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Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação FAC Departamento de Jornalismo PRODUÇÃO DO JORNALISMO CULTURAL EM RÁDIOS PÚBLICAS: ANÁLISE DE PROGRAMAS DA EDUCADORA FM (BA) E DA FM CULTURA (RS) MONIQUE SILVA RODRIGUES Brasília, DF 2015

2014_MoniqueSilvaRodrigues

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Monografia de final do curso

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  • Universidade de Braslia

    Faculdade de Comunicao FAC

    Departamento de Jornalismo

    PRODUO DO JORNALISMO CULTURAL EM RDIOS

    PBLICAS: ANLISE DE PROGRAMAS DA EDUCADORA

    FM (BA) E DA FM CULTURA (RS)

    MONIQUE SILVA RODRIGUES

    Braslia, DF

    2015

  • 1

    Universidade de Braslia

    Faculdade de Comunicao FAC

    Departamento de Jornalismo

    PRODUO DO JORNALISMO CULTURAL EM RDIOS

    PBLICAS: ANLISE DE PROGRAMAS DA EDUCADORA

    FM (BA) E DA FM CULTURA (RS)

    MONIQUE SILVA RODRIGUES

    Monografia apresentada Faculdade de

    Comunicao da Universidade de Braslia

    como requisito final para obteno do ttulo de

    Bacharela em Comunicao Social com

    habilitao em Jornalismo, sob orientao do

    professor Carlos Eduardo Esch.

    Braslia, DF

    2015

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    ATA DE DEFESA PBLICA DE PROJETOS EXPERIMENTAIS

    MONOGRAFIA

    Data: 23/01/2015 Local: UnB Semestre: 2/2014

    Nomes do projeto: Produo do jornalismo cultural em rdios pblicas: anlise de programas da Educadora FM

    (BA) e da FM Cultura (RS)

    Executor

    Nome: Monique Silva Rodrigues

    Matrcula: 10/0049974

    Professor Orientador (Presidente da Banca Examinadora):

    Carlos Eduardo Esch

    1 Membro da Banca Examinadora: Nelia Rodrigues del Bianco

    2 Membro da Banca Examinadora: Srgio de S

    Membro Suplente: Paulo Paniago

    AVALIAO

    Item avaliado:

    Coerncia

    Importncia

    Seleo de mtodos

    Apresentao do trabalho

    MDIA FINAL

    MENO

    Braslia, 23 de janeiro de 2015.

    Orientador Membro Membro

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    Agradecimentos

    Sempre e em primeiro lugar a Deus, criador de todas as coisas.

    minha famlia pai, me, irmos, avs, tios e primos pelo apoio, incentivo e

    compreenso. Em especial mame que, alm do colo, deu uma fora com as tabelas.

    Ao Pedro, grande amor da minha vida e porto seguro, por tudo o que j passou, pelo hoje e

    pelo amanh.

    Chiara Lubich, que deu luz ao Movimento dos Focolares, por me mostrar que o amor a

    base de tudo e que sempre possvel recomear. s minhas queridas Gen, ponto de apoio

    fundamental, que doaram tempo e ouvidos para escutar meus desabafos. Pela unidade que

    construmos, pela fora que me passaram e pelo imenso amor recproco. Um agradecimento

    particular Gleice, pela ajuda com as transcries das entrevistas.

    Aos grandes amigos-irmos: Danielle, Brbara, Isabella, Saulo, Victor, Bianca, Stephanie,

    Carla e Rodrigo.

    s minhas espanholas preferidas Sandra e Irene e aos meus mexicanos preferidos Ivonne,

    Veronica, Ashley, Jhocelyne, Ricardo, Ivan, Jorge e Raul.

    Ana Caroline e Rassa, companheiras para todas as horas ao longo desses cinco anos de

    jornada.

    Ao Elefacto e a tudo o que ele representa. s pessoas maravilhosas com quem eu

    compartilhei dois anos e um ms dos mais importantes da minha vida: Marcella, Brenda,

    Benini, Felipe Malta, Izabela, Dario, Daphne, Otvio, Mirella, Max, Gabriela, Nathalia, Julia,

    Iasminny, Las (em memria), Carol, Eduardo, Gabriel, Karoline, Henrique e Pedro, nos

    nomes dos quais agradeo a todas as outras pessoas que passaram pela Facto.

    A todos os colegas de turma, pela alegria e pelo prazer da convivncia nesses ltimos anos.

    Em especial aos grandes amigos Gabi (mais uma vez), Pedro e Andr.

  • 4

    Aos meus colegas de trabalho pela compreenso da importncia desse momento e pelo

    aprendizado dirio.

    Aos mestres, todos fundamentais ao longo da minha vida. professora Gabriela de Freitas,

    que j no primeiro semestre colocou na minha cabea a importncia de ter muitas referncias.

    Ao professor Pedro Russi, que me apresentou o universo da pesquisa, at ento distante e

    desconhecido, e me mostrou que ele pode ser sim apaixonante. professora Dione Moura

    pela humanidade, pelo apoio, pela disponibilidade e por mostrar aos alunos um lado sensvel

    dos docentes, que se revelou to essencial. professora Clia Matsunaga, por me conquistar

    com as altas doses de alegria e empolgao aliadas a um enorme conhecimento no ensino do

    planejamento grfico.

    Ao professor Paulo Paniago, pelos quatro semestres seguidos de aprendizado constante, pelos

    erros e acertos, por me possibilitar descobrir uma jornalista em mim mesma. Ao professor

    Srgio de S por dar um outro tom ao jornalismo e por resgatar o gosto por apurar e escrever.

    Aos professores Nlia Del Bianco e Carlos Eduardo Esch que me introduziram ao encantador

    universo do rdio e por todas as oportunidades que eles me deram.

    Reforo o agradecimento ao professor, e tambm meu orientador, Cadu, pela pacincia,

    persistncia, sabedoria e tranquilidade, e por revelar seu lado psiclogo.

    Aos funcionrios da FAC, sempre to atenciosos. Ao seu Isaias pelos bons dias e boas tardes.

    Ao Rogrio, ao Edson e Chris, em nome dos quais agradeo aos demais colaboradores da

    universidade.

    Este trabalho e, consequentemente, a concluso do curso s foram possveis por todos vocs.

    Muito obrigada!

  • 5

    Nada do que feito por amor pequeno

    Chiara Lubich

    Que todos entendam e que os eruditos respeitem

    Tobias Peucer (1696)

  • 6

    Resumo

    Este trabalho pretende investigar a produo do jornalismo cultural em duas rdios do campo

    pblico brasileiro a partir do estudo dos programas Multicultura (Educadora FM/BA) e

    Estao Cultura (FM Cultura/RS). Para tanto, foi escolhido o mtodo da anlise temtica,

    considerando a anlise de contedo definida por Laurence Bardin. Alm disso, foram

    realizadas entrevistas semiestruturadas com a equipe dos programas. A pesquisa busca

    elementos que possibilitem entender quais so os temas mais abordados em tais programas, de

    que forma a estrutura pensada, quais so as condies de produo existentes e de que

    maneira colaboram com os princpios de universalidade, diversidade, independncia e

    diferenciao, estabelecidos pela Unesco para o fortalecimento da natureza pblica dessas

    emissoras.

    Palavras chave: jornalismo cultural, radiodifuso, rdio, jornalismo pblico

  • 7

    Abstract

    The present work intends to investigate cultural journalism production in two public radio

    stations in Brazil as from the study of the Multicultura (Educadora FM/BA) and Estao

    Cultura (FM Cultura/RS) programs. To that end, we chose the theme analysis method, taking

    into account the content analysis as defined by Laurence Bardin. Moreover, semi-structured

    interviews were carried out with the team of both programs. The research work herein looks

    for elements that help to understand which are the themes that appear more on those

    programs, how they are structured, what are the production conditions available and how they

    relate to the principles of universality, diversity, independence and differentiation as

    established by Unesco as to strengthen the public nature of this broadcasters.

    Keywords: journalism, broadcast journalism, radio, public journalism

  • 8

    SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................................................. 10

    CAPTULO 1 .......................................................................................................................... 12

    Contexto do estudo ................................................................................................................. 12

    1.1 O princpio: Jornalismo ................................................................................................ 12

    1.1.1 Jornalismo como forma de conhecimento ............................................................ 13

    1.2 Cultura como objeto do jornalismo .............................................................................. 15

    1.2.1 Histrico ............................................................................................................... 20

    1.3 Rdio: um espao para produo jornalstica ............................................................... 25

    CAPTULO 2 .......................................................................................................................... 30

    Jornalismo cultural radiofnico como objeto de estudo ..................................................... 30

    2.1 Objeto ........................................................................................................................... 30

    2.2 Objetivos ....................................................................................................................... 30

    2.2.1 Objetivo geral ....................................................................................................... 30

    2.2.2 Objetivos especficos ............................................................................................ 31

    2.3 Locus ............................................................................................................................ 31

    2.4 Corpus ........................................................................................................................... 34

    2.5 Mtodo .......................................................................................................................... 35

    2.6 Categorias de anlise .................................................................................................... 35

    CAPTULO 3 .......................................................................................................................... 39

    Os dados falam: levantamento e anlise de contedo ......................................................... 39

    3.1 Tema ............................................................................................................................. 39

    3.2 Formato ......................................................................................................................... 41

    3.3 Tipos de fontes ............................................................................................................. 44

    3.4 Linguagem e recursos sonoros ..................................................................................... 45

  • 9

    3.5 Recursos sonoros .......................................................................................................... 47

    CAPTULO 4 .......................................................................................................................... 48

    Os personagens falam: entrevistas ........................................................................................ 48

    4.1 Estrutura de produo ................................................................................................... 49

    4.2 Contedo dos programas .............................................................................................. 50

    4.3 Pblico e interatividade ................................................................................................ 53

    4.4 Desafios ........................................................................................................................ 55

    CONCLUSO ......................................................................................................................... 58

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................. 63

    APNDICES ........................................................................................................................... 65

  • 10

    APRESENTAO

    A especializao em cultura est presente em todos os tipos de veculos de

    comunicao, ainda que em alguns, como jornais impressos e revistas, tenha formato e

    contedo melhor definidos. No rdio, o jornalismo cultural uma realidade, especialmente

    presente nas emissoras pblicas, mas tem sido, cada vez mais, reduzido a grandes listas que

    apresentam a agenda cultural ou aparece mesclado programao de entretenimento. Este

    trabalho pretende resgatar e compreender os espaos do jornalismo cultural em um ambiente

    tomado por dificuldades e controvrsias.

