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A Clínica Psicanalítica com Adolescentes: Especificidades de um Encontro Analítico The Psychoanalytical Clinic With Adolescents: Specificities Of An Analytical Encounter La Clínica Psicoanalítica Con Adolescentes: Especificidades De Un Encuentro Analítico Artigo Renata Cardoso Plácido Ayub & Mônica Medeiros Kother Macedo Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 582 PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2011, 31 (3), 582-601

A Clínica Psicanalítica Com Adolescentes Especificidades de Um Encontro Analítico

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    A Clnica Psicanaltica com Adolescentes:

    Especificidades de um Encontro Analtico

    The Psychoanalytical Clinic With Adolescents: Specificities Of An Analytical Encounter

    La Clnica Psicoanaltica Con Adolescentes: Especificidades De Un Encuentro Analtico

    Art

    igo

    Renata Cardoso Plcido Ayub & Mnica Medeiros

    Kother Macedo

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande

    do Sul

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    PSICOLOGIA: CINCIA E PROFISSO, 2011, 31 (3), 582-601

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    A Clnica Psicanaltica com Adolescentes: Especificidades de um Encontro Analtico

    Renata Cardoso Plcido Ayub & Mnica Medeiros Kother Macedo

    Resumo: As contnuas transformaes experienciadas pelos adolescentes tm sido objeto de estudo em funo da importncia que adquirem no contexto da sade psquica. Este artigo retrata um estudo de cunho qualitativo, que objetivou conhecer e compreender as caractersticas e as peculiaridades da clnica contempornea da adolescncia considerando o exerccio da escuta psicanaltica. Foram entrevistados dez psicanalistas com atuao de, no mnimo, dez anos no atendimento a pacientes dessa faixa etria. Por meio da tcnica de anlise de contedo, foram identificadas trs categorias finais: a famlia e a escola como campos fundamentais da experincia intersubjetiva do adolescente, a necessidade de recursos psquicos: exigncias para o enfrentamento do processo de ressignificao de si mesmo, e, por ltimo, os desafios e as inquietaes no campo analtico: especificidades tericas e tcnicas a partir da escuta de adolescentes. Para a discusso dos achados, lanou-se mo do referencial psicanaltico. O estudo realizado permitiu no s conhecer melhor a articulao das demandas da cultura atual com as modalidades psicopatolgicas presentes na clnica psicanaltica da adolescncia assim como identificar as transformaes que ocorrem na tcnica psicanaltica. O espao da anlise evidenciou-se como uma relevante possibilidade de construo e de atribuio de significado aos padecimentos psquicos da adolescncia, de modo a viabilizar desdobramentos saudveis s suas vivncias.Palavras-chave: Adolescncia. Psicanlise. Psicologia clnica. Interveno psicolgica.

    Abstract: The continuous transformations adolescents experience have been object of study because of its importance in the context of psychic health. This paper portrays a qualitative study that aimed to know and to comprehend the characteristics and peculiarities of the contemporary adolescence clinic, considering the practice of the psychoanalytical listening. Ten psychoanalysts who had been at least ten years attending adolescents patients were interviewed. Through the technique of content analysis, three final categories were identified: the family and the school as fundamental fields of the inter-subjective experience of the adolescent, the necessity of psychic resources: demands to cope with the re-signification of oneself, and, finally, the challenges and concerns in the analytical field: theoretical and technical specificities from the adolescences listening. For the discussion of the findings, it was used the psychoanalytical referential. The study accomplished allowed a better knowledge about the articulations of the current culture demands with the pathological modalities present in the adolescents psychoanalytical clinic, as well as identify the transformations that occur in the psychoanalytical technique. The analysis has been highlighted as a relevant possibility to construct and assign meanings to the psychic suffering of adolescents in order to provide healthy developments for their experiences. Keywords: Adolescence. Psychoanalysis. Clinical psychology. Psychological intervention.

    Resumen: las continuadas transformaciones experimentadas por los adolescentes han sido objeto de estudio en funcin de la importancia que adquieren en el contexto de la salud psquica. Este artculo retracta un estudio de naturaleza cualitativa, que ha tenido como objetivo conocer y comprender caractersticas y peculiaridades de la clnica contempornea de la adolescencia, considerando el ejercicio de la escucha psicoanaltica. Han sido entrevistados diez psicoanalistas, con una actuacin de por lo menos diez aos en la atencin a pacientes adolescentes. A travs de la tcnica de Anlisis de Contenido, se han identificado tres categoras finales: la familia y la escuela como campos fundamentales de la experiencia intersubjetiva del adolescente; la necesidad de recursos psquicos: exigencias para el enfrentamiento del proceso de resignificacin del s mismo; y, por ltimo, desafos e inquietudes en el campo analtico: especificidades tericas y tcnicas a partir de la escucha de adolescentes. Para la discusin de los resultados encontrados, se ha llevado a cabo el referencial psicoanaltico. El estudio llevado a cabo ha permitido un mejor conocimiento acerca de la articulacin de las demandas de la cultura actual con las modalidades psicopatolgicas presentes en la clnica psicoanaltica de la adolescencia, as como identificar transformaciones que ocurren en la tcnica psicoanaltica. El espacio del anlisis se ha evidenciado como una relevante posibilidad de construccin y atribucin de significado a los padecimientos psquicos de la adolescencia, de forma a tornar viables despliegues saludables a sus vivencias.Palabras clave: Adolescencia. Psicoanlisis. Psicologa clnica. Intervencin psicolgica.

    PSICOLOGIA: CINCIA E PROFISSO,

    2011, 31 (3), 582-601

    A adolescncia uma etapa da vida marcada por complexas demandas que resultam em inegvel exigncia de investimentos por parte do sujeito. Os fatores biolgicos, considerados intrnsecos da puberdade, designam as mudanas corporais e fisiolgicas, enquanto

    as demandas psquicas compreendem um intenso trabalho de metabolizao de transformaes psicossociais que esto mais especificamente associadas ao termo adolescncia (Levisky, 1995; Blos, 1998; Macedo, Fensterseifer, & Werlang, 2004). Tais

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    processos biolgicos e psicossociais, ainda que estejam mutuamente implicados e possam ocorrer simultaneamente durante esse perodo, so compreendidos como eventos distintos devido a suas especificidades.

    Na adolescncia, ocorrer um trabalho de ressignificao da identidade, possibilitando o acesso do jovem a outra etapa do ciclo vital. A sociedade oferece, de acordo com a sua cultura, rituais tradicionais de passagem idade adulta que funcionam como mediaes simblicas entre o adolescente e o meio, e que lhe conferiro o status de adulto.

    Na atualidade, observa-se, como efeito das transformaes sociais e culturais, uma reduo do perodo historicamente caracterizado como infncia e a decorrente expanso da adolescncia. Nessa linha de raciocnio, Birman (2006) considera que a contemporaneidade vive tempos de uma adultez com critrios indefinidos, fato que dificulta demarcaes, em termos de subjetividade, das idades da vida. O autor afirma que isso provoca, em consequncia, uma desordem no contexto familiar, na qual a relao com o aspecto dos cuidados significativamente afetada, refletindo-se nas novas formas de subjetivao da adolescncia. O tema do cuidado remete a uma assimetria necessria entre a criana e o adulto, a partir da qual se constroem condies para uma progressiva autonomia no campo intersubjetivo.

    Por vezes, as demandas que adentram a clnica psicanaltica podem se originar de uma necessidade do adolescente ou terem como origem uma necessidade do contexto social principal (famlia e escola), expressando alguma preocupao/queixa a respeito do adolescente. comum que algumas manifestaes da adolescncia sejam recebidas com desconforto, necessitando, por vezes, da atribuio de um rtulo que normatize e padronize tais manifestaes.

