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Libras em estudo: política li nguística 1 í

05albres e Neves 2013_libras Política Linguística

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    Neiva de Aquino Albres

    Sylvia Lia Grespan Neves

    (Organizadoras)

    Libras em estudo:poltica lingustica

    Ana Cristina Queiroz Agria

    Andr Nogueira XavierCsar Augusto de Assis Silva

    Claudia Regina VieiraCristiane Esteves de Andrade

    Fbio Bezerra de BritoNeiva de Aquino Albres

    Neivaldo Augusto ZovicoRenato Dente Luz

    Sonia Regina Nascimento de OliveiraSylvia Lia Grespan Neves

    Vnia de Aquino Albres Santiago(Autores)

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    2013 by Neiva de Aquino Albres e Sylvia Lia Grespan Neves

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA FENEIS LTDA.Rua das Azalas, 138

    Mirandpolis, em So Paulo - SPTel.: (11) 2574-9151www.feneissp.org.br

    Capa e projeto grficoRodrigo Sabro

    Foto da capaGerson Gargalaka

    Editorao Eletrnica

    Neiva de Aquino Albres

    Reviso do textoCrmen Righetto

    OrganizaoNeiva de Aquino AlbresSylvia Lia Grespan Neves

    Libras em estudo: poltica lingustica / Neiva de Aquino Albres e Sylvia Lia Grespan

    Neves (organizadoras) So Paulo: FENEIS, 2013.

    169 p.: 21 cm (Srie Pesquisas)

    ISBN: 979-85-62950-06-3

    1. Lngua de Sinais. 2. Poltica lingustica. 3. Acessibilidade.

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    Agradecimentos

    Aos pesquisadores, professores e militantes que

    colaboraram para a realizao deste trabalho

    e, generosamente, compartilharam suas inquietaes, reflexes e saberes,

    para a construo de um pensar mais crtico.

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    Sumrio

    Apresentao 09

    BILINGUISMO: REVISO DE TEORIASRenato Dente Luz 13

    CONCEPES DE LINGUAGEM E SEUS EFEITOS NASCOMUNIDADES SURDASNeiva de Aquino AlbresSonia Regina Nascimento de Oliveira

    39

    O MOVIMENTO SURDO E SUA LUTA PELORECONHECIMENTO DA LIBRAS E PELA CONSTRUO DEUMA POLTICA LINGUSTICA NO BRASILFbio Bezerra de BritoSylvia Lia Grespan NevesAndr Nogueira Xavier

    67

    CONCEITO DE LNGUA MATERNA, PRIMEIRA LNGUA ESEGUNDA LNGUA E SUAS IMPLICAES NO CAMPO DASURDEZAna Cristina Queiroz AgriaClaudia Regina Vieira

    105

    ACESSIBILIDADE A SERVIOS PBLICOS: DIREITO DEIGUALDADENeivaldo Augusto ZovicoCsar Augusto de Assis Silva 125

    SURDEZ E SOCIEDADE: QUESTES SOBRE CONFORTOLINGUSTICO E PARTICIPAO SOCIALVnia de Aquino Albres SantiagoCristiane Esteves de Andrade

    145

    SOBRE OS AUTORES 164

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    Apresentao

    O presente livro resulta dos esforos de pesquisadores, professores e militantes

    surdos e ouvintes do movimento para uma educao bilngue de qualidade para surdos

    no Brasil. Ele integra a coleo Libras em estudo, constituda por seis volumes: o

    primeiro, dedicado a questes de traduo e interpretao da lngua de sinais, o

    segundo, a questes de seu ensino e aprendizagem, o terceiro, focaliza a descrio e a

    anlise de alguns aspectos gramaticais da Libras, o quarto, trata sobre polticas

    educacionais, este, o quinto da coleo e versa sobre poltica lingustica, e o prximo,

    o sexto, ser sobre a formao de profissionais.

    Estes novos volumes tm como objetivo:

    1)Construir reflexo sobre o movimento poltico atual, tanto no campo doreconhecimento lingustico da Libras, como lngua da comunidade surda, quanto

    da poltica educacional de educao bilngue (Libras/Portugus);

    2)Visibilizar material escrito sobre vrios temas que continuam sendo escassos,visando difuso de informaes e a formao de novos profissionais;

    3)Fortalecer a luta e mobilizao dos movimentos sociais surdos e por um novomarco de surdos como lderes do movimento poltico e produtores de

    conhecimento (autores).

    Neste momento em que, em nosso pas se consolida o reconhecimento da Libras,

    fazemos uma reflexo sobre a poltica lingustica como um marco da democracia, como

    um ponto de conflito, possibilitando, ao mesmo tempo, a comunidade surda agir e ser

    protagonista da sua histria. Em abril de 2002, a Libras reconhecida legalmente comoa lngua da comunidade surda e, assim, inaugurada a possibilidade de respaldo para

    uma luta que precede o documento legal.

    Tomamos como ponto de partida a "Declarao universal dos direitos

    lingusticos", uma construo poltica coletiva com ideais marcados pela discriminao

    vivida por diferentes povos.

    Os direitos lingusticos so simultaneamente individuais e coletivos, e adota,

    como referncia da plenitude dos direitos lingusticos, o caso de uma

    comunidade lingustica histrica no respectivo espao territorial, entendendo-

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    se este no apenas como a rea geogrfica onde esta comunidade vive, mas

    tambm como um espao social e funcional indispensvel ao pleno

    desenvolvimento da lngua (DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS

    LINGUSTICOS, 1996).

    Desde o seu incio, as associaes de surdos, as comunidades religiosas, as

    escolas de surdos e a FENEIS se configuraram como um espao social de uso e

    desenvolvimento da lngua de sinais. A FENEIS, como entidade representativa dos

    surdos, sempre trabalhou em direo a uma nova poltica lingustica, de conhecimento e

    reconhecimento da Libras, que nos permitiu construir a articulao lingustica com

    identidades sociais e uma poltica educacional bilngue.

    O estudo de lnguas de sinais e a sede do multilinguismo e multiculturalismoproporcionam instrumentos para a compreenso das formas de conceber subjetividades

    surdas, em juno com os aspectos histricos e sociais, para os quais sentimos a

    necessidade de fortalecer as ferramentas tericas para compreend-los. Buscamos, aqui,

    participar deste dilogo (terico) to profcuo que a iniciativa deste livro propiciou,

    dilogo entre diferentes saberes, de quem vive a diferena lingustica, a discriminao

    lingustica, e a luta por minimizar as diferenas entre surdos e ouvintes.

    Neste livro, podemos situar a linguagem em um escopo poltico e coletivo,

    refletir e discutir sobre ideologia e linguagem, a linguagem como ptria comum da

    comunidade surda, identidade, linguagem e da globalizao, diversidade lingustica e

    cultural dos surdos para compreender a construo de polticas que visibilizam o uso de

    uma nova lngua e acordadas para uma realidade to complexa a diversidade humana

    e lingustica. Os trabalhos aqui reunidos refletem diferentes lutas, ao olharem diferentes

    aspectos da poltica lingustica, por diferentes ngulos e, assim, focalizarem aspectos

    distintos dos movimentos sociais surdos.

    Entre os textos produzidos pelos pesquisadores e militantes, est o de Renato

    Dente Luz (ouvinte) que debate sobre a concepo de bilinguismo, focalizando as

    relaes familiares e a necessidade do humano de ser, e os surdos como humanos

    tambm apresentam um anseio comunicante, por meio de uma lngua de modalidade

    gestual-visual.

    Neiva de Aquino Albres (ouvinte) e Sonia Regina Nascimento (surda)

    apresentam reflexes sobre as concepes de lingua(gem) desenvolvidas historicamente

    e seus efeitos nas comunidades surdas. Consideram que as concepes contemporneas

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    contriburam para o reconhecimento da Libras como lngua natural e para o

    fortalecimento social e cultural dos surdos, para sua denominao como comunidade e

    minoria lingustica e para a implementao da poltica educacional bilngue.

    Fabio Britto Bezerra (ouvinte), Sylvia Lia Grespan Neves (surda) e Andr

    Nogueira Xavier (ouvinte) registram uma histria esquecida, a histria do movimento

    de surdos em prol do reconhecimento da Libras, revelando as estratgias dos militantes,

    tanto popular (passeatas e assembleias), quanto de aproximao academia (produo

    de relatrios tcnicos sobre a Libras).

    Ana Cristina Queiroz Agria (surda) e Claudia Regina Vieira (surda) discutem

    sobre os conceitos de Lngua Materna e primeira lngua, a partir destas definies

    prope uma reflexo sobre as lnguas implicadas na situao de ensino-aprendizagem

    das pessoas surdas, focalizando o conceito e as prticas pedaggicas de ensino de

    segunda lngua.

    Neivaldo Augusto Zovico (surdo) e Csar Augusto de Assis Silva (ouvinte)

    problematizam o conceito de acessibilidade aos bens culturais, apresentando um

    panorama da poltica institudo no Brasil. Constatam que o quadro jurdico-poltico

    contemporneo e os avanos tecnolgicos recentes tm potencializado a acessibilidade

    dos surdos, principalmente pelo servio de intrpretes de Lngua de Sinais.

    Vnia de Aquino Albres Santiago (ouvinte) e Cristiane Esteves de Andrade

    (surda) desenvolvem uma reflexo sobre as condies de incluso educacional e a

    participao social da comunidade surda que usa a Lngua de sinais como primeira

    lngua L1, e em especial s questes de conforto lingustico por meio da Libras para

    surdos bilngues competentes para a alternncia de lnguas.

    Desta forma, contemplamos neste livro questes de poltica lingustica, os

    discursos indicam claramente que a diferena e a desigualdade no so prprias da

    surdez, mas uma composio no tecido social marcado historicamente, relaes depoder e discriminao que marcam o movimento social surdo, a luta e as consquistas

    para que vilumbremos novos significados sociais sobre a surdez e sobre a lngua de

    sinais.

