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104 hist. historiogr. • ouro preto • n. 11 • abril • 2013 • 104-121 • doi: 10.15848/hh.v0i11.521 Francisco Iglésias e o curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais (década de 1940) * Francisco Iglésias and the undergraduate course of geography and history at the School of Philosophy of Minas Gerais (1940’s) Alessandra Soares Santos [email protected] Doutoranda Universidade Federal de Minas Gerais Rua Tenente Garro, 627/301 - Santa Efigênia 30240-360 - Belo Horizonte - MG Brasil Resumo O artigo busca reaver uma parte da dinâmica histórica que levou à disciplinarização do conhecimento histórico como uma ciência social no interior das instituições de ensino superior através do estudo dos anos de formação do historiador Francisco Iglésias no curso de geografia e história da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais (FAFI) entre 1942 e 1945. Para além da análise dos textos normativos que regularam a organização curricular e didática do curso, verificamos algumas das práticas utilizadas nas salas de aula frequentadas por Francisco Iglésias percebendo a faculdade em seu funcionamento interno. Concluímos que a concepção de história que orientou a elaboração das sistematizações do ensino nesta instituição valorizou a dimensão cultural dos acontecimentos em detrimento do projeto de história nacional afeito à exaltação de grandes nomes e datas, supostamente imposto pelas diretrizes da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Palavras-chave Conhecimento histórico; Ensino de história; Francisco Iglésias. Abstract The article seeks to explore the institutionalization of historical knowledge through the analysis of the undergraduate course of Geography and History of the School of Philosophy of Minas Gerais (FAFI) by examining the formative years of the historian Francisco Iglésias between 1942 and 1945. For this purpose, we use not only the normative regulations of the course’s curricular and didactical organization, but we also examine some of the practices of the chairs attended by Francisco Iglésias, in order to grasp the internal workings of the School. We conclude that the conception of history that guided the production of teaching systematics at the institution prized the cultural dimension of the events in detriment of the project of national history focused on the exaltation of heroes and dates, supposedly imposed by the guidelines of the National School of Philosophy (FNFi). Keywords Historical knowledge; History teaching; Francisco Iglésias. Recebido em: 7/11/2012 Aprovado em: 8/2/2013 * Pesquisa financiada pela CAPES. ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

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104hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 FranciscoIglsiaseocursodegeografaehistriada Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)*FranciscoIglsiasandtheundergraduatecourseofgeographyand history at the School of Philosophy of Minas Gerais (1940s)Alessandra Soares [email protected] Federal de Minas GeraisRua Tenente Garro, 627/301 - Santa Efgnia 30240-360 - Belo Horizonte - MGBrasilResumoOartigobuscareaverumapartedadinmicahistricaquelevoudisciplinarizaodo conhecimentohistricocomoumacinciasocialnointeriordasinstituiesdeensinosuperior atravs do estudo dos anos de formao do historiador Francisco Iglsias no curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (FAFI) entre 1942 e 1945. Para alm da anlise dos textos normativos que regularam a organizao curricular e didtica do curso, verifcamos algumas das prticas utilizadas nas salas de aula frequentadas por Francisco Iglsias percebendo a faculdade em seu funcionamento interno. Conclumos que a concepo de histria que orientou a elaborao das sistematizaes do ensino nesta instituio valorizou a dimenso cultural dos acontecimentosemdetrimentodoprojetodehistrianacionalafeitoexaltaodegrandes nomes e datas, supostamente imposto pelas diretrizes da Faculdade Nacional de Filosofa (FNFi).Palavras-chaveConhecimento histrico; Ensino de histria; Francisco Iglsias.AbstractThe article seeks to explore the institutionalization of historical knowledge through the analysis of the undergraduate course of Geography and History of the School of Philosophy of Minas Gerais (FAFI)byexaminingtheformativeyearsofthehistorianFranciscoIglsiasbetween1942and 1945. For this purpose, we use not only the normative regulations of the courses curricular and didacticalorganization,butwealsoexaminesomeofthepracticesofthechairsattendedby Francisco Iglsias, in order to grasp the internal workings of the School. We conclude that the conception of history that guided the production of teaching systematics at the institution prized the cultural dimension of the events in detriment of the project of national history focused on the exaltation of heroes and dates, supposedly imposed by the guidelines of the National School of Philosophy (FNFi).KeywordsHistorical knowledge; History teaching; Francisco Iglsias.Recebido em: 7/11/2012Aprovado em: 8/2/2013* Pesquisa fnanciada pela CAPES.____________________________________________________________________________________________________________________________________________hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 105Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________A historiografa universitria em questoOs fundamentos que levam a histria a se disciplinar e a manter o princpio de cientifcidade que autoriza o seu discurso no so naturais, mas resultado de uma dinmica histrica que pode ser investigada com o objetivo de perceber a nem sempre bvia historicidade destas prticas intelectuais. Como um princpio decontroledaproduodeumdiscurso,umadisciplinasedefne,conforme Foucault,porumdomniodeobjetos,umconjuntodemtodos,umcorpus deproposiesconsideradasverdadeiras,umjogoderegrasededefnies, detcnicasedeinstrumentos(FOUCAULT2003,p.30-31), constituindoum sistema annimo a disposio de qualquer um que queira ou possa se servir dele. O pertencimento a uma instituio social o suporte que possibilita o controle dalinguagempeladisciplinaatravsdaseleodosobjetosobservveis,da imposio de uma funo ao sujeito cognoscente e do acesso a determinadas tcnicasdeconhecimento(CERTEAU2008).Oregimedeverdadeassim constitudo, diferente segundo o tempo e o lugar que o determina, impe uma ordemaodiscursoqueseapoiaemumsistemadeexcluso:elelimitaos contornos de um grupo e de um saber. Masnarotinadoofciodoshistoriadoresvinculadossinstituies universitriascontemporneasraramentesequestionaosmecanismos responsveispelaestabilizaodosprincpiosquecontrolamaproduodo discurso historiogrfco que participamos. A