas, criadas por costureiros que ganharam cada vez mais importância, usando,

ainda, muitas jóias, que davam o seu aval do seu poder social e econômico, mas

discreto em seus trajes pessoais.

Mesmo porque, em sociedades chamadas burguesas, o modo de as

22 A Era Vitoriana no Reino Unido foi o período do reinado da Rainha Vitória, em meados do Século XIX, a partir de Junho de 1837 a Janeiro de 1901. 23 A Segunda Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século XIX (1850 - 1870), foi uma segunda fase da Revolução Industrial, envolvendo uma série de desenvolvimentos dentro da indústria química, elétrica, de petróleo e de aço. Outros progressos essenciais nesse período incluem a introdução de navios de aço movidos a vapor, o desenvolvimento do avião, a produção em massa de bens de consumo, o enlatamento de comidas, refrigeração mecânica e outras técnicas de preservação e a invenção do telefone eletromagnético. Esse período marca também o advento da Alemanha e dos Estados Unidos como potências industriais, juntando-se à França e do Reino Unido.

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mulheres casadas se apresentarem em público constitui um dos meios dos seus maridos se afirmarem prósperos - aqui vai algum marxismo - ou socioeconomicamente bem situados. Sendo assim, é preciso que os vestidos de esposas ou de filhas variem, de menos a mais exuberantemente caros, e adornados como expressão, quer da constância de status alto dos maridos e pais, quer como expressão de aumento de prosperidade ou de ascensões socioeconômicas ou políticas ou na ocupação de cargos ilustres dos mesmos maridos ou pais. (FREYRE, 1986, p. 33)

A diferenciação entre a moda feminina e masculina ficou muito evidente,

sendo esta diferenciação observada, especialmente, nos volumes (traje masculino

reto e junto ao corpo versus feminino volumoso), cor (masculino cores escuras,

consideradas sóbrias versus feminino com profusão de cores), tecidos (masculinos

simples, pesados opacos e versus femininos armados e brilhosos), principalmente,

em ornamentos, (o homem procurava omitir os enfeites enquanto a mulher

abusava dessa possibilidade). O uso de ornamentos no caso masculino, fica por

conta da gravata, da cartola, da barba e, normalmente, da corrente do relógio de

bolso, que lhe ficava aparente sobre o colete. A barba bem cortada e definida, e o

uso destes acessórios tornaram-se fundamentais para expressar a elegância e

distinção de classe em todo o século XIX marcando a diferença para aqueles que

tinham poder econômico e uma posição social elevada. O destaque para o

masculino não estava apenas na forma de vestir, mas também na forma de ser e de

agir, ou seja, havia uma importante construção simbólica por trás da simplicidade

e austeridade masculina. A diferenciação do vestir entre homens se faz, de fato, em

pequenos detalhes, entendidos por aqueles que fazem parte do campo24, de acordo

com Bourdieu ou do universo de valores que então se estabelecia.

Assim, o século XIX começou a definir o significado das categorias estéticas

referenciadas aos valores de masculinidades que seguiriam praticamente com a

mesma estrutura formal até os dias de hoje. Fortes heranças, como o papel do

vestuário enquanto instância libertadora para os homens e aprisionadora para as

mulheres; padrões de beleza rígidos que acabaram por se tornar pré-requisitos

sociais. Novas definições para o "belo" nas manifestações artísticas foram

mudanças comportamentais significativas que marcaram o século do movimento

24 Campo para Bourdieu é um espaço de conhecimento, uma área acessível apenas às pessoas iniciadas, ou seja, aqueles que fazem parte do grupo.

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romântico. Este, aliás, um dos responsáveis por trazer a tona novas concepções

para o conceito de "mulher ideal": bela, frágil e delicadamente destemida.

A filósofa e doutora em Ciências Sociais Gilda de Melo e Souza (1996)

reafirma ser também ao longo século XIX que a diferenciação entre os sexos -

expressa e experimentada com o auxílio das roupas, dos adornos, dos cosméticos e

de tudo o mais que compõe a plasticidade simbólica da moda - atinge patamares

inusitados, inseparáveis, por sua vez, da competição entre as classes e frações de

classe.

No século XIX se consolidou a austeridade no vestir do homem, com cores

escuras e acinzentadas, sobriedade nas formas e materiais, escolhas que

pretendem ratificar seu local e papel social. É o que pesquisador de moda e

comportamento masculinos Dario Caldas (1997) intitula de o “modelo de Homem”

herdado da sociedade patriarcal, burguesa clássica cuja imagem, a de um homem

forte, que não fraqueja, que não chora, provedor da família, mas distante dos filhos,

habitando o mundo do poder, do dinheiro e da política, etc.

Hollander (1996) adverte que ao contrário do que muitos pensam os

homens não abandonaram a moda, eles apenas modificaram a forma de se

expressar através dela. Afirma que as roupas masculinas no estilo alfaiataria tem

se mostrado impressionantemente variáveis e expressivas, desde 1800,

construindo significados de poder, abundancia, austeridade, entre outros, a partir

da variação de formas, texturas e cortes, tornando-os campo de ação e

comportamento. “A vestimenta e os acessórios masculinos podem ter dado a

impressão de ser não-moda, mas isto é uma ilusão completa; seu compromisso

com o risco e a ironia é tão profundo quanto o da moda feminina e seu aspecto

representativo também.” (HOLLANDER, 1996, p. 38)

No final do século XIX e início do século XX, outros fatores do convívio

social, além do trabalho passaram a interferir no modo de vestir do homem, entre

eles, o esporte que ao se tornar uma das formas de lazer mais importantes,

passando a influenciar diretamente no vestuário da época. De acordo com o

pesquisador alemão sobre moda masculina Bernard Roetzel (2000) os primeiros

ternos apareceram em ocasiões desportivas – até então os homens usavam calças,

camisas, coletes e casacas ou redingotes – sendo, mais tarde, aceito como vestuário

do cotidiano. Segundo o autor, foi na propriedade do duque de Nortfolk que surgiu

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um casaco muito especial, feito em tweed, com três ou quatro botões, cinto, pregas

e um bolso fole, com espaço para os cartuchos das armas de caça, usado com calças

do mesmo tecido. Este tipo de casaco e calças significava um luxo, que apenas

alguns poderiam ter, mas na década de 1920 o casaco de tweed com corte clássico,

sem cinto ou pregas, tornou-se uma opção para o traje informal do cotidiano do

homem.

Durante a I Guerra Mundial (1914-1918) o vestuário masculino tornou-se

ainda mais simples, devido à escassez de material em função dos esforços de

guerra. Algumas inovações ocorreram nas décadas de 1920 e 1930, principalmente

ligadas aos tecidos artificiais recém-descobertos. Durante os anos de 1940, viveu-

se novamente um período de escassez em função da II Guerra Mundial (1939-

1945) que afetou diretamente o vestir de toda a sociedade, refletindo a falta de

matérias para sua produção, já que os mesmos eram voltados para produzir

uniformes para os soldados, pára-quedas, entre outros implementos de guerra. Na

década de 1950 houve um incentivo a industrialização e a revitalização do

comércio, principalmente no continente americano – que quase não havia sofrido a

ação direta dos combates da guerra – o consumo se acentuou, assim como a

diversificação dos produtos disponíveis. Outra característica muito importante

desta época foi aumento da população de jovens, provenientes da explosão

demográfica do pós-guerra, influenciou diretamente as modificações no vestir

masculino.

Certamente os anos 1950 trouxeram muitas novidades, mas a principal foi a valorização do público jovem. Antes, os galãs de cinema eram homens de quarenta anos, não havia cultura jovem. Os anos 1950 trarão dois nomes que, sozinhos, bastariam para mudar todo o imaginário masculino: James Dean e Marlon Brando. Jovens e belos, eles se apresentam de underwear, ou seja, camisetas que contornam seus corpos fortes usadas por baixo das camisas. A partir daí surgem dois temas: a possibilidade de diferentes maneiras de vestir (a moda) e a sensualidade como valor. (QUEIROZ, 2009. P.76)

Segundo o historiador inglês especializado em moda masculina, Cally

Backman (2009) o grande número de adolescente e jovens das décadas de 1950 e

1960, associada sobretudo à vida urbana - que se encontrava na escola, nos clubes,

em atividades esportivas ou extracurriculares - criou um movimento de subcultura

jovem, e buscava uma identidade própria, juvenil e que o diferencia-se dos adultos

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- representados principalmente por seus pais ou parentes mais velhos -

acentuando uma rígida distinção dos papéis sociais por idade que não tinha

comparação, até então, na história do século XX. O autor afirma ainda, que o uso de

roupas diferenciadas, como calças jeans, camiseta branca e jaqueta de couro25,

criando o estilo rebelde, como o personagem Johnny vivido por Marlon Brando no

filme “O Selvagem” de 1953, foi uma das formas de expressão desde movimento; e

que esta quebra de padrão no vestuário jovem, principalmente masculino, abriu

caminho para uma maior aceitação das diferentes formas do vestir do homem

contemporâneo. O discurso de contestação dos jovens, apropriou-se de peças que

tradicionalmente tinham outros uso, visando quebrar o vestir tradicional da

sociedade vigente. Sendo assim, o jeans, antes usado apenas por mineradores,

devido sua a alta resistência e maior durabilidade, passou a configurar o modelo de

calça a ser usado. A jaqueta de couro também foi deslocada em seu uso inicial, pois,

era uma peça usada como parte do uniforme dos policiais rodoviários, que faziam

suas de motocicleta. Na construção do traje dos jovens dos anos de 1950,

observamos a reapropriação de peças que configuravam como uniformes, em

outros fazeres, para marcar o vestir contestatório, resignificando o termo

uniformização, entendido aqui como um modelo identitario de um novo grupo.

Quanto ao uso da camiseta branca, Hollander (1996) diz mais do que um

deslocamento de trajes provenientes de outros contextos de uso - a calça jeans era

tradicionalmente usada por mineiros e a jaqueta de couro fazia parte do uniforme

dos guardas rodoviários – como forma de expressão e contestação, o uso da

camiseta branca causa uma revolução no vestir, trazendo para superfície o que não

devia ser visto. Algo que também acontecerá com as cuecas algumas décadas à

frente, quando seus elásticos se tornarem visíveis sob as calças.

A roupa informal para os homens ainda tem uma qualidade socialmente proibida em alguns contextos, herdada dos dias de outrora, quando a camisa era roupa íntima. Mas as camisetas têm uma qualidade proibida ainda mais forte, já que originalmente deviam ser vestidas por baixo de camisas feitas sob medida, como camada protetora ainda mais íntima. (HOLLANDER, 1996, p. 215)

25 Para maior conhecimento sobre o assunto ver o capítulo “El rebelde” do livro 100 Años de moda masculina. BLACKMAN, Cally. 100 Años de moda masculina. Barcelona: Blume. 2009.

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De acordo com um dos mais importantes historiadores do século XX, Eric

Hobsbawm, a cultura jovem se tornou “a matriz da revolução cultural no sentido

mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e

nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por

homens e mulheres urbanos” (HOBSBAWM, 1995, p.323).

O movimento jovem continuou a influenciar a moda, na década de 1960

trouxeram ainda mais elementos de renovação visual para os trajes masculinos,

que se tornaram mais coloridos e ajustados ao corpo. O jornalista e respeitado

editor de moda português naturalizado brasileiro Fernando de Barros destaca: “No

começo dos anos 60, a visão conservadora que regia a moda masculina começa

afinal a passar por transformações. Como uma verdadeira revolução, com prós e

contras, os homens começaram a se rebelar diante das tradições[...]”.(BARROS,

1997, p. 137) Tais transformações passaram pela inclusão de uma série de cores

vibrantes, além do ajustamento das formas do traje, delineando um pouco mais o

corpo masculino.

Nos anos de 1960 as mulheres, além dos jovens, também intensificaram a

reivindicação de seus direitos, neste momento ganhou força o movimento

feminista que buscava igualdade social entre homens e mulheres. Uma forma de

expressão desta igualdade, que ainda esta sendo construída, se deu pelo vestuário,

as mulheres passaram a usar calças compridas, até então peça do guarda-roupa

masculino, mudança esta, que também influenciou a atualização e modernização

do traje do homem, modernização está que se deu principalmente a partir do vestir

dos jovens. François Boucher (2010), importante historiador especializado em

moda, afirma que nos anos 1960 e 1970 ocorreu uma proliferação de variedade de

peças do vestuário, e que pela primeira vez na civilização ocidental todos os grupos

sociais tinham a possibilidade de escolher suas roupas.

A multiplicação das formas propostas dava, em 1970, a impressão de uma total anarquia; provavelmente ela correspondia à brusca explosão de uma geração que se recusava a adotar os hábitos de seus pais. O movimento beneficiou-se da expansão econômica dos anos de abundância, mas só conseguiu isso porque correspondia a uma corrente irresistível. (BOUCHER, 2010, p. 423)

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Além da cultura jovem e do movimento feminista, o cinema e a música

tornaram-se importantes veículos da disseminação de novos modelos

comportamentais e constituições imagéticas de modos ser e vestir.

A música também trouxe importantes influências na modificação do

vestuário masculino, na década de 1960 os Beatles tornaram-se referência no

vestir de alguns jovens, assim como o movimento “disco”26, que introduziu roupas

ajustadas e com materiais sintéticos e mais elásticos, que facilitavam os

movimentos de dança. Nos anos 80 o rock and roll, trouxe o novamente27 jaquetas

couro para o guarda-roupas masculino, porém agora elas eram adornadas por

tachas de metal e usadas com calças jeans rasgadas. Já na década de 1990, foram os

cantores de hip hop, com sua roupas oversized (em tamanhos maiores que as

medidas do corpo) e grandes acessórios dourados ou prateados que influenciaram

o modo de vestir dos jovens.

A influência dos rapers (cantores de hip hop) interferiu também no uso da

roupa íntima, visto que sua roupa exterior era em uma numeração maior que o

normal, as calças costumavam descer nos quadris deixando à mostra parte da

cueca, tornando exterior aquilo que antes não deveria ser mostrado. Este costume

se difundiu com rapidez e as marcas de cuecas começaram a estampar seus nomes

em tamanhos cada vez maiores nos elásticos das peças, que agora ficavam

aparentes, tornavam-se peças exteriores.

Segundo François Boucher (2010), além da introdução das roupas

esportivas no guarda-roupas masculino, os anos 80 também são marcados pelos

jovens que se lançam no mercado de trabalho, tornando-se executivos dinâmicos

conhecidos como golden boys e yuppies28, que faziam uso do power dressign29 como

26 Movimento Disco vem de uma abreviação americana da palavra francesa ‘Discothèque’. Trata-se de um importante movimento artístico cultural iniciado na década de 1970, nos Estados Unidos, no qual os jovens se reuniam em discotecas para dançar a agitada disco music (um estilo musical que surgiu a partir da transformação de elementos de diversos gêneros musicais como do Soul, Jazz e Funk). 27 Jaquetas de couro, estilo motoqueiro faziam parte do vestuário dos jovens “rebeldes” dos anos 50. 28 Yuppie é uma derivação da sigla YUP, expressão inglesa que significa "Young Urban Professional", ou seja, Jovem Profissional Urbano. É usado para referir-se a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta. Para mais informações sobre o estilo de vestir dos anos 80, ver BOUCHER, François. Historia do vestuário no ocidente. São Paulo: Cosac Naify. 2010, p.446. 29 Power dressing é um estilo de vestuário, criado para o uso no meio profissional, que surgiu nos Estados Unidos e Reino Unido nos anos 80. As roupas criadas com base neste estilo pretendiam refletir a eficiência e competência do trabalhador que as usava.

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manifestação visual e usam ternos com estruturas retas e robustas com grandes

ombreiras. Já na década de 1990 ocorre uma busca pela simplicidade do traje

social, traduzida na elegância de ternos bem cortados e de acabamentos limpos e

sem exageros.

Nos anos 2000 observa-se uma pluralidade no vestir masculino, fruto da

ampliação do mercado do vestuário, com um maior número de marcas e de

produtos voltados ao homem, além da difusão, proliferação e da velocidade com

que a informação de moda chega até ele. João Braga (2007) afirma que a

multiplicidade comportamental de moda, do final do século XX, alicerçou um início

de século XXI com importantes conquistas (ou reconquistas) masculinas no que diz

respeito ao cuidado com a aparência.

Informado e exigente, o homem contemporâneo, do início do século XXI, legitima-se nos modos resgatando o que sempre o identificou (à exceção de um hiato de cem anos aproximadamente) ao longo da história da moda: a pecaminosa vaidade de aparência instituída pela exigente sociedade de cultura material. (BRAGA, 2007, p.43)

Anne Hollander (1996) afirma que as qualidade de mutabilidade no design

superficial do vestuário, que foram associadas com os hábitos femininos, não são

mais temidas pelo homem do final do século XX, ele as usa como forma de

manifestação visual de seu modo de ser e agir. “A aparência da potência sexual

masculina no mundo pós-moderno é capaz de flutuar livremente acima das visões

austeras de masculinidade, consolidadas no século XIX, e que desacreditavam

quaisquer vôos de imaginação do vestuário ao chamá-lo de femininos.”

(HOLLANDER, 1996, p. 225)

As escolhas que o homem faz ao se vestir, construindo assim sua aparência,

tornam-se importantes ferramentas para compreender seu modo de ser e estar no

mundo. Na transição do século XX ao XXI o homem tem muitas possibilidades de

construir esta aparência, e se expressar de diferentes formas, o que foi entendido

como “novo homem”, o que, entretanto, tratava-se do sujeito acompanhando o

espírito de seu tempo e usufruindo das diferentes possibilidades de “modos de

ser”, tão característico da contemporaneidade, pois de acordo com Landowski

(2002) a moda faz advir a sensação do tempo.

A Moda como linguagem nos permite então edificar visões do universo

masculino. De forma consistente, a análise do vestuário do homem se apresenta

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um terreno fértil de pesquisa, compondo um conjunto de significados que traduz

simbolicamente informações sobre os indivíduos, seu modos de ser e modos de

vida, possibilitando um melhor entendimento de como vivem, pensam e agem os

sujeitos em cada tempo.

1.1.3 Fragmentação do homem: moda, consumo e novas

masculinidades

A mudança no comportamento do homem nos últimos séculos é uma

realidade que vem sendo constatada de forma gradativa. Um novo modelo de

homem, cuja personalidade é fragmentada e multifacetada, vem sendo definido e

observado como um fenômeno social que envolve na sua concepção a sociedade de

consumo e a sua representação na mídia impressa e digital. Vemos na construção

de aparências da moda uma oportunidade para intensificar as multiplas versões,

propostas principalmente pela mídia, de masculinidade. O desejo e motivação da

indústria da moda se torna evidente quando identificamos nestas diversas

propostas a possibilidade de manipulação de um maior número de variáveis ou

oportunidades de se criar desejo por diferentes objetos, ou universos de valores

simbólicos que Andrea Semprini30 chama de “mundos possíveis”.

As transformações que os conceitos de masculinidades e identidades vêm

experimentando são reflexos das mudanças pelas quais a sociedade, de modo

geral, vem enfrentando na contemporaneidade. As sociedades modernas são

essencialmente sociedades de mudança constante e rápida, a revolução tecnológica

e a globalização causaram um impacto sobre a identidade cultural. Hall (2001, p.7)

afirma que a crise de identidade “é vista como parte de um processo mais amplo de

mudança, que esta deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades

modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma

ancoragem estável do mundo social.” Observamos também uma fragmentação dos

sujeitos em diversas identidades criadas a partir de objetos e elementos

simbólicos.

30 SEMPRINI,Andrea. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores Editora, 2010.

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Podemos entender que tais mudanças no conceito de masculinidade

hegemônica se tornaram possíveis, por que a sociedade que o contém também

passa por transformações. “Só é possível entender o valor social que a

masculinidade possui no momento em que pudermos entender sua imbricação

com outros ideais societários e outros sistemas simbólicos.” (OLIVEIRA, 2004 p.

106) Assim, não vemos apenas novas e múltiplas possibilidades de masculinidade,

mas sujeitos constituídos de diferentes identidades, identidades fragmentas

edificadas por relações, em sua maioria efêmeras, que se dão pela aparência.

Construída num contexto social, cultural e político, a masculinidade, a sua

forma de manifestação, devem ser compreendidas dentro dos suportes simbólicos,

do masculino e do feminino, próprios a cada sociedade. Foucault (2003), diz que o

discurso só existe por que se torna prática. Faz-se então necessário deixar claro

que o que entendemos por tipicamente feminino e tipicamente masculino não são

imagens que correspondem a qualquer valor essencial, universal e atemporal, mas

a imagens construídas historicamente e que, desde a modernidade, vêm sendo

profundamente alteradas graças à flutuação e confusão entre fronteiras simbólicas

do masculino e do feminino, contidas no fenômeno de fragmentação das

identidades, aceleração, ritmo e do tempo, mudanças de papéis, entre outras

transformações contidas na sociedade contemporânea.

A masculinidade deveria então ser vista como um processo de construção

social e discursiva, elaborada por uma série de interações, que por vezes são

conflituosas e cambiantes. No percurso histórico da sociedade ocidental,

identidade sexual e de gênero do homem foi intrinsecamente ligada à

representação do seu papel social. Observamos que a masculinidade não pode ser

mais entendida ou caracterizada da mesma forma tradicional da sociedade

patriarcal, visto que a própria sociedade contemporânea não apresenta os mesmo

moldes. A medida que seus valores fundantes se modificaram31, modificam-se

também os conceitos construídos com base neles, pois conforme Oliveira (2004) a

masculinidade, na qualidade de lugar simbólico de sentido estruturante, impõe aos

agentes masculinos uma série de comportamentos e atitudes imbricados com os

valores capazes de convertê-los em poder simbólico. Assim, a medida que mudam

31 Autores como Bauman, Giddens, Hall, entre outros, observam a quebra de instituições fundandes das sociedades, como religião e família, constituem o terreno das sociedades pós-modernas, onde as relações são superficiais e efêmeras. Onde nada tem um caráter fixo ou acabado.

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os valores, devem mudar suas representações. Na medida em que as relações entre

os sujeitos passam a se fundar na aparência, em um mundo de imagens a

compartilhar, estas imagens tornam-se modelo e referência para construção de

novas identidades masculinas ou masculinidades.

De acordo com Giannino Malossi (2000), a rigidez que antes era

característica da identidade dos homens, representada também na moda

masculina, cedem lugar à possibilidades mais variadas, complexas e diversificada

de comportamentos e de identidades possíveis. Isso, por sua vez, se traduz em um

conjunto muito maior de possíveis formas de consumo, isto é, uma maior

circulação de mercadorias. Em outras palavras, quando uma identidade unificada

do sexo masculino é substituída por uma identidade múltipla, cria-se a necessidade

diferentes e a moda com sua diversidade pode oferecer diferentes opções que

correspondem a cada uma das novas identidades possíveis, ampliando assim, as

oportunidades de venda.

Na sociedade contemporânea novos papéis e perfis vêm sendo definidos

concebidos e observados para as masculinidades, como um fenômeno social que

envolve na sua concepção, a sociedade de consumo e a indústria cultural. As

práticas de consumo de vestuário no mercado expressam um conjunto de valores,

hábitos, construções visuais corporais e preferências que definem e colocam em

prática as formas específicas de cada cultura vestir os gêneros, ou apresentar seus

corpos sexuados, mostrando, entre outras variáveis, como os padrões referenciais

do comportamento masculino e feminino podem ser reforçados ou modificados.

Conforme Patrícia Sant’anna existem quatro elementos que demarcam a

franca transformação do modelo masculino, a saber:

a) Padrão de beleza – Ele se torna mais magro, jovem e ambíguo. No entanto, não suplanta outros padrões. O padrão, na verdade é plural, isto é, são padrões, onde o mais vigente é o anteriormente citado. b) Roupas e acessórios – O homem passa a ter uma maior quantidade de formas e cores para utilizar, e consequentemente uma maior variabilidade. Tem assim a chance de demarcar visualmente com maior riqueza de detalhes, aumentando o jogo da permutabilidade. c) Ludicidade – Retorno a um elemento abandonado desde o século XIX do guarda-roupa masculino (Lipovstky, 1989). A criatividade volta com maior variabilidade de formas, cores e acessórios. O homem, se quiser, pode ser muito divertido no vestir-se, sem ser caricato. d) Masculinidade – O homem não necessita seguir apenas um modelo. Pode passear por várias propostas. Tornando o homem da década de noventa um ser plural. (SANT’ANNA, 2005, p.95)

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Neste contexto observamos um desdobramento do homem em perfis

traçados de acordo com as ofertas de mercado e suas escolhas de consumo que vão

do resgate do homem “macho”, que faz questão de ressaltar a o modelo de

masculinidade hegemônica da sociedade patriarcal ao crescimento, na segunda

metade do século XX das referências, do homem “sensível”, que usa cosméticos,

perfumaria, roupas com estilo e é mais gentil. Camilo Vannuchi e Lena Castellón

(2006) afirmam pesquisas mercadológicas começaram a identificar perfis de

homens com facetas tão múltiplas quanto às femininas, e apresentam um estudo

feito pelo grupo Leo Burnett32 que identifica os perfis atuais do “novo homem”, em

metrossexuais, retrossexuais, übersexuais, neopatriarcas e power-seekers. Estes

termos também são facilmente encontrados em revistas e jornais desde os anos de

1990, quando tratam de masculinidades contemporâneas, e que, sem dúvida,

apontam para uma ampliação dos papéis constitutivos que se pode almejar na

perspectiva ampla do modo de ser masculino na contemporaneidade. Faz-se

importante destacar que esta classificação foi criada dentro de um contexto

jornalístico, e que por serem amplamente divulgados pela mídia, não forma

negligenciados na pesquisa

Tantos rótulos, ou características identitárias, mostram que é necessário

conhecer cada uma dessas divisões, já que estas apontam novos desejos,

comportamentos ou mesmo jogos de manipulação de mercado de consumo, em

relação a necessidade de ampliar sua rede de consumidores, instaurando uma

relação de construção e articulação de novos papéis, para entender o universo

masculino atual.

O termo mais conhecido, na definição destes novos papéis, é o

metrossexual, proveniente da junção das palavras metrópole e heterossexual, foi

proposto em novembro de 1994 pelo jornalista inglês Mark Simpson, no artigo

“Here come the mirror men” (Aí vêm os homens do espelho), no jornal inglês The

Independent, para para definir um consumidor específico, caracterizado pelo

homem urbano excessivamente preocupado com a aparência e a moda e com

elevado sentido estético. Conforme Simpson (1994) o homem metrosexual pode

ser definido como "um fetichista de mercadorias”, um colecionador de fantasias

32 Leo Burnett Worldwide importante agência de comunicação multinacional com sede em Chicago que foi fundada em 1935 por Leo Burnett. A empresa, que desde 2002 pertence ao grupo francês Publicis Groupe, está presente em 85 países.

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vendidas pela publicidade. No artigo Meet the metrosexual (Conheça o

metrossexual), publicado na revista online Salon, em julho de 2002, o Simpson

voltou a abordar o tema, agora identificando o jogador de futebol David Beckham,

ocasião em que o termo foi vulgarizado e ficou conhecido em todo o mundo.

A popularização do perfil metrosexual sinalizou que a sociedade pode

aceitar uma forma diferente de masculinidade heterossexual, para alguns homens,

a aceitação do modelo metrossexual em cultura dominante, caracterizado pelo

padrão masculinidade hegemônica da sociedade patriarcal, permitiu-lhes

expressar a sua identidade de novas formas mais livre. O surgimento da

metrosexual na década de 1990 fez surgir foi uma profunda discussão sobre as

possíveis mudanças no papel tradicional de gênero masculino que permitiu aos

homens explorar a moda, alimentação, beleza, saúde e etiqueta de maneiras mais

próximas e em primeira pessoa. Durante este tempo o papel de gênero masculino

socialmente aceito expandiu seus limites e se tornou mais abrangente por meio de

diferentes expressões – até certo ponto inéditas - da identidade masculina.

Em oposição aos metrossexuais, a mídia apresentou, fazendo ainda mais

agitação e discussão, uma nova tipologia de masculinidade os retrosessuais termo

também criado por Mark Simpson, que ao inverso do metrossexual, identifica um

homem com um senso estético pouco desenvolvido, que não investe tempo, tão

pouco, dinheiro para construção visual de sua aparência. De estilo de vida simples

e conservador, seus principais interesses são carros, cerveja e futebol, de acordo

com o jornalista em seus artigo, Metro-Warriors (Metro-guerreiros), publicado na

revista Playboy em maio de 2004.

Como um meio termo, surgiram os uberssexuais, uber vem do alemão e

significa super , o que está além. Dentre estes perfis, o übersexual se apresenta

como o tipo masculino que conseguiu conciliar moda e beleza sem perder a

virilidade, a autoconfiança e a personalidade assertiva, elementos constitutivos da

identidade masculina e ainda valorizados pelas mulheres. O überssexual que é

considerado um homem que se preocupa com a qualidade daquilo que consome,

não é tão vaidoso como o metrossexual, mas preocupa-se com a aparência, é

másculo e confiante, trata-se um modelo mais viril, que o anterior, também criado

pelo jornalista Mark Simpson, é descrito como uma versão mais moderna homem

tradicional.

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Os neopatriarcas são caracterizados por homens preocupados com a

família e eficientes nas tarefas domésticas, que participam ativamente na educação

e na vida dos filhos. A busca pelo exercício da paternidade é um dos pilares de

sustentação do perfil neopatriarca. Sentem-se realizados ao lado da companheira e

dos filhos e seriam capazes de recusar uma promoção de trabalho se isso os

obrigasse a ficar longe de casa. Suas práticas de lazer e consumo se dão em torno

da família.

Já os power-seekers são homens que ambicionam o poder e usam a vaidade

para auxiliá-los a conquistar as posições almejadas. Suas relações, bem como as

práticas de consumo ocorrem em torno do trabalho, se forma que possam

viabilizar seu sucesso.

Por outro lado, do ponto de vista acadêmico, temos uma tipologia

desenvolvida pela semioticista Ana Cláudia de Oliveira que tem por base a matriz

do quadrado semiótico que nos oferece a “masculinidade viril” em relação de

oposição à “masculinidade feminina” e, nos sub-contrários e em relação de

implicação às categorias em oposição, o “neo-macho” e o “gay”, a saber: o

masculino-macho, o masculino-masculino, o masculino-feminino e o masculino-

feminilizado, que figurativizam a masculinidade explorada no contexto midiático

como formas edificação de um novo homem.

Os meios de comunicação criam e divulgam estereótipos de gênero,

claramente assumidos no consumo midiáticos e em especial na publicidade,

tornando-os reprodutores das realidades sociais e das ideologias vigentes. Neste

sentido, utilizam-se dos conjuntos de valores simbólicos e representativos da

sociedade, recodificando suas mensagens para atingir nichos específicos, através

de apelos persuasivos agregados às novas tendências comportamentais e a

diversidade de personagens e personalidades sociais.

Estes e outros “títulos” usados para determinar as novas masculinidades,

podem ser interpretados também, como uma estratégia midiática para criar uma

visão compartilhada, um "senso comum" do que é ser homem na

contemporaneidade. De forma que a moda e a cultura de massa transformam o

simbólico em economia, contribuindo para a criação, seleção e manipulação de

novos fatos e imagens culturais.

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Mario Queiroz (2009) situa o discurso da moda na construção das diversas

masculinidades do mundo contemporâneo, através da leitura de imagens de moda,

destacando a figura do herói no universo masculino. Apresenta as mudanças no

homem do final do século XX e início do XXI, discutindo como as revistas de moda

masculinas trabalham com as transformações do comportamento do homem nas

fotografias de moda, construindo imaginários de herói como idealização do

masculino.

Não utiliza o que ele chama de “gavetas” para identificar estas

masculinidades, como metro ou übersexual, pois acredita que tais divisões só

servem para mostrar as perdas dos vários nichos de o mercado ao se pensar o

masculino como único. Ele aborda identidades múltiplas, e fala do homem pós-

moderno, fragmentado. Que se constitui em um novo homem a partir do consumo.

“a moda será cada vez mais uma ferramenta para exteriorizar novos sentimentos e

ajudará a gerar infinitas formas de expressão, uma vez que apontamos que cada

um deverá assumir um estilo, e mudar, quando assim desejar.” (QUEIROZ, 2009, p

147)

A Moda entendida, a partir de uma perspectiva cultural, como um sistema

de códigos no qual os bens materiais tem um forte caráter simbólico, um valor

imaterial, que ultrapassa o seu valor de uso. Desta forma a Moda é vista como parte

do universo cultural, atuando como principal mediadora das relações sociais que

se dão pela aparência. As intervenções entre a Moda, seu tempo e espaço dialogam

com os acontecimentos mais marcantes da época, caracterizando uma visão

holística, por uma mudança nos padrões sociais e no questionamento dos valores

pregados pelas gerações anteriores.

Em uma época em que a Moda se caracteriza por sua diversidade e

permissividade do consumo, não só nas peças de roupas ou acessórios, mas seu

conteúdo imaterial e o próprio corpo são manipulados de infinitas maneiras

dentro de seu contexto de imagem de modo que tanto a moda, como as marcas,

buscam criar um ideal identitario para seus consumidores, que imbuídos pela

necessidade de renovação do eu, compram produtos mais pelo seu valor simbólico

do que pelo objeto em si. Conforme Miranda33 a moda e a publicidade prometem

33 MIRANDA, A P de. Consumo de moda: a relação pessoa-objeto. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008.

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beleza e sedução, utilizando-se dos desejos do seu público e de uma linguagem

específica, afirmando as qualidades de produtos ou marcas como realizadores de

sonhos.

1.2 Por Que Vestir?

“A roupa cobre e protege o corpo, a moda vai além: é a manifestação da identidade e nos integra ou nos destaca nos grupos sociais.”

Mario Queiroz34

Ao vestir nos comunicamos com o mundo de forma não-verbal. Antes de

trocarmos qualquer palavra com alguém, enviamos, quando vestidos e adornados,

mensagens de quem somos, que lugar ocupamos na sociedade, nossos valores o

que queremos ser ou parecer num dado momento. “(...) o texto-objeto da moda a

roupa produz sentido em situação , ou seja, no interagir com o corpo sobre

qual age, que, por sua vez, é o seu possível meio de existir.” (OLIVEIRA, 2002,

p. 128) Sendo assim, em uma primeira instância podemos dizer que nos vestimos

porque queremos nos comunicar e estabelecer vínculos. Dentro de contextos

socioculturais e econômicos encontramos os códigos do vestir, onde podemos

conhecer diferentes razões para o vestir, que formulam o nosso “comunicar pelo

vestuário”.

Na história da humanidade, observamos que em diferentes culturas como o

corpo foi coberto e descoberto, marcado e demarcado pelo traje de forma a

construir discursos, que trazem em seu conteúdo o prevalecer do estético e

simbólico sobre o utilitário. Tal constatação levou a historiadores, antropólogos,

sociólogos, psicólogos, entre outros estudiosos a pensar por que nos vestimos.

Dentre eles Flugel (1966), tornou-se uma referência clássica. Em “A psicologia das

roupas”, o autor nos oferece explicações sobre como e por que os seres humanos

usam roupas e acessórios de forma que tais usos vão além da simples proteção,

salientando que a importância social roupa vem de suas propriedades intangíveis.

34 QUEIROZ, Mario. O Herói Desmascarado: a imagem do homem na moda. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2009.

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Flugel aponta que as principais motivações para o vestir seriam a proteção

visando a função utilitária do traje, a modéstia ou pudor e o adorno como forma de

destaque ou liderança em um grupo. Além destas razões, ressalta ainda, as

diferenças individuais que demarcariam o traço de individualidade em um grupo, e

por fim as diferenças sexuais, nas quais a roupa seria usada para identificação de

gênero.