    H casos que ocorrem com adolescentes que dizem respeito a manifestaes de conflitos referentes temtica da diferena, do rompimento, das transformaes que, inclusive, podem representar sua sada para a sade, da a importncia da escuta do aspecto inegvel de singularidade presente em cada padecimento humano, independentemente da idade em que ocorra.

    Considerando-se, portanto, que os motivos de busca de um tratamento possam variar, sabe-se que a vivncia da escuta do paciente, seja via palavra, seja via conduta, possibilita uma atribuio nica de sentido s suas dores. A psicanlise, diante da singularidade de cada sujeito, coloca-se como um importante recurso para compreenso e interveno nos padecimentos psquicos. possvel, com base em um ponto de vista que enfatiza a complexidade inerente ao ser humano, articular as modalidades de sofrimento da adolescncia com as transformaes impostas pela contemporaneidade. Mais do que criar categorias de padecimentos, busca-se a interrogao dos efeitos dessas transformaes especificamente na adolescncia. O que se pode esperar da psicanlise nos tempos atuais , segundo Dockhorn e Macedo, a construo de um espao onde o intrapsquico seja priorizado, a singularidade respeitada, e a implicao do sujeito em seu padecimento possa ser escutada (2008, p.14) Segundo as autoras, busca-se, dessa forma, possibilitar trocas intersubjetivas mais ricas e menos fugazes, constituindo-se um espao onde o desejo possa ser reconhecido e, portanto, onde o sujeito se reconhea como ser desejante. O analista, nesse espao de intersubjetividade, oferece ao paciente recursos de acesso a novas e singulares atribuies de sentido para a sua histria. No cruzamento das temticas adolescncia e psicanlise, cabe questionar como se presentificam, na contemporaneidade, as demandas adolescentes para a escuta psicanaltica.

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    Em seu artigo sobre a anlise de adolescentes, Kupermann (2007) destaca que esta impe ao analista constantes desafios ao longo de todo o tratamento. No incio, por exemplo, o principal desafio reside na (im)preciso da indicao do tratamento, a partir de uma queixa do adolescente ou de seu contexto social. H que se avaliar, por meio da escuta analtica, se se trata de um padecimento psquico, tpico ou no, no qual o adolescente se beneficiaria com o processo de anlise. Dessas dificuldades decorrem interrogaes tericas e tcnicas dos analistas que se encontram, em uma dimenso tica, atreladas responsabilidade com a manuteno de uma prtica atualizada (formao) e com a efetividade do tratamento. Logo, relevante uma compreenso aprofundada dos efeitos socioculturais no processo de subjetivao do adolescente. Considerando a importncia desse momento do ciclo vital, sua inegvel relao com fatores sociais e culturais, assim como a demanda intensa de trabalho psquico que a psicanlise enfatiza ao se referir temtica adolescente, este estudo buscou conhecer e explorar as demandas, caractersticas e peculiaridades da clnica contempornea da adolescncia. Na medida em que a escuta se apresenta como ferramenta clnica essencial no exerccio da psicanlise, tomou-se como ponto de partida a experincia de analistas no atendimento clnico de adolescentes.

    Mtodo

    Participaram deste estudo dez psicanalistas, localizados por convenincia, independen-temente de instituio formadora, com experincia de um perodo mnimo de 10 anos de prtica clnica no atendimento de pacientes adolescentes. Trs participantes so do sexo masculino, e sete so do sexo feminino, sendo, do total, quatro mdicos psiquiatras e seis psiclogos.

    Aps aprovao do projeto de pesquisa

    pelo Comit de tica da Universidade, os participantes foram contatados por indicao de seus pares; todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e participaram de uma entrevista semiestruturada de questes abertas, na qual foram contemplados os seguintes tpicos: particularidades que levam um adolescente a buscar atendimento psicanaltico, demandas e configuraes de padecimentos psquicos apresentadas por adolescentes em relao ao contexto contemporneo, relao entre adolescncia e sofrimento psquico e interrogaes tericas e tcnicas citadas pelos psicanalistas oriundas da escuta psicanaltica da clnica com adolescentes. As entrevistas foram gravadas em udio e transcritas para garantir a fidedignidade dos dados. Aps a transcrio, foram identificadas, a partir das verbalizaes dos participantes, categorias de anlise, cujos dados foram analisados atravs da tcnica de anlise de contedo, de Bardin (1988).

    Resultados e discusso

    A idade mdia dos participantes deste estudo de 50,5 anos. A mdia de tempo de graduao de 24 anos, e a de tempo de atendimento na clnica psicanaltica, de 22,1 anos; todos os participantes tm experincia na clnica de adolescentes de, no mnimo, dez anos.

    A descrio de cada categoria final (ver Tabela) foi estruturada a partir das categorias intermedirias que lhe deram origem e, com a finalidade de proporcionar rigor e validade s categorias, foram transcritas, de forma fiel, algumas verbalizaes dos participantes entrevistados.

    Kupermann (2007) destaca

    que esta impe ao analista constantes

    desafios ao longo de todo o tratamento. No incio, por

    exemplo, o principal desafio

    reside na (im)preciso da

    indicao do tratamento, a partir de uma

    queixa do adolescente ou de seu contexto

    social.

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    Novas configuraes familiares como possibilidades de novos modelos de referncia para o adolescente

    Novas configuraes familiares como desafio a capacidade de flexibilizao do adolescente

    Novas configuraes familiares dificultando o estabelecimento de limites estruturantes para o adolescente

    Confuso na delimitao de papis na famliaFamlia identificando preocupaes e encaminhando o adolescente para tratamento

    Imposies de ideais no contexto familiar

    A escola como palco para a expresso das dificuldades do adolescente

    A escola como possibilidade de detectar problemas na adolescncia

    Adolescente como caixa de ressonncia dos processos culturais atuais

    Angstia generalizada

    Angstia no corpo

    Problemticas relacionadas alteridade

    Sofrimentos tpicos da adolescncia

    Cultura como incremento da descarga em ato

    Cultura do imediatismo

    Efeitos da violncia na contemporaneidade

    Internet como possibilidade irrestrita de informaes

    Internet empobrecendo os vnculos

    Vnculos e expresses narcisistas da cultura atual

    Histria inicial de desamparo

    Apatia

    Desmotivao/desinteresse

    Descargas no corpo como alternativa frente s experincias do processo de subjetivao

    Uso de drogas como alternativa frente s experincias do processo de subjetivao

    Modelo de sociedade imediatista contribuindo para dificuldades no enquadre

    Leitura no linear do padecimento psquico adolescente

    Benefcios do tratamento

    Desafios do trabalho analtico

    Interrogantes sobre o sintoma adolescente

    Impasses na tcnica

    Especificidades da tcnica com adolescentes

    Estabelecimento do vnculo como base para o tratamento do adolescente

    Recursos tericos para o atendimento das demandas atuais

    Relaes familiares: cenrio de experincias de amparo e desamparo frente s exigncias do processo adolescente

    A famlia e a escola como campos fundamentais da experincia intersubjetiva do adolescente

    Tabela de Categorias Categorias Iniciais Categorias Intermedirias Categorias Finais

    Necessidade de recursos psquicos: exigncias para o enfrentamento do processo de ressignificao do si mesmo

    Desafios e inquietaes no campo analtico: especificidades tericas e tcnicas a partir da escuta de adolescentes

    O espao da escola para a expresso de dor psquica

    Efeitos dos enlaces e desenlaces entre as demandas externas e recursos intrapsquicos

    Influncias da cultura nas formas de expresso de padecimento psquico do adolescente

    Passividade como caracterstica dominante no campo intersubjetivo frente ao empobrecimento do si mesmo