submisso aos critrios disciplinares impostospelainstituionoqualatuamosnoimplicaoreconhecimento desuaconstruohistrica,poisomovimentoquedeterminaasideiasque compartilhamos o mesmo que organiza a sociedade em que vivemos (CERTEAU 2008). Embora estejamos acostumados a localizar historicamente as experincias do passado, aprendemos a recalcar os sistemas sociais, econmicos e simblicos nosquaisinevitavelmenteestamossituadosemobedinciaspretenses decientifcidadeguardadaspeladisciplinarizaodaprticahistoriogrfca acadmica.Estasublimao,tacitamenteexigida,transformatodointeresse cientfcoemuminteressedesinteressado,gratuito.Bourdieuoclassifcou como uma forma particular de illusio (jogo): admitimos que o jogo merea ser jogado, incorporamos suas regras e participamos do sentido deste jogo como se ele justifcasse por si mesmo todo nosso investimento (BOURDIEU 2004). Este illusio explica em parte porque s recentemente os historiadores comearam a transformar os processos e os resultados da institucionalizao dos cursos de histria nas universidades brasileiras, datados na dcada de 1930, em objetos de pesquisa histrica. Paraquepudssemosdarinteligibilidadescondiespretritasde produo do discurso histrico no interior do mesmo campo em que atuamos foi necessrio recomear o jogo efetuando um corte inaugurador das prticas historiogrfcas do presente. A baliza que sacraliza a nossa prpria prtica e parece querer resguard-la do princpio da historicidade foi demarcada pela emergncia doscursosdeps-graduaoemhistrianosanos1960.Averdadeira historiografa universitria brasileira, supostamente mais profssional e mais comprometida com os princpios da legitimidade cientfca teria nascido com as 106hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares Santosiniciativas institucionais voltadas para o aperfeioamento dos docentes do ensino superior e que resultaram na implantao da ps-graduao. Diehl chamou esse momento de (re)institucionalizao do saber histrico, ressaltando o carter fundadordeumregimedeverdadehistoriogrfcadistinto(DIEHL1999).A criao de uma nova instituio histrica dentro de outra j existente, de um subgruporesponsvelpelocontroledaseleoedaqualifcaodossujeitos autorizadosafalaremnomedahistoriografauniversitria,foinaturalmente acompanhada pela construo de uma identidade pautada pela valorizao da diferena epistemolgica entre estes dois grupos internos.As histrias da historiografa produzidas a partir deste marco tiveram uma funo importante na afrmao da posio ocupada pela ps-graduao. Obras e autores foram selecionados e conectados entre si em funo da similitude de suas estratgias com aquela praticada pelos novos historiadores. Elas acabaram traduzindoaideiadasobrevivnciadomaispreparado,conformedestacou Blanke ao analisar as histrias da disciplina com funo afrmativa, transformando posiespoltico-cientfcasemexplicaessistemticaseparadigmticas (BLANKE2006).Comoexemplo,podemoscitarousoquesefezdofamoso prefcio de Antonio Candido quinta edio de Razes do Brasil, escrito em 1967. Este prefcio foi apropriado de forma a justifcar a canonizao de trs livros do pensamento social brasileiro Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre; Razes do Brasil, de Srgio Buarque de Holanda; e Formao do Brasil contemporneo, de Caio Prado Jnior no s como inauguradores da moderna historiografa brasileiranadcadade1930,mastambmcomorepresentantesexclusivos daprofssionalizaodohistoriadornoespaouniversitriopelomenosata dcada de 1960. No obstante o valor das obras mencionadas, o desdobramento da construo desta trade sagrada foi a interpretao de obras anteriores como um conjunto homogneo de produes ofciais, ideolgicas ou positivistas pertencentestradiodoIHGB,enquantoobrasposterioresforamofuscadas pelaideiadequeamodernahistoriografabrasileiraestarialimitadaqueles livrosconsagrados(FRANZINI;GONTIJO2009).Naturalmente,comoobservou Blanke, qualquer posio terica que quer sobreviver requer tradies positivas (BLANKE 2006, p. 33-34), mas a histria da historiografa, conforme advertiu o mesmo autor, precisa ter uma atitude ctica em relao a elas, uma rebeldia capaz de produzir uma histria disciplinar socialmente informada. Aindaqueadiversifcaodosestudoshistoriogrfcosempreendidosa partir da dcada de 1990 tenha mostrado que os fundamentos discursivos da historiografanosonecessariamentepautadospeloafastamentooupela fliao a modelos epistemolgicos dados, recobrando uma herana ou impondo uma tradio, mas so construdos em sintonia com as disposies intelectuais dopresente,persistemesforosparaocultarasdisputasinerentesaosjogos sociaisqueorientamestasconstrues.Oexameescrupulosodasprodues histricasanterioresearetifcaodasversesdopassadodeacordocom apretensocientfcadanormatizaodisciplinarvigenteaindarestringema histria da historiografa a um laboratrio de epistemologia histrica (WEHLING 2006), uma atividade complementar ao conhecimento histrico que teria como hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 107Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________objetivoarrolarasteoriaseosproblemasaplicadosaumacrticadarazo cientfca e promover o refnamento das pesquisas. Este procedimento moderno de hierarquizao dos esforos para alcanar a cientifcidade e a objetividade no tratamento do passado desgastou a conscincia darelatividadehistricadaprpriahistoriografaepromoveuaconsolidao domitodesuaformaoprogressiva(ARAUJO2011).Partesignifcativados trabalhosfeitosnessecampoacabouignorandoasdinmicashistricasque levaram a historiografa a se disciplinar, a se transformar numa cincia social e a fundamentar seus princpios de autoridade. As histrias da historiografa assim orientadastenderamaclassifcarasprodueshistricasentreinovadoras outradicionais;profssionaisouamadoras;cientfcasouideolgicas conforme o afastamento ou a aproximao em relao ao modelo historiogrfco em vigor. Mas conforme Fernando Novais bem observou, s vezes, o que se querdizercomtradicionalque,simplesmente,tradicionaissoosoutros (NOVAIS 1990, p. 108). Alm de incorrer no risco de ignorar que o profssional doconhecimentohistricoeraumacondiorequeridadesdeosculoXIXe queasdisputasentreoamadorismoeoprofssionalismomarcaramas tenses do ofcio desde ento (GUIMARES 2002), o novo corte inaugurador da historiografa universitria oculta que, no interior da prpria universidade, sua reivindicao antecedeu a ps-graduao. ,portanto,contraoapagamentodosvestgiosqueinscrevemos procedimentosdedisciplinarizaodoconhecimentonomundohistricoque voltamos a ateno para os processos de sua institucionalizao. Acompanhando a insero acadmica de Francisco Iglsias como discente no curso de geografa ehistriadaFaculdadedeFilosofadeMinasGeraisentre1942e1945, pretendemos conhecer uma parte da dinmica disciplinar