    Neiva de Aquino Albres

    Sylvia Lia Grespan Neves

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    REFLEXES SOBRE O BILINGUISMO GERAL:APONTAMENTOS PARA O FORTALECIMENTO DO

    BILINGUISMO DE SURDOS

    Renato Dente Luz

    Escola bilngue de surdos Instituto Santa Teresinha, So Paulo/SP

    - Pai, ser que tem gente em outros planetas?- No sei, Estrelinha. Mas sabe o que eu acho? Se s nsexistssemos, seria um tremendo desperdcio de espao.

    (CONTATO, filme inspirado no livro homnimo de CarlSagan)

    ResumoO tema deste captulo o das questes referentes ao bilinguismo geral pelos vieses,sobretudo psicolgico, lingustico e poltico e suas implicaes no campo do bilinguismode surdos. Ao pensarmos o bilinguismo de surdos, assumimos aqui que este se encontrainserido tanto no contexto maior das definies e tenses do bilinguismo geral, quantoapresenta particularidades advindas da condio surda. Nosso objetivo foi pensar algunsaspectos biopsicossociais envolvidos na temtica ampla do bilinguismo geral e o que istolevantaria de contribuies para o bilinguismo de surdos na atualidade. A partir de umatrilha percorrida sobre a condio humana, do mirante bilngue amplo que alcanamos,de breves reflexes sobre os direitos humanos e as polticas pblicas, da nomeao de

    uma condio surda atemporal a ser singularizada entre Outros, da constatao dossurdos serem, em geral, minoria sensorial e de recorrentemente eles sofrerem grandenormatizao, foi que levantamos sintticos e crticos apontamentos no que tange aobilinguismo de surdos e os dividimos em sete temticas: a psicolgica; a lingustica; alegal; a poltica; a educacional; a escolar e a familiar. No era nossa inteno esgotarassuntos to complexos e delicados. No entanto, esperamos que, amparados pelo ticoparadigma multilinguista, tais apontamentos contribuam com o fortalecimento daefetivao local dos direitos lingusticos dos que vivem a condio surda, por meio de umbilinguismo de surdos mais slido.Palavras-chave: condio humana; bilinguismo; polticas pblicas; surdo; bilinguismode surdos.

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    1. Nosso mapa: apresentando nosso destino

    Por que, ns humanos, usamos um idioma? E por que alguns usam mais de um?

    Quando pensamos em bilinguismo, o que nos vem inicialmente cabea? possvel

    pensarmos em bilinguismo sem pensarmos nos indivduos bilngues? Todos os

    indivduos bilngues vivem as mesmas condies sociais e polticas? Quando falamos de

    bilinguismo, estamos falando apenas de educao bilngue? E os surdos, seriam um caso

    diferente de sujeitos potencialmente bilngues? No que o bilinguismo geral ajuda a

    pensar o bilinguismo de surdos?

    Estas e outras questes relacionadas so as que nos guiaro em nosso destino pela

    busca de alguma leitura mais aprofundada da situao biopsicossocial das pessoas que

    apresentam uma determinada condio humana: a condio surda.

    De modo mais significativo, pelo menos desde os anos 1990, as discusses

    envolvendo polticas sociais sobretudo lingustico-educacionais para as pessoas

    surdas vm ganhando novo flego histrico. Em muito isto pode ser atribudo ao amparo

    ideolgico, acadmico, social e miditico advindo da ampliao dos movimentos sociais

    em defesa dos direitos das minorias1 tnicas, trabalhadoras, de gnero, econmicas,

    fsico-sensrias, lingusticas e sexuais nos anos 1960 e 1970, especialmente na Europa

    Ocidental e nos Estados Unidos, denunciadores e crticos da organizao excludente e

    patologizante gestada em sociedades capitalistas (LUZ, 2003, 2005).

    Ainda que com suas diferenas regionais, trata-se hoje de um movimento mundial

    histrico um movimento surdo com surdos e simpatizantes organizados em prol do

    reconhecimento irrestrito daqueles, enquanto seres humanos portadores de uma

    sensorialidade prpria e como uma minoria plena de direitos lingusticos, frequentemente

    no contemplados por sociedades normativas embasadas no paradigma monolinguista.

    Nesta ampla luta poltica por melhores condies experienciais para o acontecer davida humana, os surdos ganharam fora para nomear e assumir na esfera pblica a

    situao intersubjetiva precria em que eram inseridos e o grande descontentamento em

    relao falta de reconhecimento tico de sua sensorialidade particular, presente por

    meio de ofertas sociais eminentemente adaptativas. No caso desta populao, o lema da

    ideologia monolinguista continua se expressando por meio da mensagem subliminar

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    E que de minorias estas s so no quesito representao poltica, de modo algum noquantitativo ou na sua dignidade humana.

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    cotidiana: falem a lngua oral majoritria de seu pas ou estaro amplamente

    marginalizados!

    Tem sido, sobretudo, no campo lingustico-educacional que esse movimento surdo

    vem construindo resistncias ao padro fortemente simplista ofertado para sua condio

    sensorial. Isto resultou em uma srie de conceituaes e prticas que continuam se

    desenvolvendo em torno da defesa do reconhecimento das lnguas de sinais como lnguas

    plenas e de direito e da afirmao de necessrias experincias sociais e educacionais

    bilngues em que no s alguma lngua oral-auditiva local esteja presente, como tambm

    alguma lngua de modalidade espao-visual, o chamado bilinguismo de surdos.

    Relativamente recente e cheio de divergncias internas referentes a diversos de

    seus aspectos componentes, o movimento bilngue de surdos vem acontecendo por todo o

    mundo, sobretudo, na forma de uma importante corrente educacional em luta poltica

    pela construo de processos scio-educacionais mais formativos e por uma participao

    mais cidad desta populao nos seus territrios nacionais.

    Mesmo com as crticas de diversas origens realizveis em relao aos seus

    princpios gerais, assumido aqui que o bilinguismo de surdos pelo menos,

    potencialmente oferta condies lingusticas, sociais, polticas e psicolgicas vitais para

    uma realizao humana mais ampla dos que vivem a condio surda. No s na

    educao, tampouco s na escola. E por isto tudo, pensar o bilinguismo de surdos por

    ngulos diversos urgente. um modo importante de fortalec-lo.

    Para compreender um fenmeno humano qualquer preciso olh-lo crtica e

    afetivamente e por tempo prolongado. Por ser, como todos os fenmenos desta natureza,

    complexos e paradoxais por definio, possui dimenses e profundidades que a

    observao apenas por um ngulo impede de apreender. No entanto, sem exercitarmos

    comprometidamente nosso olhar por especficos ngulos, como podemos nos aproximar

    de determinado fenmeno?Em uma frase geralmente atribuda ao escritor russo Leon Tolstoi, temos alguma

    nomeao desta questo humana: Se queres ser universal, comea por pintar a tua

    aldeia. Em um movimento derivado deste pensamento da relao universal-

    particular/todo-parte poderamos dizer: se queremos compreender bem algo em

    particular, comecemos por olh-lo com afinco, a partir de algum lugar definido.

    Estudar um fenmeno esforo coletivo e multiangular ao longo do tempo que

    exige parcerias, complementariedade e criticidade. Estudar um fenmeno construir um

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    conjunto de miradas. Aqui, queremos ofertar uma das possveis miradas sobre o

    bilinguismo de surdos. Uma parte de um todo. E uma parte que expressa algo do todo.

    Deste modo, o presente captulo pretende construir um olhar possvel sobre o

    fenmeno que conhecemos por bilinguismo de surdos. A base de nossa observao,

    nosso mirante sobre esta criao humana pensada para e por surdos, ser o bilinguismo

    geral2, ou melhor, o bilinguismo enquanto fenmeno humano amplo que expressa algo da

    nossa paradoxal condio humana e que realiza algo do anseio comunicante presente em

    todos ns, anseio que independe de qual seja o nosso aparato orgnico.

    Ao pensarmos o bilinguismo de surdos assumimos aqui que este tanto se encontra

    inserido no contexto maior das definies e tenses do bilinguismo geral, como apresenta

    particularidades advindas da condio sensorial especfica e da situao mais

    recorrentemente sofrida por esta populao. Posto isto, nosso objetivo apontar certos

    aspectos biopsicossociais envolvidos nesta temtica maior do bilinguismo geral,

    enquanto fenmeno humano lingustico-comunicante e o que isto levantaria de

    contribuies para o bilinguismo de surdos.

    2. De onde partimos: o humano como ser comunicante

    Ns, seres humanos, somos, no mnimo, complexos. Somos vida e morte. Somos

    temporrios, mas desejamos a eternidade. Somos frgeis e fortes. Somos corpo fsico,

    mas tambm ente psquico. Somos choro e riso. Somos encontro e desencontro. Somos

    singulares e plurais. Somos particulares e universais. Somos biologia e tambm cultura.

    Somos nicos e, ao mesmo tempo, somos todas as outras pessoas dentro de ns. Somos

    um todo e uma parte de um todo. Somos solido e companhia. Somos o indivduo e o

    social. Somos de um lugar e de uma poca, no entanto, no somos reduzveis a este lugar

    e poca. Somos necessidade, assim como desejo. Somos no presente, porm, estopresentes algo do passado vivido e do futuro ansiado. Somos, na verdade, mais que

    complexos: somos paradoxais.

