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    ENSINO DE FÍSICA NA EJA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO

    ELETROMAGNETISMO

    Renato do Carmo Póvoas

    Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa dePós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática,

    Centro Federal de Educação Tecnológica CelsoSuckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dosrequisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

    Orientadora:Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso

    Rio de JaneiroDezembro, 2012

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    ENSINO DE FÍSICA NA EJA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DOELETROMAGNETISMO

    Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação emEnsino de Ciências e Matemática, Centro Federal de Educação Tecnológica CelsoSuckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção dotítulo de Mestre.

    Renato do Carmo Póvoas

    Aprovada por:

     _______________________________________________________________Presidente, Prof. Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso,D.Sc. (orientadora)

     ________________________________________________________________

    Prof. Mônica de Cassia Vieira Waldhelm, D.Sc.

     ________________________________________________________________Prof. Deise Miranda Vianna, D.Sc. (UFRJ)

    Rio de JaneiroDezembro, 2012

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    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ

    P879 Póvoas, Renato do Carmo

    Ensino de física na EJA: uma abordagem histórica do eletromagnetismo

     / Renato do Carmo Póvoas. — 2012.

    viii, 100f. + apêndices : il.color. , grafs. , tabs. ; enc.

    Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica Celso

    Suckow da Fonseca , 2012.Bibliografia : f. 96-100

    Orientadora : Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso

    1. Ciências (Ensino fundamental) – estudo e ensino. 2. Física (Ensino

    médio) – Estudo e ensino. 3. Ensino supletivo. 4. Eletromagnetismo. I. Cardoso, Tereza Maria Rolo Fachada Levy (Orient.). II. Título.

    CDD 372.35

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    AGRADECIMENTOS

     A minha esposa, Ana Paula Neves Nogueira Póvoas, pelo incentivo, carinho e paciência.

     Aos meus pais, Leonel Ferreira Póvoas e Sonia Regina do Carmo, pelo que sou e pelo

    apoio incondicional em todos os momentos da minha vida.

     A minha irmã, Simone do Carmo Póvoas Raposo da Silva, pelo incentivo e carinho.

      A minha orientadora, Prof. Doutora Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso, pelo

    empenho e dedicação na solução das dificuldades encontradas por mim.

      Aos membros da banca,  Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso (D.Sc.),  Mônica de

    Cassia Vieira Waldhelm (D.Sc.) e  Deise Miranda Vianna (D.Sc.), por participarem neste

    trabalho dando a sua honrosa participação.

      Aos amigos e professores Carlos Eduardo Gadelha Kelly e Leonard dos Santos Ramos

    pelas conversas e contribuição para a realização deste trabalho.

     A amiga Maria de Lourdes Andrade Borges pelo incentivo e contribuição para a realizaçãodeste trabalho.

     A funcionária Andreia Bello Meijinhos do C.E. Trasilbo Filgueiras.

     Aos alunos das turmas 3001 EJA e 3002 EJA pelo envolvimento e dedicação com o curso.

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    “...fico com a pureza da resposta das crianças éa vida, é bonita, e é bonita; viver e não ter avergonha de ser feliz cantar a beleza de ser umeterno aprendiz...”

    Gonzaguinha – O que é o que é? - 1982

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    RESUMO

    ENSINO DE FÍSICA NA EJA: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO

    ELETROMAGNETISMO

    Renato do Carmo Póvoas

    Orientador:

    Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso

    Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ensino deCiências e Matemática do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca,CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

    O presente trabalho apresenta o curso “Ensino de Física na EJA: Uma Abordagem Histórica doEletromagnetismo”, tendo como finalidade estimular os jovens adultos da EJA, contribuir para aaprendizagem e promover uma pesquisa em ensino na educação de jovens e adultos. Optou-

    se pela EJA como público-alvo por ser uma modalidade de ensino que vem sofrendoconstantes desvalorizações e marginalizações, nas políticas públicas, na sociedade e naprópria escola, seja pelos alunos ou pelos professores e por ser um segmento onde o autorleciona. O curso foi realizado em duas turmas de 3º ano do ensino médio/EJA - noturno, deuma escola pública estadual em São Gonçalo – Rio de Janeiro, durante todo o primeirosemestre de 2012. O curso proposto foi desenvolvido através de uma abordagem histórica,qualitativa e contextualizada, por meio de aulas expositivas e participativas, com recursos demultimídia e com atividades experimentais, visando construir uma postura intelectualmenteativa e crítica perante a aquisição de conhecimentos científicos. Por fim, para analisar osresultados do curso, utilizaram-se os dados computados com o questionário de sondagem (prée pós), as avaliações bimestrais, os aproveitamentos bimestrais e o aproveitamento final emfísica, cabendo ressaltar, que os resultados foram alcançados, principalmente, pelo apoio eenvolvimento dos alunos no curso.

    Palavras-chave:

    Ensino de Ciências; EJA; Eletromagnetismo.

    Rio de JaneiroDezembro, 2012

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    ABSTRACT

    PHYSICS TEACHING FOR EJA: A HISTORICAL APPROACH OF

    ELETROMAGNETISM 

    Renato do Carmo Póvoas

    Advisor:

    Tereza Maria Rolo Fachada Levy Cardoso

    Abstract of dissertation submitted to Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências eMatemática - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ as partialfulfillment of the requirements for the degree of Master’s.

    The present work presents the course “Physics teaching for EJA: A Historical Approach ofEletromagnetism”, and aims to encourage young adults from EJA,  contribute to learning andpromote a research on teaching in the education of youth and adults. EJA was chosen becausethis group of students have been undergoing constant devaluation an marginalization, from the

    public policy, in society and in their own school, either by students or teachers and being asegment where the author teaches. The course was realized with two groups with students fromthe 3rd  year of high school / EJA – at night, a public school located in São Gonçalo – RioJaneiro, during the first half of 2012. The proposed course was developed through a qualitativeand contextual approach with elements from the history of electromagnetism, through expositiveand practical classes, with multimedia resources and experimental activities in order to improvean intellectually active and critical stance towards the acquisition of a scientific knowledge.Finally, to analyze the results of the course, we used the data computed with a surveyquestionnaire (before and after), the bimonthly assessment, the bimonthly attainment and thefinal attainment in physics, Is important to say, that the results were achieve, especially becauseof their envelopment in the course.

    Keywords:

    Science Education; EJA; Eletromagnetism.

    Rio de JaneiroDecember, 2012

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    Sumário

    Introdução 1

    I Educação de Jovens e Adultos (EJA) 4 

    I.1 Políticas Públicas para EJA no Brasil 4

    I.1.1 Dos anos de 1940 até as Vésperas da LDB/1996 4

    I.1.2 Da LDB aos Dias Atuais 8

    I.2 Os Desafios da EJA 12

    II História do Eletromagnetismo 21

    II.1 De Tales de Mileto a Pilha de Alessandro Volta 21

    II.2 Do Nascimento do Eletromagnetismo com Oersted a Indução Eletromagnética 36

    III Desenvolvimento do Curso 50

    III.1 Finalidade 50

    III.2 Planejamento e Montagem 50

    III.3 Aplicação do Curso 53

    III.3.1 Questionário de Sondagem ( Pré e Pós ) 53

    III.3.2 Atividades Realizadas no 1º Bimestre 54

    III.3.3 Atividades Realizadas no 2º Bimestre 67

    IV Resultados do Curso 78

    IV.1 Dados e Análise do Questionário de Sondagem ( Pré e Pós ) 78

    IV.1.1 Parte I 78

    IV.1.2 Parte II 79IV.2 Avaliação e Aproveitamento Bimestral 87

    IV.2.1 Dados das Avaliações e dos Aproveitamentos Bimestrais da Turma3001 EJA 87

    IV.2.2 Dados das Avaliações e dos Aproveitamentos Bimestrais da Turma3002 EJA 89

    IV.3 Análise dos Aproveitamentos Bimestrais 91

    IV.4 Aproveitamento Final 92

    Conclusões 94 

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    Referências Bibliográficas 96

    Apêndice I Eletrostática 101

    Apêndice II Avaliação do 1º Bimestre 102 

    Apêndice III Avaliação do 2º Bimestre 104

    Apêndice IV Avaliação de Recuperação 105 

    Anexo I Modelos na Ciência 107

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    Introdução

    O ensino de ciências vem passando por profundas reflexões nos últimos anos, sejam

    elas nas grades curriculares, nas práticas de ensino, na formação dos futuros professores, na

    formação continuada e outras mais (MALAFAIA e RODRIGUES, 2008; BRASIL, 2005;FOUREZ, 2004). Essas reflexões não têm o objetivo de indicar o “caminho encantado” que o

    ensino de ciências deve seguir para encontrar a melhor maneira para ser eficaz, pelo contrário,

    a finalidade é acenar com algumas possibilidades para subsidiar o ensino de ciências e advertir

    que a forma como certas disciplinas - por exemplo: a física - vêm sendo trabalhadas em sala

    de aula, não tem contribuído para uma formação científica autônoma dos alunos, e mais, de

    acordo YANO (2011) o ensino de ciências tem provocado uma rejeição no aprendizado dessas

    disciplinas e afastado os estudantes de optar por carreiras que envolvem essas áreas.

    Pensando nas possibilidades para esse ensino, trabalhos como os de KÖHNLEIN &PEDUZZI, 2005; DIAS & MARTINS, 2004, entre outros, apontam para uma abordagem

    histórica, filosófica e sociológica (HFS) do ensino de ciências. De acordo MATTHEWS (1995),

    “A história, a filosofia e a sociologia da ciência não têm todas as respostas para essa crise,

    porém possuem algumas delas: podem humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses

    pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade” (p.165). 

    Mesmo sabendo das limitações da HFS, os autores concordam que essa visão

    humanística no ensino das ciências aproxima o aluno das suas dificuldades de aprendizagem,

    ao encurtar a distância dos numerosos problemas que a produção do conhecimento científicotem enfrentado ao longo do tempo para ser construído, ou seja, aproximando a ciência dos

    cientistas da ciência dos estudantes (MUNFORD & LIMA, 2007).

