175240783 Susana Urbina

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  • [ c a p t u l o 1]

    INTRODUO AOS TESTESPSICOLGICOS E SEUS USOS

    O primeiro e mais geral sentido do termo teste listado nos dicionrios exame,observao ou avaliao crtica. Seu sinnimo mais prximo prova. A palavracrtica, por sua vez, definida como relacionada a... um ponto de virada ou con-juntura especialmente importante (Merriam-Websters collegiate dictionary, 1995).No deve nos surpreender, portanto, que quando o termo psicolgico aparece apsa palavra teste, a expresso resultante adquira uma conotao um tanto ameaado-ra. Os testes psicolgicos muitas vezes so utilizados para avaliar indivduos em

    algum ponto crtico ou circunstncia significativa da vida. Ainda assim, aos olhos

    de muitas pessoas, os testes parecem ser provaes sobre as quais elas pouco sa-

    bem e das quais dependem decises importantes. Em grande parte, este livro visa

    fornecer aos leitores informaes suficientes a respeito dos testes e da testagem

    psicolgica para remover as conotaes ameaadoras e proporcionar meios para

    que os que fazem uso dos testes psicolgicos obtenham mais conhecimento sobre

    seus usos especficos.

    Milhares de instrumentos podem ser chamados corretamente de testes psico-lgicos, mas muitos mais usurpam esta denominao, seja explcita ou sugestiva-mente. O objetivo bsico deste livro explicar como distinguir os primeiros dos

    segundos. Por isso, comeamos com as caractersticas definidoras que os testes

    psicolgicos legtimos de todos os tipos tm em comum. Estas caractersticas no

    apenas definem os testes psicolgicos, mas tambm os diferenciam de outros tipos

    de instrumentos.

    TESTES PSICOLGICOS

    O teste psicolgico um procedimento sistemtico para a obteno de amostras decomportamento relevantes para o funcionamento cognitivo ou afetivo e para a

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    avaliao destas amostras de acordo com certos padres. O esclarecimento dos

    principais termos desta definio vital para a compreenso de todas as discusses

    futuras sobre testes. O quadro Consulta Rpida 1.1 explica o sentido e o funda-

    mento lgico de todos os elementos da definio de um teste psicolgico. Se algu-

    ma das condies mencionadas na definio no for satisfeita, o procedimento em

    questo no pode ser chamado acuradamente de teste psicolgico. No entanto,

    importante lembrar que, em essncia, os testes psicolgicos so simplesmente amos-

    tras de comportamento. Tudo o mais se baseia em inferncias.

    Os testes psicolgicos costumam ser descritos como padronizados por dois

    motivos, ambos contemplam a necessidade de objetividade no processo de testagem.

    O primeiro est ligado uniformidade de procedimentos em todos os aspectos

    importantes da administrao, avaliao e interpretao dos testes. Naturalmente,

    a hora e local em que o teste administrado, bem como as circunstncias de sua

    administrao e o examinador que o administra, afetam os resultados. No entanto,

    o objetivo da padronizao dos procedimentos tornar to uniformes quanto pos-

    sveis todas as variveis que esto sob o controle do examinador, para que todos

    que se submetam ao teste o faam da mesma forma.

    Os testes psicolgicos soprocedimentos sistemticos.

    Os testes psicolgicos soamostras de comportamento.

    Os comportamentos avaliadospelos testes so relevantespara o funcionamentocognitivo, afetivo ou ambos.

    Os resultados dos testes soavaliados e recebem escores.

    Para se avaliar resultados detestes, necessrio terpadres baseados em dadosempricos.

    Para serem teis, os testesdevem ser objetivos e justose passveis de demonstrao.O uso de amostras decomportamento eficienteporque o tempo disponvelgeralmente limitado.

    Os testes, ao contrrio dosjogos mentais, existem por suautilidade; eles so ferramentas.

    No deve haver dvidas sobrequais so os resultados de umteste.

    Os padres usados para avaliaros resultados de um teste devemindicar o nico sentido dosmesmos.

    Caracterizam-se porplanejamento, uniformidadee meticulosidade.So pequenos subconjuntos deum todo muito maior.

    As amostras so selecionadaspor sua significnciapsicolgica empricaou prtica.

    Algum sistema numricoou categrico aplicadoaos resultados segundo regraspreestabelecidas.

    Deve haver uma forma deaplicar um critrio ou padrode comparao comum aosresultados.

    Elementos bsicos da definio de testes psicolgicos

    Elemento definidor Explicao Fundamento

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    O segundo sentido da padronizao diz respeito ao uso de padres para a

    avaliao dos resultados. Estes padres costumam ser normas derivadas de um

    grupo de indivduos conhecidos como amostra normativa ou de padronizao no processo de desenvolvimento do teste. O desempenho coletivo do grupo ou

    grupos de padronizao, tanto em termos de mdias quanto de variabilidade,

    tabulado e passa a ser o padro pelo qual o desempenho dos outros indivduos que

    se submeterem ao teste depois de sua padronizao ser medido.

    No esquea A palavra teste tem mltiplos sentidos. O termo teste psicolgico tem um sentido muito especfico. Neste livro, a palavra teste ser usada para se referir a todos os instrumentos que se encaixam

    na definio de teste psicolgico. Os testes que avaliam habilidades, conhecimentos ou qualquer outra funo cognitiva sero

    referidos como testes de habilidade, e todos os outros sero denominados testes de personalidade.

    Estritamente falando, o termo teste deveria ser usado apenas para aquelesprocedimentos nos quais as respostas do testando so avaliadas tendo por base sua

    correo ou qualidade. Tais instrumentos sempre envolvem a avaliao de algum

    aspecto do funcionamento cognitivo, conhecimento, habilidades ou capacidades

    de uma pessoa. Por outro lado, instrumentos cujas respostas no so avaliadas

    como certas ou erradas e cujos testandos no recebem escores de aprovao oureprovao so denominados inventrios, questionrios, levantamentos, listas de ve-rificao, esquemas ou tcnicas projetivas, e geralmente so agrupados sob a rubricade testes de personalidade. Estes so ferramentas delineadas para se obter informa-es a respeito das motivaes, preferncias, atitudes, interesses, opinies, consti-

    tuio emocional e reaes caractersticas de uma pessoa a outras pessoas, situa-

    es ou estmulos. Tipicamente, so compostos de perguntas de mltipla escolha

    ou verdadeiro-falso, exceto as tcnicas projetivas, que usam perguntas abertas.

    Tambm podem envolver escolhas foradas entre afirmaes que representam al-

    ternativas contrastantes, ou a determinao do grau em que o testando concorda

    ou discorda com vrias afirmaes. Na maior parte das vezes, os inventrios de

    personalidade, questionrios e outros instrumentos do gnero so de auto-relato,

    mas alguns tambm so delineados de modo a eliciar relatos de outros indivduos

    que no da pessoa que est sendo avaliada (por exemplo, um dos pais, o cnjuge

    ou professor). Por convenincia, e de acordo com o uso comum, neste livro o termo

    teste vai ser aplicado a todos os instrumentos, independentemente do tipo, que seencaixem na definio de teste psicolgico. Testes que avaliam conhecimentos,

    habilidades ou funes cognitivas sero designados como testes de habilidades, etodos os outros sero referidos como testes de personalidade.

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    Outros termos usados em relao a testes e ttulos de testes

    Alguns outros termos que so usados em relao a testes, s vezes de forma pouco

    precisa, justificam uma explicao. Um deles a palavra escala, que pode se referir a:

    um teste composto de vrias partes, como, por exemplo, a Escala de Inteli-gncia Stanford-Binet;

    um subteste, ou conjunto de itens dentro de um teste, que mede uma

    caracterstica distinta e especfica, como, por exemplo, a Escala de Depres-so do Inventrio Multifsico Minnesota de Personalidade (MMPI);

    um conjunto de subtestes que compartilham certas caractersticas, como,

    por exemplo, as Escalas Verbais dos testes de inteligncia Wechsler; um instrumento separado formado por itens que avaliam uma nica ca-

    racterstica, como, por exemplo, a Escala de Lcus de Controle Interno-Ex-terno (Rotter, 1966) ou

    sistema usado para classificar ou atribuir valor a alguma dimenso

    mensurvel, como, por exemplo, uma escala de 1 a 5 na qual 1 significadiscordo totalmente, e 5 significa concordo totalmente.

    Como se v, quando usado em referncia a testes psicolgicos, o termo escalatornou-se ambguo e pouco preciso. No entanto, no campo da mensurao psicol-

    gica tambm conhecido como psicometria escala tem um sentido mais preciso.Refere-se a um grupo de itens que diz respeito a uma nica varivel e so dispostos

    em ordem de dificuldade ou intensidade. O processo de se chegar ao seqenciamento

    dos itens denominado escalonamento (scaling).Bateria outro termo usado com freqncia nos ttulos de testes. Uma bateria

    um grupo de vrios testes ou subtestes que so aplicados de uma nica vez a uma

    nica pessoa. Quando diversos testes so reunidos por uma editora para serem

    utilizados para um fim especfico, a palavra bateria geralmente aparece no ttulo, eo grupo de testes visto como um nico instrumento. Diversos exemplos deste uso

    ocorrem em instrumentos neuropsicolgicos (como a Bateria NeuropsicolgicaHalstead-Reitan), nos quais muitas funes cognitivas precisam ser avaliadas pormeio de testes separados para detectar um possvel comprometimento cerebral. O

    termo bateria tambm usado para designar qualquer grupo de testes individuaisselecionados especificamente por um psiclogo, para uso com um determinado

    cliente, na tentativa de responder questo especfica que gerou seu encaminha-

    mento, geralmente de natureza diagnstica.

    OS TESTES PSICOLGICOS COMO FERRAMENTAS

    O fato mais bsico a respeito dos testes psicolgicos que eles so ferramentas.

    Isso significa que sempre so um meio para alcanar um fim, e nunca um fim em si

    mesmos. Como outras ferramentas, os testes psicolgicos podem ser extremamen-

    te teis e at mesmo insubstituveis quando usados de forma apropriada e hbil.

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    No entanto, tambm podem ser mal-aplicados, podendo limitar ou anular sua uti-

    lidade e, por vezes, at mesmo resultam em conseqncias prejudiciais.

    Uma boa maneira de ilustrar as semelhanas entre os testes e outras ferra-

    mentas mais simples a analogia entre um teste e um martelo. Ambos so ferra-

    mentas para fins especficos, mas podem ser usados de vrias formas. O martelo

    til basicamente para fixar pregos em superfcies variadas. Quando usado correta-

    mente para seu fim especfico, o martelo pode ajudar a construir uma casa, montar

    um mvel, pendurar quadros em uma galeria e fazer muitas outras coisas. Os tes-

    tes psicolgicos so ferramentas criadas para ajudar na obteno de inferncias a

    respeito de indivduos ou grupos, e, quando usados corretamente, podem ser

    componentes-chave na prtica e na cincia da psicologia.

