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    serle essencial

    John Heskett Professor titular da Escola de Design

    da Universidade Politcnica de Hong Kong

    Reviso tcnica Pedro Fiori Arantes

    Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e professor de Design das Faculdades de Campinas (Facamp)

    editora tica

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    John Heskett 2002 Design - A VC1)' short introduction was originally published in English in 2005. This translarion is publishcd by arrangement with Oxford Universiry Press. Design - A very short introduction foi publicado primeiramente em ingls em 2005. Traduo publicada mediante acordo com a Oxford Universiry Press.

    Editor-chefe Editores assistentes Tradutora Revisor tcnico Preparadora Coordenadora de reviso Revisores

    ARTE Editor Diagramadores Editorao eletrnica Imagem de capa

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    Antonio Paulos Marcos Puntel e Leslie Morais Acqua Estdio Grfico Carlos Piratininga (foto) / Helena Miceli

    A editora e o autor fizeram o possvel para evitar equvocos ou omisses nOS crditos a autores e citaes. Se contatados, faro as devidas correes na primeira oportunidade.

    H513d

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    Heskett, John, 1937-Oesign I John Hesker(j reviso tcnica Pedro Fiori Fernandes; [tradutOra Mrcia Leme].

    - So Paulo: tica, 2008. 144p. : il. (Essencial) Traduo de: Oesign : a shon inrroduction ISBN 978-85-08-11668-3

    1. Desenho (Projetos). l. Ttulo. lI. Srie. 08-1181. CDD: 745.4

    CDU: 745 26.03.08 26.03.08 005911

    ISBN 978 85 08 11668-3

    2008 l' edio l' impresso Impresso e acabamento: GrficaAve-Maria

    Todos os direitos reservados pela Editora tica, 2008 Av. Otaviano Alves de Lima, 4400 - CEP 02909-900 - So Paulo - SP Divulgao: (I 1) 3990-1775 - Vendas : (11) 3990-1777 - Fax: (I 1) 3990-1776 www.atica.com.br - [email protected]

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  • Para Pamela

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    umarlo

    1 . o que design? 2. A evoluo histrica do design 3. Utilidade e significado 4. Objetos 5. Comunicao 6. Ambientes 7. Identidades 8. Sistemas 9. Contextos 10. O futuro

    II ustraes

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    uee esi n?

    Um dos aspectos mais curiosos do mundo moderno a maneira como o design se transformou, para muitos, em algo banal e corri-queiro. Pretendo mostrar, por outro lado, que, se considerado com a devida seriedade e usado com responsabilidade, o design poderia ser a verdadeira base sobre a qual o ambiente humano, em todos os seus detalhes, moldado e construdo para o aperfeioamento e de-leite de todos.

    No entanto, considerar o design um tema srio, nesse sentido, bastante complicado. Isso vai de encontro mdia em geral, que cos-tuma atribuir ao design papel sem importncia, decorativo, superfi-cial: para diverso e entretenimento, provavelmente; como algo de utilidade marginal, talvez; ou lucrativo para setores da economia dominados por ciclos passageiros de modismos e excessos; porm, sempre desprovido de real significado em questes bsicas da exis-tncia humana.

    No de surpreender que, diante da falta de um consenso a respeito de seu significado e valor, muitos mal-entendidos cerquem a prtica do designo Em algumas reas do conhecimento, os autores podem pressupor que esto tratando de um campo que seus leitores dominam. Em um texto introdutrio sobre arquitetura ou histria, por exemplo, embora o grau exato de conhecimento dos leitores varie significativamente, pode-se supor que todos tenham um con-ceito razoavelmente preciso do que constitui a rea. J outros assuntos, como fsica nuclear, podem ser to incomuns que no h entendi-mento consensual sobre seu conceito, tornando necessria uma abor-dagem de seus princpios bsicos.

    O design situa-se de forma desconfortvel entre esses dois ex--tremos. E uma palavra bastante comum, mas seu significado possui

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  • John He skett

    uma srie de incongruncias, apresenta inmeras manifestaes e carece de limites que lhe emprestem clareza e definio. Como pr-tica, o design gera vasta quantidade de material, grande parte efme-ra e apenas pouca coisa de qualidade duradoura.

    H muitas pessoas, claro, que sabem algo sobre design ou tm algum interesse sobre o assunto, mas provvel que haja pouco consenso a respeito do significado exato do termo. A referncia mais bvia so reas como moda, interiores, embalagens ou carros, em que os conceitos de forma e estilo so transitrios e bastante vari-veis, dependentes de nveis de gosto pessoal, devido falta de cno-nes. Essas reas certamente constituem parte significativa da prtica do design contemporneo e so alvo de muitos comentrios e de gastos expressivos com publicidade. Outros pontos a se destacar po-dem ser a prtica tcnica ou artesanal. Embora importantes, entre-tanto, so facetas de uma totalidade subjacente, e as partes no po-dem ser tomadas pelo todo.

    Ento, como o design pode ser compreendido de maneira sig-nificativa e holstica? Alm de todos os mal-entendidos criados pela verborragia da publicidade, alm das pirotecnias visuais de designers talentosos que ambicionam se tornar celebridades, alm das declara-es de gurus do design e dos charlates que desejam vender estilos de vida, encontra-se a verdade nua e crua. O design uma das ca-ractersticas bsicas do que significa ser humano e um elemento de-terminante da qualidade de vida das pessoas. Ele afeta todo mundo em todos os detalhes de todos os aspectos de tudo que as pessoas fazem ao longo do dia. E, como tal, o design extremamente im-portante. H pouqussimos aspectos do ambiente em que vivemos que no podem ser aperfeioados de maneira decisiva por meio de maior ateno a seu designo Iluminao inadequada, aparelhos dif-ceis de usar, informaes mal formatadas so apenas alguns exem-plos de design ruim que criam problemas e tenses. Portanto, vale a pena questionar: se essas coisas so parte necessria de nossa existn-cia, por que so feitas sempre de maneira to precria? No h uma resposta simples. Os custos podem, s vezes, servir de justificativa, mas a diferena entre o que se gasta ao fazer alguma coisa bem ou

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  • Design

    mal pode ser muito pequena, e os custos podem, de fato, ser reduzi-dos com o uso adequado do designo A adoo do termo "adequado" , aqui, uma importante qualificao. O leque de possibilidades que o conceito de design abrange exige que os meios sejam cuidadosamente ajustados aos fins. Uma soluo para um problema prtico que ig-nore todos os aspectos dessa realidade poderia ser desastrosa, assim como, por exemplo, um aparelho de uso mdico que fosse pensa-do como meio de expresso para atender aos apelos da moda.

    Este livro tem como base a convico de que o design profunda-mente importante para todos, de inmeras maneiras, e representa uma rea de potencial imenso e subutilizado. Ele foi idealizado com o ob-jetivo de explorar algumas razes para essa subutilizao e sugerir pos-sibilidades de mudana. A inteno no negar algum aspecto das inmeras atividades que o termo "design" abrange, mas ampliar a va-riedade do que entendido pelo termo, alm de analisar a extenso da prtica do design na maneira como ela afeta a vida cotidiana em uma diversidade de culturas. Para isso, necessrio um esclarecimento, a fim de cortar pela raiz os mal-entendidos que cercam o assunto.

    Discutir design complicado j por causa do termo em si. A palavra "design" possui tantos nveis de significado que , por si s, uma fonte de confuso. Ela bem parecida com a palavra "amor", cujo significado muda radicalmente dependendo de quem a empre-ga, para quem dirigida e em que contexto usada. Considere, por exemplo, as mudanas de significado quando usamos a palavra "de-sign" em uma frase aparentemente sem sentido:

    Oesign fazer o design de um design para produzir um designo

    Em todas as ocorrncias, o termo design est gramaticalmente correto. Na primeira ("Design "), o termo um substantivo que in-dica o conceito geral de uma rea, como em: "O design importante para a economia nacional". Na segunda ("fazer o design"), a palavra usada depois de um verbo que indica ao ou processo: "Ela foi contratada para fazer o design de um novo liquidificador". Na tercei-ra ocorrncia ("de um design"), o termo tambm um substantivo

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  • John Heskett

    e significa projeto ou proposta: "O design foi apresentado ao cliente para aprovao". Por fim, na ltima ocorrncia ("para produzir um design"), a palavra novamente um substantivo, indicando, agora, o produto acabado, um conceito concretizado: "O New Beetle revi-ve um design clssico".

    Outros mal-entendidos so causados pela ampla variedade da prtica e da terminologia do designo Vamos considerar, por exemplo, a diversidade de atividades includas sob a rubrica de design - para citar apenas algumas: design para artesanato, artes industriais, arte comercial, projetos de engenharia, design de produto, design grfico, design de moda, design interativo. A coluna "Design da lrland', vei-culada semanalmente no jornal Sunday Times no caderno de cultura irlandesa, publica sempre uma breve e bem escrita anlise de algum aspecto do designo Para se ter uma ideia, em seis semanas, entre agosto e setembro de 2000, os assuntos abordados pelos artigos foram os se-guintes: o distintivo da Garda Siochanna, a polcia nacional irlandesa; Louise Kennedy, uma estilista; o forno Party Grill, que permite cozi-nhar fora de casa; as embalagens do cigarro Carrolls Number One; talheres Costelloe; e a identidade corporativa da Ryan Air, uma com-panhia area que opera com tarifas baixas. A gama de assuntos trata-dos na coluna possui uma variedade ainda mais espantosa.

    A essa lista podem ser acrescentadas atividades que se apro-priam da palavra "design" a fim de criar uma aura de respeito, como: design de cabelos, design de unhas, design de flores e at mesmo design funerrio. Por que no engenharia de cabelos ou arquitetura funerria? Parte da razo pela qual o termo pode ser usado dessa for-ma arbitrria o fato de ele no designar uma carreira nica, corno direito, medicina ou arquitetura, profisses cuja prtica requer urna licena ou qualificao similar, com padres estabelecidos e protegi-dos por instituies autorreguladoras. Alm disso, o profissional s pode usar o ttulo de advogado, mdico ou arquiteto se tiver se for-mado por meio de procedimentos regulares. O design, ao contrrio, amplia-se cada vez mais em novas subdivises sem nenhum tipo de organizao ou conceito regulador, podendo, portanto, ser usado indiscriminadamente.

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  • Design

    Buscar uma definio em toda essa confuso que cerca o design leva a duas direes: a primeira estabelecer modalidades genricas de atividade inerentes proliferao do uso do termo, a fim de deter-minar uma noo de estrutura e significado; a segunda rastrear essas modalidades ao longo da histria para entender como e por que essa confuso existe.