    2O termo bilinguismo est sendo entendido ao longo de todo este captulo como a capacidadede um algum ou alguma comunidade usar, em algum grau comunicante, mais de uma lngua, eno somente duas. Isto se dar pois acreditamos que nossas reflexes sobre as pessoas e ascomunidades usurias de duas lnguas se aplicam, em grande grau, s de trs lnguas ou mais.Assim, em muitos momentos aqui, este termo adquirir um sentido mais largo, enquantosinnimo de multilinguismo/plurilinguismo. Em suma, com os limites e os alcances possveis

    desta escolha, o termo bilinguismo, neste captulo, guardar tanto seu sentido original, ou seja,de duas lnguas - etimologicamente bi significa duas -, quanto um sentido lingustico maisamplo, de duas ou mais lnguas.

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    Pois um modo possvel de descrevermos esta nossa paradoxal condio humana

    seria dizer que somos a partir de trs dimensesdialeticamente relacionadas: a dimenso

    tica, a dimenso subjetivae a dimenso situacional. Inseparveis no cotidiano, elas so

    dimenses de um mesmo fenmeno: a existncia humana (e suas manifestaes). E que

    nossa vida , em especial, a busca pela experincia de apario de si entre outros

    humanos. A busca por uma vida que existencialmente valha pena, no apenas uma vida

    orgnica e materialmente existente (LUZ, 2011, 2013). Vejamos.

    Na dimenso tica temos revelado o anseio de sermos reconhecidos como um

    algum a priori, um rosto (LEVINAS, 1988), um algum nico e irrepetvel, ou seja, de

    sermos recebidos incondicionalmente por presena afetiva e efetiva que se responsabiliza

    por nossa existncia e manifesta a isso, acolhendo com consistncia nossa duradoura

    fragilidade orgnica e psquica. Existimos, considerando esta dimenso, desde o princpio

    de nossa vida e independentemente de quaisquer atributos especficos. Somos pessoas e

    simplesmente por nossa presena no mundo, somos dignos. Esta relao de

    reconhecimento e de responsabilidade com um algum, de um rosto, que consideramos

    tica. Sem este apoio, esta balsa humana, para nossa travessia pela delicada experincia

    da vida, ficaramos mais gravemente desamparados (SAFRA, 2004).

    E sobre que bases esta dimenso tica se transforma de mera potncia em um

    acontecimento? A dimenso subjetivailumina um pouco mais nossa paradoxal condio.

    Sempre como rosto, como um algum a priori, ns acontecemos criativamente a partir de

    um suporte orgnico, ou seja, de um amparo fsico, um corpo especfico que dotado de

    certas disponibilidades sensoriais e motoras. este algum em um corpo nico que

    encontra e encontrado por um Outro, ou seja, um humano, com quem experiencia a

    alteridade, o no-eu, o afeto, a cultura etc., e, por meio de quem, recebe o mundo

    singularizado. Somos psicossoma que singulariza continuamente o Outro e que busca

    revelao nica de si, ou seja, que anseia por apario.Trata-se de um rosto que experiencia gradativamente a um si-mesmo, o Outro e o

    mundo a partir de sua base orgnica e que busca signific-los de modo interpretativo. E,

    com o passar do tempo e se tudo corre bem , a tudo isso o faz de modo cada vez mais

    singular. Um singular que emerge de uma criatividade primria e demanda gestao pelo

    plural. Assim, o algum tem sede de ser cada vez mais um eu de contornos psicolgicos

    definidos de modo mais preciso, um si-mesmo, um ente singularizado para si e para o

    Outro, um algum que tem testemunhada presena, que tem apario para si e para oOutro no mundo. Aqui, a experincia cada vez mais completa de si e do mundo se d

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    como dependncia do Outro, como interpretao (cri)ativa deste e do mundo, como

    significao do que vivido dentro de si, na sua cultura, na sua famlia, na sua escola etc.

    Somos seres criativos, dependentes e ansiamos por realizao singular no mundo,

    por apario. Neste sentido, somos seres potencialmente interpretantes do nosso interior,

    do Outro e do mundo, e a isso realizamos quando podemos experienciar

    consistentemente uma das mais importantes facetas do nosso anseio por apario: o ser

    comunicante. Aparecer interpretar e ser interpretado. No somente comunicar,

    tampouco ser comunicado. Aparecer se comunicar. poder, com o apoio do nosso

    Outro lingustico, passar da sensao para o sentido, ascender do mundo perceptivo

    para o conceitual (SACKS, 1998, p. 74, grifo do autor).

    , em muito, deste anseio humano por contato interpretante e comunicante consigo

    mesmo e com o ns, deste querer apario reconhecida, que as lnguas surgem entre os

    humanos. As lnguas so, sob esta ptica, uma manifestao potente, varivel, altamente

    complexa e no tempo de algo muito simples: o anseio comunicante em ns. Enquanto

    somos inseridos no mundo, experienciamos a algo e a seu especfico nome em

    determinado idioma juntos. Esta a dimenso subjetivada condio humana: um algum

    como um ser biolgico, psquico e comunicante, singularizando-se nas experincias de

    mundo, entre Outros lingusticos.

    Ainda assim, falta definir algo sobre a condio humana enquanto paradoxo. E no

    reconhecimento da dimenso situacional que encontramos maior sustentao dialtica

    para isso. Como poderamos acontecer, enquanto seres encarnados e singulares, mas a

    partir do nada, do vazio? Seriam o mundo e o Outro genricos e atemporais? Na verdade,

    nunca. O mundo e o Outro que bebemos de modo interpretativo sempre so

    manifestaes especficas em um tempo e espao. Dito de outro modo, sempre a partir

    de um lugar, uma poca e entre subjetividades com seus modos de ser relacionalmente

    forjados que acontecemos no mundo.Este quando-onde-quem-como uma das bases experienciais do nosso

    acontecimento. E esta equao apresenta uma manifestao criativa e coletiva muito

    potente em termos experienciais: a cultura. Quaisquer pessoas, incluindo nossos

    pais/cuidadores, cresceram bebendo em uma fonte cultural, com certos valores, idiomas,

    alimentos, sons, cores, cheiros, viso de homem e mundo, organizao poltica etc.

    Quando estes cuidadores nos gestam e nos inserem no mundo, eles o fazem a partir da

    singularizao que realizaram das culturas por eles experienciadas, da cultura que lhes foiapresentada por pessoas reais, por seus respectivos Outros.

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    Somos, ento, no s a partir da recepo tica e de um corpo especfico e pleno de

    anseio por apario, mas tambm a partir de modos de ser particulares que se configuram

    em uma situao datada, localizada, nica e encarnada. E esta a dimenso situacional

    da condio humana.

    Em sntese, um modo possvel de compreendermos a paradoxal condio humana

    a partir das suas trs dimensescomponentes: dizer que acontecemos a partir de nosso

    aparato orgnico nico e comunicante e do fato de sermos um algum que foi recebido,

    em algum grau, eticamente como um rosto em uma situao especfica que

    experienciamos ao longo dos anos, no mundo e entre Outros. E que no fundo, o que

    lutamos para alcanar a realizao do anseio por apario singular, de presena nica,

    criativa e comunicante que, mesmo organicamente finita, pode se eternizar nos coraes

    dos que desse testemunharam existncia nica.

    Pois os idiomas so uma das maiores manifestaes da paradoxal condio

    humana. Embora no seja a nica forma de experienciar nossa essncia comunicante,

    uma lngua uma poderosa maneira de a isso alcanar. Cada idioma, no sendo

    fenmeno puramente natural, mas sim manifestao direta do acontecer humano, tambm

    revela as trs dimenses da nossa experincia no mundo e entre Outros: a dimenso tica,

    a dimenso subjetivae a dimenso situacional.

    Cada idioma exala, por todos seus detalhes, o contextual que se apoia no universal,

    o cultural que emerge do ontolgico, o psicolgico apoiado no orgnico, o humano

    amparado pelo tico. Cada lngua sintetiza certa sensorialidade humana, a esttica local,

    saberes e fazeres de determinado grupo e poca, certas nomeaes, as especificidades da

    natureza local, as condies materiais de vida, os jogos de fora entre determinados

    grupos etc. As lnguas, emergindo de subjetividades em situao, so produes humanas

    que permitem concretizao do apoio tico do qual precisamos para acontecer no mundo

    plenamente. Ou seja, as lnguas, por serem fenmenos humanos, expressam as trs

    dimensesda nossa condio.

    As lnguas expressam, direta e indiretamente, o anseio humano por interpretao e

    comunicao, por realizao de si entre Outros, por apario. As lnguas revelam, em

    suas eternas transformaes, subjetividades em situao que continuamente as gestam,

    negam, oprimem, transformam, publicizam, padronizam etc.

    Sobretudo, a partir da presena de uma dimenso situacionalna existncia humana,

    podemos afirmar: ns, seres humanos, quando falamos, no falamos lnguas genricas.Falamos, pelo menos potencialmente, uma especfica lngua. E at mais do que isso:

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    falamos especfica lngua singularizada e inteligvel. Sendo criao humana, um idioma

    sempre uma inveno cultural, vital, criativa, localizada, datada e em ininterrupta

    mutao. Sempre se encontra sendo subjetivada por seus falantes. Sempre est sendo

    forjada situacionalmente.

    Qualquer lngua, como toda manifestao humana, produo coletiva e fluida que

    colabora no alimento situacional especfico que nutre uma pessoa: as lnguas so

    subjetivantes, ou seja, so essenciais na singularizao de um algum. So estruturantes

    de subjetividade e de apario. So cho lingustico para o acontecimento comunicante

    de um algum entre Outros. E so tambm expresso das tenses humanas em

    determinada regio e poca. Deste modo, as lnguas so, ao mesmo tempo, fenmeno

    universal, situacional, coletivo e em singularizao. So tridimensionais.

    Detendo-nos em alguns traos mais prprios de sua dimenso situacional,

    podemos, por exemplo, descobrir que, contemporaneamente, esto calculadas em 6.909

    as lnguas vivas isso sem contar suas variaes internas. Ou seja, temos hoje quase sete

    mil idiomas sendo utilizados pelos cerca de seis bilhes de pessoas que habitam este

    planeta (ETHNOLOGUE, 2009). Somos seres infinitamente criativos, comunicantes e

    situacionais. E, certamente, estas quase sete mil lnguas so uma das mais fortes provas

    disto.