da histria, visto que a discncia de Francisco Iglsias coincidiu com o momento de institucionalizao do curso no estado. A partir da anlise de um conjunto documental no qual as disposies legais tiveram que disputar espao com os documentos produzidos pelosprpriosprofessoresealunos,comoosdiriosdeclasseseasprovas, abrimos uma perspectiva que nos permitiu relativizar as normas que defniram os conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar no mbito do ensino superior de histria atravs da sua problematizao (JULIA 2001).A organizao e o clima intelectual da Faculdade de Filosofa de Minas GeraisA constituio da Faculdade de Filosofa (FAFI) conta com poucos trabalhos queoferecemconhecimentosobresuahistriaesuadinmicaacadmica.A nfasenomodelopaulistadeautonomiaacadmicaeintelectualpareceter atribudoumcarterdeincompletudeeinsufcinciasoutrasexperincias acadmico-universitrias, desvalorizando-as e desestimulando at mesmo sua tomada como objeto histrico. A ideia de que a criao da Faculdade Nacional de Filosofa (FNFi), em 1939, fez parte de um projeto para padronizar as demais faculdades de flosofa fundadas nas dcadas de 1930 e 1940, tambm parece ter subestimado as caractersticas especfcas que revelam as difculdades e as indecises inerentes a cada um dos processos de institucionalizao universitria. 108hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares SantosNocasodaFAFI,odesencorajamentodaspesquisassobreseu desenvolvimentohistricodeveseratribudotambmausnciaquase completadeorganizaodosseusarquivos.OSetordeRegistroeArquivo AcadmicoPermanentedaGraduaodaFaculdadedeFilosofaeCincias HumanasdaUFMGguardadocumentosproduzidospelainstituiodesde 1939. So relatrios, balancetes, currculos, dirios, atas de reunies, atas de exames,provaseregistrosvariadosdaadministraoedocorpodocentee discente da instituio. um acervo de enorme valor histrico que se encontra, atagora,privadodeaesquegarantamsuapreservao,suaorganizao e sua adequada disponibilizao para o pesquisador. Diante dessas condies, as informaes que levantamos aqui no pretendem nem poderiam esgotar o temadacriaodaFAFIedesuadinmicaacadmica,masesperamosque sejam sufcientes para mostrar que a nova situao social que ela engendrou nodeixouimunenemomododetrabalhar,nemotipodediscursodeseus diplomados, entre os quais se encontrava Francisco Iglsias.OhistricoofcialdaFaculdadedeFilosofadaUniversidadedeMinas Gerais publicado no Anurio de 1939 a 1953 confere aos professores vinculados aoInstitutotalo-MineiroGuglielmoMarconiainiciativaeaorganizaoda instituio. Os professores do Colgio Marconi teriam cuidado de todo o processo defundaodaFAFI,desdeoconvitedosmaisconspcuosrepresentantes do magistrio, das cincias e das letras de Belo Horizonte para uma reunio preliminar preparatria at o estudo da legislao vigente sobre o funcionamento dasescolasdeensinosuperioresobreaestruturadainstituio-modeloa FNFi, organizada naquele mesmo ano. A assembleia fundadora da FAFI, reunida no salo nobre do Colgio Marconi na simblica data de 21 de abril de 1939, teriarealizadoasessomagnadefundaodainstituioe,apartirda,a escolhadeseuprimeirodiretoroprofessordasEscolasdeEngenhariade OuroPretoedeBeloHorizonte,LcioJosdosSantosedeseuConselho Tcnico Administrativo, responsvel pela elaborao dos estatutos e do regimento interno da nova instituio, pela organizao do corpo docente e discente e pela regularizao dos cursos junto ao Conselho Nacional de Ensino do Ministrio da EducaoeSade(ANURIO1939-1953).Oprocessoburocrticoinerente autorizao de funcionamento da FAFI, entretanto, atrasou em mais de um ano o incio de suas atividades. Concedida em 1941, ela era provisria e no implicava o reconhecimento ofcial da instituio, o que s foi feito em 1946 mediante a satisfao de uma srie de condies fnanceiras, administrativas e didticas.AhistriaofcialdaFAFIrecorreu,comonopoderiadeixardeser,aos indivduos que estabeleceram as relaes constitutivas deste espao institucional para glorifcar suas aes. Conforme fcou registrado, os professores-fundadores foram referidos como os desprendidos e bravos mestres que a criaram e que teriamsesubmetidoalongaseextenuantesatividadescomidealismoe generosidade e garantido milagrosamente o funcionamento da Faculdade que, no fora a extraordinria abnegao e o sacrifcio ingente de seus professores, que por quase um decnio a serviram, sem outro interesse que no o da alta cultura, no existiria ela hoje (ANURIO 1939-1953, p. 17). hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 109Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________PorumladoprecisoponderarqueemboraaFAFItenhanascidoese mantidoatravsdeiniciativasparticulares,suaexpectativasemprefoise incorporarUMG,oquesignifcavatransformarseusprofessores-fundadores em catedrticos na nova organizao. Por outro, o cuidado para no endossar a mitifcao daqueles professores no deve afastar a necessidade de conhec- -losenquantoindivduosdotadosdeumcapitalespecfcocomoobjetivode compreender as formas de poder que operaram sobre o conjunto das relaes constitutivasdaqueleespao,vistoqueasomadestesatributosquedefne opesosocialdeumainstituio(BOURDIEU2011).Cabereconhecer,ainda, que esse capital foi ao mesmo tempo usado e enriquecido pela ao em favor da criao e da manuteno da FAFI, pois o envolvimento desses professores comumainstituiodeensinosuperiorosposicionavanumaescalaacima nahierarquiadoespaoculturalquebuscavavalorizaracinciaeasletras produzidas a partir da universidade. A tenso entre as formas de poder inerentes organizao das faculdades de flosofa o poder poltico e o poder cientfco (BOURDIEU 2011) esteve presentedesdeosprimeirosanosdefuncionamentodaFAFI.Porumlado seus professores-fundadores estavam respaldados pelo capital intelectual que acumularam nas atividades que exerceram no campo cultural de Belo Horizonte durantevriosanos.Anotoriedadedelesqueresguardavaalegitimidade intelectualecientfcadainstituio.Aformaoeatrajetriaprofssional dessesdocentesaindaquecarentesdeumapreparaoformalparao magistriocumpriramplenamenteascondiesimpostaspeloregulamento defuncionamentodosestabelecimentosdeensinosuperiorqueexigiaque fosse demonstrada a capacidade moral e tcnica dos professores. Um relatrio elaboradoem1945paraaobtenodoreconhecimentodanovainstituio atestava que aqueles intelectuais eram conhecidos no Brasil inteiro pelo renome alcanado nas cincias e letras do pas e que a comprovao de seus ttulos em fchas individuais em que se expe e assinala o curso secundrio e superior de cada didata, [enumerando] os seus ttulos, trabalhos, diplomas, funes e cursos de especializao no deixava dvidas quanto capacidade de cada um para exercer a funo de magistrio no ensino superior.1 Por outro lado havia a desconfana de que alguns