A proteção contra o frio, as intempéries ou outros fatores que possam

agredir ao corpo é uma razão consistente para nos vestirmos, mas não estariamos

errados ao dizer que não é a mais importante. Pois, caso contrário qualquer peça

que nos aquecesse ou protegesse seria suficiente e não necessitariamos de uma

profussão de roupas em nossos armários. Colocando está razão em uma

perspectiva histórica, também não seria este o motivo inicial para nos vestirmos, já

que os primeiros humanos a habitarem este planeta encontravam-se em terras

temperadas. De acordo com Flávio de Carvalho, o corpo do homem possuia

atributos como pelos e solas dos pés grossos para suportar as intempéries, mas

que com o uso da roupa eles foram desaparecendo. “Foi a roupa que criou a maior

sensibilidade no corpo do homem e que assim procedendo tornou-se um mero

ornamento, também uma proteção ao organismo” (CARVALHO, p. 19, 1956)

Mesmo no caso de habitantes de regiões com temperaturas mais extremas,

como a Terra do Fogo, vemos elementos decorativo como fator de destaque.

Renato Sigurtá (1989) afirma que as necessidades do homem em relação a

proteção as intenpéres são semelhantes às de qualquer outro animal, sendo que

um refúgio quente serviria para passar a noite. Mas ressalta outro tipo de proteção

oferecida pela roupa, a de raiz mais mágica e simbólica do que propriamente real.

Esta função mágica e protetora dos objetos que escolhemos como vestuário ou

adereços é um traço de diferentes culturas, que ganha força em seus respectivos

contextos, tornando-se uma herança dos nossos antepassados, e ainda viva nos

dias de hoje.

No que se refere ao pudor, nossa primeira lembraça nos remete a Bíblia, e

ao fator que ao se perceberem nus Adão e Eva setiram-se envergonhados e

teceram com folhas peças para cobrir suas partes íntimas. A noção de pudor do

cristianismo está ligada a oposição entre o corpo e a alma, o puro e o impuro. Tudo

que chama o interesse ao corpo, afasta a preservação da alma, assim um dos

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caminhos da salvação passa por cobrir o corpo. Neste caso, a vergonha ou a culpa

seriam os motivadores do vestir, mas é preciso lembrar que estes sentimentos se

modificam de acordo com cada cultura e momento histórico. Como por exemplos

índios da região do Xingu que pintam seus corpos, muitas vezes chamando a

atenção para os orgãos genitáis e não usam nenhuma veste para cobri-los. O pudor

de fato, nos leva a pensar em seu oposto, o impudor ou o gosto da exibição pois, se

por um lado o pudor determina que se escondam certas partes, por outro ele acaba

chamando a atenção para elas, delineando a função erótica do corpo. Assim, vemos

em diferentes épocas elementos do vestuário que se impõe como moda, como por

exemplo os codipeices ou estojos pênicos usados no século XVI ou os corpetes em

forma triangular que apontam a região genital feminina. De forma menos enfática

temos as gravatas, os sapatos de salto, acessórios pontudos, entre outros que se

colocam como possibilidades plásticas de manisfestar a sexualidade do corpo.

O caráter erótico do corpo desperta a atração sexual e evendencia também

a diferença entre homem e mulher por sua condição natural (biológica) e

masculino e feminino, sua condição de gênero, construida culturalmente. Flugel

observa que, embora em graus variados todas as culturas têm roupas que denotam

diferenças sexuais, em culturas onde o motivo é a exposição de roupas, como em

alguns locais da África, os homens são mais ricamente vestidos. Já nas culturas

ocidentais, onde os papéis masculinos são voltados para utilidade e trabalho, o

traje do homem busca a sobriedade e o recato. E os femininos os ornamentos e a

diversidade. O autor diz que as mulheres usam pudor e a ocultação ou revelação de

partes do corpo como uma forma de atração sexual. Para ele, no traje fenimino as

áreas de atração se modificam - hora sobem os comprimentos e as pernas ficam em

evidência, hora mudam os decotes colocando o colo ou as costas à mostra - por que

para mulher tanto a sua vergonha e sua capacidade de atração se relacionam com o

corpo todo, enquato no homem se evidencia apenas a região genital.

Quanto ao adorno e a questão da decoração podem ser entendidos como os

principais motivos do vestir, pois deles derivam a identificação, a diferenciação, o

indicativo de poder e status, entre outros. Através de elementos decorativos

podemos chamar atenção para nossa presença, demarcar ou dar ênfase a

determinadas partes do corpo, indicar uma posição em determinada hierarquia.

Pelo adorno podemos ver e ser vistos. Wilson (1985) afirma que nos vestimos não

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porque precisamos, mas sim pela necessidade de decoração, já que para muitos

povos as decorações corpóreas, como pinturas, marcações e amuletos surgiram

muito antes da roupa.

O adorno é fator significante no que diz respeito a diferenciação e a

identificação dentro de um determinado grupo, e traz consigo outras questões

sobre o vestir. Gillo Dorfles afirma que o adorno é uma forma de esteticizar o corpo

do homem e que o vestir é antes de tudo um ato criativo e uma manifestação

estética.

O homem, até o mais simples, realiza com o seu vestuário uma precisa opção artística que pode ser apenas sugerida, que pode atingir o cúmulo do paroxismo, que pode tornar-se fetichista (os colecionadores de sapatos, de gravatas, de fitas, de peúgas35) mas que, contudo, reflecte uma vontade precisa, não só de diferenciação social, não só de exibição de um “status symbol” especial (sabemos muito bem quantas funções de diferenciação do indivíduo, de prestígio econômico e social não tem ainda o fato36), mas de verdadeiro empenho estético. (DORFLES, 1989, pp. 69-70)

Fernando de Barros (1997), afirma que se discute muito o papel da roupa

na sociedade, e se antes, ela era manifestação de riqueza, hoje a roupa se voltou

para o plano pessoal, representando um modo de estar feliz consigo mesmo. “A

roupa deve fazer com que quem a usa se sinta em níveis ideais no desempenho de

suas funções e seus sonhos.” (BARROS, 1997, p,135)

O conceito de vestir é algo complexo, a questão passa pela linguagem da

moda e de como o homem usa seu discurso para se comunicar. Os indivíduos

consomem moda para expressar a partir das escolhas pessoais seu estilo de vida,

suas crenças e valores. Barnard (2003) destaca o vestir como forma de

comunicação, segundo ele esta é a mais consistente razão para usáramos roupas.

O autor explica que o vestir é uma forma de comunicar:

a) Uma expressão individual, ou seja, pela combinação de roupas e

acessórios podemos expressar uma identidade própria;

b) a importância social ou status, a moda e o traje podem identificar uma

pessoa de acordo com o momentos e o status em que vivem, como por exemplo um

vestido branco para o casamento ou vestido preto para o luto, bem como a

importância de um indivíduo em seu grupo;

35 Peúgas grafia usada em português de Portugal para meias. 36

Fato grafia usada em português de Portugal para terno.

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c) definição do papel social, o vestuário pode indicar papéis sociais

diferentes como sexo, classe, atividade profissional, entre outros;

d) importância econômica ou status,é muito semelhante ao papel e a

importância social, mas difere de ambos na medida em que indica em que nível as

pessoas operam em uma economia; símbolo político, certas peças do vestuário

podem indicar um poder político em maior ou menor nível, seja ele expresso pela

faixa presidencial ou pela gravata;

e) condição mágico-religiosa, as roupas ou acessórios podem indicar

também a ligação com uma religião ou seita, além de alguns deles desenvolverem a

função de amuletos;

f) ritos sociais, certos trajes são usados para marcar diferentes ritos e

ocasiões sociais, sendo diferentes daqueles usados no dia a dia;

g) e por fim o lazer, o traje de lazer é oposto do traje de ritual, mais informal

e descontraído, mas isto não que dizer que ele não suas próprias regras, pois

também o lazer é regulamentado, necessita de um certo tempo e espaço.

Encontramos diferentes motivações para vestir, tornando o traje uma

manifestação direta da interação do indivíduo com a sociedade em geral. O

produto ou a roupa em si é apenas um objeto, apenas dentro de um contexto terá

um significado e exercerá uma função simbólica e estética, além das funções de

uso. O vestuário desempenha um papel social significativo e compreender o ato de

vestir é entender as construções sociais, culturais e econômicas ali representados.

Estas construções também estão presentes no que diz respeito a roupa íntima,

modificando seus usos e denominações, como veremos no próximo capítulo.

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Capítulo 2 - A ROUPA ÍNTIMA

Neste capítulo serão abordadas questões sobre a roupa íntima masculina no

decorrer da história recente, as diferentes nomenclaturas pela qual é conhecida,

sua relevância de uso como peça do vestuário e seu regime de visibilidade, ou seja,

como esta se evidencia ou não, exteriorizando-se em determinados momentos,

inovando-se ou ocultando-se completamente por debaixo dos trajes. Tais

alterações de uso bem como estética referem-se de acordo com Castilho (1992), ao

valor e a significação da linguagem visual que se organiza e potencializa na

aparência masculina que serão um diferencial importante e positivo para o

homem ocidental, pois estes corpos serão os suportes visuais privilegiados como

forma de contar e descrever fatos da existência humana.

Nos interessou aqui verificar também as modificações nas formas da

modelagem, nos materiais têxteis utilizados, e nas padronagens, da roupa íntima

masculina, bem como os investimentos tecnológicos agregados a estas peças, que

se tornaram mais ajustadas ao corpo, menores e mais coloridas, buscando situar

tais transformações com o contexto social, econômico e cultural na qual

ocorreram.

2.1 O que é a roupa íntima?

Ao estudarmos a história da roupa íntima entendemos que não podemos

vê-la como uma seqüência linear do tempo onde a peça apresenta apenas

variações formais. Roupa íntima, roupa de baixo, roupa branca, underwear, são

diferentes nomes usados para as roupas que usamos para cobrir, proteger e

adornar as partes íntimas do nosso corpo e que estão diretamente em contato com

a nossa pele cumprindo a função de proteção e fazendo a intermediação entre a

pele e a veste externa. Mas cada um destas denominações surgiu ou ganhou força

em um determinado contexto. A própria palavra underwear37, deve ser entendida,

dentro do contexto atual da moda, como conceito que extrapola o sinônimo de

cueca ou roupa de baixo pois no que se refere a Moda o termo underwear está 37 Palavra inglesa para designar a roupa de baixo ou roupa íntima.

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diretamente relacionado a elementos e significados que remetem a um estilo de

vida.

De acordo com Castilho (2004b) nos estudos sobre moda e História é de

suma importância que se observe o contexto no qual se insere o corpo vestido, pois

é justamente esta leitura diferenciada, contextualizada que trará níveis mais

complexos de entendimento para o diálogo que se arquiteta entre os valores

socioculturais de cada época e a forma de vestir.

A expressão roupa de baixo por sua vez nos remete aos aspectos funcionais

de proteção destas peças e ao seu posicionamento, já que se encontra sempre

abaixo, por baixo do(s) traje(s). A roupa de baixo forma então uma camada

protetora, não necessariamente contra o frio, mas também para a absorção do

suor, ou ainda a proteção da própria pele da aspereza dos tecidos da roupa

exterior e dos ornamentos. As roupas de baixo, são também conhecidas como

roupas brancas38.

As roupas brancas estão intimamente ligadas ao sentido de higiene e

limpeza, e também ao status social. Nas cortes as roupas externas eram

extremamente caras e adornadas, o que impunha grandes dificuldades de lavá-las.

O processo de lavagem causava também desgaste nos tecidos, portanto, de fato,

evitava-se lavá-las. No século XVIII a noção de asseio corporal e limpeza física,

tornou-se uma inovação, e o hábito de freqüentes mudanças de roupas íntimas,

impecavelmente brancas, era um símbolo de grande distinção. Vigarello (1996),

observa que ao traje, moda e limpeza acabam por se confundir, pois a aparência

desempenhou um papel central, onde as descrições da palavra "limpo" estavam

associadas à palavra "traje", e a limpeza referia-se tanto à forma de uso das peças

quanto ao "brancor" que esta apresentava. “A limpeza pessoal é simbolizada pela

limpeza da roupa branca. A atenção volta-se para os invólucros que encobrem a

pele.” (VIGARELLO, 1996, p.45)

Daniel Roche (2007), confirma a importância da roupa branca, mas adverte

que ela não pode ser entendida unicamente a partir dos movimentos de

transformação ligados ao asseio. A autora observa que tais trajes auxiliam na

criação da linha invisível entre o público e o privado e que o mesmo materializa a

38 Na língua italiana as roupas brancas são chamadas biancheria e também diz respeito a roupa de cama, ou aquilo se que refere a intimidade, seja no vestir ou no dormir.

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difusão das regras de comportamento, assim sendo, uma forma de distinção, bem

como seu acúmulo e uso, um símbolo de status.

É também oportuno lembrar o surgimento da palavra de origem francesa;

lingerie, usada para identificar as roupas brancas feitas em linge39. “Ao classificar a

roupa íntima como lingerie, outorga-se instantaneamente a ela uma categoria

especial, como se sua qualidade funcional desaparecesse para adquirir, em

contrapartida, o prestígio da sofisticação.” (ROSSETTI, 1995. p.12)

John de Greef (1989) cita Gênesis 3:740, para questionar se a folha de

parreira seria o primeiro protótipo de roupa íntima. Mas a que nos interessa

questionar neste nosso trabalho, é por que há a necessidade de cobrir os órgãos

genitais, as partes íntimas? As respostas indicam pudor, modéstia, moral,

puritanismo, valores culturalmente criados e reforçados principalmente durante a

Era Vitoriana.

O termo roupa íntima, embora ainda utilizado atualmente, surgiu no final

do século XIX, e foi usado para nomear as peças que cobrem as partes do corpo que

“não devem ser mencionadas”. Segundo Cunnington & Cunnington (1992), as

roupas íntimas estão intimamente associadas com a moralidade, nos dias de

puritanismo vitoriano, final o século XIX e início do XX, pensar ou falar palavras

como "calças (calçinhas)" e “bermudas (cuecas)” era indelicado porque invocava

imagens do corpo nu. Tal condição de inapropriação tornou inevitável que as peças

que deveriam ficar escondidas, ou quase, tenham adquirido propriedades eróticas.

No século XIX o corpo humano foi tão escondido por debaixo de roupas que esse

mistério, do corpo sendo ocultado só contribuiu para um senso mais amplo de

erotismo.

Se o termo lingerie está ligado à sofisticação, principalmente feminina da

moda francesa, o termo underwear está ligado às dinâmicas da Moda,

principalmente após a década de 1980, primeiramente nos Estados Unidos, hoje no

Brasil e também no mundo, quando estes produtos “íntimos” começaram a fazer

parte de projetos de coleções, lançados ao menos duas vezes ao ano nas

temporadas de primavera/verão e outono/inverno. Estas peças começaram a ser

39 Linge – tecido de linho ou algodão usado nas roupas de baixo e também para cama sempre na cor branca 40 Gênesis 3:7 - Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.

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apresentadas de forma diferenciada, como produtos carregados de elementos

simbólicos, não apenas como uma roupa de baixo, mas como uma forma de

manifestar uma identidade, um determinado estilo de vida. Para os escritores

Benson & Esten (1996), na década de 1980 a roupa íntima tornou-se um produto

de moda, com peças lançadas em coleções. Toda ênfase da publicidade no

lançamento das peças de underwear masculino, fez com que o valor e interesse

destas aumentasse no mercado. Os autores ressaltam ainda que algumas marcas

começaram a usar publicidade com ênfase na sexualidade, expondo corpos

masculinos esculpidos pelo aumento da massa muscular e pouca roupa como seu

principal foco, buscando criar um ideal estético capaz de se tornar um modelo

identitario de aparência masculina contemporânea, estimulando assim o consumo

de seus produtos. Castilho (1998) disserta sobre a importância do corpo na

interação do sujeito com o mundo, tornando-se uma das formas de

estabelecimento de suas relações com o outro, destacando-o como um dos canais

de materialização do pensamento, do perceber e do sentir, tornando-se

responsável por conectar o ser com o mundo que habita. “O corpo, neste contexto,

deve ser entendido como veículo de significação primordial, indubitavelmente, o

primeiro meio que possibilita nossa interação no contexto sócio-cultural.”

(CASTILHO, 1998, p.15)

Podemos observar, então, que de acordo com a ocasião de uso, o contexto

sócio econômico e cultural em que estas peças se inseriam, eram-lhes atribuídos

uma diferente nomenclatura e um valor simbólico que a diferenciava- seja como

peça utilitária onde prevalece a questão da função, como a da proteção do corpo,

como a do status, ou diferenciação evidenciada pela moda. Cabe ainda ressaltar,

que a diferença na anatomia, bem como ênfase pelo apelo estético dado ao

vestuário feminino, principalmente a partir do final do século XIX, ditou a

diversidade básica das peças íntimas usadas por homens e mulheres, com exceção

às camisolas ou túnicas usadas por ambos os sexos como roupa interior. A

lingerie41 feminina tem um maior apelo para enfatizar a sexualidade, e as formas

do corpo da mulher, ao invés de praticidade, já as peças criadas para o underwear

masculino trouxeram, por muito tempo, como primeira preocupação na sua

41 Termo que ficou associado ao traje íntimo feminino, tornando-se seu sinônimo.

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concepção apenas os aspectos funcionais42, as peças não poderiam tolher os

movimentos do corpo, deveriam proporcionar proteção e sustentação aos órgãos

genitais, ter materiais resistentes e duradouros, e ser, acima de tudo, confortáveis.

2.2 Breve História da roupa íntima

Apresentamos aqui, uma breve linha do tempo da roupa íntima masculina.

A intenção de se discorrer sobre o panorama histórico destas peças do vestuário

do homem, é mostrar que em grande parte de sua história o underwear masculino

foi identificado como uma peça utilitária, ou seja, sua principal função era cobrir e

proteger o corpo, e as formas de como estas peças vestem e revestem partes do

corpo diferem de acordo com o entendimento de proteção, que se evidencia de

modo oscilante e com estratégias de uso diferenciadas.

No século XX vemos diversas modificações e inovações na roupa íntima,

mas as principais preocupações em modernizar o underwear estão em

proporcionar proteção, conforto e mobilidade ao homem. A partir da década de

1960, de acordo com o contexto econômico e social,dos avanços tecnológicos,

crescimento econômico, e frente a formação de uma cultura jovem e contestadora,

observamos que as peças intimas masculina passam por mudanças drásticas no

que diz respeito aos materiais e as formas. Estas transformações irão refletir na

relação do homem tanto com sua roupa íntima como com seu corpo, criando um

novo valor simbólico para estas peças, que passam a trazer o discurso de

modernidade, jovialidade e descontração no vestir íntimo masculino. Joe Boxer43

(1995) explica que a no anos 1960 começam a ser vistos novos materiais sintéticos

e mais elásticizados, que possibilitam a confecção de modelos de cuecas menores e

mais justos ao corpo, além de uma variedade maior de cores e padronagens, que,

dava aos jovens opções de escolhas que refletissem sua identidade, a partir

também de sua aparência em seu vestir mais íntimo. Tais mudanças nas

padronagens, matérias, formas e cores, proporcionaram ao homem a possibilidade

de construir um novo discurso, de modernidade e jovialidade, sobre si e o seu

42 No final do século XIX e durante maior parte do século XX, os anúncios publicitários enfatizavam as inovações em modelagens e materiais que proporcionavam maior conforto e usabilidade das peças. 43 Codinome do escritor Nicholas Graham autor de “A brief history of shorts”.

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corpo. E as empresas, que antes enfatizavam, em suas publicidades, o conforto de

suas peças começam a atribuir estes novos valores, relacionados a juventude, aos

seus produtos.

Nos anos de 1980 vemos, o inicio das publicidades de underwear

explorando elementos de erotização do corpo masculino, buscando criar uma

identificação com a marca e não apenas com o produto. Esta transformação na

forma de expor e divulgar a roupa íntima é descrito por Joe Boxer (1985) como “o

fenômeno da cueca de marca” que passa a configurar como “peça de moda” e a ser

lançada em coleções semestrais. Neste contexto, as modificações da roupa íntima

passam muito mais pelo valor simbólico e dos elementos visuais capazes de

edificar a identidade masculina a partir da aparência, do que de uso, e o homem

passa mostrar, com suas escolhas de consumo, um modo de ser e estar no mundo,

e um estilo de vida representado nas publicidades de determinadas marcas e

produtos.

Através dos anúncios publicitários podemos observar a importância dos

esportes na modificação e modernização da roupa íntima. No decorrer do século

XX os textos e as imagens destas publicidades enfatizam conforto e a mobilidade

dos produtos e sua adequação ao uso para os esportes. Vemos também o uso de

nomes e a imagem de desportistas, bem como sua opinião sobre tais produtos. O

esporte é colocado também como uma forma autorizada de expor o corpo

masculino desnudo.

Se rapidamente podemos ver tais modificações que se processam

aceleradamente na mudança de forma e utilização de materiais no século XX se

olharmos com maior atenção para a historia da moda e a escassa documentação

que foi deixada sobre as roupas íntimas masculinas contatamos que o modo de uso

e forma da cueca tal qual conhecemos hoje, foi criada realmente durante o século

XX, até então havia peças que compunham a roupa interior e eram assim. As

tangas, no entanto, já eram usadas na pré-história.

Segundo Benson & Esten (1996), o exemplo mais antigo da roupa íntima

masculina, ou seja, a tanga, remonta ao homem das cavernas. Em 1991

montanhistas encontraram acidentalmente nos Alpes Tiroleses, os restos

congelados de um homem que viveu cerca de 3300 a.C. Ele usava uma tanga de

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couro sob a capa, fornecendo a documentação mais antiga de roupa íntima

masculina.

Os autores destacam ainda que em outra pesquisa arqueológica,

especialistas descobriram que em 1352 a.C. no Egito, o faraó Tutancâmon foi

enterrado com 145 pares de tangas, como parte dos seus objetos para a próxima

vida. As peças eram formadas por um pedaço de linho moldado como um triângulo

isósceles com tiras longas que saem das extremidades para serem cruzadas sobre

os quadris, iguais as peças retratadas nas pinturas egípcias, como pode ser

observado na figura 1.

Figura 1: Pintura egípcia com exemplo de modelo de tanga enterrada com Tutancâmon Fonte:http://isittrue.msn.com/specialsslideshow.aspx?cpdocumentid=11989541&imageindex=1&cp-searchtext=History%20of%20undergarments&FORM=MSNLFA

Os esportes e as guerras tiveram forte influência no uso da roupa, no

Império Romano gladiadores, atletas e atores de teatro usavam o subligaculum44,

uma espécie de tanga formada por um pedaço de pano passado entre as pernas e

preso nos quadris. No século XII, com o desenvolvimento da armadura, as tangas

de linho tornaram-se acolchoadas para proteger o corpo contra o metal duro e frio.

44 O subligaculum era uma espécie de roupa de baixo usada por antigos romanos, em forma de uma tanga simples formada por um tecido amarrado em volta do corpo. Era usado tanto por homens e quanto por mulheres. Fazia parte do vestuário de gladiadores, atletas e de atores no palco.

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Figura 2: Escultura de uma romano usando subligaculum Fonte:http://ubioryhistoryczne.blox.pl/ resource/subligaculum_2.jpg&imgrefurl

Figura 3: Esquema de uso Fonte:http://ubioryhistoryczne.blox.pl/resource/subligaculum_2.jpg&imgrefurl

De acordo com o importante historiador da moda James Laver (1996) na

Idade Média sob as túnicas masculinas havia calções chamados braies. Eram

bermudas de linho amarradas na cintura e nas pernas por cordões. Os nobres

usavam peças mais justas e as classes inferiores peças frouxas ou bem largas, o que

possibilitava mais movimentação durante o trabalho. Os trabalhadores braçais,

optavam algumas vezes em usá-las como peça exterior. Durante o Renascimento, a

braies tornou-se mais curto para acomodar os estilos mais longos de chausses.

Chausses eram uma espécie de meias, de linho ou lã, cortadas e costuras

contornando o formato das pernas, eram presas na cintura por cordões deixando

um espaço aberto na virilha, como mostra a figura abaixo.

Figura 4: Imagem ilustrando o uso de braies com chausses e braies como peça exterior durante trabalho Fonte: http://www.randyasplund.com/browse/medieval/chausse1.html

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Ganharam destaque na vestimenta masculina, por volta do século XVI, o

codpieces que a princípio era uma adaptação de tecido para cobrir a abertura

frontal existente na roupa interior, com o passar do tempo foi ganhando a forma de

uma bolsa moldada e decorada para armazenar, proteger e enfatizar a genitália do

homem. Eram usados por cima de braies com aberturas, o que facilitava o ato de

urinar. A figura 5 e mostra Henrique VIII usando o codpiece, em destaque entre a

fenda do gibão, e na figura 6 podemos ver um modelo de braies, com abertura,

usado sob ele, no século XVI.

Figura 5: Rei Henrique VIII Fonte: James Laver (1996), p. 86

Figura 6: Peça do século XVI Fonte:http://www.kalenhughes.com/id14.html

Após a Revolução Francesa, a moda começou a passar por um processo de

significativas mudanças, os nobres e aristocratas eram vistos como inimigos da

sociedade, logo vestir-se de forma opulenta e faustosa tornou-se perigoso. A partir

deste momento o modo de trajar inglês tornou-se o modelo de moda masculina. A

influência da moda inglesa e vinha especialmente do campo, o que tornava o

aspecto de praticidade e conforto o fator essencial no vestir.

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No final do século XVIII e início do século

XIX, como uma reação ao estilo campestre, surgiu a

figura do dândi (figura 7) modificando novamente a

estética do traje masculino. Para Wilson (1989) o

papel do dândi implicava no culto das aparências

com sofisticação e estilo, para ele a imagem era de

suma importância. As peças que compunham seu

guarda-roupas eram o casaco, camisa, colete e lenço,

e as calças longas e mais ajustadas ao corpo.

Conforme os pesquisadores Cunnington &

Cunnington (1992), estas modificações no vestir

causaram alterações também na roupa interior, que

acompanhou a forma dos trajes, tornando-se mais

ajustadas ao corpo, para não fazer volume e tolher

os movimentos, afirmam também que os dândis

mostravam preocupação com sua roupa íntima, que

deveriam ser feitas em linho branco e

meticulosamente limpas.

Figura 7: Imagem de Beau Brummell, o criador do estilo dândi

Fonte:http://www.janeaustensworld. wordpress.com _______________________________________________

Nesta época a noção de higiene e o acúmulo de roupa branca, tornam-se

importantes fatores relativos à condição social. Conforme Marie Simon (1998), a

roupa inferior masculina constava de uma camisa e uma ceroula aberta na frente e

ajustada por botões, confeccionada na maioria das vezes, em linho ou algodão, em

alguns casos poderia ser em seda, como mostra as figuras 8 e 9.

Figura 8: Camisa masculina de 1850 Fonte: Cunnington & Cunnington (1992)

Figura 9: Ceroula em seda de 1850 Fonte: Cunnington & Cunnington (1992)

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Nos Estados Unidos, antes da Guerra Civil, da cintura para baixo os homens

usavam bermudas até os joelhos, feitas geralmente de flanela de lã, fechadas com

um botão simples na parte da frente e ajustadas na cintura por um cordão. Para a

parte superior do corpo preferia-se o uso uma camisa de flanela de lã junto à pele.

Por volta de 1870 criou-se um grande movimento em prol da saúde, a

historiadora Rosemary Hawthorne (2009) destaca o Dr. Gustave Jaeger45, como um

dos pioneiros deste movimento. A partir de seu tratado “Sanitary Woollen

System”46, divulgava o uso de roupas de baixo feitas em lã natural. Ele estava

convencido que fibras puras de origem animal podiam prevenir e até curar

doenças, pois evitavam a retenção das exalações corporais nocivas. Em 1884 o

inglês Lewis Tomalin patenteou o sistema de confecção de roupas íntimas de lã e

obteve a permissão de uso do nome do Dr. Jaeger. Neste mesmo ano, na Exposição

Internacional de Londres de Saúde, ele lançou a marca Jaeger47 com peças íntimas

produzidas em uma malha fina, o jersey de lã e em lãs de luxo, como cashmere,

merino e alpaca, e a inovadora lã de pêlos de camelo, produzida a partir de 1900.

Em 1895 o catálogo Montgomery Ward (figura 10) oferecia peças em "lã de cor

natural, cinza e vermelho.

Figura 10: Catalogo Montgomery Ward de 1895 Fonte: http://www.costumes.org/history/galleryimages.html

45 Dr. Gustave Jaeger - um professor alemão de Zoologia e Fisiologia da Universidade de Stuttgart. 46 Tradução: Sistema Sanitário Baseado na Lã. 47 Primeira marca a produzir peças íntimas com base no sistema sanitário de uso de lã.

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Destacamos o uso da cor vermelha como um indício de outras inovações

tecnológicas no desenvolvimento da roupa de baixo, pois indicava o domínio da

técnica de tingimento da lã em vermelho, uma cor forte e que precisava de uma

boa fixação para não descolorir48. Thales de Andrade (2004), entende por inovação

tecnológica alterações e/ou criações significativas em produtos e processos. A

inovação tecnológica pode ser considerada a transformação de uma idéia em um

produto ou processo novo para utilização no design, na indústria, no comércio, na

ciência ou em uma nova leitura de um serviço social.

No século XX, a historia do underwear masculino, parece que pode ser

entendida como uma história americana, as maiores empresas e os grandes

investimentos no desenvolvimento tecnológico encontravam-se de fato nos

Estados Unidos. Havia também empresas francesas49 que se destacavam na

produção de roupas íntimas mas, os lançamentos e inovações geralmente ocorriam

primeiro na América.

Durante a Revolução Industrial, houve melhorias no desenvolvimento de

muitos equipamentos, entre eles o descaroçador de algodão e a máquina de fiação,

que além da invenção da energia hidráulica, proporcionaram uma reestruturação

dos processos de produção da roupa íntima, que passou a ser produzida em séria,

influenciando assim, também a sua forma de consumo. As pessoas começaram a

comprar suas roupas íntimas nas lojas em vez de fazê-las em casa, processo que

poderia levar até três dias.

No final do século XIX a roupa de baixo padrão para homens foi os “union

suits”. Uma espécie de macacão, geralmente feito em malha, que cobria desde os

tornozelos até os punhos, possuía uma abertura na parte superior na frente

fechada por botões, e uma abertura na parte de trás inferior de vestir e facilitando

os atos de vestir e ir ao banheiro, como pode ser observado na figura 11. Neste

anúncio os homens estão em um alojamento ou quarto de hotel, que possui campo

de golfe, identificado pela imagem no fundo, acima da cômoda, e estão se

preparando para prática do esporte revelado pelo saco com tacos, na parte inferior

48 No processo de tingimento dos tecidos, os corantes são impregnados nas fibras e fixados com agentes fixadores para que não haja descoloração durante os processos de lavagem das peças. O uso de cores vibrantes ou escuras está diretamente ligado ao desenvolvimento de bons fixadores e técnicas de tingimento eficientes, indicando inovações tecnológicas nestes processos. 49 Observamos que as empresas francesas de roupa íntima davam uma maior ênfase aos produtos da linha feminina.

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esquerda da imagem, todos estão se movimentando, mostrando que sua roupa de

baixo é confortável e não limita os movimentos.

Figura 11: Anúncio de union suits Cooper’s Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery.html

Com a produção em série e o aumento da diversidade de empresas

produzindo e oferecendo seus produtos, a publicidade ganhou espaço em revistas

e jornais o que refletia estas mudanças. A Cooper’s50 foi uma empresa que investiu

em inovações tanto em seus produtos, como na forma de apresentá-los e divulgá-

los. Em 1911 a pintura a óleo de um homem com seu "Kenosha Klosed Krotch"51,

feita por JC Leyendecker52, divulgada no Saturday Evening Post53 (figura 12) foi

considerada ousada, e fez história como um dos primeiros anúncios coloridos

impressos americanos de roupa íntima masculina. Até então os anúncios eram sem

cor e não enfatizavam o uso da peça como parte do vestuário e sim com algo

utilitário, o uso da cor no anúncio conferiu maior destaque os produtos.

50 Empresa que produz a marca Jockey. 51 Kenosha Klosed Krotch – sistema de abertura introduzido e patenteado pela Cooper em 1910, constando de duas peças de tricô sobrepostas em um X para permitir o acesso para fins sanitários e de higiene, dispensando o uso de botões ou laços. Considerado uma revolução no mercado de underwear. 52 Ilustrador da Saturday Evening Post 53 Saturday Evening Post foi um revista semanal publicada nos Estados Unidos de 4 de agosto de 1821 a 8 de fevereiro de 1969.

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Figura 12: Anúncio de underwear divulgado no Saturday Evening Post em 1911 Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/history/the_teen_years.html

O union suit longo era ideal para o tempo frio, mas para climas quentes o

seu uso não era recomendado, sendo mais indicadas o uso de peças curtas e

separadas. Joe Boxer (1995) observa que como muitos produtos importantes, a

roupa interior sofreu modificações significativas, que visavam a melhoria no uso,

durante as guerras. Na Primeira Guerra Mundial, foi confeccionado o primeiro

bermudão com botões54 (figuras 13 e 14), como roupa interior de verão para

soldados da infantaria. As peças tiveram tanta aceitação, devido sua praticidade e

conforto térmico, que os homens insistiam em usá-las quando eles voltaram para

casa.

Figura 13: Bermuda usada na I Guerra Mundial Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/ archives/history.html

Figura 14: Detalhe dos botões Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/history.html

54 Lembramos que o bermudão de flanela usado durante a Guerra Civil Norte Americana possuía apenas um botão, e seu ajuste na cintura era feito por um cordão. Já a peça aqui citada apresenta um fechamento feito por uma seqüência de botões e o ajuste na cintura é feito por botões na lateral da peça.

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Do ponto de vista do design, o surgimento do bermudão com botões

caracterizou uma importante inovação incremental na roupa debaixo masculina.

De acordo com Fontanini & Carvalho (2005) dentro de um processo de inovação,

as inovações incrementais estão inseridas em um contexto peculiar de

investimentos, tempo e necessidades, em que gradualmente a empresa promove

melhorias e aperfeiçoamentos em seus produtos, equipamentos e métodos de

fabricação. Ainda de acordo com os autores, a inovação incremental é aquela em

que o novo produto ou processo incorpora alguns novos elementos em relação ao

anterior, sem que, no entanto, sejam alteradas as funções básicas. Neste caso,

vemos a separação do union suit em camisa e bermuda, ainda que estas peças

continuassem a desempenhar papel de roupa interior.

Segundo Blackman (2009) a tecnologia e modernização das cidades trazem

novos estilos de vida, o homem tornou-se mais ativo e sua roupa interior começou

a ser mais leve, mais fino e confortável. Na década de 1920, no contexto de

expansão industrial e comercial do pós-guerra, as empresas americanas investiram

em diversas tecnologias e usavam os anúncios para divulgar a patente de seus

novos projetos.

As maiores inovações anunciadas pelas empresas estavam nos materiais,

novas fibras, novos tecidos, com tratamentos de pré-encolhimento, ou isolamento

térmico como Duofold55 vendido pela marca Rockinchair. A empresa usa um

anúncio publicitário (figura 15), muito didático e informativo sobre as qualidades

de seu produto. Afirma que com peças feitas em Duofold o homem estará

confortável em ambientes internos e externos, permanecendo seco e aquecido. O

destaque está no tecido composto por duas camadas, a interna formada por um

algodão macio que fica em contato com a pele e é muito absorvente, e a camada

externa de lã natural capaz de proporcionar uma rápida evaporação do suor. Além

do texto, explicando as qualidades do produto referentes ao uso, conforto e

durabilidade, o anúncio traz também a imagem de um homem, vestindo um union

suit feito em Duofold, e mostrando uma amostra do material, feito em duas

camadas (que conferem conforto e frescor) ao público, sob os olhares atentos de

uma platéia de homens e algumas mulheres.