    Para realizar a anlise do radiojornalismo cultural no campo pblico brasileiro, foram

    escolhidos os programas Multicultura, da Educadora FM da Bahia, e Estao Cultura, da FM

    Cultura do Rio Grande do Sul. A partir disso, foi feita a audio de edies referentes a um

    perodo preestabelecido, a fim de recolher material para compor a anlise temtica. Tambm

    foram feitas entrevistas com as equipes dos programas, com o intuito de complementar a

    anlise, especialmente com informaes de bastidores e com a viso dos produtores sobre o

    trabalho que realizam.

    No primeiro captulo desta pesquisa, ser retomado o contexto do jornalismo, as

    controvrsias que envolvem a definio de cultura e a especializao jornalstica cultural, a

    fim de entender a formao histrica e as implicaes na sociedade. Tambm sero abordadas

    as caractersticas do jornalismo pblico: sua funo, o espao de que dispe e as dificuldades,

    particularmente no que tange a radiodifuso.

    A metodologia ser tradada no segundo captulo, que apresentar o processo de

    construo do recorte desta monografia e as definies de objeto, objetivos geral e especfico,

    locus, corpus, mtodo de anlise temtica e das entrevistas, alm das categorias de anlise.

    Por fim, os captulos 3 e 4 daro espao anlise propriamente dita. Respectivamente,

    dialogaro com os dados obtidos nas audies e com informaes coletadas nas entrevistas

    feitas com a equipe dos programas.

    O interesse em tratar o tema partiu das experincias adquiridas ao longo da graduao.

    Desde que entrei para o curso de Jornalismo, me voltei ao estudo e prtica do jornalismo

    cultural. Alm disso, quando estava no terceiro semestre, tive o primeiro contato com o

    estudo da linguagem radiofnica, que me despertou muito interesse.

  • 11

    J o contato inicial com as particularidades do jornalismo pblico aconteceu quando

    me tornei bolsista de iniciao cientfica do Observatrio da Radiodifuso Pblica na Amrica

    Latina, vinculado ao Laboratrio de Polticas de Comunicao da Ps-graduao em

    Comunicao da UnB. Durante o perodo de pesquisa, pude conhecer melhor diversas

    emissoras pblicas brasileiras, perceber como construda a programao e quais so as

    diferenas em relao maioria das emissoras comerciais. Tambm pude entender algumas

    de suas dificuldades especialmente em relao aos baixos recursos financeiros e falta de

    conhecimento sobre quem a audincia.

    Alm da afinidade com o tema, uma das questes que mais me estimulou a

    desenvolver a pesquisa, foi o certo ineditismo no estudo; so poucas as referncias

    encontradas sobre jornalismo cultural no ambiente radiofnico. Portanto, este trabalho tem

    um papel relevante ao contribuir para o debate acerca do assunto no mbito da pesquisa em

    comunicao.

  • 12

    CAPTULO 1

    Contexto do estudo

    O jornalismo cultural est presente em todos os tipos de veculos de comunicao, em

    alguns aparece em maior quantidade e com contedo mais bem definido, em outros acaba

    inserido discretamente no meio dos programas. No geral, o ramo tem mais destaque em

    publicaes impressas, especialmente revistas especializadas e de variedades. Mas, antes de

    adentrar nas particularidades da especializao em cultura, fundamental enxergar o

    jornalismo a partir de uma leitura geral e compreender de que forma se insere na sociedade.

    1.1 O princpio: Jornalismo

    O jornalismo est submetido aos princpios de formar, informar e entreter. Ao buscar

    um entendimento analtico sobre o ofcio, Luiz Costa Pereira Jnior aponta, na introduo de

    A Apurao da Notcia, o jornalismo como uma disciplina da verificao, que tem o resgate

    social e humano como elemento fundamental. A prtica se expressa como leitor e intrprete

    do mundo, faz uma seleo dos fatos e busca organizar o que h de relevante.

    Em termos mais objetivos, o jornalismo tem como misso acrescentar dados para a

    reflexo, pautar discusses, levantar assuntos polmicos ou obscuros, denunciar os

    descalabros (Jorge, 2008, p. 27). Presta servio sociedade, assegura a transparncia das

    instituies e processos de interesse comum, serve como ferramenta para que a comunidade

    conhea seus direitos e o universo ao seu redor.

    Consciente dessa misso, o jornalista faz uma leitura sobre os fatos da realidade e os

    expe. O processo que envolve o fazer jornalstico pode ser composto por vrias aes, entre

    as quais: transformar informao em notcia, que envolve classificar, hierarquizar, incluir,

    excluir, adaptar, expor etc; traduzir, ou seja, adequar linguagens tcnicas para o entendimento

    de todos; e criticar, de maneira a procurar problemas e apont-los com o intuito de gerar

    melhorias para a populao. As mdias de massa se inserem nesse contexto para dar

    visibilidade ao trabalho jornalstico.

    Pereira Jnior (2010, p. 75) descreve, ainda, que a natureza da atividade envolve

    conhecer o pblico para o qual se escreve e, em consequncia, fazer comunicao a partir

    desse entendimento. Tambm tm importncia fundamental para a prtica os aspectos ticos

  • 13

    que se referem ao respeito a essa audincia e realidade testemunhada por ela, alm, claro, da

    tcnica que pressupe trabalhar com o verificvel.

    1.1.1 Jornalismo como forma de conhecimento

    A fim de compreender os resultados gerados pela prtica jornalstica, relevante

    entrar na discusso acerca do jornalismo como forma de conhecimento ideia lanada, em

    1940, pelo jornalista e socilogo Robert Ezra Park no artigo A notcia como forma de

    conhecimento. Ao construir a reflexo sobre a notcia1, Park se baseia nos conceitos de

    conhecimento de e conhecimento acerca de, elaborados por um de seus tutores, o

    psiclogo pragmatista Willian James, em 1896.

    O conhecimento de est relacionado ao senso comum, ao conhecimento que se

    adquire no cotidiano e institui uma espcie de memria ou hbito social. J o conhecimento

    acerca de corresponde ao racional, sistemtico e analtico. A notcia se localiza entre esses

    dois conceitos, pois no revela os fatos adquiridos nem proporciona conhecimento

    sistemtico; seu papel de apenas fazer aluso a um acontecimento.

    relevante observar que nenhum dos dois conceitos reflete o real em absoluto, so

    formas de diz-lo e interpret-lo, j que os fatos sofrem a mediao da linguagem. Isabelle

    Anchieta, em estudo sobre o artigo de Park, explica que, mais do que um artifcio, o autor

    percebe a linguagem como um elemento que participa e integra a realidade, influenciando, em

    contrapartida, no curso dos acontecimentos (ANCHIETA, 2007, p. 6).

    De acordo com o socilogo, o conhecimento acerca de mais recorrente em trs

    formas: Filosofia e Lgica (interesse por ideias), Histria (interesse por acontecimentos) e

    Cincias Naturais ou de classificao (interesse por coisas). Nesse contexto, a modalidade que

    mais se aproxima do Jornalismo a Histria, j que ambas se interessam pelos

    acontecimentos. A singularidade de cada prtica est na maneira como tratam os fatos. Park

    explica que a notcia

    no histrica porque, em primeiro lugar, se refere, em conjunto, a acontecimentos

    isolados e no procura relacion-los nem com sequncias causais nem com

    sequncias teleolgicas. A histria no s descreve os acontecimentos, mas tambm

    procura coloc-los no lugar que lhes cabe sucesso histrica. (PARK, 1976, p. 174

    apud ANCHIETA, 2007, p. 6)

    1 Ao longo do artigo, Robert Park usa o termo notcia como sinnimo de jornalismo, o que se justifica, em

    parte, pelo contexto histrico do perodo, em que a empresa jornalstica ainda era incipiente e no havia uma

    distino bem estabelecida dos gneros jornalsticos (ANCHIETA, 2007, p. 4).

  • 14

    A notcia como prtica singular se diferencia, portanto, na ateno dada ao

    acontecimento ela busca apenas apresent-lo e descrev-lo, enquanto a Histria quer

    localiz-lo e interpret-lo. Alm disso, o Jornalismo se centra no presente, s recorre a tempos

    passados ou ao futuro quando estes esto relacionados aos fatos atuais, para dar mais riqueza

    s informaes e para explic-los. Sobre esse aspecto, Park observou que o interesse do

    pblico efmero, a partir do momento em que uma informao foi publicada e reconhecida,

    as pessoas deixam de ter curiosidade sobre ela e comeam a se interessar por um novo

    episdio. O acontecimento que o pblico j conhece passa a integrar o campo histrico.

    Ao observar as primeiras dcadas do sculo XX, contexto no qual se inseria, o

    estudioso ressaltou que a fixao pelo presente foi consequncia do momento de mudanas

    gerado pelas descobertas e avanos tecnolgicos daquele perodo como a descoberta da

    penicilina, a inveno do avio, o desenvolvimento da televiso, entre vrios outros. Para

    Park, o mundo moderno parecia ter perdido a perspectiva histrica em razo das constantes e

    rpidas mudanas, o que deu mais importncia ao papel do Jornalismo.

    Apesar de essa reflexo ter sido feita no incio do sculo passado, perceptvel que o

    processo de fixao pelo presente se estende para os dias atuais, uma vez que o mundo segue

    em constantes e expressivas mudanas. Sobre aquele perodo, Park afirmou: Parece que a

    nossa a poca da notcia, e um dos acontecimentos mais importantes da civilizao norte-

    americana foi o surgimento do reprter (PARK, 1976, p. 185 apud ANCHIETA, 2007, p. 8).

    A partir do entendimento de jornalismo como forma de conhecimento, razovel

    afirmar que ele faz parte da sociedade, contribui para a construo dos valores e auxilia na sua

    ordenao e no seu funcionamento. O saber no pode ser simplesmente transmitido, ele

    constitui um processo de aprendizagem que envolve o reconhecimento de uma informao

    comunicada por uma pessoa a outra.

    Em reflexo acerca do tema, o pesquisador Eduardo Meditsch entende que o

    jornalismo sim uma forma de conhecimento, mas destaca que a aprendizagem implica

    numa operao cognitiva, onde quem aprende tem um papel to ativo quanto quem ensina

    (MEDITSCH, 1997, p. 5). Essa ideia refora a importncia do jornalista no processo de

    transmisso de informaes, entretanto deixa claro que ele no est s: a aprendizagem no

    depende apenas dele, mas tambm do receptor seja leitor, ouvinte ou telespectador , o que

    caracteriza a recriao do conhecimento nos atos de aprender e ensinar. Meditsch segue:

    Desta forma, pode-se afirmar que o conhecimento no se transmite, antes se reproduz

    (idem).