deles, enquanto partcipes das estruturas mais fundamentais da ordem social, estivessem em desacordo com a funo de transmitir a cultura legtima, outro dos encargos da instituio, devido s estreitas relaes com uma cultura exterior, a italiana. Apesar da proximidade do governo brasileiro com os pases do Eixo, a Segunda Guerra Mundial impunha ateno a qualquer infuncia externa naquele momento. A participao da Casa dItlia, atravs do Instituto Marconi, na criao e na manuteno da FAFI, era percebidaporalgunscrticosearticulistasdaimprensacomoarealizaodos propsitos educacionais das instituies italianas em Belo Horizonte.2 1 Relatrio de Reconhecimento da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais, 1945. Setor de Registro e Arquivo Acadmico Permanente da Graduao da FAFICH/UFMG.2UmartigopublicadonojornalEstadodeMinasem1941,noqualoautoranalisadeformairnicaa permannciadosentimentodeitalianidadeederespeitoaofascismonaeducaorealizadanacidade, 110hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares SantosSearelaodanovafaculdadecomaentidadedeimigrantesdaCasa dItliagarantiaocumprimentodasprincipaisexignciasdodecretofederal para o funcionamento das instituiesde ensino superior, vistoque a prpria manuteno fnanceira da FAFI estava vinculada a ela, tambm acabou sendo omaiorempecilhoparaseureconhecimentojuntoaoConselhoNacionalde Educao do Ministrio da Educao e Sade. O desenrolar da guerra acabou afetando as relaes da Casa dItlia com a FAFI, gerando uma relao incmoda que resultou na substituio do antigo diretor e na acelerao do processo de sua transferncia para o prdio da Escola Normal com o apoio do Governo do Estado, aindaqueaefetivaincorporaodaFaculdadedeFilosofapelaUniversidade de Minas Gerais (UMG) s tenha se efetivado em 1948, um ano antes de sua federalizao (HADDAD 1988). Concomitanteaocumprimentodasexignciasburocrticasparao reconhecimentoofcial,osmembrosFAFIinvestiramnaconsolidaodasua unidadeintelectual.Aconstruodaidentidadeinstitucionalenquantouma comunidadecientfcaeculturalbuscouselegitimartantonombitoda universidade, quanto na sua relao com o contexto cultural mais amplo da cidade. No espao acadmico, a FAFI se justifcava a partir da prpria ideia de universidade que ento circulava. A concepo de universidade que estava sendo debatida na poca, inspirada no modelo humboldtiano, endossava a perspectiva de se criar uma instituio que participasse da lgica universitria, mesmo que ainda no integrada a ela. A ideia da universidade moderna colocava as faculdades de Filosofa numa posio central dentro da estrutura universitria, pois atribua s faculdades de Filosofa a justifcao da importncia da cincia para a cultura e a sociedade em geral atravs da refexo flosfca que promoveriam. Atravs delas, seria possvel garantir a unidade na diversidade das disciplinas cientfcas a ideia da uni-versidade , pois elas que fundamentariam a refexo sobre a relao do sujeito do conhecimento com ele prprio (HABERMAS 1987). A partir daaideiadaliberdadeacadmicaedosaberdesinteressadocomeoua seimporaoargumentodaprofssionalizaonosdiscursosdelegitimaoda institucionalizao universitria. Aconcepodequeasfaculdadesdeflosofadeteriamumaposio central no interior das universidades comeou no s a ser compartilhada pela intelectualidadebrasileira,comoajustifcarahierarquizaodasinstituies existentes.SegundoRoiz,queanalisaosdiscursosdeFernandodeAzevedo eJliodeMesquitaFilhosobreafundaodaUniversidadedeSoPaulo (USP),entreasdcadasde1930e1950houveumesforoparaconsolidar umamemriacoletivasobreosacontecimentosqueviabilizaramafundao desta universidade com o objetivo de diferenciar a sua Faculdade de Filosofa, atestou como essa infuncia foi considerada signifcativa e suspeita: A educao primria feita no Grupo Escolar que tem o nome de Benito Mussolini. Basta este nome para voc ver que o ensino aqui insuspeito enopodecausarreceiodedesvirtuamentodoespritodenossosflhos.EstaescolafuncionanaCasa dItlia. Faltava-nos o ginsio, mas nossos conacionais fascistas no mediram sacrifcios e temos um excelente estabelecimentoquesechamaGinsioGuglielmoMarconi[...]osnossosconacionais,semprevigilantes, promoveram a criao aqui de uma Faculdade de Filosofa, sob os auspcios do Instituto Guglielmo Marconi e funciona l, numa instalao soberba (Carta Giuseppe. Estado de Minas, Belo Horizonte, 20 de junho de 1941 apud HADDAD 1988, p. 88)hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 111Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________CinciaseLetrasdeinstituiessimilarescriadasnoperodo(ROIZ2009).A partir da enorme ressonncia desse discurso, a concepo de uma verdadeira universidadeseriaapenasaquelaqueteriaconseguidosuperaromero agrupamentodeunidadesdeensinosuperioratravsdeumafaculdadede Filosofa criada simultaneamente ao seu nascimento. Naquele momento, a USP era a nica que atendia a este requisito. A fora desse discurso pode ser notada pelautilizao,aindafrequentenahistoriografabrasileirasobreeducao,de expressestaiscomoespritoantiuniversitrioouescolaprofssionalizante para se referir s instituies universitrias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais nas dcadas de 1920 e 1930, por exemplo, como se houvesse uma ideia genuna do que deveria ser a universidade brasileira e como se esta ideia estivesse sendo guardada pela USP.Mas avaliar historicamente uma instituio a partir de sua distncia em relao a uma organizao universitria supostamente modelar reduzir a variedade dos processos histricos e ignorar cada uma das especifcidades dos lugares acadmico- -institucionais.ComonotouHabermas,otipodeconcepoquevnaideiada universidade moderna um projeto de materializao de uma forma de vida ideal parte de uma instncia universal que anterior diversidade das formas de vida sociais. Ela pressupe que seus membros tenham uma forma de pensar comum, poiscompartilhamprincpiosculturaisresultantesdetodasasconfguraesdo esprito objetivo. Esta concepo de universidade foi herdada por vrias geraes deintelectuaiscomooconceitodeverdadeirauniversidade,aindaqueaquela perspectiva idealista tenha atribudo universidade uma fora de totalizao que desde logo se revelou uma exigncia que ela no poderia corresponder.Mas,comoobservouomesmoautor,malandariaauniversidadesea conscincia de si como corpo assentasse em qualquer coisa como um modelo normativo:asideias,assimcomovm,assimsevo(HABERMAS1987,p. 128). preciso reconhecer que aquela ideia de universidade parte integrante deumparadigmadamodernidade,cujacrisenopodedeixardeacarretar acrisedaprpriaideiadauniversidademoderna.Abordarhistoricamentea construo desse modelo atravs de seus mltiplos aspectos , pois, uma tarefa necessria para tornar mais complexas as refexes sobre este tema especfco, mas tambm sobre o