    Vamos abordar o primeiro ponto: o design, em sua essncia, pode ser definido como a capacidade humana de dar forma ao am-biente em que vivemos de maneira nunca antes vista na natureza, para atender s nossas necessidades e dar sentido vida.

    Para compreender melhor a dimenso e a abrangncia dessa ca-pacidade, podemos observar o ambiente em que cada leitor est ago-ra - ele pode estar folheando o livro numa livraria, em casa, numa biblioteca, num escritrio, num trem, e assim por diante. O interes-sante que quase nada nesse ambiente - seja ele qual for - ser com-pletamente natural. At mesmo as plantas estaro dispostas de acordo com a interveno humana e, ainda, sua espcie pode at ter sofrido uma considervel modificao em relao sua forma natural. A capacidade de moldar o mundo atingiu tal ponto hoje em dia que pouqussimos aspectos do planeta foram mantidos em sua condio original, e, num nvel mais detalhado, a vida totalmente condicio-nada a aspectos que passaram pelo processo de design de uma ma-neira ou de outra.

    Talvez seja falar o bvio, mas vale a pena enfatizar que as formas ou estruturas do mundo que habitamos so, em sua maioria, resulta-do de um trabalho de designo Elas no so inevitveis ou imutveis e esto sujeitas a avaliao e discusso. Tenha sido ele bem ou mal exe-cutado (seja qual for o critrio de julgamento), o objeto de design no determinado por processos tecnolgicos, estruturas sociais, sistemas econmicos ou qualquer outro aspecto objetivo. Ele resulta de deci-ses e escolhas feitas por pessoas. Embora a influncia do contexto e das circunstncias possa ser considervel, o fator humano est presen-te nas decises tomadas em todos os nveis da prtica do designo

    Junto com a escolha vem a responsabilidade. Escolher implica procurar opes referentes a como alcanar os objetivos, com que

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  • John Heskett

    propsito e para benefcio de quem. Isso significa que o design no aborda apenas decises ou conceitos iniciais de designers, mas tam-bm como essas decises e conceitos sero implementados e por quais meios poderemos avaliar seus efeitos ou benefcios.

    Resumindo, a capacidade de fazer design est, de inmeras ma-neiras, no cerne de nossa existncia como espcie humana. Nenhum

    _ 1, 1 1 rT . , 1 outro ser no planeta pOSSUI essa capaClaaae. tla torna posslvel a cons-truo de nosso habitat de maneira nica, e sem isso seramos incapa-zes de distinguir a civilizao da natureza. O design importante porque, aliado linguagem, uma caracterstica que define o que ser humano, e isso o coloca em um nvel muito alm do trivial.

    Essa capacidade bsica, obviamente, pode ser manifestada de diversas maneiras, algumas das quais se tornaram atividades especia-lizadas, como arquitetura, engenharia civil, paisagismo e design de moda. Para direcionarmos o foco neste pequeno volume, daremos nfase aos aspectos bidimensionais e tridimensionais da vida coti-diana - em outras palavras, os objetos, a comunicao, os ambientes e sistemas que cercam as pessoas em casa, no trabalho, nos momen-tos de lazer e de orao, nas ruas, nos espaos pblicos e em viagens. Mesmo com essa delimitao, o espectro ainda imenso, e vamos ter de nos apoiar em um nmero restrito de exemplos em vez de tentar abranger tudo de maneira sintetizada.

    Se a capacidade humana para o design revelada de tantas for-mas, como entender essa diversidade? Isso nos leva ao segundo pon-to mencionado anteriormente: o desenvolvimento histrico do designo O design , s vezes, explicado como um subproduto nas narrativas de histria da arte, que enfatizam uma sucesso cronolgica organi-zada de movimentos e estilos, com novas manifestaes substituindo as anteriores. A histria do design, porm, pode ser descrita mais apropriadamente como um processo de sobreposio, no qual novos elementos so acrescentados ao que j existe. Essa sobreposio, alm disso, no apenas um processo de acumulao ou agregao, mas uma interao dinmica, na qual cada novo estgio de inovao al-tera o papel, o significado e a funo do que se conserva. Por exem-plo, inmeras oficinas artesanais no mundo todo tiveram seu papel

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  • Design

    central na cultura e na economia substitudo por indstrias, mas encontraram novas funes para desempenhar, por exemplo, forne-cendo produtos para o mercado do turismo ou abastecendo o seg-mento global conhecido como artes e ofcios. O desenvolvimento acelerado da informtica e da tecnologia da informao no est apenas criando interessantes possibilidades no design interativo, mas tambm transformando a maneira como os produtos e servios so concebidos e produzidos, de forma que, em vez de substituir, com-plementam o que j existe.

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    E impossvel definir um processo por meio de um modelo bsi-co seguido em todo lugar. Existem variaes significativas na manei-ra como se processa a mudana em diferentes sociedades e tambm nas consequncias especficas que ela acarreta. Porm, sejam quais forem as peculiaridades, h um modo comum de se conservar, de

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    alguma forma, o que existia antes. E isso que ajuda a explicar muito da densa e complexa trama do design e a variedade de prticas sob essa rubrica com que lidamos hoje. Aos antigos produtos manufa-turados e formas que sobreviveram e foram adaptados so acresci-das continuamente novas capacidades e aplicaes. Grande parte da dificuldade para se compreender o design, portanto, vem desse padro de evoluo histrica, mas o que causa confuso pode tam-bm ser visto como um recurso rico e adaptvel, desde que exista uma estrutura que possibilite a compreenso da diversidade. Sendo assim, a apresentao de um breve resumo do desenvolvimento his-trico do design - ou seja, a prtica e a atividade de criar formas - se faz necessria.

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    evo u ao istrica eSI n

    Ao longo da histria da humanidade, sempre ocorreram mu-danas e evolues em vrios nveis, mas a natureza humana se man-teve incrivelmente inalterada. Somos muito parecidos com os povos que habitavam a China primitiva, a Sumria ou o Egito Antigo, e podemos nos identificar facilmente com os dilemas humanos repre-sentados em narrativas bastante diferentes, como as tragdias gregas ou os contos nrdicos.

    O que se percebe, tambm, que a capacidade humana de pro-duzir design se manteve constante, muito embora os meios e mtodos para tal tenham sido alterados, simultaneamente s muitas mudanas tecnolgicas, organizacionais e culturais. O argumento aqui, portan-to, que o design, embora seja uma capacidade humana nica e imu-tvel, vem se manifestando de maneiras diversas ao longo da histria.

    Qualquer descrio resumida de um espectro to variado de , prticas dever ser, inevitavelmente, um esboo, com pinceladas ge-

    rais, que procure no ficar preso a detalhes. A inteno aqui mos-trar as principais mudanas que ocorreram a fim de entendermos a complexidade resultante que existe hoje.

    Um primeiro problema ao procurar as origens da capacidade humana de produzir design a dificuldade de determinar exatamente onde e quando os seres humanos comearam a modificar o seu am-biente de maneira significativa - esse assunto suscita uma discusso sem fim, cujo rumo alterado sempre que h uma descoberta ar-queolgica relevante. Fica claro, porm, que nesse processo as mos humanas sempre tiveram uma importncia crucial, pois so mem-bros flexveis e versteis, capazes de exercer vrias funes. As mos podem empurrar, puxar, fazer presso com fora considervel ou com preciso minuciosa. Em relao a suas capacidades, as mos podem

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  • John Heskett

    agarrar, envolver, apertar, amassar, pressionar, afagar, picar, furar, socar, arranhar, bater, e assim por diante. Em sua origem, as ferra-mentas eram, sem dvida, uma extenso dessas funes das mos, aumentando sua fora, delicadeza e sutileza.

    Ao analisarmos diversas culturas primitivas, de cerca de um mi-lho de anos atrs, podemos observar que muitos objetos naturais co-mearam a ser usados como ferramentas ou apetrechos a fim de com-plementar ou aprimorar as habilidades das mos. Por exemplo, um homem pode cavar a terra com as mos para dela extrair uma raiz co-mestvel, mas com um galho ou uma concha pode fazer a mesma tare-fa mais facilmente, sem machucar os dedos nem as unhas. O trabalho fica ainda mais fcil se a concha for amarrada no ngulo certo, com fibras ou pele animal, na extremidade de um galho, o que resulta numa enxada simples. Esse instrumento poder ento ser usado com mais eficincia, e a pessoa executar a tarefa em posio mais confortvel. De maneira semelhante, o homem pode colocar as mos em forma de concha para beber gua, mas uma concha profunda nunca muda de formato e funciona com mais eficcia, uma vez que a gua no es-corre de dentro, ao contrrio do que acontece com as mos. Mesmo nesse nvel, o processo de adaptao envolve a capacidade do crebro humano de compreender a relao entre forma e funo.

    Dessa maneira, e de inmeras outras, a natureza forneceu uma srie de materiais e modelos acessveis e preexistentes, com grande potencial de adaptao para a soluo de problemas. Uma vez adap-tados, porm, outro problema se revelou: como produzir, por exem-plo, uma enxada mais durvel, menos frgil e menos suscetvel a rachaduras do que as feitas com conchas. Foi ento que surgiu outra dimenso, muito alm da simples adaptao de formas j existentes: a transformao de materiais naturais em instrumentos com forma-

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    tos que ate entao nao eXIStlam na natureza. Outra caracterstica inovadora desenvolvida h bastante tempo

    a capacidade de adaptar tcnicas, formas e arranjos a outros obje-tivos e aplicaes. Um exemplo dessa capacidade foi constatado em 1993, durante escavao arqueolgica em Cayonu, um vilarejo agr-cola pr-histrico no Sul da Turquia. L foi encontrado o que se

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  • Design

    acredita ser o mais antigo fragmento de tecido existente, datado de aproximadamente 7000 a.c. um fragmento de linho, confeccio-nado com fios de linheiro cultivado, e a trama do tecido claramente uma adaptao de tcnicas j existentes da tecelagem de cestos.

    H muitos outros casos parecidos. Com frequncia, formas na-turais continuaram a ser modelos perfeitos para propsitos especfi-cos. Inmeros artefatos primitivos de metal ou argila foram produ-zidos de maneira idntica a modelos da natureza, como conchas de metal feitas no formato das conchas do mar.