  • 15

    Portanto, a reflexo apresentada por Meditsch mostra que a aprendizagem est sujeita

    a diferentes interpretaes. As informaes recebidas por um indivduo so processadas,

    classificadas e contextualizadas e podem sofrer a interferncia de vrios fatores, a exemplo da

    emoo. Com base nesse entendimento, vale destacar a observao de Robert Park de que o

    jornalismo est para o pblico da mesma forma que a percepo est para os indivduos. Ou

    seja, a notcia tem a funo de informar, mas tambm de orientar, assim como a viso que

    temos dos acontecimentos do dia a dia guiam nossas aes.

    Considerando esse contexto, em que o jornalismo surge como forma de conhecimento

    a partir da curiosidade do pblico sobre o presente, a cultura se materializa como pauta e

    como rea de especializao. Ela tem particularidades a serem consideradas especialmente

    quando tratada no mbito radiofnico , como ser abordado a seguir.

    1.2 Cultura como objeto do jornalismo

    Definir jornalismo cultural no uma tarefa fcil, j que o prprio termo cultura

    bastante controverso e pode ser aplicado a diferentes contextos e a questes com naturezas

    distintas. Cultura pode ser entendida, por exemplo, como um conjunto de valores e saberes

    intrnsecos a um grupo de pessoas, que gera uma identidade, ou tambm como prticas e

    costumes transmitidos por geraes e estabelecidos em um espao geogrfico determinado.

    Podemos nos referir cultura de certo povo como a cultura brasileira determinada pela

    nacionalidade comum, mas tambm cultura proveniente da herana religiosa a exemplo da

    cultura judia , que atravessa limites territoriais.

    Alm disso, como discorre o professor espanhol Mario Prades Vilar, o termo pode

    determinar certas expresses da sociedade, como a cultura clssica, que corresponde a um

    saber especfico grego e romano localizado em determinada poca da histria; a alta

    cultura, geralmente relacionada s artes e literatura, que so do alcance apenas de classes

    ditas elevadas; ou a cultura popular, que agrega uma srie de expresses artsticas

    erroneamente entendidas como opostas erudio (VILAR, 2011, p. 5).

    importante destacar que, com o advento das indstrias culturais e com a nova

    relao tempo-espao dada pela expanso das tecnologias, a cultura ganhou novo sentido na

    sociedade contempornea. Partindo desse princpio, a pesquisadora Isabelle Anchieta, na

    tentativa de chegar a uma definio sobre o termo e, portanto, sobre os assuntos abordados

  • 16

    pelo jornalismo cultural , retoma conceito de cultura definido na Conferncia Mundial sobre

    Polticas Culturais, realizada no Mxico em 1982:

    Conjunto dos traos distintivos sejam materiais, espirituais, intelectuais ou afetivos que caracterizam um determinado grupo social. Alm das artes, da literatura, contempla, tambm, os modos de vida, os direitos fundamentais do

    homem, os sistemas de valores e smbolos, as tradies, as crenas e o imaginrio

    popular. (Conferncia Mundial sobre Polticas Culturais apud ANCHIETA In:

    AZZOLINO, 2009, p. 57)

    Essa definio mostra que a cultura extrapola a ideia fechada de que est ligada

    unicamente ao erudito, a produes artsticas. Tambm Prades Vilar segue na linha de que

    todos os sentidos da cultura so importantes para a construo da informao jornalstica.

    Ainda assim, o pesquisador destaca um conceito que, para ele, encaixa-se melhor no universo

    do jornalismo especializado: cultura como um conjunto de saberes adquiridos pelas pessoas a

    fim de conhecer melhor o mundo.

    Tal ideia, descrita por Francisco Rodrguez Pastoriza no livro Periodismo Cultural,

    posiciona o foco sobre a funo da cultura e no sobre o seu contedo propriamente dito. A

    partir disso, entende-se que o jornalista tem o papel de comunicar o acontecimento cultural e

    torn-lo acessvel. Arte, religio, literatura, humanidades em geral, podem ser vistas como

    formas de conhecimento do mundo por parte do homem e, portanto, como facetas da cultura

    que dizem respeito ao jornalista cultural (VILAR, 2011, p. 6, traduo livre2).

    Cida Golin (In: AZZOLINO, 2009, p. 28) entende que o uso corrente do termo

    jornalismo cultural pela mdia referente s manifestaes artsticas, marca do tempo de

    lazer pouco respondeu dimenso antropolgica alcanada pelo conceito de cultura durante

    o sculo XX. Ela cita a definio dada por Ulpiano Bezerra de Meneses, que versa sobre um

    universo mais amplo e refora os demais conceitos apresentados at aqui:

    A cultura engloba tanto aspectos materiais como no materiais e se encarna na

    realidade emprica da existncia cotidiana: tais sentidos, ao invs de meras

    elucubraes mentais, so parte essencial das representaes com as quais

    alimentamos e orientamos nossa prtica (e vice-versa) e, lanando mo de suportes

    materiais e no materiais, procuramos produzir inteligibilidade e reelaboramos

    simbolicamente as estruturas materiais da organizao social, legitimando-as,

    reforando-as ou as contestando ou transformando. V-se, pois, que antes de um

    refinamento ou sofisticao, a cultura uma condio de produo e reproduo da

    sociedade. (MENESES, 1996, p. 89 apud GOLIN In: AZZOLINO, 2009, p. 28)

    2 Trecho original: Arte, religin, literatura, humanidades en general, pueden ser vistos como modos de conocimiento del mundo por parte del hombre y, por tanto, como facetas de la cultura que ataen al periodista

    cultural.

  • 17

    Uma vez explicitado o contexto polissmico do termo cultura, fica claro o papel do

    jornalismo cultural para alm da cobertura de eventos e produtos (como lanamentos de CDs,

    livros, filmes, exposies etc). Na realizao de seu trabalho, importante que o jornalista

    esteja atento anlise e interpretao dos fatos culturais e de tudo que est por detrs dos

    mesmos, a fim de compreender o sentido das coisas, de explorar as implicaes das obras e de

    captar expresses da sociedade. Como afirma Anchieta, demanda-se, para isso, uma postura

    mais reflexiva, democrtica e menos preconceituosa (In: AZZOLINO, 2009, p. 57), o que

    quer dizer deixar de lado a ideia de que o erudito no pode ser apresentado a todos e de que o

    popular no tem valor artstico.

    A autora destaca, ainda, que a singularidade do jornalismo cultural est baseada em

    dois aspectos: democratizao do conhecimento e carter reflexivo. Em relao ao primeiro

    tpico, existe uma necessidade de tornar os saberes acessveis a todos de maneira irrestrita e o

    jornalismo cultural se apresenta com esse papel social. A atividade , tambm, caracterizada

    pela capacidade de anlise crtica; enquanto outras editorias apenas do luz, noticiam os

    acontecimentos da sociedade, compete especializao em cultura fazer uma reflexo acerca

    deles.

    A partir da contextualizao da prtica como democrtica e reflexiva, Anchieta define

    trs eixos temticos com os quais o jornalista cultural se depara atualmente. So eles:

    abordagem de temas clssicos como poltica e economia, entre outros por meio de um

    olhar cultural e reflexivo; incluso de novas temticas, que ganham status cultural (objetos,

    design); moda, comportamento, culinria e os diversos objetos da indstria cultural, que

    devem ser tratados sem preconceito e com objetividade (In: AZZOLINO, 2009, p. 55).

    Como contribuio a esse debate a respeito da especializao em cultura,

    interessante destacar que Piza defende que o jornalismo , ele mesmo, personagem

    importante dessa era de reprodutibilidade tcnica, como dizia o pensador Walter Benjamin

    (2011, p. 44), o que demonstra o cenrio de mudanas pelo qual tambm a prtica passa. Vale

    ressaltar que Benjamin o mais aberto dos filsofos da Escola de Frankfurt3, por se revelar

    um pouco otimista em relao indstria cultural colaborou bastante para tais discusses

    3 Fundado em 1923, o Institut fr Sozialforschung era um importante centro de estudos alemo conhecido pelo

    grupo de investigadores que o frequentava. Os intelectuais desenvolveram ali a teoria crtica, que representou

    uma contracorrente maioria da communication research. Em 1950, passado o conturbado perodo do nazismo,

    quando o instituto teve que ser fechado, os estudiosos retomaram suas atividades prosseguindo na atitude terica que o tinha distinguido desde o incio e que motivara a sua originalidade, isto , na tentativa de fundir o

    comportamento crtico nos confrontos com a cincia e a cultura com a proposta poltica de uma reorganizao

    racional da sociedade, de modo a superar a crise da razo (WOLF, 2009, p.82).

  • 18

    mostrando que a sociedade est carregada de valores simblicos em todas as suas expresses

    culturais.

    O pensador entendia que, em parte, a arte havia perdido sua aura4, sua autenticidade

    e tradio, com as indstrias culturais. Para ele, a obra de arte, em geral, deixava de ter o

    carter nico, passando a ser reproduzido em srie, e, dessa forma, tornava-se apenas produto

    para consumo, sem capacidade de gerar reflexo. Ainda assim, ele considerava o poder de

    reproduo de contedos pelos meios de comunicao de massa algo positivo, no sentido de

    facilitar a apropriao da cultura pela comunidade.

    Observando tais reflexes, entendemos que essa viso sobre a perda da aura

    limitada, uma vez que muitos produtos culturais de massa tm qualidade, so to densos,

    carregados de smbolos e significados, e produzidos por meio de tcnica apurada, como em

    outras civilizaes e tempos. Alm disso, a indstria cultural no est to dependente das

    variaes do poder econmico, uma prova que tem se tornado cada vez mais segmentada e

    variada, e obras duradouras tm ganhado mais destaque.

    Exemplo disso pode ser encontrado com uma observao rpida a respeito da bossa

    nova e de seus produtos. Amplamente reproduzido no mundo inteiro e apropriado das formas

    mais diversificadas desde o seu surgimento, no final da dcada de 1950, o gnero conquistou

    um lugar especial na histria da msica brasileira e tambm internacional. At os dias de hoje,

    mantm a autenticidade, o valor artstico e intelectual, reconhecido tanto por leigos como por

    estudiosos da rea.

    Daniel Piza complementa a discusso sobre a prtica na atualidade com uma crtica

    atuao do jornalista de cultura. Ele considera que o profissional no tem sido bem sucedido

    no cumprimento da funo de observar o mercado cultural, avaliar seus produtos e tendncias.