    Tal a fora dos idiomas na vida humana que estes se tornam fator de agregao

    para alm de outros traos humanos, como os culturais, os religiosos e os nacionais. A

    isso os sociolinguistas chamam de comunidade lingustica:

    Certamente os grupos identificados primariamente com suas lnguas no so

    os pases ou as naes. [...] Com a criao das naes modernas, houve um

    esforo poltico muito grande para estabelecer uma lngua como a lngua da

    nao (e esse esforo continua at hoje). Outra ideia atraente para associar

    lnguas aos grupos humanos a de associar cada lngua com uma tribo, ou

    cultura, ou povo. Muitas lnguas so chamadas com o nome do povo que as

    falam. Mas, como veremos mais adiante, os povos tambm no vivem em

    isolamento em relao a outros povos, e a relao de uma lngua com um

    povo acaba no sendo uma relao simples. Os grupos associados ao uso de

    lnguas so menores (ou maiores!) do que uma nao, e no correspondem

    exatamente nem a tribos, nem a culturas, nem a etnias (MCCLEARY, 2009,

    p. 7-8, grifo do autor).

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    Seguindo por este vis3, ou seja, focando-se na ideia da lngua como manifestao

    lingustica dos seres sociais que ns somos, podemos descobrir que, de todas as lnguas

    vivas, apenas 172 so faladas como primeira lngua por comunidades lingusticas com

    mais de trs milhes de integrantes e que 94% das lnguas vivas so faladas por menos de

    um milho de usurios, o que soma apenas 6% da populao (ETHNOLOGUE, op. cit).

    Mas isto significaria que estas minorias lingusticas, falantes da maioria dos idiomas

    existentes atualmente no mundo, estariam, por sua quantidade de integrantes e por seu

    idioma incomum, excludas da vida contempornea global e dos processos coletivos

    subjetivantes que facilitam alcanar apario singular entre Outros?

    Potencialmente no, e menos ainda se estiverem em comunidades lingusticas

    politicamente reconhecidas como dignas e plenas de direito. Como em toda questo

    humana, no que concerne tambm diversidade lingustica, relaes de dominao que

    querem, por quaisquer motivos, reduzir a criatividade e pluralidade inerente aos humanos

    so uma possibilidade, aqui nomeada como monolinguista. Uma possibilidade limitada

    e limitante, mas factvel. Ainda assim, mesmo quando so consideradas

    representacionalmente como produtoras de excluso e so proibidas ou diminudas

    simbolicamente, muitas ptrias lingusticas talvez um nome alternativo para o que

    chamamos de comunidades lingusticas continuam resistindo e permanecem

    engendrando singularidades apoiadas na experincia de apario que suas lnguas vivas,

    enraizadas e plenas facilitam.

    Alis, com tal fora do anseio comunicante em ns, com tanto pertencimento e

    subjetivao ofertados pela experincia de um cdigo lingustico vivo e pleno com o qual

    nos vinculamos, com tanta riqueza humana portada pelas diferentes lnguas, com tantos

    Outros lingusticos pelo mundo, tantas comunidades lingusticas e tantos

    entrecruzamentos e trocas possveis entre estas, seria, no mnimo, muita ingenuidade

    afirmar que, ns humanos, nascemos para sermos monolngues4. O humano , naverdade, infinitamente comunicante5.

    3 Sendo uma leitura (scio)lingustica, no sentido dado por Calvet (2002), aqui, comunidadelingustica parte do vis lingustico para compreender uma comunidade social, ou seja, esteaspecto encontra-se relacionado aos demais que se manifestam diariamente na vida coletivahumana, nunca estando o lingustico totalmente separado ou mesmo identificado por completocom quaisquer outros aspectos.

    4 Calvet (op. cit) vai alm e pontua mais agudamente a inexistncia do monolinguismo:

    realmente preciso conceber que todos os falantes, mesmo quando se acreditam monolngues(que no conhecem lnguas estrangeiras), so sempre mais ou menos plurilngues, possuemum leque de competncias que se estendem entre formas vernaculares e formas veiculares, mas

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    3. Nosso mirante: o ser comunicante e o bilinguismo

    Somos seres paradoxais, frgeis, dependentes, criativos, situacionais,

    psicossomticos, aparicionais, comunitrios e comunicantes. E por ser esta a nossa

    condio humana que idiomas foram e continuam sendo gestados. Bom, e o que isto

    teria a ver com o fenmeno humano do bilinguismo? Este seria o domnio de duas

    lnguas e s?

    Em um primeiro momento, poderamos dizer apenas que o bilinguismo a

    habilidade humana de um algum usar bem dois idiomas distintos. Mas, como todo

    fenmeno humano, bem mais complexo do que isso. Segundo Flory & Souza (2009), o

    termo representa uma quantidade infinita de quadros distintos, ligados a aspectos

    inmeros da vida humana sociais, culturais, econmicos, polticos, legais, histricos,

    psicolgicos etc. , sendo, por isto, inmeros os sentidos que lhe podem ser atribudos.

    De modo geral, costumam ser foco dos estudos sobre o fenmeno humano do

    bilinguismo aspectos como: repertrio lingustico total, seus domnios de uso e as

    funes que as lnguas exercem na vida da pessoa bilngue (GROSJEAN, 2008); o grau

    de proficincia nas lnguas, funo e uso das lnguas, a alternncia entre os cdigos e a

    interferncia entre eles (MACKEY, 2000, apudMEGALE, 2005); e as competncias nas

    duas lnguas, a organizao cognitiva destas, a idade de aquisio, a presena de

    comunidade lingustica falante de uma segunda lngua no entorno, o statusrelativo das

    no quadro de um mesmo conjunto de regras lingusticas (p. 101-2, grifo do autor). Em outraspalavras, ns falamos variaes lingusticas de acordo com as distintas situaes sociais, mesmodentro de um idioma compartilhado, o que no deixa de ser manifestao de algum tipo debilinguismo.

    5

    A ttulo de exemplo, no Brasil, considerado supostamente como um territrio monolngue, soutilizadas, alm da lngua portuguesa, cerca de 180 lnguas distintas, incluindo duas lnguas desinais: a Libras e a lngua de sinais dos Urubu-Kaapor (ETHNOLOGUE, 2009). SegundoCavalcanti (1999), no pas, so alguns os contextos bilngues, geralmente de minorias(polticas): contextos indgenas; contextos de imigrao; contextos de fronteiras e a comunidadesurda; alm dos contextos bidialetais/urbanos em que so utilizadas variaes distintas ao doportugus padro e que, inclusive, englobaria a maioria da populao brasileira dentro e fora daescola. Desta forma, no s seramos bilngues no Brasil, no sentido amplo, como tambmbidialetais nas variaes de portugus, incluindo muitas das pessoas pertencentes aos contextosde minorias. Disto decorre que so alguns os modelos de educao bilngue presentes no pas, amaior parte em comunidades lingusticas minoritrias politicamente: as escolas de fronteira(portugus-espanhol), as escolas bilngues para surdos (libras-portugus), as escolas indgenas

    (lngua indgena-portugus); as escolas de comunidades de imigrantes (portugus-alemo/italiano/japons/coreano etc.); e as escolas de elite (portugus-lngua com prestgiointernacional) (CAVALCANTI, op. cit; MOURA, 2009).

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    duas lnguas, a filiao grupal e a identidade cultural (HAMERS & BLANC, 2000, apud

    MEGALE, op. cit).

    So muitos os caminhos possveis para compreenso deste tema: so alguns os

    modos de nomeao do termo (unidimensionais e multidimensionais); so algumas as

    perspectivas para estudo deste fenmeno (sociais, psicolgicas, cognitivas etc.); so

    distintos os tipos de bilinguismo (bilinguismo individual, quando estudamos o fenmeno

    em um indivduo e bilinguismo social, quando estudamos uma mesma comunidade que

    usa dois ou mais idiomas); h distintos graus de habilidade bilngue nos indivduos (a

    bilingualidade); e vrias so as foras situacionais ajudando a produzir uma maior ou

    menor quantidade e qualidade de pessoas bilngues (polticas de paradigma

    monolinguista ou multilinguista) (PHILLIPSON, 2002; MEGALE, op. cit; PATEL,

    2007; FLORY & SOUZA, op. cit; MOURA, 2009; SALGADO & DIAS, 2010).

    E que caminho adotaremos no presente captulo para nossa insero no tema do

    bilinguismo? Um tecido com base nas referncias iniciais apresentadas acima, ou seja, o

    da assuno do acontecimento humano, enquanto fenmeno baseado em trs dimenses

    a dimenso tica, a subjetiva e a situacional com foco na faceta comunicante que

    compe a ansiada experincia humana de apario. Vejamos a que mirante esta trilha

    pode nos fazer chegar.

    Nos primeiros anos de vida, ns humanos experienciamos o repertrio comunicante

    dos nossos primeiros Outros, nossos primeiros cuidadores e, deste, nos alimentamos

    criativa e sensorialmente, enquanto iniciamos nossa realizao como seres lingusticos e

    nicos. Trata-se de um Outro que , no aspecto comunicante, um Outro lingustico.

    A este rico e situacional cdigo lingustico ofertado pelo agrupamento humano que

    nos recebe no mundo, que aprendemos a partir do experiencivel por nosso aparato

    orgnico, que nos subjetiva, e com a qual nos identificamos afetivamente, os linguistas

    chamam de lngua materna. Mas quando os cuidadores deste ser que chegou ao mundosabem e desejam usar mais de uma lngua com seu filho, ou seja, ofertar mais de uma

    lngua materna, gestam seres bilngues: crianas nascidas no Japo, filhas de pai

    brasileiro e me japonesa, que aprendem o japons e o portugus; crianas nascidas no

    Mxico que tm pai ingls e me mexicana e crescem bilngues em espanhol e ingls,

    entre infinitas possibilidades.