    Desde os tempos mais remotos, os homens sempre criaram es-teretipos de formas, ou seja, conceitos fixos de quais formas so mais apropriadas para finalidades especficas, e isso se contrape sua ca-pacidade de inovao. De fato, muitas vezes as formas se tornaram to adaptadas s necessidades da sociedade que se misturaram ao seu estilo de vida e passaram a integrar suas tradies. Em circunstncias em que a vida era precria e as pessoas bastante vulnerveis, a expe-rincia acumulada embutida nessas formas e por elas representada no foi facilmente abandonada.

    Apesar disso, com o passar do tempo, as formas foram sendo adaptadas, intencionalmente ou por acaso, passaram por aprimora-mentos ou foram transformadas em decorrncia de novas possibili-dades tecnolgicas. Aos poucos, novos esteretipos surgiram e foram adotados como modelos. Esses modelos, por sua vez, se adaptaram a circunstncias locais especficas. Na Groenlndia, por exemplo, cada povoado esquim tinha um modelo diferente de caiaque.

    Enfatizar a destreza manual como atributo dominante da habi-lidade humana tende a subestimar dois outros desenvolvimentos cruciais para a capacidade cada vez maior do homem de transformar o ambiente. Esses dois desenvolvimentos representam a capacidade de superao das limitaes humanas. Um deles o aproveitamento dos recursos naturais - da fora fsica maior dos animais e de fen-menos da natureza, como o vento ou o movimento da gua -, a fim de obter um nvel suplementar de energia superior humana, e tambm a seleo dos melhores exemplares de plantas e animais vi-sando a melhores safras e rebanhos. Isso exigia um processo de inves-

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  • John Heskett

    tigao e de acumulao de conhecimento que poderia ser aplicado a processos de aperfeioamento, nos quais a escrita e a representao visual tiveram papel fundamental.

    Aliada a isso e, com o passar do tempo, de relevncia cada vez maior estava a capacidade do homem de ir alm da acumulao de experincias prticas, passando a dominar ideias abstratas. As ferra-mentas deixaram de ter inspirao apenas na natureza e evoluram para formas totalmente novas e de origem exclusivamente humana. A abstrao permite que as capacidades no enfoquem apenas pro-blemas especficos, para serem generalizadas e adaptadas com flexibi-lidade a outros problemas.

    Talvez o maior exemplo de abstrao seja a linguagem. As pala-vras no possuem um significado inerente e sua aplicao arbitrria. Por exemplo, as palavras casa, house e maison, em portugus, ingls e francs, respectivamente, se referem todas mesma realidade ma-terial de habitao humana e assumem significado apenas por acordo tcito na sociedade de que fazem parte. A capacidade de abstrao inerente linguagem permite, acima de tudo, que ideias, conheci-

    7. Caiaque de esquim da Groenlndia.

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    Design

    mentos, processos e valores sejam acumulados, preservados e transmi-tidos de gerao para gerao. Ela tambm elemento da compreenso de qualquer processo de criao. Em outras palavras, as habilidades mentais e os processos do pensamento - a capacidade de usar as "fer-ramentas do crebro", que representam e articulam conceitos sobre algo que ainda no existe - so to essenciais em qualquer atividade produtiva quanto as habilidades fsicas manuais e as ferramentas co-mo martelo, machado ou cinzel.

    No que tange ao design, a abstrao tambm levou a invenes puramente culturais, sem nenhum ponto de referncia na forma fsica ou nas habilidades motoras humanas e tampouco na natureza. Mui-tos conceitos de formas geomtricas, provavelmente, so resultado de experincia acumulada em decorrncia da prtica, e posteriormente so codificados e usados em outras aplicaes. A evoluo das lanas de arremesso, como a woomera dos aborgenes australianos, repre-senta tal abstrao. Essa arma deu muito mais fora e destreza caa e deve ter envolvido um longo processo de tentativa e erro. O formato da roda, todavia, no tem precedente perceptvel- nenhuma parte do corpo humano consegue girar em torno do prprio eixo, e na natureza h poucos elementos que poderiam ter estimulado essa descoberta. Portanto, o conceito de rotao uma inovao sem pre-cedentes na natureza. Em outras palavras, os objetos deixaram de ser simples expresses de uma soluo para problemas especficos e pas-saram a incorporar ideias de como conduzir a vida em um processo contnuo de inovao e aprimoramento, indo alm das restries impostas pelo seu tempo ou lugar.

    Portanto, nem a habilidade das mos por si s nem essa habili-dade aliada aos outros sentidos do ser humano podem ser conside-radas a origem da capacidade de produzir designo Na verdade, so as mos, junto com os sentidos e a mente, que formam o trip coorde-nado de foras com as quais os seres humanos reafirmam seu controle cada vez maior sobre o mundo. Desde a origem da vida na Terra, a flexibilidade e o poder de adaptao resultaram em uma proliferao de meios e fins, em que pessoas e sociedades ajustaram formas e pro-cessos a necessidades e circunstncias especficas.

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  • John Heskett

    2. Armas simples com sofisticao tcnica: a woomera dos aborgines australianos.

    As sociedades humanas primitivas eram nmades e se sustenta-vam da caa e da coleta de alimentos. Nesse estilo de vida, de mudana constante em busca de novas fontes de alimento, caractersticas huma-nas como agilidade, facilidade de locomoo e adaptabilidade eram critrios importantssimos. Com a evoluo de sociedades rurais mais sedentrias, dedicadas agricultura, rapidamente surgiram outras carac-tersticas e outras tradies de formas adequadas ao novo estilo de vida. Deve-se enfatizar, no entanto, que a tradio no era esttica; ela estava constantemente sujeita a pequenas variaes prprias das pessoas e das circunstncias. Embora as formas tradicionais tenham sintetizado a experincia de grupos sociais, manifestaes especficas poderiam ser adaptadas de muitas maneiras sutis para atender a necessidades indivi-duais. Uma foice ou uma cadeira poderiam manter suas caractersticas bsicas mesmo que fossem modeladas em detalhe para se adaptar es-trutura fsica de cada pessoa. Esse princpio bsico de customizao permitiu um fluxo constante de incrementos, os quais, caso se revelas-sem vantajosos, seriam incorporados aos produtos tradicionais.

    O aparecimento de sociedades agrcolas sedentrias fez com que surgissem tambm grandes concentraes populacionais, o que per-

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  • Design

    mitiu um maior nvel de especializao das habilidades manuais. Em muitas culturas, foram fundados mosteiros que no apenas enfatiza-vam a meditao e a orao, como tambm contavam com integrantes que possuam considervel liberdade para fazer experimentos e, mui-tas vezes, estavam na vanguarda da inovao tecnolgica.

    Os grandes contingentes populacionais passaram a se concen-trar em cidades, e era para l que iam os profissionais especializados e altamente qualificados, atrados pela demanda de artigos de luxo criada pela acumulao de riqueza. Uma consequncia frequente desse fato era o surgimento de sociedades de artfices, em guildas e associaes de classe semelhantes, que, por exemplo, j existiam em cidades da ndia por volta de 600 a.c. A estabilidade social e econ-mica em um universo de incertezas era, em geral, o principal objetivo dessas associaes, quaisquer que fossem as variaes culturais. Uma de suas funes era a manuteno de padres de trabalho e conduta, e, considerando o poder que algumas exerciam, elas prenunciaram as caractersticas de muitas associaes de classe modernas, alm de terem representado uma forma primitiva de regulamentao do exerccio profissional de designers.

    Essas guildas muito frequentemente se entiqueciam e ganhavam status por exercer grande influncia nas comunidades de que faziam parte. Durante a Renascena, por exemplo, a cidade de Augsburgo, no Sul da Alemanha, era conhecida pela refinada habilidade de seus ouri-ves. Esses profissionais tinham tanto poder na cidade que um deles (David Zorer) acabou por se tornar prefeito no incio no sculo XVII.

    A influncia e o controle das guildas acabaram reduzidos por diversos motivos. Quando as relaes comerciais entre centros dis-tantes comearam a crescer, a produo passou a ser dominada pelos empreendedores intermedirios, que assumiam enormes riscos em busca de lucros igualmente enormes. Tais empreendedores passaram a controlar a produo manufatureira, que empregava a mo-de--obra excedente das reas rurais, rebaixando assim o padro de qua-lidade das guildas. Na China, os fornos de cermica de Jingdezhen produziam grande quantidade de porcelana para ser exportada para ,

    India, Prsia, Arbia e, a partir do sculo XVI, Europa. Com o au-

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  • John Hes kett

    3. Percia, fortuna e status: fachadas de guildas na Grand-Place, em Bruxelas.

    mento da distncia entre produtor e mercado, os conceitos tinham de ser representados antes de produzidos. Desenhos e modelos envia-dos da Europa para a China especificavam objetos que seriam enviados a determinados mercados ou clientes. Com a difuso da imprensa na Europa no final do sculo xv, a circulao de desenhos e cpias impressas permitiu que essas representaes tivessem ampla aceita-o. Designers imprimiam imagens de seus desenhos de utenslios e objetos de decorao, e isso permitiu que os profissionais da rea acabassem com o controle das guildas sobre o que podia ser produ-zido e incorporassem um amplo repertrio de imagens para a con-cepo de produtos.

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  • Design

    4. Elegncia: cmoda atribuda a Andr-Charles Boul/e, Paris, c. 777 O.

    Os esforos empreendidos pelos governos para controlar e usar o design em benefcio prprio tambm colaboraram para a reduo do poder das guildas. No comeo do sculo XVII, a monarquia fran-cesa oferecia status e instalaes luxuosas a fim de atrair para Paris os melhores artesos, com o objetivo de se estabelecer como lder mun-dial da produo e comercializao de artigos de luxo. Foram criadas leis para estimular as exportaes e restringir as importaes. Esses profissionais conseguiram muitos privilgios e acumularam gran-des fortunas ao se tornar fornecedores da aristocracia. Em decorrn-cia disso, viram-se livres das restries impostas pelas guildas.

    As mudanas mais radicais, porm, vieram com o comeo da industrializao, em meados do sculo XVIII. A quantidade de pro-dutos gerados por meio de processos mecanizados criou um dilema para os fabricantes. Os artfices em geral no conseguiam ou no queriam se adaptar demanda da indstria. Alm disso, produtos com novos formatos tinham de ser criados para atrair os compradores potenciais dos mercados que se abriam, especialmente consumido-res da classe mdia, que representavam a nova riqueza da poca. Com o acirramento da concorrncia medida que um nmero maior de

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    fabricantes mais capacitados entrava nos mercados e com a necessi-dade de variar as tendncias da moda, a fim de atrair o interesse dos consumidores, era preciso uma torrente de novas ideias. Artistas com formao acadmica, por serem os nicos formados em desenho, eram cada vez mais contratados por fabricantes para criar conceitos formais e decoraes de acordo com o gosto dominante. O pintor ingls John Flaxman fez vrios desses projetos para a indstria de cermica de Josiah Wedgwood.