    Segundo o autor, vrias questes tm levado a essa falha, como a dificuldade de avaliar uma

    produo em razo dos diversos critrios que a envolvem.

    O jornalismo, que faz parte dessa histria de ampliao do acesso a produtos

    culturais, desprovidos de utilidade prtica imediata, precisa saber observar esse

    mercado sem preconceitos ideolgicos, sem parcialidade poltica. Por outro lado,

    como a funo jornalstica selecionar aquilo que reporta (editar, hierarquizar,

    comentar, analisar), influir sobre os critrios de escolha dos leitores, fornecer

    elementos e argumentos para sua opinio, a imprensa cultural tem o dever do senso

    crtico, da avaliao de cada obra cultural e das tendncias que o mercado valoriza

    por seus interesses, e o dever de olhar para as indues simblicas e morais que o

    cidado recebe. (PIZA, 2011, p. 45)

    4 Benjamin caracteriza o conceito de aura pela autenticidade, que envolve os elementos temporais e espaciais da

    obra de arte e permite reconhecer sua essncia, e pela unicidade, que atesta o carter tradicional da obra,

    fundamentado na sacralizao e no ritualstico e confere, portanto, um valor nico. Nesse sentido, a produo da

    cultura seria uma atividade para poucos.

  • 19

    Entre os pontos problemticos destacados pelo autor est a polarizao que se d na

    ainda existente dualidade entre elitismo e populismo, tambm entre os cadernos culturais de

    variedades e especializados, e na dicotomia entre a divulgao de produtos nacionais e

    internacionais. fundamental reconhecer que essas questes existem e discuti-las a fim de

    produzir uma anlise crtica sobre os produtos jornalsticos, identificar problemas e

    abordagens que podem melhorar.

    Sobre o primeiro aspecto, percebe-se que muitas pessoas pobres, por exemplo, ainda

    tm medo das obras artsticas, associam-nas a atividades intelectuais, complicadas e

    intangveis. O que no se observa, que essa ideia oposta democratizao da cultura, to

    pregada atualmente por estudiosos e, at mesmo, por pessoas do meio artstico. Outro ponto

    que tal concepo se mostra incoerente com o contexto histrico em que foram revelados

    muitos artistas excepcionais de origem humilde, como o aclamado Pixinguinha. Aqui o

    jornalista precisa assumir seu papel na traduo das linguagens artsticas e lev-las a todos,

    fato que esbarra na prxima questo: a forma de tratar as pautas.

    Essa diferena na escolha e no tratamento dos temas entre os cadernos de variedades,

    normalmente presentes nos jornais dirios, e as publicaes especializadas, acaba por destacar

    o popular em uns e o universo fechado da erudio em outros. O erro est em acreditar que o

    pop no exija conhecimentos mais aprofundados e que o contedo especializado no tenha

    apelo instantneo. Jornalismo dosagem. Temas ditos eruditos podem ser tratados com

    leveza, sem populismo; e temas ditos de entretenimento podem ser tratados com sutileza, sem

    elitismo (PIZA, 2011, p. 58).

    O outro ponto que gera complicaes para o bom andamento do jornalismo cultural

    a falsa ideia de que abordar temas internacionais ser submisso. O profissional que trabalha

    com esse setor precisa ter um equilbrio: estar sempre atualizado sobre novidades e produo

    local e, ao mesmo tempo, antenado aos grandes clssicos e referncias que vm de fora. Isso

    enriquece a pauta, permite a apresentao de informaes mais embasadas e colabora para

    gerar maior conhecimento ao pblico.

    A partir da viso dos pesquisadores citados at aqui, entendemos que grande parte dos

    veculos mediticos necessita retomar a postura reflexiva sobre o que foi e est sendo

    produzido, fazendo uma avaliao do caminho que tem tomado. Alm disso, os jornalistas

    precisam resgatar a viso reflexiva e analtica tambm sobre as pautas culturais, entender

    como os assuntos tm sido abordados, a fim de torn-las acessveis a todos e contribuir para a

    construo de valores e para o processo de aprendizagem.

  • 20

    Antes de passar para o prximo tpico, importante apresentar os gneros

    jornalsticos que normalmente tratam da cultura, ainda que no haja um consenso ou uma

    determinao especfica a respeito deles. Essa questo ser vista, de forma prtica, com a

    anlise dos programas realizada neste trabalho, quando ser mostrado que inexiste uma

    frmula sobre a produo do jornalismo cultural.

    Ao abordar o jornalismo em termos gerais, Cremilda Medina, por exemplo, afirma que

    a prtica se realiza na reportagem, em qualquer que seja sua expresso. E acrescenta: a

    informao de servio fundamental desde que o jornalismo existe, mas, por outro lado,

    sempre houve necessidade da voz individual, da voz da opinio (In: LINDOSO, 2007, p. 33).

    Para ela, essa voz vem da crtica, das resenhas e dos ensaios, gneros tradicionalmente

    reconhecidos dentro do universo do jornalismo de cultura.

    J Andrs Szant (in: LINDOSO, 2007, p. 40), ao tratar mais especificamente sobre o

    jornalismo cultural, apresenta a existncia de dois tipos de abordagem: tradicional e de

    servio. Na primeira, o editor considerado especializado, portanto tem competncia para

    escolher as pautas. Apesar de ser considerado um modelo elitista, permite maior

    aprofundamento por meio da realizao de matrias e reportagens. J na abordagem de

    servio, o leitor visto como crtico, no sentido de que decide o que quer saber. Nesse caso,

    as informaes tm carter de utilidade e se materializam em listas de programao.

    O jornalismo cultural pode ser verificado em todos esses gneros (reportagem, crtica,

    resenha, ensaio, servio/agenda). O que veremos que cada veculo ou programa (no caso do

    rdio, por exemplo) decide como utiliz-los e quais deles se encaixam melhor em cada

    realidade, seja em relao ao que o pblico deseja consumir ou no que tange as condies

    existentes para a produo.

    1.2.1 Histrico

    Para compreender mais a fundo os desafios que encontramos no jornalismo cultural

    hoje e, em consequncia, nos dois programas analisados neste trabalho, fundamental

    entender como se deu a formao da prtica. Portanto, resgatar a histria nos ajuda a ter uma

    viso de como se chegou ao cenrio com o qual nos deparamos e nos mostra, principalmente,

    que o processo no est estagnado, segue em constantes mudanas.

    Segundo Daniel Piza (2011), a histria do jornalismo cultural no tem incio exato,

    mas pode-se determinar um marco a partir da fundao da revista The Spectator, em 1711,

  • 21

    pelos ensastas ingleses Richard Steele (1672-1729) e Joseph Addison (1672-1719). Eles

    decidiram lanar a publicao a fim de levar a filosofia a diversos lugares, como clubes,

    assembleias e cafs, fazendo com que as discusses extrapolassem o mbito das bibliotecas,

    escolas e faculdades.

    Nessa poca, j se entendia a atividade cultural como motivo de reflexo e se percebia

    a necessidade de ampliar o debate de ideias e lev-lo ao morador das cidades. Isso se

    materializou em produes artsticas carregadas de sentidos e que manifestavam aes

    inspiradas no cotidiano. O teatro elisabetano, por exemplo, que tem em William Shakespeare

    seu principal expoente, apresentava temas recorrentes na sociedade, retomava questes

    histricas e abordava, inclusive, interpretaes sobre o estrangeiro, estimuladas pelas viagens

    de descobrimento dos sculos XVI e XVII.

    Ao longo das dcadas, o jornalismo cultural esteve presente nas mais diversas

    situaes, muitas delas de cunho poltico. Como exemplo, Piza destaca que o jornalismo

    cultural britnico alimentou ideias que deram origem ao movimento iluminista5 por meio dos

    textos publicados em pasquins e panfletos distribudos pelas ruas que serviram de

    combustvel aos ideais revolucionrios.

    O autor ilustra exemplo do filsofo francs Voltaire, que, em viagem Inglaterra,

    encantou-se pelo clima de liberdade no pas estimulado pelas reflexes jornalsticas e

    posteriormente declarou que seus pensamentos sobre justia e independncia foram inspirados

    na mentalidade inglesa. Nesse contexto, inclusive, o escritor ingls Samuel Johnson (1709-

    1784) tornou-se o primeiro grande crtico cultural.

    No auge da industrializao do sculo XIX, ensaios e crticas tinham papel de

    destaque, assim como quem os escrevia. Nesse perodo, surgiram nomes como John Ruskin

    (1819-1900), grande crtico de arte que marcou poca e influenciou o reconhecido escritor

    francs Marcel Proust, e Sainte-Beuve (1804-1869), chamado por especialistas de papa

    francs da crtica oitocentista.

    Sainte-Beuve, por sua vez, foi responsvel por estabelecer um padro para o

    jornalismo cultural, com coluna no Le Constitutionnel, que se tornou precursora de um

    formato muito usado por anos no Brasil e ainda empregado em outros pases: os rodaps

    5 O Movimento Iluminista ocorreu entre os sculos XVII e XVIII e teve seu pice com a Revoluo Francesa,

    em 1789. um perodo que inaugura a idade contempornea da histria intelectual e cultural do Ocidente. Foi

    caracterizado por grande efervescncia de ideias e revoluo nas reas da cincia, filosofia e poltica.

  • 22

    literrios6. Com os grandes expoentes da poca, Piza conta que se iniciava uma era de ouro

    do jornalismo europeu, to influente na modernidade quanto as revolues polticas, as

    descobertas cientficas, a educao liberal ou o romance realista (2011, p. 13).

    Ainda no sculo XIX, o jornalismo cultural efervesceu nos Estados Unidos. O grande

    expoente por l foi Edgar Allan Poe (1809-1849), com suas crticas literrias publicadas em

    jornais e revistas, ainda que, atualmente, seja mais conhecido por contos e poemas de

    mistrio. Logo, na segunda metade do sculo, houve um boom no nmero de crticos e

    ensastas que acompanhou o crescimento do pas e, em consequncia disso, a expanso do

    horizonte da cultura.

    J no Brasil, o gnero ganhou fora apenas no final do sculo XIX, especialmente com

    Machado de Assis (1839-1908), que iniciou a carreira como crtico de teatro e polemista

    literrio. Havia, ainda, a proximidade de vrios outros escritores brasileiros com o jornalismo

    cultural. Entre os grandes expoentes estavam Jos Verssimo (1857-1916), Silvio Romero

    (1851-1914) e Araripe Jnior (1848-1911), que faziam parte da chamada gerao de 1870 e

    formavam a trade de crticos mais importantes do perodo, como destaca a Enciclopdia Ita

    Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.