    Assim como os martelos podem ser usados para fins positivos diferentes daqueles

    para os quais foram criados (por exemplo, como pesos de papel ou calos de porta),

    os testes psicolgicos tambm podem servir a outros fins alm daqueles para os quais

    foram originalmente criados, como aumentar o autoconhecimento e a autocom-

    preenso. Alm disso, assim como os martelos podem machucar pessoas e destruir

    coisas, quando usados com incompetncia ou maldade, os testes psicolgicos tambm

    podem ser usados de formas danosas. Quando seus resultados so mal-interpretados

    ou mal-utilizados, podem prejudicar pessoas, rotulando-as de maneira injustificada,

    negando-lhes oportunidades injustamente ou simplesmente desencorajando-as.

    Todas as ferramentas, sejam martelos ou testes, podem ser avaliadas segundo

    a qualidade de seu delineamento e construo. Quando examinados deste ponto

    de vista, antes de serem usados, os testes so avaliados somente em um sentido

    tcnico limitado, e sua avaliao de interesse principalmente para os usurios em

    potencial. Depois que so colocados em uso, no entanto, os testes no podem mais

    ser avaliados independentemente das habilidades de seus usurios, do modo como

    so usados e dos fins a que servem. Esta avaliao durante o uso muitas vezes

    envolve questes de direcionamento, valores sociais e at mesmo prioridades pol-

    ticas. neste contexto que a avaliao do uso de testes adquire significado prtico

    para uma gama mais ampla de pblicos.

    No esqueaOs testes psicolgicos so avaliados em dois momentos distintos e de duas formas diferentes:

    1. Quando esto sendo considerados como ferramentas em potencial por possveis usurios.Neste momento, suas qualidades tcnicas so a principal preocupao.

    2. Depois que so colocados em uso para um objetivo especfico. Neste momento, a habilidadedo usurio e o modo como os testes so usados so as principais consideraes.

    Padres de testagem

    Devido importncia singular dos testes para todos os profissionais que os utili-

    zam e para o pblico em geral desde meados dos anos de 1950, trs importantes

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    organizaes profissionais uniram foras para promulgar padres que ofeream

    uma base para a avaliao de testes, prticas de testagem e efeitos de seu uso. A

    verso mais recente so os Padres de testagem educacional e psicolgica (Standardsfor Educational and Psychological Testing), publicados em 1999 pela AssociaoAmericana de Pesquisa em Educao (AERA [American Educational ResearchAssociation]) e preparados conjuntamente pela AERA e pela Associao Americanade Psicologia (APA [American Psychological Association]) e pelo Conselho Nacionalde Mensuraes em Educao (NCME [National Council on Measurement inEducation]). Como indica o quadro Consulta Rpida 1.2, esses padres so citadosao longo de todo este livro e sero referidos daqui por diante como Padres de Testagem.

    OS TESTES PSICOLGICOS COMO PRODUTOS

    O segundo fato mais bsico a respeito dos testes psicolgicos que eles so produ-

    tos, mas a maioria das pessoas no atentam para isso. Os testes so produtos

    comercializados e usados primariamente por psiclogos e educadores profissio-

    nais, assim como as ferramentas da odontologia so comercializadas para dentis-

    tas. O pblico leigo no est ciente da natureza comercial dos testes psicolgicos

    porque eles so anunciados em publicaes e catlogos voltados para as categorias

    profissionais que os utilizam. No obstante, permanece o fato de que muitos, seno

    a maioria dos testes psicolgicos so concebidos, desenvolvidos, anunciados e ven-

    didos para fins aplicados no contexto da educao, administrao ou sade men-

    tal, e devem gerar lucros para as pessoas que os produzem como qualquer outro

    produto comercial.

    Como veremos, desde o incio o mercado dos testes psicolgicos foi impulsio-

    nado principalmente pela necessidade de se tomar decises prticas a respeito de

    pessoas. Uma vez que os testes so ferramentas profissionais que podem ser usadas

    para beneficiar pessoas e como produtos comerciais, alguns esclarecimentos sobreas vrias partes envolvidas no negcio da testagem e seus papis so justificados. O

    quadro Consulta Rpida 1.3 mostra uma lista dos principais participantes do pro-

    cesso de testagem e seus respectivos papis.

    Padres de Testagem

    Esta designao ser usada freqentemente ao longo deste livro em referncia aos Padresde testagem educacional e psicolgica, publicados conjuntamente em 1999 pela AssociaoAmericana de Pesquisa em Educao, Associao Americana de Psicologia e ConselhoNacional de Mensuraes em Educao.

    Os Padres de Testagem so a fonte mais importante de critrios para a avaliao de testes,prticas de testagem e efeitos do uso de testes.

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    Conforme estipulam os Padres de Testagem, os interesses das vrias partesenvolvidas no processo de testagem geralmente so congruentes, mas no sempre

    (AERA, APA, NCME, 1999, p.1). Por exemplo, os autores dos testes geralmente soacadmicos ou pesquisadores interessados na teorizao ou pesquisa psicolgica,

    mais do que nas aplicaes prticas ou lucros. Os usurios dos testes esto maisinteressados na adequao e utilidade dos materiais que usam para seus prprios

    fins, enquanto que as editoras esto naturalmente inclinadas a considerar maisimportante o lucro a ser obtido com a venda dos testes. Alm disso, os participantes

    do processo de testagem podem desempenhar um ou mais dos vrios papis descri-

    tos no quadro Consulta Rpida 1.3. Os usurios de testes podem administrar, ava-

    liar e interpretar os resultados dos testes que selecionaram ou podem delegar uma

    ou mais dessas funes a outros sob sua superviso. Da mesma forma, as editoras

    podem contratar criadores de testes que criem instrumentos para os quais acredi-

    tam que exista mercado. No obstante, de todos os participantes do processo de

    testagem, os Padres de Testagem atribuem a responsabilidade ltima pelo uso einterpretao apropriados dos testes predominantemente ao seu usurio (p.112).

    Os participantes do processo de testagem e seus papis

    Participantes Seus papis no processo de testagem

    Autores e Concebem, preparam e criam os testes. Tambm encontramcriadores formas de divulgar seu trabalho publicando os testes comercialmente ou

    por meio de publicaes profissionais como livros e peridicos.

    Editoras Publicam, anunciam e vendem os testes, controlando sua distribuio.

    Revisores Preparam crticas e avaliaes dos testes baseados em seus mritos tcnicose prticos.

    Usurios Selecionam ou decidem usar um teste especfico para algum objetivo.Tambm podem desempenhar outros papis, como, por exemplo,examinadores ou avaliadores.

    Examinadores Administram o teste individualmente ou em grupo.ou administradores

    Testandos Submetem-se ao teste por escolha ou necessidade.

    Avaliadores Computam as respostas do testando e as transformam em escores de testepor meios objetivos ou mecnicos ou aplicao de julgamentos de avaliao.

    Intrpretes de Interpretam os resultados dos testes para seus consumidores finais, queresultados podem ser testandos individuais ou seus parentes, outros profissionais ou

    organizaes de vrios tipos.

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    HISTRICO DA TESTAGEM PSICOLGICA

    Muito embora os testes psicolgicos possam ser usados para explorar e investigar

    uma ampla gama de variveis, seu uso mais bsico e tpico como ferramenta na

    tomada de decises que envolvem pessoas. No coincidncia que os testes psicol-

    gicos como os conhecemos hoje tenham surgido no incio do sculo XX. Antes do

    estabelecimento de sociedades urbanas, industriais e democrticas havia pouca

    necessidade de que a maioria das pessoas tomasse decises a respeito de outras,

    alm daquelas de sua famlia imediata ou do crculo prximo de conhecidos. Nas

    sociedades rurais, agrrias e autocrticas, as principais decises sobre a vida dos

    indivduos eram tomadas em grande parte por pais, mentores, governantes e, acima

    de tudo, segundo o gnero, a classe, o local e as circunstncias nas quais as pessoas

    nasciam. Mesmo assim, muito antes do sculo XX j existiam diversos precursores

    interessantes da moderna testagem psicolgica em vrias culturas e contextos.

    Antecedentes da testagem moderna no campo ocupacional

    Um problema perene em qualquer campo de trabalho a questo de como selecio-

    nar os melhores candidatos possveis para um determinado emprego. Os precursores

    mais antigos da testagem psicolgica so encontrados precisamente nesta rea, no

    sistema de exames competitivos desenvolvido pelo antigo imprio chins para selecio-

    nar indivduos merecedores de posies governamentais. Este precursor dos moder-

    nos procedimentos de seleo de pessoal remonta aproximadamente ao ano 200 a.C.

    e passou por diversas transformaes ao longo de sua histria (Bowman, 1989). Os

    concursos para o servio pblico chins envolviam demonstraes de proficincia

    em msica, uso do arco e habilidades de montaria, entre outras coisas, bem como

    exames escritos sobre temas como leis, agricultura e geografia. Aparentemente, o

    mpeto para o desenvolvimento deste sistema sofisticado de utilizao de recursos

    humanos aberto a qualquer indivduo que fosse recomendado ao imperador por

    autoridades locais de todo o imprio era o fato de que a China no tinha o tipo de

    classe dominante hereditria que era comum na Europa at o sculo XX. O sistema

    de concursos da China imperial foi abolido em 1905 e substitudo por selees baseadas

    em estudos universitrios, mas serviu como inspirao para as selees ao servio

    pblico desenvolvidas na Inglaterra na dcada de 1850, as quais, por sua vez, esti-

    mularam a criao do Concurso Nacional para o Servio Pblico dos Estados Unidos

    (U.S. Civil Service Examination) na dcada de 1860 (DuBois,1970).

    Antecedentes da testagem moderna no campo da educao

    Uma das questes mais bsicas em qualquer contexto educacional como determi-

    nar se os estudantes adquiriram o conhecimento ou as habilidades que seus profes-

    sores tentaram lhes transmitir. Por isso, no surpreende que o primeiro uso da

    testagem no campo da educao tenha ocorrido na Idade Mdia, com o surgimento

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  • Fundamentos da testagem psicolgica 19

    das primeiras universidades europias no sculo XIII. Por volta desta poca, o grau

    universitrio passou a ser usado como forma de certificar a qualificao para ensi-

    nar, e exames orais formais comearam a ser aplicados para dar aos candidatos a

    um diploma a oportunidade de demonstrar sua competncia (DuBois, 1970). Pou-

    co a pouco, o uso de exames se disseminou para o nvel mdio da educao e,

    medida que o papel se tornou mais barato e disponvel, provas escritas substitu-

    ram os exames orais na maioria dos contextos educacionais. Ao final do sculo XIX,

    tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, estas provas j estavam bem-estabele-

    cidas como mtodo para determinar quem deveria receber um diploma universitrio

    e quem estava capacitado a exercer profisses liberais como medicina ou direito.