    Mas seria este o nico caminho de nos tornarmos usurios, em algum grau, de mais

    de um idioma, ou seja, de sermos bilngues? Somos bilngues caseiramente e s? Demodo algum! Com o passar dos anos so mltiplos os Outros lingusticos com quem

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    podemos e queremos ter contato comunicante. E estes se comunicam por meio de

    inmeros cdigos. Desta forma, podemos ter nossa disposio vrios idiomas: o(s)

    idioma(s) de nossos pais; o dos demais familiares; o das pessoas do bairro, da aldeia, da

    cidade, da escola, da mdia; o dos amigos; o dos parceiros de trabalho etc.

    Recebemos algum nome inicial para as coisas que esto dentro e fora da gente e

    algum jeito de construir nossa expresso lingustica por meio de pessoas que so falantes

    de determinados cdigos lingusticos: do portugus, do mandarim, do russo, do ingls, do

    iorub, da Libras, do guarani, do rabe, do quchua e de mais umas 6.900 possibilidades,

    atualmente.

    Em nossa sede comunicante, experienciamos psicossomaticamente pessoas e

    idiomas juntos. Por isso, so incalculveis os caminhos por meio dos quais podemos nos

    tornar, em algum grau, bilngues: aprendemos um idioma com a me, outro com o pai;

    dois idiomas na famlia; um idioma em casa, outro fora; dois idiomas em pases ou

    comunidades oficialmente bilngues; um em casa e outro em escola de lnguas; um na

    famlia e outro na escola; um idioma na esfera privada, outro na esfera pblica; dois em

    casa e um deles tambm na escola; um at a vida adolescente e um segundo a partir da

    vida adulta; um durante a vida no pas natal, outro no pas para onde imigrou; dois no

    pas natal e um terceiro no estrangeiro; um na vida pessoal e dois outros na vida

    profissional, e por a vai.

    Sendo uma experincia tica, subjetiva e situacional de contato ao longo da vida

    com um conhecimento lingustico produzido historicamente, o aprendizado e uso de

    distintas lnguas por uma pessoa acaba se materializando, na dimenso subjetiva, em

    habilidades bilngues individuais variveis em grau, mutveis com o tempo e variveis

    ainda de acordo com o contexto de uso: a bilingualidade. Deste modo, cada pessoa

    demonstra uma gama de infinitas e fluidas possibilidades lingusticas que variam ao

    longo de um contnuo bilinguismo precrio, algum semibilinguismo, at um bilinguismoindividual equilibrado (MCCLEARY, 2009).

    Como se no bastasse toda esta complexidade e certa precariedade na experincia

    humana da bilingualidade, cabe ainda pontuar que so, em geral, quatro as habilidades

    lingusticas possveis de uma pessoa em cada idioma, o mesmo valendo quando falamos

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    de algum uso em dois ou mais idiomas: a habilidade compreensiva da fala, a habilidade

    expressiva de fala, a habilidade de leitura e a de escrita6.

    Por tudo isto, falarmos de bilinguismo apenas enquanto o domnio de dois ou mais

    idiomas por uma pessoa ou por uma comunidade muito pouco. A partir do que

    analisamos acima, o mais justo seria dizermos que: a habilidade de um algum em duas

    ou mais lnguas varia em grau, contextualmente, ao longo do tempo e nas quatro (ou

    duas) habilidades lingusticas derivadas de cada idioma e que as possibilidades bilngues

    dependem de tudo o que compem a experincia humana de apario, ou seja, dos

    aspectos mais facilmente identificados quando assumimos as trs dimenses do digno

    acontecer humano, isto , dependem do seu aparato sensorial singular, da qualidade tica

    das suas experincias no mundo, do ofertado situacionalmente por seu entorno, das suas

    experincias formativo-educacionais formais/informais, dos seus laos afetivos, de seus

    interesses pessoais/profissionais, do seu momento de vida, entre outras potncias e

    condies.

    O bilinguismo e suas manifestaes so mltiplos porque os caminhos

    comunicantes de cada ser humano so nicos, afetivos, eticamente

    facilitados/dificultados, situacionais e em contnua mutao.

    4. Fortalecendo nosso mirante: direitos lingusticos, polticas pblicas e o

    bilinguismo

    Se do ponto de vista tico e subjetivo o bilinguismo algo absolutamente legtimo,

    possvel e comum7, na dimenso situacionala questo se torna mais complexa. Embora

    sejam declarados e publicizados atualmente direitos universais para todos os humanos,

    inclusive o da pluralidade lingustica, na realidade situacional de cada territrio

    poltico-administrativo que os discursos e as aes em torno da diversidade lingustica setornam realidade para sua populao. Vejamos com calma.

    Internacionalmente, a especificao e o reconhecimento dos direitos fundamentais

    inerentes a absolutamente qualquer ser humano ganharam uma maior definio e

    6Vale aqui a ressalva de que muitas lnguas so, at o momento, grafas, ou seja, no possuemum sistema de registro escrito. Sendo assim, no caso das lnguas grafas, so apenas duas ashabilidades alcanveis: a compreensiva e a expressiva da fala.

    7Segundo Grosjean (2008), estima-se que 50% da populao mundial saiba, em algum grau,pelo menos duas lnguas.

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    publicizao, especialmente a partir do impacto de total horror causado pela intolerncia

    e violncia extremas manifestadas durante a Segunda Guerra Mundial.

    Desde ento, sob a liderana da Organizao das Naes Unidas e suas diferentes

    suborganizaes e agncias, alguns documentos8 tm sido acordados por seus pases-

    membro, partindo de direitos mais gerais na direo de maiores especificaes conforme

    diferentes grupos humanos ganham conscincia crtica sobre a qualidade das condies

    de vida que lhe so ofertadas, identificando seus direitos e suas respectivas violaes:

    Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948; Declarao Universal dos Direitos

    das Crianas, de 1959; Declarao Mundial sobre Educao para Todos, de 1990;

    Declarao de Salamanca, de 1994, entre outros.

    desta sucesso de geraes de direitos universais (DOUZINAS, 2012) que os

    direitos lingusticos tm sido mais tematizados. Assentados sobre o princpio tico da

    diversidade cultural como riqueza e como patrimnio da humanidade e de seus

    especficos grupos, os direitos lingusticos tm sido proferidos dentro dos marcos da

    imprescindvel pluralidade humana. Segundo Fonseca (2007):

    No cenrio internacional, a questo da diversidade lingustica se insere no

    universo mais amplo da preocupao com a diversidade cultural. Em 2002, a

    Unesco publicou o Atlas das lnguas em perigo no mundo; em 2003 foiaprovada pela Assembleia Geral da organizao a Conveno para a

    Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, que inclui no seu Artigo 2,

    intitulado Definies, a lngua como vetor do patrimnio cultural

    imaterial; e, em 2005, a Conveno sobre a Proteo e a Promoo da

    Diversidade das Expresses Culturais reconhece em seu Prembuloque a

    diversidade lingustica um elemento fundamental da diversidade

    cultural. Acha-se em estudo, na ONU, a proposta de uma Declarao

    Universal dos Direitos Lingusticos9, proclamada em Barcelona em 1996

    (grifos do autor) (FONSECA, 2007).

    8 Uma interessante crtica sobre a real universalidade dos documentos produzidosmajoritariamente a partir da tradio do pensamento ocidental, assim como alguns dos possveislimites internos destes materiais, podem ser encontrados em Douzinas (2012).

    9A UNESCO, agncia da ONU responsvel por lutar pela paz e pela segurana mundiais pormeio de documentos e aes no campo da educao, cincia e cultura, assinou e tem apoiadoeste documento e a seguinte introduo consta em seu site portugus: Partindo do princpio quea situao de cada lngua o resultado da confluncia e da interaco de uma multiplicidade

    de factores - poltico-jurdicos, ideolgicos e histricos, demogrficos e territoriais, eco-nmicos e sociais, culturais, lingusticos e sociolingusticos, interlingusticos - a DeclaraoUniversal dos Direitos Lingusticos considera que todas as lnguas so a expresso de uma

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    Mesmo considerando o papel vital destas declaraes como ideal positivo do

    humano e aqui sustentando alguma legtima universalidade destas declaraes h

    uma significativa diferena entre sua confeco e publicizao, enquanto documento, e a

    sua efetivao no cotidiano das pessoas de carne e osso. Sendo imprescindvel seu

    registro, preciso construir aes para que haja sua execuo. Deste modo, alm de

    declarar ideais humanos como o direito pluralidade cultural e ao bilinguismo, central

    construir ao mximo seu acontecimento dentro e entre todas as inmeras comunidades

    lingusticas existentes atualmente no mundo. Mas como?

    Mesmo sendo essenciais as declaraes em escala mundial, na escala territorial

    de um Estado e nas suas subdivises administrativas que, na contemporaneidade, pode-se

    falar em acontecimento dos direitos humanos. E, so as subjetividades diversas que

    habitam estes territrios, os protagonistas potenciais de sociedades mais dignas e plurais.

    So os posicionamentos polticos regionais, em mutao ao longo do tempo,

    oriundos de tenses universais e situacionais, globais e locais, ticas e contextuais, leigas

    e tcnicas, prticas e tericas, populares e administrativas, afetivas e pragmticas,

    comunitrias e estatais, que so forjadas as aes humanas em um territrio, em especial

    por meio das polticas pblicas. Seu planejamento organizado e sua execuo so a

    manifestao maior dos anseios dos habitantes de determinado territrio. Nas polticas

    pblicas esto seus maiores sonhos e medos, suas experincias, desejos de futuro e suas

    estratgias para isso. Pelo menos, o que de melhor as polticas pblicas poderiam ser.