prprio conhecimento histrico produzido na universidade. Ofatoqueacentralidadedaideiadasinstituiesdeensinosuperior enquantolugaresdeproduodeculturaecinciainfuenciouaformacomo o corpo docente e discente da FAFI se autolocalizava. Seus membros estavam sintonizados com a ideia da universidade moderna desde seus primeiros anos. Umacartade1945enviadapelodiretorinterinodainstituio,oprofessor Antnio Camilo de Faria Alvim, ao Reitor da UMG, o professor Pires e Albuquerque, apelava para a incorporao da FAFI pela UMG argumentando que a lei previa ofuncionamentodeumafaculdadedeFilosofanasuniversidades(HADDAD 1987).Oprprioregimentointernodainstituioestabeleceucomosuas fnalidadesapreparaodetrabalhadoresintelectuaisparaexerceratividade deordemdesinteressadaoutcnico-cientfca,aformaodeprofessores,a promoo de pesquisas e a colaborao com instituies educacionais ofciais 112hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares Santosoureconhecidas.3Anormatizaoestavaemconformidadecomaorientao federal que previa que o objetivo das faculdades de Filosofa era a) preparar trabalhadoresintelectuaisparaoexercciodasaltasatividadesdeordem desinteressadaoutcnica;b)prepararcandidatosaomagistriodoensino secundrio e normal; c) realizar pesquisas nos vrios domnios da cultura que constituam objeto de ensino.4 NaFAFI,essesobjetivosforamtraduzidosporumaorientaodidtica que visava tanto formao de docentes para o ensino secundrio, quanto ao oferecimentodevantagensdeordemculturalquelesquenopretendiam exercer funes de magistrio. Em seu briefng, a instituio destacava que no sendo uma Faculdade puramente profssional como as demais e tendo emvistaprincipalmenterealizarpesquisasdesinteressadasnosvrios domnios da alta cultura, da cultura desinteressada e integral, sem objetivos prticosimediatistas,precisamenteporissoaFaculdadedeFilosofada UniversidadedeMinasGeraispreparamelhordoquenenhumaoutrao chamado trabalhador intelectual, tcnico ou no (KRITERION 1950). EaindaenfatizavaqueoqueaFaculdadedeFilosofadaUniversidade deMinasGeraisvisaformar,antesdetudo,opesquisador,ocientista,o estudioso, o letrado, isto , o homem que faz avanar a cincia e no somente o homem que repete eternamente a cincia feita pelos outros. Numa entrevista concedida em 1988, um dos fundadores e ex-diretor da instituio, o professor GuilherminoCsar,afrmouqueaFAFIsnasceuseparadadaUMGdevido faltadecapacidadefnanceiradoEstado,afastandoqualquersuspeitaque pudesse recair sobre sua legitimidade acadmica (HADDAD 1988).No espao cultural mais amplo da cidade, a FAFI alimentou uma relao delegitimaocircular:suaautoridadefoisendoconquistadanamedida emqueelaprpriaconseguiainstituirsocialmenteanecessidadedeseu produtoculturalecientfco(BOURDIEU2011).Apromoodeeventos (cursos, seminrio e palestras) abertos a todos os interessados, a presena de professores estrangeiros e a divulgao de sua produo atravs da publicao deteses,separatasemonografasfomentavaavidaculturaldacidadeao mesmo tempo em que garantia a autoridade para seus membros exercerem suascompetnciasespecfcas.Adinmicaculturalinauguradaporessa instituiolevouCidRabeloHortaaafrmarqueaFaculdadedeFilosofafoi o maior empreendimento cultural registrado no Estado desde a fundao da Universidade em 1927 (HORTA 1953, p. 118). A criao da revista Kriterion em 1947, especialmente, teve um papel fundamental tanto para o reconhecimento social dos profssionais formados naquela faculdade, quanto para a formao de uma comunidade cientfca no seu interior, o que tambm contribua para a sustentao da autoridade de seus membros. 3 Ver REGIMENTO (1947)4Decreto-Lei1.190de4deabrilde1939.DorganizaoFaculdadeNacionaldeFilosofa.Legislao Informatizada da Cmara dos Deputados. Disponvel em: www.camara.gov.br. Acesso em: 22 de ago. de 2011.hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 113Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da FAFIFrancisco Iglsias se submeteu ao exame de vestibular (tambm referido como concurso de habilitao) do ano letivo de 1942 para o curso de geografa e histria da FAFI. Os exames vestibulares, como processo de concurso, estavam seconsolidandonaquelemomentocomoaformaprivilegiadadeacesso educao superior (ALMEIDA 2006). O edital, publicado no Minas Gerais de 14 de janeiro daquele ano, enfatizava que o exame estava em conformidade com as instrues expedidas pelo Departamento Nacional de Educao (DNE). Desde 1937, havia um rgido controle do processo de acesso aos cursos da educao superior, que passou a ser regulado anualmente. Era o DNE, rgo vinculado ao Ministrio da Educao e Sade, que controlava a admisso dos candidatos aos cursos superiores e determinava o contedo e as datas das provas durante o Estado Novo (CUNHA 1989). As instituies de ensino superior que pleiteavam autorizao ofcial, como era o caso da FAFI, deveriam realizar seus concursos seguindo risca aqueles preceitos (ALMEIDA 2006).Embora o acesso educao superior j estivesse sendo condicionado pela capacidade dos candidatos o que supunha uma concorrncia classifcatria naquele momento, havia vagas para todos os concorrentes que alcanassem a mdia estabelecida para aprovao. Foram realizadas provas escritas e orais de portugus, cosmografa, geografa, histria da civilizao, sociologia e desenho, conforme as determinaes federais. Todos os alunos foram aprovados e Francisco Iglsiasobteveamdiade74pontos,classifcando-seemquintolugar.Vale destacarqueessatendnciadeindicaramdiadeaprovaosetornouuma constante nas regulamentaes dos processos de acesso educao superior, os concursos vestibulares ou concursos de habilitao, mas s foi regulamentada pelo Ministrio da Educao e Sade em 1945 (ALMEIDA 2006, p. 177). Conforme alertou Ferreira, [...] a temtica da institucionalizao da histria comodisciplinauniversitriapreocupadacomasconcepeshistoriogrfcas, queorientaramsuacriaoeexpanso,notemrecebidoadevidaateno (FERREIRA 2006, p. 140). Ainda que a desorganizao da documentao relativa ao incio da institucionalizao do curso na FAFI imponha um pesado limite ao estudo deste processo, propomos traar um esboo das concepes de histria que nortearam a instalao do curso atravs de um estudo da grade curricular, do quadro docente e dos processos de avaliao do curso de geografa e histria frequentado por Francisco Iglsias. Embora estejamos cientes de que a formao de qualquer graduando no pode ser reduzida aos aspectos protocolares de seu curso, consideramos que estas informaes so signifcativas para a compreenso da dinmica acadmica na qual ele estava inserido e para a histria dos cursos superiores de histria no Brasil.Conforme as determinaes federais que regulamentavam o funcionamento da FNFi e que servia de modelo para a organizao das demais faculdades, o curso de geografa