    Antecedentes da testagem moderna na psicologia clnica

    Outra questo humana fundamental que pde ser e foi contemplada com a testagem

    psicolgica constituiu-se no problema de diferenciar o normal do anormal nas

    reas intelectual, emocional e comportamental. No entanto, em contraste com o

    contexto ocupacional ou educacional, em que as bases sobre as quais as decises

    so tomadas tradicionalmente foram bastante claras, o campo da psicopatologia

    continuou envolto em mistrio e misticismo por um perodo muito mais longo.

    Diversos antecedentes dos testes psicolgicos se originaram no campo da psi-

    quiatria (Bondy, 1974). Muitos destes primeiros testes foram desenvolvidos na Ale-

    manha na segunda metade do sculo XIX, embora alguns deles datem do incio

    daquele sculo e tenham sido elaborados na Frana. Quase invariavelmente, esses

    instrumentos foram criados com o fim expresso de avaliar o nvel de funcionamen-

    to cognitivo de pacientes com vrios tipos de transtornos, como retardo mental ou

    danos cerebrais. Entre as amostras de comportamento usadas nestes primeiros tes-

    tes havia questes a respeito do sentido de provrbios e diferenas e semelhanas

    entre pares de palavras, bem como tarefas de memria como a repetio de sries

    de dgitos apresentadas oralmente. Muitas tcnicas desenvolvidas no sculo XIX

    eram engenhosas, tendo sobrevivido e sido incorporadas em testes modernos que

    ainda esto em uso (ver McReynolds, 1986).

    A despeito de sua engenhosidade, os criadores dos primeiros precursores dos

    testes clnicos eram prejudicados por pelo menos dois fatores. Um deles era a es-

    cassez de conhecimentos e a abundncia de supersties e concepes equivoca-

    das relacionada psicopatologia. Neste aspecto, por exemplo, a distino entre

    psicose e retardo mental no foi formulada claramente at 1838, quando o psiquiatra

    francs Esquirol sugeriu que a capacidade de usar a linguagem o critrio mais

    confivel para estabelecer o nvel de funcionamento mental de uma pessoa. Um

    segundo fator que impediu a disseminao ampla do uso dos primeiros testes psi-

    quitricos era sua falta de padronizao em termos de procedimentos e de um

    referencial uniforme com o qual interpretar os resultados. Em grande parte, as

    tcnicas desenvolvidas por neurologistas e psiquiatras do sculo XIX como Guislain,

    Snell, von Grashey, Rieger e outros foram criadas com o objetivo de examinar um

    paciente ou uma populao de pacientes especficos. As amostras de comporta-

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  • 20 Susana Urbina

    mento eram coletadas de forma no-sistemtica e interpretadas pelos clnicos a

    partir do seu julgamento profissional, e no em referncia a dados normativos

    (Bondy, 1974).

    Um avano significativo foi obtido na psiquiatria durante a dcada de 1890,

    quando Emil Kraepelin dedicou-se a classificar os transtornos mentais segundo suas

    causas, sintomas e cursos. Kraepelin queria aplicar o mtodo cientfico psiquia-

    tria, e sua contribuio foi vital para delinear os quadros clnicos da esquizofrenia

    e do transtorno bipolar, os quais, na poca, eram conhecidos respectivamente como

    dementia praecox e psicose manaco-depressiva. Ele props um sistema para com-parar indivduos sos e afetados a partir de caractersticas como distratibilidade,

    sensibilidade e capacidade de memria, e foi o pioneiro no uso da tcnica da asso-

    ciao livre com pacientes psiquitricos. Embora alguns alunos de Kraepelin te-

    nham criado uma bateria de testes e continuado a se dedicar aos objetivos do

    mestre, os resultados de seu trabalho no foram to frutferos quanto eles espera-

    vam (DuBois, 1970).

    Antecedentes da testagem moderna na psicologia cientfica

    As investigaes dos psicofsicos alemes Weber e Fechner em meados do sculo

    XIX iniciaram uma srie de avanos que culminaram na criao, por Wilhelm Wundt

    em 1879, do primeiro laboratrio dedicado pesquisa de natureza puramente psi-

    colgica, em Leipzig. Este evento considerado por muitos o incio da psicologia

    como disciplina formal, distinta da filosofia. Com o surgimento da nova disciplina

    da psicologia experimental, tambm surgiu muito interesse no desenvolvimento de

    aparatos e procedimentos padronizados para mapear a gama das capacidades hu-

    manas no campo da sensao e da percepo. Os primeiros psiclogos experimen-

    tais estavam interessados em descobrir as leis gerais que governavam as relaes

    entre os mundos fsico e psicolgico. Eles tinham pouco ou nenhum interesse nas

    diferenas individuais o principal item de interesse na psicologia diferencial e na

    testagem psicolgica as quais, na verdade, tendiam a ver como fonte de erros.

    No obstante, sua nfase na necessidade de preciso das mensuraes e de condi-

    es padronizadas de laboratrio provaria ser uma contribuio importante para o

    campo incipiente da testagem psicolgica.

    O laboratrio de Wundt na Alemanha floresceu nas ltimas dcadas do scu-

    lo XIX e treinou muitos psiclogos dos Estados Unidos e de outros pases, que

    voltaram para seus locais de origem para estabelecer laboratrios semelhantes. Por

    volta da mesma poca, um ingls chamado Francis Galton interessou-se pela

    mensurao das funes psicolgicas a partir de uma perspectiva inteiramente dife-

    rente. Galton era um homem de grande curiosidade intelectual e muitas realizaes,

    cuja posio social e financeira privilegiada lhe permitia dedicar-se a uma ampla

    gama de interesses. Tambm era primo e grande admirador de Charles Darwin,

    cuja teoria da evoluo das espcies por meio da seleo natural tinha revolucionado

    as cincias da vida em meados do sculo XIX. Aps ler o tratado de seu primo sobre

    a origem das espcies, Galton decidiu investigar a noo de que os dons intelectuais

    tendem a se transmitir de uma gerao outra. Para este fim, montou um laborat-

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0220

  • Fundamentos da testagem psicolgica 21

    rio antropomtrico em Londres, no qual por vrios anos coletou dados sobre uma

    srie de caractersticas fsicas e psicolgicas como envergadura dos braos, altura,

    peso, capacidade vital, fora e acuidade sensorial de vrios tipos de milhares de

    indivduos e famlias. Galton estava convencido de que a capacidade intelectual

    uma funo da agudeza de sentidos de cada pessoa para perceber e discriminar

    estmulos, que, por sua vez, seria de natureza hereditria. Por meio da acumulao

    e tabulao cruzada de seus dados antropomtricos, Galton pretendia estabelecer

    tanto a gama de variao destas caractersticas como suas inter-relaes e concor-

    dncia entre indivduos com diferentes graus de laos familiares (Fancher, 1996).

    Galton no teve sucesso em seu objetivo final, que era promover a eugenia,um campo de estudos que ele criara com o objetivo de melhorar a raa humana por

    meio da reproduo seletiva de seus espcimes mais aptos. Com este fim em men-

    te, ele queria descobrir uma forma de avaliar a capacidade intelectual de crianas

    e adolescentes atravs de testes, para identificar desde cedo os indivduos melhor

    dotados e encoraj-los a gerar muitos filhos. Mesmo assim, o trabalho de Galton foi

    continuado e consideravelmente ampliado nos Estados Unidos por James McKeen

    Cattell, que tambm tentou sem sucesso ligar vrias medidas de poder discriminativo,

    perceptivo e associativo (que ele denominava testes mentais) a estimativas inde-

    pendentes de nvel intelectual, como notas escolares.

    luz de alguns eventos do sculo XX, como os ocorridos na Alemanha nazis-

    ta, os propsitos de Galton parecem ser moralmente ofensivos para a maioria das

    sensibilidades contemporneas. No entanto, na poca em que ele cunhou o termo

    eugenia e anunciou seus objetivos, o potencial genocida de sua iniciativa no foipercebido de modo geral, e muitos indivduos ilustres do perodo tornaram-se

    eugenistas entusiasmados. No processo de seus estudos, por mais equivocados que

    nos paream hoje, Galton conseguiu fazer contribuies significativas para o cam-

    po da estatstica e da mensurao psicolgica. Ao tabular dados comparando pais e

    filhos, por exemplo, ele descobriu os fenmenos da regresso e da correlao, que

    forneceram a base para muitas pesquisas psicolgicas e anlises de dados posterio-

    res. Ele tambm inventou dispositivos para a mensurao da acuidade auditiva e

    discriminao de peso, e foi pioneiro no uso de questionrios e da associao de

    palavras na pesquisa psicolgica. Como se estas realizaes no fossem suficientes,

    Galton tambm foi o primeiro a utilizar o mtodo de estudo com gmeos que,

    depois de aperfeioado, viria a se tornar uma ferramenta de pesquisa primria em

    gentica comportamental.

    Uma contribuio adicional ao campo nascente da testagem psicolgica ao

    final do sculo XIX merece meno especial por que viria a conduzir diretamente

    ao primeiro instrumento bem-sucedido da moderna era da testagem. Enquanto

    estudava os efeitos da fadiga na capacidade mental das crianas, o psiclogo alemo

    Hermann Ebbinghaus mais conhecido por suas pesquisas inovadoras no campo

    da memria elaborou uma tcnica conhecida como Teste de Complementao de

    Ebbinghaus, no qual as crianas deviam preencher lacunas em passagens de textos

    de onde palavras ou fragmentos de palavras haviam sido omitidos. A importncia

    deste mtodo, que mais tarde seria adaptado para uma variedade de diferentes

    propsitos, dupla. Primeiro, como era aplicado a classes inteiras de crianas si-

    multaneamente, o instrumento prenunciou o desenvolvimento dos testes em gru-

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0221

  • 22 Susana Urbina

    po. O mais importante, no entanto, que provou ser um termmetro eficiente da

    capacidade intelectual, pois os escores dele derivados correspondiam bem capa-

    cidade mental dos alunos determinada por suas notas em aula. Como resultado

    disto, Alfred Binet foi inspirado a usar a tcnica do completamento e outras tarefas

    mentais complexas para desenvolver a escala que se tornaria o primeiro teste de

    inteligncia bem-sucedido (DuBois, 1970).