    Atualmente, em muito por meio das polticas pblicas que o direito universal

    pode alcanar alguma realidade local, os anseios ontolgicos podem ser mais bem

    amparados e se manifestarem sob a forma de apario cotidiana e os direitos lingusticos

    podem acontecer, enquanto experincia comunicante efetiva. E sob a forma de dois

    grandes paradigmas que os seres humanos cuidam politicamente de suas lnguas: o

    paradigma monolinguista e o paradigma multilinguista.No primeiro paradigma, o monolinguista, expresso de uma relao de poder entre

    duas ou mais comunidades lingusticas distintas, uma seria representacionalmente

    superior e mais legtima por motivos situacionais, afetando a base comunitria e

    lingustica, de insero tica, esttica, psicossomtica e plural no mundo dos membros

    daquela que est sendo considerada enquanto minoritria, com uma suposta vantagem de

    identidade colectiva e de uma maneira distinta de apreender e descrever a realidade, pelo quedevem poder beneficiar das condies necessrias ao seu desenvolvimento em todas as funes.(UNESCO, 2012)

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    que estaria sendo construdo, a partir da unidade de cdigo lingustico, algum tipo de

    fortalecimento econmico e poltico nacional ou global, quando no caso da escolha de

    lnguas francas em eventos e encontros internacionais.

    No segundo paradigma, o multilinguista, pautado sobre os princpios da igualdade

    e dos direitos humanos, as lnguas gozariam de igual prestgio e estes cdigos

    comunicantes das especficas comunidades lingusticas seriam base tica para a

    pluralidade cultural e para a singularizao, por um algum de uma cultura amparada na

    realidade e histria locais e, por isso, seriam balsa afetiva para a realizao de um si-

    mesmo, enraizado na comunidade de origem entre outros argumentos de cunho tico,

    psicolgico e sociolgico que tornariam quaisquer idiomas algo desejvel e digno de

    apoio sistemtico (CAVALCANTI, 1999; PHILLIPSON, 2002; PATEL, 2007;

    FONSECA, op. cit; MOURA, 2009).

    O grau de capacidade de um pas em reconhecer sistematicamente os direitos

    lingusticos universais de seus habitantes, acolher sua diversidade cultural e as diferentes

    comunidades lingusticas que o compem, ou seja, de assumir, o tico paradigma

    multilinguista, expressa-se na qualidade das aes voltadas para a oferta de condies

    materiais e imateriais dignas e para a formao plural desta populao.

    Tais aes de Estado acontecem transversalmente por meio dos mais distintos

    discursos e prticas garantidos, enquanto polticas pblicas neste territrio: polticas de

    segurana, polticas culturais, de sade, de habitao, em educao etc. E pela

    qualidade tica destas polticas e pela relao intersetorial entre os atores envolvidos na

    efetivao destas diferentes aes estatais que, em muito, ampara-se a realizao de um

    pas mais humano.

    , em especial, por meio do planejamento e das escolhas lingustico-educacionais

    pblicas, em relao s novas geraes, que o paradigma multilinguista se efetiva em um

    Estado. O paradigma multilinguista e o grau de acolhida da diversidade lingustico-cultural presentes nas polticas pblicas de Estado, tem seu carro-chefe, nas polticas

    pblicas educacionais.

    Estas polticas so centrais fomentadoras do paradigma lingustico nacional, de

    como os idiomas das distintas comunidades lingusticas locais esto sendo apoiados em

    um territrio poltico-administrativo e nas suas subdivises. Alis, no s quais idiomas

    so cuidados politicamente neste territrio, mas tambm em como se lida com as

    variedades lingusticas destes cdigos (CAVALCANTI, op. cit). Ou seja, o paradigmamultilinguista no se expressa somente por meio do bilinguismo, mas igualmente por

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    meio da qualidade da acolhida da variedade padro e das variedades no padro de cada

    lngua. O paradigma multilinguista pleno cho do bilinguismo e, igualmente, do

    bidialetalismo.

    Pensando a realidade formativa de um pas, mltiplos so os espaos que podem

    possuir prticas educacionais mais explcitas: escolas, ONGs, associaes, sindicatos,

    entidades filantrpicas, igrejas, postos de sade, centros culturais, museus, escolas de

    idiomas etc. Destes todos, a escola que se configura, em nossa tradio ocidental, como

    a principal instituio na formao de um pas tica, subjetiva, cultural e linguisticamente

    mais plural. A escola um lugar privilegiado para isso. um terreno bastante importante

    no acontecimento das polticas pblicas educacionais de um Estado.

    Mas qual seria mais explicitamente ento, a ligao entre o anseio comunicante, o

    bilinguismo e estas questes sobre direitos humanos, polticas pblicas, educao e

    escola? Bilinguismo pode ser acontecimento nas mais diversas experincias de ns, de

    Outros lingusticos, pois tudo relacionado alteridade e aos espaos onde esta pode ser

    encontrada possui potencial fora comunicante, formativa e subjetivante10: a casa, o

    bairro, a igreja, o local de trabalho, o clube e tambm a escola, entre outras. Bilinguismo

    no se limita estritamente s polticas pblicas educacionais, nem apenas educao

    bilngue.

    O que o Estado produz, enquanto sntese das tenses situacionais e defende

    nacionalmente por meio de suas diferentes polticas pblicas intersetoriais condio

    bastante significativa para a produo de relaes mais (ou menos) ticas entre as

    diferentes comunidades lingusticas locais. Dentro disto, o paradigma lingustico presente

    nas polticas educacionais, primordial para analisarmos o grau de bilinguismo assumido

    e fomentado nos territrios e subterritrios de um Estado, sendo suas escolas um dos

    locais mais privilegiados para seu acontecimento. Polticas pblicas, bilinguismo,

    educao bilngue e escolarizao bilngue no se equivalem, mas se encontram, nacontemporaneidade ocidental, relacionados em muito.

    Dos dois grandes paradigmas lingusticos apontados acima emergem os dois

    grandes tipos de programas bilngues de educao nas escolas: o bilinguismo

    10 por isso que, mesmo com polticas pblicas do tipo monolinguista, um Estado, muitasvezes, no consegue dizimar por completo a diversidade lingustica territorial, como inmerosexemplos histricos de resistncia popular nos mostram. A ttulo de exemplo, s lembrar adramtica situao vivida, no Brasil, pelos imigrantes japoneses, italianos e alemes durante a

    Segunda Guerra Mundial e como estas comunidades lingusticas imigrantes resistiram. Omesmo podemos dizer de vrias lnguas de sinais locais que resistiram apesar de sua sistemticaproibio.

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    educacional fraco, expresso do paradigma monolinguista, nos quais as crianas

    oriundas de minorias lingusticas passam por um processo de assimilao lngua com

    prestgio local, sendo seu objetivo o monolinguismo na lngua dominante ou um

    bilinguismo limitado; e o bilinguismo educacional forte, expresso do paradigma

    multilinguista, em que o idioma de sua comunidade lingustica de origem, o idioma

    majoritrio do territrio poltico-administrativo em que vive e/ou um idioma de

    prestgio internacional so utilizados no cotidiano escolar e, no qual, todas estas lnguas

    gozam de equilibrado prestgio social (MOURA, 2009).

    Na sua forma escolar forte, ou seja, na escolarizao bilngue multilinguista, o

    bilinguismo deve fazer parte do programa institucional, sendo as lnguas, em questo,

    meio e no apenas objeto de ensino. Deste modo, neste tipo de escolarizao, os

    idiomas presentes so meio e fim em si mesmo. Nestas escolas bilngues, ensina-se as

    lnguas e por meio das lnguas, sendo o bilinguismo experincia escolar sistemtica de

    contato com o Outro, com a pluralidade:

    [...] para ser caracterizada como escola bilngue, necessrio que a escola se

    organize em todos os aspectos para promover bilingualidade por parte de

    todos os alunos atendidos, bem como promover aos alunos, acesso a

    componentes culturais relacionados s lnguas, ampliando suas competncias

    comunicativas e sua viso de mundo. O currculo deve prever uma carga

    horria dedicada ao ensino de cada lngua, presente como meio de instruo

    nas reas do conhecimento. O ambiente deve promover o contato com ambas

    as lnguas por meio do oferecimento de materiais e oportunidades de

    interao. Os professores precisam ter o necessrio conhecimento do objeto

    de ensino as lnguas para poder ensin-lo pela comunicao com os

    alunos (MOURA, op. cit, p. 53-4).

    Segregar, assimilar ou alimentar o singular pelo plural, no campo lingustico, so

    extremamente distintas aes decorrentes, sobretudo, das polticas intersetoriais de um

    Estado. So produzidas situacionalmente a partir das tenses locais, estando sua

    resultante em maior ou menor grau articulada com os direitos universais e os anseios

    comunicantes e comunitrios presentes em todos ns. Algumas resultantes, facilitando

    apario, outras, dificultando. A acolhida irrestrita ou seja, sistemtica e estvel,

    especialmente por meio das polticas pblicas dos direitos lingusticos universais e do

    anseio comunicante em todas as esferas da vida local a acolhida da riqueza humana e

    um grande apoio tico ao princpio constitutivo do si-mesmo: a diversidade.

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    5. Nosso olhar: a condio surda e alguns apontamentos sobre o bilinguismo de

    surdos

    Em nossa apresentao, fizemos algumas perguntas simples que adiantavam as

    questes principais que queramos discutir ao longo do captulo. Delas, duas ainda restam

    responder. Por hora, vamos resgatar a penltima pergunta: os surdos seriam um caso

    diferente de sujeitos potencialmente bilngues?