    Padecimentos/Patologias do Ato como descarga de intensidades

    Transformaes necessrias no espao clnico (teoria/tcnica)

    Complexidade dos padecimentos psquicos adolescentes

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    A primeira categoria final foi denominada a famlia e a escola como campos fundamentais da experincia intersubjetiva do adolescente. A adolescncia contempla um espao de interrogaes e incertezas a respeito de si mesmo e de suas relaes com o semelhante. A famlia o espao que inaugura a experincia intersubjetiva de um indivduo. Nessa perspectiva, os entrevistados se referem, a partir de sua escuta na clnica, a uma grande preocupao acerca da fragilidade psquica que se faz presente desde a chegada de adolescentes no espao da clnica:

    um psiquismo que j vem mal estruturado; como que ele vai se apresentar nessa faixa etria, com tantas mudanas fsicas, psquicas e juntando a isso mais a exigncia de uma sociedade, o momento atual que a gente est vivendo? (...) Ele se v muito exigido e no tem estrutura para isso. Ento como que ele vai reagir? Quais so as

    defesas que vai lanar? (P1).

    possvel refletir sobre um aspecto dessa fragilidade a partir de consideraes sobre o processo de estruturao do psiquismo. A respeito da constituio do eu, Hornstein (1989) afirma que o sujeito h que ser adequadamente narcisizado pelos pais. Esse processo de narcisizao se refere ao encontro no campo intersubjetivo que compreende, por parte das figuras significativas na vida da criana, uma experincia com os enunciados de um outro a respeito do eu incipiente (Hornstein, 1989). A criana, ao se identificar com aquilo que enunciado pelo outro, inaugura seu espao prprio de subjetividade. Lerner (2007) assinala que o marco e a condio para a produo de subjetividade de um sujeito se do pelo intercmbio social. O meio configura um campo de expectativas s figuras parentais que resultam na produo de expectativas por parte da criana. A qualidade dos investimentos parentais , portanto, muito importante no que diz respeito ao processo de estruturao do eu

    e, tambm, no estabelecimento de condies para vir a ser e estar no mundo.

    Hornstein (1989) destaca que, para se refletir acerca da estruturao da subjetividade, faz-se necessrio um enlace com as proposies a respeito da conflitiva edpica, uma vez que todo o desenvolvimento humano est atravessado por aspectos relacionados ao nascimento, separao (como individualizante), triangulao edpica, latncia, eleio de objeto e adolescncia. Constata-se que a vivncia edpica trar importantes transformaes ao narcisismo, ou seja, a experincia edpica produz efeitos relevantes no Eu. Segundo o autor, a sada desse circuito culminaria, sumariamente, no deslocamento libidinal para objetos exogmicos. Assim, a partir da elaborao de uma srie de diferenas, desde a relao da me e do beb, passando pelo enfrentamento das diferenas entre as figuras parentais, entre os sexos e entre os espaos endogmico e exogmico, que o psiquismo reorganiza a representao de sua referncia com o mundo (Hornstein, 1989).

    Um ponto essencial da adolescncia diz respeito reedio da conflitiva edpica, aspecto psquico que marca de forma indelvel esse momento da vida. Sendo a adolescncia um tempo de importantes ressignificaes, frente reedio dessa temtica, faz-se necessrio que o adolescente renuncie aos objetos iniciais de amor e, a partir de desidealizaes, encontre novos modelos de identificao que lhe possibilitem adquirir maior autonomia e maturidade em suas escolhas. A intensidade com a qual retorna a questo edipiana na adolescncia associa-se, segundo Pinheiro (2001), ao fato de o objeto a ser abandonado, agora em favor de novos investimentos, ser o mesmo que o narcisizou inicialmente, ou seja, aquele objeto por meio do qual o adolescente, na infncia, acreditava ter garantias de amor incondicional, da a dificuldade dessa tarefa, na medida

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    em que os objetos do campo exogmico no lhe asseguraro o afeto incondicional oferecido, ainda que ilusoriamente, pelas figuras parentais.

    Nesse sentido, os movimentos de ruptura e de experimentao fazem parte do processo da adolescncia, e se do por meio do ensaio frente a escolhas de solues provisrias nas situaes para as quais o jovem ainda no possui recursos internos para reconhecer como genunas (Macedo, Fensterseifer, & Werlang , 2004). A sustentao das figuras parentais atravs de mediaes simblicas, da atribuio de significados palavra e s angstias adolescentes, torna-se essencial nesse processo. Percebe-se, assim, a relevncia que adquirem as situaes nas quais as falhas nessa funo das figuras paternas podem ser vivenciadas como desamparo e desencadear maior fragilidade na organizao psquica, adquirindo um carter traumtico para o adolescente, conforme verbaliza a entrevistada:

    Tu escutas e tu te preocupas, o que pode acontecer entre uma sesso e outra. Por qu? Porque esse sujeito no est s com a falta de recursos prprios da sua idade; ele est com falta de recursos na organizao de si mesmo. (P10).

    Os psicanalistas entrevistados observam, em suas prticas clnicas, o modo como as expectativas narcsicas dos pais tambm podem se instalar no campo da psicopatologia na medida em que impossibilitam ao adolescente constituir sua histria como sujeito singular. Nessas situaes, percebe-se a imposio no campo intersubjetivo de demandas parentais que invadem o espao do adolescente. A violncia implcita a contida pode ser comparada com o que disse Hornstein (2008) a respeito da importncia do ritmo entre a fuso e a separao do beb com a me, no processo de narcisizao da criana. Da qualidade desse encontro depender, segundo o autor, o significado

    atribudo ao outro, o qual poder representar uma presena estruturante ou uma presena arrasadora.

    Segundo os entrevistados, esses aspectos surgem de diferentes maneiras:

    O que est caracterizando a nossa clnica da contemporaneidade? Esses adolescentes chegam atravessados pela expectativa narcisista dos pais. S tem um lugar, o primeiro. (P10).

    A turbulncia que normal na adolescncia muito mal tolerada pela famlia, pelo adolescente, porque tem o reforo muito importante do contemporneo de uma proibio de sentir sentimento. (...) A questo da subjetividade est profundamente comprometida, porque seu destino est traado desde que nasceu. Ele vai ser o representante do sobrenome tal, vai herdar a empresa tal, e ai dessa criana ou desse adolescente que nasceu com dom pra ser msico, por exemplo. O gatilho est numa impossibilidade do adolescente de conter a sua ansiedade prpria do perodo e a famlia muito pouco continente. (P4).

    Constata-se neste estudo que as configuraes familiares contemporneas no processo adolescente foram citadas muitas vezes pelos psicanalistas entrevistados. A educao dos filhos considerada um desafio nos tempos atuais, contemplando aspectos que vo alm dos conflitos de geraes comumente experimentados. Segundo Mayer (2001), impe-se, na contemporaneidade, um mundo globalizado em um cenrio de mudanas em intensa acelerao. Nessa perspectiva, discute-se o lugar da responsabilidade e dos limites na famlia. Parece haver um constante desprestgio da funo paterna e a consequente dificuldade do exerccio das funes de adulto de referncia, constatando-se que, de forma frequente, os pais se colocam em posio de equidade com os filhos. O relato dos entrevistados exemplifica a confuso dos papis das figuras parentais, em um contexto denominado novas configuraes

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    familiares, identificado a partir da escuta analtica:

    Uma coisa um pouco atrapalhada a questo de limites em relao famlia. A me, o pai muito atrapalhados no sentido de quem o pai e quem a me, quem manda em quem, pais saindo com os filhos e mes saindo com as filhas. (P5).