    O surgimento da moderna testagem psicolgica

    No incio do sculo XX, todos os elementos necessrios para o surgimento dos

    primeiros testes psicolgicos verdadeiramente modernos e bem-sucedidos estavam

    presentes:

    Os testes laboratoriais e ferramentas geradas pelos primeiros psiclogos

    experimentais na Alemanha.

    Os instrumentos de mensurao e tcnicas estatsticas desenvolvidos por

    Galton e seus alunos para coleta e anlise de dados sobre diferenas indi-

    viduais.

    A acumulao de achados significativos nas cincias da psicologia, psiquia-

    tria e neurologia.

    Todos estes avanos proporcionaram as bases para o surgimento da testagem

    moderna, mas seu mpeto veio da necessidade prtica de se tomar decises de

    cunho educacional.

    Em 1904, o psiclogo francs Alfred Binet foi indicado para uma comisso

    encarregada de criar um mtodo para avaliar crianas que, devido ao retardo men-

    tal ou outros atrasos no desenvolvimento, no conseguiam se beneficiar das classes

    regulares do sistema educacional pblico e necessitavam de educao especial.

    Binet estava particularmente bem preparado para esta tarefa, pois vinha h muito

    investigando as diferenas individuais por meio de uma variedade de mensuraes

    fsicas e fisiolgicas, bem como por testes de processos mentais mais complexos,

    como memria e compreenso verbal. Em 1905, Binet e seu colaborador Theodore

    Simon publicaram o primeiro instrumento til para a mensurao da capacidade

    cognitiva geral, ou inteligncia global. A escala Binet-Simon de 1905, como passou

    a ser conhecida, era uma srie de 30 testes ou tarefas de contedo e dificuldade

    variados com o objetivo principal de avaliar o julgamento e a capacidade de racio-

    cnio independentemente da aprendizagem escolar. Inclua perguntas ligadas a

    vocabulrio, compreenso, diferenas entre pares de conceitos, etc., bem como

    tarefas que englobavam repetir sries de nmeros, seguir instrues, completar

    passagens fragmentadas de texto e desenhar.

    A escala Binet-Simon teve sucesso porque combinava caractersticas dos pri-

    meiros instrumentos de uma forma nova e sistemtica, sendo mais abrangente do

    que os anteriores, dedicados avaliao de habilidades mais limitadas. Na verda-

    de, era uma pequena bateria de testes cuidadosamente selecionados, dispostos em

    ordem de dificuldade e acompanhados por instrues precisas para sua adminis-

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0222

  • Fundamentos da testagem psicolgica 23

    trao e interpretao. Binet e Simon administraram a escala a 50 crianas nor-

    mais entre 3 e 11 anos, bem como a crianas com vrios graus de retardo mental.

    Os resultados destes estudos provaram que a dupla havia criado um procedimento

    de amostragem do funcionamento cognitivo atravs do qual o nvel geral de capa-

    cidade intelectual de uma criana poderia ser descrito quantitativamente, em ter-

    mos da faixa etria qual seu desempenho na escala correspondia. A necessidade

    de tal ferramenta era to aguda que a escala de 1905 foi rapidamente traduzida

    para outras lnguas e adaptada para uso fora da Frana.

    O nascimento do QI

    O prprio Binet revisou, ampliou e aperfeioou sua primeira escala em 1908 e

    1911. O clculo do escore evoluiu para um sistema no qual o crdito referente aos

    itens corretos era apresentado em termos de anos e meses, de tal modo que o nvelmental atingido representasse a qualidade do desempenho. Em 1911, um psiclo-go alemo chamado William Stern props que o nvel mental obtido na escala

    Binet-Simon, rebatizado de escore de idade mental, fosse dividido pela idade crono-lgica do sujeito para se obter um quociente mental que representaria de forma

    mais precisa a capacidade em diferentes idades. Para eliminar a casa decimal, o

    quociente mental era multiplicado por 100, e logo se tornou conhecido como quo-ciente de inteligncia, ou QI. Este escore agora to familiar, o QI-razo, foi populari-zado atravs do seu uso na reviso mais famosa das escalas Binet-Simon a Escala

    de Inteligncia Stanford-Binet publicada em 1916 por Lewis Terman. Apesar dos

    diversos problemas do QI-razo, seu uso iria continuar por vrias dcadas, at que

    uma forma melhor de integrar a idade na pontuao dos testes de inteligncia

    (descrita no Captulo 3) fosse desenvolvida por David Wechsler (Kaufman, 2000;

    Wechsler, 1939). A idia bsica de Binet qual seja, que estar na mdia, abaixo da

    mdia ou acima da mdia em termos de inteligncia significa que um indivduo

    tem um desempenho acima, abaixo ou correspondente ao nvel tpico de sua faixa

    etria nos testes de inteligncia sobreviveu e tornou-se uma das formas primrias

    de avaliao da inteligncia.

    Enquanto Binet desenvolvia suas escalas na Frana, na Inglaterra, Charles

    Spearman (ex-aluno de Wundt e seguidor de Galton) vinha tentando provar

    empiricamente a hiptese de Galton a respeito da ligao entre inteligncia e

    acuidade sensorial. Neste processo, ele havia desenvolvido e ampliado o uso dos

    mtodos de correlao propostos por Galton e Karl Pearson e elaborado as bases

    conceituais da anlise fatorial, uma tcnica para reduzir um grande nmero devariveis a um conjunto menor de fatores que se tornaria central para o avano da

    testagem e da teoria dos traos.

    Spearman tambm criou uma teoria da inteligncia que enfatizava um fator

    geral de inteligncia (ou g) presente em todas as atividades intelectuais (Spearman,1904a, 1904b). Ele havia obtido um respaldo moderado para as idias de Galton

    ao correlacionar as notas e avaliaes feitas por professores com medidas de

    acuidade sensorial, mas logo percebeu que as tarefas propostas na escala Binet-

    Simon ofereciam uma forma muito mais til e confivel de avaliar a inteligncia

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0223

  • 24 Susana Urbina

    do que as ferramentas que vinha usando. Muito embora Spearman e Binet dife-

    rissem muito na forma de ver a natureza da inteligncia, suas contribuies com-

    binadas so insuperveis como motores do desenvolvimento da testagem psicol-

    gica no sculo XX.

    A testagem em grupo

    Quando Binet morreu em 1911, j tinha considerado a possibilidade de adaptar

    sua escala a outros usos e de desenvolver testes que pudessem ser administrados

    por um nico examinador a grupos grandes, para uso nas Foras Armadas e outros

    contextos. A concretizao desta idia, no entanto, no aconteceria na Frana, mas

    nos Estados Unidos, onde a escala Binet-Simon havia sido rapidamente traduzida e

    revisada para uso primordial com crianas em idade escolar, para os mesmos obje-

    tivos para os quais fora desenvolvida na Frana.

    Com a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial em 1917, o

    presidente da APA, Robert Yerkes, organizou uma comisso de psiclogos para

    ajudar no esforo de guerra. Foi decidido que a contribuio mais prtica seria

    desenvolver um teste grupal de inteligncia que pudesse ser eficientemente admi-

    nistrado a todos os recrutas do exrcito dos Estados Unidos, para ajudar na alocao

    de pessoal. A comisso, formada pelos principais especialistas em testes da poca,

    incluindo Lewis Terman, apressadamente montou e testou um instrumento que

    veio a ser conhecido como Army Alpha, que consistia em oito subtestes que me-diam capacidades verbais, numricas e de raciocnio, bem como julgamento prti-

    co e informaes gerais. O teste, que seria administrado a mais de um milho de

    recrutas, fazia uso de materiais de vrios outros instrumentos, incluindo as escalas

    Binet. Para constru-lo, a comisso se baseou principalmente em um prottipo de

    teste grupal indito desenvolvido por Arthur Otis, que tinha criado itens de mlti-

    pla escolha que podiam ser pontuados objetiva e rapidamente.

    O Army Alpha provou-se extremamente til, e foi seguido rapidamente peloArmy Beta, um teste supostamente equivalente, mas que no demandava leitura, epor isso podia ser usado com recrutas analfabetos ou que no falassem ingls.

    Infelizmente, a pressa com que esses testes foram desenvolvidos e colocados em

    uso resultou em uma srie de prticas de testagem imprprias. Alm disso, conclu-

    ses injustificadas foram feitas a partir de quantidades macias de dados que se

    acumularam rapidamente (Fancher, 1985). Algumas conseqncias negativas do

    modo como o programa de testagem militar e outros esforos de testagem em

    massa daquela poca foram implementados prejudicaram quase irreversivelmente

    a reputao da testagem psicolgica. Mesmo assim, por meio dos erros cometidos

    no incio da histria da testagem moderna, houve um grande aprendizado que

    mais tarde serviu para a correo e o aperfeioamento das prticas na rea. Alm

    disso, com os testes militares, a psicologia saiu decisivamente dos laboratrios e da

    academia e demonstrou seu enorme potencial de aplicao no mundo real.

    Aps a Primeira Guerra Mundial, a testagem psicolgica se fortaleceu nos

    Estados Unidos. Otis publicou sua Escala Grupal de Inteligncia (Group IntelligenceScale), o teste que tinha servido como modelo para o Army Alpha em 1918. E. L.

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0224

  • Fundamentos da testagem psicolgica 25

    Thorndike, outro importante pioneiro americano que trabalhava no Teachers College

    de Columbia, produziu um teste de inteligncia para formandos do ensino mdio,

    padronizado com uma amostra mais seleta (calouros de universidade) em 1919.

    Da em diante, o nmero de testes publicados cresceu rapidamente, e os proce-

    dimentos de administrao e pontuao de testes tambm foram logo aperfeioados.

    Por exemplo, itens de teste de diferentes tipos comearam a ser apresentados em

    ordem mista, e no mais em subtestes separados, para que um limite total de tempo

    pudesse ser determinado, eliminando-se a necessidade da cronometragem de cada

    subteste. Questes de padronizao, como a eliminao de palavras que pudessem

    ser lidas com diferentes pronncias em testes de ortografia, passaram a receber

    ateno, assim como a confiabilidade dos testes um termo que, naquela poca,englobava o que atualmente se entende por fidedignidade e validade (DuBois, 1970).

    OUTROS AVANOS NA TESTAGEM PSICOLGICA

    Os xitos alcanados com os testes militares e as escalas Binet provaram seu valor

    nos processos de tomada de deciso envolvendo pessoas. Isto rapidamente levou a

    esforos para a criao de instrumentos para auxiliar em diferentes tipos de deci-

    ses. Naturalmente, os locais onde os antecedentes dos testes psicolgicos tinham

    surgido escolas, clnicas e laboratrios de psicologia tambm foram o bero das

    novas formas e tipos dos modernos testes psicolgicos.