    No entanto, esses artistas tinham pouca ou nenhuma noo de como conceitos estticos poderiam se transformar em produtos, e essas novas circunstncias, como sempre, demandavam o desenvolvi-mento de novas habilidades. Em um nvel, a indstria manufatureira exigia uma estirpe completamente nova de projetistas de engenharia, que aproveitaram o conhecimento que tinham na fabricao de rel-gios ou de instrumentos e o aplicaram rapidamente na soluo tcnica de problemas na construo de equipamentos, a fim de garantir sua funcionalidade - por exemplo, a construo de novos tipos de pistes

    __ A ' para motores a vapor, que gerassem maIs pressao e potencla. No que tange questo da forma, dois novos grupos influentes

    surgiram. O primeiro constitua-se de profissionais que, mais tarde, passaram a ser conhecidos como consultores de estilo; eles viviam em busca de novos conceitos que pudessem ser aceitos pelo mercado. O segundo grupo era formado por uma nova gerao de desenhistas que se tornaram os trabalhadores braais do design da primeira era indus-trial. Trabalhando em fbricas sob a direo dos consultores de estilo, dos donos das empresas ou dos engenheiros, ou ainda baseando-se em desenhos de artistas ou manuais de ilustrao, esses desenhistas esta-beleceram as tcnicas de representao necessrias s especificaes de produo. Normalmente eles eram os responsveis pela concepo de formas, cuja base era predominantemente a cpia de estilos tradi-cionais ou de produtos de concorrentes bem-sucedidos.

    Essa especializao profissional foi mais um passo rumo sepa-rao entre a maneira como os projetos de um produto eram concebi-dos e a maneira como eram realmente produzidos. A criao de formas sem o entendimento do contexto de produo, no entanto, levava

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  • Design

    cada vez mais separao entre a preocupao decorativa e a funcio-nalidade em vrios objetos domsticos. Isso causou uma forte reao contra o que muitos viam como uma degradao da arte, do bom gosto e da criatividade em nome dos excessos da indstria. Na Ingla-terra, bero da Revoluo Industrial, personalidades como John Ruskin e William Morris fizeram uma campanha contra a sociedade indus-trial que repercutiu intensamente em muitos pases. Essa influncia culminou, no final do sculo XIX, na Inglaterra, com o Movimento de Artes e Ofcios, que pregava que o papel do arteso-projetista seria reviver a unidade perdida da prtica do design e de suas quali-dades sociais. A deflagrao da Primeira Guerra Mundial, em 1914, no entanto, constituiu um alerta to amargo do poder desenfreado da indstria moderna que se aspirava cada vez mais s imagens nos-tlgicas de um idlio medieval romantizado.

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    5. Simplicidade funcional: jarra com tampa, de Christopher Dresser, Sheffield, 1885.

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    Todavia, a convico de sobrepor o poder da arte ao da inds-tria persistiu - uma ideia que muitos artistas idealistas tinham a es-perana de transformar em realidade na esteira da Revoluo Russa, de 1917, usando a arte por meio da indstria para transformar a so-ciedade sovitica. Essa ideia tambm teve um papel importante nas doutrinas da Bauhaus, uma escola fundada na Alemanha depois da Primeira Guerra lv1unoial para descobrir como a sociedade poderia e deveria ser transformada com o uso da produo mecnica para dis-seminar o poder da arte a todos os nveis da sociedade. Esse ideal repercutiu na conscincia dos designers do sculo XX que se formaram de acordo com os princpios da Bauhaus, mas os capites da indstria no estavam dispostos a abrir mo de sua autoridade. O ideal do artis-ta-projetista continua sendo um elemento significativo da postura moderna sobre design, e profissionais talentosos como Michael Graves e Philippe Starck chamam, por isso, bastante ateno. Porm, o ideal do artista-projetista como agente de mudana da sociedade moderna no tem sido posto em prtica.

    Se a Europa estimulou um aprofundamento da teoria do design que acabou por salientar o papel da arte, nos Estados Unidos uma nova escala de organizao e tecnologia industrial se desenvolveu a partir da dcada de 1920 e alterou profundamente as prticas do designo Por meio da produo em massa alicerada em considerveis investimentos de capital, empresas gigantes criaram uma onda de produtos inovadores que mudaram fundamentalmente todos os as-pectos da vida e da cultura americanas, com reflexos em todo o mun-do. Para estimular o mercado, os produtos precisavam sofrer cons-tantes mudanas, acompanhadas de campanhas de publicidade em massa que encorajassem os consumidores a comprar por impulso.

    Um exemplo-chave o automvel. Criado na Europa e produ-zido sob encomenda como brinquedo para milionrios, passou a ser acessvel para as massas, por um preo cada vez menor, com o surgi-mento do Modelo T de Henry Ford, fabricado pela primeira vez em 1907. Ford, seguindo a lgica da produo em massa, acreditava que esse nico modelo satisfaria a todas as necessidades. Bastaria apenas produzi-lo a um custo mais reduzido e em quantidade cada vez

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    6. A estilizao ganha importncia: Oldsmobile conversvel, modelo 1936.

    maior. Em contrapartida, Alfred P. Sloan, que se tornou presidente da General Motors, acreditava que os novos mtodos de produo deveriam se adaptar aos vrios nveis do mercado. Em 1924, ele in-troduziu uma poltica para conciliar a fabricao em massa de auto-mveis com a diversidade de produtos. Utilizando componentes bsicos em vrias linhas, era possvel aplicar aos produtos uma apa-rncia superficial diferenciada a fim de atrair diferentes segmentos do mercado. O resultado foi o surgimento de designers como estilistas, especialistas em gerar formas que, acima de tudo, se diferenciassem das da concorrncia.

    Alguns importantes designers, no entanto, como Henry Dreyfuss, comearam a maturar a ideia de que o papel do profissional de design deveria englobar uma viso de progresso social, fazendo um trabalho em unio com a indstria. Depois da Segunda Guerra Mundial, os designers levaram sua habilidade alm do interesse pela forma e pas-saram a se concentrar em problemas de maior importncia para as empresas de seus clientes. Donald Deskey - que comeou a carreira

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    como designer de mveis e veio a dirigir uma grande empresa de No-va York especializada em consultoria de marca e embalagens - e at mesmo o importante estilista Raymond Loewy alegaram que a queda da qualidade na indstria americana decepcionava os consumidores, que, depois de seduzidos pela aparncia, deparavam com produtos insatisfatrios quando em uso. Eles se mostraram preocupados com a diminio da ateno dada ao design nas empresas americll~, que preferiam imitar a concorrncia. Como alternativa, defenderam a ideia de o design ser uma atividade de planejamento estratgico de alto nvel, vital para a competitividade futura das empresas.

    A conscientizao da necessidade de mudana surgiu a partir da dcada de 1960, quando o mercado americano teve de enfrentar a concorrncia de produtos de outros pases. Muitos setores da inds-tria americana foram sistematicamente dizimados pelas importaes de pases como Japo e Alemanha, em que uma maior ateno qua-lidade da produo e uma abordagem mais holstica eram regra.

    Mesmo assim, essa abordagem do design, to em voga por um perodo, tambm vem sendo substituda. A mudana evidente em muitos mbitos. Na dcada de 1980, uma tendncia geralmente agrupada sob a denominao de ps-modernismo deu incio a um ntido distanciamento da simplicidade geomtrica do modernismo. Essa vertente, na essncia, descreve aquilo que no , em vez daquilo que , j que sua principal caracterstica uma profuso ecltica de formas frequentemente arbitrrias, sem nenhuma relao com a pra-ticidade. Muito disso se justifica com o conceito de uma semntica do produto, em que se aproveita bastante da teoria lingustica de signos e significados. Em outras palavras, o significado de um design tido como mais importante do que qualquer objetivo funcional, muito embora isso possa gerar confuso, uma vez que o significado tem pouca relao com quaisquer valores que no as inclinaes pes-soais dos designers.

    Outra importante tendncia o efeito de novas tecnologias, como a informtica e a produo flexvel, abrindo as possibilidades de produtos customizados projetados cuidadosamente para pequenos nichos de mercado. Em reao a essa tendncia, alguns designers

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    esto explorando novas abordagens, desenvolvendo metodologias que baseiam seus produtos no comportamento do usurio, articu-lando hardware e software e atuando como planejadores estratgicos no design de sistemas complexos. O design interativo para a mdia eletrnica tem tambm enfrentado novos problemas para capacitar os usurios a navegar em bancos de informao volumosos e com-plexos. Esse trabalho fundamental para que os usurios potenciais compreendam as novas tecnologias.

    Tais mudanas fazem parte de uma recorrncia histrica. Como descrevemos anteriormente, a evoluo de um novo estgio no de-sign nunca substitui completamente o antigo, mas se sobrepe a ele. Esse um padro que se repete ao longo da histria do designo Isso no s ajuda a explicar o motivo por que existe tal diversidade de conceitos e prticas de design na sociedade contempornea, como tambm levanta a questo de at que ponto mudanas semelhantes surgiro no futuro. O que exatamente vai ocorrer incerto, mas os sinais so inquestionveis - novas tecnologias, novos mercados, no-vas formas de organizao comercial esto mudando fundamental-mente o mundo em que vivemos, e, sem dvida, novas teorias e prticas de design tero de surgir a fim de se adaptar s novas cir-cunstncias. A maior incerteza, no entanto, gira em torno da ques-to: aos interesses de quem ele servir?

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  • ti i a e e SI nl Ica t

    Em todas as suas formas de manifestao, o design influencia profundamente a nossa vida, de diversas maneiras e em diferentes graus. Mais uma vez, necessrio encontrar alguma explicao es-sencial para criar uma noo de ordem a partir da aparente confu-so. Um recurso prtico para se conseguir isso diferenciar utilidade de significado, o que uma tentativa de desfazer a imensa confuso

    d "f -" em torno o termo unao. Em 1896, no ensaio Tal! office building artistically considered

    [Grandes edifcios comerciais considerados do ponto de vista artsti--

    co], o arquiteto americano Louis Sullivan afirmou: "E a lei dissemina-da de todas as coisas orgnicas ou inorgnicas, de todas as coisas fsicas ou metafsicas, de todas as coisas humanas ou sobre-humanas, de todas as manifestaes da mente, do corao ou da alma, que a vida reco-nhecvel em sua expresso, que a forma sempre segue a funo. Essa a lei".