    Todavia, percebe-se, no relato do entrevistado P9, que as novas configuraes familiares podem ser tambm entendidas como benficas para os adolescentes:

    Acho um pouco preconceituoso partir de uma ideia de simplesmente que as relaes instveis, as novas buscas amorosas, o segundo, terceiro, quarto casamento, a presena de irmos em configuraes muito variadas, de idades muitas vezes divergentes, de que isso por si s implicasse numa patologizao dos processos. (P9).

    Constata-se que, independentemente da configurao familiar, o que prevalece como condio importante no processo de subjetivao adolescente a observncia da qualidade das relaes estabelecidas assim como um exerccio das funes parentais por meio do qual a condio de desamparo ou de excesso no se faa presente. Sobre esse aspecto, o participante destaca:

    Pais mais voltados para si mesmos, mais ocupados com suas coisas, com suas questes e ento, do aquelas respostas: Chega a hora que tu quiseres ou Quando terminar tu vem. Isso d uma desorganizao e um desamparo nesse sujeito. Ele precisa que o outro diga: Tu vem meia noite. E ele vai dizer: Mas meia noite recm est comeando. Pois , mas eu vou te buscar meia noite. Isso no da ordem da rigidez, da ordem da organizao. (P10).

    Nessa perspectiva, trata-se de reconhecer a relevncia e a necessidade de um espao intersubjetivo no qual os papis, necessariamente assimtricos, estejam bem definidos, e os limites possam ser exercidos no sentido de promover um

    processo de subjetivao adolescente no qual reconhecer a diferena se associe a fatores de cuidado e proteo. Concomitantemente s questes prprias das experincias do campo endogmico e s novas possibilidades de configuraes familiares, outro aspecto abordado pelos participantes a temtica dos limites, considerado fator ordenador e estruturante do aparelho psquico. O conceito psicanaltico de castrao, luz de seu sentido organizador do psiquismo, procura dar conta da temtica dos limites, da constatao e da aceitao da finitude e da incompletude humana, abrindo, assim, o registro da falta e, por conseguinte, dando condies para que surja um espao para o desejo.

    Por meio da possibilidade de desejar, Pinheiro considera que se pode abrir mo da condio ilusria de completude prpria da infncia. Para a autora,

    sair da iluso da suficincia entrar no mundo da parcialidade, ter que conviver, da para frente, com a dimenso solitria da vida, com o no partilhvel das relaes de objeto que algumas vezes possibilitam encontros e, outras, desencontros (2001,

    p.74)

    Enfatiza-se que aceitar a castrao seria, tambm, uma das tarefas psquicas prprias da adolescncia. A partir dessa aceitao, d-se o ingresso do sujeito no mundo adulto, no qual o aspecto solitrio da vida no alude mais, necessariamente, a uma situao a ser evitada, mas, ao contrrio, passa a ser por meio dela que o sujeito poder se abrir aos diversos investimentos do campo exogmico. Ocorre que, na atualidade, segundo Rocha e Garcia (2008), a adolescncia ocupa na sociedade um lugar de ideal cultural. No processo de reorganizao narcsica, o desafio reside em manter papis que, em um contexto idealizado, impedem que se cumpra a castrao, na medida em que esses adultos acenam aos adolescentes com uma promessa

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    de prazer sem limites. Afirmam os autores que ao esperarmos que a adolescncia, como ideal cultural, cumpra a promessa de burlar a castrao, colocamos para o adolescente um impasse a mais nesse momento crucial do processo de subjetivao (Rocha & Garcia, 2008, p. 630). Tambm h essa constatao no depoimento do entrevistado:

    H simplesmente uma necessidade de cumprir um ritual imposto por uma cultura. muito perverso, pois a adolescncia j um perodo de transio, daquilo que voc no para aquilo que pode advir. um perodo muito delicado, no qual seus potenciais esto despontando, precisam ter espao para aparecer a fim de compor a sua singularidade humana. (P2).

    Influncias no processo de construo da identidade do adolescente advindas do contexto social, quando remetem a demandas intensas que impossibilitam um trabalho de metabolizao ou de atribuio de significado, extrapolam a possibilidade de contribuir para um processo saudvel de subjetivao, e constituem experincias de excesso. Lerner (2007) afirma que essas interferncias tm relao com o conceito de trauma, na medida em que impedem que o indivduo seja, que consiga conquistar o eu sou. Pode-se afirmar que essa dinmica ocorre devido existncia de um cenrio instvel e falho no suporte parental, no qual as exigncias sociais podem vir a incrementar dificuldades tpicas da adolescncia, repercutindo como excesso aquilo que o psiquismo no possui recursos para processar. Hornstein (2008) afirma que, quando h exposio a quantidades no processveis de trauma, os efeitos so destrutivos, salvo quando, por meio de elaboraes (individuais e coletivas), tais quantidades possam ser simbolizadas. Assim, Lerner (2007) destaca que o adolescente precisa ter um solo firme durante o seu processo de desenvolvimento para experimentar e construir seus projetos.

    No processo de expanso de seus horizontes endogmicos, um dos cenrios primeiros de experimentao do adolescente a escola. Sabe-se que aquilo que foi experienciado no cenrio familiar com matizes de ausncia ou de excesso se reproduzir nas relaes escolares. Trata-se dos efeitos do vivido no processo de transio daquilo que da ordem do espao endogmico para o campo exogmico. Segundo Zimerman (2003), a escola constitui um espao no qual a existncia de problemas inevitvel, o que, por si s, no se tornaria algo preocupante. O autor considera que problema, mesmo, consiste na inexistncia da criao de apropriados espaos na escola, onde as distintas problemticas possam ser ventiladas e debatidas (p.17).

    A escola serve de ponte para ajudar os pais a verem a necessidade. E por outubro, novembro, comea a ter muita procura, porque tem o risco da reprovao. Isso chama os pais para a escola, o medo da reprovao. E eles comeam a escutar que no isso, que atrs da reprovao tem outras coisas. A escola detecta e, em minha opinio, tem

    detectado muito bem. (P1).

    A escola oferece ao jovem um mundo de investimentos psquicos que o confrontam com outras exigncias e, por ser um espao ampliado, que extrapola os limites da esfera do ncleo familiar, h mais olhares e, em consequncia, maior probabilidade de que sejam detectadas e percebidas dificuldades tanto intrapsquicas como intersubjetivas. O desafio dos profissionais educadores saber lidar com o que ir emergir e preocupar-se com a estrutura relativa transmisso do conhecimento. No seria possvel escola manter-se excluda das problemticas tpicas dessa idade. O que se reafirma a relevncia de que nela no se ausente a capacidade de ateno quilo que se mascara nos ditos comportamentos desafiadores, transgressivos, delinqentes (Zimmermann, 2007), ou seja, relevante que a escola no perca de vista sua influncia no processo de ressignificao

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    da identidade adolescente. Cabe, porm, escola demarcar diferenas entre sua funo formativa e a apropriao do exerccio de funes parentais. Como descrito nas verbalizaes a seguir, percebe-se que a escola tem se consolidado como importante espao denuncia-dor:

    Muitas vezes, os familiares so conduzidos busca de terapia por uma demanda da escola, de um cursinho pr-vestibular. ainda outra instituio externa famlia que detecta alguma coisa no comportamento do adolescente e pede uma avaliao psicolgica. Muitas vezes, a demanda est relacionada a uma produo cognitiva, uma produo escolar, uma baixa produo, ou uma dificuldade de relacionamento. (P2).

    As experincias de amparo e desamparo frente ao processo da adolescncia tm, nas relaes familiares e na escola, os campos primordiais de experincia intersubjetiva. O espao exogmico carrega em si exigncias para o enfrentamento de diferentes demandas frente s quais o adolescente precisa lanar mo de recursos psquicos. No campo dessa temtica, estrutura-se a segunda categoria final: necessidade de recursos psquicos: exigncias para o enfrentamento do processo de ressignificao de si mesmo.