    Para responder a esta, a partir dos conceitos trazidos aqui, preciso explicitar um

    pouco melhor, alguma compreenso especfica acerca da pessoa surda, ou melhor, da

    condio surda. Vejamos: entendemos que essa pessoa, como as demais, sofrem as

    vicissitudes da condio humana e que, do ponto de vista de sua corporeidade, apresenta,

    a partir de algum momento de sua travessia pela existncia humana, uma

    significativamente baixa experincia sonora de mundo. Esta pessoa, como todos os

    humanos, organiza-se criativamente a partir da sensorialidade disponvel em seu aparato

    orgnico neste sentido, cabe afirmar que cada surdo , inevitavelmente, diferente de um

    outro surdo. Quanto mais intensamente e mais cedo estiver presente esta sensorialidade

    surda, mais a realizao de seu anseio comunicante depender, especialmente, das

    experincias visuais e motoras.

    A fim de alcanar frequente apario, a pessoa surda demanda, ao longo da vida,

    reconhecimento tico de seu rosto e acolhida humana de si, enquanto um algum digno e

    irredutvel a qualquer trao fsico. Estas pessoas exalam, pelos poros, a mensagem

    intersubjetiva: sou uma pessoa, sou surdo, sou digno como qualquer outra e eu falo a

    partir do corpo que tenho, no apesar dele, e tambm a partir do que encontro de

    experincias comunicantes acessveis entre Outros lingusticos.Neste sentido, antes de

    tudo, os surdos so uma minoria sensorial.

    Temos, assim, configurada uma condio surda derivada da condio humana quese apoia em quatro aspectos centrais:

    a) no anseio por reconhecimento tico de seu rosto, ou seja, que independa dasua configurao orgnica;

    b) em uma sensorialidade surda varivel em poca, grau, tipo etc.;c) na ontolgica sede humana por realizao de apario e, para isso, de

    experincias singulares plenamente comunicantes;

    d) e no anseio de um idioma que seja disponibilizado por Outros lingusticos eque, concomitantemente, seja acessvel sensorialmente.

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    Os que experienciam esta condio surda geral, fazem-na de modo nico. A

    experincia concreta desta condio no algo genrico. Ou seja, cada surdo uma

    pessoa distinta que experiencia sua especfica condio humana surda de um jeito nico,

    sendo que , a partir desta e de como isso contemplado tica e situacionalmente, que

    buscar singularizao.

    Mas qual seria a relao entre esta condio surda e o bilinguismo de surdos? Ao

    longo da histria, a dimenso situacionaltem oscilado muito na consistncia humana do

    que tem ofertado em termos de condies materiais e imateriais para que, aqueles que

    vivem esta condio surda, encontrem apario. E a, em vez de tica balsa humana, o

    que tem se apresentado em muito para a existncia destas pessoas um precrio e

    desamparador barco furado. Desta forma, uma digna travessia humana do surdo e sua

    plena apario enquanto um si-mesmo, tornam-se, em muito, dificultadas. Do ponto de

    vista psicolgico, o resultado desta repetida situao tem sido recorrente sofrimento

    psquico (LUZ, 2003, 2005).

    Pela rara frequncia da sensorialidade surda entre os humanos e, sobretudo, pela

    predominncia da experincia lingustica oral e sonora entre os majoritrios demais, as

    pessoas surdas esto, frequentemente, em situao bilngue, ou seja, duas lnguas fazem

    parte de seu cotidiano lingustico-comunicativo: alguma lngua espao-visual e alguma

    expresso da lngua oral-auditiva (na sua verso escrita ou falada). Por tudo isto,

    diramos no que os surdos seriam potencialmente bilngues, mas que estes estariam

    potencialmente em situao bilngue, em duas comunidades lingusticas. na dimenso

    situacionalmais recorrentemente presente para estas pessoas que sua condio surda tem

    demandado o desenvolvimento de alguma bilingualidade.

    As pessoas que experienciam a condio surda, tal qual definida acima, esto a

    partir da frequente situao de terem sua presena em uma comunidade majoritria quetem na sonoridade um aspecto constitutivo e que usuria de outra modalidade

    lingustica em repetido e cotidiano contexto de dois ou mais idiomas. E isso pede a

    oferta situacional de condies ticas e subjetivantes para que sua bilingualidade

    acontea o mais plenamente possvel.

    Definido, ento, no um surdo em si, mas uma pessoa que vive de modo singular

    sua condio surda, e considerando a dimenso situacionalmais recorrente em que estas

    se encontram, chegamos finalmente derradeira e principal questo presente nestecaptulo: no que o bilinguismo geral ajuda a pensar o bilinguismo de surdos?, ou seja, de

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    que forma as experincias gerais bilngues podem iluminar melhor as experincias

    surdas bilngues?

    a partir da trilha biopsicossocial que adotamos, do mirante bilngue amplo que

    alcanamos, das reflexes sobre direitos humanos e polticas pblicas, da nomeao de

    uma condio surda atemporal a ser singularizada entre Outros e da constatao da

    situao ainda recorrente de serem minoria sensorial que levantamos alguns

    apontamentos no que tange ao bilinguismo de surdos:

    1) Do ponto de vista psicolgico, necessrio que o bilinguismo de surdosconsidere a singularidade da experincia da condio surda que cada pessoa

    surda tem, em sua busca por apario lingustico-comunicante entre Outros no

    mundo, sendo a realidade sensorial de cada um e a qualidade tica de sua

    situao, as bases de um processo de singularizao desta condio e de uma

    potencial realizao humana plena;

    2) Do ponto de vista lingustico, que o bilinguismo de surdos considere o processomultideterminado que experienciar duas ou mais lnguas; que trate disto,

    enquanto um processo de construo de bilingualidade fluida entre Outros

    lingusticos; que as duas lnguas sejam consideradas importantes na situao

    recorrente de minoria sensorial das pessoas que vivem a condio surda; e que

    sejam assumidas as nuances e as respectivas decorrncias da bilingualidade dos

    surdos, que uma bilingualidade bimodal, pois, na sua expresso falada, a

    lngua oral-auditiva de limitado acesso sensorial e, na sua expresso escrita,

    linguisticamente descontnua em relao lngua mais acessvel aos surdos que

    a de modalidade espao-visual;

    3) Do ponto de vista legal, que o bilinguismo de surdos continue lutando porparmetros legislativos internacionais e nacionais, a fim de oficializar o direito

    humano diversidade cultural e lingustica em todos os territrios em que seencontram pessoas surdas;

    4) Do ponto de vista poltico, que o bilinguismo de surdos possa trocar saberes efazeres com os demais movimentos sociais de minorias, especialmente os de

    minoria lingustica, para ampliar suas estratgias de luta poltica; e que o

    bilinguismo de surdos, enquanto movimento poltico, possa ajudar a fortalecer

    mais ativamente o planejamento e a efetivao de polticas pblicas

    multilinguistas intersetoriais portanto, no s as educacionais , que faam de

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    um pas um territrio, na prtica e em todas as esferas da vida social, balsa

    humana da pluralidade subjetivante;

    5) Do ponto de vista educacional, que o bilinguismo de surdos possa se entendercomo um processo maior que o da escolarizao, assumindo que todos os

    espaos humanos so potencialmente educacionais e que, por isso, todos

    precisariam ser transformados em local de encontros efetivamente lingustico-

    comunicantes;

    6) Do ponto de vista escolar, que o bilinguismo de surdos possa materializar todosestes aspectos neste espao educacional vital, enquanto um bilinguismo

    educacional do tipo forte, entendendo a escola tanto como um lugar produzido

    por humanos como tambm produtor de humanos; e que, para isto, possa

    amadurecer ferramentas de formao escolar mais adequadas, tanto condio

    humana surda geral quanto condio surda, singularmente vivida por cada um

    de seus alunos surdos;

    7) E, por fim, do ponto de vista familiar, que o bilinguismo de surdos possa searticular aos pais que assumem os cuidados de pessoas surdas, de modo a torn-

    los parceiros e protagonistas deste processo de formao, no seus inimigos,

    tampouco os que devem ser os heris das pessoas que vivem a condio surda;

    Estes so apenas alguns apontamentos a partir da trilha caminhada e do mirante que

    alcanamos no presente captulo. Cada um destes sete pontos merece mais estudos,

    pesquisas e prticas ao longo do tempo. Por hora, ficam como reflexes multilinguistas

    sobre os que vivem a condio surda. Ficam como sugestes, a partir da psicologia e do

    bilinguismo geral, de aspectos a serem cuidados a fim de facilitarmos a realizao de um

    bilinguismo de surdos mais eticamente slido.

    6. Nosso horizonte: consideraes finais

    O objetivo do presente captulo era relativamente simples. Foi esboar, a partir de

    uma possvel definio sobre a paradoxal condio humana, algumas contribuies do

    bilinguismo geral para o bilinguismo de surdos. Para isso, buscamos utilizar vrios

    conceitos oriundos, sobretudo, da psicologia e da lingustica. Disto, surgiram os sete

    apontamentos acima registrados. Defendemos que bilinguismo, direitos lingusticos

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    universais e polticas pblicas intersetoriais multilinguistas devem caminhar juntos.

    Independentemente da condio sensorial de seus sujeitos, sejam surdos e ouvintes.

    Entre a fora do ontolgico anseio comunicante, a realidade psicossomtica nica,

    os processos biopsicossociais de subjetivao e de constituio de um algum em um si-

    mesmo desejante, os saberes e fazeres presentes no mbito familiar, o acesso a

    determinadas comunidades lingusticas, as experincias escolares pessoais, os discursos

    e prticas pblicos amplos, mais ou menos facilitadoras de apario e as polticas

    lingustico-educacionais praticadas por um Estado que indivduos bilngues acontecem

    em maior ou menor grau. Ou seja, no s por meio das polticas educacionais, nem

    somente nas escolas. entre Outros, ticos e facilitadores de apario, que podemos

    ampliar nossa bilingualidade. Ou seja, depende da balsa humana que nos ofertam.