    Com a grande movimentao artstica e agitao intelectual do inicio do sculo XX

    fruto da exploso das vanguardas artsticas europeias7 e da chegada do movimento modernista

    ao Brasil , a sociedade, e tambm o jornalismo, passou por mudanas. Alguns intelectuais

    modernistas e os jornalistas mais conservadores acabaram por utilizar os espaos dos jornais

    como palco para debates. Esse contexto, em conjunto com a outorga da primeira lei de

    imprensa do perodo republicano, em 1923, e da criao de cursos de Jornalismo entre as

    dcadas de 30 e 40, contribuiu para o incio da profissionalizao da atividade. Com ela, veio

    o destaque maior para reportagens e entrevistas.

    A expresso mxima da especializao em cultura a partir da profissionalizao do

    ofcio jornalstico veio com a criao da revista O Cruzeiro, em 1928. A publicao lanou o

    6 Os rodaps literrios surgiram na imprensa oitocentista francesa e germnica nos folhetins que faziam as

    vezes do que hoje conhecemos por segundos cadernos. Nesses espaos, normalmente localizados na parte

    inferior da primeira pgina, eram publicados textos literrios: crnicas, poesias, ensaios e resenhas. No Brasil, o

    formato, que ganhou fora em meados do sculo 20, foi adotado pelos grandes jornais para dar espao s crticas

    literrias.

    7 As vanguardas foram manifestaes artsticas, surgidas na Europa no incio do sculo XX, que buscavam

    quebrar padres, romper com a tradio cultural do sculo anterior. Encabeadas por artistas e intelectuais

    considerados frente de seu tempo, acabaram influenciando todo o mundo ocidental. As principais correntes foram: cubismo, futurismo, expressionismo, surrealismo e dadasmo. Essas ideias fomentaram o modernismo

    brasileiro, que teve como pice a Semana de Arte Moderna de 1922.

  • 23

    conceito de reportagem investigativa e deu espao a importantes artistas e escritores, como

    Jos Lins do Rego, Vincius de Moraes, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz e Mrio de

    Andrade. Tambm reconhecida pelas inovaes grficas, teve suas ilustraes assinadas por

    dois grandes representantes do modernismo: Di Cavalcanti e Anita Malfatti.

    Entre os anos 30 e 40, O Cruzeiro foi a principal revista do pas e conseguia chegar a

    todos os tipos de pblico. Ela e outras publicaes brasileiras do gnero valorizavam o crtico

    enquanto profissional e priorizavam textos que tinham carter mais informativo, que

    consideravam tambm o entorno e o contexto das obras, no apenas discorriam sobre o

    produto em si.

    O caderno cultural como seo obrigatria dos impressos surgiu a partir dos anos 50,

    tendo como marco a criao do Caderno B pelo Jornal do Brasil em 1956. Foi o precursor

    do moderno jornalismo cultural brasileiro, com crnicas de Clarice Lispector e Carlinhos de

    Oliveira, crtica de teatro de Brbara Heliodora e outros trunfos (PIZA, 2011, p. 37).

    Atualmente, o jornalismo cultural vem sofrendo uma crise marcada, principalmente,

    pela rpida transformao dos produtos culturais e pelas mudanas sofridas pelo prprio

    jornalismo. Intelectuais e crticos j no tem mais fora e no causam tanto impacto sobre a

    opinio do pblico s vezes sequer da comunidade artstica , existe um domnio de

    assuntos relacionados a celebridades e fenmenos de audincia tm se sobressado em

    detrimento das pautas e dos formatos tradicionais em cultura.

    Alm disso, os veculos em geral ainda no encontraram um modelo para acompanhar

    a revoluo digital, o que gerou srias crises financeiras e, consequentemente, cortes de

    pessoal e a degradao da profisso. Outro ponto que os jornalistas acabam, muitas vezes,

    pautados (ou vetados) pelos interesses comerciais das empresas que os financiam h casos

    em que matrias que criticam determinado setor deixam de ser publicadas para no entrar em

    conflito com fontes publicitrias, ou ento iniciativas interessantes no so mostradas porque

    foram realizadas por concorrentes dos patrocinadores.

    H tambm uma queda na qualidade da apurao e dos textos causada, em parte, pelo

    excesso de profissionais inexperientes nas redaes departamentos de pessoal tm recorrido

    a jornalistas recm-formados e estagirios como alternativa para manter a alta produo e

    baixos salrios. A massificao dos cursos de comunicao e suas consequentes decadncias

    aparecem como mais uma dificuldade a ser superada.

    Uma problemtica que afeta especialmente o jornalismo cultural que existe uma

    falsa ideia dos donos de empresas de comunicao de que os temas de cultura tm menor

    importncia. Portanto, os profissionais que o realizam encontram resistncia e tem seu espao

  • 24

    cada vez mais subaproveitado na hora de cortar contedo para dar lugar a uma publicidade,

    os cadernos de cultura entram para a lista dos principais afetados. Andrs Szant aponta tal

    questo e lamenta: Jornalismo cultural a especializao jornalstica de mais baixo status na

    maioria das redaes [...] A verdade que as artes no constituem a rea que concentra a

    ateno da maioria das empresas de comunicao (In: LINDOSO, 2007, p. 37).

    Por essa razo, o enxugamento das redaes tambm chega primeiro editoria de

    cultura. Em consequncia, como h pouco pessoal para produzir contedo mais elaborado e

    analtico, o espao dedicado ao jornalismo cultural acaba sendo restringido funo de

    apenas prestador de servios, sendo materializado em grandes listas que apontam a

    programao do perodo. Nos veculos impressos, por exemplo, aparecem as colunas com

    grandes roteiros de filmes, shows, festas etc. J nas emissoras de rdio, tambm so

    frequentes os quadros com o servio a respeito de eventos ou as pequenas notas informativas

    jogadas no meio da programao.

    Apesar desse cenrio, possvel manter o entusiasmo em relao ao jornalismo

    cultural. Mais do que nunca, bons jornalistas especializados, que saibam filtrar, selecionar e

    organizar a informao so necessrios, porque os veculos precisam se diferenciar das tantas

    outras fontes de informao viabilizadas pela internet.

    [...] o conhecimento da histria escrita pelos grandes crticos e reprteres culturais

    pode servir para dois lembretes: primeiro, essa histria no parou de ser escrita, e os

    grandes nomes de hoje nada devem ao passado, embora proporcionalmente influam

    menos; segundo, h espao para recuperar parte dessa influncia, pois o bombardeio

    de dados e informaes da era eletrnica criou uma carncia ainda maior de anlises

    e comentrios, que suplementam argumentos, perspectivas e contextos para o

    cidado desenvolver senso crtico e conectar disciplinas. (PIZA, 2011, p. 31 e 32)

    Como alternativa aos problemas pelos quais o jornalismo e, em especial, os veculos

    de comunicao tradicionais esto passando, parte dos profissionais especializados tem

    concentrado seu trabalho na publicao de livros, seja com coletneas de ensaios e crticas, ou

    com projetos de reportagens pensados exclusivamente para esse formato, como tambm com

    biografias, entre outros8. Piza destaca que tambm a internet serve de caminho alternativo

    para o jornalismo cultural, com inmeros sites que se dedicam a falar sobre cultura e suas

    manifestaes (2011, p. 31).

    8 Na busca por reinventar a produo jornalstica, alguns profissionais, por exemplo, debruaram-se sobre o

    prprio material j publicado para relan-lo em forma de coletneas, como o fez Ivan Marsiglia, editor-

    assistente do Estado de S. Paulo, que publicou o livro de reportagens A poeira dos outros (Arquiplago Editorial,

    2013), e tambm Fred Melo Paiva, colunista do Estado de Minas, que lanou recentemente Bandido raa pura

    (Arquiplago Editorail, 2014).

  • 25

    Ainda existe um longo caminho para que o jornalismo e, em especial, a especializao

    em cultura aprenda a lidar com a convergncia de mdias e encontre uma alternativa aos

    problemas apontados. Como abordado acima, a dita crise afeta a produo, especialmente sua

    qualidade, portanto preciso ousar, buscar a renovao e at a reestruturao. O jornalista

    continua interferindo na produo cultural do futuro e preciso assumir a responsabilidade

    sobre ela. Segundo Cremilda Medina, a cultura passa em todos os espaos e tempos do

    jornalismo (In: LINDOSO, 2007, p. 32), portanto deve-se resgat-la.

    1.3 Rdio: um espao para produo jornalstica

    O nascimento do sistema de radiodifuso teve, na poca, peso que pode ser comparado

    ao surgimento da internet. Ambos se estabeleceram como forma de colocar as pessoas em

    contato com o mundo; alm de alterar a relao entre espao e tempo, permitiram que a

    informao sobre eventos distantes chegasse de imediato ao pblico. No Brasil, a implantao

    acontece nas primeiras dcadas do sculo XX, um perodo de muitas mudanas, como j

    abordado em tpico anterior. Contudo, existem dvidas sobre quem realmente deu incio s

    transmisses no Brasil: se a Rdio Clube de Pernambuco ou a Rdio Sociedade do Rio de

    Janeiro.

    Isso ocorre porque os pernambucanos de fato se reuniram em um primeiro momento,

    em 1919, para se debruar sobre as possibilidades da nova tecnologia, mas h imprecises no

    registro da data da transmisso propriamente dita. Relatos apontam que a primeira irradiao

    da Rdio Clube pode ter ocorrido em fevereiro de 1923 ou em novembro de 1924, enquanto

    que a Rdio Sociedade foi iniciada em abril de 1923.

    De todos os modos, vamos nos ater emissora carioca, que teve um papel

    determinante para a radiodifuso brasileira a partir do pioneirismo de seu fundador, Edgard

    Roquette-Pinto. Em 1936, ele doou a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro ao ento Ministrio

    da Educao e Sade (MES), fato que marca o incio da histria das rdios pblicas

    brasileiras. Em A histria do Rdio Pblico no Brasil: um resgate pela linha do tempo, Valci

    Regina Mousquer Zuculoto explica:

    Roquette-Pinto, fundador e proprietrio da emissora, negava-se a veicular

    publicidade como as demais rdios da poca por considerar que tal prtica

    desvirtuaria a Sociedade da sua misso voltada educao e cultura. Sem condies

    de sustentao financeira da emissora, resolveu do-la ao MES, mediante a condio

    de que mantivesse o perfil educativo-cultural. E assim se iniciou um dos sistemas da

    radiodifuso brasileira que, por dcadas, se organizou sob a denominao de sistema

    de rdio educativo e hoje se autoproclama rdio pblico. (2011, p. 2 e 3)

  • 26

    As emissoras pblicas tm a difcil e importante tarefa de produzir comunicao de

    qualidade, com independncia editorial e financeira, autonomia em relao aos rgos

    governamentais, pluralidade, diversidade, imparcialidade e transparncia. Muitas vezes

    contam com vrios problemas no mbito da gesto e das finanas, em razo das baixas

    verbas.