    Com essa abordagem, o ensino de ciências poderá mostrar que o conhecimento

    científico não é um produto pronto e acabado, mas fruto de um processo histórico, filosófico e

    social, construído e inserido no espaço e no tempo. E mais, poderá desvendar o preconceito de

    que a ciência é construída por gênios, mostrando aos estudantes que o conhecimento não é

    uma verdade absoluta, única e acabada, mas edificado por etapas com avanços e recuos e

    com certa “validade”.

    Além dos inúmeros artigos que abordam a utilização da história da ciência como um dos

    recursos capazes de proporcionar uma formação eficaz aos estudantes, encontra-se essa

    diretriz nos documentos dos órgãos oficiais, como nos Parâmetros Curriculares Nacionais, ao

    “Reconhecer a Física enquanto construção humana, aspectos de sua história e relações com o

    contexto cultural, social, político e econômico; Reconhecer o papel da Física no sistema

    produtivo [...] e sua relação dinâmica com a evolução do conhecimento científico (BRASIL,

    2000, p.29).”

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    A opção pela adoção da história da ciência como ferramenta subsidiadora no ensino da

    física não é uma escolha aleatória, uma vez que se encontra respaldada em diversos autores e

    recomendada por documentos oficiais na área de ensino.

    Dentre esses e muitos outros argumentos, optou-se em trabalhar com HFS no ensino

    de física, escolhendo o Eletromagnetismo para ser abordado, desde Tales de Mileto, na Grécia

    Antiga, até a lei de indução de Michael Faraday, no século XIX. Para colocar em prática essa

    proposta, optou-se em trabalhar com as duas turmas da 3ª série do Ensino Médio (EM) noturno

    do 1º semestre de 2012, modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), do Colégio

    Estadual Trasilbo Filgueiras (CETF), localizado no município de São Gonçalo-RJ.

    Como o público-alvo são turmas da 3ª série do EM, buscou-se na Lei de Diretrizes e

    Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, as finalidades

    da etapa final da educação básica, sendo observado no Art.35:

    “I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentosadquiridos no ensino fundamental, possibilitando oprosseguimento de estudos;II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania doeducando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de seadaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ouaperfeiçoamento posteriores;III - o aprimoramento do educando como pessoa humana,incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomiaintelectual e do pensamento crítico;IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos

    processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, noensino de cada disciplina (BRASIL, 1996).”

    Como este trabalho abordará o ensino de física na EJA, apresenta-se uma maior

    especificidade, como idade, condição socioeconômica, familiar e outras, portanto, as suas

    finalidades tornam-se ainda mais imediatas. De acordo com Eda Luiz, diretora do CIEJA

    Campo Limpo-SP, à Revista Escola Pública, 

    “É possível fazer com que o aluno seja cativado pelo benefício quea educação vai proporcionar à sua vida. Procuramos escutá-lo e

    mostrar a necessidade do ensino para ele, sem aquele discurso deum futuro distante e um emprego regular, porque a realidade daspessoas que vivem na periferia não é essa. Mas o conhecimentopode ajudá-lo nas decisões simples do cotidiano, para seposicionar quanto ao consumo, à moda, à mídia (LUIZ apudENTENDA o seu público, 2011).”

    A reformulação que o ensino de física necessita passar para poder contribuir com uma

    formação efetiva dos discentes varia de acordo com os níveis de ensino, no entanto, se for

    analisado o ensino de física na modalidade educação de jovens e adultos (EJA), pela finalidade

    e perfil desse grupo, a reestruturação ganha novos contornos, sendo agravada pela

    marginalização que a EJA vem sofrendo com as políticas públicas.

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    Contudo, os obstáculos enfrentados pela EJA não param por aí, e para Inês Barbosa de

    Oliveira, professora da Faculdade de Educação e do Programa de pós-graduação da UERJ, “a

    educação de jovens e adultos tem sido, no Brasil, um tema polêmico e controvertido desde os

    primeiros momentos em que começou a ser pensada em suas especificidades ”. Segundo a

    educadora, “para pensarmos o currículo na educação de jovens e adultos [...] é relevante [...] o

    entendimento a respeito de quem são as pessoas a que ela se destina ”, para que se possa

    reduzir as “dificuldades na adequação das propostas curriculares e metodológicas [...] ao perfil

    socioeconômico-cultural dos educandos.”  (OLIVEIRA, 2007)

    O autor desta dissertação, analisando os inúmeros problemas enfrentados pela EJA, 

    concluiu que poderia contribuir com a modalidade através de uma metodologia de ensino,

    enfocando os seguintes itens: estimular os jovens adultos da EJA, contribuir para a

    aprendizagem e promover uma pesquisa em ensino na educação de jovens e adultos.

    Então, surgiu a seguinte a pergunta: “O desenvolvimento de uma metodologia com o

    enfoque na história do eletromagnetismo é uma boa ferramenta para o ensino de física para os

    estudantes da EJA?”

    Para desenvolver a resposta ao problema que se apresentava, foram escritos quatro

    capítulos.

    No primeiro, são apresentados, além de um relato histórico das políticas públicas para

    EJA no Brasil, os desafios enfrentados pela modalidade.

    No segundo, é apresentado um relato da história do eletromagnetismo e os seus

    condicionantes, de Tales de Mileto a Michael Faraday.

    No terceiro, encontram-se os principais aspetos do curso desenvolvido: a metodologia,

    o planejamento, a montagem e a aplicação do curso.

    No quarto, estão os resultados do curso, obtidos através do questionário de sondagem,

    das avaliações bimestrais e dos aproveitamentos bimestrais e final em física.

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    Capítulo I - Educação de Jovens e Adultos (EJA)

    Segundo o site  da Escola Municipal Gabriel Obino (2010), localizada em Porto Alegre -

    RS, a Educação de Jovens e Adultos é:

    “uma modalidade específica da Educação Básica que se propõe aatender a um público ao qual foi negado o direito à educaçãodurante a infância e/ou adolescência seja pela oferta irregular devagas, seja pelas inadequações do sistema de ensino ou pelascondições socioeconômicas desfavoráveis” (s/p).

    Nessa definição para EJA observa-se que a negação ao direito a educação enfrenta os

    obstáculos que perpassam o horizonte educacional, necessitando não só de políticas

    educacionais, mas também de políticas sociais e econômicas.

    Para FRIEDRICH et al. (2010), “a escolarização de jovens e adultos é considerada em

    toda sua trajetória como proposta política redimensionada à plataforma de governo na tentativa

    de elucidação de um problema decorrente das lacunas do sistema de ensino regular” (p.393), 

    ou seja, a escolarização da EJA deve ultrapassar uma visão política pontual e ser pensada

    num todo, numa plataforma governamental. 

    Para DI PIERRO, JOIA & RIBEIRO (2001), “a educação de jovens e adultos é um

    campo de práticas e reflexão que inevitavelmente transborda os limites da escolarização em

    sentido estrito” (p.58). Assim, a ponderação a respeito dos  inúmeros problemas enfrentados

    pela EJA, antes de qualquer coisa, sinaliza para políticas públicas que estejam sensibilizadas

    com a realidade enfrentada pela modalidade.

    Portanto, para que se possa entender o cenário atual da EJA no Brasil, será

    apresentado um panorama das políticas públicas que envolvem essa modalidade de ensino,

    dos anos de 1940 até os dias atuais e, em seguida, serão apresentados os desafios da EJA.

    I.1 Políticas Públicas para EJA no Brasil

    I.1.1 Dos anos de 1940 até a LDB/1996

    Segundo DI PIERRO, JOIA & RIBEIRO (2001), “a educação de adultos se constitui

    como tema de política educacional sobretudo a partir dos anos 40   [...] Essa tendência se

    expressou em várias ações e programas governamentais, nos anos 40 e 50” (p.59),

    destacando-se a criação e regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) em

    1942; o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP); o surgimento das primeiras obras

    dedicadas ao ensino supletivo; o lançamento da Campanha de Educação de Adultos (CEA) em

    1947, Campanha de Educação Rural iniciada em 1952 e da Campanha Nacional de

    Erradicação do Analfabetismo em 1958, dentre outras.A ampliação da Educação de Adultos (EA) a partir da década de 40 do séc. XX deu-se,

    principalmente, em função do elevado número de brasileiros analfabetos, sendo este apontado

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    como um dos motivos da estagnação econômica do país. Segundo FRIEDRICH et al. (2010),

    essa preocupação econômico-educacional confirma-se pela:

    “criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)que vem corroborar com a intenção da sociedade capitalista e dos

    grupos econômicos dominantes: sem educação profissional nãohaveria desenvolvimento industrial para o país [...] Nessa fase dahistória, a educação é considerada como fator de segurançanacional tendo em vista o alto índice de analfabetismo:aproximadamente 50% da população em 1945” (p.395).

    Em 1958, foi realizado em Belo Horizonte, o II Congresso Nacional de Educação de

    Adultos, com o objetivo de discutir e avaliar ações realizadas na área. Foram feitas as

    seguintes críticas: precariedade dos prédios escolares, baixa frequência por parte dos alunos,

    má remuneração dos professores, inadequação de programas e do material didático e

    qualificação do professor.Nesse congresso ganhou destaque o grupo de Pernambuco liderado por Paulo Freire1,

    constituído por um movimento que valorizava o diálogo como princípio educativo, voltado para

    o desenvolvimento da educação de adultos como sujeitos da aprendizagem.

    Essa visibilidade fez com que a pedagogia de Paulo Freire fosse apoiada e ampliada,

    ganhando novos contornos, o que, segundo DI PIERRO, JOIA & RIBEIRO (2001), só viria a

    ocorrer no início dos anos de 1960, quando:

    “passou a direcionar diversas experiências de educação deadultos organizadas por distintos atores, com graus variados deligação com o aparato governamental. Foi o caso dos programasdo Movimento de Educação de Base (MEB), do Movimento deCultura Popular do Recife, ambos iniciados em 1961, dos CentrosPopulares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, entreoutras iniciativas de caráter regional ou local” (p.60).