    Sabe-se que o impacto gerado pela transio da infncia para a adolescncia e suas decorrentes demandas emocionais e fsicas podem constituir naturalmente uma fonte de angstia; necessrio considerar, porm, que a adolescncia, como um processo tpico e no necessariamente patolgico, abarca situaes de crise e de enfrentamento e conflitos tpicos dessa fase da vida. Ainda que permeado por movimentos de dvidas e dificuldades, o sofrimento adolescente no implica, necessariamente, a instaurao de um padecimento psquico. Essa faixa etria pode, portanto, ser definida como um perodo crucial de reorganizao identificatria, uma vez que novos significados desencadeiam movimentos em sua trama que determinam

    mudanas na subjetividade (Palazzini, 2007). Essas mudanas tm repercusses nos investimentos do adolescente. O grupo de amigos, por exemplo, torna-se uma grande fonte de identificao, por meio do qual as atividades cotidianas compartilhadas podem revelar uma tentativa conjunta de elaborar impasses relativos ao lao social contemporneo (Cairoli & Gauer, 2009, p. 210). Os ideais polticos e sociais, historicamente uma das foras motrizes do mundo adolescente, so cada vez mais confrontados com realidades nas quais o egosmo e a falta de solidariedade imperam (Lerner, 2007). Tais questes demonstram uma realidade poltica e social oposta, podendo adquirir efeitos traumticos quando se pensa pela via do desamparo a que exposto o adolescente.

    A queixa que vem dos adolescentes gira muito em torno das questes afetivas e dos relacionamentos, das iniciaes sexuais. uma questo que me chama a ateno nos ltimos cinco anos pelo menos, esse enfoque nas pessoas jovens, adolescentes que chegam angustiados com essas primeiras experincias. (P6).

    Sabe-se que a sexualidade no tem incio na adolescncia, mas nesse perodo que o desenvolvimento psicossexual inaugura um novo tempo, no qual o autoerotismo infantil evolui gradualmente para a etapa da genitalidade, culminando com o desejo sexual a partir do encontro com o outro que visa a atender novas vicissitudes pulsionais. Constata-se que, na contemporaneidade, ao mesmo tempo em que h ainda resqucios do ideal amoroso romntico, surgem novos tipos de relacionamento. O ficar, por exemplo, da mesma forma que se institui como nova forma de sociabilidade, provoca rupturas entre o ideal e a realidade, podendo reforar determinado modo de lidar com os sentimentos, caracterizado pela busca de prazer imediato e pela falta de compromisso com o outro (Chaves, 2001).

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    Nessa perspectiva, o entrevistado P7 ressalta:

    O adolescente, frente dificuldade com sua iniciao sexual, acaba encontrando essa oferta da cultura para fazer a sua iniciao como algo banal; o significado dessa situao destrudo e apresentado como uma

    variante natural da sexualidade. (P7).

    Demandas advindas do contexto contem-porneo referentes ao uso que a sociedade faz de um poder que se presentifica por meio das altas exigncias associadas s possibilidades de reconhecimento social e cultural tm sido motivo de constante reflexo na clnica. Conforme destacaram os entrevistados, a cultura, como excesso, pode incrementar, ou mesmo desencadear o padecimento psquico adolescente:

    Tudo est na ordem do excesso. o excesso da internet, o excesso dos jogos. Tudo num modelo da sexualidade, da masturbao. A excitao, o prazer, o gozo, esto no jogo, est na internet. Est falhando o prazer de encontrar com o outro. (P10).

    Muitas vezes esse contexto contemporneo abafa a construo da subjetividade. a negao de qualquer sofrimento psquico. No contemporneo, sofrer de algum tipo de depresso, de ansiedade, proibido. (P4).

    A cultura e a forma de organizao da sociedade contempornea tm sido bastante discutidas luz de seus benefcios e prejuzos. Silva (2007) considera que a sociedade a que Debord (1997) se referiu como uma sociedade do espetculo, marcada pela contemplao do outro idealizado e a consequente delegao daquilo que se julgava inatingvel, no existe mais. Segundo o autor, estamos em tempos de hiperespetculo, experimentando uma contemplao de si mesmo em um outro, em princpio, plenamente alcanvel (p.31). Para Silva, trata-se de uma cultura do imediatismo ao alcance de todos, na qual se tem, na imagem, seu principal produto. Assim o hiperespetculo no

    um conjunto de imagens, mas uma imagem nica, sob a aparncia de diversidade, que no permite reflexo (Silva, 2007, p.33). Esse aspecto se faz presente nas colocaes dos entrevistados:

    Tudo do nosso contexto sociocultural que prope uma alienao da subjetividade em favor de um modelo nico produtor do sofrimento psquico. (P2).

    Parece que tudo vai ser resolvido na superfcie, e no por uma medida de profundidade, mudanas na aparncia, a iluso de que h solues rpidas e imediatas para tudo. Esse conjunto de fatores da nossa cultura empobrece significativamente a capacidade simblica. (P7) .

    Nesse contexto, o adolescente, alm de caractersticas inerentes ao sofrimento tpico dessa etapa, tem vivenciado experincias que nem sempre contribuem positivamente para seu processo de subjetivao. Retomando a questo da economia dos recursos psquicos e do padecimento adolescente, Lerner (2007) prope uma reflexo sobre o que diferencia um adolescente que naufraga de outro que segue navegando; cabe, portanto, um questionamento a respeito de aspectos que contribuem para que um aparente sofrimento tpico do processo adolescente se desvele como patologia. Segundo o autor, a histria da construo subjetiva do adolescente que avana sem maiores dificuldades nesse processo permite constatar o acesso a recursos de plasticidade do eu, fazendo com que ele possa recorrer a diferentes modalidades de navegao para atravessar tormentas sem naufragar. No se trata de desconsiderar, portanto, a existncia de conflitos na adolescncia, mas sim, de constatar que, diante da fragilidade de recursos psquicos, pode o adolescente submergir em padecimentos, tais como a depresso e as patologias do ato.

    Trata-se de destacar o valor de insero em um contexto que lhe oferece novas

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    possibilidades identificatrias, constata-se, porm, da mesma forma, que, diante das ofertas da sociedade contempornea, pode surgir um hiato entre o que o sujeito e o que ele deseja ser. Fortes (2008) assinala o quanto no se pode desconsiderar o vazio subjetivo que se presentifica na atualidade como um efeito do excesso, ou seja, das modalidades ofertadas pela sociedade contempornea. Esses efeitos danosos na produo de subjetividade denunciam o alto custo de uma existncia regida pela performance. Na fala dos participantes, encontram-se evidncias do contraste entre a vida agitada dos adolescentes, a ausncia de limites no domnio das tecnologias e a escassa capacidade de investimento e de conhecimento sobre si mesmo:

    mais uma coisa de pessoas meio desinteressadas pela vida. Apticas, inteligentes, com capacidades, s vezes at com bom rendimento escolar, mas um escasso investimento na vida. Retrados, mais isolados. Uma vida social relativamente pobre. (P9).

    O que mais tenho visto uma apatia na adolescncia. Pais que chegam dizendo que falta nimo e falta vida. So adolescentes que chegam e no sabem bem porque esto chegando, no sabem bem o que querem. Ele nem sabe dizer qual o problema. E a, tu tens que fazer um trabalho, um trabalho prvio. Como se tu tivesse que criar bases de uma estrutura psquica, para depois, um dia, esse adolescente vir a saber o que incomoda. (P1).