e histria da FAFI tinha durao de trs anos e poderia ser acrescentado do curso de Didtica, com durao de um ano. Francisco Iglsias concluiuostrsanosdocursodegeografaehistria,obtendoodiplomade Bacharel em 1944. Na sequncia, realizou sua formao pedaggica no curso de 114hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares Santosdidtica e obteve o diploma de licenciatura em 1945 (ANURIO 1939-1953, p. 480-487). A grade de disciplinas cursadas por Francisco Iglsias neste perodo pode ser observada no Quadro 1.Quadro 1: Grade Curricular Cursada por Francisco Iglsias (1942-1945)ANO LETIVO DE 19421 Srie:1. Geografa Fsica2. Geografa Humana3. Antropologia4. Histria da Antiguidade e Idade MdiaANO LETIVO DE 19432 Srie:1. Geografa Fsica2. Geografa Humana3. Histria Moderna4. Histria do Brasil5. EtnografaANO LETIVO DE 19443 Srie:1. Geografa do Brasil2. Histria Contempornea3. Histria do Brasil4. Histria da Amrica5. Etnografa do BrasilANO LETIVO DE 1945Srie nica de Didtica:1. Administrao Escolar2. Fundamentos Sociolgicos da Educao3. Fundamentos Biolgicos da Educao4. Didtica Geral e Especial5. Psicologia EducacionalFonte: Currculos da Faculdade de Filosofa da Universidade de Minas Gerais (1941-1956); Atas de Exames da Universidade de Minas Gerais (1941-1946). Setor de Registro e Arquivo Acadmico Permanente da Graduao da FAFICH/UFMG.A seriao das disciplinas cursadas por Francisco Iglsias na FAFI seguia a risca a organizao curricular do curso de geografa e histria da FNFi. Para Ferreira e Silva, a nova nomenclatura das disciplinas imposta por esta organizao Histria do Brasil e Histria da Amrica no lugar de Histria da civilizao no Brasil e Histria da civilizao na Amrica, denominaes usadas na extinta Universidade doDistritoFederalrevelaumaorientaodogovernoVargasdevalorizara histria poltica nacional com a exaltao dos grandes personagens da memria nacional (FERREIRA; SILVA 2011, p. 283-306). Ferreira ainda argumenta que: hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 115Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________essaalterao,aparentementesemmaiorimportncia,expressa,na verdade,mudanassignifcativas.Comojfoidito,adenominao Histria da Civilizao expressava uma crtica a um tipo de histria poltica comprometida com a exaltao dos grandes heris nacionais, dos grandes eventos e datas nacionais. Em contrapartida o retorno do uso da Histria doBrasilrepresentavaodesfechodeumalutaanterioriniciadacoma reforma Educacional de 1931, que havia institudo no ensino secundrio a proposta de um novo tipo de ensino de histria voltado para a valorizao da dimenso cultural dos acontecimentos (FERREIRA 2006, p. 153).Seestatesepodeserconfrmadanoplanomaisamplodaspolticas educacionais para o ensino superior adotadas pelo governo Vargas, na anlise da dinmica das disciplinas ministradas nas salas de aula pode ser questionada. Vejamos,porexemplo,oscontedosprogramadosparaseremaplicadosnas disciplinas histria do Brasil e histria da Amrica, cursadas por Francisco Iglsias em1943e1944,eocontedolanadopelosprofessoresnosdiriosdestas disciplinas. Ainda que este tipo de fonte no permita verifcar at que ponto os programas foram de fato implementados, tampouco se as matrias lecionadas declaradas nos dirios refetem a prtica da sala de aula, a documentao indica quaisosmodelosparaoensinodehistriaestavamsendoconsideradosno momento em que este campo disciplinar emergiu no ensino superior mineiro.Desdeasuafundao,oprofessorcatedrticodehistriadoBrasilna Faculdade de Filosofa de Minas Gerais era Antnio Camilo de Oliveira Alvim.5 Quando Francisco Iglsias cursou a matria, na segunda e na terceira srie, acadeiraestavaocupadaporJooCamilodeOliveiraTorres,6professor contratado de tica. A partir da anlise do programa da disciplina e do contedo lanado nos dirios de classe podemos observar que as matrias eram bastante diversifcadase,denenhumamaneira,seresumiamaosgrandesnomese eventos da histria nacional.7 Na2srie,oprogramadehistriadoBrasildocursodegeografae histriaemMinasGeraispreviaoestudodahistoriografabrasileiradesde oscronistasdostemposcoloniais,passandopelasobrasdeVarnhageme CapistranodeAbreu,atoquesechamoudeosmodernoshistoriadores. Aunidadetambmincluapontossobreapesquisaeaculturahistricano Brasil, o que demonstrava uma preocupao com as questes que permeavam o ofcio de historiador. Paralelamente aos temas recorrentes da histria poltica organizao social e poltica de Portugal, expanso martima e os descobrimentos 5 Formado em Direito pela Universidade de Minas Gerais, Antnio Camilo de Faria Alvim exerceu os cargos de deputado estadual, prefeito de Itabira e de promotor de Justia de Belo Horizonte. Foi diretor da Faculdade de Filosofa da UMG por trs vezes e entre suas atividades pedaggicas constava em seu currculo, alm do cargo de professor de histria do Brasil da Faculdade de Filosofa da UMG desde a fundao, os cargos de professor de histria do Brasil da Escola Normal Ofcial de Itabira, de professor de educao cvica da Escola Normal deItabira edeexaminador emconcurso dehistriaedegeografa doColgioEstadualdeBelo Horizonte (ANURIO 1939-1953, p. 318). 6 Joo Camilo de Oliveira Torres fez o curso superior de Filosofa na Faculdade de Filosofa da Universidade do Distrito Federal e, alm da Faculdade de Filosofa da UMG, lecionou tambm na Faculdade de Filosofa, Cincias e Letras Santa Maria, de Belo Horizonte. Membro do Instituto Histrico e Geogrfco de Minas Gerais e da Academia Mineira de Letras, publicou O sentido e a fnalidade do ensino universitrio (1940), O positivismo no Brasil (1943), O homem e a montanha (1944), entre outros (ANURIO 1939-1953, p. 386). 7OsprogramasdascadeirasdocursodegeografaehistriadaFAFI,bemcomoosdiriosdeclassedas disciplinas se encontram no Setor de Registro e Arquivo Acadmico Permanente da Graduao da FAFICH/UFMG.116hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares Santos o programa previa um tpico sobre a intencionalidade do descobrimento do BrasilesobreosaspectosetnogrfcoselingusticosdaCartadeCaminha. Entre os fatores relacionados colonizao portuguesa no Brasil, constava uma unidade sobre o elemento indgena que inclua um estudo sobre o indgena na formao da famlia brasileira, e outra sobre o elemento negro que contemplava o conhecimento das reas culturais do negro na frica e o papel do negro na civilizao brasileira. AnotvelinfunciadasobrasdeGilbertoFreyrepodeserpercebidana unidadesobreasociedadepatriarcalqueincluatpicossobreacasa,o mobilirio e as alfaias coloniais, a indumentria e a alimentao nos tempos coloniaiseadecadnciadopatriarcadorural.Ainfunciadosestudosde outro historiador moderno, Srgio Buarque de Holanda, pode ser notada na unidade sobre a formao dos centros urbanos, com tpicos