    Essas noes sofreram grande influncia da teoria da evoluo das espcies, de Darwin, que enfatiza a sobrevivncia dos seres mais bem adaptados ao ambiente. No final do sculo XIX, eram recor-rentes as ideias de que o corpo dos peixes ou dos pssaros se desen-volveu em reao ao ambiente em que viviam e de que os animais e as plantas se adaptavam ao seu habitat. Nesse contexto, pode-se afirmar que a forma realmente deve acompanhar a funo, assim como as listras de uma zebra ou a plumagem vistosa de um papagaio tiveram origem nas imutveis leis de sobrevivncia. Do mesmo mo-do, o conceito de funo de Sullivan incorporou a decorao como um elemento que no pode ser dissociado do designo

    O conceito de Sullivan passou a ser sintetizado na mxima "a forma segue a funo" e comeou tambm a fazer parte da termino-

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    logia do design, embora, com o passar do tempo, tenha sofrido algu-mas modificaes. A funo no design passou a ser normalmente in-terpretada levando-se em conta sua praticidade, e concluiu-se que a maneira de fazer um produto e o uso que se pretende dar a ele devem, inevitavelmente, manifestar-se em sua forma. Essa premissa omite o papel da decorao e o modo como os sentidos podem ser expressos por meio das formas ou vinculadas a elas, A esse respeito, pode-se criar uma mxima alternativa: "a forma segue a fico". Em outras palavras, em contraste com o mundo da natureza, a vida humana frequentemente inspirada e motivada por sonhos e aspiraes, e no apenas pela praticidade.

    Em consequncia, o termo "funo" tem sido um dos mais po-lmicos do designo No incio do sculo XX, vrias ideias, em geral agrupadas sob o termo genrico de "funcionalismo", articularam os conceitos de design que rejeitavam a decorao floreada to em voga no sculo XIX. Isso podia significar vrias coisas. Para alguns desig-ners, como Peter Behrens, que trabalhava na Alemanha no comeo do sculo XX, a arquitetura e o design clssicos sempre foram fonte de inspirao. Despojados de decorao, poderiam contribuir com formas sbrias e geomtricas, caractersticas desejveis em contraste com o repertrio inebriante de estilos tpico do sculo XIX, que sofreu influncia indiscriminada de todas as culturas da histria. Do mesmo modo, formas tradicionais poderiam ser simplificadas e aperfeioadas, como na obra de W R. Lethaby e Gordon RusseU, contemporneos de Behrens e herdeiros da tradio inglesa das artes e ofcios. As duas tendncias se afirmavam como contemporneas, ao mesmo tempo que faziam referncia ao passado.

    Outra tendncia ainda mais radical, que rejeitava completa-mente o passado, foi articulada na Europa depois da Primeira Guerra Mundial. Ela estava associada principalmente a personalidades co-mo Theo van Doesburg, terico holands e lder do grupo De Stijl, Walter Gropius, diretor da escola Bauhaus, na Alemanha, e o fran-co-suco Le Corbusier. Eles desenvolveram um rol de formas geo-mtricas abstratas que, segundo afirmavam, eram as mais adequadas para os processos de produo industrial padronizada. As tcnicas

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  • Design

    de produo em massa, no entanto, davam conta com igual eficcia de formas complexas e decoradas, e, na verdade, em relao produo, elementos decorativos podiam representar uma vantagem. Na dcada de 1930, por exemplo, na fabricao de revestimentos plsticos para rdios, o trabalho de prensagem era to pesado que ficava difcil pro-duzi-los em formato simples, como o de uma caixa. O problema era que, durante a prensagem, poderiam aparecer marcas causadas pela intensa presso aplicada, e isso estragava superfcies grandes e lisas. Portanto, era melhor lanar mo de artifcios que evitassem reas planas amplas, colocando, por exemplo, desnveis nas superfcies a serem trabalhadas ou fazendo nelas pontilhados ou hachuras. A defesa da forma despojada e geomtrica era, na verdade, mais compreens-vel como ideologia do papel do design na sociedade industrial do que como reflexo de quaisquer caractersticas inerentes aos mtodos de produo. A forma geomtrica, em vez de ser a mais conveniente na prtica, era, ao contrrio, uma poderosa metfora de como as formas deviam ser numa poca mecanizada. Nesse sentido, esse foi apenas um dos muitos conceitos que surgiram - argumentos parecidos pode-riam ser apresentados com a mesma validade para formas aerodinmi-cas, com curvas orgnicas semelhantes a lgrimas e linhas que suge-rem velocidade.

    Em vez de declaraes dogmticas que estabeleam quais for-mas so permissveis, necessria uma definio mais abrangente de funo, que decorra de sua subdiviso em dois conceitos-chave: o de utilidade e o de significado.

    A utilidade pode ser definida como a qualidade de adequao do uso. Isso diz respeito maneira como as coisas funcionam e ao grau em que o design cumpre finalidades prticas e fornece habili-taes e capacidades (e as consequncias de quando no o faz). Um exemplo simples uma faca de cozinha profissional usada no preparo de alimentos: sua principal urilidade cortar. Para que ela funcione direito, a lmina precisa ter as qualidades materiais necessrias que permitam um fio duradouro e estabilidade no uso. (Uma lmina muito fina perde a estabilidade quando pressionada, o que no ape-nas compromete o resultado como extremamente perigoso.) O

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    uso adequado tambm exige que o cabo da faca se ajuste conforta-velmente mo para que seja segurada com facilidade e firmeza. Nesse particular, a utilidade tem a ver principalmente com eficincia, e deriva de fatores tecnolgicos e materiais. No entanto, no uso, essa eficincia pode ser tambm uma fonte de grande satisfao. Quando todos os detalhes esto integrados, as melhores facas se tornam uma extenso dos sentidos de quem as manuseia, dando uma agradvel sensao de preciso, ajustando-se mo quase naturalmente e cau-sando uma admirvel ideia de equilbrio e controle. Assim, a eficin-cia passa a um nvel diferente de reao e significado, e, de fato, s vezes muito difcil distinguir com preciso utilidade de significado, j que, na prtica, os dois termos podem estar profundamente entre-laados.

    O significado, visto como um conceito do design, explica como as formas podem assumir sentido prprio de acordo com a maneira como so usadas, ou os papis e valores a elas atribudos, no raro se tornando smbolos ou cones consistentes dos costumes e hbitos. Diferentemente da nfase dada eficincia, o significado tem mais a ver com expresso e sentido. Dois exemplos simples de palitos de dente feitos de madeira (e h poucas formas mais bsicas do que essa) podem ilustrar a diferena entre utilidade e significado e tambm as maneiras como esses dois conceitos geralmente se sobrepem.

    O primeiro modelo - comercializado como haste dental' - produzido pela empresa norueguesa Jordan, especializada em produtos para higiene bucal. Com menos de cinco centmetros de compri-mento, tem um formato de cunha altamente eficaz para a limpeza tanto dos dentes quanto das gengivas, e no apenas aps as refei-es, mas em um processo de higienizao contnuo. Esse minscu-lo objeto possui um alto grau de utilidade, e seu design foi pensado nos mnimos detalhes, tendo em vista os objetivos que se pretendia atribuir a ele.

    O segundo exemplo um tradicional palito de dente japons. Com formato rolio e pouco mais de um centmetro maior do que

    * No original, dental stick. Produto no comercializado no Brasi l. (N. da t.)

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    7. Palitos de dente: os dois esquerda so da marca norueguesa Jordan (vistos em cartucho e separadamente) e os dois direita so japoneses (um deles j com a ponta quebrada, servindo de apoio).

    o palito da Jordan, apenas uma de suas extremidades pontiaguda. A outra extremidade um cone chanfrado no qual h ranhuras tornea-das. O objetivo da extremidade pontiaguda est obviamente relaciona-do utilidade principal do objeto, ou seja, remover alimentos presos entre os dentes. J a outra extremidade, primeira vista, seria pura-mente decorativa, e sua forma no teria nenhum objetivo identificvel. Porm, podemos encontrar uma explicao para esse formato na tra-dicional etiqueta japonesa durante as refeies. Ajoelhar-se sobre o tatame ao redor de mesas laqueadas tornou-se expresso de sensibi-lidade e refinamento. As travessas e os utenslios usados eram obje-tos de arte em si, e, mais que isso, as mesas sempre foram objetos de extremo valor artstico, com delicadas figuras incrustadas ou pinta-das sobre sua superfcie laqueada. Repousar os hashi/ sobre uma superfcie to requintada seria considerado de extrema indelicade-za. Assim, surgiram os descansos para hashis (outra combinao de

    * Pauzinhos com que os orientais levam os alimentos boca. (N. da t.)

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    utilidade e significado), evitando que a parte levada boca entrasse em contato com a superfcie da mesa. No caso dos palitos de dente, porm, a soluo j est no produto. As ranhuras de uma das extre-midades do palito permitem que ela seja quebrada com facilidade e sirva ento de descanso para a ponta que entrou em contato com os dentes. Isso demonstra como at os menores objetos utilitrios po-dem conter diversos valores smultanean1ente.

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    E possvel encontrar produtos de design de vrios tipos defini-dos apenas pela utilidade ou pelo significado. Quanto utilidade, alguns exemplos so os produtos relacionados execuo de atividades tcnicas, com finalidades extremamente especficas, como um serro-te, um torno mecnico ou, ainda, instrumentos de diagnstico m-dico, como um aparelho de ultrassonografia. Quando a transmisso de informaes a principal tarefa de um produto, como o quadro de horrios numa estao de trem, por exemplo, a disposio e a tipo-logia das letras tm de ser simples, claras e usadas unicamente para a transmisso de dados essenciais. Uma condio primordial do design utilitrio que ele deve realizar certas tarefas de maneira eficaz. Por outro lado, uma joia, uma pea de porcelana ou um porta-retratos para uma foto de famlia no tm uma finalidade especfica - ao con-trrio, seu propsito pode ser o prazer contemplativo ou a decorao. Se seu valor deriva do gosto social de determinada poca ou moda, ou de uma evocao puramente pessoal, seu significado intrnseco e independente de qualquer habilitao especfica.