    Ao abordar a temt ica da apat ia , considerando-a como uma manifestao frequente da adolescncia contempornea, Aryan (2006) demarca que o adolescente no tem demonstrado desconforto quando no confrontado, tampouco se responsabiliza quando no convocado. Parece, assim, no ter ideias alm daquilo que percebe como imprescindvel, o que denuncia sua passividade. Frente ao empobrecimento do si mesmo e escassez de recursos para dar

    conta daquilo que requer seu envolvimento afetivo, fazem-se presentes o desnimo e a constatao do desamparo frente intensidade do que experimenta.

    Que esse sujeito possa estar desorganizado, que possa estar atrapalhado, que no saiba onde vai pr as pernas, a sexualidade, os braos, no teria importncia, se ele encontrasse no outro, no semelhante, um vetor de apaziguamento para isso, mas um apaziguamento que no seja traumtico, ou seja, que no : Isso que est se passando contigo se passa com todo mundo, No, isso enlouquecedor. Que pudesse encontrar num semelhante alguma coisa que d conta

    da singularidade dele. (P10).

    Desde o nascimento, o beb, vulnervel e dependente, necessita do outro para se desenvolver. O sujeito, portanto, constitui-se na relao com o outro. Assim, na adolescncia, as questes da alteridade se enlaam com tais problemticas, e so claramente observadas a partir da experincia dos psicanalistas participantes deste estudo. O papel do outro na sade psquica , portanto, crucial ao longo do desenvolvimento e do processo de subjetivao. Nessa perspectiva, a entrevistada P10 complementa:

    O dficit de ateno a ateno afetiva; esse sujeito no consegue prestar ateno, esse adolescente de hoje no consegue reconhecer o lugar que o outro ocupa. Ele no sabe qual o lugar dele. Ento ele no reconhece ningum, ele acha que pode fazer

    tudo. (P10).

    A necessidade de o adolescente construir sua subjetividade por meio de um espao mediado por um outro estvel no qual ele possa acreditar destacada por Aryan ao afirmar que poder acreditar uma considerao imprescindvel para conceber metas alcanveis, encontrar objetos sexuais exogmicos vlidos e efetuar as sublimaes necessrias (2006, p. 231). A subjetividade do adolescente estar, inegavelmente, marcada pelo efeito do vivido em etapas anteriores de sua vida.

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    Outro aspecto da contemporaneidade que se faz presente, ao abordar a temtica da adolescncia, diz respeito aos recursos virtuais cada vez mais presentes e imprescindveis na vida cotidiana. A virtualidade torna-se, cada vez de modo mais imperativo, outro campo exogmico para o processo de construo da subjetividade. So irrestritas as possibilidades oferecidas pela rede mundial de computadores, dos sites de relacionamentos aos programas de mensagens instantneas, todos maciamente utilizados pela sociedade, mas, em especial, pelos adolescentes. Como no poderia deixar de ser, essa , tambm, uma temtica na clnica com adolescentes.

    Isso criou uma transformao tanto em nvel de comunicao, porque quinze anos atrs, vinte anos atrs, se ouvia muito os pais dizerem fulano no desgruda do telefone. Isso no existe mais, ningum mais est grudado no telefone; esto grudados na rede, esto grudados no MSN, esto grudados no youtube, no Orkut. (P9).

    O adolescente vive em um tempo onde no h espera, tudo imediato. Hoje em dia, a gente v um adolescente aborrecido porque depois de ele ter dado um comando, famoso duplo click no mouse, ele tem que esperar alguns segundos para que alguma coisa carregue, para que a pessoa, do outro lado do MSN, responda. (P2).

    Ele tem seu grupo de iguais, conversam, mas ele est com uma retrao da libido, est voltado para as relaes pela internet. (. . . ) Esses vnculos acabam ficando empobrecidos, porque so virtuais. Na hora do encontro, realmente, as coisas ficam difceis. (P1).

    A internet se apresenta como um cenrio contemporneo no qual as dvidas, as inquietaes, os conflitos, as incertezas sobre a sexualidade marcaro presena sob diversas formas. Assim, no espao virtual, o sujeito pode rapidamente criar vnculos e romper barreiras em relao a distncias fsicas, mas tambm pode promover massificao, vnculos superficiais,

    submisso a um modelo que impede a privacidade e a genuna intimidade com o outro. Na complexidade dos tempos atuais, cabe refletir sobre os efeitos decorrentes dos avanos possibilitados pelos recursos virtuais e sobre a mxima de prazer imediato na adolescncia.

    A temtica da sexualidade no poderia ficar merc dessas mudanas; assim, adentrar o campo da sexualidade segue despertando importantes questes na adolescncia. O tema da homossexualidade, bem como o da bissexualidade na adolescncia, se faz presente nesse cenrio devido a seus enlaces com a cultura do imediato. Esse prazer imediato oferecido pela cultura e pela mdia denota um prazer adicto, que no passa pela mediao do outro, produzindo apenas uma descarga instantnea (Maia, 2004). Os entrevistados evidenciam esse aspecto:

    A internet tambm tem tido o papel de fomentar e incrementar as fantasias sexuais, e isso deixa eles mais angustiados e ansiosos, sem saber o que fazer com o que eles veem e conversam atravs da internet. (P6).

    Em casos possivelmente de uma escolha homossexual, algumas coisas vm pelo adolescente, com uma demanda desviada, mascarada como tem dificuldade para se relacionar. E medida que as entrevistas de avaliao vo prosseguindo, aparece essa questo, a dificuldade para se relacionar com o sexo oposto e o desejo de se relacionar mais intensamente com as pessoas do mesmo sexo. (P2).

    Em outros momentos culturais, esses conflitos sexuais teriam outro tipo de soluo. Eles no passariam com tanta facilidade para a ao, no teria essa passagem ao ato com tanta facilidade como uma oferta excessiva de uma sexualidade ou pervertida ou distorcida, oferecida como um produto de consumo acessvel. (P7).

    Nesse sentido, a atividade sexual, quando carrega em si a marca de intensa angstia que no pde ser metabolizada, pode ser pensada luz de outras manifestaes que envolvem o

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    corpo, tambm nomeadas como passagem ao ato (Savietto & Cardoso, 2006; Coutinho, 2006). Na rapidez do mundo virtual, passa a imperar o autocentramento e a busca de atender todas as demandas a fim de evitar registros de falta ou incompletude. Tais manifestaes vm sendo observadas com reqncia na clnica, e, segundo Savietto e Cardoso, isso se d como uma resposta angstia, por no se suportar o desprazer e pela impossibilidade de recusa ao adiamento do prazer imediato.

    L pelas tantas, quando comea a aparecer a questo da angstia, comea a aparecer tambm o uso da maconha, da bebida ou de outras coisas como um fator que ajuda s vezes a chegar nas meninas, a se desinibir ou a lidar com aquela frustrao. (P6).

    O tipo de recurso escolhido pelo adolescente para suprimir a sua dor ou para atingir a satisfao depender do contexto, do momento e daquilo que, na experincia individual, tenha mostrado maior eficcia (Mayer, 2001, p.84). Mayer sublinha que, diante da falta de ideais e da intolerncia frustrao, as vidas desses adolescentes esto impregnadas de um sentimento de tdio e de uma vivncia de futilidade que viro a reclamar um choque de adrenalina que lhes d sentido. No importa muito se esse choque conseguido roubando, matando ou matando-se com substncias psicoativas (p. 98).

    Muitas vezes o uso de drogas a nica sada de busca de subjetividade. Claro que cada caso um caso, pode funcionar como um antidepressivo ou como uma fuga, mas alguma vez me parece que a gente tem que pensar tambm no sintoma como uma busca de subjetividade. (P4).

    Muitas vezes, o que observamos que realmente o lcool e a droga esto funcionando como antidepressivos para vazios ou melancolias muito precoces que,

    obviamente, no conseguem suprir, e vo cada vez mais adoecendo esse adolescente.