    Uma reviso completa do histrico da testagem na primeira metade do sculo

    XX est alm do mbito deste trabalho. No obstante, um rpido resumo dos avan-

    os mais importantes instrutivo tanto por si s quanto para ilustrar a diversidade

    do campo, mesmo em sua fase inicial.

    A testagem padronizada no contexto educacional

    medida que aumentava o nmero de pessoas desfrutando de oportunidades edu-

    cacionais em todos os nveis, o mesmo ocorreu com a necessidade de mensuraes

    justas, equnimes e uniformes com as quais avaliar os alunos nos estgios iniciais,

    intermedirios e finais do processo educacional. Os dois principais avanos na

    testagem educacional padronizada no incio do sculo XX so apresentados nos

    pargrafos a seguir.

    Testes padronizados de realizao acadmica

    Elaboradas inicialmente por E.L. Thorndike, estas mensuraes vinham sendo de-

    senvolvidas desde a dcada de 1880, quando Joseph Rice comeou a estudar a

    eficincia do aprendizado nas escolas. A escala de caligrafia de Thorndike, publicada

    em 1910, inaugurou uma nova modalidade de testagem ao criar uma srie de esp-

    cimes de caligrafia, variando de muito ruim a excelente, em relao s quais o

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0225

  • 26 Susana Urbina

    desempenho dos sujeitos podia ser comparado. Logo depois viriam testes padroni-

    zados com o objetivo de avaliar habilidades de aritmtica, leitura e ortografia, at

    que as mensuraes destes e outros aspectos se tornassem banais no ensino funda-

    mental e mdio. Hoje em dia, os testes padronizados de realizao so usados no

    apenas no contexto educacional, mas tambm no licenciamento e certificao ao

    final da formao profissional e em outras situaes, incluindo seleo de pessoal,

    que requerem a avaliao das capacidades em um dado campo de conhecimento.

    Testes de aptido escolar

    Nos anos de 1920, exames objetivos inspirados no teste Army Alpha comearam aser usados, em conjunto com as notas do ensino mdio, para fins de admisso em

    faculdades e universidades. Este importante avano, que culminou na criao do

    Teste de Aptido Escolar (SAT, School Aptitude Test) em 1926, prenunciou a chega-da de muitos outros instrumentos que so usados para selecionar candidatos para

    cursos de ps-graduao e formao profissional. Entre os exemplos mais conheci-

    dos desse tipo de teste esto o Graduate Record Exam (GRE), o Medical CollegeAdmission Test (MCAT) e o Law School Admission Test (LSAT), usados por progra-mas de doutorado, escolas mdicas e escolas de direito, respectivamente. Embora

    todos estes testes contenham partes dedicadas ao seu campo de estudos especfico,

    eles tm em comum a nfase nas habilidades verbais, quantitativas e de raciocnio

    necessrias para o sucesso na maioria das iniciativas acadmicas. interessante

    notar que, embora seu objetivo seja diferente daquele dos testes padronizados de

    realizao, seu contedo muitas vezes semelhante. As informaes contidas em

    Consulta Rpida 1.4 apresentam um relato fascinante do histrico da testagem

    para admisso na educao superior nos Estados Unidos.

    CO

    NS

    UL

    TA

    R

    P

    ID

    A 1

    .4

    O grande teste

    O livro de Nicholas Lemann O grande teste: A histria secreta da meritocracia americana (1999)usa os programas de testagem para admisso universitria, especialmente o SAT, para ilustrar asconseqncias intencionais ou no que estes programas podem ter para a sociedade. O uso emlarga escala de escores de testes padronizados para decidir sobre as admisses nas principaisinstituies de ensino superior foi proposto pela primeira vez por James Bryant Conant, reitor daUniversidade de Harvard, e Henry Chauncey, primeiro presidente do Servio de Testagem Educacio-nal (ETS, Educational Testing Service), nos anos de 1940 e 1950. Seu objetivo era mudar o modo deacesso a essas instituies e s posies de poder geralmente ocupadas pelos seus alunos , deum sistema baseado na riqueza e classe social para um processo baseado principalmente nahabilidade demonstrada por meio dos escores nos testes. Leman argumenta que, embora este usoda testagem tenha aberto as portas do ensino superior aos filhos das classes mdia e baixa, eletambm gerou uma nova elite meritocrtica que se perpetua por geraes e em grande parte excluios filhos das minorias raciais empobrecidas, que carecem das oportunidades educacionais precocesnecessrias para o sucesso nos testes.

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0226

  • Fundamentos da testagem psicolgica 27

    Testagem de pessoal e orientao vocacional

    A utilizao tima dos talentos de cada pessoa uma das principais metas da so-

    ciedade para a qual a testagem psicolgica foi capaz de contribuir de um modo

    importante quase desde seu incio. Decises relativas escolha vocacional preci-

    sam ser feitas em diferentes momentos da vida, geralmente durante a adolescncia

    e o incio da vida adulta, mas tambm cada vez mais na meia-idade, e as decises

    quanto seleo e colocao de pessoal nas empresas, indstrias e organizaes

    militares precisam ser feitas de forma contnua. Alguns dos principais instrumentos

    que provaram ser particularmente teis para este tipo de decises so descritos nas

    sees a seguir.

    Testes de aptido e habilidades especiais

    O sucesso do Army Alpha estimulou o interesse no desenvolvimento de testes como objetivo de selecionar trabalhadores para diferentes ocupaes. Ao mesmo tem-

    po, profissionais da rea da psicologia aplicada vinham desenvolvendo e empre-

    gando um conjunto bsico de procedimentos que pudesse justificar o uso de testes

    na seleo ocupacional. Basicamente, os procedimentos envolviam:

    a) identificar as habilidades necessrias para um determinado papel ocupa-cional por meio de uma anlise do trabalho;

    b) administrar testes elaborados para avaliar a aptido;c) correlacionar os resultados dos testes e mensuraes do desempenho no

    trabalho.

    Usando variaes desse procedimento, a partir da dcada de 1920 os psiclo-

    gos foram capazes de desenvolver instrumentos para selecionar estagirios em cam-

    pos to diversos quanto o trabalho mecnico e a msica. Teste de habilidades espa-

    ciais, motoras e organizacionais logo se seguiram. O campo da seleo de pessoal

    na indstria e nas Foras Armadas se desenvolveu em torno desses instrumentos,

    juntamente com o uso de amostras de tarefas, dados biogrficos e testes gerais de

    inteligncia, individuais e grupais. Muitos destes instrumentos tambm foram usa-

    dos com xito para identificar os talentos de jovens em busca de orientao

    vocacional.

    Baterias de aptides mltiplas

    Na dcada de 1940, o uso de testes de habilidades separadas no aconselhamento

    vocacional seria substitudo, em grande parte, por baterias de aptides mltiplas,

    desenvolvidas por meio das tcnicas de anlise fatorial propostas por Spearman e

    aperfeioadas na Inglaterra e nos Estados Unidos ao longo dos anos de 1920 e

    1930. Estas baterias so grupos de testes unidos por um formato e uma base de

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0227

  • 28 Susana Urbina

    pontuao comuns, que tipicamente definem um perfil dos pontos fortes e fracos

    do indivduo, oferecendo escores separados em vrios fatores como raciocnio ver-

    bal, numrico, espacial e lgico e habilidades mecnicas, em vez de um nico esco-

    re global como os produzidos pelos testes de QI Binet e do exrcito. As baterias de

    aptides mltiplas foram criadas depois que as anlises fatoriais dos dados de tes-

    tes de habilidade deixaram claro que a inteligncia no um conceito unitrio, e

    que as habilidades humanas englobam uma ampla gama de componentes ou fato-

    res separados e relativamente independentes.

    Mensurao de interesses

    Assim como os testes de aptides e habilidades especiais surgiram na indstria e

    depois encontraram uso no aconselhamento vocacional, as mensuraes de inte-

    resses foram criadas para fins de orientao vocacional e, mais tarde, foram empre-

    gadas na seleo de pessoal. Em 1914, Truman L. Kelley produziu um Teste de

    Interesse simples, possivelmente o primeiro inventrio de interesses criado, com

    itens relativos a preferncias em materiais de leitura e atividades de lazer, bem

    como alguns que envolviam conhecimento de palavras e informaes gerais. No

    entanto, a revoluo nesta rea particular da testagem aconteceu em 1924, quando

    M. J. Ream elaborou uma chave emprica que diferenciava as respostas de vende-

    dores bem-sucedidos e malsucedidos no Inventrio de Interesses Carnegie, desen-

    volvido por Yoakum e seus alunos no Instituto de Tecnologia Carnegie em 1921

    (DuBois, 1970). Este evento marcou o incio de uma tcnica conhecida como chaveemprica de critrio, que, aps aperfeioamentos como procedimentos de validaocruzada e extenses para outras ocupaes, seria usada no Strong Vocational InterestBlank (SVIB), publicado pela primeira vez em 1927, e em outros tipos de invent-rios. A verso atual do SVIB denominada Inventrio de Interesses Strong (SII,

    Strong Interest Inventory) um dos inventrios de interesses mais usados nomundo e foi seguida de um grande nmero de instrumentos deste tipo.

    Testagem clnica

    No incio do sculo XX, o campo da psiquiatria tinha adotado formas mais sistem-

    ticas de classificar e estudar a psicopatologia. Estes avanos forneceram mpeto

    para o desenvolvimento de instrumentos que ajudassem a diagnosticar problemas

    psiquitricos. Os principais exemplos deste tipo de ferramentas so discutidos aqui.

    Inventrios de personalidade

    O primeiro dispositivo deste tipo foi a Lista de Dados Pessoais Woodsworth (P-D

    Sheet, Woodsworth Personal Data Sheet), um questionrio desenvolvido durante aPrimeira Guerra Mundial para fazer a triagem de recrutas que pudessem sofrer de

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0228

  • Fundamentos da testagem psicolgica 29

    doenas mentais. Consistia em 116 afirmaes a respeito de sentimentos, atitudes

    e comportamentos obviamente indicativos de psicopatologia, s quais o testando

    respondia simplesmente sim ou no. Embora demonstrasse algum potencial, a guerra

    terminou antes que este instrumento fosse colocado em uso operacional. Depois da

    guerra, houve um perodo de experimentao com outros itens menos bvios e

    escalas delineadas para acessar neuroticismo, traos de personalidade como

    introverso e extroverso e valores. Tambm foram institudas inovaes na apre-

    sentao dos itens com o objetivo de reduzir a influncia da desejabilidade social,

    como a tcnica de escolha forada introduzida no Estudo de Valores Allport-Vernon

    em 1931. No entanto, o inventrio de personalidade mais bem sucedido daquela

    poca, e que sobrevive at hoje, foi o Inventrio Multifsico Minnesota da Persona-

    lidade (MMPI; Hathaway e McKinley, 1940). O MMPI combinava itens da P-D Sheete outros inventrios, mas usava a tcnica da chave emprica de critrio introduzida

    pelo SVIB. Esta tcnica resultou em um instrumento menos transparente, que os

    testandos no podiam manipular to facilmente porque muitos itens no faziam

    referncia bvia a tendncias psicopatolgicas.