    No Brasil, essa tarefa ainda mais difcil, uma vez que o setor das rdios pblicas tem

    representatividade baixa enquanto nmero de emissoras e de audincia e, portanto, existe

    pouca expressividade e fora. Dados de outubro de 2014 apresentados pelo Ministrio das

    Comunicaes revelam que, dentre as 9 mil emissoras brasileiras, h apenas 422 rdios FM

    educativas, o que representa 4,7% do sistema9.

    Em teoria, o ambiente da radiodifuso pblica permite que haja uma ateno maior

    para com a qualidade e abrangncia do contedo veiculado, uma vez que no h restries

    impostas pelas empresas financiadoras e, consequentemente, pela busca incessante de ndices

    de audincia. As emissoras assim classificadas deveriam se constituir como uma ferramenta

    dirigida a todos, como aponta o texto La Radio y Televisin Pblica Por Qu? Cmo? do

    Conselho Mundial de Rdio e Televiso da Unesco:

    a rdio e televiso do pblico; se dirige a cada pessoa em sua qualidade de

    cidado. Fomenta o acesso vida pblica e participao nela, desenvolve

    conhecimentos, amplia os horizontes e permite que cada um se compreenda melhor

    ao compreender ao mundo e aos demais [...].

    Porque no est submetida a imperativos de rentabilidade, a rdio e televiso pblica

    deve dar provas de audcia e inovar, correndo riscos. E quando consegue

    desenvolver gneros ou ideias que lhe so prprios, pode impor normas elevadas s

    demais emissoras, as quais d ento o tom. (2001, p. 7, traduo livre10

    )

    Bucci, Chiaretti e Fiorini partem do princpio de que uma emissora pblica pertence

    ao pblico e administrada segundo critrios pblicos no estatais11 (2012, p. 21). Tais

    emissoras so, portanto, entendidas por eles como independentes do Estado; podem se

    9

    Os dados do Ministrio das Comunicaes contabilizam as rdios com autorizao provisria de

    funcionamento FM e AM comerciais, comunitrias, de Ondas Curtas e Ondas Tropicais, alm das FM

    educativas.

    10 Trecho original: Es la radio y televisin del pblico; se dirige a cada persona en su calidad de ciudadano.

    Fomenta el acceso a la vida pblica y la participacin en ella, desarrolla los conocimientos, ampla los horizontes

    y permite que cada uno se comprenda mejor al comprender al mundo y a los dems [...]. Porque no est sometida

    a imperativos de rentabilidad, la radio y televisin pblica debe dar pruebas de audacia e innovar, corriendo

    riesgos. Y cuando logra desarrollar gneros o ideas que le son propios, puede imponer normas elevadas a las

    dems emisoras, a las cuales da entonces el tono.

    11 Os autores especificam as emissoras estatais como de propriedade do Estado (por administrao direta ou

    indireta), com dirigentes nomeados por rgos de um dos trs poderes e que se subordinam a limites

    institucionais impostos. Elas se dividem em: governamental, legislativa e judiciria.

  • 27

    constituir como Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip) ou fundaes

    de direito privado fiscalizadas pelo poder pblico e tm como gestor um conselho

    independente. A programao, por sua vez, deve ter autonomia e ser baseada na pluralidade e

    experimentao, alm de no ter finalidades comerciais, partidrias, governamentais ou

    religiosas. As emissoras comunitrias tambm entram nesse grupo. Sobre a vocao pblica

    das emissoras estatais, eles discorrem:

    possvel que uma emissora estatal conquiste, no curso de sua tradio, um alto

    grau de autonomia editorial e administrativa, contando para isso com o apoio da

    sociedade, que a legitima. Nesse sentido, possvel que boas emissoras estatais

    desenvolvam uma vocao pblica, buscando, no limite, emancipar-se inteiramente

    do jugo estatal. (BUCCI; CHIARETTI; FIORINI, 2012, p. 24)

    Em 2011, a Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura

    (Unesco) definiu princpios que considera que devem ser observados pelas entidades de

    radiodifuso pblica e nortear sua produo, como consta no documento do Conselho

    Mundial de Radio e Televiso citado acima. So eles: diferenciao, diversidade,

    universalidade e independncia. Tais critrios deveriam ser observados na elaborao e

    execuo de contedos nessas emissoras, mas isso nem sempre ocorre.

    Tanto a diferenciao quanto a diversidade tratam dos servios prestados pelas

    emissoras. O primeiro aspecto indica que os servios de radiodifuso pblica devem ser feitos

    por meio da programao diversificada e de qualidade, com olhar para a inovao, a criao

    de novos espaos e gneros, alm de se mostrar como fonte de informao e estimular os

    outros veculos. J o segundo princpio aponta que a programao deve refletir a diversidade

    dos interesses do pblico considerando, pelo menos, a variedade de gneros emitidos (desde

    noticirios a pequenos boletins e programetes), os espectadores a quem se destina e os temas

    tratados.

    A universalidade complementa essa ideia da relao com o pblico, uma vez que

    busca colocar o conjunto de indivduos em um patamar de igualdade a partir do entendimento

    de que rdio e televiso pblicas devem ser acessveis a todos os cidados em territrio

    nacional dos pontos de vista tcnico, de linguagem e contedo. A independncia12

    , por sua

    12

    Para garantir os recursos necessrios manuteno das emissoras, j que a independncia tambm esperada

    em relao ao aspecto financeiro, existem formas determinadas de financiamento. No Brasil, por exemplo, so

    permitidos patrocnios a programas, apoio cultural, publicidade institucional e legal, prestao de servio,

    licenciamento e venda de produtos e servios. O Observatrio da Radiodifuso Pblica na Amrica Latina

    aponta que o financiamento a parte mais complicada no sistema brasileiro; o Estado tradicionalmente o

    principal financiador, mas existem alternativas estabelecidas por lei para diversificar o sustento das emissoras.

    Disponvel em .

    Acesso em 13 dez. 2014.

  • 28

    vez, constitui-se como princpio fundamental para manter a liberdade de expresso sobre a

    qual a comunicao pblica se apoia de forma a concretizar-se como espao por onde

    circulam informao, opinio e crtica.

    Pesquisa realizada pelo Observatrio da Radiodifuso Pblica na Amrica Latina

    mostra que algumas distores ainda acontecem no Brasil. Entre elas, est a falta de

    participao pblica em algumas emissoras e a existncia de programao voltada

    majoritariamente ao entretenimento, que no respeita a diferenciao e a diversidade13

    .

    O Manual de Jornalismo da Empresa Brasil de Comunicao (EBC), que agrega vrias

    emissoras pblicas (como a Rdio Nacional e a TV Brasil), entende o jornalismo como um

    espao pblico. Ao apresentar o guia, Nelson Breve, presidente da instituio, refora a

    importncia do compromisso com a preciso, com a clareza, com o respeito aos fatos e aos

    Direitos Humanos, com o combate aos preconceitos, com a democracia e com a diversidade

    de opinies e pontos de vista (2013, p. 8). relevante destacar que as entidades

    caracterizadas como pblicas tm de ter uma ateno especial para com essas questes.

    Nesse universo, o jornalismo cultural encontra, em geral, um espao mais responsvel

    e mais comprometido com a democratizao dos contedos e com a funo reflexiva que lhe

    inerente. Isso porque, a partir do surgimento dos meios de comunicao de massa e com a

    nova configurao estabelecida pelas indstrias culturais que permitia maior reproduo,

    mas tambm maior acesso , o setor de entretenimento conseguiu alcanar um posto muito

    promissor no ambiente radiofnico. Quando tal esfera descobriu o poder de propagao desse

    meio, e tambm da televiso, o entendimento da comunicao passou a ter uma nova cara.

    Alm do rdio, que no Brasil teve funo histrica ainda pouco estudada no s na distribuio de informaes, mas tambm na formao de um repertrio nacional

    comum, como no caso das novelas , o cinema foi o principal veculo de arte de massa, crescentemente influente nos anos 20, 30 e 40. E a partir dos anos 50, com a

    democratizao da TV, a produo de obras culturais em escala atingiu fora, uma

    presena social, um impacto sobre os hbitos e valores de todas as classes que no

    pode ser subestimado, como sabe qualquer brasileiro que se detiver sobre a histria

    da Rede Globo desde sua fundao em 1965. (PIZA, 2011, p. 43)

    A expanso de programas, especialmente nas emissoras comerciais, com grandes listas

    de msicas e pouca produo de contedo reflexivo colaborou consideravelmente para a

    13

    Exemplo dessas distores o caso da Rdio Mximus FM, que fica em Rio Paranaba, Minas Gerais. A

    emissora est listada como pblica, administrada por uma fundao de direito privado e recebe recursos da

    prefeitura municipal, entretanto no inclui programas que atendam a finalidades educativas e culturais, alm de

    ter programao focada em msicas de sucesso, sem vinculao com a cultura local e sem canais efetivos de

    controle de qualidade.

  • 29

    homogeneizao do gosto musical. Tambm o foco na programao de entretenimento

    propagou um padro comportamental inspirado, por exemplo, nas radionovelas, que

    apresentavam personagens com papis sociais especficos e estereotipados.

    Quando existe a preocupao em alcanar os princpios estabelecidos pela Unesco e

    tambm a funo do jornalismo cultural na sociedade, o poder que o rdio tem de atravessar

    fronteiras ganha outra dimenso e pode, inclusive, gerar aprendizado, alm de servir como

    canal para compartilhamento de ideias. Portanto, percebe-se a fundamental importncia do

    sistema pblico de radiodifuso, quando comprometido com os valores apontados ao longo do

    captulo, no resgate programao de qualidade.

    Assim sendo, ao longo dos anos, o meio se concretizou como um dos responsveis

    pela difuso da cultura brasileira, processo coroado pela grande expressividade e capacidade

    que o rdio tem de influir no imaginrio do ouvinte (CAVALCANTE; WITIUK, 2012).

    Talvez hoje essa relao no se d mais da mesma forma como ocorreu nos anos de ouro do

    rdio, mas ele ainda est diariamente presente na vida das pessoas. Esse cenrio de desafios e

    discusses a respeito do jornalismo cultural e sua prtica no rdio pblico provocam uma

    srie de reflexes que devem ser consideradas e merecem investigao. A partir dessa

    conjuntura, foi proposto o estudo que segue.