    E mais, somando-se a efervescência política e cultural do período,

    “essas experiências evoluíam no sentido da organização degrupos populares articulados a sindicatos e outros movimentossociais. Professavam a necessidade de realizar uma educação de

    adultos crítica, voltada à transformação social e não apenas àadaptação da população a processos de modernizaçãoconduzidos por forças exógenas.” (Idem, ibidem)

    No entanto, em 1964, com o golpe militar, muitos movimentos de alfabetização que

    estavam vinculados à ideia de fortalecimento de uma cultura popular foram extintos.  Restando

    apenas alguns movimentos, com destaque para o Movimento de Educação de Base (MEB) que

    sobreviveu por estar ligado ao MEC e à igreja Católica.   Todavia, as pressões políticas e a

    escassez de recursos financeiros fez com que o MEB encerrasse suas atividades em 1969.

    1 “Paulo Freire (1921-1997) - Suas ideias e práticas foram objeto de teses e estudos acadêmicos, no Brasil e no exterior.  Recebeuimportantes premiações no Brasil e em muitos outros países, por ex. Doutor Honoris Causa   em cerca de três dezenas deuniversidades no Brasil, na Europa e nos estados Unidos. Exerceu considerável influência sobre as ideias e as práticas educativasem quase todos os setores da atividade educacional. Encontram-se expressões de suas ideias em diversos outros campos dopensamento religioso, social e cultura.” (BEISIEGEL, 2002, p.899) 

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    Nesse mesmo ano, sob a égide da ditadura militar, foi criado pelo governo federal o

    Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Sendo este um programa de amplitude

    nacional, que visava oferecer alfabetização às diversas camadas de adultos analfabetos dos

    distintos locais do país. Entretanto, com uma proposta ideológica diferenciada do que vinha

    sendo realizada, passando de uma preocupação na formação do indivíduo, para preocupar-se,

    sobretudo, com a leitura e a escrita dos alunos.

    “o governo federal investiu um volume significativo de recursos namontagem de uma organização de âmbito nacional e autônomaem relação às secretarias estaduais e ao próprio Ministério daEducação. O Mobral instalou comissões municipais por todo opaís, responsabilizando-as pela execução das atividades,enquanto controlava rígida e centralizadamente a orientação,supervisão pedagógica e produção de materiais didáticos. Sendoconcebido como ação que se extinguiria depois de resolvido o

    problema do analfabetismo, o Mobral tinha baixa articulação com osistema de ensino básico. Em virtude de sua presença maciça nopaís e sua capilaridade, contribuiu para legitimar a nova ordempolítica implantada em 1964.” (Idem, p.61)

    Na década de 70, com a promulgação da Lei Nº 5692/71, fixaram-se as diretrizes e

    bases para o ensino de 1º e 2º graus, vindo a contemplar a EA através de um capítulo

    específico sobre o ensino supletivo, desenvolvido entre os Art. 24 e 28, onde foram abordados

    os seguintes itens: a finalidade, a abrangência, os exames, o prosseguimento nos estudos e a

    expedição dos certificados do ensino supletivo. Vale ressaltar que, “um dos componentes mais

    significativos [...] preconizado pela Lei 5692/71 [...] foi a flexibilidade [...] ela se concretizou napossibilidade de organização do ensino em várias modalidades: cursos supletivos, centros de

    estudo e ensino a distância, entre outras”. ( Idem, p.62)

    Segundo FRIEDRICH et al.(2010), “na visão dos legisladores, o Ensino Supletivo

    nasceu para reorganizar o antigo exame de madureza 2, que facilitava a certificação e

    propiciava uma pressão por vagas nos graus seguintes, em especial no universitário .” (p.398)

    Por outro lado, de acordo com DI PIERRO, JOIA & RIBEIRO (2001), houve uma

    modificação na clientela dos cursos supletivos, proporcionando uma instabilidade ao que vinha

    sendo pensado em relação a EA desde Paulo Freire. Nesse caso, passou-se de um público de

    trabalhadores com vínculos na cultura rural para o crescimento de um público jovem e urbano.

    Sendo que este novo público possuía características distintas da clientela inicial, sendo

    constituído, principalmente, em função das pressões oriundas do mundo do trabalho e da

    dinâmica escolar brasileira (devido às deficiências do sistema público de ensino).

    Com as transformações sociais e políticas da década de 80, o fim dos governos

    militares e a retomada do processo de democratização, o MOBRAL foi extinto em 1985 e

    substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos – EDUCAR, assim o

    2 Exame estabelecido no início da década de 1960, em que os maiores de 16 anos poderiam obter certificado de conclusão docurso ginasial (atualmente Ensino Fundamental II) mediante a prestação de exames, e os maiores de 19 anos poderiam obter ocertificado de conclusão do curso colegial (atualmente Ensino Médio).

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    governo federal passou de executor dos serviços educacionais para um órgão de apoio e

    convênio aos sistemas estaduais e municipais de ensino. Mas devido ao pequeno suporte dado

    ao programa, as suas atividades foram encerradas rapidamente em 1990 e transferidas aos

    municípios. (FRIEDRICH et al., 2010)

    A transferência da responsabilidade com a EA para os estados e municípios não

    ocorreu em comum acordo com o governo federal, sendo estes simplesmente obrigados a

    herdá-la e assumi-la para dar continuidade ao trabalho, sem receber o apoio financeiro

    proveniente do governo federal existente anteriormente. Consequentemente, inicia a

    descentralização da EA.

    Essa visão também é corroborada por FREITAS (s/d), quando afirma que:

    “A partir do encerramento da Educar, todos os órgãosconveniados tiveram que garantir sozinhos o custo das atividadesde educação, antes financiado pela Fundação. Esta extinção, aoprovocar uma crise no financiamento, deslocou a responsabilidadede fomento dos programas de EJA para os governos estaduais emunicipais. Na verdade, deste momento em diante, com FernandoCollor, iniciar-se-á o processo de descentralização federal queserá consignado no governo Fernando Henrique Cardoso” (s/p).

    Entretanto, após alguns avanços e recuos, idas e vindas, centralizações e

    descentralizações, definiu-se uma concepção para a EJA na Constituição Federal de 1988. De

    acordo com o “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia

    de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram

    acesso na idade própria (BRASIL, 1988).”

    Todavia, com a Emenda Constitucional 59/2009 de 11/11/2009 deu-se nova redação ao

    inciso I do Art. 208, tal como descrito: “I - educação básica  obrigatória e gratuita dos 4 (quatro)

    aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a

    ela não tiveram acesso na idade própria  (BRASIL, 2009).” Com esse novo formato do inciso I,

    foi ampliada a obrigatoriedade do Estado para toda a educação básica, diferentemente da

    redação de 1988, onde o Estado garantia apenas o ensino fundamental. Cabe lembrar, que a

    partir da LDBEN/96 a educação básica caracteriza-se pela educação infantil, ensinofundamental e ensino médio.

    Apesar do citado Art. 208 da constituição, chegou-se a década de 90 com políticas

    públicas adversas ao setor, somando-se a isso, a extinção da Fundação Educar. E mais,

    segundo DI PIERRO, JOIA & RIBEIRO (2001),

    “Esse retrocesso no plano das políticas também exprimiu-se noquadro legal, por meio de duas medidas restritivas tomadasdurante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Em1996, uma emenda à Constituição suprimiu a obrigatoriedade do

    ensino fundamental aos jovens e adultos, mantendo apenas agarantia de sua oferta gratuita. Essa formulação desobriga oEstado de uma ação convocatória e mobilizadora no campo daeducação de adultos” (p.67).

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    Em 1996, quando foi eliminada a obrigatoriedade do governo com o ensino fundamental

    de jovens e adultos, ocorreu um novo retrocesso neste segmento, como a perda de

    investimentos provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

    Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). De acordo com a Lei nº 9.424, Art. 1º :

    “É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, oFundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamentale de Valorização do Magistério, o qual terá natureza contábil eserá implantado, automaticamente, a partir de 1º de janeiro de1998 (BRASIL, 1996).”

    Quando o governo desobrigou-se com o nível fundamental para EJA e, posteriormente,

    elaborou o FUNDEF, mostrou claramente que essa parcela de estudantes e, inclusive os

    educadores que nela trabalhavam, não lhe interessavam.

    I.1.2 Da LDB aos Dias Atuais

    Na LDB/96 a EJA foi contemplada com os artigos 37 e 38, os quais, segundo

    CHILANTE & NOMA (2007), explicitam “que compete aos sistemas de ensino assegurar,

    gratuitamente oportunidades educacionais, de maneira adequada, àqueles que não concluíram

    seus estudos em idade apropriada, por meio dos cursos e exames supletivos”   (p.4).

    Novamente, como em algumas outras vezes, verifica-se uma tentativa de avançar na

    valorização da EJA, entretanto, permaneceu apenas na tentativa.Ou seja, a criação de apenas dois artigos para abranger toda a necessidade da EJA foi

    muito pouco, em especial pelo tempo que esse público vem clamando por um olhar das

    políticas públicas e pelas características dessa modalidade. E mais, o teor apresentado no

    artigo 38 deixa-nos no mínimo em dúvida, sobre o real sentido da apreciação da EJA na LDB.

    Para FRIEDRICH et al. (2010), o “artigo 38 faz referência aos cursos e exames supletivos e,

    assim, continua a ideia da suplência, de compensação e de correção de escolaridade ”.

    Acrescentando-se a isso, tem-se, “a redução das idades mínimas de 18 para 15 anos para o

    ensino fundamental e de 21 para 18 anos para o ensino médio vem corroborar com a

    desqualificação desta modalidade de ensino, privilegiando certificação em detrimento dos

    processos pedagógicos” (p.400).

    Um contra ponto aos artigos 37 e 38 da LDB encontra-se no trabalho de FORTES et al.

    (2010), quando “propõe o estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de

    Jovens e Adultos/2000 - para que se possa avaliar se os documentos governamentais levam

    em conta as necessidades sociais deste público”   (p.1). Ainda, de acordo com autor, “o texto

    que dispõe efetivamente sobre as   obrigações sociais desta modalidade é “Fundamentos e

    Funções da EJA” que trata   das funções reparadora, equalizadora e função permanente ou

    qualificadora (2010)”.  Essas funções resumem-se em: reparadora, pela restauração de um

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    direito negado; equalizadora, de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de

    mais igualdade na forma pela qual se distribuem os bens sociais; e qualificadora, no sentido de

    atualização de conhecimentos por toda a vida.