    Desde a dcada de 1940, os inventrios de personalidade tiveram grande

    desenvolvimento. Muitos refinamentos foram introduzidos em sua construo, in-

    cluindo o uso de perspectivas tericas como o sistema de necessidades de Henry

    Murray (1938) e mtodos de consistncia interna na seleo de itens. Alm disso,

    a anlise fatorial, que havia sido to crucial para o estudo e a diferenciao de

    habilidades, tambm comeou a ser usada no desenvolvimento de inventrios de

    personalidade. Na dcada de 1930, J. P. Guilford foi o pioneiro no uso da anlise

    fatorial para agrupar itens em escalas homogneas, enquanto que nos anos de

    1940 R. B. Cattell aplicou a tcnica para tentar identificar os traos de personalida-

    de mais essenciais e, por isso, merecedores de investigao e avaliao. Atualmen-

    te, a anlise fatorial tem um papel integrante na maioria das facetas da teoria e na

    construo de testes.

    Tcnicas projetivas

    Embora os inventrios de personalidade tivessem algum sucesso, os profissionais

    de sade mental que trabalhavam com populaes psiquitricas ainda sentiam ne-

    cessidade de auxlio no diagnstico e tratamento das doenas mentais. Na dcada

    de 1920, surgiu um novo gnero de ferramenta para a avaliao da personalidade

    e da psicopatologia. Estes instrumentos, conhecidos como tcnicas projetivas, ti-nham suas razes nos mtodos de associao livre introduzidos por Galton e usa-

    dos clinicamente por Kraepelin, Jung e Freud. Em 1921, um psiquiatra suo chama-

    do Hermann Rorschach publicou um teste que consistia em 10 manchas de tinta

    que deveriam ser apresentadas uma de cada vez ao examinando para que ele as

    interpretasse. A chave para o sucesso desta primeira tcnica projetiva formal que

    ela oferecia um mtodo padronizado para obter e interpretar as reaes aos cartes

    com as manchas de tinta, respostas que de modo geral refletem o modo singu-

    lar do sujeito de perceber o mundo e se relacionar com ele. O Teste de Rorschach

    foi adotado por vrios psiclogos americanos e propagado em vrias universidades

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0229

  • 30 Susana Urbina

    e clnicas dos Estados Unidos depois de sua morte prematura em 1922. A tcnica

    Rorschach, juntamente com outros instrumentos pictricos, verbais e no-verbais,

    como o Teste de Apercepo Temtica, testes de completamento de sentenas e

    desenhos da figura humana, vieram fornecer um repertrio novo de ferramentas

    mais sutis e incisivas do que os questionrios para a investigao de aspectos da

    personalidade, que os testandos podiam no ser capazes de revelar ou no estar

    dispostos a isso. Embora haja muita controvrsia a respeito de sua validade, basi-

    camente porque costumam se valer de interpretaes qualitativas tanto ou mais do

    que de escores numricos, as tcnicas projetivas ainda so uma parte significativa

    do repertrio de muitos clnicos (Viglione e Rivera, 2003).

    Testes neuropsicolgicos

    O papel da disfuno cerebral nos transtornos emocionais, cognitivos e com-

    portamentais tem sido crescentemente reconhecido ao longo do ltimo sculo. No

    entanto, o principal estmulo para o estudo cientfico e clnico das relaes entre

    crebro e comportamento, que so o objeto de estudo da neuropsicologia, veio dasinvestigaes de Kurt Goldstein sobre as dificuldades observadas em soldados que

    tinham sofrido leses cerebrais durante a Primeira Guerra Mundial. Muitas vezes,

    estes soldados exibiam um padro de dficits envolvendo problemas de pensamen-

    to abstrato, memria e planejamento e execuo de tarefas relativamente simples,

    todos passaram a ser includos na rubrica da organicidade, palavra usada comosinnimo de dano cerebral. Ao longo de vrias dcadas, foram criados diversos

    instrumentos para detectar a organicidade e distingui-la de outros transtornos psi-

    quitricos. Muitos destes eram variaes dos testes de desempenho no-verbais

    desenvolvidos para avaliar a capacidade intelectual geral de indivduos que no

    podiam ser examinados em ingls ou que tinham problemas de fala ou audio.

    Estes testes envolviam materiais como tabuleiros de formas, quebra-cabeas e blo-

    cos, bem como tarefas de lpis e papel como labirintos e desenhos. Muito se apren-

    deu a respeito do crebro e seu funcionamento nas ltimas dcadas, e grande parte

    das idias iniciais em avaliao neuropsicolgica teve que ser revisado a partir

    dessas novas informaes. Os danos cerebrais no so mais vistos como uma condi-

    o tudo ou nada de organicidade com um conjunto comum de sintomas, mas

    sim como uma ampla gama de transtornos possveis resultantes da interao de

    fatores genticos e ambientais especficos em cada caso individual. No obstante, o

    campo da avaliao neuropsicolgica continua a crescer em nmero e tipos de

    instrumentos disponveis, e contribui para a compreenso clnica e cientfica das

    muitas relaes entre o funcionamento cerebral e a cognio, as emoes e o com-

    portamento (Lezak, 1995).

    USOS ATUAIS DOS TESTES PSICOLGICOS

    Atualmente, as testagens de modo geral so mais sofisticadas metodologicamente

    e embasadas de forma mais consistente do que em qualquer poca do passado. O

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0230

  • Fundamentos da testagem psicolgica 31

    uso atual dos testes, que acontece em uma ampla variedade de situaes, pode ser

    classificado em trs categorias: (a) tomada de decises, (b) pesquisas psicolgicas

    e (c) autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Como indica esta lista, apre-

    sentada no quadro Consulta Rpida 1.5, os trs tipos de uso diferem vastamente

    em seu impacto e em muitos outros aspectos, e o primeiro deles certamente o

    mais visvel ao pblico.

    Tomada de decises

    O uso primrio dos testes psicolgicos ocorre como ferramenta para a tomada de

    decises. Esta particular aplicao da testagem invariavelmente envolve julgamen-

    tos de valor por parte de uma ou mais pessoas que tomam as decises e precisam

    determinar critrios para selecionar, alocar, classificar, diagnosticar ou conduzir

    outros processos com indivduos, grupos, organizaes ou programas. Naturalmente,

    este uso da testagem muitas vezes carregado de controvrsia, pois costuma resul-

    tar em conseqncias desfavorveis para uma ou mais partes. Em muitas situaes

    nas quais pessoas envolvidas discordam das decises finais, o uso dos testes em si

    atacado, independentemente de ser ou no apropriado.

    Quando so usados testes para a tomada de decises significativas a respeito

    de indivduos ou programas, a testagem deve ser meramente parte de uma estrat-

    gia bem-planejada e minuciosa, que leve em considerao o contexto particular no

    qual as decises so tomadas, as limitaes dos testes e outras fontes de dados

    alm destes. Infelizmente, com muita freqncia por pressa, descuido ou falta de

    informao os testes so considerados os nicos responsveis por falhas em pro-

    cessos de tomada de deciso que atribuem um peso excessivo aos seus resultados e

    negligenciam outras informaes pertinentes. Um grande nmero de decises roti-

    neiras tomadas por instituies educacionais, governamentais ou empresariais, que

    geralmente envolvem a avaliao simultnea de vrias pessoas, foram e ainda so

    elaboradas desta forma. Embora tenham conseqncias importantes como

    contrataes, admisso em universidades ou escolas profissionalizantes, formatura

    ou licenciamento para a prtica profissional para os indivduos envolvidos, as

    decises se baseiam quase exclusivamente nos escores de testes. Os profissionais

    Usos atuais dos testes psicolgicos

    A primeira e mais importante modalidade de uso dos testes ocorre no processo pragmticode tomada de decises a respeito de pessoas, sejam indivduos ou grupos.

    A segunda modalidade em termos da freqncia e longevidade est na pesquisa cientficasobre fenmenos psicolgicos e diferenas individuais.

    O uso mais recente e menos desenvolvido dos testes ocorre nos processos teraputicos depromoo ou autoconhecimento e do ajustamento psicolgico.

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  • 32 Susana Urbina

    da rea da testagem, bem como alguns rgos governamentais, esto tentando

    mudar esta prtica, que um legado do modo como os testes se originaram. Um

    entre vrios passos importantes nesta direo a publicao de um guia de recur-

    sos para educadores e responsveis pela formulao de polticas educacionais vol-

    tado para o uso de testes como parte da tomada de decises crticas envolvendo

    estudantes (U.S. Department of Education, Office for Civil Rights, 2000).

    Pesquisas psicolgicas

    Os testes muitas vezes so usados em pesquisas no campo da psicologia diferencial,

    evolutiva, educacional, social e vocacional, da psicopatologia, entre outros. Eles

    oferecem um mtodo reconhecido para o estudo da natureza, do desenvolvimento

    e das inter-relaes de traos cognitivos, afetivos e comportamentais. Na verdade,

    embora vrios testes que tiveram origem no curso de investigaes psicolgicas

    tenham se tornado disponveis comercialmente, um nmero muito maior de ins-

    trumentos permanecem arquivados em dissertaes, peridicos e vrios compndios

    de mensurao experimental discutidos na seo Fontes de Informaes Sobre Testesno final deste captulo. Como raramente existem conseqncias prticas imediatas

    do uso de testes em pesquisas, sua aplicabilidade neste contexto menos polmica

    do que quando so usados na tomada de decises a respeito de indivduos, grupos,

    organizaes ou programas.

    Autoconhecimento e desenvolvimento pessoal

    A maior parte dos psiclogos e conselheiros humanistas, muitas vezes com razo,

    considera que o campo da testagem d uma nfase exagerada rotulao e cate-

    gorizao dos indivduos em termos de critrios numricos rgidos. A partir dos

    anos de 1970, alguns destes profissionais, especialmente Constance Fischer (1985/

    1994), comearam a usar testes e outras ferramentas de avaliao de forma indivi-

    dualizada, consoante com os princpios humanistas e existencialistas-fenomeno-

    lgicos. Esta prtica, que considera a testagem uma forma de oferecer aos clientes

    informaes que podem promover a autoconhecimento e o crescimento positivo,

    evoluiu para o modelo teraputico de avaliao esposado por Finn e Tonsager (1997).Obviamente, a aplicao mais pertinente deste modelo acontece no aconselhamento

    e na psicoterapia, nos quais o cliente o nico usurio dos resultados dos testes.