    (P8).

    Fica evidente, tambm, a partir das verbalizaes dos psicanalistas entrevistados, que o uso do recurso da descarga no corpo aparece como uma alternativa do adolescente frente s experincias do processo de subjetivao. Outro aspecto prprio do contexto contemporneo que pode favorecer ou desencadear padecimentos psquicos, exigindo maior capacidade de recursos dos adolescentes no seu processo, diz respeito aos efeitos da violncia.

    Tem uma coisa da nossa cultura que produz um efeito, tambm muito forte, que a insegurana. Essa questo da violncia. (...) Isso tem um efeito de produzir pessoas mais assustadas, mais medrosas ou, dependendo da constituio da pessoa, mais arrogantes, onipotentes. (P3).

    Esse sujeito chega na adolescncia com repeties de desamparo a si prprio. A situao violenta da realidade potencializou, quase como a teoria do apoio que Freud diz l do incio, deu apoio, deu carona para que isso aparecesse. Ento, se descortina o que est por trs. (P10).

    A partir das exigncias oriundas do cenrio contemporneo, possvel pensar na sobreposio de demandas s quais est submetido o adolescente. Ainda que os motivos de busca de um tratamento possam variar, sabe-se que, normalmente, o que impulsiona a busca por ajuda refere-se a um sofrimento que o sujeito experiencia como se no conseguisse vivenci-lo sozinho. Trata-se de reconhecer um limite frente aos recursos de enfrentamento com uma situao conflitiva e produtora de dor psquica, abrindo espao para que outro possa auxili-lo. imprescindvel, portanto, refletir sobre os efeitos que ter essa sobreposio na escuta clnica. O cenrio da clnica psicanaltica habitado por padecimentos complexos e singulares, que desafiam constantemente o

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    analista no exerccio de sua escuta. Nesse sentido, fundamental propor a terceira categoria final, que recebeu o nome de desafios e inquietaes no campo analtico: especificidades tericas e tcnicas a partir da escuta de adolescentes.

    Na proposio de pensar o que leva um sujeito ao espao clnico, destaca-se o papel da dor psquica como propulsora do encontro com o outro, desconhecido, mas a quem se atribui uma capacidade de ajuda. O campo analtico , por excelncia, o campo do encontro entre algum que demanda ajuda e outro que se prope a escut-lo.

    Coloquei o acento no aspecto social, familiar, contemporneo, mas me parece que continua muito vlida aquela mxima de que tem que escutar cada adolescente que vem, e de onde vem, o seu sofrimento. (P4).

    Cada um se manifesta de um jeito, negando o sofrimento, desmentindo, se atrapalhando ou se confundindo, seja o que for. Com isso se amplia o alcance da anlise, se amplia

    o alcance do mtodo psicanaltico. (P10).

    A vivncia de ser escutado como sujeito na singularidade de seu padecimento possibilita uma atribuio nica de sentido s suas dores. Segundo Macedo e Falco, o processo analtico deve possibilitar a descoberta, por parte do paciente, de que ele quem sabe de si: um saber que patrimnio de um territrio desconhecido de si mesmo. Para alcan-lo, alm de ser escutado, o paciente dever escutar-se (2005, p.69). As autoras reforam a ideia de que o analista exercita, de fato, a escuta analtica quando se coloca no lugar de algum que no sabe a respeito daquele que chega com um sofrimento.

    No desafio de compreender as demandas da clnica do adolescente, os participantes deste estudo destacaram, a partir de suas interrogaes acerca do sintoma, a complexidade que se faz presente nas configuraes de sofrimento na

    contemporaneidade. Fiel aos ensinamentos da psicanlise, tal constatao segue inviabil izando uma leitura l inear do padecimento psquico, bem como aponta a constante necessidade de interrogaes e a ampliao dos recursos que habitam o setting analtico.

    impossvel trabalhar com o adolescente dentro de um standard, de uma postura que tu tens com o adulto. Daqui a pouco ele est mexendo no computador, eu estou em p, eu circulo... Essa plasticidade inerente ao trabalho com adolescente. (P9).

    Trabalhar com essa faixa etria um desafio muito grande. Acho que a faixa etria mais estimulante e viva dentro do consultrio. onde mais acontecem coisas, onde mais

    aparece o inesperado. (P1).

    Para Kupermann (2007), o estabelecimento do vnculo no atendimento do adolescente uma condio fundamental. Por outro lado, necessrio refletir sobre os efeitos do contexto contemporneo em um setting que j carrega em si particularidades:

    Como vamos encarar, por exemplo, uma frustrao de uma demanda num setting analtico? Uma no gratificao? Isso acredito ser uma caracterstica da nossa contemporaneidade e do tempo presente, que advm da evoluo dos meios de comunicao e, sobretudo, da comunicao em rede e virtual, em tempo real. Esse um desafio grande, que ns temos. (P2).

    O principal requisito tcnico para trabalhar com adolescente ter presente a prpria adolescncia. Isso fundamental, porque seno o teu olhar acaba sendo um olhar muito atravessado s por uma outra coisa que evidentemente ser um adulto. Tenho noo das diferenas deles comigo, e que a minha fala, que o meu discurso vai chegar neles como a fala de um adulto. Eu no falo com eles da maneira como um amigo fala, como um colega fala. Eles tm uma forma prpria de se expressar que no a minha, mas, ao mesmo tempo, tenho que ter sempre presentes questes da minha prpria

    adolescncia. (P9).

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    Para Levisky (1995), da mesma forma que foram criadas tcnicas para a anlise de crianas, adaptaes oriundas de elementos do tratamento infantil e adulto foram sendo desenvolvidas para atender o adolescente. Em consonncia com a fala do entrevistado P9, o autor assevera ser esperado do analista de adolescentes que ele, alm de gostar e de ter interesse pelas questes relativas a essa fase do ciclo vital, seja capaz de estabelecer, em sua personalidade, condies de flexibilidade e adaptao para fazer frente s condies psquicas da adolescncia. No mesmo sentido, e ainda destacando a importncia do lugar ocupado pelo analista nesse singular espao de escuta, os entrevistados relatam:

    Acreditar que tu no vais ocupar o lugar de educador ou de pai ou de superego e tambm no vais ficar na farra de um grupo de iguais e tambm no vai tratar como criana. um lugar muito delicado, esse. Tecnicamente, eu aprendi com eles, talvez mais do que nos livros, por experincia, que estabelecer uma relao de confiana a minha meta no incio. (P1).

    um tratamento s vezes um pouco mais curto, mais dinmico. Com certeza eles se beneficiam bastante, e redimensiona a vida deles num espao de tempo s vezes at mais curto do que de um adulto. um momento importante da vida para poder se pensar, e evitar at muito sofrimento futuro. (P6).

    O objetivo da anlise com adolescentes

    consiste na possibilidade de autoriz-los, nos

    seus atos e at mesmo nos seus sintomas. Em

    resposta a um agir sintomtico, fundamental

    que o analista possa intervir tambm pela via

    da atitude continente, em uma dimenso tica

    a qual, alm da clssica interpretao e de

    intervenes discursivas, envolve um trabalho

    com os elementos do setting relacionados

    especialmente s combinaes do contrato

    (Coutinho, 2006). Assim, h que se considerar

    que, na adolescncia, perodo no qual os

    modelos identificatrios so especialmente

    importantes, o papel do analista adquire

    relevncia durante todo o processo:

    Esse um ponto delicado, pois o adolescente est muito dentro de uma cultura do imediatismo, de tudo conseguir rpido. Ento, entrar numa combinao de frequncia, que tende a ser um processo diferente do que ele est acostumado, no muito fcil; d trabalho. (P3).