sobre os fatores de formao das primeiras povoaes, os centros iniciais da vida colonial e o esplendor e decadncia das cidades coloniais. Uma unidade sobre a evoluo cultural brasileira tambm estava prevista no programa, com tpicos sobre a lngua e a literatura, as artes e as cincias, as expedies cientfcas e o ensino e a educao no Brasil colonial. Na 3 srie do curso, o programa da cadeira de histria do Brasil previa o estudo da histria brasileira a partir da transmigrao da famlia real portuguesa e a abertura dos portos at o processo de industrializao na Repblica. Alm da nfase na poltica interna e externa do Imprio e da Repblica, as unidades de estudo contemplavam a evoluo cultural e social dos perodos com tpicos sobre a educao e o ensino, as letras cincias e artes e a vida social e religiosa. A cadeira de histria da Amrica tambm era feita na 3 srie do curso de geografa e histria e o professor da disciplina desde 1944, responsvel por seu programa, era Jos Albano de Morais.8 A turma de Francisco Iglsias, no entanto, ainda que tenha feito a cadeira neste ano, teve como professor o escritor Sebastio deOliveiraSalles,cujonomesequerconstanarelaodocorpodocenteda faculdade. A matria lecionada por ele consta no dirio e indicia que o programa do professor Jos Albano de Morais que apresentado no Anurio de 1939 a 1953 j era uma referncia para a turma de Francisco Iglsias.O programa da cadeira previa uma introduo com noes gerais, como a posio da histria da Amrica no curso de geografa e histria, a orientao flosfcadacadeiraeoconhecimentodaAmricanaantiguidade.No estudosobreapr-histriaamericanaestavaprevistaaapresentaodas vrias hipteses sobre a origem do homem americano e uma refexo sobre a cultura de gros no panifcveis como fundamento econmico das primitivas civilizaes americanas e suas consequncias. Paralelamente aos fatos polticos do descobrimento da Amrica, no programa constava o estudo sobre a cincia 8 Inspetor Federal do Ensino Superior junto Faculdade de Filosofa da UMG, Jos Albano de Morais assumiu a cadeira de Histria da Amrica em 1944 e foi nomeado catedrtico em 1949. Formado em Direito pela UMG, ele foi professor de histria geral, histria do Brasil e histria da Amrica no Colgio Marconi entre 1937 e 1950 e era examinador ofcial no concurso para professor de geografa e de histria na Escola Tcnica de Belo Horizonte (ANURIO 1939-1953. p. 366-367).hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 117Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________eatcnicanodescobrimentodaAmricaesobreosgrandesimpriospr- -colombianos com tpicos sobre os usos e costumes dos Astecas e Incas e sobre avidareligiosa,econmica,socialemoraldosprimitivospovosamericanos, incluindo a exposio de temas sobre os sacrifcios humanos, as artes e as fontes da histria dos povos pr-colombianos. Alm de contemplar as lutas econmicas dosculoXVII,oprogramatambmpropunhaumacomparaoentreos sistemascoloniaisinglseespanholincluindoestudossobreaorganizao social, o movimento migratrio, o problema do ndio e uma refexo sobre as teorias polticas e a prtica colonial. Alm dos movimentos de independncia do sculo XVIII e da histria da Amrica livre no sculo XIX, o programa inclua o estudo da histria dos Estados Unidos e de suas relaes hostis com os pases latino-americanos, bem como a exposio da Amrica no cenrio poltico mundial.Portanto, o modelo para a constituio das cadeiras de histria do Brasil e de histria da Amrica do curso de geografa e histria da FAFI estava inspirado porumcontedoconsideradoinovadordehistriasocialeporaquiloque havia de mais moderno na historiografa do perodo. A abertura de cursos de geografa e histria a partir das diretrizes impostas pela organizao da FNFi no signifcou, necessariamente, sua inscrio em um projeto de histria nacional afeita exaltao de grandes nomes e datas. Se a institucionalizao do curso de histria na FNFi foi, como afrmou Ferreira, fortementeinfuenciadaporumaconcepodehistriaafnadacomas regrasdoInstitutoHistricoeGeogrfcoBrasileiro,ondepredominava aconcepodeumahistriapolticadestinadaareforaroslaosda identidadenacionalbrasileiraatravsdofortalecimentodaunidade nacionaledopapeldosgrandesheriscomoconstrutoresdanao (FERREIRA 2006, p. 156). OcasodeMinasGeraisparecenoteracompanhadototalmenteesta regra.SeaorganizaoadministrativaecurriculardaFaculdadedeFilosofa seguia as formalidades do curso da FNFi, a concepo de histria que a norteava apresentava traos mais complexos. Vejamos, por exemplo, uma prova da cadeira de histria do Brasil realizada por Francisco Iglsias em 1943. Diante da questo quem foi Amrico Vespcio?, cuja elaborao foi orientada pela exaltao de um grande personagem histrico, o estudante escreveu o seguinte: Existe, no plano da histria literria como da Histria em geral, o drama dodesencontroentreapublicidade,ograndenomedeumafguraeo seu papel real. Autores h que apenas infuenciaram, abrem caminhos, propem os temas, mas no realizam uma obra; sua infuncia profunda, mas subterrnea; no aparecem nunca; so como a agulha do aplogo famoso de Machado de Assis. Vejamos o caso de Vespucci; as suas geraes e os psteros glorifcaram- -lheonome;conhecidoefestejadoportodos,deuoseunomeao continente descoberto por Colombo em 1492 [...].99 Prova de histria do Brasil realizada por Francisco Iglsias em 7 de julho de 1943. Setor de Registro e Arquivo Acadmico Permanente da Graduao da FAFICH/UFMG.118hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares SantosE,depoisdetraaratrajetriadonaveganteforentinoinserindo-ano contexto mais amplo das relaes entre a Amrica e a Europa, Francisco Iglsias concluiu que a nfase naquele grande nome presente nas pginas dos livros de histria no correspondia nova interpretao que estava sendo dada aos seus feitos: Diante do que fez, merecia tamanha importncia? Parece-nos que no. Amrico Vespucci representa mais um caso de injusta distribuio de glria.10 Avaliada por trs examinadores, todos professores da instituio, a resposta questo recebeu, unanimemente, a nota mxima, o que indica a concordncia comopontodevistacrticoemrelaoprpriaconcepodehistriaque orientou a formulao da questo.Francisco Iglsias e as representaes do curso de histriaEm uma entrevista de 1991, quando questionado a respeito da infuncia que a FAFI teve sobre sua atividade como historiador, Francisco Iglsias lamentou no poder falar de nenhum professor seu com a reverncia com que os ex-alunos dasfaculdadesdeMedicinaedeDireitofalavamdeseusprofessores(SBPC 1991).Comefeito,enquantooscursossuperioresconsideradostradicionais existiam em Minas Gerais desde a passagem do sculo XIX para o XX, o curso de histria no qual Francisco Iglsias se graduou foi criado apenas na dcada de 1940. Durante toda a sua