    AVALIAO PSICOLGICA VERSUS TESTAGEM PSICOLGICA

    Por motivos em grande parte relacionados comercializao dos testes, alguns

    autores e editoras comearam a usar a palavra avaliao nos ttulos de seus testes.Por isso, aos olhos do pblico leigo os termos avaliao e testagem muitas vezes sosinnimos, o que um fato lamentvel. Muitos profissionais desta rea acreditam

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0232

  • Fundamentos da testagem psicolgica 33

    que a distino entre os termos deve ser preservada e esclarecida para o pblico

    em geral, uma vez que essas pessoas so possveis clientes de avaliaes ou consu-

    midores de testes.

    O uso de testes para a tomada de decises a respeito de uma pessoa, um

    grupo ou um programa sempre deve acontecer dentro do contexto de uma avalia-o psicolgica. Este processo pode ocorrer em servios de sade, no aconselhamentoou em procedimentos forenses, bem como no contexto educacional e profissional.

    A avaliao psicolgica um processo flexvel e no-padronizado, que tem por ob-jetivo chegar a uma determinao sustentada a respeito de uma ou mais questes

    psicolgicas atravs da coleta, avaliao e anlise de dados apropriados ao objetivo

    em questo (Maloney e Ward, 1976).

    Passos no processo de avaliao

    O primeiro e mais importante passo na avaliao psicolgica identificar seus obje-

    tivos do modo mais claro e realista possvel. Sem objetivos claramente definidos e

    acordados entre o avaliador e a pessoa que solicita a avaliao, o processo dificilmen-

    te ser satisfatrio. Na maioria dos casos, a avaliao termina com um relatrio

    verbal ou escrito comunicando as concluses s pessoas que solicitaram a avaliao,

    em formato til e compreensvel. Entre estes dois pontos, o profissional que conduz

    a avaliao, geralmente um psiclogo ou conselheiro, vai precisar empregar seus

    conhecimentos especializados em vrios momentos. Esses passos envolvem a seleo

    apropriada dos instrumentos a serem usados na coleta de dados, a cuidadosa admi-

    nistrao, pontuao e interpretao e o mais importante o uso criterioso dos

    dados coletados para fazer inferncias a respeito da questo proposta. Este ltimo

    passo vai alm dos procedimentos psicomtricos e requer o conhecimento da rea

    qual a questo se refere, como servios de sade, colocao educacional, psicopa-

    tologia, comportamento organizacional ou criminologia, entre outros. Exemplos

    de questes que se prestam investigao atravs da avaliao psicolgica incluem:

    questes diagnsticas, como diferenciar entre depresso e demncia; predies, como estimar a probabilidade de comportamento suicida ou

    homicida;

    julgamentos avaliativos, como os envolvidos em decises sobre a guardade crianas ou na avaliao da eficcia de programas ou intervenes.

    Nenhuma destas questes complexas pode ser resolvida somente por meio de

    escores de testes, pois uma mesma pontuao pode ter sentidos diferentes, depen-

    No esquea Testes e avaliaes NO so sinnimos. Os testes so uma das ferramentas usadas no processo de avaliao.

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0233

  • 34 Susana Urbina

    dendo do examinando e do contexto no qual foi obtida. Alm disso, nenhum esco-

    re de teste consegue captar todos os aspectos que precisam ser considerados ao se

    resolver essas questes.

    Os testes psicolgicos podem ser componentes-chave da avaliao psicolgi-

    ca, mas os dois processos diferem fundamentalmente em aspectos importantes. O

    quadro Consulta Rpida 1.6 lista diversas dimenses que diferenciam a testagem

    da avaliao psicolgica. Embora exista pouca dvida quanto superioridade ge-

    ral da avaliao em relao testagem no que diz respeito abrangncia e utilida-

    de, a maior complexidade do processo de avaliao torna seus resultados bem mais

    difceis de operacionalizar do que os da testagem. No obstante, mais recentemen-

    te comearam a ser reunidas evidncias da eficcia da avaliao, pelo menos no

    campo dos servios de sade (Eisman et al., 2000; Kubiszyn et al., 2000; Meyer et

    al., 2001).

    QUALIFICAES DOS USURIOS DE TESTES

    medida que o nmero de testes continuou a crescer e seus usos se expandiram,

    no apenas nos Estados Unidos mas no mundo todo, a questo do seu mau uso

    despertou interesse crescente no pblico, no governo e em profissionais diversos.

    A psicologia, a profisso a partir da qual os testes surgiram e com a qual esto mais

    diretamente associados, assumiu a liderana na tentativa de combater seu mau

    uso. Os Padres de Testagem promulgados pela APA e outras organizaes profissio-nais (AERA, APA e NCME, 1999) so um importante veculo para este fim. A APA

    tambm aborda questes relacionadas testagem e avaliao em seus princpios

    ticos e cdigo de conduta (APA, 2002), assim como outras associaes profissio-

    nais (p. ex., American Counseling Association, 1995; National Association of School

    Psychologists, 2000).

    Embora as qualidades tcnicas de vrios testes estejam longe do ideal e possam

    contribuir para problemas em seu uso, de modo geral se admite que o motivo bsico

    para o mau uso dos testes reside no conhecimento ou competncia insuficientes

    por parte de muitos usurios. Os testes podem parecer relativamente simples e

    diretos para usurios em potencial que no esto cientes dos cuidados necessrios

    em sua aplicao. Por causa disso, nas ltimas dcadas, associaes profissionais

    dos Estados Unidos e outros pases tm desenvolvido documentos que delineiam

    mais clara e especificamente do que antes as habilidades e a base de conhecimentos

    necessrias para um uso competente de testes (American Association for Counseling

    and Development, 1988; Eyde, Moreland, Robertson, Primoff e Most, 1988;

    International Test Commission, 2000; Joint Committee on Testing Practices, 1988).

    Uma das exposies mais claras destes requisitos se encontra em um relatrio

    preparado ao longo de cinco anos pela Fora-Tarefa sobre Qualificaes do Usurio

    de Testes da APA (APA, 2000). Este relatrio delineia: (a) o conhecimento e as

    habilidades essenciais para o emprego de testes na tomada de decises ou formula-

    o de polticas que afetem a vida dos testandos e (b) os conhecimentos especia-

    lizados que os usurios de testes nos contextos especficos de emprego, educao,

    aconselhamento profissional, servios de sade e tarefas forenses devem possuir.

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0234

  • Fundamentos da testagem psicolgica 35

    Diferenas tpicas entre testagem e avaliao psicolgica

    Aspecto Testagem psicolgica Avaliao psicolgica

    Mais complexa; cada avaliaoenvolve vrios procedimentos(entrevistas, observaes,testagens, etc.) e dimenses.

    Mais longa, de algumas horasa alguns dias ou mais.

    Muitas vezes so usadas fontescolaterais, como parentes ouprofessores, alm do sujeito daavaliao.

    A singularidade de umdeterminado indivduo, grupoou situao (idiogrfico).

    Conhecimento de testagem eoutros mtodos de avaliao,bem como da rea avaliada (p.ex., transtornos psiquitricos,requisitos para uma funo).

    necessria subjetividade, naforma de julgamento clnico; aquantificao raramente possvel.

    Muito cara, pois requer o usointensivo de profissionaisaltamente qualificados.

    Chegar a uma deciso arespeito da questo ouproblema que originou oencaminhamento.

    Engloba aspectos estruturadose no-estruturados.

    Muito difcil devido variabili-dade de mtodos, avaliadores,natureza das questesinvestigadas, etc.

    Mais simples; envolve um proce-dimento uniforme, freqente-mente unidimensional.

    Mais breve, de alguns minutosa algumas horas.

    Uma pessoa, o testando.

    Como uma pessoa ou grupose compara com outros(nomottico).

    Conhecimento sobre testes eprocedimentos de testagem.

    necessria objetividade; aquantificao crucial.

    Barata, especialmente quandofeita em grupos.

    Obter dados para uso natomada de decises.

    Altamente estruturada.

    Investigao relativamentesimples da fidedignidade evalidade baseada emresultados grupais.

    Grau de complexidade

    Durao

    Fontes de dados

    Foco

    Qualificaes necessrias

    Base de procedimentos

    Custo

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    Grau de estruturao

    Avaliao dos resultados

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  • 36 Susana Urbina

    Conhecimentos e habilidades genricos em psicometria, estatstica, seleo de tes-

    tes, administrao, pontuao, comunicao de resultados e salvaguardas so con-

    siderados relevantes para todos os usurios. Os conhecimentos adicionais e a expe-

    rincia supervisionada necessrios para o uso de testes nos vrios contextos e com

    diversos grupos de testandos tambm so delineados no relatrio, assim como os

    vrios usos dos testes para fins de classificao, descrio, predio, planejamento

    de intervenes e rastreamento em cada um deles.

    Outro aspecto da testagem que tem contribudo para o mau uso dos testes ao

    longo das dcadas a relativa facilidade com que os instrumentos podem ser obti-

    dos por pessoas que no esto qualificadas a us-los. Em certo grau, a disponibili-

    dade dos testes uma funo da liberdade com a qual a informao flui em socie-

    dades democrticas como a dos Estados Unidos, especialmente na era da internet.

    Outro motivo para este problema j citado neste captulo o fato de que muitos

    testes so produtos comerciais. Como resultado, algumas editoras esto dispostas

    a vend-los para pessoas ou instituies sem observar as salvaguardas apropriadas

    para se certificarem de que eles possuem as credenciais corretas. Durante as dca-

    das de 1950 e 1960, os Padres de Testagem incluam um sistema de trs nveis paraa classificao de testes em termos das qualificaes necessrias para seu uso (APA,

    1966, p.10-11). Este sistema, que encaixava os testes nos nveis A, B ou C depen-

    dendo da formao requerida para seu uso, era facilmente burlado por indivduos

    em escolas, rgos governamentais e empresas. Embora muitas editoras ainda usem

    este sistema, os Padres de Testagem no mais o adotam. O quadro Consulta Rpida1.7 delineia os elementos tipicamente includos no sistema triplo de classificao

    das qualificaes de usurios de testes.