55 Duofold – tecido feito com duas camadas de lã entrelaçada proporcionando isolamento contra o frio e separando o suor do corpo.

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Figura 15: Anúncio de underwear Rockinchair com tecido Duofold na década de 1920 Fonte: http://vintageskivvies.com/pages/archives/history/new_technologies.html

A empresa Fuld & Hatch oferecia conforto e frescor em seu Keepkool. Que

eles anunciavam como “O único underwear feito em ribana56 elástica e porosa”. A

empresa enfatizava o conforto, a mobilidade e a durabilidade oferecida por seu

produto, dizendo que a elasticidade da ribana significava liberdade de movimentos

contornando e mantendo a forma do corpo, que permanecia seco graças aos poros

que o tecido possuía. Já a durabilidade ficava por conta da construção da malha e a

costura que evitava rasgos ou desfiados. A gestualidade do modelo do anúncio,

esticando a malha e o olhando o público diretamente, busca comunicar ao

consumidor as qualidades de conforto, frescor e mobilidade que o produto possui,

demonstrado pela elasticidade e porosidade da malha.

56

Ribana é um tipo de tecido de malha, elástico sanfonado, que tem por característica principal a

formação de colunas.

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Figura 16: Anúncio de underwear com malha KeepKool na década de 1920 Fonte: http://vintageskivvies.com/pages/archives/history/new_technologies.html

Os esportes tornaram-se parte do lazer vigente, trazendo com ele a

necessidade de liberdade de movimentos. Além dos novos materiais têxteis, novos

recursos e avanços tecnológicos da modelagem melhoravam os ajustes das peças

ao corpo. E as empresas passaram a usar o termo “atlhetic underwear” para

divulgar seus produtos, mostrando imagens de como estas melhorias nas formas e

nos materiais proporcionavam mais movimento e conforto, como no anúncio da

Sealpax, mostrado na figura 17.

Figura 17: Anúncio do Atlhetic underwear Sealpax na década de 1920 Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1920s.html

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Observando a diversidade de produtos existentes no mercado, a empresa

Cooper’s resolveu diferenciar não só nos materiais ou modelagens de suas peças,

mas também na forma de vendê-las, objetivando dar maior destaque a seus

produtos, em 1929 desenvolveu um novo estilo de embalagem em sacos de

celofane para as peças do dia a dia. E para agregar mais valor às peças especiais,

oferecia seus produtos em embalados em papel fino e acondicionado em caixas

com design diferenciado.

Figura 18: Embalagem de underwear Cooper’s em 1929 http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/packaging/01gallery.html

O modelo de cueca samba-canção, que também foi chamada “short íntimo”

surgiu como uma novidade no pós primeira guerra. De acordo com John de Greef

(1989), duas invenções na década de 1930 modificaram o conceito de underwear,

aproximando-o das peças que conhecemos hoje. Jacob Golomb, o fundador da

marca Everlast57, aplicou um cós elástico nos calções íntimos, deixando-o com a

aparência do shorts de pugilista, esta peça ficou conhecida como boxer58.

57 Empresa americana de peças esportivas, que iniciou suas atividades em 1910 como fabricante de roupas de natação, mas a partir de 1917 passou a produzir roupas e equipamentos de segurança para prática do box, tornando-se referência neste esporte. 58 O modelo boxer americano, parece-se com o que conhecemos como samba-canção. Já o que chamamos de boxer, aqui no Brasil corresponde ao midle-boxer americano. Mais informações vide glossário ilustrado.

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Porém, o que mudaria para sempre o

underwear masculino, foi a criação do Jockey

Breif ®59 (figura 19) em 1934 por Arthur

Kneibler, um executivo e designer da Cooper

Inc. A inspiração para o modelo veio de

cartão-postal da Riviera Francesa, mostrando

um homem em um maiô estilo biquíni. Depois

de algumas experiências, Kneibler introduziu

um novo tipo de roupa interior, confortável

sem pernas, com uma sobreposição em Y

invertido e uma abertura na parte da frente.

Tal formato trazia benefícios funcionais,

oferecendo aos seus usuários mais conforto e

suporte do que as outras roupas íntimas

masculinas disponíveis no momento.

Figura 19: Modelo Slip Jockey (1935) Fonte:http://www.jockey.com/en-us/CorporateInfo/History _______________________________________________

Com certeza este dois produtos revolucionaram o mercado de roupa íntima

na década de 1930, mas diferentemente de John de Greef que afirma que a

concepção da cueca boxer é uma invenção, acreditamos tratar mais de uma

inovação incremental, pois esta, promoveu melhorias e aperfeiçoamentos a um

modelo já existente. Já no que diz respeito aos modelos de cueca slip, concordamos

que esta sim pode ser considerada uma invenção, pois conforme Gomes (2001) a

invenção caracteriza-se por apresenta um produto novo, desenvolvido a partir da

manifestação da criatividade utilizada com foco no incremento funcional do

mesmo. Um invento dotado de novidade, atividade inventiva e utilidade industrial,

torna-se suscetível de concessão de patentes, o que aconteceu com a Jockey Breif

®, patenteada no mesmo ano de sua invenção.

Em 19 de janeiro de 1935, os modelos Slip Jockey começaram a ser vendidos

em larga escala na loja de departamentos Chicago Marshall Field & Company. O

estoque de 600 pacotes esgotou em meio-dia, e nas semanas seguintes foram

vendidos mais 12.000, tornando o modelo uma sensação nacional. No ano seguinte

59 A Jockey Breif ® ou slip Jockey é o modelo que conhecemos como cueca slip. Mais informações vide glossário ilustrado.

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a Cooper Inc assinou seu primeiro acordo de licença internacional com a empresa

canadense Moodie JR.

Em fevereiro de 1938 a Cooper’s moveu esforços na direção de uma maior

sofisticação nas vendas e organizou uma exposição inovadora, sua primeira

convenção de vendas, na Associação Nacional de Varejo de Chicago. E para divulgar

ainda mais o seu modelo slip Jockey, durante a convenção a empresa apresentou o

primeiro show de moda íntima, intitulado "O Casamento Cellophane" (figura 20).

Tratou-se da apresentação e exposição de um modelo masculino e um feminino,

cada um vestido em trajes de noite, como se fossem para um casamento. Porém

tanto a metade do casaco e das calças do homem, como a metade do vestido da

mulher, eram feitos de papel celofane, exibindo roupas íntimas que o casal usava

por baixo. Este desfile causou enorme surpresa na convenção, e fotos do casal

apareceram no mais importantes jornais e revistas da época. Com esta inovação a

Cooper’s conquistou um grande volume de publicidade gratuita.

Figura 20: o primeiro show de moda íntima, intitulado "O Casamento Cellophane" (1938) Fonte: http://www.jockey.com/en-us/CorporateInfo/History

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Conforme Bernhard Roetzel (2000), o modelo slip tornou-se “uma cueca

verdadeiramente revolucionaria”. Sua modelagem apresentava a vantagem de

proporcionar mais suporte e de não marcar ou fazer volume debaixo de calças

leves. Seu corte particularmente confortável, oferecia suporte e um perfeito

encaixe, sobretudo era confeccionada em material de excelente qualidade. A fita

elástica introduzida na parte abaixo da virilha, apenas ajustava a parte exterior da

coxa de forma a não prejudicar a circulação do sangue. Para o autor, o êxito das

cuecas justas da marca Jockey também teve conseqüências no restante roupa, pois

permitiu cortes mais ajustados. “Em combinação com as cuecas Jockey, adaptadas à

anatomia do homem, as calças modernas ajustavam-se progressivamente mais.”

(ROETZEL, 2000 p. 46).

O sucesso da slip Jockey não eliminou o modelo boxer ou samba-canção, seu

uso passou a ser uma questão de escolha, pois por mais conforto que a slip pudesse

oferecer, para os adeptos da boxer, ela era sempre considerada apertada. As boxers

tinham a vantagem de poderem ser feitas sob medida por um alfaiate, o que

também simbolizava uma questão de status.

Nos anos de 1930 o cinema era um local onde se lançavam tendências e

modismos, no início da referida década, Clark Gable apareceu nas telas usando

uma camiseta estilo regata impulsionando as vendas deste modelo. Já em 1934, as

vendas de camisetas decaíram quando o mesmo ator tirou a camisa e apareceu

peito nu no filme “Aconteceu naquela noite”. Outra importante mudança no

comportamento masculino no caso da roupa íntima, foi o foto jornalismo

inaugurado pela revista Life60 em 23 de novembro de 1936. Logo a Cooper’s com a

marca Jockey, e outras empresas estavam utilizando fotografias em vez de linha de

desenhos em anúncios de suas roupas íntimas, como observado na figura 19, mais

que incentivo as vendas, estas inovações modificaram a forma de ver e de expor o

corpo masculino.

60 A Revista Life foi uma revista de fotojornalismo, fundada em 1936 por Henry Luce (fundador da Time Magazine). A publicação periódica da Revista Life terminou com a edição de maio de 2000.

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70

As estampas também foram

introduzidas na década de 1930. O

primeiro padrão utilizado foi o de

listras, observado no centro do

anúncio da Wilson Bros publicado no

Saturday Evening Post em 1931

mostrado na figura 21. Com o título

de “The short situation at a wall street

men’s club”61, retrata e descreve em

seu texto, que jovens homens de

sucesso precisam de um lugar para

praticar esportes e relaxar. Mas que

no vestiário, em seu momento de

descontração estão todos elegantes

em seus Advance Guard Fashions

Wilson Bros.

Figura 21: Anúncio da Wilson Brothers de 1931 Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1930s/1931.html

____________________________________________________________

De acordo com John de Greef (1989), nos anos de 1930, o raiom62 foi

introduzido na produção de cuecas, uma novidade vendida sob a denominação de

seda artificial, outro marco importante, foi a introdução dos Fasteners Gripper, um

pequeno fixador de pressão. A publicidade da Scovill Manufacturing Company63

divulgada na Esquire Magazine64 em 1937 (figura 22), anuncia as vantagem destes

botões de pressão sobre os botões. Para isto usa o depoimento de Ralph Guldohl e

Sam Snead, dois jogadores premiados de golf, sobre a facilidade dos fixadores na

prática de esporte, pois ficam embutidos, não fazem volume e não machucam. As

donas de casa observam que os grippers (pequenos botões de pressão) não

quebram, o que acontece constantemente com os botões comuns durante o uso ou

61 Tradução: pequena situação em um clube de homens de Wall Stret. A palavra “short” também faz referencia a peça íntima utilizada por eles. 62 Raiom ou rayon é o nome da seda artificial, trata-se um tecido feito de uma fibra artificial construída a partir celulose e que possui bom caimento e alta absorção, o que permite boa tintura. 63 Empresa que criou e patenteou o Fastener Gripper. 64 A revista Esquire é um periódico norte americano voltado para o publico masculino, publicada pela primeira vez, em outubro de 1933. Transformou-se em um periódico refinado com ênfase em moda masculina e contribuições por Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald.

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a lavagem da peça. A anúncio destaca ainda, marcas de underwear que usam seus

Fasteners Gripper.

Figura 22: Anúncio da Scovill Manufacturing Company 1937 Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1930s/1937.html

Seguindo a tendência de usar imagem do esporte para vender roupas

íntimas, no final de 1930 e início dos anos 1940, a Cooper’s também empregou uma

série de celebridades do esporte para endossar seus produtos, incluindo Babe

Ruth65, Yogi Berra66, Bart Starr 67, Don Hutson68 e outros.

65 Babe Ruth - importante jogador de beisebol começou sua carreira jogando pelo Boston Red Sox. 66 Yogi Berra - é um ex-jodador e diretor da Liga Americana de Basebol. Jogou quase toda a sua carreira para o New York Yankees e foi eleito para o hall da fama do beisebol em 1972. 67 Bart" Starr é um ex-jogador profissional e treinador de futebol americano. Foi eleito no para o hall da fama do futebol americano em 1977. 68 Don Hutson - importante jogador futebol americano e grande estrela da Liga Nacional de Futebol. Foi criador de diversas jogadas ainda utilizadas no esporte.

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Figura 23: Anúncio do Jockey Underwear com o jogador Don Hutson Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1940s.html

Na primeira metade da década de 1940 a inovação no underwear masculino

permaneceu estática. Benson & Esten (1996), destacam que isto ocorreu porque

toda a atenção e a demanda de materiais e produtos americana estava voltada para

o esforço de guerra. A empresa Cooper’s passou a produzir tanto roupas íntimas,

como também pára-quedas para as forças armadas americana, dando a

preferência de uso de suas matérias-primas, como tecidos e elásticos, para estes

produtos.

Figura 24: Anúncio do Jockey Underwear durante a Segunda Guerra Mundial

Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1940s.html

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Mais tarde, em 1944, outra marca americana, a Munsingwear, modificou a

construção da parte frontal da cueca slip, trazendo um bolso horizontal amplo e

aberto. E chamou o produto de Slip Kanguru, devido a relação com a bolsa do

marsupial. (figuras 25 e 26). Em 1944 marca norte americana Zorba, iniciou a

venda de seus produtos no mercado nacional e virou sinônimo de cuecas no Brasil.

Figura 25: anúncio Munsingwear 1945 Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1940s/1945.html

Figura 26: ilustração do modelo splip Kanguru Fonte:http://www.bakchich.info/IMG/jpg_kangourou.jpg

Após a guerra, a economia dos Estados Unidos entrou em um período de

rápida expansão, que se refletia nas inovações dos processos produtivos da roupa

íntima. A Cluett, Peabody & Co. Inc, desenvolveu e patenteou o "Sanforized", um

novo processo de pré-lavagem que impede os tecidos de encolherem. Também

passam a ser comercializadas cuecas com o tecido cortado em viés, que se

adaptavam a todos os movimentos do corpo. As inovações foram imediatamente

adotadas pelos produtores mais importantes, cada empresa buscava o seu

reconhecimento de marca própria. Em 1948 a Cooper’s também começou a usar a

publicidade de rádio para divulgar seus produtos em diferentes cidades.

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De acordo com Benson & Esten

(1996), após a Guerra a preocupação com

a estética do corpo masculino tornou-se

importante, um corpo saudável e forte

refletia a capacidade do homem de

defender sua família e seu país. Neste

momento vemos o anúncio de um modelo

de cueca chamada Bracer (figura 27),

indicada para evitar o abdômem saliente

e descrita como uma peça feita com

elasticidade no comprimento e na

largura, o que proporcionava compressão

e conforto ao mesmo tempo.

Figura 27: anúncio da cueca Bracer, 1945 Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1940s/1945.html _________________________________________________

Segundo Joe Boxer (1995) o conceito de modernidade estava cada vez mais

presente, e ele determina que a “revolução das cuecas” começou em 1950, quando

os fabricantes começaram a confeccionar underwear estampados e coloridos.

Depois de anos de roupas íntimas, simples e brancas, os homens poderiam exercer

escolha quanto a cor e padronagem, criando assim, um discurso de moda mais

significativo e articulado também para tais questões a partir destas peças. A marca

Jockey deu o nome de "Fancy Pants" a sua linha de peças coloridas e divulgava seu

lançamento em anúncios em revistas como Look Magazine69 (figura 28). Em 1953,

Cooper’s (empresa de que produz a marca Jockey) expandiu esta linha adicionando

estampas de animais como leopardo, tigre e zebra, que logo se tornaram

populares. Com a introdução de estampas e o uso de tricô colorido na produção de

underwear, a Cooper’s buscou afastar seus produtos da concepção da roupa íntima

como um item funcional e colocá-lo na direção de um produto de moda, com estilo

e valor de novidade, estendendo-se além da sua utilidade básica de uso. Este

processo continuou em 1954, quando a empresa começou a promover a roupa

interior para dar de presente e passou a oferecer seus produtos em uma caixa

69 Look Magazine – revista americana de assuntos geral com distribuição bi-semanal , esteve em circulação de 1937 a 1971.

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especial de Natal. Esta estratégia foi estendida ao Dia dos Namorados70 do ano

seguinte, com o lançamento de um modelo especial de cueca slip, além da

embalagem diferenciada.

Figura 28: Anúncio underwear estampado - Jockey da década de 1950 Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1950s.html

As inovações não se restringiram às cores, novos materiais como raiom,

dracon71, naílon72 e a lycra73 entraram no mercado, mas o algodão ainda era o

material mais usado. Já nos anos de 1960 a busca por novos e melhores estilos de

roupas íntimas causou uma propulsão nas empresas de produtos químicos para

aprimorar as fibras sintéticas, tornando popular as cuecas em malha de nylon, ou

poliamida. John de Greef (1989), afirma que a Du pont74 e designers italianos criam

novos produtos e as cuecas se tornam mais elásticas e menores. Quanto às formas,

a tanga75 e o fio dental76 foram introduzidos como uma opção entre uma nova

geração de jovens determinados a desafiar o sistema sócio-cultural investindo em

comportamentos diferenciados e procurando, de fato, inovar na aparência. Havia

então no mercado já nesta época uma grande variedade de produtos, oferecidos

70 Nos Estados Unidos o dia dos namorados ou Valentine’s Day (dia de São Vatentim) é comemorado no dia 14 de fevereiro. 71 Dracon é um tecido sintético e resistente, feito de poliéster e que não amassa com facilidade. 72 O náilon é o nome genérico do tecido feito com a fibra de poliamida. Trata-se de um tecido resistente usado na fabricação de meias femininas, roupas íntimas e roupas esportivas. 73 Lycra é o nome comercial para os tecidos com fibra de elastano, registrado pela marca Du pont. 74 Empresa que patenteou a marca Lycra. 75 Tanga – modelo de cueca pequena com duas partes de malha unidas na entreprenas e presas a uma cintura de elástico. Ver glossário ilustrado. 76 Fio dental – modelo de cueca com a parte traseira muito pequena. Ver glossário ilustrado.

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em materiais, modelagens, cores e estampas diferenciadas (figura 29),

possibilitando que a escolha do underwear figurasse como uma possível expressão

de gosto e de identidade de cada homem. Conforme o pesquisador de moda e

comportamento masculino Dario Caldas (1997) no final dos anos 1960, a maior

parte dos homens que seguiam um pouco as tendências de moda começaram a

efetuar mudanças em seu modo de se comunicar através da sua roupa e do corpo.

Ainda na década de 1960 a marca Zorba introduz o modelo slip no Brasil.

Observamos na figura abaixo, que nos anos de 1960 as publicidades com fotos

coloridas começaram aparecer em maior quantidade, retratando os homens, bem

como seus corpos, de forma mais realística. Trata-se de corpos fortes capazes de

figurativizar um modelo de masculinidade que ainda se faz presente na força física.

Figura 29: Anúncio underwear Jockey da década de 1960 Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk.

Para Marco Sabino (2007) a clássica cueca samba-canção, com altura no

meio das coxas, nunca deixou de ser consumida, mas, nos anos 1970, passou a ser

sinônimo de “caretice” e uma peça adotada por pessoas mais tradicionais. Nesta

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época ganharam espaço propagandas enfatizando a sexualidade do underwear,

relacionando-o com a revolução sexual em curso, o corpo masculino passou a ser

mostrado de forma mais descontraída e jovial. “Como nunca antes, os homens

eram adorados como símbolos sexuais e, muitas vezes expressava sua sexualidade

recém-descoberta em boates popular conhecido como "discos".” (BOXER, 1995, p.

27) Quebraram-se tabus na representação masculina (figura 30), o homem

conservador, provedor da família e com foco no sucesso, pode ser substituído por

um jovem, alegre e sem muitas preocupações, que se permite tomar café em uma

caneca tão colorida quanto sua cueca77. Parte do corpo da mulher vestindo uma

camisola de seda e renda, que aparece de costas, sugere que a felicidade jovem

pode estar relacionada a suas atividades sexuais, porém de forma muito sutil.

Como o próprio titulo, “a great understatement by Jockey”78 indica. A figura

feminina, mesmo que colocada de forma secundária na imagem, auxilia no

equilíbrio da publicidade, para que este homem não seja percebido como gay e que

mostra um novo retrato de casal, diferente do tradicional modelo de família que se

apresentava, especialmente na década de 1950, em momentos de refeição, ou

confraternização, como podemos ver comparando os anúncios mostrados nas

figuras 30 e 31.

77 A frase “que se permite tomar café em uma caneca tão colorida quanto sua cueca” foi escrita para indicar mais uma quebra de convenções no padrão familiar vigente, onde a família ao acordar se reúne à mesa para tomarem o café juntos, provavelmente em louças tradicionais. Busca-se mostrar aqui o rompimento com a forma convencional de ver homem na sociedade patriarcal, em consonância com os acontecimentos vigentes. 78 Tradução livre: um grande eufemismo por Jockey.

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Figura 30: Anúncio underwear Jockey 1970 Fonte:http://www.advertisingarchives.co.uk

Figura 31: Anúncio Fruit of the Loom de 1950 Fonte: http://www.vintageskivvies.com

Conforme Benson & Esten (1996), na década de 1980 a roupa íntima

tornou-se um produto de moda, com peças lançadas em coleções, quase todas as

marcas usavam publicidade de atração "sexy", com corpos masculinos sendo cada

vez mais visíveis, vivenciando situações cotidianas e pouca roupa como seu

principal chamariz. Marco Sabino (2007), diz que a Calvin Klein entrou para a

História da Moda quando exibiu, em um outdoor gigantesco em plena Times

Square, Nova York, o atleta olímpico Tom Hintnaus de torso nu e anatomia perfeita

vestindo apenas uma cueca (figura 31). A estratégia da marca Calvin Klein, para

lançar sua linha de roupa íntima masculina, e que se repetiu alguns anos depois

nos lançamentos das linhas jeans e perfume, foi a de expor o corpo masculino

como objeto de desejo, não se tratava de um corpo qualquer, e sim um corpo forte,

com a musculatura delineada por exercícios físicos corpo, a imagem de corpo de

um deus grego recorrente no imaginário coletivo, ou seja o modelo de corpo

apolíneo. John de Greef (1989), afirma que a marca criou o “Adônis Calvin Klein”

para buscar atrair o interesse tanto do público feminino como o masculino para as

peças íntimas da marca, criando uma imagem masculina capaz de atrair novos

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valores de identificação, como aqueles ligam a força à beleza. Passamos então, a

ver imagens de homens expostos ao olhar feminino como objeto de desejo,

sedução e consumo, do corpo em si, e do masculino como imagem a alcançar ou

repudiar, tornando-se um modelo a construção da identidade ou alteridade por

seu regime de visibilidade.

Toda esta ênfase de mercado, investimento criativo e exposição do corpo,

inicialmente pouco visível e que vai ganhando espaço mais desnudo nas

publicidades de underwear, fez com que o valor de venda destas peças aumentasse,

desde então, a Calvin Klein tem lançado tendências, não só nas peças íntimas, nos

produtos em si, mas também na publicidade cuecas, foi inovadora ao lançar como

“garotos-propaganda” figuras de destaque em outras áreas, como o rapper e ator

Mark Wahlberg, o jogador de futebol Fredrik Ljungberg, o ator africano Djimon

Hounsou, entre outros, e já com alguma visibilidade na mídia. Os anúncios

publicitários de roupa íntima têm, no decorrer do século XX, uma estreita ligação

com os esportes79, neles podemos observar a figura do desportista avalizando o

uso de produtos de determinada marca, no entanto, a partir dos anos de 1980, a

imagem do esporte, ou de seus praticantes, nestas publicidades se modificou

drasticamente, o esporte passou a ser um modo de construção de um corpo a

desejar. Este modelo de corpo desejado, com acúmulo de massa muscular e formas

definidas construído pela atividade física, tornou-se parte do imaginário coletivo e

um modelo de beleza masculina padronizado, especialmente pela mídia, tornando-

se visível também em outras personalidades masculinas de destaque em diferentes

áreas. São outros corpos - corpos música, corpos teatralidade, corpos mídia - que

trazem consigo diferentes elementos de significação, que unem seus próprios

discursos aos de uma marca na construção de narrativas diversas com o objetivo

de produzir novas dinâmicas, de consumo e identificação, válidas em um

determinado grupo.

79 Este tema será abordado de forma mais ampla no quarto capítulo desta dissertação.

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Figura 32: Outdoor Calvin Klein na Times Square - NY 1982 Fonte: Sabino, 2007

Nos anos 1980, uma época em que o espírito lúdico tornou-se tendência, a

cueca samba-canção, que durante a década de 1970 se tornou sinônimo de

underwear conservadora e old fashion 80, reapareceu como produto de moda,

trazendo estampas lúdicas de animais, bocas, como uma representação irreverente

de múltiplos beijos marcados na roupa íntima, flores e frutos, além personagens de

Walt Disney e dos desenhos de Hanna Barbera. Este retorno de formas amplas no

underwear, influenciou também na roupa exterior, com o volume das cuecas, as

calças com pregas, que eram mais amplas no quadril e na parte superior da perna,

voltaram a moda.

Figura 33: Cueca samba canção com estampa de Mickey Fonte:http://lista.mercadolivre.com.br/Cueca-Samba-Canção-Mickey

80 Old fashion – expressão usada para produtos fora de moda.

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Em 1980 a marca Mash é lançada no Brasil, uma marca que assume desde

suas primeiras comunicações com o mercado um discurso provocativo, mais

erótico, dialogando principalmente com o público feminino.

Figura 34: Publicidade da marca Mash na década de 1980 Fonte: http://www.mash.com.br/novo/default1.htm

Joe Boxer (1995), diz que nos 1990 o fenômeno “cueca de grife” tornou-se

ainda mais forte, e mais uma vez a marca Calvin Klein é a principal referência,

estampando seu nome no cós de elástico das peças. A assinatura em letras grandes

no cós das peças, na época da aparência da marca como a quem se delega parte do

seu poder social, transformou profundamente a relação do homem o uso da roupa

íntima novamente81, a cueca passou de uma peça do vestuário que se escondia sob

as calças, para algo exterior, um produto de moda, uma escolha de estilo de vida e

começa a ser visualizada no uso. Personalidades da mídia difundiram a exibição do

cós grifado das cuecas de diferentes marcas, o que logo levou a um grupo de

adolescentes a segui-los passando a usar por calças largas no quadril, estilo

conhecido como grunge82, que faz com que as calças, não se prendam na cintura,

escorregando pelo quadril, fazendo com que parte da cueca, principalmente o

81 Este processo de tornar exterior uma peça íntima, já havia ocorrido na década de 1950 com a camiseta branca. 82 O estilo grunge aparece nos anos 1990 como um movimento de anti-moda, baseado no estilo de rock do mesmo nome. Nos anos 80, a moda também se apropriou largamente da anti-moda-punk. A inspiração para a moda grunge era a classe proletária de Seattle, com roupas muito largas e desleixadas, muitas vezes doadas, um ícone desta moda é camisa xadrez semelhante a usada por lenhadores.

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elástico se evidencie. (figura 35) Importante notar também que este novo uso do

vestir a parte inferior do corpo masculino, combina com troncos vestidos com

camisetas e camisas de cortes amplos e mais longas que ora revelam, ora ocultam a

forma da cueca permitindo assim, um jogo curioso de visibilidade. Destacamos

ainda, que a imagem mostrada abaixo, que revela parte da cueca, deixando em

destaque o elástico com o nome Calvin Klein impresso repetidas vezes, faz parte da

campanha de lançamento da linha jeans e não underwear, explicitando assim a

exteriorização da roupa íntima também na divulgação de outros produtos da

marca.

Figura 35: Anúncio da Calvin Klein Jeans mostrando o cós da cueca com a marca Fonte:http://minnesota.publicradio.org

Também nesta época, a lojas de varejo começaram a vender cuecas tipo

short mais ajustados, conhecida nos Estados Unidos como boxer briefs ou midle

boxers (ver glossário), aqui no Brasil estas peças são o que chamamos de cueca

boxer. Em 1991 a marca Lupo, referência na confecção de meias e peças de lingerie

feminina, passa a desenvolver também uma linha íntima masculina para o mercado

nacional. Nos anos 1990 a roupa íntima masculina passou por modificações,

principalmente no que diz respeito aos materiais e técnicas de produção,

ocorreram inovações nos processo produtivos das malhas, naturais e químicas,

possibilitando o desenvolvimento de produtos voltados para usos específicos,

inclusive para diferentes práticas de esporte, como por exemplo, cuecas com

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malhas que repelem a água ou de rápida secagem, indicada para práticas aquáticas,

ou pecas com materiais de maior resistência ao atrito usadas no ciclismo, ou ainda

com um reforço de sustentação e proteção para os órgão genitais indicada para uso

durante esportes de impacto como o futebol. Uma das mais importantes inovações

no uso de materiais foi o desenvolvimento de peças em microfibra, um fio

extremamente fino, flexível e de alta resistência, que confere as mesmas

características malhas com as quais são produzidos, proporcionando a confecção

de peças mais maleáveis e confortáveis, com alta porosidade e capacidade de

secagem rápida.

No século XXI, as inovações continuaram com foco nos materiais e

acabamentos têxteis buscando cada vez mais, unir beleza a usabilidade e conforto,

Castro (1992)83 fala que um produto de design deve apresentar as funções estética,

relativo a aparência do produto, a função prática referente as atribuições de uso e a

função presentativa ou simbólica que está ligada aos significados construídos

socialmente sobre o produto, para o autor quanto maior o equilíbrio entre estas

funções melhor será o desempenho deste produto no mercado. Neste contexto as

peças sem costura ou Seamless, tornaram-se uma importante inovação no mercado

de roupa íntima masculina, tratam-se de peças confeccionadas com fios de alta

tecnologia, em teares de diversos tamanhos, dispensando o uso de costuras,

proporcionando conforto e aderência ao corpo. A partir dos anos 2000 as

empresas do setor de roupa íntima, inclusive as brasileiras, intensificaram seus

investimentos em materiais com atributos diferenciados, como propriedades

bactericidas e anti-odor, modelos dupla face, peças que podem ser usados também

do lado avesso, peças perfumadas e com aplicação de cremes hidratantes que

permanecem na peça por até sessenta lavações, com intuito de atrair

consumidores que buscam mais atributos em um produto, do que simplesmente o

conforto.

As tendências mundiais alertam para necessidade de preservação do

ambiente, além dos estudos científicos, vemos que esta informação começa a ser

amplamente disseminada, pela mídia, também para o público em geral. E o design

é apontado como um dos grandes possíveis mediadores da sustentabilidade,

83 Em o texto “Que razão é a razão do design?” Castro discorre sobre as funções de um produto de design e a importância de cada uma na concepção do mesmo. Ver CASTRO, E. M de Melo e. Que razão é a razão do design? Cadernos de design. Ano 1. n 1. 1992

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devido sua dinâmica projetual, que visa uma abordagem holística para o

desenvolvimento de processos e produtos, a partir de uma ação transversal,

abrangente e de domínio interdisciplinar na solução de problemas e não apenas

concepção de produtos. Para Silva & Santos (2009) a sustentabilidade mediada

pelo design, depende de uma abordagem ampla e integrada das competências do

designer, passando pela modificação projetos voltados para os produtos para

projetos sistêmicos, que valorizem requisitos ambientais, sociais, culturais e,

sobretudo éticos. Ou seja, para que um projeto de design seja considerado

sustentável deve analisar todas as fases do ciclo de vida dos produtos visando

atender os princípios ambientais, sociais e econômicos da sustentabilidade, para o

desenvolvimento de processos, artigos e serviços sustentáveis, preocupando-se

ainda com a diversidade cultural, a disponibilidade de recursos e a capacidade de

projetar o futuro.

Atentas às novas tendências, as empresas

estão buscando desenvolver produtos a partir de

procedimentos e materiais mais limpos,

caracterizados por processos produtivos e

matérias-primas que demandem um menor uso,

consumo, ou desgaste de recursos naturais e que

gerem menos resíduos. Grande parte das

inovações de caráter sustentável na produção de

roupa íntima está associada ao uso de matérias-

primas consideradas sustentáveis, como por

exemplo, a cueca de malha PET84 da marca

D'Uomo85, que utiliza onze garrafas PET de dois

litros para produzir um quilo de malha PET,

suficiente para criar dezesseis cuecas do modelo

samba-canção como mostrado na figura 36.

Figura 36: Anúncios da cueca de malha PET da marca D’Uomo Fonte:http://www.cuecasduomo.com.br/index.php?option=com_content&view=frontpage&Itemid=69 ______________________________________

84 PET é a sigla usada para identificar o Politereftalato de etileno, que é um polímero termoplástico, que pode ser reprocessado diversas vezes pela ação do calor, amplamente utilizado na confecção de embalagens para bebidas e atualmente, dando ênfase aos processos de reciclagem, é transformado em fibras para usadas na tecelagem. 85Mais informações sobre a marca e os produtos estão disponíveis no site www.cuecasduomo.com.br

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Podemos citar ainda o uso de fibras naturais, cujas características de

obtenção e produção são consideradas sustentáveis ou ecologicamente corretas,

como peças confeccionadas com algodão orgânico, que não utiliza agrotóxicos na

plantação, algodão colorido, que dispensa tingimento, considerado uma das etapas

mais poluentes na construção dos tecidos, a fibra de bambu, que tem processo de

crescimento acelerado e é resistente ao ataque de microorganismos, necessitando

de uma área menor para o plantio e dispensando o uso de agrotóxicos.

Além das peças confeccionadas com fibra de bananeira lançada pela marca

australiana Aussiebum (figuras 37 e 38), os produtos são desenvolvidos com uma

malha composta de 27% fibra de banana, obtida a partir do caule da bananeira,

que é geralmente dispensado quando da colheita das frutas, 64% algodão e 9%

elastano, visando que proporcionar conforto e flexibilidade ao usuário. O

desenvolvimento de um tecido tecnológico86 com fibra de bananeira, pode ser

considerado sustentável, por usar uma matéria-prima proveniente de resíduos de

outros processos e por diminuir o consumo de algodão tradicional, que demanda

grande espaço de solo para plantação, além do uso de agrotóxicos e pesticidas que

proporcionam um melhor rendimento da safra. Porém, o restante do processo

produtivo, tanto da malha quanto da peças com ela produzidas, é mantém o

mesmo padrão de execução, consumo de recursos e geração de resíduos, o que nos

leva a observar que não se tratam de produtos totalmente sustentáveis. Assim,

mais uma vez destacamos a importância do design como mediador da

sustentabilidade para conciliar, a partir de sua visão holística, materiais e

processos visando encontrar o equilíbrio entre o benefício econômico, social e

ambiental.

86 Os tecidos tecnológicos são artigos que apresentam uma alta tecnologia mediante a alteração das propriedades naturais da fibra têxtil em qualquer etapa da produção, para melhorar a qualidade do produto final.

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Figura 37: Foto do desfile Fonte:http://www.fashionbubbles.com/moda/aussiebum-desenvolve-cuecas-de-fibra-de-bananeira/

Figura 38: destaque da cueca da linha “Banana” – Aussiebum Fonte:http://www.fashionbubbles.com/moda/aussiebum-desenvolve-cuecas-de-fibra-de-bananeira/

Dentre as inovações e investimentos em tecnologia na linha de roupas

íntimas para homens, destacamos um produto desenvolvido pela D’lorio

underwear, linha masculina da marca Lindelucy87, trata-se de uma cueca com GPS88

(figuras 39 e 40), criada a partir das preocupações referentes a segurança pessoal

vivenciada nas grandes cidades. Os produtos são oferecidos em malha de algodão e

no modelo boxer, que facilita a costura do bolso onde é colocado o aparelho de GPS,

que tem a função de rastreamento, através de satélite, proporcionando ao usuário

a sua localização de forma mais ágil se necessário, caso contrário ele também

poderá ser desligado. O dispositivo conta ainda com botão de pânico, que pode ser

acionado de forma silenciosa em caso seqüestro ou qualquer outra emergência.