    Após todo esse imbróglio em relação a EJA, causado entre o período da promulgação

    da constituição de 1988, a LDB/96 e os governos dos Presidentes Fernando Collor e Fernando

    Henrique Cardoso, chega-se aos governos do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

    (2003-2006/2007-2010).

    No 1º governo Lula (2003-2006), foram realizadas algumas iniciativas em relação a

    EJA, com destaque para o Programa Brasil Alfabetizado (PBA). Este programa foi criado em

    2003 com o objetivo de alfabetizar jovens, adultos e idosos, sendo desenvolvido em todo o

    território nacional através de apoio técnico e atendimento prioritário aos municípios que

    apresentavam taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%.

    Concomitante ao PBA foram criados distintos projetos, que viriam a abordar em

    diferentes escalas o mesmo público-alvo. Os projetos mais relevantes foram:

    • o Projeto Escola de Fábrica - implantado em 2005, para capacitar os jovens de 16 a 24

    anos, em parceria com as empresas do município e o Governo Federal. Tendo carga horária

    de 600 horas/aula, entrega de certificados e podendo os participantes serem absorvidos pelas

    próprias empresas;

    • o PROJOVEM - implantado em 2005, destinava-se aos jovens de 18 a 24 anos, que

    terminaram a quarta série (5º ano), mas não concluíram a oitava série (9º ano) do ensino

    fundamental e não tinham vínculos formais de trabalho. O Projovem oferecia oportunidades de

    elevação da escolaridade, de qualificação profissional e de planejamento e execução de ações

    comunitárias de interesse público. Reestruturado em 2008, veio a ser denominado Projovem

    Integrado, passando a destinar-se também aos jovens de 15 a 17 anos, criando condições de

    inserção, reinserção e permanência desse jovem no sistema educacional;

    • o PROEJA - instituído em 2005 e substituído em 2006, ao serem introduzidas novas

    diretrizes que ampliaram a abrangência do primeiro com a inclusão da oferta de cursos Proeja

    para o público do ensino fundamental da EJA. O Proeja tem como perspectiva a proposta deintegração da educação profissional à educação básica (fundamental e médio) buscando a

    superação da dualidade trabalho manual e intelectual, podendo participar os estudantes com

    idade mínima de 18 anos. Os cursos podem ser oferecidos de forma integrada (formação

    profissional e a formação geral unificadas, com matrícula única) ou concomitante (formação

    profissional e a formação geral oferecidas em instituições distintas); 

    • o ENCCEJA - teve a primeira versão em 2001, pensado para os brasileiros que viviam

    no exterior. A partir de 2002, foi ampliado para livre adesão dos estados e municípios do Brasil

    que quisessem aplicar o exame a seus alunos da EJA, vindo a sofrer algumas reformulaçõesna sua aplicação em 2006. O ENCCEJA visava avaliar as competências e habilidades

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    daqueles jovens e adultos que não tiveram oportunidade de acesso à escolaridade regular na

    idade apropriada. Essas pessoas eram submetidas a uma prova para avaliar seu

    conhecimento, e se fosse alcançada a média, elas obteriam o certificado de conclusão do

    Ensino Fundamental ou do Ensino Médio, devendo para isso ter idade mínima de 15 anos ou

    de 18 anos, respectivamente. Atualmente a certificação de conclusão do ensino fundamental

    permanece com o ENCCEJA, entretanto, a certificação de conclusão do ensino médio, desde o

    ano de 2009, é feita através do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). 

    Mesmo com a implantação desses inúmeros projetos educacionais na modalidade EJA,

    segundo RUMMERT não se pode dizer que houve uma configuração na universalização e na

    qualidade da educação. De acordo com a autora,

    “O acompanhamento das ações relativas à educação dos jovens eadultos trabalhadores, no período de 2003 a 2006 [...] evidencia ofato de que pouco foi efetivamente realizado no sentido deuniversalizar a educação básica no Brasil. Tal constataçãosublinha, particularmente, o que diz respeito à permanência noEnsino Fundamental e ao acesso ao Ensino Médio [...] aindaconstitui um privilégio. Entretanto, varias iniciativas focais foramimplementadas [...] oferecidas possibilidades de elevação deescolaridade com caráter precário e aligeirado, porém anunciadascomo portadoras potenciais de inclusão.[...] para controlardisfunções de um sistema que, por sua origem estrutural,continuara a gerar, cada vez mais, demandantes de novasmedidas de caráter emergencial (2007, p.38).”

    Verifica-se que os programas e projetos educacionais para a EJA difundidos pelo paíspossuíam um cunho basicamente econômico, na tentativa de formar mão de obra para o

    sistema de produção capitalista. Entretanto, deve-se levar em consideração não apenas a

    formação para o trabalho, mas um projeto de educação mais abrangente, com uma formação

    plena para a cidadania.

    No 2º governo Lula (2007-2010), deu-se andamento ao Programa Brasil Alfabetizado e

    aos projetos concomitantes, sendo realizadas algumas mudanças e ajustes, juntamente com

    as diversas iniciativas que se aplicavam a alfabetização no país e faziam parceria com o

    governo.Segundo o Ministério da Educação (MEC) as atividades e projetos desenvolvidos pelo

    governo ou em parcerias foram ampliados, e assim, outras iniciativas e ações complementares

    de alfabetização e EJA foram acrescidas, com destaque para:

    • o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos

    (PNLA) - criado em 2007 para distribuição, a título de doação, de obras didáticas às entidades

    parceiras, com vistas à alfabetização e à escolarização de pessoas com idade de 15 anos ou

    mais;

    • a Coleção Literatura para Todos - publicação e distribuição de obras vencedoras, noconcurso Literatura para Todos criado pelo MEC, às entidades parceiras do Programa Brasil

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    Alfabetizado, às escolas públicas que ofereciam a modalidade EJA, às universidades que

    compunham a Rede de Formação de Alfabetização de Jovens e Adultos, aos núcleos de EJA

    das instituições de ensino superior e às unidades prisionais que ofertavam essa modalidade de

    ensino;

    • o Programa Educação nas Prisões - destinava recursos para formação de professores e

    gestores e, também, para a constituição de acervo literário.

    Essas iniciativas e ações do governo através do MEC e de algumas parcerias eram

    válidas, entretanto, em relação a EJA faltava mais, principalmente financiamento. Segundo

    PEREIRA (2007), “Muitos estados e municípios aderiram ao Programa Brasil Alfabetizado,

    porém a EJA ainda não era considerada como parte da Rede Municipal de Ensino, para efeito

    de repasse de verbas do Fundef” (p.71). 

    Afinal, após inúmeros debates na sociedade e no congresso para o desenvolvimento de

    um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), que abrangeria

    a Educação Infantil, o Ensino Médio e a EJA, pois o Fundef só atendia o ensino fundamental

    regular, o FUNDEB foi aprovado no 2º governo Lula, criando uma grande perspectiva em todos

    segmentos da educação básica, não sendo diferente com a EJA, pois há muito tempo vinha

    sendo desprezada pelos financiamentos públicos. Contudo,

    “Partindo do princípio de que o FUNDEB iria abranger todas asetapas e modalidades da educação básica, criou-se a expectativade que a EJA seria reconfigurada e os investimentos a ela

    destinados obedeceriam a critérios de eqüidade. No entanto, issonão aconteceu, pois a Lei Federal N° 11.494/2007, queregulamentou o FUNDEB, acabou oficializando a históricadiscriminação sofrida pela EJA. Isso se explica porque o valoraluno/ano destinado a EJA em 2007 era de R$ 662,40, inferior42,86% em relação ao aluno de ensino fundamental e 71,43% emrelação ao aluno de ensino médio. Para sacramentar a injustiçaoficial, a mesma lei estabeleceu ainda que a apropriação dosrecursos do FUNDEB, em cada estado para a EJA, será deapenas 15% do total de recursos, que são explicitamenteinsuficientes para garantir um ensino de qualidade (COSTA, 2009,p.78-79).”

    Novamente um governo sinaliza com algumas melhorias para a EJA, mas no momentode concluir a tão sonhada igualdade ocorre o recuo, o que pode nos levar  a pensar que, se o

    investimento realizado na EJA não será o mesmo com os Ensinos Fundamental e Médio,

    então, os nossos governantes imaginam que não há necessidade ou não vale a pena investir

    na EJA?

    Mesmo com essa desvalorização das políticas públicas com a EJA, tem ocorrido pelo

    menos desde 1997, em âmbito nacional um latente movimento em prol dos fóruns EJA, vindo a

    ganhar maior apoio ao integrar diversos sites a um portal3. De acordo com o sociólogo da

    3 Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2012.

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    educação, Sergio HADDAD (2007), a partir V Conferência Internacional de Educação de

    Jovens e Adultos - CONFINTEA, realizada em Hamburgo em 1997, os fóruns EJA passaram a

    ser realizados nos inúmeros estados brasileiros, sendo inclusive proposto pela Comissão

    Nacional da Educação de Jovens e Adultos,  órgão vinculado ao MEC. Entretanto, nesse

    movimento, emergiram distintos conflitos em relação às políticas públicas adotadas para a EJA

    e o governo em reação a esse movimento, não o convocou mais para as reuniões. Entretanto,

    “Os fóruns deram seguimento ao seu trabalho de forma autônoma,reunindo-se de tempos em tempos, passando a ser um espaço dediálogo e troca de informações, com periodicidades de encontrosdiversas. Dependendo da natureza do fórum em cada estado e dacomposição dos seus participantes, os fóruns tornam-se mais oumenos eficazes como força de pressão. Cumprindo asrecomendações de Hamburgo, os fóruns vêm assumindo o papelde acompanhar as políticas públicas de EJA, e anualmente

    reunindo-se nos Encontros Nacionais de Educação de Jovens eAdultos (ENEJAS)”  (p.12-13).

    Mesmo não tendo mais o apoio do governo, os fóruns continuam a se realizar com a

    função de acompanhar as políticas voltadas para a EJA, como se verifica no acompanhamento

    das tomadas de decisões no governo da presidente Dilma Roussef.