    Alm disso, entre os dois extremos em que a utilidade ou o significado podem ser claramente identificados como caracterstica predominante, h inmeros produtos que unem eficincia e expres-so numa impressionante variedade de combinaes. Uma luminria pode ser classificada como objeto utilitrio, uma vez que gera ilumi-nao, mas ao mesmo tempo pode ser uma expressiva escultura muito pessoal e idiossincrtica. Aparelhos de jantar, talheres e taas servem a propsitos especficos numa refeio, mas tambm podem ser apre-sentados numa infinidade de formas, muitas vezes de decorao complexa. Talvez o exemplo clssico da nossa era seja o automvel, que, alm de til para transportar pessoas e objetos de um lugar a

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    8. Um smbolo de realizao pessoal: Rolls-Royce Park Ward, modelo 2000.

    outro, tem sido, desde que surgiu, uma extenso do ego e do estilo de vida dos proprietrios. Os automveis Rolls-Royce, por exemplo, no so apenas exemplos imponentes de habilidade tcnica, mas tam-bm um smbolo de realizao pessoal em todo o mundo.

    O significado dos objetos e o valor preciso atribudo a eles, na maioria das vezes, variam consideravelmente de cultura para cultura. No exemplo dos palitos de dente apresentado anteriormente, fun-damental conhecer as associaes especficas com a etiqueta como expresso de hbitos tradicionais japoneses. Isso levanta questes im-portantes sobre como as culturas desenvolvem padres de comporta-mento que passam a ser codificados como normas ou regras e como as culturas expressam seus valores, cada uma sua maneira.

    No entanto, o valor pode no ser permanente, uma vez que o significado dos produtos s vezes varia muito de acordo com o con-texto. Um exemplo clssico o Fusca, da Volkswagen, desenvolvido na Alemanha na dcada de 1930 sob ordens diretas de AdolfHitler, ele mesmo um entusiasta da indstria automobilstica. Com a pro-duo dos primeiros prottipos, em 1937, pela "Fora pela Alegria", uma subdiviso da Frente de Trabalho Alem (organizao oficial dos

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    trabalhadores do Terceiro Reich), o Fusca foi divulgado como um smbolo das realizaes do Partido Nazista. Quando a produo foi retomada em larga escala depois da Segunda Guerra Mundial, o car-ro foi exportado com sucesso para os Estados Unidos na dcada de 1950 e se tornou um produto culto O design era praticamente idn-tico ao dos primeiros prottipos, mas o significado do produto sofreu uma notvel transformao: passo de cone do fascismo na dcada de 1930 - o carro da "Fora pela Alegri' - a adorvel heri da srie de filmes Se meu Fusca falasse, de Walt Disney, nos Estados Unidos da dcada de 1960. Essa transformao continuou com o modelo rede-senhado surgido em 1997, comercializado como New Beetle, que tambm rapidamente adquiriu status de cult naquele pas.

    Basicamente, a ide ia de cultura pode ser dividida em duas am-plas categorias: primeiro, como algo aprimorado, refinado, resultante da aquisio de noes e aptides expressas em determinados estilos ou comportamentos aos quais se credita algum valor. H nessa pre-missa certa hierarquia, quando se considera, por exemplo, que um concerto de msica clssica mais relevante do que um show de rock, ou que uma escultura mais relevante do que uma pea de desenho industrial. At certo ponto, o design comeou a entrar nessa esfera, o que se conclui pelo nmero de museus que tm adquirido colees e promovido importantes exposies de designo Porm, atribuir ao de-sign um carter de exclusividade, muitas vezes sob o rtulo de "arte decorativ', no raro tem mais a ver com o fato de os museus procu-rarem uma justificativa atual para o design na vida moderna do que com a verdadeira compreenso do seu papel.

    A segunda ideia de cultura - a que est latente neste livro - ba-seia-se numa viso mais generalizada, ou seja, refere-se aos valores compartilhados em uma comunidade. Nesse sentido, a cultura o modo de vida caracterstico dos grupos sociais - os padres de com-portamento assimilados que so expressos por meio de vrios ele-mentos, como valores, comunicaes, organizaes e artefatos. Essa ideia abrange a estrutura da vida cotidiana e a maneira como ela vivida em todos os seus aspectos, permitindo que se considere uma gama mais variada do design e seu papel na vida das pessoas. Ela tem

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    a virtude de incluir definies mais elitistas, mas essa uma discus-so mais ampla.

    A influncia de valores culturais, manifesta na interpretao e no sentido de objetos de design, percebida em muitos nveis. No passado, e at mesmo hoje em dia, foram criados no mundo objetos muito diferentes com funes bastante semelhantes, resultando em grande diversidade. Se analisarmos, por exemplo, como os alimentos so preparados, veremos que em muitas regies da China geralmente ainda se usa a wok*, ao passo que na Europa h uma infinidade de pa-nelas com fins diversos. Na China, come-se com hashis; j na Europa, h uma srie de talheres para cada tipo de alimento. Dessas e de in-meras outras maneiras, as formas especficas so a expresso de con-textos, hbitos e valores culturais peculiares, que se desenvolveram em sua particularidade ao longo do tempo.

    Ao confrontarmos as caractersticas especficas de tempo e es-pao, surgem dois importantes nveis de dificuldade. O primeiro decorre da necessidade de adaptao aos padres culturais existen-tes, para que haja uma integrao ou assimilao sem nenhum rom-pimento drstico ou ofensa de qualquer natureza. O segundo impli-ca lidar com as inevitveis mudanas nesses padres, o que passa a ser infinitamente mais complexo.

    Os problemas parecem ser menos numerosos e de menor in-tensidade se os produtos so simples e teis, o que minimiza a possi-bilidade de choque cultural. A maneira de se comercializar uma srie de artigos de luxo, como os produtos de couro da Hermes - que apesar de caros so inerentemente simples -, pode ser a mesma no mundo todo.

    As consequncias de se ignorar a fora da diversidade cultural podem ser surpreendentes. No comeo da dcada de 1980, Theo-dor Levitt, especialista em marketing da Universidade Harvard, al-canou considervel notoriedade com suas ideias a respeito da glo-balizao, dentre as quais a afirmao de que as diferenas mundiais estavam diminuindo e que produtos padronizados comercializados

    * Panela milenar da cozinha oriental. (N. da t.)

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    em todo o mundo seriam as ferramentas de marketing do futuro. Talvez seja apenas coincidncia, mas na mesma poca a diretoria da fabricante de eletrodomsticos Electrolux se convenceu de que a Europa poderia se tornar um mercado nico para geladeiras e free-zers, como os Estados Unidos, em que algumas grandes indstrias produzem um nmero limitado de modelos. Um programa iniciado em 1983 para atingir esse mercado se mostrou caro, no entanto, uma vez que as diferentes culturas da Europa se recusavam terminante-mente a seguir o padro americano de consumo. No Norte da Eu-ropa, por exemplo, as pessoas fazem compras semanais e precisam de uma geladeira com o mesmo espao que o freezer. No Sul da Europa, por outro lado, as pessoas ainda fazem compras dirias em pequenos mercados locais, e, portanto, precisam de aparelhos menores. Os britnicos so os maiores consumidores de legumes congelados do mundo e utilizam 60% da capacidade do freezer. Alguns preferem o congelador na parte de cima da geladeira; outros, na parte de baixo. A Electrolux tentou sem sucesso racionalizar a produo, mas sete anos depois ainda estava produzindo 120 modelos bsicos com 1.500 variantes e percebeu que era necessrio lanar novos produtos para atingir nichos de mercado especficos.

    A embalagem e as representaes visuais tambm podem ser um campo minado. Quando a Coca-Cola entrou no mercado chins, descobriu-se que a traduo do termo "Coca-Col', conforme pro-nunciado naquele pas, era "morda o girino de cer', como lembra o ex-diretor geral da empresa, Roberto Goizueta. O problema foi iden-tificado antes do incio da produo, e os ideogramas da embalagem foram alterados, passando a significar "traz sabor e felicidade".

    Em outro caso, tambm no Leste asitico, um dos mais inusita-dos exemplos dos riscos da globalizao foi uma pasta de dente lder de mercado comercializada por dcadas com o nome "Darkie" [Ne-grinho]. A embalagem trazia a caricatura estereotipada de um cantor negro de cartola, com dentes de um branco reluzente. No mercado de origem, aparentemente ningum tinha considerado o produto ofensivo, mas em 1989, quando a Colgate-Palmolive comprou a empresa de Hong Kong fabricante desse produto, houve uma rea-

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    o inesperada no mercado americano. Espalhou-se rapidamente o rumor de que a empresa estava comercializando um produto cuja embalagem tinha teor racista, e houve manifestaes com faixas e cartazes diante da matriz da empresa em Nova York. A fim de ame-nizar as crticas americanas sem destruir essa marca to conhecida na ,

    Asia, a Colgate-Palmolive mudou o nome do produto para "Darlie" [Queridinho], com uma imagem redesenhada para combinar. A em-balagem agora mostrava um homem de etnia indefinida, vestido com elegantes trajes urbanos, mas ainda de cartola e com dentes reluzen-temente brancos.

    No se pode pensar na globalizao, no entanto, levando em conta apenas problemas de adaptao ou ajuste. Theodor Levitt es-tava parcialmente certo ao chamar a ateno para o fato de que as inovaes em tecnologia e nas comunicaes estavam aproximando todos os pases do globo e, em alguns aspectos, alterando radical-mente as noes de cultura. A influncia da globalizao faz que a cultura no dependa mais de um ambiente especfico, no qual todos aderem a um mesmo e homogneo repertrio de valores e convic-es. Ela cria a possibilidade de o indivduo pertencer a uma cultura diferente da que o cerca. Os padres do futuro passam a ser, de di-versas maneiras, a multiplicidade cultural, em vez da homogeneidade, e a nfase na criao e no na herana cultural. Porm, nenhuma tran-sio dessa natureza ser simples ou tranquila.

    O design contribui significativamente para essas transies na medida em que cria uma mudana nos valores que atravessam fron-teiras polticas ou tnicas. Essa mudana pode se dar nos produtos, como motocicletas ou televisores, mas provavelmente mais intensa no que diz respeito s constantes imagens associadas a campanhas publicitrias de redes de televiso globais, como a CNN, configu-rao de um site interativo, como o Amazon.com, ou ao logotipo do McDonald's ou da Coca-Cola. O apelo onipresente e difundido que tudo isso representa pode fazer surgir conflitos e tem suscitado ata-ques de diferentes grupos, entre eles nacionalistas franceses, fascistas russos e fundamentalistas hindus e islmicos. Todos esses grupos, embora com origem e argumentos diferentes, tm em comum o anseio

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    de proteger sua identidade cultural e o ressentimento contra novos padres de vida cosmopolita apresentados pelas imagens de design global. Seria um erro, no entanto, achar que todas as reaes glo-balizao so iguais s desses grupos radicais. Muitas pessoas esto verdadeiramente preocupadas com a perda de controle e identidade locais para foras que, em geral, parecem muito distantes e no se responsabilizam por suas aes. As vantagens de assistir a um noti-cirio produzido do outro lado do mundo podem no compensar o fato de crianas serem profundamente influenciadas por imagens e comportamentos que parecem estranhos e ameaadores. Mesmo em outros nveis, mais cotidianos, fcil algum se sentir ofendido. Por exemplo, no Japo, uma importante campanha publicitria de um sabonete americano mostrava um homem entrando no banheiro en-quanto a mulher estava na banheira. Essa situao, nos Estados Unidos, insinua envolvimento sexual, mas no Japo considerada grosseira e inaceitvel.