Figura 39: Foto do desfile Fonte:http://www.blogzinho.com/tecnologia/chegou-a-cueca-com-gps-para-os-mais-saidinhos/

Figura 40: detalhes do modelo de cueca com GPS Fonte:http://www.blogzinho.com/tecnologia/chegou-a-cueca-com-gps-para-os-mais-saidinhos/

87 Informações disponíveis no site da marca - www.lindelucy.com.br 88GPS é a sigla de Sistema de Posicionamento Global, baseado em um sistema global de navegação por satélite (GNSS), que fornece a localização e informações em tempo real e em qualquer lugar da Terra, quando e onde exista uma linha de visão desobstruída por quatro ou mais satélites. Este sistema é mantido pelo governo dos Estados Unidos e é livremente acessível para qualquer pessoa que possua um receptor GPS.

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87

Após a pesquisa do desenvolvimento histórico social do uso da roupa

íntima masculina acreditamos que o homem voltou seu primeiro pensamento para

roupas íntimas quando o valor simbólico atribuído a estas peças, impecavelmente

brancas, que se deixavam entrever apenas nas extremidades, como gola e punhos,

sob a roupa externa, indicava uma posição de status e poder social e econômico. No

entanto, no decorrer do século XX, a maior parte dos investimentos na atualização

destas peças se focou principalmente em seus aspectos funcionais, visando a

usabilidade e o conforto. Já no século XXI a questão estética se tornou um

importante elemento a ser considerado na idealização de desenvolvimento do

underwear masculino. Existem hoje diversas marcas que comercializam roupa

interior masculina unindo aspectos de funcionalidade às tendências da moda,

sendo utilizados na confecção desta peças tecidos com investimento de diversas

tecnologias, padronagens e cores variadas, além de modelagens desenvolvidas a

partir de estudos anatômicos, visando proporcionar maior comodidade e conforto

no uso.

Constantes inovações e elementos de design foram agregados à roupa

íntima a partir do século XX, destacando primeiro, as questões de usabilidade e

conforto, dando ênfase à função prática do produto, e chegamos ao século XXI com

peças lançadas em coleções de moda e que contam com alto investimento estético

e tecnológico. Neste processo foram atribuídas as funções89 estéticas e simbólicas,

tornando o underwear um verdadeiro produto de design e de moda.

89 Löbach (2001), fala que um produto de design apresenta três funções básicas: a função prática, ligada a finalidade de uso do produto, bem como sua adequação às necessidades fisiológicas de uso como segurança, conforto e facilidade de uso. A função estética se refere aos aspectos psicológicos da percepção sensorial durante o uso, tem como principal atributo a fruição da beleza e esta subordinada a aspectos sócio-culturais e ao repertório de conhecimento do usuário. E a função simbólica, a mais complexa, de acordo com autor, tem como fundamento o aspecto estético-formal do produto reforçado pela base conceitual das dimensões semióticas. Envolve fatores sociais, culturais, políticos e econômicos e, também, associa-se a valores pessoais, sentimentais e emotivos. A função simbólica revela-se, sobretudo, por meio dos elementos configuracionais de estilo. Para mais informações ver LÖBACH, Bernard. Design industrial: bases para configuração dos produtos industriais. Rio de Janeiro: Blücher, 2001.

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Capítulo 3 - LINHAS, FORMAS, MATERIAIS E CORES QUE

CONSTROEM A MASCULINIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

3.1 Elementos Estruturantes Para Construção Da Masculinidade

No capitulo anterior apresentamos o histórico do underwear masculino,

nele pudemos observar como as peças foram sofrendo diferentes modificações

tanto na sua estrutura formal, como no aspecto cromático, como também no uso e

escolha de materiais. Estas mudanças estavam em sintonia com seu contexto

histórico, econômico e sociocultural. Em um primeiro momento, as mudanças na

roupa íntima visavam o conforto e usabilidade, e ocorriam principalmente,

acompanhando as melhorias feitas na indústria. O lançamento e os anúncios

publicitários dos produtos eram feitos de acordo com, e, enfatizando os avanços

em materiais, modelagens (formas), cores e padronagens. O corpo masculino era

apresentado nestas publicidades, na maioria das vezes, em movimento, ou

exercendo alguma atividade ou interagindo com seus pares. Em um segundo

momento, principalmente após década de 1970, este cenário passa por

modificações. O movimento corporal, físico, começa a dar lugar o poses estáticas,

nos anúncios publicitários, e o homem passa a expor seu corpo, configurando,

juntamente com o produto e a marca ali representados, um modo de presença que

se põe a contemplação de nosso olhar na sua estaticidade e beleza pictórica. O

underwear começa de fato a configurar e a receber tratamento como um produto

de moda, ou seja sofre alterações temporárias cada vez mais rápidas que passam a

ocorrer de acordo as modificações propostas pelas tendências e das inovações

tecnológicas, assim os produtos agora serão lançados em coleções semestrais que

apresentam diferenciais estratégicos tanto no produto como também, e de forma

mais contundente, na inserção ou construção/manutenção do conceito da marca.

Como vimos no primeiro capítulo, o modelo de homem da sociedade

patriarcal vem sendo nesta segunda metade do século XX questionado, o papel de

provedor e o poder de força masculino, antes vistos como natural, passaram a ser

problematizados e entendidos como construções culturais, passiveis de mudanças.

Neste processo de desnaturalização e desconstrução do masculino, surgiram

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“novas” possibilidades de “ser homem” na contemporaneidade. Não queremos com

isto, dizer que a masculinidade hegemônica da sociedade patriarcal, baseada na

força física, poder e virilidade, tenha sido extinta. Mas sim, que ela terá então que

coexistir com outro modelos, fragmentados e mutantes, como a sociedade que os

contém.

De acordo com Ana Claudia de Oliveira (2009), a junção da plástica da

roupa com o corpo vestido constituem um modelo de construção identitaria.

A vestimenta com sua plástica, formada em uma topologia com um volume que é o do corpo vestido, constitui-se em um arranjo tridimensional de cores, formas, matérias que, nos recortes de especialidades e temporalidades, realiza um percurso de constituição identitaria ao montar uma visibilidade àquele que assim vestido a porta em suas ações e comportamentos. (OLIVEIRA, 2009, p. 61)

Imbuídos pelo sentido que nos confere esta definição, buscaremos na

análise das publicidades, bem como das peças de roupa e dos corpos ali

representados, levantar indícios, ou melhor, encontrar elementos estruturantes

que nos levem a compreender como, a partir do estimulo do consumo de moda e

das imagens ali representadas, é exercido o sentimento de pertencimento a um

grupo social, fiador da constituição de identidade, nos indicando como construídas

e exercidas as masculinas identidades contemporâneas. A imagem publicitária

exibe modelos de modos de ser, estar e se relacionar com o outro no social, relação

esta que se dá pelo olhar. Conforme Landowski (2002) a encenação publicitária

nos faz olhar os simulacros que constrói e a interagir diretamente com eles, nos

tornando aquilo que contemplamos.

Martine Joly, pesquisadora com relevante contribuição em vários estudos

sobre a imagem e o audiovisual, salienta que a imagem é cultural e não natural, e

afirma que os elementos dentro de determinado contexto é que darão força

gerativa de sentidos a essa imagem. Para melhor compreender estes processos, a

autora desenvolveu uma metodologia de análise de imagens que visa “ajudar a

detectar de que maneira somos intrínseca e culturalmente iniciados na

compreensão das imagens” (JOLY, 1996, p. 10)

Para complementar as informações obtidas a partir da metodologia de Joly,

serão aplicados alguns conhecimentos investigativos da imagem à luz da semiótica

discursiva, com ênfase na sociosemiótica de Eric Landowski na busca da

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compreensão de como se dá a construção da identidade masculina na atualidade, a

partir da análise dos modos de visibilidade veiculados nas campanhas publicitárias

de roupa íntima para os homens. O trabalho de Landowski nos mostra que espaço

midiático se tornou um lugar privilegiado de representações de modos de ser e

estar no social, criando simulacros que funcionam com mecanismo estratégico de

sedução, presentes nos corpos dos modelos, na encenação e no discurso da marca,

dando a ver modelos de construção identitaria dos sujeitos na atualidade.

Ao propor a investigação da construção da masculinidade contemporânea

através da análise de alguns anúncios publicitários de marcas de underwear, torna-

se importante considerar o fato de que as imagens a serem utilizadas nesta

pesquisa implicam numa ‘seleção’, realizada de acordo como a observação da

relevância destas marcas no mercado. A escolha pelas marcas Jockey e pela Calvin

Klein Underwear, se deu após a pesquisa historiográfica da roupa íntima, e da

pesquisa iconográfica de publicidades visto que nos interessava verificar quais as

marcas que criavam campanhas e anúncios de seus produtos. Observamos a

importância de mercado e relevância na criação de anúncios destes dois nomes no

mercado de underwear, como a marcas que mais de destacaram na inovação e

criação de produtos bem como das publicidades que apresentam os mesmo.

Ousada e inovadoras90, estas marcas se destacam no mercado lançadoras de

tendências em produtos e modos de ser e estar no social, tornando-se capazes de

construir modelos de identificação e constituição das identidades masculinas.

3. 2 A Metodologia de Análise

Os discursos publicitários são validados pela sociedade da imagem, desta

forma, verificamos que a imagem publicitária torna-se uma das mais propícias à

análise. Constituída como imagem comercial, a moda faz uso vital da publicidade,

90 A Cooper,s foi a primeira a lançar no mercado as cuecas samba-canção com botões, com a marca Jockey lançou modelo slip, foi também a primeira a introduzir cor e estampa em seus produtos, bem com a usar materiais com elastano, proporcionado modelagens menores e mais ajustadas ao corpo. Já a marca Calvin Klein foi quem no lançamento de sua primeira coleção underwear, em 1984, iniciou a forma de exposição do corpo masculino como objeto de desejo, apresentando o atleta Olímpico Tom Hintnaus, com seu corpo escultural, com massa muscular esculpida e delineada pelo esporte, vestindo apenas uma cueca branca, expondo-se ao deleite dos olhos dos transeuntes da Times Square em Nova York, em um gigantesco outdoor, além de revistas de moda e variedades como a Vanity Fair.

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na busca por atingir um público determinado, despertando nele o desejo por um

produto, mais do isto, a necessidade de comprá-lo, para que a partir dele o sujeito

se torne um outro, novo e moderno. Porém, ressaltamos que não é só o produto

que cria desejos, mas sim o universo de sentidos que se articula e se manifesta

construindo novas propostas de produto e estilo de vida. As publicidades de moda

criam a promessa de tornar o sujeito diferente, seduzindo-o a traçar escolhas de

produtos, marcas, corpos que trarão novos estilos de vida, alavancando o consumo

de bens materiais e imateriais.

Sant’Anna (2007), afirma que a publicidade não cria comportamentos,

apenas manipula padrões de emulação91, constituídos por cenários significacionais

de diversas ordens. O comportamento êmulo está vinculado ao moderno e ao belo,

na idéia de modernidade e de progresso material, ou seja, na valorização constante

do novo.

Para Joly (1996, p. 71), “a imagem publicitária, é com toda certeza

intencional”, portanto essencialmente comunicativa é destinada à leitura pública,

oferece-se como campo privilegiado de observação dos mecanismos de produção

do sentido pela imagem. Ressalta ainda, que a imagem publicitária “foi um dos

primeiros objetos de observação para a semiologia da imagem estreante dos anos

196092 que, por sua vez, forneceu um corpus teórico novo à publicidade”. Com base

nos estudos de Roland Barthes93 (Rhétorique de l’image de 1964), Martine Joly

desenvolveu uma metodologia para análise de publicidades, que se mostra

relevante no auxílio da compreensão do funcionamento dos anúncios de moda.

91 Padrões de emulação: uniformização do comportamento que incita a igualar ou superar outrem. 92 Roland Barthes, um dos expoentes da semiótica francesa, usou pela primeira vez um anúncio impresso como corpus de uma análise, tratava-se do das massas Panzani inicialmente publicado na forma de artigo. Disponível em: Communications. “Rhethórique de l´image”. Paris: Centre d´Études des Commnunications de Masse, École Pratique des Hautes Études, 1970, nº 15. 93 Estes estudos fazem parte da semiologia conhecida como semiótica francesa. Essa corrente baseou suas teorias em princípios da lingüística concebida pelo suíço Ferdinand de Saussure e apresenta duas fases: a primeira, cujo maior expoente foi Roland Barthes, e a segunda marcada pelo lingüista Algirdas Julien Greimas. A primeira fase é também conhecida por semiótica estruturalista, que se propunha a abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos. Esse conjunto de relações forma a estrutura por meio das quais o significado é produzido dentro de uma cultura. A segunda fase da semiótica francesa é também conhecida como Escola de Paris, semiótica narrativa e discursiva, ou semiótica greimasiana. Essa corrente começou a ser gradualmente desenvolvida nos anos 1960 por Greimas e seus discípulos (François Rastier, Joseph Courtés, Eric Landowski, Jean-Marie Floch entre outros). A semiótica greimasiana está vinculada ao campo de estudos da lingüística e estuda os fenômenos da linguagem em processos de produção de sentido localizados em textos verbais, não-verbais e sincréticos.

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Uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro. Uma das

precauções necessárias para compreender da melhor forma possível uma

mensagem visual é buscar para quem ela foi produzida. A função da mensagem

visual é determinante para compreensão de seu conteúdo. Para distinguir o

destinatário e a função de uma mensagem visual, são necessários critérios de

referencia: Primeiro situar os diversos tipos de imagem no esquema de

comunicação; e segundo, comparar os usos da mensagem visual com os das

principais produções humanas destinadas a estabelecer uma relação entre o

homem e o mundo.

Para análise de qualquer imagem, segundo o modelo proposto pela

pesquisadora francesa, deve-se primeiro determinar qual a finalidade, o projeto,

desta análise. Uma boa análise de imagem se define por seus objetivos, bem como o

método utilizado, pois existem diferentes métodos de analise de imagem. “Definir o

objetivo de uma análise é indispensável para instalar suas próprias ferramentas,

pois elas determinam grande parte do objeto da análise e suas conclusões” (JOLY,

1996, p. 49).

Na seqüência, deve-se observar o contexto deste anúncio, seguido de uma

descrição do mesmo. Através de uma descrição detalhada, é possível realizar a

distinção dos diversos tipos de mensagem que compõem uma publicidade. A

metodologia criada pela pesquisadora francesa configura um instrumento que

permite refletir sobre as diferentes dimensões que a imagem pode inferir, o que é

fundamental para um estudo mais seguro do objeto investigado. A ferramenta de

análise proposta pela autora destaca que a mensagem visual é composta por três

tipos de mensagem: uma mensagem plástica, uma mensagem icônica e uma

mensagem lingüística. A análise de cada uma delas e o estudo de sua interação

deverá permitir-nos detectar a mensagem implícita global do anúncio estudado.

A Autora destaca que os principais elementos a serem analisados na

composição de uma mensagem plástica são: o suporte, as dimensões do anúncio, o

quadro (limites físicos mais ou menos materializados por uma moldura),

enquadramento, o ângulo de tomada e da escolha da objetiva, a composição

(geografia interior da mensagem visual), as formas, as cores, a iluminação e a

textura.

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Na análise da mensagem icônica (também figurativa) fica claro que, além do

reconhecimento dos motivos pictóricos, obtidos pelo respeito às regras de

transformação representativa, cada um deles está no anúncio por algo mais do que

ele próprio, pelas conotações que evoca. Assim, na publicidade vemos partes para

designar o todo por contigüidade.

Além dos elementos analisados na mensagem plástica e que trazem

também uma mensagem icônica, deve-se observar a pose do modelo, pois, “parte

da interpretação da mensagem é, então, determinada pela cenografia que retoma

posturas também culturalmente codificadas” (JOLY,1996, p.106). A posição dos

personagens uns em relação aos outros pode ser interpretada com referências de

usos sociais.

A análise da mensagem icônica sublinha que a interpretação dos motivos

ocorre por meio do processo da conotação, ele próprio carregado por significantes

de diversas ordens: usos socioculturais dos objetos, dos lugares ou das posturas.

Vê-se que essa interpretação dos motivos depende do saber do espectador,

podendo variar, orientar-se para significações mais ou menos diferentes,

distinguindo-se do reconhecimento puro e simples dos motivos que correspondem

à descrição verbal da imagem.

Joly (1996), com base em Roland Barthes, afirma que a mensagem

lingüística é determinante na interpretação de uma imagem, pois esta é

polissêmica94 e pressupõe uma ‘cadeia flutuante’ de significados, podendo o leitor

escolher alguns e ignorar outros. A mensagem lingüística é fundamental na

interpretação correta da imagem, ainda mais se tratando de um anúncio

publicitário, ela canaliza a significação da mensagem. Existem duas funções

principais do texto tem com relação à imagem na mensagem lingüística: de

ancoragem e de revezamento95, a ancoragem direciona a interpretação e o

revezamento, funciona como uma substituição que completa a informação. Além

de analisar o texto do anúncio, a autora reflete sobre a escolha da tipográfica, na

sua cor e formato dos caracteres, observando três tipos de mensagem lingüística,

94 Que possui mais de um significado. 95 A ancoragem, ou fixação, é a função mais comum da mensagem lingüística, ela fornece uma explicação da imagem restringindo a sua polissemia. A função de revezamento é estabelecida na complementaridade entre uma imagem e o texto que a acompanha, neste caso, a mensagem verbal é colocada para explicar o que dificilmente a imagem conseguiria explicar, como a passagem do tempo e relação de causalidade.

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identificadas pela autora: a legenda, a imagem das palavras (tipografia, sua cor e

sua disposição na página) e o conteúdo lingüístico.

Para Joly a significação global ou total de uma mensagem visual é

construída pela interação de diversas ferramentas e de três tipos de signos:

plásticos, icônicos, lingüísticos96. E a interpretação de diferentes signos joga com o

saber cultural e sociocultural do espectador, de cuja mente é solicitada um

trabalho de associações.

As informações levantadas a partir da metodologia de análise da imagem de

Joly serão complementadas pelas investigações feitas com base nos estudos da

semiótica discursiva, buscando identificar como se dá a construção do sentido na

publicidade e o que nela podemos ver de elementos simbólicos pertinentes a

construção da identidade masculina na atualidade. A analise das publicidades se dá

a partir da observação do plano de conteúdo (o que a imagem diz) e do plano de

expressão (como a imagem diz), no que se refere ao conteúdo a significação é

descrita pela semiótica no modelo do percurso gerativo de sentido que foi definido

por Greimas como:

[...] economia geral de um teoria semiótica (ou apenas lingüística), vale dizer, a disposição de seus componentes uns com relação aos outros, e isso na perspectiva da geração, isso é, postulando que podendo todo objeto semiótico ser definido segundo o modo de sua produção, os componentes que intervêm nesse processo se articulam uns com os outros de acordo com um “percurso” que vai do mais simples ao mais complexo, do mais abstrato ao mais concreto. (GREMAIS, 1989, p. 206)

Para Ana Claudia de Oliveira a semiótica, enquanto teoria da significação,

fornece uma metodologia para interpretar os componentes da imagem, identificá-

los e analisá-los no complexo conjunto da manifestação textual, averiguando

como se articulam os sistemas de linguagem do texto, a fim de depreender como se

dá a produção de sentido.

A descrição do plano de expressão de uma configuração repousa sobre a organização sintática e semântica e é, portanto, um estudo tanto do enunciado (que possibilita a caracterização da relação-função das qualidades plásticas, dos actantes), quanto da enunciação (que explicita a intencionalidade do arranjo discursivo através do conjunto de marcas deixadas na manifestação textual da organização a fim de direcionar o

96 Os signos plásticos estão presentes nas formas, cores e nos matérias da imagem; os signos icônicos são aqueles que nos remetem a algo mais que eles próprios, ligando-nos aquilo que eles conotam e denotam, levando-nos a entender o todo por contigüidade; e os signos lingüísticos estão ligados a mensagens verbal presente no anúncio.

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olhar do observador, conduzindo-o a reconstituí-la pelo modo como ela se mostra, ou seja, pelo seu regime de visibilidade). É a partir do inventário dos elementos componentes e da apreensão de sua semiose relacional, portanto que a descrição da obra centra-se no estudo das comparações entre as informações do plano de expressão com aquelas que o plano do conteúdo nesse instala. Descrevem-se as categorias semânticas e seus modos de articulação que organizam a unidade entre as partes e o seu todo. O resultado é a apreensão do sistema axiológico a partir do qual a obra é construída, assim como dos valores que ela circula e os efeitos de sentido que ela desencadeia na relação estética. (OLIVEIRA, 2004, p. 122)

A partir destes postulados buscamos identificar os dispositivos relacionais

que permitem a análise da construção do sentido, que se dá dentro de um contexto,

que e é construído de acordo com uma situação e perante uma presença específica.

Dessa forma, o encontro do consumidor com o modelo das publicidades é tratado

como uma relação comunicativa em que o fazer dos efeitos de sentido se dá de forma

relacional, onde a figura ali estampada, ocupa o lugar do outro, modelando as

relações de identificação e alteridade, pertinentes a construção da identidade

dos sujeitos na contemporaneidade. Pois, de acordo com Landowski, a construção

identitaria dos sujeitos se dá a partir do Outro e constitui-se pela diferença, o

sujeito tem necessidade de um ele - dos ‘outros’ (eles). Com efeito o que dá forma à minha própria identidade não é só a maneira pela qual, reflexivamente, eu me defino (ou tento me definir) em relação à imagem que outrem me envia de mim mesmo; é também a maneira pela qual, transitivamente, objetivo a alteridade do outro atribuindo um conteúdo específico à diferença que me separa dele. Assim, quer a encaremos no plano da vivência individual ou (...) da consciência coletiva, a emergência do sentimento de ‘identidade ’ parece passar necessariamente pela intermediação de uma ‘alteridade ’ a ser construída. (LANDOWSKI, 2002, p. 3)

Munidos de tais referenciais, buscaremos verificar como os valores,

inscritos nas publicidades de underwear, destacando marcas, produtos e estilos de

vida, são colocados na relação com os sujeitos criando simulacros de estados

desejáveis, mediadores de formas de interação e sentimento de pertencimento aos

grupos sociais, inerentes a constituição das identidades masculinas na

contemporaneidade.

3.3 Análise Das Publicidade de Underwear Contemporâneas

A contemporaneidade descortina uma infinidade de referências e de

possibilidades de escolhas. Acreditamos que no decorre das décadas, mais

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especificamente no período aqui apresentado, as publicidades promoveram a

veiculação de modelos de comportamento e aparência, agenciando subjetividades

e contribuindo assim para negociar modelos de masculinidades.

O corpus das análises aqui apresentadas é formado por publicidades das

marcas Jockey e Calvin Klein Underwear, veiculados no período de 1960 à 2010.

Com base nos estudos de Caldas (1997) identificamos na década de 1960 um

período que inaugura uma nova configuração visual corporal masculina, rompendo

alguns padrões na figura do homem da sociedade patriarcal. Analisar a moda

masculina “é fundamental para entender o processo contemporâneo que, na

realidade, tem início no anos 6097, década em que encontramos vários sinais de

renovação.” (CALDAS, 1997, p 150)

Para seleção das publicidades a serem analisadas foi montado um painel

por década, com diferentes imagens de 1960 à 2010, destes foi eleito um anúncio

publicitário de cada década que representasse o discurso de transformação do

masculino, iniciada nos anos de 1960 com a introdução dos conceitos de juventude

e diversão nos anúncios da marca Jockey, rompendo com o modelo de

representação do homem tradicional. Este percurso de modificação passou pela

liberação do homem nas formas de figuratização de seu corpo, chegando a um

processo de construção do simulacro de homem como objeto de desejo, estreado

na década de 1980 pela marca Calvin Klein.

Fazendo então uso da metodologia de Joly para desenvolver a análise da

imagem, destacamos como projeto da pesquisa, ou seja, sua finalidade identificar

os discursos veiculados nas publicidades de underwear de 1960 à 2010, e que

auxiliaram na construção da masculinidade contemporânea. Entendendo as partes

constituintes do anúncio como articuladoras de um todo de sentido na construção de

modos de ser e estar no social, buscamos observar como os simulacros de corpos

masculinos ali presentificados, unidos ao conteúdo textual, constituem a função

informativa de uma publicidade criando modelos identitarios em determinados

contextos sociais e épocas.

A mensagem publicitária, longe de se limitar a estabelecer, de maneira transitiva, um repertório de imagens que valorizam ‘produtos’, deve, ao mesmo tempo, constituir a identidade de seu público, o que fará oferecendo ao leitor - de maneira reflexiva, desta vez - a suposta imagem de seu

97 Grifo nosso.

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próprio ‘desejo’. Assim encarado, o discurso publicitário preenche verdadeiramente uma função informativa. Não que ele tenha necessariamente por efeito nos informar de maneira objetiva sobre as coisas, mas no sentido que ele informa nosso desejo, dá-lhe forma. (LANDOWSKI, 1992, p. 105.)

A participação da Moda no processo de construção das identidades

masculinas não depende apenas do acesso ao discurso especializado ou daquilo

que é veiculado na mídia, mas da interação e identificação com estes modelos, “(...)

enquanto os simulacros encontram quem os adote, nascem os ‘sujeitos’ que os

assumem” (LANDOWSKI, 1992, p 172). Sobre o assunto, as reflexões de Ana

Claudia de Oliveira (2003) nos levam a perceber que a inter-relação entre a

plástica do corpo e a plástica da moda deve ser compreendida como possibilidades

distintas que envolvem o fazer ser do sujeito em busca da construção identitaria.

Desta forma, os indivíduos devem compartilhar representações sociais sobre os

padrões estéticos criados e a partir dessas informações estabelecerem relações de

pertencimento (ou não pertencimento) aos grupos que contribuem positivamente

para aspectos destas identidades.

3.3.1 Década de 1960

Na década de 1960 identificamos o início do rompimento com o padrão de

representação tradicional do homem nas publicidades de underwear, como

podemos observar no painel abaixo. Há uma exposição diferenciada do corpo

masculino, principalmente no anúncio escolhido para análise, e o foco das

publicidades não se encontra mais voltado para a praticidade e o conforto das

peças, e sim para outros atributos como inovação, juventude e diversão.

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Figura 41: Painel de publicidades de underwear masculino da década de 1960 Fonte: Desenvolvido por Taísa Vieira Sena

O anúncio selacionado para análise foi veiculado pela marca Jockey no ano

de 1967 para divulgar sua linha de roupa íntima masculina chamada Life, que se

propunha a ser um produto diferenciado, agregando o discurso de diversão e

juventude ao underwear, sem perder os atributos de conforto. No entanto, a

palavra conforto é suprimida no plano verbal do anúncio, tornando-se também

este, um diferencial de outras publicidades veiculadas nesta época, que buscavam

enfatizar as caracteristicas de usabilidade e conforto dos produtos.

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Figura 42: Anúncio underwear Jockey veiculado na Revista Life na década de 1960 Fonte:http://www.vintageskivvies.com/art/archives/adgallery/1960s/1967/1967jockey01ad.jpg

• Contexto

Anúncio publicitário da linha Life underwear da marca Jockey foi publicado

no ano de 1967, na revista Life, entre outras publicações98 em circulação na época.

A Life é uma importante publicação norte americana, que iniciou suas atividades

98 Outras publicações que encontramos o referido anúncio foram Publication Unknown, Playboy Magazine e Newsweek Magazine.

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em 1883 e passou por quatro momentos e formas de distribuição distintas. De

1883 a 1936 a Life se caracterizava por uma revista de humor e interesses gerais.

A partir de 1936 passou a ser uma revista de notícias semanais, com ênfase em

fotojornalismo. Em março de 1967 Life ganhou o Magazine National Award, premio

dado pela Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Mas, mesmo sendo

premiada em 1972, a revista parou de ser publicada; neste período, até 1978,

houve algumas edições especiais. De 1978 a 2000 a Life foi publicada no formato

de revista impressa de distribuição mensal. Nos anos de 2000 a 2004, passou a ser

publicada como suplemento de alguns jornais norte americanos. E finalmente, a

partir de 2007, após uma parceria com a google e depois a getty images, a revista

Life está disponível na internet99 oferecendo milhares de fotografias de suas

coleções. Na década de 1960 a revista era voltada para um publico informado e

formador de opinião.

• Descrição

O anúncio em forma de coluna vertical, apresenta dois produtos da linha

“Life”, sendo que um deles uma cueca do modelo slip (Hip Breif), apresentado na

parte superior do anúncio, e uma camiseta (Brute Shrit). O anúncio é em preto e

branco, com fundo preto e sem moldura.

Há duas figuras nele representadas, na parte superior esquerda, observa-se

uma imagem de homem recortada, sendo visível do torso para baixo, dando ênfase

ao produto (cueca) anunciado. Na imagem, este homem aparece em movimento,

como se estivesse correndo e subindo uma superfície inclinada. Entre as pernas do

modelo, há uma mensagem que diz: “This is the Hip Brief” (Esta é a cueca Hip).

Abaixo, na parte central do anúncio, repete-se a imagem masculina, porém

agora o corte se da na parte inferior das pernas, não sendo visíveis do joelho para

baixo. O modelo esta com os braços e mão afastados do corpo, sendo que o braço

esquerdo levantado, forma, juntamente com a cabeça uma moldura para o texto:

“This is the tapered Brute Shirt” (Esta é a camisa cônica (ajustada) Brute). Abaixo

do braço direito, escrito em letras brancas, esta a frase: “This is the end of dull

underwear” (Este é o fim da roupa de baixo sem graça).

99 A revista Life encontra-se disponível em http://www.life.com

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101

No lado inferior esquerdo, está um texto em letras menores, dando uma

série de informações sobre a linha de produtos, suas características, materiais,

cores e preços. Já no lado inferior direito, aparece em destaque o nome da linha de

produtos - Life (em letras maiores e vazadas) seguida das palavras underwear by

(em letras menores e cheias) Jockey (em letras maiores e cheias). Na parte inferior,

no meio, está o “menino jockey”, desenho que representa a marca, acompanhado

pela frase “It’s not Jockey brand if it doesn’t have the Jockey boy” (Não é da marca

Jockey se não tiver o menino jockey), em letras pequenas.

• Mensagem Plástica

a) Suporte – Revista Life, impressa em preto e branco.

b) Quadro – Não há moldura. O que leva o espectador para fora do campo

visual ou a completar a imagem, dando possibilidade de continuidade da narrativa.

A repetição do modelo, dá a sensação de movimento e repetição de quadros, como

em um filme.

c) Enquadramento – Ângulo contre-plongée100 – A proximidade confere

altura e força ao personagem.

d) Diagramação – hierarquização da visão levando a orientação da leitura

da imagem. Construção seqüencial em “Z”101 que se inicia na parte superior

esquerda, mostrando o produto cueca, passa pela parte central, mostrando o

produto camiseta, e termina na parte inferior direita, no nome da linha de

produtos (Life) e na marca (Jockey). No decorrer da leitura são atribuídas

qualidades exteriores ao produto, como força, agilidade (o modelo parece estar

subindo correndo uma superfície inclinada) e virilidade, se observarmos a imagem

central de forma isolada, verificamos ali também a possibilidade de identificarmos,

uma posição de prontidão para luta.

100 Contre-plongée: ângulo no qual a câmera filma o objeto de baixo para cima, ficando a objetiva abaixo do nível normal do olhar. Geralmente dá uma impressão de superioridade, exaltação, triunfo, pois faz aumenta a imagem do objeto/pessoa. 101 De acordo com Martine Joly, este tipo de construção é utilizada quando quer se atribuir qualidades exteriores ao produto, tal processo se dá na seqüência de leitura da imagem. Ver JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996, p. 98

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e) Formas - a organização dos elementos, o fundo escuro e a escrita na

parte inferior, dão destaque as formas do corpo em movimento e aos produtos

remetem à força, agilidade e virilidade.

f) Cores – o anúncio está impresso em preto e branco, mas a diferença entre

os tons da camiseta e da cueca, nos leva a crer que se trata de uma peça colorida.

De acordo com a legenda, que indica em que cores a peça é produzida, esta pode

ser azul ou vermelha. O contraste do fundo preto com o tom da pele (representada

aqui por um tom de cinza) cria uma seqüência de planos que dão destaque aos

produtos, a camiseta branca e a cueca colorida.

g) Iluminação – Iluminação central e frontal enfatiza a figura central que

mostra tanto a camiseta quanto a cueca, dando destaque aos produtos.

i) Textura – os contrastes de texturas, lisa do fundo preto com pele

(irregular e com pelos) e a textura novamente lisa dos produtos, cria uma sucessão

de planos destacando os produtos.

Significantes Plásticos Significados na Página Quadro Ausente, fora de campo (imaginário complementar) Enquadramento Fechado: proximidade Ângulo da tomada Contra-plongée: força, virilidades e agilidade do

movimento Escolha da objetiva Distância focal longa, sem profundidade de campo

(grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva) Nítido e sem profundidade: focalização

Composição/Diagramação Construção seqüencial em “Z” com destaque para a linha de produtos (Life) e a marca (Jockey) no final do percurso.

Formas Orgânicas – corpo rígido em movimento – força e virilidade.

Dimensão Grande Cores Contraste do fundo preto com tom da pele, o branco

da camiseta e azul (ou vermelho) da cueca. Iluminação Central e frontal Textura Lisa: Fundo e do produto (visual) X Rugosa:

pele/corpo (tátil)

• Mensagem Icônica

Significantes Icônicos Significados 1o Nível Conotação de 2o Nível Fundo escuro Cor preta Sobriedade e elegância

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Figuras incompletas Modelos recortados Movimento Pose do modelo Subindo correndo uma

superfície inclinada Força, agilidade e virilidade.

Produtos Camiseta e cueca em malha

Conforto

Life underwear by Jockey Marca/linha de produto Identificação, status, qualidade ...

Figura central na base do anúncio

Garoto Jockey Reconhecimento, identificação da marca, status, qualidade...

• Pose do modelo – em movimento, subindo correndo, em passos largos, uma

superfície em aclive, representando força, agilidade e virilidade. O rosto do modelo,

de perfil, virado em direção a subida, ao objetivo a ser alcançado, não cria uma

ligação direta com o consumidor. Mas, faz dele um espectador da cena ali

mostrada.

• Mensagem Lingüística

A legenda do anúncio apresenta uma dupla função: Ancoragem quando

direciona o olhar para a linha de produtos Life e para a marca Jockey. O texto no

canto inferior esquerdo que anuncia a linha de produtos possui a função de

revezamento em relação às figuras que os representa, pois a mensagem lingüística

por ele manifestada vem suprir carências expressivas das imagens, como as cores,

tamanhos e os materiais em que os produtos são disponibilizados para venda.

Apesar de a imagem mostrar os produtos, não consegue descrever toda a

linha, suas características cores e valores, isto é função do texto: “Here are

undertogs as young as today. As alive as you! Like Hip Brief. Low-slurg to match the

current low waistlines. $ 1,25. In blue, red, black or white. Tapered Brute Shirt

narrows down from shoulders to hips. Skeves and tail are a bit longer. Just $1,50.

Other Life Styles to see: Hi-neck Bo’sun Shirt sleeveless surf shirt turtleneck Algine

shirt, cok’n shirt with mock turtleneck, slim Guy Raccer, Brief and knit boxer.