    Analisando as implantações e deliberações em relação à EJA nesses dois primeiros

    anos (2011-2012) de governo da presidente Dilma,  observa-se o prosseguimento dos

    programas e projetos do governo anterior, existindo apenas algumas pequenas mudanças e

    ampliações no atendimento ao público-alvo. Sabe-se que essa postura é extremamenteimportante, mas não está sendo julgado se as ações realizadas são boas ou ruins, apenas que

    seja dada continuidade ao trabalho por um prazo maior e que se aprenda com os erros e possa

    corrigi-los, acabando com o círculo de descontinuidade das políticas públicas que assolam o

    país. 

    I.2 OS Desafios da EJA

    Para que se entenda com maior clareza os grandes desafios a serem enfrentados pela

    educação do país, é preciso ter um maior conhecimento dos seus indicadores. Segundo dados

    da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)/ Instituto Brasileiro Geografia e

    estatística (IBGE) de 2011, mostra que o Brasil tem uma população de 12,9 milhões de

    analfabetos com 15 anos ou mais de idade e 1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos não estão

    estudando4. 

    Pelo grande número de pessoas e pela idade desse grupo, observa-se que o desafio a

    ser enfrentado é muito grande, que pode vir a recair sobre a EJA se ingressarem nessa

    4 Disponível em: . Acessoem: 20 nov. 2012.

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    modalidade de ensino, e por outro lado, é uma modalidade que desde as suas origens tem

    sofrido constantes desvalorizações, conforme já mostrado.

    Então, fica um dilema: como enfrentar esse grande desafio com a EJA? Se atualmente

    a modalidade tem sofrido uma significativa redução no número de matrículas, como se observa

    nas Tabelas I.1 e I.2, respectivamente.

    Na Tabela I.1, observa-se a abrangência da EJA em toda educação básica entre os

    anos de 2007 e 2010.

    Tabela I.1:  Matrículas na EducaçãoBásica – Modalidade EJA (Brasil)

    Ano EJA2007 4.975.5912008 4.926.509

    2009 4.638.1712010 4.234.956

    Fonte: MEC/Inep/DEED (2010)

    Em uma primeira abordagem da Tabela I.1, verifica-se uma redução de 14,9% no

    número de matrículas na EJA entre os anos de 2007 e 2010.

    Na Tabela I.2, observa-se o número de matrículas na EJA por etapa de ensino, entre os

    anos de 2007 e 2010.

    Tabela I.2: Matrículas na EJA por Etapa de Ensino (Brasil) 

    Ensino Fundamental Ano  2º ao 5º ano (1ª a 4ª série) 6º ao 9º ano (5ª a 8ª série)

    EnsinoMédio 

    2007 1.160.879 2.206.153 1.608.5592008 1.127.077 2.164.187 1.635.2452009 1.035.610 2.055.286 1.547.2752010 923.197 1.922.907 1.388.852

    Fonte: MEC/Inep/DEED (2010)

    Nesse caso, na Tabela I.2 verifica-se uma redução no número de matrículas de 20,5%no Ensino Fundamental I, de 12,8% no Ensino Fundamental II e de 13,7% no Ensino Médio.

    Considerando-se a conclusão da educação básica pelos jovens e adultos, a tendência é

    que ocorra a longo prazo uma redução no número de matrículas na EJA, mas não de maneira

    tão acelerada. Essa rápida diminuição no número de matrículas na EJA não está associada

    com redução da distorção idade/série e com o aumento da qualidade da educação, mas aos

    inúmeros problemas enfrentados com a modalidade.

    De acordo com a ONG Ação Educativa (2012), a redução da demanda é a explicação

    mais simples.

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    “Como muito mais pessoas hoje entram e concluem o ensinobásico se comparado com duas décadas atrás, poderia se suporque a demanda diminuiu. Em parte sim, mas nada que justifique adescida tão acelerada. Analisando a demanda potencial de EJAcom base na PNAD 2009, verifica-se que a demanda para oensino fundamental era de 13,1 milhões de pessoas em 2002 e se

    reduziu para 11,1 milhões em 2009. No ensino médio eram 4,4milhões de jovens e adultos que poderiam frequentar escolas deEJA. Em 2009 , eram 4,6 milhões. Neste caso, a demanda subiuao invés de cair” (s/p).

    Ainda, segundo a ONG Ação Educativa (2012), essa explicação não se sustenta e lança

    a seguinte pergunta: “Quais seriam as outras possíveis explicações?”( s/p )

    “Sem dúvida, é preciso lançar a atenção sobre o modelo de escolade adultos que se oferece: pouco flexível, com horários restritos aoturno noturno e grades horárias incompatíveis com a vida dotrabalhador que pode também possuir família, filhos e outras

    responsabilidades que ocupam grande parte de seu dia. Alémdisso, não se desenvolvem metodologias específicas para aeducação de adultos e pouco se faz na direção de fazer da EJAtambém um caminho para a profissionalização. Neste contexto,alunos jovens e adultos que não sofrem a mesma pressão socialque crianças para permanecerem na escola, parecem desistir ounem começar quando as dificuldades da vida de sobrepõe aodesejo de voltar a estudar” (s/p).

    Essas explicações dadas pela Ação Educativa vem ao encontro do que diagnosticou

    Maria Nilene Badeca da Costa, atual secretária estadual de educação do Mato Grosso de Sul e

    presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed- 2011/2012), paraquem:

    “essa queda no número de matrículas não significa que não hácandidatos à EJA, mas sim que essa modalidade de ensino nãotem correspondido às expectativas da população, que procura umcurrículo flexibilizado, com carga horária menos rígida e commetodologia adequada (COSTA apud FORUMEJA, 2011).”

    Todo esse panorama em que se encontra a EJA no Brasil, levou o IBGE a realizar uma

    pesquisa, com o objetivo de saber quais foram os motivos que levaram as pessoas a

    abandonar a EJA,

    “cerca de 8 milhões pessoas que cursaram EJA antes dolevantamento, 42,7% não concluíram o curso em que sematricularam. O principal motivo para o abandono do curso para amaioria dos entrevistados foi a incompatibilidade do horário dasaulas com o horário de trabalho ou de procurar trabalho (27,9%),seguido pela falta de interesse em fazer o curso (15,6%). Outrosmotivos que levaram à desistência dos estudos foram aincompatibilidade do horário das aulas com o dos afazeresdomésticos (13,6%), a dificuldade de acompanhar o curso(13,6%), a inexistência de curso próximo à residência (5,5%), a

    inexistência de curso próximo ao local de trabalho (1,1%), falta devaga (0,7%) e outro motivo (22,0%) (2007, s/p).”

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    Nesse levantamento do IBGE (2007) também foram colhidas as razões que levaram as

    pessoas a optar por cursar a EJA e não o ensino regular, vindo a obter os seguintes dados:

    “retomar os estudos (43,7%), conseguir melhores oportunidades de trabalho (19,4%), adiantar

    os estudos (17,5%) e conseguir diploma (13,7%).”  (s/p)

    Após a apresentação desse breve panorama, conhecido por muitos educadores,

    legisladores, outros mais setores da sociedade e, principalmente, pelo MEC, fazia-se

    necessário tomar uma posição. O que foi feito através da Secretaria de Educação Continuada,

    Alfabetização e Diversidade (SECAD), que desenvolveu em 2008 um documento de base

    nacional denominado “Desafios da Educação de Jovens e Adultos no Brasil ”, que reflete muito

    bem o que deve ser enfrentado pela EJA, e que está divido em 64 pontos distribuídos por

    quatro eixos norteadores, onde destacam-se os seguintes itens:

    I- Sujeitos da Educação de Jovens e Adultos

    1. Diante do quadro diagnóstico que se apresenta da EJA no Brasil, muitos desafios devem serenfrentados [...] e que, mais do que isto, orientam políticas públicas de Estado.2. Primeiramente cabe abordar a concepção ampliada de EJA, que entende educação como direitode aprender, de ampliar conhecimentos ao longo da vida, e não apenas de se escolarizar. Em outraspalavras, os adultos passam a maior parte da sua vida nesta condição, e muitas são certamente assituações de aprendizado que vivenciam em seus percursos formativos.3. Tratar a EJA como direito significa reafirmar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de1948, para a qual a educação constitui direito fundamental [...] Entre nós, brasileiros, só em 1988 odireito à educação para todos voltou à Constituição Federal [...] Como direito, a EJA é inquestionávele por isso tem de estar disponível para todos, como preceituado pela Constituição Federal.

    6. Pensar sujeitos da EJA é trabalhar com e na diversidade [...] mulheres, homens, crianças,adolescentes, jovens, adultos, idosos, pessoas com necessidades especiais, indígenas,afrodescendentes,...7, 9 e 10. A desigualdade tem sido a marca da diversidade em nosso país [...] A diversidadetransformada em desigualdade tem assumido um duro papel para a cidadania em toda a históriabrasileira. [...] é responsabilidade de governos e da sociedade com todos os seus cidadãos, demaneira a superar as formas veladas, sutis e explícitas de exclusão de que a desigualdade se vale.8. A EJA, na medida em que afirma a igualdade de todos como sujeitos de direitos quebra a lógicade que uns valem mais do que outros, enfrentando as desigualdades como desafios a seremsuperados pela sociedade brasileira. Potencializar a diversidade na educação pode contribuir para atransformação social [...] um dos meios imprescindíveis à humanização não só de suas vidas, comode toda a sociedade brasileira.11. A EJA, como espaço de relações intergeracionais, de diálogo entre saberes, de compreensão e

    de reconhecimento da experiência e da sabedoria, tensionadas pelas culturas de jovens, adultos eidosos tem, muitas vezes, essas relações tratadas como problemas. As formas de expressãoconflituam com padrões homogêneos, exigindo acolher a discussão de  juventudes, do tempo de vidaadulta e de velhices , no plural.14. A EJA também é constituída predominantemente por jovens e adultos residentes nas periferiasurbanas. O mapa do analfabetismo e dos sujeitos pouco escolarizados se confunde com o mapa dapobreza em nosso país. Encontram-se nas periferias urbanas índices e situações humanas maisdegradáveis, dentre as quais precárias condições de moradia, de saneamento básico e insuficientesequipamentos públicos como postos de saúde, escolas, praças, agravados com o crescente nível deviolência. De lá também se acompanha o surgimento de iniciativas comunitárias que levam milharesde jovens e adultos a participar de atividades culturais e econômicas criando identidades eexpressando a diversidade ali existente.