formao, a FAFI funcionou sem o reconhecimento federal, que s aconteceu em 1946, e sofreu com a falta de estrutura e com a improvisao de seu corpo docente. Esta desestabilizao se fez refetir nas turmas do curso de geografa e histria que se formaram entre 1946 a 1948: em cada ano, saram apenas dois diplomados (ANURIO 1939-1953). Mas esta no foi uma exclusividade mineira. Nos depoimentos de grandes historiadoresdeoutrosestadosrecorrenteaobservaodacarnciade profssionaisespecializadosnoscursosdehistriadasuniversidades,mesmo naquelas institucionalmente reconhecidas. A avaliao negativa dos professores foi feita pelos contemporneos de Francisco Iglsias formados na USP, na UDF ou na Universidade do Brasil. A professora Emlia Viotti da Costa, por exemplo, que ingressou na USP em 1948, ponderou que no teve professores marcantes nocursodehistriaequeteriasidomaisinfuenciadapeloslivrosqueleue porprofessoresdeoutrosdepartamentosdoquepelosdodepartamentode histria.Elatambmrevelouque,naprtica,pelomenosatadcadade 1950, a pesquisa no fazia parte da formao dos futuros professores naquela instituio (MORAES; REGO 2002, p. 70). Os programas das cadeiras do curso de geografa e histria da FAFI na grade curricular de 1939 a 1953 mostram que aqui tambm quase no havia espao paradiscussesterico-metodolgicas(ANURIO1939-1953).Mesmoalguns anos mais tarde, em 1957, quando o curso de histria foi separado do curso de geografa, o currculo foi considerado arcaico, tradicional e pobre por quem ocumpriu(RESENDE1991,p.20).Afaculdadedeflosofacontinuavaaser 10ProvadehistriadoBrasilrealizadaporFranciscoIglsiasem7dejulhode1943.SetordeRegistroe Arquivo Acadmico Permanente da Graduao da FAFICH/UFMG.hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 119Francisco Iglsias e o curso de geografa e histria da Faculdade de Filosofa de Minas Gerais (dcada de 1940)_________________________________________________________________________________voltada para a preparao de professores e, embora pudesse ser desqualifcada porquemdemandavainvestimentoempesquisas,elaparecetercumprido satisfatoriamente a demanda social por docentes para o ensino secundrio, pois o salto de qualidade da escola secundria foi por todos notada. Para Resende, o que garantia essa excelncia era a unifcao dos corpos docentes do ensino superior e secundrio. Segundo ela, o interesse pela docncia na escola pblica, superiorousecundria,tinhanactedra,instituiocomumaosdoisnveis, um ponto de alta correlao, que a tornava atraente ao exerccio profssional (RESENDE 1991, p. 23).Outrocrticodosprimeirosanosdoscursosuniversitriosdehistriafoi Edgar Carone, formado na USP em 1948. Ele lembrou que teve bons professores franceses,mastambmtivealgunspernasdepau.Apsasuaformatura, seu dilema era vou lecionar ou vou para a fazenda?, pois sua formao no permitiaoutracoisa.Decidiu-sepelafazenda,ondepermaneceupor12anos ininterruptos (MORAES; REGO 2002, p. 51). Tambm Maria Yedda Leite Linhares teve impresso parecida sobre a UDF e a Universidade do Brasil, onde ingressou em 1939. Ela destacou negativamente seus professores de histria, sugerindo que talvez nem devam ser lembrados (MORAES; REGO 2002, p. 26).As avaliaes negativas dos cursos e dos professores dos departamentos de histria foram comuns quela gerao pioneira que fez carreira na universidade. Maselasprecisamserconsideradasaluzdocontextoemqueforamfeitas, pois os critrios de verifcao para determinar a qualidade dos cursos estavam informados por uma realidade alheia quela que estava sendo posta prova. Na dcada de 1940, quando esses historiadores se formaram, o que era considerado inovadoroutradicionalnoconhecimentohistricosedistanciavabastante daquilo que orientava suas avaliaes nas dcadas de 1990 e 2000. Emumanotapublicadaem1944,porexemplo,aocomentarolivrode seu professor no curso de geografa e histria da FAFI Joo Camilo de Oliveira Torres Francisco Iglsias destacou a importncia do trabalho e do seu autor, cujo livro sobre o papel da geografa de Minas Gerais na constituio de grupos sociais ningum deixar de consultar no futuro para o estudo do nosso Estado. Eleafrmouaindaque,atravsdeseuslivros,JooCamilomostraasua extraordinria cultura, o conhecimento que tem de toda a flosofa moderna e da histria do Brasil (IGLSIAS 1944). Emartigode1956,FranciscoIglsiasdestacoupositivamenteoutro professor da FAFI Arthur Versiani Velloso catedrtico de histria da flosofa. Reconheceu a importncia da iniciativa deste professor junto ao grupo fundador dainstituioemummomentoemquenosecuidavadoassunto.Por ocasio do seu aniversrio de 50 anos, Francisco Iglsias foi convidado para escreversobreoantigoprofessoresecolocouentreosalunosdaFAFIque lhe deviam ateno e favores. Dele, Francisco Iglsias destacou a experincia docente, enfatizando que ainda lembrava as lies do professor: ainda hoje lembramos esses companheiros antigos e eu, essas lies como eram dadas, o que era dado, bem como fatos circunstanciais dignos de memria para ns (IGLSIAS 1956, p. 4).120hist. historiogr. ouro preto n. 11 abril 2013 104-121 doi: 10.15848/hh.v0i11.521 _________________________________________________________________________________Alessandra Soares SantosPortanto,aavaliaonegativaqueFranciscoIglsiasfezdeseucursoe de seus professores deve ser compreendida como parte do contexto discursivo que integrou as demandas da reforma universitria de 1968 e sua defnio a respeito das atribuies docentes e da prpria funo social da universidade. O tom denunciatrio da condio supostamente precria dos cursos de histria em suas fases iniciais est associado construo de um discurso posterior sobre o que seria uma organizao adequada realidade universitria. Os depoimentos deFranciscoIglsiasedeseuscontemporneosestavaminformadospelas exigncias da poca em que foram declarados, da julgarem que o despreparo de seus professores impediu que o curso de histria cumprisse a contento o seu propsito de formar profssionais da rea. Mas, apesar da primeira gerao de historiadores formados pelas universidades terem tido uma formao orientada pelos chamados no especialistas portanto, no profssionais, amadores que ainda ocupariam as principais cadeiras do curso de histria na universidade durante longos anos, eles adquiriram a legitimidade social necessria para se tornarem verdadeiros historiadores. Referncias bibliogrfcasALMEIDA, Silvia Maria Leite de. Acesso educao superior no Brasil: uma cartografadalegislaode1824a2003[TeseemEducao].Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.ANURIOdaFaculdadedeFilosofadaUniversidadedeMinasGerais.Belo Horizonte, 1939-1953.ARAUJO,ValdeiLopes.Cairueaemergnciadaconscinciahistoriogrfca no Brasil (1808-1930). 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