Anybody who says underwear has to be dull doesn’t Know about Life”. Inicia com a

frase: “Aqui estão cuecas tão jovens quanto hoje. Tão viva quanto você!”, fazendo

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uma referência a cultura jovem e o sentimento de juvelização102, vigente na década

de 1960. Na sequência o texto traz a descrição dos produtos, modelos de cuecas e

camisetas, bem como seus valores. E termina com a frase “Qualquer um que diz

roupa íntima tem que ser chata não sabe sobre a vida”. Um trocadilho com o nome

da linha de produtos, e mais uma referência a quebra de padrões estéticos e

comportamentais com as décadas anteriores, onde o underwear masculino supria

principalmente as necessidades básicas, funcionais de uso, sem maiores

preocupações estéticas e a imagem masculina estava ligada a sobriedade.

Abaixo, na linha inferior do anúncio, em letras bem pequenas ao lado do

desenho de um jockey, está escrito “It’s not Jockey brand if it doesn’t have the Jockey

boy.” (Não é marca Jockey, se ele não tem o garoto Jockey) indicando que a figura

identifica a marca, que garante sua qualidade. Apesar de esta legenda apresentar

uma tipografia simples, composta de letras pequenas e na cor branca, sem ela a

compreensão do anúncio seria bem mais dificultosa. A diferença no tamanho das

letras hierarquiza as informações e orienta o sentido da leitura. Observamos que o

anúncio foi desenvolvido para focar primeiramente o olhar do espectador nos

produtos (camiseta e cueca), e depois na legenda, de modo que ambos se

complementam na significação. E finalmente, a letra vazada dá destaque a linha de

produtos (Life), seguido do tipo de roupa e a indicação da marca que a produz

(underwear by) em letras menores e abaixo o nome da marca Jockey, na grafia

tradicional da marca. Aqui também a diferença de tamanhos e no tipo de fonte,

chama atenção para o que é mais importante na escrita.

A cena enunciativa mostra a imagem de partes do corpo masculino em

movimento, subindo a coluna formada pela posição anúncio, figurativizando força,

virilidade, agilidade e movimento, características tipicamente masculinas e que

fazem referência ao padrão de masculinidade vigente na época. A força física é uma

questão bastante presente nos anúncios de produtos oferecidos aos homens e que

deve ser considerada, na medida em que também está relacionada a um reforço do

102 Conceito definido por Groppo “A juventude desaparece para dar lugar à "juvenilização" – deixa de ser uma vivência transitória para ser um estilo de vida identificado ao bem-viver consumista. O juvenil é "juvenilizado", desvinculando-se da idade adolescente e tendo retirado de si conteúdos mais rebeldes, revolucionários ou meramente disfuncionais. A "juvenilização" da vida contemporânea tornou-se a mais desejada aparência dos clientes da cultura de mercado. (GROPPO, 2000, p.12)

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ideal de masculinidade. Elementos estes, reiterados pela topologia do anúncio que

assume uma verticalidade, que de acordo com Castilho (2004b) é uma condição

típica do masculino.

A exibição do movimento do modelo atua como uma estratégia de

construção de um modelo de dinamicidade, apontando para a criação do efeito de

sentido de ação, que pode ser entendido como atualização da representação do modo

de ser homem, tendo os conceitos de juventude e diversão, atribuídos também

ao masculino nas publicidades da década de 1960, apresentadas pelo texto. No

plano verbal, as frases “Aqui estão cuecas tão jovens quanto hoje. Tão vivas quanto

você!” e “Qualquer um que diz roupa íntima tem que ser chata não saber sobre a

vida”, além da opção de peças coloridas, corroboram para construção do simulacro

de juventude e diversão vigentes no contexto social deste período, e que

impulsionaram a quebra na representação do modelo masculino tradicional,

apresentado nas décadas anteriores. Resaltamos ainda, a informação de que as

peças tem formas mais ajustas e as cuecas possuem cintura mais baixa, assim como

as calças, destacando a consonância da roupa íntima com o vestuário exterior,

seguindo a moda em uso. Estes elementos reiteram a quebra do padrão rígido e

tradicional do masculino e começam a mostrar um nova possibilidade de homem,

moderno e jovial. De acordo com Fernando de Barros (1997) o sentido de

juvenilização e a cultura jovem foram o fio condutor para as primeiras mudanças

do masculino na década de 1960, assimiladas principalmente pela moda, que

quebra a visão conservadora de homem, que começa a passar por transformações.

Faz-se importante lembrar que em qualquer relação estabelecida entre um

grupo social os padrões estéticos que o identificam precisam ser aceitos e

compartilhados pelos integrantes do grupo, mesmo se considerarmos que essa

estética foi forjada pela indústria da moda e imposta através da mídia. Assim,

vemos que estas primeiras mudanças no padrão de masculinidade foram possíveis

por que estavam em sintonia com os acontecimentos sócio-culturais vigentes, com

destaque, neste período, para cultura jovem.

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3.3.2 Década de 1970

Nos anos de 1970 quase a totalidade das publicidades passaram a ser

coloridas, agregando mais fidelidade e realidade as imagens, como pode ser

observado no painel abaixo. Os corpos masculinos podem ser vistos mais desnudos

e em corporiedades mais livres e sexualizadas, em conformidade com o

comportamento vivenciado pelos jovens da época.

Figura 43: Painel de publicidades de underwear masculino da década de 1970 Fonte: Desenvolvido por Taísa Vieira Sena

O anúncio selacionado para análise foi veiculado pela marca Jockey no ano

de 1977 para divulgar sua linha de roupa íntima masculina chamada Fashion

Underwear, que se propunha a ser um produto diferenciado, em conformidade

com as tendências de moda vigentes, agregando o discurso de jovialidade e boa

aparência, também para um vestir mais íntimo. O diferencial se faz também na

pose dos modelos, criando um simulacro de corporeidade que se expõe e busca

comunicação com o consumidor/leitor pelo olhar.

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Figura 44: Anúncios Jockey Fashion Underwear veiculado na Revista Playboy década de 1970 Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk

• Contexto

Anúncio publicitário da linha Fashion underwear da marca Jockey. Trata-se

de um anúncio de veiculado na revista Playboy103 no ano de 1977. Este anúncio

inaugura a divulgação da linha Fashion Underwear, que traz produtos jovens e

103 A Playboy é uma revista masculina norte-americana e de distribuição mundial com versões específicas de cada país, sendo publicada pela primeira vez em outubro 1953. Em seu conteúdo, apresenta fotografias de mulheres nuas, assim como jornalismo e contos de escritores de renome, como Arthur C. Clarke e Ian Fleming , Vladimir Nabokov , PG Wodehouse e Margaret Atwood. De postura editorial liberal, a revista exibe também entrevistas mensais com figuras públicas, como artistas, compositores, diretores de cinema, romancistas, figuras religiosas, políticos, atletas, entre outros.

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coloridos em materiais e modelagens diferenciados. Em 1972 a empresa Cooper’s

muda definitivamente sua razão social para Jockey International Inc, como base no

nome de sua marca mais famosa, e lança a linha Fashion com produtos de

underwear ainda mais voltados para moda, com peças coloridas e vibrantes.

• Descrição

O anúncio acima pode ser considerado inovador e bastante ousado, frente

ao que se via nas décadas anteriores. Trata-se de uma imagem colorida, onde sobre

um fundo negro aparecem em destaque três homens usando peças íntimas da

coleção. O primeiro, colocado à esquerda, está com o corpo voltado para a frente

do terceiro modelo (à extrema direita), mas com a cabeça virada para frente,

olhando para espectador/leitor. Tem os braços soltos ao lado do corpo, sendo que

a mão esquerda está levemente apoiada sobre a coxa, já o braço e a mão direita

parecem estar um pouco voltados par trás, encobertos pelo corpo. Este modelo

está usando uma cueca slip em tela de malha transparente, em tecido sintético, com

forro apenas no recorte em “Y” invertido frontal, e uma camiseta com manga, do

mesmo material.

O segundo homem, colocado no meio dos outros dois e um pouco mais

recuado, mantém a mesma posição do primeiro modelo, porém por estar colocado

mais atrás não é possível que se veja seus braços e mãos. Está com o torso nu e usa

apenas um brief-biquíni, uma cueca de lateral estreita, com estampa quadriculada

em tons de turquesa, laranja, azul e branco.

O terceiro modelo, à direita, tem o corpo voltado para os outros dois e a

cabeça voltada para frente, também olhando o consumidor. Tem os braços soltos

ao lado do corpo e a mão direita encostada na coxa, porém um pouco mais fechada

que a mão do primeiro modelo. Ele veste uma regata azul em malha extremamente

ajustada ao corpo e uma sunga, também estampada em cores fortes.

Os três homens esboçam leves sorrisos, buscando a simpatia do público.

Suas imagens apresentam proximidade, colocadas como se não coubessem na

“tela”, apresentando as pernas cortada na altura da metade da coxa (para os

modelos mais a frente na imagem) e abaixo do joelho (para o modelo do meio,

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colocado mais atrás, criando a sensação de profundidade). Os braços do primeiro e

do terceiro homem também não aparecem completos na imagem.

O anúncio contém ainda uma grande legenda em letras brancas, colocada na

parte central e sobre os modelos, que diz: “Build a great looking warbrobe from the

inside out.” (Construa uma ótima procura de dentro para fora do seu guarda-

roupa). Abaixo, na parte inferior da página e ocupando toda a extensão da imagem,

está um texto, em letras pequenas com informações sobre a linha de produtos,

materiais e modelos. E por fim, no canto inferior direito, em destaque aparece a

marca e a linha de produtos, Jockey Fashion Underwear.

• Mensagem Plástica

a) Suporte – Revista impressa em cores.

b) Quadro – Há moldura é formada pela borda branca da página.

c) Enquadramento – Ângulo contre-plongée – A proximidade confere altura

e força aos personagens, que buscam uma certa intimidade com o consumidor.

d) Diagramação – Construção axial104, colocando o produto no eixo do

olhar. A leitura se faz de forma vertical descendente, percorrendo as informações

até chegar na marca e na linha de produtos.

e) Formas – Macro: formas moles organizadas em massa, destaque para os

corpos. Em um olhar mais especifico e focalizado, encontramos formas

geométricas na tela (material a peça usada pelo primeiro modelo) e na estampa da

peça usada pelo segundo. Já na cueca do terceiro modelo a o retorno da fluidez em

uma estampa orgânica.

f) Cores – o preto (do fundo do anúncio) e o branco (da legenda)

contrastam com o colorido das estampas (em diferentes tons de azul, amarelo,

laranja vermelho, além do preto e do branco), amarelo e azul que aparecem em

destaque nas peças.

g) Iluminação – Iluminação focal enfatiza e dá destaque aos produtos,

criando uma referência espacial (central) e temporal (presente).

104 De acordo com Martine Joly, este tipo de construção é geralmente para o lançamento produtos, tornando-os o foco central do anúncio. Ver JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996, p. 98

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i) Textura – os contrastes de texturas, lisa do fundo preto com a pele

(irregular e com pelos) e a textura tátil da tela (material das peças do primeiro

modelo). No segundo e no terceiro modelo encontramos outro tipo de contraste, as

cuecas apresentam uma dupla textura, uma lisa, da lycra (material de que são

feitas peças) e uma óptica, produzida pelas estampas. Esta seqüência de contrastes

cria uma sucessão de planos destacando os produtos.

Significantes Plásticos Significados na Página Quadro Presente (concreto) Enquadramento Fechado: proximidade (grandeza) Ângulo da tomada Contre-plongée: força de expressividade dos modelos Escolha da objetiva Distância focal longa, sem profundidade de campo

(grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva) Nítido e sem profundidade: focalização

Composição/Diagramação Construção axial: vertical descendente (equilíbrio) Formas Visão Macro: construção em massa formas

orgânicas,corpo Visão Micro: formas geométricas e formas fluídas.

Dimensão Grande Cores Contraste de cores do fundo preto, legenda branca,

tom da pele, azul, amarelo e estampas em diferentes tons de azul, amarelo, laranja vermelho, além do preto e do branco.

Iluminação Focada, orientada (referência espacial e temporal) Textura Lisa: Fundo e do produto (visual) X Rugosa:

pele/corpo (tátil); textura tátil da tela; textura óptica das estampas.

• Mensagem Icônica

O anúncio é direcionado a consumidores já com alguns conhecimentos

adquiridos sobre a marca e a linha de produtos, pois segundo Joly (1996) a leitura

da imagem se dá de acordo com o horizonte de expectativa, ou seja, os

conhecimentos do leitor sobre ela. Assim, quando uma publicidade diminui, e com

o tempo suprime, as informações sobre os produtos isto demonstra o

conhecimento crescente dos consumidores sobre a marca.

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Significantes Icônicos Significados 1o Nível Conotação de 2o Nível Fundo escuro Cor preta Sobriedade e elegância Figuras incompletas Modelos recortados Proximidade Pose dos modelos Corpos voltados uns para

os outros, mas com rostos virados para o público

Interação entre eles e ligação com o público

Produtos Camiseta e cueca em malha

Conforto

Material das peças do primeiro modelo

Tela transparente Sensualidade descontraída

Segundo modelo Torso nu e com pelos Sensualidade dentro dos padrões estéticos e de masculinidades vigentes na década de 1970

Cueca usada pelo segundo modelo

brief-biquíni – modelo pequeno (maior desnudamento do corpo)

Inovação e ousadia

Terceiro modelo Peças extremamente justas e coloridas

Sensualidade divertida, juventude.

Fashion Underwear Jockey Marca/linha de produto Identificação, status, qualidade...

Fashion Moda Novidade, inovação, modernidade, juventude, atitude...

• Pose dos modelos – estática se colocando em exposição. Tem os corpos

voltados entre si, os modelos da esquerda e o do meio virados em direção ao

homem à direita, e este com seu corpo voltado para dos outros dois, mas com as

cabeças voltada para a frente. Como se estivessem encarando o espectador,

buscando uma ligação, um diálogo com o mesmo. Esboçam leves sorrisos, como se

estivessem contentes com sua nova aparência e buscam a simpatia do consumidor.

Seus corpos estão levemente relaxados, em uma atitude de descontração.

• Mensagem Lingüística

A legenda do anúncio apresenta função de ancoragem quando direciona o

olhar para a linha de produtos Fashion Underwear e para a marca Jockey. E no texto

central, em destaque: “Build a great looking warbrobe from the inside out.”

(Construa um ótimo visual de dentro para fora do seu guarda-roupa), direcionando

o ‘nível correto de leitura’ e reforçando o discurso da imagem. Já o texto menor e

em letras finas, na parte inferior do anúncio, faz a função de revezamento, quando

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dá uma série de informações sobre os produtos, como o material, as formas, as

cores e estampas em que os produtos são produzidos, pois, por mais detalhada e

bem construída que seja, a imagem não dá conta de explicitar estas informações.

As letras brancas e cheias, como se em negrito, dão destaque as informações

centrais do anúncio.

No que concerne ao sentido de ruptura com os padrões de

representação do masculino nas publicidades de roupa íntima, destacamos a

larga utilização de cor que se deu na década de 1970, trazendo mais

expressividade e realismo para as imagens. E a presentificação de um homem

que começa a evidenciar a construção imagética de um corpo livre e que pode

se dar ao direito de simples exposição, demonstrando uma consonância com

os movimentos sociais deste período como a liberação sexual. Sobre os modelos

identitarios e as construções imagéticas apresentadas em cada época Landowski

afirma que:

(...) não há nem circunstâncias automaticamente geradoras, nem gerações mecanicamente constituídas, mas sujeitos coletivos que alcançam a existência semiótica - aos quais advém uma ‘identidade’ - pela construção de um certo número de figuras referenciais, ou de ‘símbolos’. Essas referências são de ordem simbólica tem um caráter formal. Elas não estão inscritas na ordem natural das coisas, mas são construídas e, por isso, submetidas ao relativismo cultural. Elas organizam de maneira significante, segundo um sistema de categorias espaço-temporais, o conjunto das dimensões constitutivas do que se chama vivido.

(LANDOWSKI, 1992, p. 52.)

Observamos que, as representações do modo de ser e estar no social vão

recebendo novos investimentos semânticos, de acordo com a temporalidade, assim

a materialidade dos produtos, tecidos elásticos e ajustáveis, transparentes ou em

estampas coloridas, bem como as modelagens pequenas e próximas da pele,

chamam a atenção para o corpo masculino, propondo uma nova relação com ele.

Tais corpos se apresentam em conformidade com um conceito de beleza masculina

que passava por transformações, mas ainda primava por vigor, energia e força, a

presença de pelos no corpo corrobora com esta construção imagética que

representava o padrão estético da masculinidade vigente.

É possível visualizar uma certa erotização dos corpos masculinos, que se

dão a ver, expostos usando apenas as peças de roupa íntima, mas ainda de forma

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muito sutil, se comparada com o que vemos nos anúncios de hoje, estes seriam

apenas corpos que se deixam mostrar. Conforme Malossi (2000) o modelo de

“homem de verdade” que pareceu incontestável durante as décadas de 1950 e

1960, passou por profundas transformações e a uma possível redefinição dos

papéis de gênero nos anos de 1970.

Porém, a posição dos modelos com os corpos voltados entre si, mas com o

olhar fixado a frente, buscando o consumidor/leitor gera o efeito de sentido de

comunicação, convidando o leitor a fazer parte deste grupo de homens que não

tem medo de ser preocupar com sua aparência e que é pode ser deixar ver em

trajes íntimos, pois além de ser seguro de si e de sua masculinidade, usa um

underwear em conformidade com a moda, auxiliando na construção do seu “visual”

moderno e atraente. Este intercâmbio criado pelo olhar é discutido por Landowski

(2002) como a “gestão do ver”, onde olhar coloca o enunciador como articulador

do discurso da marca buscando uma comunicação específica com o enunciatário,

construindo um simulacro de presença, um modelo identitario, onde “olhar o outro

já é interagir; ver já é fazer”. (LANDOWSKI, 2002, p. 133) O olhar dos modelos fixa

o Outro (leitor/consumidor) e faz com que ele percorra o eixo vertical de seus

corpos e se detenha em cada ponto da sua construção visual, iniciando no rosto,

descendo pelo torso (ora semi-coberto, ora totalmente desnudo), na frase central

do anúncio (que se coloca em primeiro plano), depois focalizando os diferentes

modelos de cueca e finalizando na marca e na linha de produtos. Eles figurativizam

o simulacro de corporeidade desejada e aceita pelos jovens da década de 1970,

tornando-se assim, capaz de seduzir.

A construção visual no sentido vertical, fazendo com que a leitura se dê de

forma descendente, e a focalização quase em close dos modelos cria um efeito de

sentido de proximidade e confere altura e força aos personagens, que buscam uma

comunicação mais direta e certa intimidade com o consumidor.

Há uma mudança significativa na tônica dos discursos de venda, os

produtos além de conforto, passam a vender estilo de vida, diversão, juventude,

sensualidade e uma diversidade de modelos (formas, cores e materiais) criando

diferentes opções e possibilidades de construções visuais masculinas. Segundo

Fernando de Barros (1997), na década de 1970 a palavra moda passou a ser

natural para os homens, que passam a escolher novas formas de identificação a

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partir do vestuário. O autor afirma ainda que das mudanças introduzidas pela

moda nesta época, a variedade de cores e materiais foi a mais bem aceita na

construção dos discursos sobre o corpo masculino. “A “política do corpo”

destacava-se como um dos símbolos de um novo comportamento. “Permitir,

liberar, experimentar” valia também para a moda.” (BAROS, 1997. p. 152)

O conforto já não é o foco central dos anúncios de roupa íntima da marca

Jockey, ela busca diferenciar seus produtos a partir de um discurso e inovação,

diversão e boa aparência, ratificado no plano verbal pela a frase “Build a great

looking warbrobe from the inside out.” (Construa um ótimo visual de dentro para

fora do seu guarda-roupa). O texto estimula o consumidor a buscar pela inovação,

e também trazer para sua roupa íntima (algo que não está visível, que é usado por

dentro) o colorido e a diversão em voga na moda masculina da época (que está por

fora, encontrando-se aparente). Faz-se relevante ressaltar que a profusão de cor é

um dos referenciais imagéticos da década de 1970, demonstrando a consonância

com o contexto vivenciado.

3.3.3 Década de 1980

Na década de 1980 os anúncios da marca Calvin Klein, com imagens feitas

pelo fotógrafo Bruce Weber, do atleta olímpico Tom Hintnaus na ilha grega de

Santorini, tornaram-se um marco na transformação da figuratividade do corpo

masculino na publicidade de underwear, passamos aqui a tem um corpo, saudável e

esculpido, delineado pela massa muscular aumentada e definida, remetendo ao

padrão estético greco-romano. Como podemos ver no painel abaixo, com anúncios

de diferentes marcas, já havia uma exposição diferenciada do corpo masculino,

mas com algum outro elemento que trouxesse equilíbrio para que esta imagem não

fosse de pura exposição do corpo masculino, como por exemplo, a presença de uma

mulher; a interação com outros homens; a figura de um animal sobre os ombros,

remetendo a imagem de caçador e provedor de seu grupo, além de força e

virilidade; a presença de texto explicativo e imagem de outras atividades exercidas

por este homem, como o esporte, autorizando o uso destes produtos. Já os

anúncios da Calvin Klein, não trazem textos, apenas a marca e o corpo masculino

colocado como desejante e desejado. De acordo com Mario Queiroz (2009) um dos

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grandes diferenciais destas publicidades é que elas permitem que o homem admire

o corpo seminu de outro homem, levando-o a acreditar que tendo um corpo

musculoso também conquistará mais mulheres e terá melhor desempenho sexual.

Figura 45: Painel de publicidades de underwear masculino da década de 1980 Fonte: Desenvolvido por Taísa Vieira Sena

O anúncio selacionado para análise, foi veiculado na revista Vanity Fair no

ano de 1982 para o lançamento da linha underwear da marca Calvin Klein. Esta

publicidade é considerada por estudiosos da área de moda, como um marco nos

anúncios publicitários de roupa íntima, por apresentar uma nova figurativização

do masculino, que expõe a si próprio e ao seu corpo como objeto de desejo.

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Figura 46: Anuncio Calvin Klein Underwear veiculado na revista Vanity Fair década de 1980 Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk

• Contexto

A publicidade, em questão nesta análise, foi lançada na revista Vanity

Fair105, mas ganhou grande destaque por ter sido veiculada também em um

gigantesco outdoor de 40 por 50 metros exposto na Times Square em Nova York106

no ano de 1982. A Times Square é uma famosa confluência de grandes avenidas na 105 Vanity Fair é uma importante revista americana sobre cultura pop, moda e política, publicada pela editora Condé Nast Publications. A Vanity Fair atual vem sendo publicada desde 1981, retornando a publicação que havia saído de circulação em 1935 devido as dificuldades financeiras sofridas pela grande depressão após a quebra da bolsa de Nova York em 1929. A primeira edição da revista foi publicada em 1913. 106 Vide figura 32 no segundo capítulo da dissertação.

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região central de Manhattan, uma área comercial com grande fluxo de pessoas.

Portanto, um espaço de exposição capaz de atingir um público abrangente e

possível formador de opinião.

• Descrição

Anúncio feito na revista Vanity Fair em 1981, sem moldura, simulando uma

continuidade da imagem, como uma interação com o ambiente. A legenda da

destaque a linha de produtos e a marca anunciada: Calvin Klein Underwear.

A imagem, feita na ilha grega de Santorini, é formada pelo contraste do

fundo azul do céu límpido com cor branca a textura porosa da construção grega

sobre a qual está recostado o modelo. O corpo bronzeado e de formas bem

definidas do saltador olímpico Tom Hintnaus, repousa em uma pose quase

lânguida, como um “Adônis107” absorvendo a luz do sol. Os braços sobre a perna,

formando uma moldura, e os poucos detalhes do anúncio dão destaque a peça

vestida pelo modelo: uma cueca slip108 branca de algodão com cós de elástico

aparente timbrado com a marca Calvin Klein. A legenda traz em letras grandes

apenas Calvin Klein Underwear. Este anúncio faz parte de uma campanha109 com

imagens que remetem ao imaginário dos esportes olímpicos da Antiguidade Grega,

construindo imagens de semi-deuses.

• Mensagem Plástica

a) Suporte – Outdoor com 40 por 50 metros exporto na Times Square em

Nova York.

b) Quadro – Não há moldura. O que leva o espectador para fora do campo

visual ou a completar a imagem, dando possibilidade de continuidade da narrativa.

c) Enquadramento – Ângulo contre-plongée – A proximidade confere altura

e força ao personagem.

107 Nas mitologias fenícia e grega era um jovem, tido como modelo de beleza masculina, disputado pelas deusas Afrodite e Perséfone. 108 Modelo desenvolvido na década de 1930 e conhecida como a cueca mais clássica, é um modelo cavado na pena e com recorte em Y invertido na parte da frente. 109 Outra publicidade que faz parte desta campanha compõe o painel de publicidades da década de 1980 (figura 45) e também está exposta no capitulo 4, figura 58.

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d) Diagramação - Construção focalizada110 – as linhas de força (traço,

cores, iluminação, formas) convergem para um ponto do anúncio, dando destaque

ao produto promovido: o underwear;

e) Formas - a organização dos elementos em contraste dando destaque as

formas do corpo e ao produto remetem à força e sensualidade.

f) Cores – azul, branco, pele bronzeada, e preto (legenda). O contraste

sucessivo de cores dá destaque às formas do corpo e à cueca branca Calvin Klein.

i) Iluminação – Iluminação frontal intensa irradiando a luz do sol em um

belo dia na Grécia.

g) Textura – os contrastes de texturas, lisa do céu azul e límpido com a

parede porosa e tátil; da parede com o corpo de pele lisa e bronzeada dando

destaque para suas formas; e do corpo liso e bronzeado com a malha branca da

cueca, destacando os recortes e o elástico grifado, criam planos que dão destaque

ao produto.

Significantes Plásticos

Significados na Página

Quadro Ausente, fora de campo (imaginário complementar) Enquadramento Fechado: proximidade Ângulo da tomada Contre-plongée: força, virilidades e sensualidade do

modelo (atleta olímpico) Escolha da objetiva Distância focal longa, sem profundidade de campo

(grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva) Nítido e sem profundidade: focalização

Composição Focal: Vertical descendente (equilíbrio) Formas Orgânicas – curvas – sensualidade Dimensão Grande Cores Contraste do azul e branco (frio) e do corpo bronzeado

(quente) Iluminação Frontal - dia iluminado de verão Textura Lisa (visual) do céu e do corpo X parede e cueca (tátil)

• Mensagem Icônica

110 De acordo com Martine Joly, na construção focalizada o olhar é como que puxado para um ponto estratégico do anúncio onde se encontra o produto. Ver JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996, p. 97-8

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O anúncio pretende lançar um novo olhar sobre o underwear masculino,

bem como instituir o desejo pelo produto e pelo corpo ali representados.

Destacando elementos que remetem a significados que construirão o discurso de

moda da Calvin Klein e criando uma nova relação do homem com a moda e com seu

corpo.

Significantes Icônicos Significados 1o Nível Conotação de 2o Nível Fundo Azul Céu límpido Dia ensolarado, calor,

beleza Construção branca Típica da Grécia Berço dos jogos olímpicos

e lar dos deuses Modelo Saltador olímpico Tom

Hintnaus Imagem de deus grego

Desportista – força, virilidade, resistência Superioridade e beleza

Pose do modelo Recostado, reenergizando-se ao sol

Conforto e Sensualidade - calor

Braços do modelo Apoiados sobre as pernas formam uma moldura para cueca

Destaque para o produto, preciosidade;

Corpo Escultural e bronzeado Saúde, virilidade, força, calor, energia, beleza, sensualidade e desejo

Cueca Em malha Elástico grifado

Conforto Identificação, marca, status

Calvin Klein Underwear Marca/linha de produto Identificação, status, qualidade, sensualidade...

• Pose do modelo – recostado ao sol, expondo seu corpo sem pudor ou culpa,

simplesmente reenergizando-se. Munido de força e virilidade dos desportistas, ou

dos deuses gregos, com seus corpos perfeitos esculpidos como obras de arte. Este

homem é seguro de si e de sua masculinidade, não precisa de aprovação de outros.

Pelo contrário ele desperta interesse e desejo. Observa-se uma repetição de

elementos que remetem à força, virilidade, beleza, calor sensualidade.

• Mensagem Lingüística

A legenda do anúncio apresenta a função de ancoragem quando direciona o

olhar para marca Calvin Klein e a linha de produtos, Underwear. A marca encontra-

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se em destaque centralizada na parte inferior do anúncio. Os caracteres escritos

em fonte arial, são simples, elegantes e modernos, além de proporcionarem fácil

leitura, o que fixa o olhar na marca.

Com esta publicidade, e toda a campanha que ela faz parte, a Calvin Klein

utiliza-se de recurso de design de produto, como seu nome grifado no elástico da

cueca, e visuais, de um simulacro de corpo que se expões como objeto de desejo111,

para instaurar um novo discurso de moda, dentro de um contexto social no qual o

homem esta passando por diversas transformações.

A cena enunciativa mostra a imagem de um homem recostado sobre a

parede de uma construção grega, em um dia ensolarado, com os olhos fechados e

a cabeça levemente inclinada para trás, braços soltos ao longo do corpo

bronzeado, pairando sobre as pernas, formando uma moldura para o produto

anunciado (a cueca Calvin Klein), sugerindo um encontro consigo mesmo,

figurativizando um estado de realização individual, sem necessitar da aprovação de

um outro. O efeito de sentido gerado é de que esse homem coloca-se em

primeiro lugar, preocupa-se com sua saúde, bem estar e aparência e não se

importa de expor seu corpo, com massa muscular esculpida pelo esporte, pelo

contrário, coloca-se como objeto de desejo, o que de acordo com Landowski, no

contexto do discurso publicitário é uma das formas de estabelecer a estratégia

de sedução. “(...) ao discurso de simples apresentação dos objetos “desejáveis”

superpõe-se um discurso figurativo segundo, de representação dos sujeitos

“desejantes”. (LANDOWSKI, 1992, p. 105.)

John de Greef (1985) destaca este anúncio como um marco e descreve que

com a pose de um deus grego, um “Adônis” bronzeado, vestido apenas uma cueca,

lânguido sobre uma rocha branca contra um fundo de céu azul, ele parece afundar-

se na contemplação do seu próprio corpo, mas se mostra para criar e corresponder

a muitos sonhos. O autor ainda afirma que através destas imagens feitas na Grécia,

com o modelo Tom Hintnaus, a marca Calvin Klein erotiza o corpo masculino e se

transforma em um objeto de desejo, a idéia e que a mulher compre a roupa criando 111 A forma de expor o corpo, ou corporeidade, apresentada enquanto o simulacro do corpo-objeto desejável se dá porque o corpo que ela forma é um corpo sexual, exposto para o Outro. Este outro na concepção de Landowski, é alguém, ou uma imagem, a partir da qual de dão as relações de interação dos sujeitos, seja por identidade ou alteridade.

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a imagem deste “Adônis” em seu companheiro, a partir do uso do underwear; e que

o homem, pense que o seu potencial de sucesso reside na sua cueca, considerado-o

o primeiro envelope de um novo olhar, mais íntimo.

A iluminação frontal de um dia ensolarado de verão e a focalização de

proximidade confere altura e força ao personagem, atribuindo vida e

tridimensionalidade à imagem de um corpo masculino, bronzeado e esculpido pelo

esporte, que transcende a topologia do anúncio, parecendo sair do mesmo. O

realismo impresso no contraste de cores e texturas (céu límpido, a parede da

construção, a pelo do modelo e a malha da cueca) criam um efeito de sentido de um

convite ao toque. A partir de uma construção imagética que assume a verticalidade,

o percurso visual, leva o olhar do leitor a deslizar do céu para a construção e pela

cabeça do modelo (atleta olímpico) levemente inclinada para trás, pelo seu rosto

com os olhos fechados com um semblante de interiorização, seguindo por seu

pescoço retesado, passando pelo tórax, formando uma linha descendente, com os

braços soltos ao longo do corpo e pousando suavemente sobre as pernas,

formando uma moldura para a cueca, onde se reserva à imaginação do leitor a

presença do sexo. O traço descendente remete a um estado de certa languidez do

modelo, que parece desfrutar de um prazer sensual no encontro consigo mesmo. O

efeito de sentido gerado nessas construções é o de que o homem ali representado,

basta-se a si mesmo, não necessitando de qualquer aprovação alheia. No plano

verbal a marca Calvin Klein e a linha de produtos, identificada pela palavra

underwear, referenciam o mediador deste estado de aprazer-se consigo mesmo.

Assim, observamos o simulacro de um sujeito realizado, exibindo-se em

uma situação de contentamento e aprazimento de si, relacionada à escolha de

formas de vida e de gosto que remetem a situações de consumo, que posiciona seu

modos de ser e estar no social, representados no corpo, que por sua vez

corresponde às escolhas do sujeito em seus projetos de individualização. Vemos

então, o sujeito colocado como objeto do próprio prazer, e que busca da mesma

forma despertar o nosso, como esclarece Landowski:

Assim, através da exposição do prazer manifesto em que o corpo encenado parece encontrar prazer em si mesmo, narcisicamente, seu próprio fim (e poder, por conseguinte, prescindir de nós) deve, porém se enunciar o apelo de um desejo que autoriza, melhor do isso, que espera o despertar do nosso, ou até pressupõe, como se fosse de nós que o outro extraísse o seu gozo presente: sejamos, pois, um bom público e entremos

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no jogo sem segundas intenções, diz-nos de alguma maneira a imagem, visto que, ao contemplar a si mesmo, Narciso evidentemente entra em contato conosco. (LANDOWSKI, 2002. p. 147)

O anúncio destaca repetidas vezes elementos que remetem a força,

virilidade, beleza e sensualidade, indicando ao publico que ao consumir o produto

estará agregando a si estes conceitos, e não apenas comprando uma cueca, ele

estará criando um estilo de vida. Estas informações estão implícitas nos objetos e

elementos usados para construir a imagem, o que demanda um público com certos

conhecimentos sobre a marca, o produto e sobretudo de moda. Levando a concluir

que se trata de um consumidor moderno, bem informado, com bom poder de

compra, atento com seu corpo e estilo diferenciado.

A partir dos anos 1980 pudemos identificar as transformações estéticas que

o conceito de masculinidade sofreu através de campanhas publicitárias de

underwear. Nessa época, intensificam-se as idéias e os ideais de corpo pós-

moderno e as mudanças de padrões de beleza masculina excluem, os pêlos, até

então considerados sinônimos de virilidade. As transformações no corpo

masculino através da extração de pêlos com depilação à cera ou a laser, da

utilização de cosméticos e de cirurgias plásticas são cada vez mais freqüentes.

Paralelamente a estas transformações no corpo masculino, há uma multiplicação

de modos de presença do masculino na contemporaneidade.

3.3.4 Década de 1990

No anos 1990 observamos o retorno do uso da publicidade em preto e

branco, principalmente pela marca Calvin Klein, como estratégia de minimizar

elementos que retirassem a atenção aos corpos ali presentificados, intensificando

seu destaque pelo uso da luz focal e direta que os evidencia na imagem. Já nos

anúncios de outras marcas, identificamos subsídios que retiram o foco central do

corpo masculino, como interação com outros homens, o uso de elementos como

uniformes profissionais, textos explicativos e o aspecto lúdico, para que o corpo

não tenha todo destaque na imagem. Nesta década, observamos também, o uso da

encenação do ato sexual como estratégia de sedução das marcas e como incentivo

a liberdade sexual dos jovens.