    II- Estratégias didático-pedagógicas para a EJA

    23. A EJA, historicamente, tem-se caracterizado por tentar articular processos de aprendizagem queocorrem na escola, segundo determinadas regras e lógicas do que é saber e conhecer, comprocessos que acontecem com homens e mulheres por toda a vida — em todos os espaços sociais,

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    na família, na convivência humana, no mundo do trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, ementidades religiosas, na rua, na cidade, no campo, nos movimentos sociais e organizações dasociedade civil, nas manifestações culturais, nos ambientes virtuais multimídia etc., cotidianamente,e o tempo todo.26. As estratégias didático-pedagógicas da EJA também tentam superar outros processos aindamarcados pela organização social da instituição escola , hierarquizada como um sistema

    verticalizado, com saberes e conhecimentos tomados como “conteúdos”, sem os quais o sujeito nãoadquire a legitimidade pelo que sabe.29. Na contemporaneidade não se pode descartar o papel das tecnologias da informação e dacomunicação (TICs) pelo que têm possibilitado ao desenvolvimento de processos de aprendizado,acelerado o ritmo e a quantidade de informações que são disponibilizadas, favorecido o surgimentode novas linguagens e sintaxes, enfim, criado novos ambientes de aprendizagem que se podem pôra serviço da humanização e da educação de sujeitos.31. Do ponto de vista do que faz a escola — e do que sempre fez —, embora as expectativas sejamquase as mesmas por parte de jovens e adultos, cabe à EJA repensar o papel que ela devedesempenhar para mobilizar esses sujeitos à retomada de seu percurso educativo. Se muitos delestêm histórias de fracasso, de não-aprendizados, de frustrações, é possível repetir modelos e manterfórmulas de lidar com a infância na relação entre sujeitos jovens e adultos? Se ler e escrever sãoindispensáveis às sociedades em que a cultura escrita regula a vida social, como atuar para que

     jovens e adultos aprendam e se apropriem dessas técnicas? Ao longo da vida, jovens e adultosaprenderam e, portanto, detêm saberes que não podem ser ignorados. De que forma trazer para ocurrículo estes saberes e fazê-los dialogar produtivamente na escola? Em que tempo, com queorganização? Como saber o que sabem jovens e adultos? A avaliação processual pode ajudar? Deque forma? O que mais importa: aprender ou certificar?32. Tempos na organização da EJA são fundamentais para possibilitar que aprendizados escolaresse façam. Para além dos instituídos, cabe instituir tempos outros, de forma a atender a diversidadede modos pelos quais jovens e adultos podem estar na escola e aprender [...] e por isso organizartempos flexíveis, segundo as possibilidades de cada grupo pode contribuir, em muito, para garantir apermanência e o direito à educação.34. Um currículo para a EJA não pode ser previamente definido, se não passar pela mediação comos estudantes e seus saberes, e com a prática de seus professores, o que vai além doregulamentado, do consagrado, do sistematizado em referências do ensino fundamental e do ensino

    médio, para reconhecer e legitimar currículos praticados. Reconfigurar currículos é tarefa de diálogoentre especialistas, professores e até mesmo de estudantes. Não é desafio individual, mas coletivo,de gestão democrática, que exige pensar mais do que uma intervenção específica: exige projetopolítico-pedagógico para a escola de EJA como comunidade de trabalho/aprendizagem em rede, emque a diversidade da sociedade esteja presente.35. A tarefa de reconfigurar currículos impõe a formação docente continuada, como professorpesquisador, porque por meio dela professores e educadores poderão revelar seus fazeres eressignificar seus dizeres, a partir do que, efetivamente, sabem e pensam. À formação inicial econtinuada de professores, fazendo real o papel de um sistema, cabe contribuir para a qualidade doensino, nos termos que vêm sendo explicitados neste documento.37. A avaliação na EJA também implica enfrentar o desafio e a lógica perversa da cultura hierárquicae submissa que formou o povo brasileiro. Mais do que pôr “cada um em seu lugar”, pensamento aser abandonado, cabe agora pensar de que modo cada sujeito se apropria dos conhecimentos e osfaz seus, para si, para sua comunidade, para a sociedade. Esta avaliação remete à necessidade decertificação, referendo de um sistema de reconhecimento formal na sociedade. Como documentoburocrático, o certificado muitas vezes tem sido o motor que conduz jovens e adultos de volta àescola, sem que esta se dê conta de estar diante de uma bela oportunidade de transformar aexpectativa inicial dos sujeitos, minimizando seu valor, e maximizando o valor do conhecer e dacompetência de jovens e adultos pelos aprendizados realizados.39. Programas voltados a públicos específicos exigem sua manutenção como tal, ainda que devamestar integrados à EJA como modalidade do sistema de educação básica. Programas como [...] oPROJOVEM, [..] o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) [...]carecendode maior compreensão e aproximação.41. Todas as estratégias didático-pedagógicas, em síntese, quando adotadas criticamente, podemmelhor dimensionar o fazer escolar na EJA e a participação dos estudantes, sem perder asespecificidades que movem, prioritariamente, os sujeitos que desejam aprender.

    III- Intersetorialidade da EJA

    42. Quando se trata de reconhecer a intersetorialidade da EJA é um desafio dialogar com o campo

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    53. No que se refere a acesso, retomar por princípio o sujeito da ação educativa na EJA compreendea necessidade de diversificar formas de entrada na educação básica, não apenas no que se refere aromper com tempos determinados de matrícula, mas garantir que a entrada e o retorno às classesde EJA possam se dar ao longo de todo o processo de andamento do projeto pedagógico. Enfrentarquestões de acesso é também reconhecer que o público jovem e adulto precisa ser conquistadopara voltar ao sistema, ser convencido de que vale a pena estudar e de que a escola que o espera

    tem outro formato daquela que abandonou ou de que foi excluído, anos antes. Não há acesso semmobilização de demanda e, nesse aspecto, toda a sociedade civil precisa ser forte aliada do sistemade EJA. Poder público e sociedade organizada, juntos, podem reverter a visão negativa que marca oimaginário de jovens e adultos sobre a escola.54. A mobilização pode ser feita por meio de chamada pública para matrícula; do convencimento dapopulação por intermédio de lideranças sindicais, religiosas e associativas; do comprometimento dasempresas com a escolarização de seus funcionários, entre outras medidas, o que não resolveisoladamente a questão de EJA, se o sistema não repensar também a educação básica que estáoferecendo. Permanência tem a ver também com o que se encontra na escola; com a formação dosprofessores para lidar com o público jovem e adulto; com as condições materiais da escola paraoferecer educação de qualidade; com o tratamento dispensado aos estudantes que, na condição de“não-crianças”, já têm ou ainda não têm expectativas muito claras quando retornam aos bancosescolares.[...]

    55 e 56. Além da difícil tarefa de mobilização de jovens e adultos para retorno à escola, do desafiode fazê-los permanecerem no sistema escolar [...] o que exige da EJA saber exatamente o que sepassa do lado de fora dos muros da escola [...] há um elemento fundamental que a EJA precisaenfrentar: como fazer para que conhecimentos produzidos sejam significativos, tenham qualidade epermitam aos estudantes maior autonomia para serem sujeitos da própria história?57. Discutir qualidade da educação implica reconhecer que a EJA precisa ter definição clara deestratégias didáticopedagógicas, como já tratado anteriormente. Precisa, ainda, reconhecer adinâmica diferenciada da vida e da trajetória escolar dos sujeitos da EJA. Por fim, precisa apresentarcondições materiais concretas para sua sustentabilidade, o que representa ter uma estratégiacoerente de gestão, de recursos financeiros e humanos compatíveis com as necessidadesdemandadas pelos desafios da EJA.58. A gestão da EJA no sistema nacional de educação também implica a necessária opção peloprocesso participativo e democrático, tendo em vista que os sujeitos de EJA precisam ser envolvidos

    nas tomadas de decisão no que se refere à organização de currículos, às estratégias de acesso epermanência e à qualidade da educação ofertada nesse sistema. O diálogo entre os gestores desistemas públicos de ensino que ofertam EJA e os sujeitos dessa modalidade concorre para asuperação de práticas de culpabilização de jovens e adultos pelo “não-saber” e propiciam aconstrução de uma relação de co-responsabilidade na gestão da modalidade de ensino.59. Como reconhecimento da singular e imprescindível contribuição efetiva do movimento social dosfóruns estaduais/distrital/regionais de educação de jovens e adultos no Brasil, a gestão do governofederal na formulação das políticas públicas de EJA se faz com a representação destes sujeitoscoletivos na Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos, nas reuniõestécnicas bianuais e no apoio político-financeiro anual aos Encontros Nacionais de EJA, aosSeminários Nacionais de Formação de Educadores de Jovens e Adultos e à criação edesenvolvimento do Portal de Fóruns EJA Brasil.62. No que tange aos recursos humanos, ainda há um grande desafio no Brasil em relação àformação de professores e gestores que atuam na EJA. Apesar de todo o esforço dos sistemas naformação continuada de professores de redes públicas, é tímido o resultado desse investimento.Quanto à formação inicial em nível superior, uma grande lacuna existe nas licenciaturas quanto aoreconhecimento da EJA como locus de formação específica [...] É de reconhecer as iniciativaspontuais e crescentes de vários desses cursos ao incluir disciplinas que abordam a EJA e/ou ao criarnúcleos que dinamizam a prática e a formação específica desse educador.63. Desde a década de 1990, a pós-graduação nas universidades vem-se empenhando no estímulo,no desenvolvimento e na formação de pesquisadores em EJA. Há que se destacar as contribuiçõesaportadas aos Seminários de EJA no Congresso de Leitura do Brasil (COLE), ao Grupo de Trabalhode EJA (GT 18) na Associação Nacional de Pesquisa e Pós graduação em Educação (ANPEd) e osinúmeros trabalhos apresentados anualmente nas reuniões da Sociedade Brasileira para oProgresso da Ciência (SBPC).64. O financiamento específico para a EJA por meio do FUNDEB, na mesma lógica do financiamentoda educação básica, é uma conquista que precisa ser destacada, permanecendo ainda o desafio dotratamento isonômico de estudantes de EJA em relação aos demais do ensino fundamental e médio,além da participação efetiva, com controle social do uso dos recursos do Fundo. Como avaliar os

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    desafios do investimento financeiro na EJA? Como superar esses desafios? Como discernir ofinanciamento público e custo da EJA, considerando o manifesto interesse de oferta da modalidadepelo setor privado com e sem o financiamento público, sobretudo, e com garantia doestabelecimento de mecanismos de controle social?Fonte: MEC/SECAD (2008)

    A superação desses inúmeros desafios que emperram a EJA no Brasil necessita de

    uma união de forças, como as já citadas no documento “Desafios da Educação de Jovens e

    Adultos no Brasil” . Contudo, verifica-se através do Projeto de Lei N.º 8.035, de 2010 - Plano

    Nacional de Educação5  (PNE/2011-2020), que ainda será votado pelos senadores, com a

    promessa de impulsionar o país a outro patamar de desenvolvimento, sobretudo na educação.