  • 30

    CAPTULO 2

    Jornalismo cultural radiofnico como objeto de estudo

    2.1 Objeto

    O objetivo deste trabalho compreender aspectos da produo do jornalismo cultural

    em duas rdios do campo pblico brasileiro a partir do estudo dos programas Multicultura

    (Educadora FM/BA) e Estao Cultura (FM Cultura/RS). Para tanto, a pesquisa busca

    elementos que possibilitem entender quais so os temas mais abordados em tais programas, de

    que forma a estrutura pensada, quais so as condies de produo existentes e de que

    maneira colaboram com os princpios de universalidade, diversidade, independncia e

    diferenciao, estabelecidos pela Unesco para o fortalecimento da natureza pblica dessas

    emissoras.

    importante ressaltar que o trabalho parte de um ambiente controverso gerado pelas

    mltiplas interpretaes possveis do termo cultura e, portanto, prope-se, a entender o que

    feito nas duas emissoras e no encontrar uma definio exata para o jornalismo cultural.

    Alm disso, como abordado no primeiro captulo, a prtica jornalstica se encontra imersa em

    uma crise gerada pela dificuldade de encontrar um modelo efetivo e rentvel que possibilite a

    convivncia entre os meios de comunicao tradicionais e as novas tecnologias e, em

    consequncia, pela falta de recursos financeiros.

    Existe uma escassez de bibliografia especfica sobre o jornalismo cultural no universo

    radiofnico, o que se converte em um motivo a mais para desenvolver um material que

    contribua para uma reflexo a respeito da produo jornalstica de cultura. A prtica do

    radiojornalismo tem caractersticas muito particulares que devem ser levadas em considerao

    ao analisar a relao entre entretenimento e cultura.

    2.2 Objetivos

    2.2.1 Objetivo geral

    Conforme demonstrado no contexto apresentado no captulo anterior, este trabalho

    tem como objetivo geral investigar a produo do jornalismo cultural em duas rdios do

    campo pblico brasileiro a partir do estudo dos programas Multicultura (Educadora FM/BA)

    e Estao Cultura (FM Cultura/RS).

  • 31

    2.2.2 Objetivos especficos

    - Buscar elementos relacionados ao contedo e linguagem dos programas da amostra

    que possibilitem conhecer os temas culturais mais abordados em tais programas;

    - Entender de que forma a estrutura desses programas pensada;

    - Conhecer as condies de produo existentes;

    - Verificar se os programas se aproximam e colaboram com os princpios de

    universalidade, diversidade, independncia e diferenciao, estabelecidos pela Unesco

    para o fortalecimento da natureza pblica dessas emissoras;

    - Compreender a viso dos produtores a respeito dos programas;

    - Entender quais so os desafios enfrentados pelas produes no dia a dia;

    - Averiguar se existe relao com o pblico e como ela se d;

    - Compreender a perspectiva da equipe desses programas sobre o que jornalismo

    cultural.

    2.3 Locus

    O desenho da pesquisa comeou a ser desenvolvido no primeiro semestre de 2013

    com orientao da professora Nelia Del Bianco. A ideia inicial partiu de uma curiosidade

    sobre a configurao do jornalismo cultural no rdio e, especialmente, a relao que as

    equipes de uma produo cultural tm com a sua audincia se as conhecem e se interagem.

    Portanto, observou-se, nesse primeiro momento, a necessidade de fazer um mapeamento.

    Para tanto, foi feito um levantamento inicial de emissoras pblicas brasileiras com

    maior representatividade regional e que trouxessem uma variedade de formatos e estruturas

    construo do trabalho. A partir da busca nos portais institucionais, chegou-se a 46

    programas, entre oito rdios, que se apresentavam como produes jornalsticas de cultura

    (APNDICE A).

    Partindo desse levantamento, o processo de recorte seguiu a fim de entender a

    caracterstica geral dos contedos divulgados. A partir da audio de, pelo menos, uma edio

    de cada um dos programas, foram avaliados critrios como foco na programao musical, uso

    de perspectiva histrica ou jornalstica, realizao de entrevistas e matrias. A disponibilidade

    e facilidade de acesso aos udios tambm foi levada em considerao a Rdio Cultura do

  • 32

    Par, por exemplo, precisou ser retirada, pois os udios no estavam disponveis, o que

    impossibilitaria a execuo do trabalho. Esse processo, concludo em julho de 2013, resultou

    na escolha de 23 produes em sete emissoras (APNDICE B).

    Depois de uma pausa entre o segundo semestre de 2013 e o incio do primeiro de 2014

    (para realizao de intercmbio acadmico na Universidad Complutense de Madrid), j com

    orientao do professor Carlos Eduardo Esch, foi feita a reviso da grade de programas para

    identificar se ainda permanecia como tal. A partir disso e levando em considerao que

    revistas radiofnicas multitemticas possibilitariam trazer tratamentos mais diversificados,

    chegamos a cinco produes de cinco emissoras diferentes, com representantes das regies

    Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul (APNDICE C).

    Para, por fim, definir as produes que compem a anlise, foi feita uma nova audio

    de, pelo menos, duas edies de cada um dos cinco programas. Tambm foram feitas

    tentativas de contato com os produtores para averiguar a disponibilidade para futuras

    entrevistas e de acesso total aos udios. Chegamos, portanto, ao Multicultura, da rdio

    Educadora FM da Bahia, e ao Estao Cultura, da FM Cultura do Rio Grande do Sul.

    Tabela 1 - Sinopse dos programas da amostra

    Estao Cultura

    FM Cultura RS 107,7 MHz

    A produo cultural do Rio Grande do Sul em

    revista. Um programa de informao com agenda

    cultural, reportagens e entrevistas sobre cinema,

    teatro, msica, literatura e artes em geral.

    Multicultura

    Educadora FM BA 107,5 MHz

    Revista cultural que discute o que de mais

    interessante acontece em Salvador. Com a

    presena de comentaristas e entrevistas ao vivo,

    traz reportagens e informaes da agenda

    cultural da cidade.

    Multicultura

    O Multicultura, da Educadora da Bahia, foi lanado em 2006 pela jornalista Marcia

    Moreira, que continua at hoje frente do programa como editora e apresentadora. A proposta

    inicial era criar um jornal para o horrio das 12h que seguisse a ideia do noticirio Jornal da

  • 33

    Educadora14

    . Pensando na vocao pblica da emissora, que caminha junto promoo da

    cultura, Mrcia props um programa que trouxesse as principais notcias do dia, mas tivesse a

    cultura como princpio.

    O programa passou por evolues ao longo dos anos e, hoje, veiculado de segunda a

    sexta-feira, das 12h s 13h. A bancada sempre contou com dois apresentadores sendo que,

    atualmente, trs jornalistas dividem a ancoragem com Mrcia Moreira, um em cada dia da

    semana. Esse formato foi mais uma tentativa de testar novas possibilidades e dar mais

    dinamicidade. A produo de J Demolier e as matrias so geralmente realizadas por

    estagirios.

    A grande maioria das edies analisadas tem duas entrevistas, que so normalmente

    realizadas ao vivo no estdio, alm de agenda cultural, apresentada em duas partes, matrias

    com as principais notcias do dia sobre temas diversos e de uma a trs colunas. Atualmente,

    13 comentaristas colaboram com o programa, conforme tabela abaixo.

    Tabela 2 - Comentaristas do Multicultura

    Dia da semana Nome do quadro Nome do comentarista

    Segunda-feira

    Gastronomia Vev Bragana

    Retratos da Bahia Carlos Barros

    Esportes Gustavo Castelucci

    Tera-feira Literatura

    Claudius Portugal /

    Aurlio Schommer

    Msica e Mundo Paulo Lima

    Quarta-feira

    Conexes Nelson Pretto

    Artes Visuais Ligia Aguiar / Justino

    Marinho

    Quinta-feira

    Ponto G Eugenio Afonso

    Moda Taya Novaes

    Esportes Gustavo Castelucci

    Sexta-feira Msica Messias Bandeira

    Teatro Claudio Cajaba

    Os quadros dirios existem desde o comeo do programa e tm a proposta de trazer

    uma anlise mais aprofundada sobre as reas do jornalismo cultural. A lista de colunas mudou

    14

    O Jornal da Educadora o noticirio dirio da Educadora FM. Apresentado de segunda a sexta-feira, s

    18h30, tem como proposta fazer um resumo dos principais acontecimentos da cidade de Salvador, da Bahia, do

    Brasil e do mundo, mas no se restringe a notcias curtas, eventualmente apresenta reportagens especiais e

    entrevistas.

  • 34

    bastante ao longo dos anos em razo da disponibilidade dos comentaristas e tambm das

    oportunidades que surgiram. O quadro de esportes, por exemplo, ainda que no represente um

    tema normalmente coberto pela cultura, foi lanado na poca da Copa do Mundo e acabou

    agregado ao quadro fixo de colunas mesmo com o fim do mundial.

    Estao Cultura

    A FM Cultura teve incio em 1989 e, desde ento, o Estao Cultura compe a grade.

    Atualmente, apresentado de segunda a sexta-feira, das 18h s 19h, e tem equipe formada

    pelo produtor Alvaro Grohmann, pelo apresentador Gerson Pont e por uma estagiria. A base

    do programa composta por um trip entre agenda cultural, msica e entrevista.

    Na agenda, a prioridade a produo local, mas tambm pode haver destaque a

    grandes eventos estaduais e, at, nacionais. Predominam programao musical e pequenas

    notas divididas na agenda cultural, apresentada por Gerson Pont, que tambm faz o quadro

    Notcias do Mundo da Cultura, alm do espordico Cursos e eventos, feito pela atual

    estagiria Renata Pias.

    Todas as edies analisadas do Estao Cultura contam tambm com entrevistas

    realizadas, geralmente, ao vivo por telefone, mas algumas so gravadas pela estagiria. H

    tambm participao da colunista Jaqueline Chala em quadro sobre cinema, apresentado duas

    vezes por semana em edies que destacam, s teras-feiras, dicas do circuito alternativo e, s

    sextas-feiras, de grandes estreias.

    2.4 Corpus

    A anlise foi composta com 20 edies do programa baiano e 18 edies do gacho15

    .

    O material corresponde a quatro semanas de programao divididas em dois perodos de

    anlise: de 19 a 31 de maio e 14 a 25 de julho de 2014. Essa diviso ocorreu pela questo

    prtica de que os udios do Multicultura foram enviados pela prpria produo, que s

    conseguiu disponibilizar parte dos arquivos do ms de maio e a outra parte de julho. Alm

    disso, foi possvel evitar interferncias do perodo atpico da Copa do Mundo, ocorrida entre

    12 de junho e 13 de julho.