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Figura 47: Painel de publicidades de underwear masculino da década de 1990 Fonte: Desenvolvido por Taísa Vieira Sena

O anúncio selacionado para análise, da marca Calvin Klein, foi veiculado na

revista Vanity Fair no ano 1995. O diferencial se faz pela opção do uso a imagem

em preto e branco112, que parece dar destaque aos corpos ali representados, e

também pose dos modelos, que explicita o ato sexual e a sensualidade, fazendo

uma referência a liberação sexual dos jovens, incentivada pelo discurso da marca.

112 O uso de publicidade em preto e branco foi uma estratégia usada pela marca Calvin Klein em grande parte dos seus anúncios veiculados na década de 1990, seguindo uma tendência de moda e de representação visual minimalista, vigente no momento em questão.

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Figura 48: Anuncio Calvin Klein Underwear veiculado na revista Vanity Fair década de 1990 Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk

• Contexto

Está publicidade da marca Calvin Klein também foi divulgada em

revistas,como Vanity Fair, Vogue, Playboy e em outdoors. Neste caso será analisado

o anúncio publicado na revista Vanity Fair no ano de 1995, trata-se de um anúncio

em preto e branco e de página inteira. A Vanity Fair é uma revista americana sobre

cultura, moda e política, voltada para um publico A e B, leitores exigentes e que

gostam de se manter bem informados, constituindo um grupo de formadores de

opinião.

• Descrição

Trata-se de um anúncio de página inteira em preto e branco, lembramos

que a revista possui impressão colorida. O fundo é negro e sem moldura,

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centralizada na página aparece a figura de um modelo masculino (o ator Mark

Wahlberg113) curvado para trás, apoiada nas costas de Mark, como se tivesse

pulado sobre ele, e com as pernas envoltas em seu corpo, está a modelo Kate

Moss114, com uma das mãos (a direita) ela puxa a camisa dele, que está aberta, para

trás insinuando o ato de despi-lo; com a outra mão ela segura a cabaça dele para

trás. Kate encara o espectador buscando contato com o mesmo, enquanto Mark

não faz contato visual com o público e se deixa levar pelo clima de sedução,

aprofundando-se na sensação de entrega ao prazer. Kate aparenta estar nua,

coberta apenas pelo corpo (e a camisa) de seu parceiro que a envolve com os

braços voltados para trás. Já Mark, veste uma camisa branca (ali presente para ser

despida) e uma cueca também branca, tipo slip, em malha, com o cós grifado com a

marca Calvin Klein. Os corpos parecem bronzeados, lisos (com ondulações

formadas apenas pelos músculos bem trabalhados do modelo) e brilhantes,

insinuando suor, principalmente no abdomem de Mark. A legenda centralizada

traz apenas o nome da marca Calvin Klein, em letras brancas.

• Mensagem Plástica

a) Suporte – Revista Vanity Fair

b) Quadro – Não há moldura. O que leva o espectador para fora do campo

visual ou a completar a imagem, dando possibilidade de continuidade da narrativa.

c) Enquadramento – Ângulo contre-plongée – A proximidade confere altura

e força ao personagem.

d) Diagramação - Construção focalizada – as linhas de força (traço, cores,

iluminação, formas) convergem para um ponto do anúncio, dando destaque ao

produto promovido: o underwear;

e) Formas - Moles organizadas em massa, a organização dos elementos em

contraste destaca as formas do corpo do modelo masculino e o produto, além de

remeter à força e sensualidade.

113 Mark Robert Michael Wahlberg é ator, músico e produtor de cinema e televisão dos Estados Unidos. Conhecido no início de sua carreira como Marky Mark, ficou famoso como músico de rap, sua estréia foi 1991 com a banda Marky Mark and the Funky Bunch. Na década de 1990 também fez carreira como modelo, ficando conhecido como o garoto propaganda da marca Calvin Klein. 114 Importante modelo britânica.

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f) Cores – Branco e preto, além de tons cinza para o corpo. O contraste

sucessivo de cores dá destaque às formas do corpo e à cueca branca Calvin Klein.

i) Iluminação – Iluminação focal enfatiza e dá destaque aos produtos,

criando uma referência espacial (central) e temporal (presente).

g) Textura – Em sua maioria são lisas, o fundo negro, o tecido da camisa e a

malha da cueca, colada ao corpo e a pele. Observamos ondulações na delineamento

dos músculos do corpo de Mark, incitando ao toque, repetidas no cabelo Kate.

Significantes Plásticos

Significados na Página

Quadro Ausente, fora de campo (imaginário complementar) Enquadramento Fechado: proximidade Ângulo da tomada Contre-plongée: força, virilidades e sensualidade dos

modelos Escolha da objetiva Distância focal longa, sem profundidade de campo

(grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva) Nítido e sem profundidade: focalização

Composição Focal: Vertical descendente (equilíbrio) Formas Orgânicas – curvas – sensualidade Dimensão Grande Cores Contraste entre o preto e branco, e os tons de cinza do

corpo Iluminação Frontal Textura Tátil – ondulações do abdômem de Mark e do cabelo de

Kate X Visual – fundo negro, camisa, malha da cueca

• Mensagem Icônica

Significantes Icônicos Significados 1o Nível Conotação de 2o Nível Fundo Cor preta Sobriedade e elegância Mulher - Kate Moss Modelo reconhecida Identificação, status Homem - Mark Wahlberg Cantor e ator Identificação, status Pose da modelo feminina – Kate Moss

Sobre as costas de Mark, despindo-o (tirando sua camisa)

Sensualidade, erotização

Pose do modelo Masculino – Mark Wahlberg

Cabeça e braços voltados para traz envolvendo sua “amada”

Sensualidade, erotização

Corpo modelo Masculino – Mark Wahlberg

Escultural e bronzeado Sensualidade, virilidade, força, beleza e desejo

Cueca Em malha Conforto

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Elástico grifado Identificação, marca, status

Calvin Klein Underwear Marca/linha de produto Identificação, status, qualidade, sensualidade ...

• Pose dos modelos – Ela, sobre as costas dele, enlaçando-o com suas pernas e

braços, e tirando-lhe a camisa, inicia a narrativa de um provável ato sexual. Com o

rosto virado para frente, olhando diretamente para o consumidor, ela se mostra

segura de sua sexualidade e busca o contato com o espectador. Ele, com o corpo

exposto, torso e quadril levemente para frente e braços para trás, envolvendo a

modelo, mergulha em um estado de aprazer-se de seus sentimentos e

sensualidade. O quadril pronunciado para frente, destaca o produto, além de

ressaltar o sexo e a virilidade. Observa-se uma repetição de elementos que

remetem à erotização dos corpos, a sensualidade, a beleza e a virilidade.

• Mensagem Lingüística

A legenda do anúncio apresenta a função de ancoragem quando direciona o

olhar para marca Calvin Klein. A linha de produtos não é mencionada, como no

anúncio anterior, pois o público já está familiarizado com ela115. A marca encontra-

se em destaque centralizada na parte inferior do anúncio. Os caracteres escritos

em fonte arial, na cor branca, são simples, elegantes e modernos, além de

proporcionarem fácil leitura, o que fixa o olhar na marca.

A cena enunciativa mostra a imagem de um casal, em um momento de

intimidade explícita, onde ela aparentemente nua, coloca-se sobre as costas dele

e envolvendo seu corpo com as pernas, tirando-lhe a camisa e olhando o leitor;

ele envolve-a com os braços voltados para trás, assim como a cabeça que deixa

ver o rosto com os olhos fechados, sugerindo um momento de entrega ao prazer,

figurativizando ato sexual, e que aparentemente, pode emergir da intimidade e

tornar-se público e sem censura. O efeito de sentido gerado é que estes corpos são

livres para se entregar ao sexo, e o destaque dado a cueca e a marca Calvin Klein (a

115 Destacamos que o anúncio da década de 1980 introduz a linha de underwear da marca Calvin Klein, e segundo Joly (1996) a leitura da imagem se dá de acordo com os conhecimentos do leitor sobre a marca e o anúncio, assim, ausência de informações sobre os produtos demonstra um certo conhecimento dos consumidores sobre a marca.

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única referência verbal), no anúncio, insinua que o potencial de realização sexual do

casal reside na marca e no produto. O uso do espetáculo da intimidade é largamente

utilizado como estratégia e sedução publicitária é elucidado por Landowski:

A figuração de sujeitos enquanto corpos comovidos mediatiza assim nossa própria apreensão do poder dos objetos encenados. Conseqüentemente, não é por acaso que as estratégias de persuasão, ou melhor de sedução publicitária privilegiam com tanta freqüência o espetáculo da intimidade: trata-se de presentificar o estado de “possessão”, ou ao menos,se a expressão parecer exagerada, de atrair nosso olhar e de tocar nossa sensibilidade (...). (LANDOWSKI, 2002. p. 145)

Na construção imagética, um dos corpos se entrega ao prazer (o homem), e o

outro, a mulher torna-se sujeito da ação, ela pula sobre ele pronta para despi-lo, não

há olhares ou comportamentos inocentes, pelo contrario, o que vemos são corpos

explicitamente desejantes. O olhar fixo dessa mulher conclama o Outro

(consumidor/leitor) para o sexo, trata-se de um simulacro de mulher que age. Já a

corporeidade do homem, com o corpo, os braços (que seguram as pernas da

mulher) e a cabeça curvados para trás com os olhos fechados, nos remetem a um

estado de completa entrega ao prazer, o que é definido por Landowski como

estado de “possessão”, um sujeito “possuído”, ou “comovido”, “abandona-se de

corpo e alma a puros estados de euforia e desejo que, vinculados a presença (...) de

algum parceiro (...) parecem tirar literalmente o fôlego do sujeito que transportam,

e portando abolir momentaneamente toda a intenção de comunicar-se com

outrem”. (LANDOWSKI, 2002. p. 149)

A imagem exibe sujeitos em estados desejantes e desejados, em conjunção

com valores euforizados, a gestualidade figurativiza um momento de entrega ao

prazer, e o modo de encenação dos corpos aponta para o proceder do ato sexual,

como uma estratégia de sedução do consumidor, que pode se transportar para a

cena através da possessão do produto. O efeito de sentido gerado na publicidade é

o de que os sujeitos ali representados, encontram-se “comovidos”, entregues a sua

sexualidade, não necessitando de qualquer aprovação alheia, mas que se

comunicam pelo olhar da mulher, que parecendo sentir-se observada, olhada de

volta criando um estado de interação com o consumidor/leitor. Conforme Oliveira

(2010) este tipo de publicidade faz uso do discurso da sexualidade em forma de

manipulação por sedução que beira a de um assédio sexual.A construção visual no

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sentido vertical, fazendo com que a leitura se dê de forma descendente, a

iluminação e a focalização em proximidade dos modelos criam um efeito de

sentido de proximidade e confere altura e força aos personagens, que ganham

tridimensionalidade e parecem saltar do papel e dar vida a cena, e continuidade a

relação sexual ali presentificada. O contrate de texturas, do fundo liso, assim como

a pele, com as ondulações do cabelo da modelo, da camisa, dos músculos do

abdomem e o volume criado pelo pronunciamento do pênis na cueca, criam um

efeito de sentido de um convite ao toque. No plano cromático, os contrastes de

preto e branco, passando pelo cinza da pele, auxiliam na criação do efeito de

sentido de tridimensionalidade dos corpos, o branco da destaque para a cueca,

representada como um receptáculo do sexo do homem, e que está ali para ser

despida, retirada, arrancada, assim como a camisa, também na cor branca.

No que se refere à topologia do anúncio, as figuras quase centralizada,

colocadas levemente à esquerda da imagem, assumem a verticalidade, elemento

recorrente nas publicidades de roupa íntima para os homens, reiterando da

condição de virilidade masculina expressa no sentido vertical. Ainda no plano

topológico, a ausência de moldura gera o efeito de sentido de continuidade da cena,

como se fosse um filme, que na seqüência mostraria a conclusão do ato sexual.

O uso de figuras de destaque na mídia, personalidades como modelos e

cantores de conhecidos mundialmente, buscam criar um padrão de identificação

que surte grande efeito sobre o público jovem, usando do regime de

espetacularização que segundo Oliveira (2005) a sociedade atual conhece tão bem,

que se tornou uma das características do contemporâneo.

O anúncio coloca de forma bem enfática a erotização dos corpos e a

liberdade sexual obtida pelos jovens, colocada como uma possibilidade dada pela

marca. De acordo com Caldas (1997) o estímulo exacerbado da sexualidade, trouxe

problemas para marca, que teve de pagar uma multa e retirar a publicidade de

circulação por um breve espaço de tempo. Apesar da retirada da campanha, ou

talvez incentivada por este ato, a erotização dos corpos nas publicidades,

principalmente de underwear, tornou-se algo corrente, sendo amplamente

utilizado por outras marcas como Armani e Dolce e Gabbana, entre outras que

também desenvolvem linhas underwear masculino com muito sucesso. A Calvin

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Klein introduzia, mais uma vez, um novo comportamento de mercado, uma outra

forma de se expor e se relacionar com o corpo.

3.3.5 Década de 2000

Nos anos 2000 destacamos o uso de celebridades, principalmente jogadores

de futebol, como imagem de corpo a desejar e modelo identitario masculino.

Conforme Mário Queiroz este é o momento em que as marcas usam a imagem de

artistas e de celebridades para lançar seus produtos, “para que o homem comum

aceite uma nova idéia, primeiro ele precisa ver essas inovações em jogadores de

futebol ou em atores assumidamente heterossexuais.” (QUEIROZ, 2009, p. 89)

Figura 49: Painel de publicidades de underwear masculino da década de 2000 Fonte: Desenvolvido por Taísa Vieira Sena

O anúncio selacionado para análise, da marca Calvin Klein, foi veiculado na

revista Vanity Fair no ano 2003. Esta publicidade traz como imagem central a

figura do jogador de futebol Fredrik Ljungberg, personalidade reconhecida

também fora do circulo esportivo, expondo seu corpo de forma extremamente

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sexualizada, inaugurando o uso da imagem do jogador de futebol/celebridade e

objeto de desejo.

Figura 50: Anuncio Calvin Klein Underwear veiculado na revista Vanity Fair década de 2000 Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk

• Contexto

Está publicidade da marca Calvin Klein foi divulgada em diferentes mídias,

como revistas que privilegiam informação de moda, outdoors e também na

internet. Dos anos 2000 em diante, a internet tem ganhado grande espaço na

divulgação de informações de todos os tipos, assim, o ambiente virtual, passou a

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ter destaque também para as agências de publicidade, que passaram a fazer largo

uso do mesmo. As campanhas publicitárias são, então também, promovidas em

revistas, em outdoors, no interior das lojas e na internet, em diversos endereços,

como sites e blogs de moda, de revistas e no site da própria marca. Está campanha

inicia o uso da figura do jogador de futebol como “garoto propaganda”116 de

marcas de roupa íntima, expondo seu corpo, de massa muscular delineada e

esculpido pelo esporte, como objeto de desejo. O uso dos corpos erotizados destes

jogadores em publicidades, ficou conhecido como “sporno”117,

• Descrição

Trata-se de um anúncio colorido de página inteira, divulgado na revista

Vanity Fair, sem presença de moldura, dando um sentido de continuidade da

imagem. Recostado em uma parede vermelha e de textura irregular de um

vestiário de um clube ou estádio de futebol118, está o jogador sueco Fredrik

Ljungberg, usando um modelo boxer na cor preta, com o cós grifado com a marca

Calvin Klein. O jogador expõe seu corpo perfeitamente delineado pelo exercício do

esporte, observando de frente o espectador, cria uma ligação, um canal de

comunicação com o mesmo. E em uma atitude provocativa, com a mão esquerda,

ela abaixa o cós da cueca deixando parte da pélvis amostra, chamando a atenção

para uma região sexualizada do corpo. O braço direito está levantado e a mão

segura uma barra de ferro situada acima da cabeça, dando ênfase e contorno aos

músculos, fazendo alusão a força e virilidade. Abaixo do braço que esta levantado,

escorrem pequenas gotas de suor, indicando a recente atividade física. A barba por

fazer demonstra uma beleza descompromissada, até um pouco transgressora. A

tatuagem de pantera negra, subindo em direção ao abdomem, atraí o olhar para o

116 Cabe ressaltar que o uso de esportistas nas publicidades de roupa íntimas masculina já vem sendo utilizado deste a década de 1920, mas apenas a partir dos anos 1980 é que o uso erotizado de seus corpos passou a figurar nas campanhas publicitárias, e esta publicidade da Calvin Klein marca o inicio do uso da imagem do jogador de futebol de destaque internacional como “garoto propaganda” e modelo identitario de uma marca. 117 Termo foi cunhado pelo jornalista inglês Mark Simpson, formado pela junção das palavras esporte e pornô, usado para identificar as campanhas publicitárias que fazem uso erotizado do corpo de esportistas. O termo “sporno”, bem como seu uso serão melhor explicados no capítulo seguinte: “O homem de cuecas”. 118 Esta publicidade faz parte de uma campanha, onde, em outros anúncio aparece o ambiente completo do vestiário.

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quadril e conseqüentemente para o produto. A marca Calvin Klein em letras

grandes e a linha de produtos Underwear, em letras menores, colocada no centro

do anúncio identifica e dá destaque a marca.

• Mensagem Plástica

a) Suporte – Revista Vanity Fair

b) Quadro – Não há moldura. O que leva o espectador para fora do campo

visual ou a completar a imagem, dando possibilidade de continuidade da narrativa.

c) Enquadramento – Ângulo contre-plongée – A proximidade confere altura

e força ao personagem.

d) Diagramação - Construção focalizada – as linhas de força (traço, cores,

iluminação, formas) convergem para um ponto do anúncio, dando destaque ao

produto promovido: o underwear;

e) Formas - Moles organizadas em massa, a organização dos elementos em

contraste destaca as formas do corpo do modelo masculino e o produto, além de

remeter à força e sensualidade.

f) Cores – Vermelho, preto e branco, além de tons bronzeado do corpo. O

contraste sucessivo de cores dá destaque às formas do corpo e à cueca preta Calvin

Klein.

i) Iluminação – Iluminação focal enfatiza e dá destaque aos produtos,

criando uma referência espacial (central) e temporal (presente).

g) Textura – Contrastes da textura irregular da parede, com o corpo

brilhante, bronzeado e com músculos delineados (tátil), e a textura lisa da malha

da cueca colada ao corpo (visual).

Significantes Plásticos

Significados na Página

Quadro Ausente, fora de campo (imaginário complementar) Enquadramento Fechado: proximidade Ângulo da tomada Contre-plongée: força, virilidades e sensualidade do

modelo Escolha da objetiva Distância focal longa, sem profundidade de campo

(grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva)

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Nítido e sem profundidade: focalização Composição Focal e centralizada Formas Orgânicas – curvas – sensualidade Dimensão Grande Cores Contraste entre o vermelho, preto e branco, além da pele

bronzeada. Iluminação Frontal Textura Lisa (visual) dos tecidos X a parede irregular e o corpo

com musculatura delineada (tátil)

• Mensagem Icônica

Significantes Icônicos Significados 1o Nível Conotação de 2o Nível Fundo Vermelho – irregular e

um pouco manchado Calor e sensualidade

Modelo Jogador de futebol - Fredrik Ljungberg

Desportista – força, saúde, virilidade, resistência

Pose do modelo Recostado na parede do vestiário e apoiado na barra de ferro, deixa seu corpo exposto a apreciação.

Sensualidade e erotização

Mão esquerda do modelo abaixando o cós da cueca

Deixa parte da pélvis amostra

Erotização e sensualidade.

Corpo Escultural e bronzeado Saúde, virilidade, força, calor, energia, beleza, sensualidade e desejo

Barba por fazer Beleza despreocupa Irreverência e descontração

Cueca Em malha Elástico grifado

Conforto Identificação, marca, status

Calvin Klein Underwear Marca/linha de produto Identificação, status, qualidade, sensualidade ...

• Pose do modelo – A pose do jogador de futebol, Fredrik Ljungberg,

recostado na parede do vestiário, com um braço levantado e apoiado sobre uma

barra de ferro, acima da cabeça, e com a outra abaixando o cós da cueca, é

extremamente provocadora. Expõe o corpo de forma erotizada e sugere o

desnudar no corpo masculino, em um aberto jogo de sedução, reiterado pelo olhar

direto do modelo ao espectador, em busca de contato visual e diálogo com o

mesmo.

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• Mensagem Lingüística

A legenda do anúncio apresenta a função de ancoragem quando direciona o

olhar para marca Calvin Klein e a linha de produtos, Underwear. A marca encontra-

se em destaque centralizada no meio do anúncio e sobre o tórax do modelo. Os

caracteres escritos em fonte arial, na cor branca, são simples, elegantes e

modernos, além de proporcionarem fácil leitura, o que fixa o olhar na marca. A

palavra underwear em fonte de tamanho menor hierarquiza a informação e dá

destaque à marca em detrimento da linha de produtos.

O homem deste anúncio instaura numa relação olhos no olhos com o leitor, ele

presentifica a plástica do corpo perfeito, com músculos delineador e esculpidos pelo

esporte, o simulacro de homem que, olhos nos olhos com Outro, corporifica o

desejo, seu olhar não é inocente, mas sim um olhar explicitamente desejante.

A partir desta relação olhos no olhos o leitor é levado, sem que perceba, a

esquadrinhar cada elemento da cena. A imagem, constituída de forma vertical, faz

com que o percurso da leitura se dê de forma descendente. O olhar inicia na mão

que segura uma barra de madeira, identificada como uma referência direta ao falo,

descendo pelo braço, de onde escorrem gotas de suor, que lembram que este corpo

estava realizando alguma atividade física, e chega ao rosto, onde os olhos do modelo

fitam o leitor convidando-o a interagir com ele no desenrolar da ação ali

representada. O percurso do olhar continua descendo pelo tórax, de pele lisa,

aparentemente macia e brilhante que estimula o impulso de tocá-la. Os olhos do

leitor passam então, para o abdomem tatuado e de músculos delineados, chegando

a cueca, ou melhor, ao sexo, que é apontado pela mão abaixa a lateral da peça,

gerando o efeito de sentido de desnudamento, e convidando o leitor a dar

continuidade a cena. A tatuagem da pantera negra, animal ao qual são

atribuídos valores simbólicos de agilidade, força, virilidade e sensualidade,

subindo pela virilha para o abdomem, reitera a demarcação da região genital,

levando o leitor a imaginar o que mais está “guardado” na cueca. O principal

destaque do anúncio é o sexo, a cueca da marca Calvin Klein, que a priori seria o

foco central da publicidade, cobre este corpo desejante, solicitando ser retirada.

Esta presentificação do falo é reiterada pela barra de madeira colocada acima da

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cabeça do modelo, onde o mesmo se segura, com o braço levantado delineando a

musculatura do bíceps, imagem que faz referência e identifica força física do

homem colocada como predicado de virilidade e masculinidade.

A iluminação frontal e a construção focalizada, com linha de força que

convergem para cueca e conseqüentemente para o sexo, conferem altura e força

ao personagem, atribuindo vida e tridimensionalidade à imagem de um corpo

masculino, bronzeado, de músculos delineados pelo esporte e suado, que

transcende a topologia do anúncio, parecendo sair do mesmo. O realismo

impresso no contraste de cores e texturas (parede vermelha e irregular do

vestiário, a pele do modelo, os músculos do corpo, a tatuagem e a malha da

cueca) criam um efeito de sentido de um convite ao toque. O gestual do modelo,

figurativiza um simulacro de homem que age que mostra que sabe agir, ele diz

como e onde a ação terá lugar, já que a mão que abaixa a lateral da cueca, orienta

para o que deve ser visto. No cromatismo do plano de fundo, dado pela parede

irregular do vestiário, o tom de vermelho nos remete ao calor e a sensualidade,

contribuindo para a formação do efeito de sentido de sedução dado na imagem. No

plano verbal se faz presente a marca Calvin Klein e a linha de produtos, underwear,

indicando o que pode levar o consumidor a se transportar para esta cena.

O anúncio não é delimitado por moldura, dando o leitor a sensação de

continuidade e levando-o a imaginar o desenrolar da cena que se dá em um

vestiário. Um lugar que, a princípio, é espaço proibido para as mulheres, o que

estimula e mexe com imaginário e a criatividade feminina, gerando o efeito de

sentido de descobrimento, reiterado pela insinuação de desnudamento

figurativizada pela mão que abaixa a lateral da cueca. A gestualidade do

personagem da imagem nos leva a pensar nu, amplamente utilizado como

estratégia publicitária na contemporaneidade, porém, a nudez em si não governa

um regime de leitura preciso, “sua significação depende por inteiro, da maneira

como é usada, isto é encenada. A prova disto é o fato de que nosso olhar muda por

completo conforme o despir “vista” aquilo que denominamos um corpo comovido,

ou um sujeito provocante (...)”(LANDOWSKI, 2002. p. 157). Sendo assim, a

insinuação do despir é que gera o efeito de sentido provocativo, dando

continuidade à relação de interação com o leitor iniciada pelo olhar direto do

modelo.

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Observa-se, então, uma repetição de elementos que remetem à erotização

do corpo masculino, a sensualidade, a beleza e a virilidade. O corpo mostrado no

anúncio não é um corpo qualquer, é o corpo de um jogador de futebol premiado,

que além de belo, bem delineado e esculpido pelo esporte articula outras

significações, como aquelas ligadas ao sucesso, a irreverência, força, resistência e,

sobretudo a vitória, elemento corrente na representação da masculinidade

tradicional. E que, em maior ou menor grau, continua presente nas masculinidades

contemporâneas.

3.3.6 Década de 2010

Na década de 2010 observamos este processo que transformação da

representação do corpo masculino como objeto de desejo se encontra bem

consolidada, e que quase a totalidade dos anúncios, pelo menos das marcas

estudadas, enfatiza esta forma de presentificação do homem contemporâneo.

Figura 51: Painel de publicidades de underwear masculino da década de 2010 Fonte: Desenvolvido por Taísa Vieira Sena

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O anúncio selacionado para análise, foi veiculado no ano 2010 em

diferentes mídias, com destaque para os painéis que tomam uma parede inteira do

interior das lojas e para divulgação na internet, e faz parte da campanha X da

marca Calvin Klein. Esta campanha traz como estratégia de veiculação a utilização

de quatro modelos, dois atores e dois desportistas, de etnias e nacionalidades

diferentes, figurando as publicidades em um mesmo período de tempo, buscando

atrair o interesse e a identificação com um público maior, formado por

consumidores de diversas partes do mundo.

Figura 52: Anuncio Calvin Klein Underwear na década de 2010 Fonte: http://www.spot.ph/gallery/574/calvin-klein-x-underwear/article/46711

• Contexto

A publicidade, acima também foi divulgada em diferentes mídias, porém

com um destaque para painéis expostos no interior das lojas e divulgação na

internet, em sites e blogs de moda, além do usou de sites de relacionamentos, como

facebook e youtube, para veiculação, onde poderiam ser encontrados também o

making of das campanhas, buscando uma maior interação com o consumidor. Faz

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parte da campanha “X”119, lançada pela marca Calvin Klein como uma iniciativa

global, trazendo ao mesmo tempo personalidades de diferentes locais do mundo,

como Ásia, Europa e os EUA. Pela primeira vez uma campanha publicitária da

marca é tem como figura central, não por um, mas por quatro “garotos-

propaganda” ao mesmo tempo, dois atores americanos de renome, Kellan Lutz

(ator dos filmes da saga Crepúsculo) e Mehcad Brooks (ator da minissérie True

Blood, do canal de TV norte americano HBO); e dois esportistas conhecidos

internacionalmente, o tenista espanhol Fernando Verdasco, e o jogador de futebol

japonês Hidetoshi Nakata. Sobre a busca de comunicação com um público mais

abrangente, que dialogue com seu espaço e tempo, Castilho disserta que:

As combinações ou os imbricamentos de linguagens estruturam-se de modo diverso em diferentes épocas. Ao dialogarem com determinadas culturas, levando em consideração a variável espacço-temporal, sofrem diversas influências segundo seu histórico sociocultural. Isso, por sua vez, impõe um determinado ritmo às próprias combinações, fazendo com que elas adquiram maior ou menor importância na forma de estruturar

sua comunicação. (CASTILHO, 2004a, p. 95)

A campanha escolhida para análise foi a do ator Kellan Lutz, ídolo de um

grande número de jovens em todo mundo. Este, entre outros anúncios da

campanha, juntamente com pequenos filmes, encontram-se disponíveis no site:

www.xmarkyourspot.com.

• Descrição

Trata-se de um anúncio colorido ocupando duas páginas inteiras, quando

em revista, ou a tela cheia do computador, quando divulgado em site da internet.

Esta publicidade está disponível para download como papel de parede do

computador, no site: www.xmarkyourspot.com. Não há presença de moldura. A

fotografia é em preto e branco, a cor em destaque é o vermelho do o “X” que

identifica a campanha.

A imagem do lado esquerdo, parece estar mais próxima, devido ao tamanho

da figura do modelo, que é maior. A fotografia focaliza o rosto e a parte superior do

torso do ator. As mãos colocadas a frente do peito, postas em posição que sugere

119 Outras publicidades da campanha fazem parte do painel com imagens publicitárias da década de 2010.

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um combate, demonstra elementos de força e virilidades, buscando a identificação

pelo espelhamento e a admiração masculina. Já o olhar inocente, um pouco tímido,

e o rosto levemente voltado para baixo, não buscam uma ligação direta e agressiva

com o espectador, mas uma comunicação sutil e sensual. Centralizado sobre o ator,

marcando-o como uma escolha, está um grande “X” vermelho, que ultrapassa os

limites da imagem, sendo recortado do lado esquerdo, rompendo o espaço da

imagem do lado direito. Sobre o “X”, exatamente no centro, em branco, está a frase

“mark your spot” (marca o seu lugar). E no canto inferior esquerdo, em letras

pequenas e também em branco está o nome do ator, Kellan Lutz.

Na imagem do lado direito, um pouco mais afastada, o corpo do ator ficar

visível de parte da cabeça até a coxa. Kellan, de pele lisa e bronzeada, e músculos

bem definidos, faz uma pose como se fosse cruzar os braços a frente do corpo. O

braço direito está voltado para cima e a mão cobre parte do rosto. A cabeça está

levemente voltada para baixo, mas o olhar busca o espectador. O ator está usando

uma cueca boxer na cor branca, com o cós em elástico preto aparente e com a

marca Calvin Klein escrita em letras grandes. No centro da parte da frente do cós

está aplicada uma etiqueta branca bordada com um grade “X” e a frase “mark your

spot”. No centro da imagem há um pequeno “X” em vermelho e abaixo dele, a marca

Calvin Klein escrito em branco; e por último abaixo da marca, está escrito

underwear em pequenas letras brancas.

• Mensagem Plástica

a) Suporte – Revista ou página da internet

b) Quadro – Nas duas imagens não há moldura. O que leva o espectador

para fora do campo visual ou a completar a imagem, dando possibilidade de

continuidade da narrativa.

c) Enquadramento – Embora a imagem da esquerda seja maior e pareça

mais próxima, nas duas é usado o ângulo contre-plongée – conferindo altura e força

ao personagem.

d) Diagramação – Na imagem da esquerda a construção é axial, colocando

o nome da campanha “X” no eixo do olhar, no ponto central. Já na imagem da

direita a construção e focalizada com as linhas de força (traço, cores, iluminação,

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formas) que convergem para um ponto do anúncio, dando destaque ao produto

promovido.

e) Formas - Moles organizadas em massa. Na imagem da esquerda, o além

de marcar a imagem, cria formas angulares, segmentando-a. Na imagem da direita,

a organização dos elementos em contraste destaca as formas do corpo do modelo

masculino e o produto, além de remeter à força e uma sensualidade inocente.

f) Cores – Vermelho, preto e branco, além de tons de cinza para o corpo. O

contraste sucessivo de cores dá destaque às formas do corpo e à cueca branca

Calvin Klein.

i) Iluminação – Nas duas imagens temos iluminação focal, criando uma

referência espacial (central) e temporal (presente).

g) Textura – Contrastes de texturas lisas (visuais) com o corpo brilhante,

bronzeado e com músculos delineados (tátil).

Significantes Plásticos

Significados na Página – Imagem Esquerda

Significados na Página – Imagem Direita

Quadro Ausente, fora de campo (imaginário complementar)

Ausente, fora de campo (imaginário complementar)

Enquadramento Fechado: proximidade Fechado: proximidade Ângulo da tomada Contre-plongée: força,

virilidades e sensualidade ingênua do modelo

Contre-plongée: força, virilidades e sensualidade ingênua do modelo

Escolha da objetiva

Distância focal longa, sem profundidade de campo (grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva) Nítido e sem profundidade: focalização

Distância focal longa, sem profundidade de campo (grande nitidez no primeiro plano/representação mais expressiva) Nítido e sem profundidade: focalização

Composição Axial Focal e centralizada Formas Orgânicas – curvas –

sensualidade, versus angulares “X”

Orgânicas – curvas – sensualidade

Dimensão Grande Cores Contraste entre o vermelho,

preto e branco, além da pele bronzeada.

Contraste entre o vermelho, preto e branco, além da pele bronzeada.

Iluminação Frontal Frontal Textura Lisa (visual) do “X” vermelho

versus o corpo com musculatura delineada (tátil)

Lisa (visual) do fundo branco versus o corpo com musculatura delineada (tátil)

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• Mensagem Icônica

Significantes Icônicos Significados 1o Nível Conotação de 2o Nível Fundo Branco Neutralidade “X” Marcar Identificar Vermelho Calor Sensualidade Modelo Ator Kellan Lutz Celebridade, fama,

identificação Pose do modelo – imagem da esquerda

Mãos em gesto de combate Olhar indireto

Força e virilidade sensualidade

Pose do modelo – imagem da direita

Mão cobrindo parte do rosto, mas com olhar voltado para o espectador

Falsa timidez e sensualidade.

Corpo Escultural, bronzeado e brilhante

Saúde, virilidade, força, calor, energia, beleza, sensualidade, erotização e desejo

Barba por fazer Beleza despreocupa Irreverência e descontração

Cueca Em malha Elástico grifado

Conforto Identificação, marca, status

Calvin Klein Underwear Marca/linha de produto Identificação, status, qualidade, sensualidade ...

• Pose do modelo – Na imagem da esquerda, o ator parece mais próximo. A

pose, com as mãos em posição de combate e o olhar indireto, mas voltado para o

público, insinua um convite ao embate e reforça significações de força e virilidade.

Esta imagem, se comparada com a da direita, parece buscar uma comunicação com

o público masculino. Já a figura a direita, onde o corpo do ator está mais aparente,

e a pose com a mão direita cobrindo parcialmente o rosto, simula timidez, parece

se comunicar melhor com as mulheres. Deixando o corpo masculino a mostra,

expondo uma sensualidade jovial, descontraída e marota.

• Mensagem Lingüística

A legenda do anúncio apresenta dupla função de revezamento e de

ancoragem. O “X” é entendido como texto, faz a função de revezamento, indicando

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a seleção de uma escolha. Já a frase “mark your spot” (marca o seu lugar) realiza a

ancoragem da imagem “X” reforçando a indicação de uma escolha através de uma

marcação. O nome do ator, também já a ancoragem da foto do mesmo, em um sinal

de identificação. A cor vermelha indica movimento, calor e sedução.

As palavras Calvin Klein e Underwear desempenham a função de ancoragem

da marca e da linha de produtos. Os caracteres escritos em fonte arial, na cor

branca, são simples, elegantes e modernos, além de proporcionarem fácil leitura, o

que fixa o olhar na marca. A palavra underwear em fonte de tamanho menor

hierarquiza a informação e dá destaque à marca em detrimento da linha de

produtos.