    Em 1992, vrias editoras de testes e prestadoras de servios de avaliao cria-

    ram a Associao de Editoras de Testes (ATP, Association of Test Publishers). Estaorganizao sem fins lucrativos tem como objetivo manter um alto nvel de

    profissionalismo e tica nas iniciativas de testagem. Uma de suas formas de monitorar

    a distribuio dos testes atravs da exigncia de alguma documentao que ates-

    te um nvel mnimo de formao daqueles que compram seus produtos.

    Formulrios de qualificao para a compra de testes agora so includos nos

    catlogos de todas as editoras respeitveis. Por mais sinceros que sejam estes esfor-

    os para preservar a segurana dos materiais e impedir seu mau uso, sua eficcia

    necessariamente limitada. No apenas impossvel verificar nos formulrios as

    qualificaes que os compradores afirmam ter, como tampouco qualquer conjunto

    formal de qualificaes seja por formao ou licenciamento pode garantir que

    um indivduo seja efetivamente competente para usar um teste de modo adequado

    em uma determinada situao (ver Captulo 7).

    FONTES DE INFORMAES A RESPEITO DE TESTES

    Na testagem psicolgica, assim como em todas as outras atividades humanas, a

    internet criou um suprimento interminvel de informaes. Por isso, juntamente

    com as referncias impressas, tradicionalmente encontradas nesta rea, agora exis-

    te um grande nmero de recursos on-line e eletrnicos facilmente acessveis.

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  • Fundamentos da testagem psicolgica 37

    Recursos na internet

    Para a pessoa que busca informaes a respeito de testes psicolgicos, um bom

    ponto de partida a seo de Testagem e Avaliao no site da APA (http://www.apa.org). Dentro dessa seo, entre outras coisas, existe um excelente artigo

    sobre Perguntas mais freqentes/Como encontrar informaes a respeito de tes-

    tes psicolgicos (APA, 2003), que oferece orientao sobre como localizar testes

    Nveis de qualificao do usurio de testes

    Todas as respeitveis editoras de testes exigem que seus clientes preencham um formulrioespecificando as credenciais que os qualificam a usar os materiais que desejam comprar ecertificando que eles sero usados de acordo com todas as diretrizes ticas e legais aplicveis.Embora o nmero de nveis e as credenciais especficas exigidas em cada um deles variem entre aseditoras, seus critrios de qualificao so tipicamente organizados em pelo menos trs nveis,baseados em uma categorizao dos testes e dos requisitos de formao delineada originalmentepela Associao Americana de Psicologia (APA, 1953, 1954).

    Nvel inferior (A) Nvel intermedirio (B) Nvel superior (C)

    Instrumentos querequerem extensafamiliaridade comprincpios de testageme avaliao, bem comocom os campospsicolgicos aos quaisos instrumentospertencem, como testesde intelignciaindividual e tcnicasprojetivas.

    Os compradores dostestes devem ter o tipode formao avanadae experincia supervi-sionada que adquirida no curso daobteno do grau dedoutorado, oulicenciamento pro-fissional em um campopertinente ao usopretendido dosinstrumentos, ou ambos.

    Ferramentas queexigem algumtreinamento especia-lizado na construo euso de testes e na reana qual os instrumentossero aplicados, comotestes de aptido einventrios depersonalidadeaplicveis a populaesnormais

    Os compradores dostestes geralmentedevem ter grau demestre em psicologia(ou algum campo afim)ou experinciasupervisionada emtestagem e avaliaocondizente com osrequisitos para o usodos instrumentos emquesto.

    Uma gama limitadade instrumentos, comotestes de realizaoeducacional, quepodem ser administra-dos, pontuados einterpretados semtreinamento especia-lizado, seguindo-se asinstrues dosmanuais.

    Algumas editoras noexigem credenciaispara a compra detestes deste nvel.Outras podem exigirbacharelado na reaespecfica ou solicitarque os pedidos demateriais sejam feitosatravs de uma rgoou instituio.

    Tipo de instrumentosao qual este nvel seaplica

    Credenciais ourequisitos necessriospara a compra demateriais deste nve

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  • 38 Susana Urbina

    publicados e inditos bem como documentos importantes pertinentes testagem

    psicolgica. Os testes publicados esto disponveis comercialmente por meio de edito-ras, embora s vezes possam estar esgotados como os livros. Os testes inditos de-vem ser obtidos diretamente do investigador que os criou, a menos que apaream

    nos peridicos cientficos ou em diretrios especializados (discutido mais adiante).

    Dois outros grandes pontos de entrada na Internet para quem busca informa-

    es sobre um teste especfico so: (a) a pgina de Revises de Testes On-line doInstituto Buros de Mensurao Mental (BI) (http://www.unl.edu/buros), que ofe-

    rece informaes gratuitas sobre quase 4 mil testes disponveis comercialmente,

    bem como mais de 2 mil revises que podem ser compradas para leitura on-line e(b) a base de dados da Relao de Testes do Servio de Testagem Educacional

    (ETS) (http://www.ets.org/testcoll/index.html), que a maior do seu tipo no

    mundo. Alm disso, a pgina do Centro de Informaes sobre Recursos Educacio-

    nais (ERIC) (http://eric.ed.gov) mantida pelo Ministrio da Educao dos Esta-

    dos Unidos contm uma grande quantidade de materiais relacionados testagem

    psicolgica.

    Outra forma de obter informaes on-line sobre testes publicados e inditos por meio de ndices eletrnicos dos peridicos cientficos em psicologia, educao

    ou administrao. A base de dados PsycINFO da APA, disponvel em muitas biblio-

    tecas ou por assinatura, permite que se encontrem referncias bibliogrficas, resu-

    mos e at mesmo textos completos de artigos sobre um teste a partir de seu nome.

    Alm dos ttulos exatos, a PsycINFO e outras bases de dados podem ser pesquisadas

    por tema, palavra-chave e autor, o que as torna especialmente teis quando s

    esto disponveis informaes parciais.

    No esqueaO Apndice A lista todos os testes e instrumentos de avaliao psicolgica publicados disponveiscomercialmente que so mencionados ao longo deste livro, juntamente com os cdigos queidentificam suas editoras.

    O Apndice B fornece os endereos eletrnicos das editoras listadas no apndice A. Informaesmais detalhadas sobre editoras de testes, incluindo endereos reais e nmeros de telefone, estodisponveis na edio mais recente do Tests in Print (Murphy, Plake, Impara e Spies, 2002).

    No esqueaUma das distines mais bsicas entre os testes diz respeito existncia de publicao ou no.

    Testes publicados esto disponveis comercialmente atravs de editoras. Testes inditos devem ser obtidos do investigador que os desenvolveu, em diretrios especiais de

    mensuraes inditas ou nos peridicos cientficos.

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  • Fundamentos da testagem psicolgica 39

    Depois que um teste localizado atravs de qualquer um desses recursos, geral-

    mente tambm se pode determinar se ele foi publicado e como pode ser obtido. Se o

    teste foi publicado, pode ser comprado da companhia que o publica por pessoas que

    satisfaam as qualificaes para us-lo. As instrues para a compra constam dos

    catlogos das editoras, muitos deles agora esto disponveis on-line bem como emformato impresso. O site da ATP (http://www.testpublishers.org) tem links para muitaseditoras e prestadoras de servios de avaliao. Os endereos eletrnicos de todas as

    organizaes mencionadas nesta seo e outras fontes importantes de informaes

    sobre testes podem ser encontrados no quadro Consulta Rpida 1.8.

    Fontes de informao sobre testes psicolgicos na internet

    Organizao (Sigla) Endereo eletrnico

    American Educational Research Association (ERA) http://www.aera.net

    American Psychological Association (APA) http://www.apa.org

    Association of Test Publishers (ATP) http://www.testpublishers.org

    Buros Institute of Mental Measurements (BI) http://www.unl.edu/buros

    Educational Resources Information Center (ERIC) http://eric.ed.gov

    Educational Testing Service (ETS) http://www.ets.org/testcoll/index.html

    International Test Commission (ITC) http://www.intestcom.org

    National Council on Measurement in Education (NCME) http://www.ncme.org

    CO

    NS

    UL

    TA

    R

    P

    ID

    A 1

    .8

    Recursos impressos

    Testes publicados

    No que diz respeito aos testes publicados disponveis comercialmente, as fontes

    mais importantes de informao esto ligadas ao Instituto Buros de Mensurao

    Mental (BI), sediado em Lincoln, Nebraska. Em particular, o BI (http://www.unl.edu/

    buros) produz duas sries de volumes que podem orientar os usurios de quase

    todos os testes publicados disponveis nos Estados Unidos. Um deles a srie Testsin Print (TIP), e o outro a srie Mental Measurements Yearbook (MMY). O Tests inPrint uma bibliografia abrangente de todos os testes disponveis comercialmenteno momento em que um determinado volume da srie publicado. Cada entrada

    apresenta o ttulo do teste, sua sigla, autor, editora, data de publicao e outras

    informaes bsicas sobre o assunto, bem como referncias cruzadas para as revi-

    ses do teste em todos os MMYs disponveis naquele momento. A srie TIP contmum ndice de classificao de testes extremamente til, bem como ndices de esco-

    Fundamentos_da_Testagem_Psicologica.p65 3/10/2007, 12:0239

  • 40 Susana Urbina

    res, editoras, siglas e nomes dos autores e revisores. A srie MMY, por sua vez,remonta a 1938, quando o falecido Oscar Buros publicou o primeiro volume para

    auxiliar os usurios de testes com revises avaliativas escritas por profissionais

    qualificados e independentes. Embora os MMYs ainda sejam publicados em formade livro, suas entradas e revises tambm esto disponveis on-line e em outrosmeios eletrnicos. O Instituto Buros tambm publica muitos outros materiais rela-

    cionados a testes.

    A PRO-ED (http://www.proedinc.com) publica Tests, uma srie de volumesenciclopdicos que traz descries sucintas de instrumentos em psicologia, educa-

    o e administrao. A srie Test Critiques, que remonta a 1984, complementa aTests. Cada volume desta srie contm revises de testes e ndices cumulativos paratodos os volumes anteriores.

    Testes inditos

    O objetivo dos cientistas comportamentais que usam testes psicolgicos investi-

    gar constructos psicolgicos e diferenas individuais e grupais. Muitos testes exis-

    tentes so usados exclusivamente para pesquisas cientficas e no esto disponveis

    comercialmente. Esses testes so referidos como mensuraes inditas, porque nopodem ser comprados; as condies para o seu uso so tipicamente estabelecidas

    pelos autores de cada instrumento e quase sempre demandam uma carta solicitan-

    do permisso para us-los. Informaes sobre testes inditos e muitas vezes os

    prprios instrumentos esto disponveis nos peridicos cient