    Quando comecei a receber adolescentes ou pessoas mais jovens, a outra questo que ficava para mim era: div ou no div? Qual a frequncia? E por uma resistncia, uma dificuldade minha de pensar um adolescente num div. Foram experincias at agora muito boas, de pacientes jovens, adolescentes, com div e com resultados muito produtivos. Claro que nem todos que vieram ficaram, mas os que vieram e ficaram se beneficiaram bastante da anlise. bem pertinente poder questionar a anlise com

    adolescentes. (P6).

    Percebe-se que, ao levar em conta as caractersticas da adolescncia, o uso do div pode ocorrer ou no no tratamento de adolescentes. Tal temtica desperta importantes questionamentos e reflexes quanto tcnica psicanaltica. Os impasses sobre o uso ou no do div fazem com que, da perspectiva do analista, seja necessrio identificar o momento e a viabilidade do uso desse recurso, observando sempre a singularidade do paciente adolescente. Considerando-se as questes da contemporaneidade abordadas no que diz respeito adolescncia, chega-se s transformaes nos recursos tcnicos, as quais, segundo os psicanalistas entrevistados, contribuem para as transformaes no espao clnico.

    O computador hoje em dia quase um instrumento indispensvel no meu consultrio em funo dos adolescentes. Porque muito comum que eles me tragam fitas, cds ou que queiram me mostrar alguma coisa na rede. Isso se torna uma coisa fantstica para ele como era no passado um material grfico para fazer um desenho, para

    pintar alguma coisa. (P9).

    A atendi um adolescente que veio com violo, porque canta. Na msica, ele consegue escrever o que pensa. Temos que ter essa abertura, pensar que a anlise no

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    uma coisa trancadinha para adolescente, ter uma capacidade de tolerar que tu no sabes o que vai acontecer na outra sesso. Isso, desse inesperado, uma coisa bem boa, mas tu tens que estar preparado para um inesperado s vezes mais barulhento. (P5).

    De outra perspectiva, a entrevistada P2 cita mais um desafio ante as demandas da clnica:

    O que ns encontramos muitas vezes so adolescentes que trazem, por exemplo, letras de msica ou artigos de jornal, mas um discurso de um outro, pela perspectiva de um outro. Na minha experincia, algo que me inquieta, e acredito que seja um dos maiores desafios que ns temos, o resgate do lugar da palavra. (...) O risco que ns, analistas, corremos, no meu ponto de vista, perdermos a questo central da palavra, deixarmos de lado e comearmos a importar outro tipo de recurso, exatamente porque a palavra est esvaziada. E h uma tentao muito grande de que isso seja feito, sobretudo na clnica com adolescentes. Se o adolescente fala pouco, no faz mal, ento vamos fazer um jogo de computador. No, se o adolescente fala pouco, vamos confront-lo

    com a sua pouca fala. (P2)

    Segundo Aryan, o analista deve mudar sem

    perder aquilo que ele denomina linguagem

    fundamental psicanaltica. O autor enfatiza

    que o analista deve gerar transformaes

    sem perder de vista as questes ticas e a

    regra bsica de abstinncia da sua parte.

    Para o autor, no entanto, essa regra no

    se refere a uma inao (no ao), mas

    capacidade de preservar o analista dos

    desejos que obstaculizem o contato do

    paciente com seu mundo interno e o desejo

    de se responsabilizar por si prprio. Por

    isso penso que o psicanalista deve ser um

    agente ativo nessa funo (2006, p.238).

    fundamental destacar, em relao s falas dos entrevistados, que, independentemente do recurso tcnico escolhido pelo analista para escutar a singularidade da dor do adolescente, h uma dimenso tica para alm dos aspectos deontolgicos da profisso, implcita nas reflexes propostas. Pensar sobre o seu

    fazer denota uma condio essencial para o exerccio de uma prtica efetiva bem como para a evoluo da tcnica. Nesse sentido, entende-se que tica e tcnica so aes mutuamente implicadas.

    Diante do exposto, acredita-se que ser no espao de escuta analtica que a demanda adolescente poder ser desdobrada em seus significados singulares. Constata-se, nos dizeres dos entrevistados, essa preocupao de refletir sobre recursos tericos e tcnicos que sigam abarcando as transformaes presentes nas formas de expresso do padecimento adolescente contemporneo. Na medida em que a adolescncia compreendida como um momento fundamental de ressignificao da identidade, inegvel ser por meio das configuraes de seus padecimentos psquicos que se d a possibilidade de acessar e de compreender os efeitos do contexto sociocultural no processo de subjetivao, bem como se impe a reflexo a respeito de seus possveis desdobramentos na clnica psicanaltica atual.

    Consideraes finais

    O estudo realizado buscou explorar e compreender as demandas e as configuraes de padecimentos psquicos da clnica da adolescncia no contexto contemporneo. Entende-se, dessa forma, ser necessria e pertinente uma reflexo sobre os efeitos das complexas demandas atuais dessa faixa etria. importante considerar que, ainda que o processo da adolescncia tenha, em alguma medida, um carter universal, acredita-se que o modelo psicanaltico de escuta da singularidade humana possa abarcar aspectos nicos que se fazem presentes nos matizes de padecimento do adolescente. Reconhece-se, dessa forma, a sua insero em um contexto social e cultural, mas reafirma-se a singularidade dos fatores envolvidos no seu processo de subjetivao.

    A Clnica Psicanaltica com Adolescentes: Especificidades de um Encontro Analtico

    Renata Cardoso Plcido Ayub & Mnica Medeiros Kother MacedoPSICOLOGIA:

    CINCIA E PROFISSO, 2011, 31 (3), 582-601

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    Na medida em que o encontro analtico visa a atribuir sentido dor adolescente e a viabilizar desdobramentos saudveis nas mais diversas esferas de sua vida, a clnica um campo privilegiado de qualificao do processo de genuno autoconhecimento. Por outro lado, a maioria dos entrevistados chamou a ateno, durante as entrevistas, para o fato de haver poucos estudos empricos que abordem a temtica da escuta analtica de adolescentes, fato que vem se modificando na medida em que pesquisas em psicanlise vm se consolidando cada vez mais nos espaos acadmicos. Assim, este estudo

    abordou a escuta de analistas considerando uma clnica com suas especificidades. Trata-se, portanto, de seguir investigando a relao que se estabelece em outras condies sociais e culturais quando se torna necessrio refletir a respeito das demandas que levam um adolescente a buscar ajuda na ocorrncia de dor psquica. Reafirma-se, com este estudo, a necessidade de o exerccio da clnica psicanaltica continuar sendo a fonte instigadora de contribuies tericas e de consistentes transformaes na tcnica psicanaltica.

    A Clnica Psicanaltica com Adolescentes: Especificidades de um Encontro Analtico

    Renata Cardoso Plcido Ayub & Mnica Medeiros Kother MacedoPSICOLOGIA:

    CINCIA E PROFISSO, 2011, 31 (3), 582-601

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    A Clnica Psicanaltica com Adolescentes: Especificidades de um Encontro Analtico

    Renata Cardoso Plcido Ayub & Mnica Medeiros Kother MacedoPSICOLOGIA:

    CINCIA E PROFISSO, 2011, 31 (3), 582-601

    Renata Cardoso Plcido AyubMestre em Psicologia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul RS Brasil.E-mail: [email protected]

    Mnica Medeiros Kother MacedoDoutora em Psicologia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul RS Brasil.E-mail: [email protected]

    Endereo para envio de correspondncia:Rua Dr. Florncia Ygartua, 69 conj. 307 Porto Alegre, Rio Grande do Sul RS Brasil. CEP 90430-010.

    Recebido 28/5/2010, Aprovado 16/5/2011.

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