    Segundo PAGANOTTI & RATIER (2011),

    “Não é a primeira vez que o governo federal tenta formular umguia para as políticas públicas em Educação. A primeira bússolasugerida foi a versão anterior do PNE, que vigorou de 2001 a2010. Produzida no fim do segundo mandato do presidenteFernando Henrique Cardoso, apresentava 295 metas e umdiagnóstico complexo do setor. Não deu certo por várias razões. Aquantidade de objetivos contou contra, diluindo as demandas etirando o foco do essencial. Segundo, muitas da metas não erammensuráveis, o que dificultou seu acompanhamento. Tambémfaltaram regras com punições para quem não cumprisse asdeterminações. Finalmente - e, talvez, o mais importante: um dosartigos do plano foi vetado pela presidência. Era a proposta deaumentar a parcela do Produto Interno Bruto (PIB) investida emEducação de 4 para 7%. Sem dizer de onde viria o dinheiro, oPNE de 2001 virou letra morta antes de nascer” (s/p). 

    A nova edição do PNE parece ter aprendido com os erros do passado. Ainda, segundo

    os mesmos autores, “sucinto, o documento tem 20 metas, a grande maioria quantificável por

    estatísticas” (s/p).

    Pode-se verificar uma maior importância dada a EJA ou, ao menos, uma maior

    preocupação, visto que das 20 metas estabelecidas no PNE, pelo menos 4 tratam diretamente

    da modalidade.

    “Meta 3:  Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para todaa população de quinze a dezessete anos e elevar, até 2020, a taxalíquida de matrículas no ensino médio para oitenta e cinco porcento, nesta faixa etária.Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24anos de modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para aspopulações do campo, da região de menor escolaridade no país edos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade médiaentre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdadeeducacional.Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anosou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, oanalfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo

    funcional. 

    5Disponívelem:. Acesso em:12 jul. 2012.

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    Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educaçãode jovens e adultos na forma integrada à educação profissionalnos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio(BRASIL, 2012).”

    Depois de votado e aprovado pelos parlamentares e sancionado pela presidente da

    república, deseja-se que o PNE seja colocado em prática em todos os seus pontos e em busca

    de todas as suas metas, pois como diz a máxima do slogan do governo federal, “País rico é

    país sem pobreza”. Mas rico e sem pobreza é o país que investe na qualidade e na igualdade

    do direito e do acesso à educação, inclusive dos jovens e adultos.

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    Capítulo II - História do Eletromagnetismo

    II.1 De Tales de Mileto a Pilha de Alessandro Volta

    A Grécia Antiga reuniu um conjunto de fatores, como por exemplo a invenção da

    escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da pólis (cidade-estado),  que

    contribuíram, entre os séculos VII e VI a.C, para a passagem do pensamento mítico para o

    pensamento crítico racional (ARANHA & MARTINS,1993). Essa nova forma de pensar e

    compreender os eventos, ou seja, de apropriação do conhecimento, foi denominada Filosofia.

    Segundo CHAUI (2002), “além da data e do local, a filosofia também possui, ao nascer, um

    conteúdo preciso: a cosmologia, isto é, uma explicação racional sobre a origem e a ordem do

    mundo, o cosmos ” (p.16).

    Essa emergência do pensamento racional, não ficou restrito apenas a cosmologia, pois

    também tornou possível os primeiros passos em direção ao que viria se tornar o

    eletromagnetismo, com destaque para o conhecimento de algumas propriedades elétricas do

    âmbar6, Figura II.1, e magnéticas da magnetita (óxido de ferro - Fe3O4), Figura II.2. 

    Figura II.1: Âmbar7. Figura II.2: Magnetita8.

    As primeiras explicações racionais cosmológicas e para fenômenos elétricos e

    magnéticos foram dadas pelo filósofo grego Tales de Mileto (640 - 550 a.C.), sendo ele

    considerado um dos Sete Sábios da Grécia arcaica e, conforme Diógenes de Laércio, teria sido

    o primeiro a ser assim chamado (CHAUI, 2002, p.54).

    Tales sabia que ao esfregar uma peça de âmbar (em grego, Elektron) a um pedaço de

    lã ou pele, tornava-o eletrizado, adquirindo a propriedade de atrair pequenos pedaços de palha

    ou grãos. Segundo GUAYDIER, “em eletricidade, os conhecimentos dos gregos foram

    particularmente sumários. Tales, diz-se, descobriu que o âmbar friccionado atrai os corpos

    leves. Vinte séculos mais tarde não se saberá mais do que ele (1984, p.12).”

    6 Âmbar – “Resina fóssil formada há 30 milhões de anos proveniente das coníferas, Pinus succinites, hoje extinto na natureza. Com

    o aumento da temperatura ambiente, essa árvore começou a produzir uma grande quantidade de resina, entretanto, atualmentenenhum pinheiro tem essa característica (BRANCO, 2009, s/p).”  7 Disponível em: < http://www.mundofisico.joinville.udesc.br/index.php?idSecao=3&idSubSecao=&idTexto=250>. Acesso em: 28mar. 2012.8 Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2012. 

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    Os gregos também sabiam que algumas "pedras", denominadas magnetita,

    encontradas na região da Magnésia, uma localidade da Ásia Menor (atualmente Turquia),

    podiam atrair exclusivamente o ferro, sem serem esfregados. Portanto, quanto ao magnetismo,

    assim como na eletricidade,  os gregos  “não estavam muito mais avançados [...] Conheciam

    apenas uma coisa: o ímã natural, constituído por certas pedras magnéticas capazes de atrair

    parcelas de ferro (Idem, p.12).”

    Não se sabe ao certo porque a magnetita recebeu esse nome, nesse caso, contam-se

    dois fatos para a origem do nome: o primeiro é que se deve a um pastor grego, chamado

    Magnes, pois ele percebeu que as pedras grudavam em seu cajado de pau ferrado, o segundo

    é devido ao nome da região em que a pedra foi encontrada, Magnésia.

    Nesse período, sabia-se muito pouco sobre os fenômenos elétricos e magnéticos,

    restringia-se apenas as observações dos efeitos provocados pelo âmbar e pela magnetita,

    porque não havia experimentação como tem hoje.

    Quanto ao esclarecimento dos fenômenos, não se importaram em criar uma teoria para

    os efeitos elétricos provocados pelo âmbar, mas para os efeitos magnéticos proporcionados

    pela magnetita foi um pouco diferente, havendo até algumas propostas para explicá-los: “Tales,

    Demócrito, Platão, outros ainda, rivalizaram em imaginação para elaborarem teorias

    complicadas (Idem, p.13).”

    Tales de Mileto foi o primeiro a propor uma elucidação para os fenômenos magnéticos,

    atribuindo às propriedades de atração e repulsão da magnetita (ímã natural) ao fato de ela ter

    “uma alma própria”. (CHAUI, 2002)

    Posteriormente, de acordo com OLIVEIRA (2007), Platão tentou explicar os fenômenos

    magnéticos admitindo que a atração e a repulsão fossem devidas à “umidade” e à “secura” da

    magnetita. Entretanto, essas ideias eram apenas especulações e não revelaram a verdadeira

    origem do magnetismo.

    Além do conhecimento grego, existem registros de que no oriente, mais precisamente

    na civilização chinesa, a bússola, como se observa na Figura II.3, já vinha sendo utilizada em

    práticas de adivinhação entre os séculos XI e III a.C. Portanto, segundo PESSOA (2010)

    “O Tao Te Ching de Lao Tzu (300 a.C.) já mencionava o uso deum tabuleiro mágico, chamado shih, que consistia de duas partes.Em baixo, um tabuleiro quadrado simbolizava a Terra, sendodividido radialmente em diferentes regiões, com marcações queincluíam os oito kua do I Ching. Em cima, um prato redondorepresentando o Céu estava livre para girar, contendo os 24pontos cardeais e uma figura da constelação do Grande Urso”(p.198).

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    Figura II.3: Shih9 (a primeira bússola).

    Além do advento da bússola, os chineses também já sabiam magnetizar o ferro através

    de imãs naturais, embora não tivessem teorizado uma explicação para o fenômeno.

    Não se sabe ao certo como, quando e quem introduziu a bússola na Europa. Segundo

    PESSOA (2010), existe um mistério quanto à origem da bússola no Ocidente.

    “Uma primeira hipótese seria de que a bússola teria sidodesenvolvida na Europa de forma independente da China [...] Noentanto, parece improvável que a propriedade diretiva da bússolativesse sido descoberta e adaptada ao uso náutico antes quequalquer relato da descoberta tivesse sido feito [...] Uma segundahipótese, a mais plausível, é de que a bússola tenha sido trazidapor mar (ao ser usada como bússola náutica) por marinheirosmuçulmanos [...] A navegação árabe manteve sua supremacia noÍndico até o século XII [...] Em torno dessa época, uma ou maisbússolas poderiam ter sido trazidas por mar, talvez para

    Alexandria [...] A terceira hipótese é que teria havido transmissãoterrestre da bússola, através do continente asiático, na chamada"rota da seda" [...] no século XIII (quando o Ocidente já produziasua própria seda)” (p.205). 