    Tais reaes no podem ser desprezadas e tidas como uma con-sequncia inevitvel desse processo de mudana. O papel e a fora da tecnologia so de fato um problema quando a capacidade de se comu-nicar simultaneamente com o mundo todo, um feito grandioso em todos os aspectos, vista como ameaa. Existem muitos outros pro-dutos e servios lanados ao redor do mundo sem que tenha havido preocupao com o fato de serem ou no compreensveis ou teis nesses mercados. Uma suposio de uniformidade nos designs globais pode, em vez de solucionar, criar outros problemas. Basta ter algum planejamento para garantir a adequada adaptao a condies locais.

    Obviamente, a capacidade dos seres humanos de criar formas significativas engloba um amplo rol de possibilidades. Em um nvel mais profundo, as formas podem incorporar um sentido metafsico, indo alm das fronteiras do tangvel e tornando-se smbolo de crena e f, expressando as convices e os desejos mais ntimos da huma-nidade. No h nada na forma especfica dos totens das tribos das ilhas do Pacfico ou das plancies americanas, das esttuas de Buda e Shiva ou da cruz crist que d a mais simples indicao da comple-xidade das crenas e dos valores que eles representam. Mesmo assim,

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    o significado desses smbolos visto como um fato social objetivo, compreendido por todos que compartilham as crenas que eles sim-bolizam. Ao mesmo tempo, as pessoas tambm podem atribuir aos objetos um intenso valor pessoal que no precisa entrar em conflito com modalidades de crena mais amplas em uma cultura.

    Em 1981, os socilogos Mihaly Csikszentmihalyi e Eugene Roch-berg-Halton, de Chicago, publicaram as concluses de seu projeto de pesquisa sobre o papel dos objetos na vida das pessoas, intitulado The meaning of things [O significado das coisas l. Eles falam da

    enorme flexibilidade com que as pessoas conseguem imputar sentido a objetos e ento produzir significados com base neles. Quase qualquer coisa pode passar a representar uma srie de sig-nificados. No que as caractersticas fsicas de um objeto tenham definido o tipo de sentido que ele pode transmitir, embora essas caractersticas frequentemente emprestem a esse objeto alguns significados em detrimento de outros; e tampouco as convenes simblicas de uma cultura decretam que significado pode ou no ser obtido da interao com determinado objeto. Ao menos po-tencialmente, toda pessoa pode descobrir e cultivar uma rede de significados resultantes das suas experincias de vida.

    N a era da produo e da comunicao de massa se deu pouco crdito capacidade das pessoas de imputar sentido a objetos, de se envolver abstratamente na criao de um significado que pode estar muito alm do que os designers ou fabricantes imaginam para um objeto ou uma forma de comunicao. Em geral, a nfase recai sobre a imposio de padres de significado e conformidade, de acordo com o ponto de vista dos fabricantes. No entanto, essa capacidade humana de atribuir energia psquica aos objetos extremamente po-derosa, com importantes ramificaes para o estudo e o reconhe-cimento do designo Podemos afirmar que o principal interesse do estudo e da compreenso do design no deveria ser os resultados dos processos em si, mas sim a avaliao desses resultados levando-se em conta a interao entre as intenes dos designers e as necessida-

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    des e percepes dos usurios. no encontro de ambos (designer e usurio) que o sentido e o significado do design so criados. Por isso, os prximos captulos, em que vamos explorar mais detalhadamen-te os efeitos do design, no sero organizados de acordo com as ca-tegorias frequentemente usadas para definir o design profissional, ou seja, design grfico ou desenho industrial (embora seja preciso discutir tais termos). Vamos organizar os captulos de acordo com conceitos genricos: objetos, comunicao, ambientes, identidades e sistemas, nos quais os conceitos de resposta e envolvimento tanto dos usurios quanto dos designers podero ser mais bem investigados.

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    o termo "objeto" usado para descrever uma infinidade de ar-tefatos tridimensionais encontrados na vida cotidiana em todo e qualquer contexto: casa, espaos pblicos, ambientes de trabalho, es-colas, espaos de lazer e meios de transporte. O termo abrange desde coisas simples com uma nica finalidade, como um saleiro, at me-canismos complexos, como um trem-bala. Alguns objetos so ex-presso da fantasia humana; outros, da alta tecnologia.

    Os objetos so uma expresso crucial de ideias de como podera-mos ou deveramos viver, apresentadas de forma tangvel. Como tal, eles transmitem sua mensagem com uma rapidez e uma objetividade que no se limitam esfera visual, mas podem envolver outros senti-dos. Nossa experincia com um automvel, por exemplo, no se limi-ta quilo que vemos, mas se estende a como nos sentimos nos assentos, ao volante, com relao ao rudo do motor, ao cheiro do estofamento e ao desempenho na estrada. A orquestrao de efeitos sensoriais de vrios nveis pode ter um forte impacto cumulativo. Tal diversidade na maneira como os objetos so concebidos, desenhados, percebidos e usados tambm fornece mltiplas perspectivas pelas quais eles po-dem ser compreendidos e interpretados.

    A terminologia das prticas profissionais envolvidas uma complicao adicional. As funes de "designer de produto" e de "designer industrial" so, de um ponto de vista prtico, intercambi-veis, e as duas tm papel importante na criao da forma de um produto no que se refere relao entre a tecnologia e os usurios. J o termo "estilist' mais limitado e descreve uma preocupao com a diferenciao esttica na forma do produto, geralmente sob a orientao de profissionais de marketing. Uma denominao um pouco mais antiga, mas ainda usada ocasionalmente, a de "artista

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    industrial", que tambm enfatiza o foco sobre a forma em termos estticos. Muitos arquitetos podem tambm atuar como designers, empregando grande variedade de mtodos. Para a criao de objetos particularmente complexos, com alta exigncia de desempenho, a forma pode ser determinada por projetistas de engenharia com base em critrios tecnolgicos. Uma complicao adicional que objetos muito complexos podem exigir a participao de equipes multidis-ciplinares e a atuao de diversas reas em estreita colaborao.

    Observando a estrutura apresentada no fim do captulo anterior sobre a interao entre os interesses dos designers e dos usurios, fica claro que h profissionais que, de modo geral, esto mais preocupados com as prprias ideias do que com as dos usurios dos produtos cria-dos por eles. Para reforar tal postura, h teorias, surgidas na dcada de 1980 e reunidas sob a denominao de ps-modernismo, que enfa-tizam o valor semntico do design em detrimento de suas qualidades funcionais. Em outras palavras, o principal critrio para a concepo e o uso de um produto aquilo que ele significa, e no para o que ele serve. De qualquer modo, no so os usurios os protagonistas desse conceito, mas sim os designers, o que permite o surgimento de pro-dutos com formas arbitrrias que tm pouco ou nada a ver com utili-dade, mas que so justificadas por seu "significado". Um exemplo disso a empresa italiana Alessi, que, alm de ter uma linha consagrada de utenslios domsticos bastante simples, vem, nos ltimos anos, lan-ando uma srie de produtos que retratam com perfeio essa tendn-cia. Talvez o produto mais conhecido dessa srie seja o "Juicy Salif", espremedor de frutas projetado por Philippe Starck. Starck tem um talento especial para criar formas surpreendentes e incomuns, o que fica bvio quando observamos esse objeto. Apesar do visual diferente, ele no d conta de cumprir seu objetivo prtico, e, na verdade, a proposta que seja considerado um "cone domstico". Para decorar sua cozinha com esse objeto, no entanto, o consumidor precisa desem-bolsar vinte vezes mais do que para adquirir um simples e infinitamen-te mais prtico espremedor - na verdade, o termo "espremedor" estaria mais bem empregado se aplicado alavancagem dos lucros, e no funcionalidade oferecida aos usurios.

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    9. Ineficincia cara em alto estilo: "Juicy Salif'; de P. Starck, para a Alessi.

    Esse tipo de abordagem no design tem sido adotado com entu-siasmo por inmeras empresas que procuram agregar valor a produtos originalmente com baixa margem de lucro. Como resultado, as em-presas tm se apropriado indiscriminadamente das teorias ps-moder-nistas de design com fins puramente comerciais e com o propsito de transformar produtos eficientes, baratos e acessveis em objetos inteis, caros e elitizados. Alm disso, a nfase no significado revela um pano-rama de infinitas possibilidades para a elaborao de formas sempre novas e passveis de renovao que exigem pouca ou nenhuma relao com seu propsito, permitindo que os produtos sejam enredados em ciclos de modismo que beneficiam, acima de tudo, os fabricantes.

    A moda depende, basicamente, do fato de que muitas pessoas formam a opinio sobre aquilo de que gostam ao serem influenciadas pelo que outras pessoas usam e compram, Trata-se de uma caracters-tica inerente natureza humana. Partindo dessa perspectiva, os bens de consumo so indicadores de status social e cultural. Uma vez que a renda tem aumentado bastante entre os habitantes dos pases desen-

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    volvidos, o potencial para consumo ostensivo e, portanto, a demanda por produtos inovadores sem dvida tm crescido, tornando-se obje-to de muita manipulao. Entre as reaes a esse fenmeno houve o surgimento das "marcas autorais", que tem se mostrado um artifcio muito eficiente, principalmente nos setores de produtos mais caros.

    Um exemplo claro dessa tendncia Ferdinand Porsche, neto do designe r responsvel pelo primeiro Fusca da Volkswagen. Ele co-meou trabalhando na empresa de automveis da famlia e montou o prprio estdio de design em 1972. Suas atividades como desig-ner incluem produtos de grande porte, como trens para o Sistema de Transporte Pblico de Bangkok, bondes eltricos para Viena e lanchas, itens extremamente utilitrios. Ele mais conhecido, porm, pela criao de objetos pequenos, exclusivos e de uso pessoal, como cachimbos e culos escuros, produzidos em parceria com fabricantes renomados. Embora esses fabricantes tenham uma boa reputao por mritos prprios, como a Faber-Castell ou a Siemens, os produ-tos so vendidos como um design da Porsche, que se tornou uma marca da moda, relacionada a artigos de luxo.