A cena enunciativa se dá de forma bipartida e apresenta duas imagens do

mesmo modelo, uma mais próxima centrada no rosto e no torso, e outra mais

distante, deixando ver quase todo o corpo. Na primeira imagem, tomando o lado

esquerdo do anúncio, o modelo focalizado com um zoom, coloca-se próximo ao

leitor, olhando diretamente para ele, com as mãos postas, à frente do tórax,

figurativizando uma posição de combate, gera o efeito de sentido de ação. O “X”em

vermelho e a frase “mark your spot” (marque o seu lugar, no sentido de “faça sua

escolha”), indica qual é a ação a ser desempenhada pelo leitor. Na segunda imagem,

colocada ao lado direito, o modelo encontra-se um pouco mais afastado, dando a ver

a maior parte de seu corpo, ou pelo menos aquela que mais interessa ser vista, o

rosto, o torso e os braços com músculos delineados, os quadris e a parte superior da

perna. Colocada de forma central, a imagem do ator (modelo desta publicidade),

assume a posição vertical, fazendo com que a leitura da imagem se dê de forma

descendente, iniciando pelo rosto semi-coberto por seu braço direito colocado a

frente, mas com um olhar direto que busca contado com o leitor, este, segue

descendo os olhos pelos braços e abdomem musculosos, chegando a cueca e ao

sexo. No que se refere a continuidade da imagem, o gestual dos braços do modelo,

também pode indicar a colocação de um sobre o outro formando um “X”,

identificando a escolha a ser feita, reiterando o efeito de sentido de ação. A sombra

produzida pelo movimento do braço esquerdo do modelo, bem como, a etiqueta

com um grande “X” centralizada na parte da frente do cós da cueca, indica onde se

dá ação. O “X” em vermelho e a marca Calvin Klein, posicionados sobre o torno do

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ator, e centralizado na imagem, como o ponto central de um alvo, ou mira,

evidencia qual é a escolha que deve ser feita.

A topologia geral da imagem assume a horizontalidade do padrão

widescreen dos computadores atuais, mostrando-se em conformidade com a

veiculação da publicidade na internet, porém a construção visual “interna” é dada

por duas imagens verticais, que dividem o anúncio de forma a representar duas

páginas de revista, reiteram a condição de verticalidade que se faz característica na

representação do masculino. A iluminação e a focalização em proximidade dos

modelos (mesmo em graus diferentes, ambas imagens se fazem próximas do olhar

do leitor) criam um efeito de sentido de proximidade, gerado principalmente pela

figurativização de corpos que não aparecem por inteiro, e confere altura e força

aos personagens, que ganham tridimensionalidade e parecem saltar do papel. A

diferença de zoom na focalização de uma imagem e de outra, dando impressão de

movimento, gera o efeito de sentido de dinamismo, convidando o leitor a participar

da ação e fazer sua escolha. O contrate de texturas, do fundo liso, assim como a

pele, com as ondulações dos músculos dos braços e do abdomem, além do volume

criado pelo pronunciamento do pênis na cueca, criam um efeito de sentido de um

convite ao toque. Ainda no plano topológico, a ausência de moldura, unida a

divisão da imagem, gera o efeito de sentido de continuidade da cena, como se

estivesse representado quadros de um filme, reiterando o dinamismo e o

movimento presentificados no anúncio.

No que se refere ao cromatismo, o “X” vermelho sobre a imagem do corpo

em preto e branco contribui para dar vivacidade à cena enunciativa e destaca o ato

da escolha. O vermelho também pode referenciar o calor gerado na ação, a

sensualidade e a tensão sexual criada no anúncio, usada como estratégia

recorrente de sedução, nas campanhas publicitárias de roupa íntima masculina. No

plano verbal a representação da letra “X” e a frase “mark your spot” evidenciam a

ação da escolha, complementadas pela marca Calvin Klein que indica como, através

de que produtos, esta escolha deve ser feita. O uso de personalidades de destaque

na mídia, assim como nas publicidades das décadas anteriores, também é utilizada

aqui, pela marca Calvin Klein para criar uma imagem identitaria para seus público.

Desta forma, neste arranjo discursivo, o leitor/consumidor pode se transformar em

objeto de desejo, pode se transformar no simulacro de corpo representado, pelo ator

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ou o desportista, também pode ser uma celebridade, é preciso apenas fazer sua

escolha, e usar uma cueca Calvin Klein, transformando-se ao por seu corpo dentro

dela. A estratégia de usar uma configuração estética simples e de fácil leitura, é

amplamente empregada na publicidade de marca, como explica Landowski:

(...) os anunciantes e suas agências publicitárias preferem nos oferecer imagens instantaneamente legíveis. Em forma de simulacros tão transparentes, e, portanto, aparentemente tão “verídicos” quanto possível, eles nos apresentam objetos dotados de um poder de enfeitiçamento imediato: corpos exemplarmente desejáveis que, para além da simples contemplação icônica, poderíamos diretamente ver, alcançar, tocar, se nos fosse concedido passar ao ato – ato da compra das mercadorias ou do consumo de serviços de toda espécie assim propostos. (LANDOWSKI, 2002. p. 145)

Também nesta publicidade, observa-se uma repetição de elementos que

remetem à erotização do corpo masculino, a beleza e a virilidade, porém aqui

observamos o que chamamos sensualidade ingênua. A divisão das imagens parece

buscar dois tipos de comunicação, um com o publico masculino e outro com o

feminino. O anúncio acima, assim como o mostrados desde a década de 1980, faz

uso do marketing de dupla abordagem, que visa tanto o público hetero como

homossexual. A marca não se identifica como voltada para o público gay, apesar de

fazer muito sucesso em entre ele, por isso busca elementos para trazer equilíbrio

para sua publicidade, como desportistas, jogadores de futebol e atores que se

declaram heterossexuais. A Calvin Klein explora a sexualização do corpo masculino,

transformando-o em objeto de desejo, sem com isso feminilizá-lo.

3.4 Análise dos Resultados: Breves Apontamentos

A metodologia de análise de imagem de Martine Joly, unida ao processo de

leitura da semiótica discursiva, mostrou-se muito útil para identificarmos como

aspectos socioculturais ligados a masculinidade foram construídos e propostos nos

seis anúncios publicitários escolhidos para formar o corpus da análise e

representar este processo de “reformulação”, ou adequação da identidade

masculina na contemporaneidade, percebida como tempo e espaço de múltiplas

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possibilidades, onde tudo é líquido120, provisório, fragmentado, anacrônico e

descontínuo.

A partir da aplicação da metodologia, podemos observar uma crescente

similaridade de diversos componentes da mensagem plástica entre os anúncios

observados, principalmente a partir da década de 1980, aonde presenciamos uma

maior erotização do corpo masculino. Presentes em quase todos os anúncios tipo

de quadro ausente121, fora de campo; enquadramento fechado; ângulo de tomada

contre-plongée; escolha da objetiva com distância focal longa; composição com

construção em profundidade; cores quentes e frias; dimensões grandes;

iluminação focada e orientada; contraste de texturas visuais e táteis. As

aproximações nos possibilitaram identificar que as marcas analisadas

procuraram, técnica e plasticamente, reforçar o imaginário complementar dos

espectadores, evidenciar a grandeza, a força, a expressividade dos objetos e dos

personagens na cena enunciativa, integrar de seus produtos com cenários em

perspectivas, referenciar no tempo e no espaço os contextos de suas mensagens,

além de instigar tátil e visualmente os sentidos dos leitores de seus anúncios

publicitários. Assim, as análises das significações plásticas nos mostraram como o

dispositivo plástico da mensagem visual é portador de significações bem

perceptíveis para construção imagética da masculinidade.

A análise da mensagem icônica dos anúncios, nos possibilitou observar

partes de elementos que estavam contidas nas imagens para designarem o todo

por contigüidade, bem como ausências de molduras que nos levavam

plasticamente à construção de imaginários que se desenrolam, dando continuidade

as cenas. Verificamos uma certa quantidade de elementos que podem ser

considerados significativos e associados às qualidades das marcas anunciadas,

através de representações históricas e socioculturais de objetos, posturas de

pessoas, lugares e/ou situações, entre outros elementos.

Desta forma, os significantes de primeiro nível mais correntes nos anúncios

analisados foram, identificação da marca, produtos em malha, para todos eles,

corpo masculino em leve evidência, nos dois primeiros, e em exposição explicita e

120 Esta frase faz alusão aos estudos de Baumam, Hall e Agamben. 121 Apenas na publicidade da marca Jockey, da década de 1970, há uma moldura, porém ela é formada pelo fundo branco da revista, dando ainda o sentido de continuidade ao anúncio, levando o espectador a completar a imagem.

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erotizada nos outros quatro anúncios; presença de pelos no corpo como forma de

expressão da virilidade vigente, nos anúncios das décadas de 1960 e 70, e corpo

depilado, pele lisa e brilhante na publicidade subseqüentes. Já as conotações de

segundo nível foram: conforto, identificação, status e qualidade, além de força e

virilidade, para todos os anúncios; No decorrer das décadas observamos uma

crescente significação da sensualidade, do desejo e a erotização do corpo

masculino.

A mensagem lingüística dos anúncios se destacou como ponto importante

na interpretação das imagens em seu conjunto, promovendo artifícios que

viabilizam a “interpretação correta do anúncio”. Observamos diferenças

significativas na escolha da tipografia, da cor, dos caracteres, bem como no

conteúdo lingüístico das mensagens analisadas. O anúncio da década de 1960 da

marca Jockey, mostrou-se mais didático, onde o texto desenvolveu relevante

função de elucidação das características e atributos da coleção, complementando

informação que a imagem não alcança. E informando um público que estava

começando a se familiarizar com as mudanças no vestir também da roupa íntima.

Já nos anúncios a partir da década de 1970, houve uma redução da informação

complementar, indicando um certo conhecimento do público sobre os produtos e

suas possibilidades de escolha. O que se intensificou a partir da década de 1980,

onde o destaque passou a ser dos produtos e da marca, que com seu discurso

passava a veicular e vender um estilo de vida e não uma peça de roupa do

vestuário.

As cenas enunciativas figurativizam simulacros de corpos jovens, sensuais,

desejantes e desejados. As construções imagéticas produzem, repetidas vezes, o

efeito de sentido de ação, dinamismo, proximidade e tridimensionalidade que

reiteram o convite ao toque, geralmente, iniciado pelo olhar do personagem da

publicidade, buscando a interação com o leitor. O discurso das campanhas

publicitárias de underwear masculino, euforizam valores como a auto-suficiência, a

liberdade, a independência, a autoconfiança do homem que pode mostrar seu

corpo desnudo, a força física e a virilidade, que aparecem revestidos de outros

valores, que lidos no nível mais superficial, constituem: o prazer, a sedução, a

sexualidade e o erotismo.

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Observamos que a mídia impulsionou a construção novas representações

do corpo, “novas” concepções de masculinidade, além de novas lógicas sociais de

compartilhamento coletivo, de aparência, de prazer e de estética, como algo que se

faz experimentar e compartilhar com os outros. Para Semprini (2010)

especialmente a partir dos anos de 1980 a comunicação empreende um

desenvolvimento e transformação que acabarão por modificar, para sempre, a

própria essência do espaço social, onde os mundos possíveis oferecidos pelas

marcas criam propostas imaginárias, um sistema de sentidos que funcionam como

estímulos e recursos para construir sua identidade.

Os simulacros de homens, de corpos apolíneos, amplamente veiculados nas

publicidades de underwear masculino, figuratiza um modo de ser e estar no

mundo, onde a masculinidade se constituiu a partir de uma nova dimensão: a da

estética, dentro de um contexto histórico e sociocultural complexo, dinâmico e

repleto de ambigüidades. Nesse contexto, o consumo se configura como peça-

chave para as relações pessoais, que passam a se dar pela aparência, os discursos

da moda instituem estilos de vida, e a publicidade se torna um campo privilegiado

de representações capazes de constituir “novas” possibilidades, ou alternativas de

“ser homem”.

Sant’Anna (2007) vê a publicidade como um “cimento” social, destaca que

ela faz parte da cultura de massa difundindo um corpo simbólico, um teia densa de

significados, manipulando mitos e imagens concernentes, à vida diária, à vida

imaginária e produzindo um sistema de projeções e identificações específico.

Entendemos o vestir como é uma estratégia adaptativa utilizada para participar de

uma experiência coletiva social, onde o discurso da marca se tornou uma

manifestação direta da interação do indivíduo com a sociedade em geral.

Observamos ainda, que estes discursos se dão, principalmente, no corpo e pelo

corpo.

O corpo se tornou o lugar das significações mais contundentes das “novas”

masculinidades contemporâneas. Isto não ocorreu apenas no masculino, mas é

nele que estas representações ganharam maior repercussão. Conforme Semprini

(2010), a “redescoberta” do corpo se dá a partir da década de 1960, mas é de 1980

em diante que o corpo se tornou o protagonista da cena social e do consumo. A sua

liberação progressiva de exigência e de censuras lhe permitiu se fazer notar e

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reivindicar uma atenção cada vez maior. A dimensão do corpo também está

associada às lógicas das marcas, tornado-o suporte de múltiplas questões

simbólicas. E essa dimensão simbólica é ainda mais dominante nos territórios do

adorno, da beleza e do erotismo, que fazem do corpo um verdadeiro instrumento

de socialização.

Transformado em forma expressiva, em substância comunicante, o corpo encontra na lógica de marca um vetor fundamental de valorização e de explicitação, como se a capacidade de formação de sentido, oferecida pelas marcas, permitisse aos diferentes aspectos do corpo pós-moderno exprimir-se com mais força e intensidade. Não é à toa que as marcas de produtos voltados aos aspectos do corpo (maquiagem, moda, produtos de beleza, lingerie) estão entre as mais prestigiadas, as mais procuradas, as mais apreciadas. (SEMPRINI, 2010, p. 68)

A publicidade viabiliza a introdução do consumidor num universo

imaginário, estabelecendo seus próprios valores estéticos em busca da persuasão

do mesmo, usa a sexualidade a fim de sustentar o desejo do consumidor, já que e

exatamente isso (o desejo) que nutre o sistema capitalista contemporâneo.

Segundo Lucy Niemeyer (2002), a sociedade capitalista é o lugar da sedução e o

sentido do signo simbólico é o ensejo do consumo impulsivo, da criação de

necessidades, da aceitação irrefletida da obsolescência de desejabilidade, assim

sendo, o projeto de um produto, seja ele um objeto de uso, um serviço, ou uma

publicidade, tem este sentido: sedução.

De acordo com Castilho (2004a) as contínuas ressemantizações do corpo

estimuladas pela moda visam a despertar a curiosidade no olhar do “outro”, dando

início às relações sociais mais variadas - em que imperam questões de “fazer-se

notar”, “seduzir”, “provocar”, “persuadir”, “tentar”, entre outras que englobam as

estratégias de manipulação regedoras do regime de visibilidade do sujeito. “As

ações citadas recobrem o corpo pela noção de um querer ser visto, em primeiro

lugar. Ao diferenciar-se com esse intuito, o sujeito desse corpo manifesta uma

noção de pertença a determinado grupo e a determinado discurso.” (CASTILHO,

2004a, p.108)

Baseados nestas afirmações podemos compreender porque os discursos

das marcas apresentadas nas publicidade acima obtiveram êxito, pois promoveram

uma revolução na forma de representar e expor o corpo masculino e traduzindo a

masculinidade na segurança e ser e se sentir belo. A inserção da sua imagem

veiculada nestes anúncios, convida os espectadores a projetar fantasias sobre si

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próprios, fantasias de adorar ou ser adorado, de ser catapultado para a fama, de

obter sucesso na rigorosa sociedade da aparência. Conforme Landowski (1992) as

estratégias de manipulação constituem formas de fazer o sujeito fazer, no uso das

táticas da sedução e da provocação institui-se a construção do simulacro do sujeito

incapaz, cuja intencionalidade é levá-lo a se transformar em um sujeito do

fazer. A publicidade usa da estratégia de sedução para levar o leitor a se esforçar

para corresponder ao simulacro positivo que é atribuído a figura presentificada na

imagem nesta relação intersubjetiva.

Observamos então, que pelo discurso da moda, que segundo Ana Claudia de

Oliveira (2003), configura-se pela adoção constante do novo, tornaram-se

possíveis alterações na representação da masculinidade, onde a erotização do

corpo forte e robusto do homem torna corrente a modificação de uma virilidade

que não é mais sinônimo de violência explícita. Mas, sim de segurança e

autoconfiança em expor seu corpo para apreciação, tanto como modelo de

representação identitaria, como objeto de desejo.

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Capítulo 4 - O HOMEM DE CUECAS

Neste capítulo abordaremos a relação Moda, publicidade de underwear,

esporte e corpo masculino, buscando mostrar quem é o homem que aparece nestes

anúncios e que constrói uma imagem de corporiedade que é colocada como

modelo para o homem contemporâneo ser e estar no social.

4.1 Moda, Publicidade e o Corpo Masculino

A Moda, fenômeno de natureza efêmera, necessita de renovação constante,

e se apresenta como um dos principais exemplos das táticas de sedução do

mercado de consumo contemporâneo. Pelo discurso da moda, as marcas, buscam

criar um ideal identitario para seus consumidores, que imbuídos pela necessidade

de renovação do eu, compram produtos mais pelo seu valor simbólico do que pelo

objeto em si. Conforme Miranda (2008) a moda e a publicidade prometem beleza e

sedução, utilizando-se dos desejos do seu público e de uma linguagem específica,

afirmam as qualidades de produtos ou marcas como realizadores de sonhos.

A moda, tomada como a malha de articulações, faz uso de discursos que

fundam a percepção de contemporâneo, como, dinamismo, globalização,

fragmentação, simultaneidade, anulação do tempo e do espaço, tornado-se palco

para importantes transformações e construções sociais, onde um novo sujeito

contemporâneo ao se aproximar dela não consome apenas produtos e objetos mas

também imagens, modelos diferenciados de corpos, estilos de vida, enfim, passa a

assumir, os simulacros por ela apresentados, como seu “novo” modo de ser e

mundo.

Elizabeth Wilson (1985) diz que a moda não nega as emoções, apenas as

desloca para o reino da estética, em um mundo onde vivemos adornados de

sonhos, movimentados pelos desejos. Neste mundo, as imagens são peças-chave

na atuação da publicidade, buscando a identificação dos sujeitos com as marcas a

partir de várias estratégias aplicadas aos meios de comunicação de massa. Dentro

de um processo dialógico a imagem pode ser considerada, ao mesmo tempo,

produto e agente, pois permite contextualizar as relações estabelecidas na

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sociedade com os discursos que ela própria contém. A imagem de moda, dissemina

simulacros que interferem diretamente na constituição dos pareceres dos sujeitos,

e de sua forma de se fazer nesse mundo, como explica Ana Claudia de Oliveira:

A moda como a nascente de sentido do sujeito ou como a fundação de sua identidade é uma possibilidade de estudo que em muito ultrapassa o seu entendimento como um dos mecanismos mais artificioso da sociedade de mercado e de consumo e permite compreendê-la como a possibilidade além e aquém da emancipação individual. (...) Contextualizadas, as criações da moda multiplicam identidades seriadas do mesmo, do diferente, enfim, de tipos para ser adotados pelos usuários. Nessas várias direções identificadoras, a moda muito tem colaborado para o entendimento da complexidade do sujeito moderno. (OLIVEIRA 2005 p.62)

As transformações culturais direcionam a moda a entender o homem num

dado tempo e espaço, assim, moda se utiliza de imagens para constituir e

disseminar seu discurso no contexto sociocultural vigente, as intervenções entre a

moda, seu tempo e espaço dialogam com os acontecimentos mais marcantes de

cada época, caracterizando uma visão holística, por onde passam mudanças nos

padrões sociais e o questionamento dos valores pregados pelas gerações

anteriores.

As sociedades modernas são essencialmente sociedades de mudança

constante e rápida, a revolução tecnológica e a globalização causaram um impacto

sobre a identidade cultural. A aparência tornou-se elemento fundamental da

relação dos sujeitos e constituição dos mesmos, funcionando como mediadora das

relações sociais, ela faz surgir um homo estheticus, que desloca suas emoções para

objetos e símbolos, consumidos muito mais pelo que representam, do que por sua

utilidade. “Na dinâmica da moda, o sujeito moderno adquiriu a legitimidade de

viver da aparência, de abandonar a religião, os ideais revolucionários e políticos,

de buscar mais o prazer de viver do que sua compreensão. É na aparência que o

sujeito moderno encontra o porquê de viver.” (SANT’ANNA, 2007, p. 88)

Ana Claudia de Oliveira nos leva a identificar na velocidade e na diversidade

da moda, a potencialização da “atualização” dos sujeitos, que, em ciclos cada vez

mais curtos, são colocados face a face com um outro, multifacetado, e que lhe

apresenta “novas”possibilidades de parecer.

O afrontamento de um eu com um outro é o que irrompe na continuidade do ser a possibilidade mesma do seu advir um sujeito

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transformado. O outro que as modas exibem faz-se então necessário para, nas relações face a face com as proposições da moda, o sujeito adquira competência para ousar ser um ser diferente de si, ou ousar se manter ele mesmo. São enfrentamentos previstos que promovem encontros definidores dos sujeitos nesse mundo globalizado. (OLIVEIRA, 2005 p.63)

Desta forma, a superfície, a aparência, o exterior, reconstroem imagens do

ser a partir de elementos externos, carregados de signos, que são atribuídos a ele,

funcionando como agente social e construindo sujeitos aptos à modernidade.

Na configuração social em que o sujeito moderno está constituído como tal, para sua integração na sociedade é importante a adequada manipulação das fichas simbólicas e disto decorre que a possessão dos objetos, materiais e imateriais, torna-se mais do que simples aquisição feita aqui ou acolá. (SANT’ANNA, 2007, p.51)

Para Moraes (2008) hoje, mais do que nunca é necessário estimular

constantemente as vendas através da diferenciação pelo design, pela publicidade e

pela comunicação, devido à mudança do cenário, que passou de estático para

dinâmico, complexo e de difícil compreensão. Onde para projetar uma oferta global

é necessário relacionar todos os aspectos materiais e imateriais de um produto ou

serviço através de sua imagem.

Assim, sofremos mutações e nos transformamos na sociedade moderna da

“supervalorização do olhar” para Sevcenko122, das “relações pela aparência” para

Sant’Anna123 e da “liquefação e fluidez” para Baumam124, onde o que vemos são os

sujeitos se relacionando a partir de símbolos exteriores, das qualidades de

mercadorias ou objetos que ele ostenta e agrega a si.

Conforme Caldas (1997) a publicidade da moda masculina busca criar uma

identificação entre o produto e o consumidor por meio de campanhas que falem

dos temas presentes no imaginário do homem contemporâneo, como a busca de

identidade, a redescoberta de si, o narcisismo e o homem como objeto de desejo,

entre outros.

A imagem de moda usa a figura de diferentes sujeitos nas publicidades, para criar padrões identitarios que levem outros sujeitos a fazer escolhas, a partir de

122 SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 123 SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria da Moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das Letras, 2007. 124 BAUMAM, Zigmunt . Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar. 2001.

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sua subjetividade, configurando assim, sua nova aparência, seu novo parecer, conforme explica Eric Landowski:

(...) as formas que a moda (como fenômeno geral) articula diferencialmente (diversificando-se na proporção da variedade dos segmentos do público que ela toca) agem, pelo menos em teoria, tanto como máscaras, quanto como reveladores: se elas servem o mais das vezes para dizer as identidades, elas podem, por outro lado, se transformar a cada instante em meios de as travestir ou de as simular. (LANDOWSKI, 2002, p. 96)

A moda configura, portanto, um processo de modificação constante da

aparência, estimulando a identificação e diferenciação por meio de mudanças

cíclicas em relação às preferências e escolhas do sujeito no seu modo de ver,

perceber e manifestar seus valores individuais e sociais. O discurso da moda é

apresentado, pela publicidade, como uma história, que trata de transformar

sujeitos em sujeitos-consumidores que internalizam, como seus próprios, os

valores simbolicamente construídos para os produtos. Para isto, as marcas buscam

se utilizar de imagens positivas dentro de seu contexto sócio-cultural.

4.2 – Publicidades de Underwear e o Esporte

O esporte faz parte das publicidades de moda desde o início do século XX,

pois ele é capaz de transmitir as virtudes e imagens para emular comportamentos,

se você se identifica com a pessoa, ou busca encontrar características semelhantes

a ela.

O esporte é uma forma poderosa e significativa da cultura, pela qual se

constrói e se legitima a masculinidade, pois de acordo com Connell (1995) a

natureza física do esporte tem um significado especial, devido ao elo mental entre

poder social e força física, no qual o esporte é uma importante arena, onde a força

física e a robustez, são entrelaçadas para formar um masculinidade hegemônica.

Levando-nos a perceber que as mensagens culturais prevalecentes se utilizam do

esporte para celebrar a forma idealizada de masculinidade.

A princípio (nas décadas de 1920 e 1930) as empresas divulgavam as

qualidades de seus produtos, como durabilidade, elasticidade e conforto, para a

prática de esportes, como podemos observar na figura 55.

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Figura 53: Anúncio underwear Rockinchair da década de 1920

Fonte: http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1920s.html

A publicidade, ROCKINCHAIR Athetic Underwear for Men & Boys, apresenta

as palavras Good Service, em destaque, seguido por “from underwear is yours with

Rockinchair” (um bom serviço de underwear é seu com Rockinchair) fazendo uma

alusão a prática de tênis. O texto na seqüência da publicidade explica as

características das formas e materiais. Os retângulos com setas dão destaque aos

elementos que atribuem conforto e agilidade, facilitando a prática de esportes.

Já na década de 1940 as publicidades começam a trazer a imagem de

desportistas associadas aos seus produtos, como sinônimo de força e

confiabilidade, criando uma imagem de identificação e personificação de virilidade

e masculinidade desejável. Nesta época os anúncios publicitários também usam a

relação entre a boa aparência e o sucesso, incitando o consumo de produtos

supérfluos, que extrapolavam a sua condição de atendimento às necessidades

básicas do consumidor, prometendo uma identificação com o modelo, no caso o

desportista, do anúncio.

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Figura 54: Anúncio Jockey década de 1940 Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/ archives/adgallery/1940s.html

Figura 55: Anúncio Munsignwear década 1940 Fonte:http://www.vintageskivvies.com/pages/archives/adgallery/1940s.html

A primeira publicidade (figura 45), da marca Jockey, destaca que há apenas

um Byron Nelson125, assim como há apenas um Jockey underwear – There is only

one Byron Nelson; There is only one Jockey underwear. O texto da publicidade

enfatiza o sucesso do jogador e explica as qualidades do produto, também de

sucesso já que a Jockey era a marca mais comercializada no momento. A segunda

publicidade (figura 46), MUNSINGWEAR The Action Underwear for Active Men,

aborda a importância do underwear para o homem que pratica esporte, dizendo

que “Para jogar golfe, como Frank Strazza126, certifique-se de se vestir como ele

esta vestido (To play golf like Frank Strazza Be sure to dress like this).

125Byron Nelson - Premiado jogador de golf americano, lembrado por ter vencido 11 torneios consecutivos e 18 torneios no total em 1945. 126 Frank Strazza - Outro importante jogador de golf americano.

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Os anúncios de underwear continuaram a apresentar as característica da

masculinidade desejável para os consumidores heterossexuais, no entanto, as

imagens da masculinidade começaram a sofrer alterações. Na década de 1980, as

marcas passam a usar a imagem do desportista como a imagem do corpo a desejar.

É também nesta época que se difunde o hábito de ir das academias de ginástica e

costume de culto ao corpo como forma de escultura. A imagem abaixo, faz parte da

seqüência de anúncios, iniciada com a publicidade mostrada nas figuras 32 e 46, da

marca Calvin Klein, com o atleta olímpico Tom Hintnaus para o lançamento da linha

underwear.

Figura 56: Anúncio Calvin Klein underwear da década de 1980 Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk

A publicidade da Calvin Klein Underwear mostra o modelo como um “deus

grego”, um Adônis bronzeado, despindo sua camiseta e expondo seu corpo para

contemplação. Em segundo plano uma rocha branca contra um fundo de céu azul,

destaca seu corpo bronzeado, que por sua vez, destaca o produto principal, a cueca

branca. Através destas imagens feitas na ilha grega de Santorini, com o modelo

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Tom Hintnaus127, a Calvin Klein glorifica a masculinidade, erotiza o corpo

masculino e transforma seus produtos em objeto de desejo. A marca faz uso da

imagem de um corpo delineado pelo esporte, um corpo sem rosto (nesta imagem),

que se evidencia pela sua própria valorização, em um dialogo com a escultura e os

valores da beleza grega, um corpo que se põe a ver como objeto de desejo. Assim, a

Moda se une a símbolos do esporte em prol da estimulação do consumo, tornando-

se capaz de incitar os sentidos, inflamados por imagens de beleza saudável, sexy,

cheia de força e com conotações de sucesso.

Esse estágio de abordagem do desejo de consumo perpassa pelos estímulos sensoriais do corpo do consumidor na identificação com o corpo da cena, ou seja, no anúncio publicitário. O desejo, no contemporâneo, é trabalhado como veículo de contaminações desejantes, em que a vontade de posse passa a exigir a obtenção do corpo, como um enlace identificador entre a representação do corpo na publicidade e o publico. (GARCIA, 2005, p.51)

Vemos que iconografia da masculinidade vem se transformando e sofrendo

modificações na publicidade de roupas íntimas, passando de métodos que

proponham dissimular para os que desejam destacar a natureza erótica do corpo.

Esta publicidade da Calvin Klein, inaugura um novo modo de expor e ver o corpo

masculino, mostrando um corpo atlético para estimular o consumo, pela busca da

identificação com o imagem apresentada. O uso da figura do esportista traz o

equilíbrio para publicidade não ser entendida como voltada para o público gay. O

sociólogo Pedro Paulo de Oliveira (2004) explana sobre a relação do esportista e a

identidade masculina heterossexual, afirmando que não se questiona sua

masculinidade, ele (o atleta) é exemplo de força, virilidade e resistência,

qualidades atribuídas ao homem dentro do contexto sócio-cultural vigente, e ainda

destaca que a virilidade é considerada oficialmente hetero, principalmente nos

esporte coletivos, onde há contato intenso entre os atletas. Embora a intenção da

marca Calvin Klein não seja focar o público gay128, a visualidade e a figuratização

dos corpos expostos em suas publicidades atendem um masculino que aceita olhar

e construir valores de reedição ou redesign da aparência e comportamento

masculino na contemporaneidade.

127 O saltador olímpico nascido no Brasil e naturalizado norte americano, filho de imigrantes tchecos e que ganhou fama nos Estados Unidos. 128 A Calvin Klein não se posiciona no mercado como uma marca voltada para o público homossexual, embora tenham grande aceitação neste nicho de mercado.

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159

4.3 Os Jogadores de Futebol e a Publicidade de Underwear

Parte integrante da trama social, a moda articula diferentes significados que

nos permiti discutir de modo mais complexo a produção simbólica em geral, sob

este aspecto, podemos iniciar uma discussão investigando como a moda e a

publicidade usam a imagem do esporte, ou melhor, dos esportistas associando-os a

diversas marcas.

A moda articula os conceitos, atitude e diferenciação, sempre visando às

fantasias e desejos de seu consumidor. Para Lipovetsky (1989) a mídia

potencializou a valorização da sedução, do elemento lúdico, em contraste com o

discurso persuasivo. Essa sedução não faz o indivíduo racionalizar, mas faz rir ou

chorar, pega pelo desejo. Assim, é preciso que este consumidor, ao ver a

propaganda de uma marca, identifique-se com a personalidade que estampa ou

representa essa marca, e que nele surja o desejo de ter as qualidades da

celebridade. Entendemos por celebridade, uma pessoa amplamente reconhecida

pela sociedade, a palavra deriva-se do latim celebritas, sendo também um adjetivo

para célebre, que quer dizer "famoso, celebrado". O uso midiatizado da figura do

esportista pode ser considerado um novo paradigma visual com analisam Gabrielli

& Hoff:

A ênfase atribuída às imagens — a sociedade contemporânea fundamenta-se no espetáculo — implica uma outra performance do corpo, adaptada às atuais exigências da visualidade e de visibilidade, a proliferação e a divulgação de imagens de corpo de atletas pela mídia constituem aspectos a ser considerados na possível criação de um novo paradigma visual. (GABRIELLI & HOFF, 2007. p. 115)

O uso de jogadores de futebol é um exemplo de como a imagem da

personalidade seduz os consumidores, pois, sua imagem geralmente esta ligada à

superação, à novas oportunidades, ao sucesso, à persistência, ao ideal de realizar

sonhos e, principalmente, ao que incentiva os consumidores: vitórias. As

representações do corpo do atleta na mídia, nos levam a identificar aspectos do

imaginário de corpo na atualidade que fazem referência à idéia de superação dos

limites físicos e sociais. Em seu estudo intitulado “A fabricação dos ídolos

esportivos”, Fátima Maria Pilotto (2000) explica que o fenômeno esportivo, através

de seus feitos heróicos, articula um padrão de identificação que faz com assumamos

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um determinado tipo de subjetividade. Para a autora, a forma como estes ídolos são

representadas nos meios de comunicação de massa irá exercer algum tipo de

influência (mesmo que apenas de reforço) sobre modo do sujeito ser em sociedade,

pois eles (os esportistas) ocupam uma posição privilegiada na definição dos papéis e

tipos sociais, e isso acarreta conseqüências reais em termos de como as pessoas acham

que podem e devem se comportar.

A medida que consome, o indivíduo agrega a si valores atribuídos a

produtos ou marcas, constituindo a atualização do eu a partir de algo novo,

buscando criar uma identidade. “Numa sociedade de consumo, compartilhar a

dependência de consumidor – dependência universal das compras - é a condição

sine qua non de toda liberdade individual; acima de tudo da liberdade de ser

diferente, de ter identidade.” (BAUMAN, 2001, p. 98)

Para Mario Queiroz (2009), o esporte na moda pode significar o desejo de

se vestir de herói e de se exibir como tal, o autor destaca ainda, que no século XX os

atletas brilharam como heróis, pois representam a superação física e a

possibilidade de vitória, sendo o futebol, sem dúvida, um dos mais importantes

esportes da atualidade e seus jogadores, ídolos da juventude. A fabricação destes

ídolos do futebol não ocorre apenas em função de sua performace em campo, ela se

dá através de um processo maior, que envolve publicação sistemática de artigos,

publicidades, narração de jogos, comentários de especialistas, que põe em

destaque qualidades e atributos distintos desses sujeitos e que os configuram

como especiais. Fátima Maria Pilotto, afirma que estas considerações mostram que

a construção de um ídolo, ocorrem também quando os textos jornalísticos

abordam de seus gostos, seus bens materiais, e sua intimidade, destacando outras

dimensões desses sujeitos, que são igualmente postas em destaque para associá-

las ao seu talento e é tudo isto que interfere na sua fabricação como ídolo. “Olhar

para os/as atletas como ídolos significa atribuir-lhes uma essência que está

diretamente ligada ao mundo das paixões, ao mundo da alma, a algo que não

estaria num plano material, mas sim num plano espiritual. [...] eles são ao mesmo

tempo sujeito e objeto, espírito e matéria, gente e coisa. (PILOTTO 2000, p. 11)

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Estes ídolos são recriados pelos meios de comunicação de massa,

transformando-se em reis, imperadores, fenômenos, bons moços129, entre outros.

De acordo com Pereira (2008) esses tipos são apresentados de acordo com os

interesses que as marcas que representam (sejam elas de moda ou seus próprios

clubes), podendo também ser apresentados os demais tipos de um jogador

(marido, religioso, filho, amigo) quando o interesse comercial se faz presente.