    De acordo com o autor, é bastante aceitável a segunda hipótese, ou seja, supor que os

    europeus tiveram o primeiro contato com bússola entre os séculos XI e XII, no período das

    Cruzadas. Na ocasião, as tropas cristãs passaram por Constantinopla e dirigiram-se para a

    Palestina, vindo a ter conhecimento sobre a cultura muçulmana e consequentemente sobre a

    bússola, originária da China. Assim, estima-se que a bússola tenha sido introduzida no

    Ocidente entre 1160-80:

    “A bússola chegou à Europa, sem dúvida por volta do século XII;mas será preciso esperar até o século XIV para que ela adote umadisposição verdadeiramente prática, devida ao marinheiro italianoFlavio Gioja. Em consequência, no século XV, os navegadorespuderam lançar-se á exploração do mundo. Descobriu-se ofenômeno da declinação magnética e as suas variações com asituação geográfica (GUAYDIER, 1984, p.17).”

    Outra contribuição mencionada na Idade Média foram os comentários de Pierre de

    Maricourt, mais conhecido como Petrus Peregrinus (1220-1270/90?), que provavelmente era

    9 Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2012.

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    filósofo e engenheiro do exército francês, tendo escrito o mais importante tratado medieval

    sobre o magnetismo, o livro intitulado Epistola de Magnete, no qual registrou os estudos

    sistemáticos que fez do ímã natural. Petrus Peregrinus realizou e redigiu, segundo Pessoa,

    suas investigações experimentais “colocando uma agulha imantada em diferentes pontos da

    superfície da terrella (pequena Terra) e desenhando a orientação da agulha na superfície da

    esfera, obteve linhas iguais aos meridianos terrestres, ou seja, grandes círculos que se cruzam

    em dois polos opostos  (2010, p.206).”

    Com esse aparato experimental, Peregrinus denominou os polos magnéticos terrestre,

    além disso, nas inúmeras observações realizadas, descreveu algumas propriedades

    magnéticas, como: obtenção de dois novos ímãs, após a divisão de um primeiro ímã; atração

    entre os polos diferentes e a repulsão entre os polos iguais dos ímãs; e a orientação de

    limalhas de ferro em relação aos polos magnéticos dos ímãs.

    Peregrinus produziu uma série de experimentos abordando o magnetismo. Talvez este

    seja o primeiro trabalho de que temos notícia, que buscava explicar os fenômenos elétricos e

    magnéticos, porém, sem distingui-los.

    Três séculos depois, com William Gilbert (1544-1603), os fenômenos elétricos e

    magnéticos voltam a ganhar destaque.

    “Em 1600 apareceu De Magnete, importante obra do inglês Gilbert(1540-1603); comparava pela primeira vez a Terra a umgigantesco ímã e assinalava vários fatos novos; dava também

    algumas propriedades das atrações elétricas, sobre as quais senão tinha realizado progresso nenhum desde Tales (GUAYDIER,1984, p.18).”

    Gilbert nasceu em Colchester, Inglaterra, a 24 de maio de 1544. Filho de Jerome, juiz

    municipal de Colchester, Gilbert recebeu uma educação apurada em vários colégios de

    renome, ingressando, em 1558, na Universidade de Cambridge. Dois anos depois, bacharelou-

    se em Medicina e foi admitido como membro da Fundação Symson's, importante instituição de

    ensino. Obteve o mestrado em 1564, doutorando-se cinco anos mais tarde. Sabe-se que

    Gilbert viajou pela Europa, visitando, entre outros países, a França e a Itália. Neste último, a

    execução do método experimental  já caminhava a passos largos, tendo talvez influenciado ou

    contribuído com Gilbert na forma de fazer ciência.

    Nesse período a atividade científica estava em moda, entretanto, cabe ressaltar que os

    aparatos experimentais e as demonstrações práticas em muitos casos deixavam de ser vistos

    como fins práticos e eram vistos com admiração, fascínio e magia. No entanto, cabe ressaltar,

    a pesquisa científica no século XVI não é o que se entende hoje. A pesquisa não aliava teoria e

    experimentação. A experiência era feita sem uma base teórica, o que só vai ocorrer com

    Galileu.Segundo OS CIENTISTAS (1973), Gilbert encontrou um ambiente favorável para

    defender seu método experimental contra o pensamento aristotélico, ecoando desde as

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    Universidades até a corte, como se observa na Figura II.4. O sucesso de Gilbert foi, em parte,

    garantido pela efervescência cultural e econômica da época em que o país encontrava-se, em

    meio a guerras, reconstruções e viagens marítimas - para as quais o trabalho do cientista se

    revelava de grande valor.

    Figura II.4: No quadro, Gilbert realiza uma demonstração experimentalpara a rainha Elizabeth I (OS CIENTISTAS, 1973, p.60-61).

    O ano de 1600 é um marco na história dos antecedentes do eletromagnetismo porque,

    segundo GUIMARÃES (2000), Gilbert publicou seu maior trabalho, De magnete magneticisque

    corporibus et de magno magnete tellure physiologia nova  (sobre o ímã e os corpos magnéticos,

    e sobre o grande ímã, a Terra). Para o autor, entre os séculos XVI e XVII  foi uma obra

    marcante “na atitude em relação à natureza e às ciências. Gilbert criou um tratado completo de

    magnetismo, mas seus objetivos eram maiores: ele esperava inaugurar uma nova cosmologia,

    na qual o magnetismo teria papel central, ou uma nova filosofia da natureza” (p.74).

    De Magnete dividia-se em seis livros, cada um com seis capítulos. Contudo, a obra

    completa não ficou restrita apenas ao magnetismo, por exemplo, no livro II também foram

    abordados os fenômenos elétricos. Assim, de acordo com GUIMARÃES (2000) a obra se torna:

    “o primeiro tratado sobre eletricidade de todos os tempos. Gilbertcomeça tratando das propriedades do âmbar: ele chama deelétricos todos os materiais que atraem palha quando atritados, osoutros são não-elétricos. Segundo o historiador da ciência DuaneRoller, essa divisão separa os fenômenos magnéticos doselétricos, que até então eram tratados indistintamente como

    relacionados à atração, e Gilbert, ao fazer tal distinção, fundou aciência da eletricidade” (p.75).

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    No caso específico dos fenômenos elétricos, Gilbert construiu um pequeno dispositivo,

    denominado “versorium”, como se observa na Figura II.5, que funcionava como um “indicador,

    através de seu giro, de substâncias que se comportam como o âmbar, isto é, substâncias que

    atraem corpos leves ao serem atritadas (ASSIS, 2010, p.45).”

    Figura II.5: Ilustração do “versorium ”(ASSIS, 2010, p.38). 

    As observações de Gilbert não cessaram, ele também se dedicou a explicar omagnetismo terrestre. Usando uma esfera de magnetita - que denominou terrella   ("pequena

    Terra"), como se observa na Figura II.6, repetiu a experiência de Peregrinus. E verificou que,

    sobre o ímã esférico, a agulha da bússola comportava-se exatamente como no campo

    magnético terrestre - comportamento que deduzira a partir de dados fornecidos por

    navegantes. De suas experiências com a terrella, Gilbert deduziu que o interior da Terra seria

    formado por algum tipo de "rocha magnética.” (OS CIENTISTAS, 1973)

    Figura II.6: Ilustração da terrella  (GUERRA, REIS & BRAGA, 2004, p.11).

    Gilbert fez um tratado sistemático e crítico sobre o que se sabia até então a respeito dos

    fenômenos magnéticos e elétricos. Fazendo uma distinção entre eles, descreveu e realizou

    experimentos e apresentou teorias a respeito dos fenômenos.

    Embora Gilbert tenha feito grandes contribuições em relação aos fenômenos elétricos e

    magnéticos, foram poucos os filósofos naturais do século XVII que deram continuidade aos

    seus trabalhos experimentais. Entre eles se destacou Otto von Guericke (1602-1686).

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    Guericke ocupou-se com as ciências naturais, com a área militar e com a política.

    Nascido em Magdeburg, Prússia Saxônica, atualmente Alemanha, estudou matemática e

    direito na Universidade de Leyden. Na sua atuação profissional com a as ciências naturais,

    contribuiu em áreas distintas, todavia, nesse trabalho será citada a sua grande contribuição

    para o eletromagnetismo: o desenvolvimento da primeira máquina eletrostática, como se

    observa na Figura II.7.

    A construção da máquina eletrostática apresentou-se como um dos grandes aparatos

    técnicos da história, embora o próprio Guericke provavelmente não concordaria com isto, por

    não ser o seu objetivo em construir este tipo de equipamento. (Assis, 2010)

    Figura II.7: Máquina eletrostática construída por Guericke (ASSIS, 2010, p.68).

    Sabe-se que Guericke tinha um grande interesse pelo magnetismo. Para RONAN

    (1987), uma ideia que o incomodava era a sugestão de que os corpos celestes reagiam um ao

    outro por magnetismo, por isso ele refez as experiências de Gilbert, mas com modificações, “ao

    utilizar uma magnetita esférica, fundindo com minerais para imitar o que julgava ser a real

    composição da Terra” (p.117).

    Com essa invenção, Guericke desejava:

    “investigar melhor a analogia Terra-ímã feita por Gilbert, eleconstruiu uma esfera com diferentes materiais para simular oplaneta. Observou, no entanto, que, ao ser atritada a outromaterial, essa esfera soltava faíscas. Como o enxofre era asubstância de maior predominância na esfera, resolveu construiroutro globo utilizando apenas aquele elemento. Assim poderiaobservar melhor os efeitos do atrito, da eletrização (GUERRA,REIS & BRAGA 2004, p.14)”.

    Ainda de acordo com os mesmos autores, Guericke construiu um dispositivo capaz de

    produzir descargas elétricas significativas. No entanto, embora tenha produzido “pela primeira

    vez esse fenômeno, a máquina eletrostática de Otto Von Guericke não apresentava ut