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    10. Acesso e convenincia a todos: bonde de Viena, projetado pela Porsche.

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    Seria equivocado afirmar que todas essas abordagens "centradas no designer" focam apenas a diferenciao da forma com o objetivo de agregar valor. Alguns profissionais desenvolvem percepes sobre a vida das pessoas e, como resultado, projetam solues radicalmen-te novas que podem at parecer bvias depois de expressas de forma tangvel. Em outras palavras, oferecem aos usurios algo que nem eles sabiam que queriam. Esse , com certeza, um dos papis mais inovadores que o designer pode desempenhar.

    Nesse sentido, um dos nomes de maior influncia sobre a forma no mundo moderno Giorgetto Giugiaro. Ele tambm comeou sua carreira como designer de automveis e trabalhou para a Fiat, para a Carrozzeria Bertone e para a Ghia antes de criar a prpria empresa, a Italdesign, com mais dois scios, em 1968. Ningum influenciou mais o rumo do design de automveis no mundo que Giugiaro. Seu conceito para o Golf, da Volkswagen, de 1974, estabeleceu os padres para as geraes seguintes de carros pequenos, com porta-malas inte-grado ao compartimento de passageiros (hatchback). Em 1978, ele fez um projeto para a Lancia da primeira minivan. Contornos e linhas despojados, sem decorao suprflua, caracterizam o seu trabalho. A Italdesign elaborou alguns projetos de desenho industrial, mas, em 1981, lanou uma ramificao, a Giugiaro Design, com o objetivo de se concentrar especificamente em um rol maior de produtos, que in-cluem cmeras, relgios, trens expressos (at esses levam sua assinatu-ra), trens de metr, motonetas, artigos domsticos, interior de aerona-ves e decorao de ruas. Mais recentemente, a empresa passou a produzir tambm artigos de moda e de uso pessoal.

    Para alguns designers, manter o controle sobre o trabalho a fim de garantir sua integridade essencial. Conseguir esse controle ao mesmo tempo em que se sustenta um grande sucesso comercial exi-ge muita criatividade e elevado tino comercial. Stephen Peart, que administra a Vent Design, da Califrnia, alcanou tanta notoriedade por seus conceitos inovadores e design de altssima qualidade que nem precisava mais divulgar seus produtos, uma vez que importantes clientes faziam fila sua porta. Ele abriu mo do crescimento da em-presa a fim de manter as despesas controladas e a possibilidade de

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    77. O hatchback estabelece um novo padro: o Golf da Volkswagen, de Giorget-to Giugiaro, 7974.

    escolher os clientes que mais valessem a pena. A integridade de seu trabalho foi mantida graas a acordos que estipulavam que o contra-to perderia a validade se seus conceitos de design fossem alterados

    . -sem autonzaao. H tambm empresas em que a influncia das pessoas pode ser

    decisiva, principalmente ao se estabelecer uma filosofia sobre o papel que os objetos desempenham na vida dos usurios. Um exemplo dis-so so os eletrodomsticos, como torradeiras, batedeiras e secadores de cabelo. Esses produtos so, na verdade, usados por apenas alguns minutos durante o dia, e pertinente levantar a questo do papel que desempenham durante os longos perodos em que no so usados.

    O designer alemo Dieter Rams gostava de usar a metfora do bom mordomo ingls: os produtos, assim como os mordomos, devem cumprir sua funo de maneira silenciosa e eficiente, apenas quando forem necessrios; do contrrio, devem sumir de cena discretamente. (Um ex-mordomo do Palcio de Buckingham deu o seguinte conse-lho ao ator Anthony Hopkins, quando este ia interpretar um mor-domo no filme Vestgios do dia: "Quando voc estiver num recinto,

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  • Design

    ele deve estar ainda mais vazio".) Os designs que Rams desenvolveu para a empresa Braun ao longo de mais de 40 anos, at meados da dcada de 1990, tinham formas simples e geomtricas, eram predo-minantemente brancos com detalhes em preto e cinza e as cores pri-mrias usadas apenas em detalhes pequenos e com propsitos bas-tante especficos, como botes de liga/desliga. A esttica consistente estabelecida ao longo dos anos pela Braun foi uma das maiores in-fluncias no design de utenslios domsticos no final do sculo XX e garantiu empresa uma identificao imediata que muitas outras

    tentaram copIar, mas poucas conseguIram. Por outro lado, aparelhos semelhantes produzidos pela holan-

    desa Philips, sob a direo de design de Stefano Marzano, comea-ram a apresentar visuais mais extravagantes, com formas orgnicas e cores chamativas, sugerindo que esses objetos servem de peas de decorao quando no esto em uso.

    Formas bastante pessoais e inovadoras podem ser particularmen-te bem-sucedidas quando aliadas a melhorias reais no desempenho do produto. A srie de computadores iMac, da Apple, projetada em 1998 por Jonathan Ive, causou forte impacto com o uso de material plstico transparente para seus revestimentos e acessrios, em cores muitas vezes identificadas como "cores de pasta de dente". O con-ceito inovador de Ive, de como a forma de um computador deveria

    72. A linguagem da simplicidade: relgio porttil da Braun, tipo AB 372, de Oie-ter Rams e Oietrich Lubs.

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    13. Estilo e conectividade: iMac da Apple, de Jonathan Ive.

    ser, apontou habilmente para uma nova nfase sobre acessibilidade e conectividade na srie iMac, com o objetivo de alcanar parcelas da populao que nunca tinham usado computador. Tal fato certa-mente deu incio a uma forte tendncia, mas o uso indiscriminado dessas cores se tornou repetitivo e sem sentido, ou seja, uma ten-dncia pronta para ser substituda.

    O esforo de certos designers para demonstrar traos de sua per-sonalidade por meio do design no deveria causar surpresa. A maio-ria desses profissionais, durante sua formao, instruda a traba-lhar individualmente, e a literatura especializada contm inmeras referncias ao "designer". Sem dvida o talento pessoal uma qua-lidade indispensvel quando se trabalha com certos produtos, prin-cipalmente os pequenos e de pouca complexidade tecnolgica, como mveis, luminrias, pequenos eletrodomsticos e utenslios doms-ticos. Entretanto, no caso de produtos de grande porte, mesmo quan-do uma forte personalidade exerce considervel influncia, pode-se facilmente fazer vista grossa ao fato de que grande quantidade de designers est trabalhando na implementao de um conceito. A nfase dada individualidade , portanto, problemtica: s vezes, muitos designers conceituados atuam mais como gerentes de cria-

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    o do que propriamente como designers. E preciso estabelecer uma distino entre designers que trabalham realmente sozinhos e os que

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    atuam em equipe. Para estes ltimos, organizao administrativa e noes de gerenciamento so to relevantes quanto a criatividade.

    Quando uma empresa de design ultrapassa determinado porte, o tempo de que precisa dispor para funes gerenciais inevitavel-mente compromete o envolvimento pessoal nos processos de cria-o. O designer Michele de Lucchi dono de uma consultoria de design em Milo com cerca de 50 funcionrios e clientes corporativos em todo o mundo. claro que nem todo trabalho da empresa pode ser executado pessoalmente por Lucchi, embora as diretrizes e os padres sejam estabelecidos por ele. Assim, para exercer seu talento como designer, ele criou uma empresa de pequeno porte que lhe permite continuar trabalhando em um nvel de explorao e expres-so pessoais, o que no possvel com a rgida nfase corporativa de sua atividade principal.

    Em outras reas da prtica de design, no entanto, predomina o esprito de equipe. Muitas consultorias do setor funcionam como negcio, sem qualquer referncia autoria individual. Em geral, elas tm muitos funcionrios em escritrios espalhados pelo mundo tra-balhando numa grande quantidade de projetos. Uma das mais co-nhecidas a Ideo, criada numa parceria entre consultorias de design britnicas e americanas. No final da dcada de 1990, j tinha escri-trios em Londres, So Francisco, Palo Alto, Chicago, Boston e T -quio. A Metadesign, fundada em Berlim, tambm opera em nvel internacional, com filiais em So Francisco e Zurique. Embora al-gumas consultorias atuem em diversos segmentos, outras podem se concentrar em apenas uma rea. A Design Continuum, de Boston, especializada na produo de equipamentos mdicos e enfatiza uma estreita parceria entre designers e engenheiros. O trabalho em equi-pe geralmente uma caracterstica do trabalho em consultorias, e a contribuio especfica de cada indivduo pode ficar escondida.

    Departamentos de design dentro de empresas se concentram necessariamente nos produtos e servios desenvolvidos por elas, e isso permite que se aprofundem em problemas especficos e traba-lhem com as vrias geraes de um produto. Mais uma vez, os tipos de problemas podem ser os mais diversos. Um problema recorrente

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    nessas empresas que elas precisam manter uma expertise especfica sem se estagnar, o que significa estar sempre tomando injees de novos estmulos. Algumas empresas mantm um pequeno departa-mento interno de design e contratam ocasionalmente uma consulto-ria externa para ampliar os horizontes. Em outras, como a Siemens e a Philips, o departamento de design funciona como uma consul-toria interna, e precisa concorrer pelos projetos da empresa com consultorias externas, alm de ter a liberdade de trabalhar para ou-tras empresas. Algumas companhias gigantes, principalmente as ja-ponesas, possuem departamentos de design muito grandes, com a participao de at 400 designers. Muitos deles, entretanto, trabalham apenas com alguns detalhes e se responsabilizam pelo design de va-riaes mnimas em produtos j existentes, num esforo de satisfazer a uma enorme gama de preferncias.

    Se o uso da expresso "o designer" aponta para uma propenso individualizao em grande parte dos estudos e comentrios sobre design, outra expresso muito difundida - "o processo de design" - su-gere uma unidade que, na prtica, no existe. Existem, na verdade, muitos processos de design, adaptveis imensa variedade de pro-dutos e contextos nos quais os designers atuam.

    De um lado dessa variedade h processos bastante subjetivos, difceis de explicar e quantificar, pois so baseados na intuio e na experincia de cada um. Nos contextos corporativos, dominados pe-los nmeros de finanas e marketing, com sua aparente habilidade em demonstrar "fatos", esses processos subjetivos podem ser facil-mente subestimados. Algumas teorias econmicas e administrativas, porm, reconhecem que em muitas reas o conhecimento decorren-te da intuio e da experincia - o conhecimento tcito - pode ser um repositrio vital com grande potencial. Muito do conhecimen-to que se tem sobre design , na verdade, dessa natureza, embora no se queira