    15

    Apenas as edies de 22 e 26 de maio do programa Estao Cultura no estavam disponveis e julgamos que a

    ausncia delas no causaria prejuzo para o resultado final do trabalho.

  • 35

    2.5 Mtodo

    A metodologia usada para a construo do trabalho foi baseada na perspectiva de

    Laurence Bardin sobre anlise de contedo, definida como um conjunto de tcnicas da

    comunicao, que utiliza procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo

    das mensagens (1977, p. 38).

    Para este estudo, a anlise de contedo de natureza temtica foi a que melhor se

    enquadrou dentre os diversos tipos definidos pela autora. Fazer uma anlise temtica

    consiste em descobrir os ncleos de sentido que compem a comunicao e cuja presena,

    ou frequncia de apario podem significar alguma coisa para o objetivo analtico escolhido

    (BARDIN, 1977, p. 105). A partir da teoria apresentada, foram exploradas as dimenses

    qualitativa e quantitativa do material.

    Alm disso, a fim de complementar o material extrado da anlise, utilizou-se de mais

    de uma tcnica de coleta de dados para a pesquisa. Foram realizadas entrevistas

    semiestruturadas por telefone com Mrcia Moreira (idealizadora, editora e apresentadora do

    Multicultura), Alvaro Grohmann (produtor do Estao Cultura) e Gerson Pont (atual

    apresentador do Estao Cultura).

    2.6 Categorias de anlise

    Foram definidas cinco categorias baseadas em unidades de sentido: temas recorrentes,

    formatos utilizados, linguagem, tipos de fontes e recursos sonoros. A categoria tema foi

    subdividida de maneira a extrair resultados quantitativos com base na frequncia de apario

    das seguintes subcategorias:

    - Artes plsticas: sobre artes visuais, pintura, escultura, desenho, gravura, colagem,

    entre outras linguagens artsticas que exploram elementos visuais; exposies, feiras,

    entrevistas com artistas ou sobre artistas e suas obras, comentrios sobre o mercado e

    o universo das artes plsticas;

    - Cinema: lanamentos de filmes, festivais, produes em cartaz, entrevistas com

    cineastas, atores, demais pessoas vinculadas produo audiovisual, ou sobre eles e

    seus produtos, comentrios sobre o mercado e o universo audiovisual;

    - Literatura: lanamentos de livros, feiras, entrevistas com autores ou sobre autores e

    suas obras, comentrios sobre o mercado e o universo da literaura;

  • 36

    - Msica: shows, festivais, lanamentos, comentrios, entrevistas com artistas ou sobre

    artistas e suas obras, comentrios sobre o mercado e o universo da msica;

    - Teatro: estreias, espetculos em cartaz, festivais, entrevistas com artistas ou sobre

    artistas e as produes das quais fazem parte, comentrios sobre o mercado e o

    universo do teatro;

    - Dana: estreias, espetculos em cartaz, festivais, entrevistas com artistas ou sobre

    artistas e suas produes, comentrios sobre o mercado e o universo da dana;

    - Fotografia: exposies, lanamentos de produtos relacionados fotografia,

    entrevistas com fotgrafos, modelos ou sobre fotgrafos e seus produtos, comentrios

    sobre o mercado e o universo fotogrfico;

    - Diversos/geral/comportamento: atividades multitemticas, como semanas e feiras;

    debates, seminrios, aes sociais, que abordam discusses de ideias; entrevistas a

    esse respeito ou com participantes dessas ocasies;

    - Manifestao religiosa: eventos e manifestaes de cunho religioso, entrevistas com

    ou sobre personagens, comentrios sobre assuntos relacionados;

    - Arquitetura: mostras, entrevistas com arquitetos ou sobre arquitetos e seus trabalhos,

    implicaes da arquitetura na sociedade;

    - Gastronomia: eventos gastronmicos, como festivais e feiras, dicas, entrevistas com

    chefes, cozinheiros e demais pessoas vinculadas gastronomia, ou sobre elas,

    comentrios sobre o mercado e o universo gastronmico;

    - Moda: exposies, semanas de moda, entrevistas com estilistas e modelos ou sobre

    eles, comentrios sobre o mercado e o universo da moda;

    - Outros: temas no culturais, que no se encaixam em nenhum dos tpicos acima

    como trnsito, transportes, sade, segurana pblica etc.

    J a categoria formato revelou a frequncia de apario de: matrias, entrevistas,

    links ao vivo, inseres em agenda ou notas de servio, notas informativas, destaques com

    chamada e apresentao de sonora, comentrios ou colunas, que, para este trabalho, foram

    considerados como:

  • 37

    - Matrias: contedo que aparece com uma chamada do apresentador para o reprter e,

    normalmente, gravado. Sempre tem a presena de sonoras e costuma trazer vrias

    informaes sobre a pauta em questo;

    - Entrevistas: ao vivo ou gravadas tanto no estdio como por telefone, podem envolver

    um ou mais convidados. Em geral, so conduzidas pelos apresentadores, mas tambm

    aparecem em algumas situaes realizadas por reprteres;

    - Links ao vivo: contedo que aparece com a chamada do apresentador para um

    reprter que est cobrindo determinada pauta, normalmente um evento de destaque;

    - Agenda ou notas de servio: contedo que apresenta informaes objetivas a respeito

    de um evento e normalmente aglomerado em listas. Aparece tanto conduzido pelos

    apresentadores, como por reprteres ou produtores. No caso das notas de servio, so

    apresentadas informaes rpidas sobre trnsito ou condies climticas;

    - Notas informativas: normalmente conduzidas pelos apresentadores, trazem

    informaes rpidas sobre assuntos diversos (a exemplo do falecimento de artistas e

    curiosidades sobre o universo cultural).

    - Chamada e sonora: contedo que aparece com uma chamada feita pelos

    apresentadores seguida de sonora com depoimento de um artista, produtor ou

    especialista a respeito de determinado evento;

    - Comentrios ou colunas: autoral, consiste na apresentao da opinio de

    especialistas a respeito de assuntos variados (teatro, msica, moda etc). Normalmente

    encaixadas em dias fixos da programao.

    Na categoria tipo de fontes, foram registrados quantitativamente artistas ou

    personagens, especialistas, produtores, pblico e outros, que apareceram como convidados

    para entrevistas ou fontes para as sonoras. As demais categorias foram analisadas de acordo

    com abordagem no quantitativa: verificou-se a linguagem empregada e a ausncia ou

    presena de recursos sonoros.

    Os dados obtidos correspondentes s categorias tema, formato e tipos de fontes

    foram tratados por meio de tabelas que revelaram as frequncias das inseres e permitiram

    colocar as informaes para interpretao em relevo. Algumas subcategorias foram definidas

    inicialmente, mas, a partir das audies, sentiu-se a necessidade de acrescentar outras. Isso

  • 38

    porque foram registradas ocorrncias que no se encaixaram no que foi preestabelecido (a

    exemplo de inseres classificadas como manifestao religiosa, moda e

    geral/comportamento).

  • 39

    CAPTULO 3

    Os dados falam: levantamento e anlise de contedo

    Como explicado no captulo anterior, para realizar a anlise dos programas em

    questo, foi feita a audio de 20 edies do Multicultura e 18 do Estao Cultura. Os dados

    levantados foram organizados em tabelas divididas por categorias e subdivididas a partir das

    ocorrncias encontradas, como ser visto a seguir.

    3.1 Tema

    Na categoria tema, foram encontradas 811 ocorrncias nos dois programas.

    Msica como pauta, por exemplo, aparece majoritariamente, com 269 inseres, o que

    representa 33,17% do total de inseres. O segundo tema cultural abordado mais vezes

    teatro com 106 ocorrncias.

    Esses dados refletem que as agendas so a principal fonte para esses programas, uma

    vez que a frequncia de shows e apresentaes teatrais muito maior do que de exposies,

    por exemplo. Ou seja, enquanto diferentes apresentaes podem acontecer a cada dia em uma

    mesma casa, as mostras de artes plsticas costumam permanecer por vrios dias e at meses

    ocupando um nico espao.

    Estao Cultura

    Nas edies analisadas, foram encontradas 337 ocorrncias temticas, que seguiram a

    tendncia apontada na observao dos dados conjuntos dos dois programas: msica foi o

    primeiro assunto mais tratado e teatro o segundo, como pode ser observado na tabela a

    seguir. Nenhuma ocorrncia foi encontrada para manifestao religiosa, gastronomia e

    moda.

    Tabela 3 Ocorrncias de tema para o Estao Cultura

    Nmeros absolutos Porcentagem

    Msica 122 36,2%

    Teatro 55 16,32%

  • 40

    Literatura 40 11,87%

    Cinema 39 11,57%

    Diversos / geral /

    comportamento 25 7,42%

    Outros 19 5,64%

    Fotografia 14 4,15%

    Artes plsticas 11 3,26%

    Dana 11 3,26%

    Arquitetura 1 0,3%

    Multicultura

    O programa baiano apresentou 474 ocorrncias de tema. importante observar que

    os temas que extrapolam a cultura, como sade, segurana, educao, entre outros, aparecem

    com muita frequncia no Multicultura. Eles ficaram em segundo lugar em nmero de

    inseres, com 83 ocorrncias contabilizadas na subcategoria outros.

    Aqui foi verificado que assuntos diversos, colocados em

    diversos/geral/comportamento 16 , tiveram o terceiro maior nmero de ocorrncias, 54,

    diferente do que ocorreu com o Estao Cultura. Por sua vez, teatro, o segundo tema mais

    abordado em nmeros gerais, teve 51 ocorrncias nas edies analisadas do Multicultura.

    Msica se manteve em primeiro lugar, com 147 inseres.

    Tabela 4 - Ocorrncias de tema para o Multicultura

    Nmeros absolutos Porcentagem

    Msica 147 31,01%

    Outros 83 17,51%

    Diversos / geral /

    comportamento 54 11,39%

    Teatro 51 10,76%

    Literatura 39 8,23%

    Artes plsticas 33 6,96%

    Cinema 21 4,43%

    Manifestao

    religiosa 16 3,38%

    Dana 13 2,74%

    16

    Como explicado no captulo 2, foram includas na categoria diversos/geral/comportamento inseres que tivessem contedo a respeito de atividades multitemticas, como semanas e feiras; debates, seminrios, aes

    sociais, que abordam discusses de ideias.

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