Nesse contexto, tanto o tipo “jogador de futebol profissional” quanto seu público

passam a viver em um mundo de consumo permanente de tudo aquilo que foi

associado a sua imagem.

Este uso se torna possível porque o futebol é contexto para exorcizar as

faltas e, de forma identitaria, refletir os desejos e possibilidades de ascensão. Nos

anos após Copas do Mundo nas quais a Seleção Brasileira de Futebol saiu vitoriosa

(1958, 1962, 1970), houve efeitos sobre o país, gerando a imagem de campeão, de

um povo orgulhoso identificado com a vitória, deixando em segundo plano a

imagem dos problemas econômicos, do endividamento externo e da conduta pouco

democrática do Estado.

Após o resultado da Copa de 1958, quando o Brasil ganhou sua primeira

Taça, alguns jogadores da seleção brasileira fizeram sua primeira campanha

publicitária, veiculada na revista O Cruzeiro em agosto do mesmo ano130. Tratava-

se de um anúncio de roupas esportivas masculinas da empresa Ramenzoni, aonde

apareciam os jogadores, elegantemente vestidos com as peças da referida empresa,

e o texto: “Ídolos de milhões de torcedores ... campeões também de elegância.”.

Em 1994 e 2002, anos nos quais a Seleção Brasileira de Futebol também foi

vitoriosa, a figura do Brasil era de um país que continuava a gerar talentos e a se

desenvolver econômica e politicamente. Seus atores passaram a ser chamados de

“fenômenos” pela sociedade que os constrói e consome sua imagem, que se

apresenta como a possibilidade e liberdade de escolha para consumir os sonhos e

os produtos que lhes são ofertados.

Em entrevista das à rede Globo de televisão, apresentada no dia 6 de junho

de 2010, o ex-jodador da Seleção Francesa Emmanuel Petit, falou que o futebol tem 129 Estes são codinomes ou “títulos” dados aos jogadores pela mídia e ratificado pelos fãs. Como por exemplo o título de rei do futebol dado a Pelé, imperador para o jogador Adriano, fenômeno para Ronaldo ou bom moço, como é conhecido o jogador Kaká. 130Fonte: museu do futebol, anexo ao Estádio do Pacaembu – São Paulo. www.museudofutebol.org.br

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o poder de reunir as pessoas. Antes da Copa do Mundo de 1998, a França estava

imersa em diversos conflitos internos, problemas com imigrantes, xenofobia, etc.

Mas, a seleção ganhou a final contra o Brasil, todos se reuniram no Arco do Triunfo

para comemorar. Ele ainda afirma “o futebol consegue o que nenhum político tem:

consegue unir as pessoas”. Já Joseph Blatter131, em seu discurso de abertura da

Copa do Mundo de 2010, disse que “o futebol é mais do que um jogo, ele tem o

poder de conectar as pessoas”. Esse sentimento de euforia gera um campo propício

para criação de subjetividades identificadoras, modelos de sucesso a serem

seguidos.

“Tais elementos passam a ser considerados semiose, assumindo, portanto a

função de significação, exibindo e constituindo subjetividades aparentes, que serão

vistas como sinais a serem decodificados, apreendidos e, simultaneamente, como

objeto de consumo.” (CASTILHO, 2009, p. 110)

Ao falar sobre o uso da imagem dos esportistas na publicidade, Kathia

Castilho e Sylvia Demetresco (2007) observam que eles foram vistos como sujeitos

competentes, figuras queridas, mas que:

Em algum momento, no entanto, percebe-se que eles tornaram-se os próprios ícones da moda. Referências das atitudes masculinas, modos de se vestir ou de se comportar, são eles, os homens agora que criam o desejo de consumo. Com seus corpos esculturais, transformados, em imagens que estão presentes em todos os veículos da mídia [...].É a aparência construída por meios referenciais que adjetivam a masculinidade burguesa que se observa na fundamentação das imagens que veiculam os novos sentidos do ver e perceber este novo cenário onde o sistema da moda e do luxo são ressignificados por corpos redesenhados por musculaturas viris.

A publicidade amplia esta imagem quando usa a figura do corpo do jogador

de forma erotizada, criando corpos desejantes e simbolicamente desejados. “Essa

positividade em relação ao corpo faz dele um ícone do contemporâneo, que

atualiza as mensagens publicitárias”. (GARCIA, 2005, p.48)

Este uso sexualizado da imagem do corpo do esportista incitando o desejo,

vai dar início a uma nova categoria na publicidade, fenômeno conhecido como

“Sporno”. David Haskell (2006), em sua lista das melhores ideias para o novo ano,

publicada em dezembro de 2006 no The New York Times, apresenta este

131 Joseph Blatter é e presidente da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado) desde 8 de Junho de 1998, sucedendo o brasileiro João Havelange.

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neologismo criado por Mark Simpson132. E explica que o “sporno” é a tendência de

uso de jogadores de futebol e seus corpos expostos de forma a criar uma imagem

agradável e ganhar grandes lucros para as marcas, utilizando dois elementos da

cultura contemporânea: o culto do corpo e gosto de ser exibido. O escritor define

“sporno” como “literalmente o lugar onde o desporto e a pornografia se encontram

e que produzem um fluxo espetacular de dinheiro."

A marca Calvin Klein iniciou este uso sexualizado da imagem do desportista,

mostrando um corpo com músculos aumentados, delineados pela prática do

esporte, criando um simulacro de corpo desejado, que ao encarrar o

consumidor/leitor, olhos nos olhos nas publicidades, torna-se também desejante.

Com esta estratégia a marca obteve sucesso de mercado, tornado-se copiada por

outras marcas do mesmo segmento, com Armani e Dolce e Gabbana. Analisando as

imagens publicitárias das mesmas, detectamos um diferencial da forma de

apresentação destes corpos: a Calvin Klein usa como estratégia midiática a

exploração de diferentes celebridades em suas campanhas, mudando seus garotos

propaganda a cada campanha; a Armani elege uma imagem de destaque na mídia e

a usa em repetidas campanhas, fixando sua imagem de marca a um determinado

ídolo, geralmente um jogador de futebol; e por fim a Dolce e Gabbana, usa a

imagem do coletivo, optando por elementos de um determinado time ou seleção

esportiva, como estratégia de comunicação e identificação com seu público, como

exposto abaixo. Conforme Semprini (2010), cada marca tem uma característica

distintiva que faz com que um mesmo objeto seja percebido de uma forma distinta

de acordo com a marca que o anuncia.

Este novo recurso da publicidade, unindo aspectos de beleza, esportes e

erotismo presente em muitos dos anúncios de moda, não se trata apenas de usar

uma pessoa que está associada a valores como sucesso, riqueza ou poder, constitui

mais uma guinada para a sua estratégia de venda e persuasão, usando o corpo

erotizado de atletas famosos semi-nus, para a atingir a meta de levar o produto ao

consumidores, agregando a eles o poder e a sensualidade mediados pelo uso dos

mesmos. Como podemos observar na imagem abaixo (figura 59), na qual o sueco

132 Jornalista e consultor de marketing britânico, também conhecido por ter criado outro termo famoso em 1994, o "metrosexual".

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Fredrik Ljungberg, ex-jogador do Arsenal, eleito o melhor da Premiership em 2003,

está apenas de cueca em pose insinuante para marca Calvin Klein.

Figura 57: Anúncio Calvin Klein underwear com jogador de futebol Fredrik Ljungberg Fonte: http://www.advertisingarchives.co.uk

Podemos entender então, “sporno” como a união entre esporte e erotismo,

resultando em campanhas de marketing eficaz. Ou seja, todas as cenas que vemos

em outdoors, catálogos, revistas e comerciais de televisão de jogadores com corpos

atléticos, em poses sensuais e muito pouco roupa, não se trata de uma imagem

voltada para o público homossexual, mas uma tendência que faz dos atletas novos

ícones da publicidade de moda.

De acordo Castro & Díaz (2008) esta tendência de usar estrelas do esporte

com corpos que parecem esculturas, como novos símbolos sexuais do mercado

publicitário institui desejos que se refletem em milhões de pessoas, incluindo o

consumidor da comunidade gay. Também por isso, a união com os esportes se faz

importante. Os valores tradicionais associados com ao desporto, como força,

virilidade, sucesso, poder, saúde, atribuídos ao modelos da foto, minimizam os

questionamentos sobre sua sexualidade. Afinal, tradicionalmente, não se questiona

a masculinidade de um esportista.

Guillermo Espinosa (2007) complementa que, o corpo nu de um atleta não

seria surpresa para nós: ele tem sido reproduzido em quase todas as fases da

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história. Basta mencionar a arte Helênica, as esculturas neoclássicas, fotografias de

Muybridge e Marey no início século XX ou de filmes nazistas de Leni Riefenstahl,

como “O Triunfo da Vontade” (1936). O uso do corpo dos atletas com outros fins

artísticos ocorre em ciclos, agora vivemos um período em que re-avaliar a

figuração em geral e do corpo humano em particular e isso, evidentemente,

favorece aqueles que têm um corpo bonito, e seu uso comercial faz dos atletas os

novos "heróis, ao modo clássico". O tipo de homem atleta de beleza saudável, sexy,

cheia de força e com conotações de sucesso e dinheiro, é um legado dos anos

oitenta, inspirada no trabalho de grandes fotógrafos como Bruce Weber. A partir

destes trabalhos, o corpo nu do homem não é mais um tabu social e muito menos

comercial.

Após a exploração econômica tradicional do corpo feminino vem outra

revolução, que também tem a aprovação dos fãs heterossexuais masculinos: seus

ídolos também querem ser admirados por construção física. “A moda de "Sporn" ou

"deporno", esportes e pornografia (ou erotismo) se unem para ligar motores das

vendas com o calor dos corpos. Os atletas, são novos ícones sexuais e nossas raízes

greco-latinas são a tendência publicidade133”. (ESPINOSA 2007)

O “sporno” é material fecundo para o

marketing aberto tanto para olhares

hetero, como homossexuais, mas sem que

com isto levante questionamentos sobre a

masculinidade dos modelos. Na imagem da

propaganda Dolce & Gabbana Underwear

de 2008 (figura 60), vemos abertamente o

apelo homoerótico, não há nenhuma

tentativa de difundir a percepção da

sensualidade masculina, os corpos dos

modelos brilham com o suor, suas pernas

estão afastadas, trata-se de um convite a

apreciação do corpo masculino.

Figura 58: Anúncio D&G underwear com jogadores da seleção italiana futebol 2006 Fonte: http://radaris.com/p/Guy/Oddo/&usg ____________________________________________________________

133 Tradução livre: La moda del 'sporno'. O 'deporno'. Deporte y pornografía (o erotismo) se unen para calentar motores, cuerpos y ventas. Los atletas, como nuevos iconos sexuales. Es la tendencia publicitaria a partir de nuestras raíces grecolatinas.

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Esta ação de marketing no campo do underwear masculino, estabeleceu o

consumo baseado na identidade da masculinidade que se encontra em

conformidade com a contemporaneidade, ou seja está aberta a múltiplas

possibilidades e olhares. A própria natureza do underwear - oculto e inominável -

tornou o produto ideal para a representação visual da transformação das crenças

sobre a masculinidade. Os esforços para atrair "olhares múltiplos", mostram aos

consumidores corpos em representações ingênuas e esteriotipadas de

masculinidade, unindo beleza à celebridades dos esportes quase nuas como uma

nova forma de persuasão.

Dentre os jogadores de futebol que tem parceria com a moda, o de maior

destaque internacional é o inglês David Beckham. Ele é um dos ícones dos esportes

reconhecido por seu talento no campo e seu estilo fora dele, tornou-se um sex

symbol combinando vaidade com a virilidade. Sob o título de a figura do

metrosexual, representa uma noção de masculinidade moderna: forte, apto e

saudável, mas também é sensível, atencioso e preocupado com sua imagem. É um

homem confiante em si e em sua aparência. David Beckham também foi descrito

por Mark Simpson como o “rei do sporno”, quando fez fotos (na praia de Malibu,

Califórnia) para campanha de publicidade de roupas íntimas da Emporio Armani

para o Outono/Inverno de 2008 (figura 61).

Figura 59: Anúncio Empório Armani underwear com jogador David Beckham Fonte: http://a11news.com/224/

Segundo Mário Queiroz (2009), David Beckham é o maior símbolo da

relação entre futebol e moda, pois além de atuar como garoto-propaganda de

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várias marcas e ter seu nome vinculado há vários produtos, também aparece em

editoriais de moda.

Um exemplo de adesão coletiva de jogadores e a moda foi a união da

Seleção Futebol da Itália e a grife Dolce & Gabbana (figura 62). Pouco antes da Copa

do mundo de 2006 a marca lançou uma campanha com fotos dos jogadores Fabio

Canavarro, Gennaro Gattuso, Andrea Pirlo, Gianluca Zambrotta e Emanuele Blasi,

dentro de um vestiário. A marca buscou explorar a personalidade esportiva e a

virilidade de cada um dos jogadores fotografados, para agregar valor a seus

produtos. A cena de dá em um vestiário, provavelmente de um estádio de futebol,

nela aparecem os jogadores e ídolos134 da seleção italiana, com corpos suados,

indicando a prática recente do esporte, e usando apenas cuecas brancas com listras

vermelha e verde, indicando a nacionalidade do time, olhando diretamente o

consumidor/leitor, convocando a interagir com eles, a participar do jogo. A barra

de madeira, na qual dois jogadores se apóiam, faz referência ao falo, reiterando o

efeito de sentido de virilidade, mostrada também na postura e na feição dos

jogadores. Demonstrando que o convite é para que os homens façam parte do

grupo, a partir da posse de produtos que o tornaram tão atraentes como eles, aos

olhares femininos. Destacamos ainda, a questão da imagem se dar em um vestiário,

local que tem seu uso recorrente em publicidades de underwear masculino,

tradicionalmente um espaço interditado para as mulheres, e que

conseqüentemente estimula o imaginário feminino.

Figura 60: Anúncio D&G underwear jogadores da seleção italiana futebol 2006 – vestiário Fonte: http://realnob.blogspot.com/2010/04/adones-collaboration-dolce-gabbana_07.html

134 Na Itália, assim como no Brasil o futebol é um esporte de destaque inflamando multidões de torcedores.

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Também em 2006 a Dolce & Gabbana tornou-se responsável pelos trajes

que a Seleção Italiana usaria fora do campo durante a Copa. De acordo com

Giuliana Sirena (2008) os italianos possuem um forte apelo à arte visual enraizado

em sua cultura, evidenciado nos monumentos arquitetônicos, museus, igrejas e na

conservação da história de cada cittá. Conseqüentemente, esse cuidado com aquilo

que é exposto aos olhos, a exuberância das formas refletiu na moda e no

imaginário do lugar. Sendo assim, D&G usa o corpo masculino, sempre cercado por

uma atmosfera extremamente sensual, o que gera fascínio às mulheres e

admiração das torcidas. Após a bem sucedida parceria com o campo, a grife

estendeu seus olhares para areia, e fez uma campanha também com a Seleção

Italiana de Futebol de Areia, como podemos observar na figura 63.

Figura 61: Anúncio D&G underwear com jogadores da seleção italiana de futebol de areia Fonte: http://realnob.blogspot.com/2010/04/adones-collaboration-dolce-gabbana_07.html

A grife também produziu campanhas de underwear com outros atletas

italianos: o time de rugby (2008) e a seleção natação em 2009. E em 2010 decidiu

repetir a experiência com os jogadores de futebol, assim como fez no ano de 2006,

quando a Itália foi campeã do Mundial. Desta vez, as fotos, também feitas em um

vestiário, mostram os atletas Claudio Marchisio, Vincenzo Iaquinta, Antonio Di

Natale, Domenico Criscito e Federico Marchetti (figura 64). Todas as peças da

coleção trazem o nome da marca, a bandeira italiana estampada em alguma parte

da roupa, além das palavras “Itália” e “Calcio” – futebol em italiano.

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Figura 62: Anúncio D&G underwear jogadores da seleção italiana futebol 2010 – vestiário Fonte: http://infodluxe.blogspot.com/2010/04/jogadores-italianos-da-equipe-oficial.html

Castro & Díaz (2008) dizem que a dupla de estilistas Stefano Gabbana e

Domenico Dolce sabe utilizar muito bem a imagem do corpo do atleta como um

mecanismo de persuasão. Criando no comprador a necessidade de usar o

underwear D&G, a fim de ter um físico tão atraente quanto os jogadores de futebol,

um aspecto que também se liga ao sucesso que esses atletas tiveram quando foram

proclamados os campeões do mundo em 2006, acreditamos que seqüência nas

campanhas gera a possibilidade de se criar também a idéia de um novo sucesso,

agora em 2010.

Ratificando a ligação entre a

moda e o esporte, principalmente o

futebol, a revista Vanity Fair135 na

edição de junho 2010, trouxe como

imagem de capa (figura 65) e de

matéria (Jogando para o mundo -

Playing for the World) jogadores de

futebol trajando apenas cuecas com a

bandeira de seus países.

Figura 63: Capa revista Vanity Fair junho 2010 Fonte: Vanity Fair junho 2010 __________________________________________________________

135 Vanity Fair é uma importante revista americana sobre cultura pop, moda e política, publicada pela editora Condé Nast Publications.

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O texto de A. A. Gill (2010) aborda o Futebol como o esporte mais

importante da história, diz que ele é uma língua falada por 204 países, tornando-se

uma forte expressão de identidade nacional, além de uma possibilidade ligação

entre os atletas multimilionários e o homem comum. “Não é o jogo mais difícil de

entender, ou a mais difícil de jogar. Não é o mais emocionante, ou o mais

sofisticado. Mas há algo sobre a oposição equipes de 11 homens que fala para a

humanidade de uma forma que transcende o jogo.” Gill escreve ainda, sobre a

história do esporte e das Copas do Mundo até o campeonato, que foi em 2010,

disputado pela primeira vez no continente Africano, coloca em perspectiva a

imagem do jogador de futebol como ídolo e modelo ideal da estética

contemporânea, de subjetivação e construção identitaria. Ressaltando para o leitor

a importância do futebol no mundo (já que nos Estados Unidos o esporte não tem

grande destaque), finaliza o artigo com as palavras do dirigente de futebol escocês,

Bill Shankly: "Algumas pessoas acreditam que o futebol é uma questão de vida ou

morte. Posso assegurar-vos que é muito, muito mais importante do que isso."

Já as fotos de Annie Leibovitz, apresentadas na matéria, exploram a

imagem desnuda daqueles que ela chama de “deuses reinantes do estádio”. Ela

viajou do Brooklyn para Milão, Madri e Londres para fotografar jogadores de

destaque de diferentes nacionalidades. Eles posaram usando apenas cuecas de

marcas conhecidas internacionalmente como Calvin Klein, Armani, Hugo Boss, Pólo

Ralph Lauren, D&G e Burberry, estampadas com a bandeira de seus respectivos

paises. Os jogadores fotografados (figura 55) foram Cristiano Ronaldo de Portugal,

Didier Drogba da Costa do Marfim, Samuel Eto'o de Camarões, Sulley Muntari de

Gana, dos E.U.A. Landon Donovan, Kaká e Alexandre Pato do Brasil, Gianluigi

Buffon da Itália, Dejan Stankovic da Sérvia, Carlton Cole da Inglaterra, e Michael

Ballack da Alemanha. Destes apenas Kaká pousou de calça jeans entreaberta,

mostrando um pouco do underwear Empório Armani (grife da qual ele é garoto

propaganda).

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Figura 64: Foto central do editorial “Playing for the wolrd” Fonte: Vanity Fair junho 2010

Além destas, há outras fotografias que mostram os jogadores de short, com

o cós um pouco baixo mostrando o underwear, em poses que fazem referência ao

seu estilo de jogo e com legenda com dados sobre os jogadores, como idade,

nacionalidade, clube em que jogam, posição, salário, empresas para as quais faz

campanhas publicitárias, seu estilo e características que o fazem ter destaque no

mundo da bola. Abaixo estão algumas imagens (figura 67) , antes da inclusão dos

textos136, como a de Kaká dando um pontapé de bicicleta137, o artilheiro Didier

Drogba fazendo uma jogada de recepção de chute aéreo conhecida como “matar da

bola no peito” e o goleiro Gianluigi Buffon fazendo uma defesa.

Figura 65: Jogadores em “poses” que ilustram suas atividades durante o jogo de futebol Fonte: Vanity Fair junho 2010

136 Estas imagens, além de vídeo de making of das fotos podem ser vistos no link http://www.vanityfair.com/online/daily/2010/05/world-cup-cover-story.html. 137 Tipo de jogada na qual o jogador dá um giro no ar de costas para chutar a bola.

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A matéria tornou-se polêmica, pois o público conservador dos Estados

Unidos não gostou muito de ver sua bandeira estampada em roupas íntimas, há no

site da revista vários comentários138, inclusive com informações sobre a lei que

proíbe o uso da bandeira americana no vestuário.

Mas se o texto traz mais referências e fatos históricos de futebol e dos

campeonatos mundiais, por que usar a imagem dos jogadores de cueca? Porque

além uma matéria sobre o esporte ou a Copa do Mundo em si, a revista pretende

estimular o desejo, pelos corpos ali presentes e exaltados pelas informações sobre

os jogadores, que falam sobre seus estilos de vida e salários que vão de 7,5 a 18

milhões de dólares por ano, isto sem contar os ganhos com publicidade de marcas

como Armani, Nike, Adidas, Pepsi, Samsung, Sony, entre outras. Estas imagens

criam um ideal de identificação, campo fecundo para as subjetividades

contemporâneas.

Segundo Castro & Díaz (2008) não se deve esquecer que a publicidade, as

revistas, e os meios de comunicação em massa, tendem a satisfazer as exigências

dos consumidores usando e refletindo sobre a sociedade em questão. Assim, o

esporte como um fenômeno social que é, reflete-se nas estratégias de publicidade

em diferentes tempos. É usado como mecanismo de transmissão, tornando-se um

artigo especial na divulgação de produtos e idéias, porque apresenta o futuro, a

satisfação do consumidor, gerando o desejo, como finalidade principal da

publicidade.

As imagens de corpo que tematizam o esporte são, pois, produções culturais

complexas e reveladoras do imaginário de corpo na atualidade, e na sociedade

contemporânea não há como negar o quão dramaticamente atitudes em relação ao

corpo masculino esportivo mudou como resultado da colisão do esporte com o

mundo da moda e das celebridades. As estrelas do esporte tornaram-se também

estrelas da moda masculina. “Vendem a imagem do que se deve consumir de roupa

a carro, de óculos a jóias, de comida a lazer, de como ser e estar no mundo, tudo

isso sempre mostrando seus torsos desnudos prontos para nos seduzir.”

(CASTILHO & DEMETRESCO, 2007)

138 Comentários disponíveis em http://www.vanityfair.com/online/daily/2010/05/world-cup-cover-story.html

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A publicidade moda foi mudando o foco da roupa, reconstruindo a imagem

masculina tradicional, para o corpo do homem em si. Alterando as associações

visuais com o corpo masculino o marketing procurou atrair tanto olhares hetero

quanto homossexuais, além disso, a publicidade underwear estabeleceu que a

iconografia do sexo masculino, que celebra a beleza, pode ao mesmo tempo,

celebrar a masculinidade.

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Considerações Finais

Ao postular algumas considerações, sobre a construção da identidade

masculina contemporânea por meio da publicidade de roupa íntima, torna-se

necessário registrar que, estes anúncios são construções midiáticas, dirigidas a um

público, visando criar um modelo identitario específico e não a totalidade de

comportamentos masculinos da atualidade. Ou seja, estas campanhas apresentam

corpos que assumem valores e compactuam com o universo que a marca seleciona e

euforiza, as formas de apresentação dos corpos nas publicidades de underwear

masculino, estabelecem um diálogo intenso com os estilos de vida instaurados na

contemporaneidade, assim, os discursos publicitários ecoam, então, traços do

contemporâneo que tentam estabelecer alguns dos novos padrões de

comportamento.

Considerando a perspectiva de Landowski que afirma que uma imagem

sempre convoca para si ao menos uma outra, como a captura de um instante, ela

deixa adivinhar um antes e “nos convida a projetar um depois em função de

programas esteriotipados que concernem tanto ao comportamento da pessoas

como ao das coisas” (LANDOWSKI, 2002, p.137), buscamos identificar nestas

campanhas, e na recorrência da imagens por elas veiculadas, os simulacros de

corpos que se põe a ver como modos de ser e estar do masculino no

contemporâneo. No entanto convém esclarecer, aqui, que o nosso interesse não foi

o de empreender uma análise do que é ser homem na atualidade, mas sim o de

procurar desnaturalizar a imagem do masculino, internalizada como uma oposição

ao feminino e identificar o masculino contemporâneo plural, sem com isso, se

limitar a categorização jornalística e midiática139 sobre as chamadas novas

masculinidades.

Em nosso percurso analítico percebemos que as figuratividades de corpos

masculino, mais recorrentes nos anúncios selecionados, propõem uma

transformação da imagem do homem, principalmente, a partir década de 1960,

com os discursos de jovialidade, diversão e liberação sexual, do homem, mas

139 Categorização criada pelo jornalista britânico Mark Simpson e amplamente divulgada pela mídia que divide o masculino em metrossexual, uberssexual, retrossexual, etc.

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também da mulher, que começa a ter seu desejo liberado, euforizados nas

campanhas da época e potencializados nos anos de 1970, chegando aos a imagem

do homem que expõe seu corpo como objeto de desejo, figurativizado nos anúncios

de underwear masculino veiculados a partir da década de 1980 e iniciados pela

marca Calvin Klein. Sobre as transformações dos corpos nos mídias Castilho

disserta que:

Ao midiatizar esses corpos, as mídias contribuem para a determinação de um novo paradigma de corpo que responde à necessidade de o homem marcar sua presença e pertença no mundo contemporaneamente construído. Ao mesmo tempo em que midiatizam, as mídias oferecem aos corpos a oportunidade de eles apresentarem suas maneiras individuais de expor valores, crenças e saberes, em manifestações de aparências “verdadeiras”, efeitos de sentido obtidos pelos traços de realidade construída com os quais são edificadas tais imagens. Assim, os corpos que são midiatizados pelo “outro”, isto é, as mídias, publicizam-se a si mesmos, trazendo, em seu fazer novos valores e estilos de vida que inauguram uma nova estética da beleza.(CASTILHO, 2004a, p. 193)

Identificamos no uso recorrente do tema do esporte nas publicidades de

roupa íntima masculina, uma forma autorizada de mostrar o corpo do homem,

passando também esta temática, por uma transformação, e chegando aos dias

atuais como uma das formas de construção deste modelo de corpo, com músculos

fortemente amplificados e delineados, colocado como simulacro de corpo desejado

e idealizado no contemporâneo. Ainda no que tange a relação entre o esporte e a

publicidade de underwear masculino, faz-se imperativo destacar a figura do

jogador de futebol como modelo identitario a ser seguido, seja na construção e

figuratividade de seu corpo, ou no seu modo de ser e estar no social. Sobre a

presentificação de um modelo de identificação apresentado nas publicidades,

Landowski explana que:

O essencial do fazer persuasivo do enunciador consiste, pois, nesse caso, em fazer o enunciatário aderir à imagem de si mesmo que lhe é proposta enquanto árbitro (‘real’ ou simulado) dos valores, isto é, enquanto destinador construído. (...) o próprio ato de adesão pelo qual os sujeitos, identificando-se com os simulacros que lhe são propostos, passam a confiar nos mesmos que, sob a roupagem de ‘promessas’, na realidade moldam o ‘desejo’ deles. (LANDOWSKI, 2002, p. 127)

Conforme pudemos observar, essa estetização dos corpos masculinos, de

músculos delineados pelo esporte, se dá em torno da visibilidade, o imperativo do

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“ver” e “ser visto”, toma conta das relações sociais, que se focam na aparência

dos sujeitos, operando como instrumento estratégico de atração, concorrendo

sobremaneira para a acentuação dos valores de proclamados pelas marcas. No

fazer ser dos sentidos, o discurso midiático elege aspectos a ser valorizados, como a

instituição do desejo, a sedução e a sexualidade liberada e exacerbada, como

elementos provocariam a estesia do mundo contemporâneo.

No que concerne a roupa íntima, observamos um processo de atualização

nas formas, menores e mais ajustadas ao corpo, na pluralidade de cores e

estampas, nos materiais, naturais ou sintéticos que visam melhor usabilidade e

conforto, e investimentos tecnológicos em seus procedimentos produtivos e de

venda, levando-a a configurar como produto de moda, chegando muitas vezes a ser

exposta, em modos de vestir que deixam entrever o cós da cueca com a marca

estampada, em uma exteriorização e espetacularização que se tornaram

características do contemporâneo.

No que se refere à presentificação do corpo masculino nas publicidades,

identificou-se a minimização do movimento e da interação com outros homens na

cena enunciativa, que começa a se caracterizar por uma corporiedade estática, que

se põe pronta para a observação, e que busca a interação com o consumidor/leitor,

a partir do olhar, naquilo que Landowski chamou de “gestão do ver”, que

ultrapassa a distinção entre os sexos e toca diretamente a gestão do social. São

olhares repetidos que nos presentificam, nos vigiam e nos convocam a interação,

tanto do masculino como do feminino.

O desenvolvimento deste trabalho conduziu esta pesquisadora a

caminhos surpreendentes, pois, o masculino, bem como todas as conjecturas

que cercam este tema, tratava-se de um campo desconhecido até o início da

pesquisa. No decorrer do trabalho, conforme se desenvolviam as leituras, os

tópicos da pesquisa iam surgindo, como se a mesma tivesse uma vida própria,

indicando os caminhos a ser seguidos, como a descoberta dos jogadores de

futebol como uma imagem identitaria forte a ser seguida pelo homem, por

exemplo, ou o uso de estratégias diferenciadas para a exploração da figura dos

mesmos pelas marcas de roupa íntima.

Pensar a construção da identidade masculina pelo viés do design de

moda, nos levou a transitar por temas que passam pelo design dos corpos e

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corporiedades masculinos no contemporâneo, construídos a partir de uma

figuratização de homem um saudável, musculoso e viril, sendo esta a

configuração de elementos euforizados e valorados positivamente na

sociedade, ratificando sua forma de ser e estar no social. O objeto, peça de

roupa íntima, passou por uma série de inovações de design, gerando uma

diversidade de produtos, deforma que fosse ele também, o underwear, um

elemento que confirmação das modificações na constituição visual do homem,

corroborando para a configuração das masculinidades plurais da

contemporaneidade.

Nas vicissitudes da construção identitaria do masculino contemporâneo, a

partir das publicidades de roupa íntima, percebemos que essas representações

contêm, na realidade, apenas uma fração do que é entendido como masculinidade,

representando e denotando determinado ponto de vista constituído pelas mídias,

que aproximam a presentificação masculino ao feminino, já tradicionalmente

arranjado como objeto de desejo. Nessa perspectiva, o que se configura nos

anúncios aqui analisados são imagens do masculino compostas por simulacros

de corpos desejantes e desejáveis que visam criar o efeito de sentido de

sedução e aprazimento de si, mediados por interações de consumo,

mostrando seu modo de ser e estar no social, e que em última instância,

corresponde às escolhas do sujeito em seus projetos de individualização.

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Glossário Ilustrado

Boxer – Modelo de cueca em malha tipo short e ajustada ao corpo. Recebem este nome porque foram inspiradas nos shorts dos lutadores de Box, porém são justas no corpo.

Braies - Eram bermudas de linho amarradas na cintura e nas pernas por cordões, usadas no período medieval.

Brief Jockey – Modelo de sueca slip desenvolvida pela marca Jockey em 1934.

Ceroula - Roupa de baixo masculina em forma de calças, que se estende até o tornozelo.

Chausses - É uma espécie de meia, de linho ou lã, cortada e costura contornando o formato das pernas, era presa na cintura por cordões deixando um espaço aberto na virilha,

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Codpiece - Trata-se de uma bolsa moldada para enfatizar e proteger a genitália do homem

Cueca - Cueca é uma peça da indumentária usada para cobrir e proteger os órgãos sexuais masculinos

Cueca Fio Dental – Modelo de cueca que tem apenas uma estreita faixa traseira e um cone para suporte na parte frontal.

Dândi – Palavra original do inglês Dandy usada para denominar os jovens britânicos no início do século XIX que se vestiam de maneira simples, com trajes impecavelmente limpos e bem feitos. Tornou-se sinônimo de homem elegante e preocupado com a aparência

Dracon – é um tecido sintético e resistente, feito de poliéster e que não amassa com facilidade.

Duofold - tecido feito com duas camadas de lã entrelaçada proporcionando isolamento contra o frio e separando o suor do corpo.

Everlast - A empresa foi fundada em 1910 por Jacob Golomb em Nova York, iniciou seus trabalhos produzindo peças para prática da natação, mas a partir de 1917 se destacou na confecção de produtos para Box, sendo reconhecida atualmente como a marca “mãe do Box”.

Fasteners Gripper ou grippers – pequeno botão de pressão

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Homewear – Linha de produtos para ficar em casa.

Jaeger – marca de underwear fundada pelo inglês Lewis Tomalin que confeccionava roupas íntima em lã. A marca foi criada com inspiração no tratado “Sistema Sanitário Baseado na Lã” desenvolvido pelo Dr. Gustave Jaeger, que divulgava o culto às roupas de baixo feitas em lã natural. Pois, acreditava que fibras puras de origem animal podiam prevenir e até curar doenças, já que evitavam a retenção das exalações corporais nocivas.

Jersey - Tecido de malha com construção simples e bastante usado na lingerie, sem direito ou avesso, foi introduzido no vestuário externo por Coco Chanel.

Jockey – Marca de roupa íntima, inicialmente masculina, criada pela empresa Cooper’s

Kenosha Klosed Krotch – sistema de abertura introduzido e patenteado pela Cooper em 1910, constando de duas peças de tricô sobrepostas em um X para permitir o acesso para fins sanitários e de higiene, dispensando o uso de botões ou laços. Considerado uma revolução no mercado de underwear.

Lycra - É o nome comercial para os tecidos com fibra de elastano, registrado pela marca Du pont.

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Midle Box – Modelo de cueca boxer, mais comprida, com comprimento meia perna, na altura da metade da coxa

Nylon - É o nome genérico do tecido feito com a fibra de poliamida. Trata-se de um tecido resistente usado na fabricação de meias femininas, roupas íntimas e roupas esportivas.

Navycltohh – Modelo de union suit com peces nas costas para um melhor ajuste ao corpo.

Samba-Canção – modelo de cueca, tipos short, geralmente em tecido plano e com cós de elástico.

Slip - A cueca slip é a mais tradicional dos modelos atuais no mercado, caracteriza-se por ter laterais mais estreitas, sua costura é especialmente modelada para fornecer apoio aos órgãos sexuais masculinos, dispondo ainda de uma braguilha na parte da frente. Por não fazer volume, pode ser usado todos os tipos de roupa.

Slip Kanguru – Modelo de cueca slip com abertura frontal com recorte horizontal como uma bolsa de kanguru.

String Bikini – Modelo de cueca sem tecido na lateral, a parte da frente e de costas da cueca é unida apenas por um cós de elástico na cintura.

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Sunga – Modelo de cueca slip, sem recorte frontal, semelhante modelo usado como traje de praia.

Tapa-sexo – Modelo de roupa íntima que possui apenas um cone para suporte na parte frontal e dois elásticos laterais na parte de trás, são usadas principalmente por atletas.

Tanga – Modelo de cueca slip com as laterais estreitas

Trunks – Modelo de cueca boxer com perna mais curta

Union Suits – Modelo de roupa íntima configurado por uma espécie de macacão que cobria desde os tornozelos até os punhos