    Esperamos que nossa trilha tenha sido acessvel, que nosso mirante lingustico e

    poltico tenha sido alcanado por mais pessoas, e que o bilinguismo dos que vivem a

    condio surda tenha sido mais fortalecidamente mirado no como miragem. E que

    estes escritos tenham clareado um pouco mais o horizonte neste campo.

    De qualquer forma, dentro do que nos propusemos para este captulo, no tnhamos

    como objetivo esgotar os assuntos polmicos, complexos e ricos da condio humana,

    dos idiomas, do bilinguismo geral, da condio surda e do bilinguismo de surdos, assim

    como os demais pelos quais passamos rapidamente correndo alguns riscos, inclusive.

    Propusemo-nos apenas a pensar aqui o que o bilinguismo de surdos pode aprender

    com o bilinguismo geral, que um modo de dizermos: o que os surdos podem aprender

    com a psicologia e a lingustica. To ou mais rico teria sido perguntar o contrrio: o que a

    psicologia e a lingustica podem aprender com os surdos. No faltariam descobertas

    incrveis. Fica para uma prxima oportunidade.

    Aqui, tantas palavras foram usadas para dizer algo relativamente simples: sem

    acolher a diversidade, precariza-se o humano pleno. Por isso, defendemosexaustivamente o paradigma multilinguista e o bilinguismo no seu sentido amplo. Para

    comunicar esta ideia central, talvez no precisssemos de tantas palavras. Quem sabe?

    Talvez tivessem bastado apenas as primeiras, extradas do filme Contato: se nenhum

    outro planeta lingustico fosse habitado, se fossemos todos monolngues, se s nossa

    lngua existisse, seria um tremendo desperdcio de espao.

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    CONCEPES DE LINGUA(GEM) E SEUS EFEITOS NAS

    CONQUISTAS POLTICAS E EDUCACIONAIS DASCOMUNIDADES SURDAS NO BRASIL

    Neiva de Aquino AlbresUniversidade Federal de Santa Catarina - UFSC

    Sonia Regina Nascimento de OliveiraFundao Getlio Vargas - FGV-SP

    ResumoEste texto apresenta reflexes sobre as concepes de lingua(gem) desenvolvidashistoricamente, desde a Lingua(gem) como a representao (espelho) dopensamento, a Lingua(gem) como instrumento de comunicao, at a concepo daLingua(gem) como processo de interao ao seu entendimento como atividadediscursiva, considerando as proposies de polticas educacionais e lingusticas combase nestas concepes. O foco deste artigo analisar quais os efeitos causados nosestudos e nas comunidades surdas pelas concepes de linguagem que constituem oimaginrio social e as prticas educativas, consolidando, assim, aes afirmativasadotadas para incluso social dos surdos brasileiros. A lingua(gem) como espelho do

    pensamento desfavoreceu um reconhecimento da lngua de sinais e favoreceu umaeducao oralista, j que, na poca, pensava-se que lngua de sinais no era uma lnguanatural e se representava lngua como fala. A concepo de lingua(gem) como cdigo,quando desconsidera a lngua de sinais, fortalece o ensino do portugus para surdoscomo um cdigo lingustico, mas, com o despertar das pesquisas em neurolingustica elingustica sobre a lngua de sinais, favoreceu o reconhecimento lingustico da Libras.Assim como a concepo da lingua(gem) como atividade discursiva e constituidora daidentidade dos indivduos surdos, com bases em estudos psicolgicos e lingusticos,contribuiu para o fortalecimento social e cultural dos surdos, sua denominao comocomunidade e minoria lingustica e a implementao da poltica educacional bilngue.Palavras-chave: poltica lingustica, concepes de linguagem, lngua de sinais,

    comunidade surda.

    1. Introduo

    A linguagem tida como a essncia da comunicao e interao dos seres

    humanos. Por meio dela, somos capazes de compreender e nos posicionar no mundo em

    que vivemos, assumindo diferentes papis na sociedade, por ela nos constitumos

    humanos (PINO, 2005). Entramos em contato com a histria de nossos ancestrais e nosrelacionamos na vida cotidiana com nossos semelhantes tambm por meio da lngua.

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    Nos dias atuais, podemos nos relacionar at mesmo com pessoas que nunca vimos, ou

    tivemos contato pessoal. Os espaos virtuais quebram barreiras e, hoje em dia, podemos

    estar em contato com qualquer pessoa em qualquer lugar e a qualquer tempo.

    A linguagem fator constitutivo de identidade, sendo por meio dela que

    expressamos nossa subjetividade e nos relacionamos com nossos semelhantes. Tambm

    por meio de seu uso que temos a oportunidade de compartilhar do patrimnio cultural

    do conhecimento na sociedade em que vivemos (BERGER e LUCKMANN, 2004).

    Todas as informaes essenciais para a sobrevivncia so transmitidas por

    intermdio da linguagem. Assim, ao nascer, j temos um mundo mapeado pela lngua, e

    por nossas relaes na vida cotidiana que basearemos nossa conduta e

    consequentemente nossa identidade, conquistando, assim, nosso espao na sociedade.

    Entre as concepes da lingua(gem) definidas no curso da histria, a primeira e

    mais antiga delas, embora ainda encontre adeptos, interpreta a lingua(gem) como

    representao direta do pensamento, como um espelho. O ser humano, para essa

    concepo, representa por meio da linguagem o que pensa. Expressar-se bem

    equiparado ao pensar bem, colocando a lngua em segundo plano, til apenas para

    traduzir o pensamento.

    A segunda concepo entende a lingua(gem) como instrumento de comunicao.

    A lngua vista como um cdigo (conjunto de signos que se combinam segundo

    regras), por meio do qual um emissor comunica determinada mensagem a um receptor.

    A terceira concepo vai admitir a lingua(gem) como processo de interao. O

    indivduo, ao fazer uso da lngua, no exterioriza apenas o seu pensamento, nem

    transmite somente informaes; mais do que isso, realiza aes, atua socialmente,

    objetivando atingir, com seu uso, resultados especficos na interpretao do outro. A

    linguagem passa a ser vista como lugar de interao, inclusive comunicativa, a partir da

    produo, construo de efeitos de sentido entre os falantes, em certa situao decomunicao e em um contexto especfico.

    Interessa-nos discutir como estas diferentes concepes de lingua(gem)

    influenciam no reconhecimento das lnguas de sinais e dos surdos como uma minoria

    lingustica. Consideramos que a poltica lingustica atual no Brasil para surdos s pode

    ser compreendida a partir de uma perspectiva mais ampla que abranja a sua histria e

    que reflita sobre suas fundamentaes filosficas, ideolgicas e tericas.

    Para compreendermos os movimentos sociais em favor da lngua de sinais, de seureconhecimento e uso em espao sociais, procedemos com uma breve retomada das

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    principais correntes lingusticas que construram verdades provisrias sobre a linguagem

    humana, o que se tem chamado de concepes de linguagem.

    O tema sobre a lingua(gem) e seu desenvolvimento adquire fora no contexto das

    transformaes da sociedade, acelerada pela globalizao, comrcio, diviso mundial do

    trabalho, das tecnologias; por outro lado, a discusso da diversidade cultural, tnica e

    lingustica tambm favorece outras formas de ver e compreender sobre a linguagem

    humana. Desta forma, organizamos o texto em trs subtpicos, a saber: "A lingua(gem)

    como representao (espelho) do pensamento"; "Lingua(gem) como instrumento de

    comunicao"; e "Concepo da Lingua(gem) como processo de interao".

    2. A lingua(gem) como representao (espelho) do pensamento

    A Lingua(gem) como a representao (espelho) do pensamento - a primeira

    concepo da linguagem registrada e teve origem na idade antiga (CHAU, 1999). Neste

    perodo, a concepo de que a mesma indicativa ou denotativa, isto , serve para

    indicar e representar o pensamento. Acreditava-se que quem fala ou escreve bem,

    seguindo e dominando as normas que compem a gramtica da lngua, consegue

    transmitir de maneira mais correta suas ideias e um indivduo que organiza logicamente

    o seu pensamento. Os surdos, ento, eram classificados como incapazes de pensar e

    considerados deficientes intelectual, j que a linguagem humana estava fortemente ligada

    comunicao oral (MOURA, LODI e HARRISON, 1997).

    A igreja teve forte influncia para enfatizar a fala como atributo essencial de

    aprendizagem e conhecimento. Encontram-se, em textos bblicos, passagens que revelam

    que os surdos, assim como os demais deficientes, eram considerados pecadores, j que o

    corpo era o templo da alma e em consequncia, um corpo imperfeito refletia o estado

    de alma tambm imperfeita.A partir da Renascena, estudos mais avanados na rea de anatomia fizeram com

    que pesquisas mdicas tomassem os rumos da reabilitao, como o estudo das causas da

    surdez no perodo da Revoluo Cientfica. A surdez passa a se constituir num desafio

    para a medicina, pois era considerada uma anomalia orgnica a ser curada (STEVES,

    1968). Inicia-se, neste perodo, as investigaes da anatomia humana, e

    consequentemente, o estudo de mtodos que pudessem conduzir os surdos fala oral. De

    acordo com Sacks (1998).

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    A situao das pessoas com surdez pr-lingustica, antes de 1750, era de fato

    uma calamidade: incapazes de desenvolver a fala e, portanto, incapazes de

    se comunicarem livremente at mesmo com seus familiares, restritos a

    alguns sinais e gestos rudimentares, isolados [...], privados de alfabetizao

    e instruo, de todo o conhecimento do mundo, forados a fazerem trabalhosmais desprezveis, vivendo sozinhos, muitas vezes beira da misria,

    considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais que imbecis

    (SACKS, 1998, p. 27).

    A concepo da boa expresso oral como reflexo do desenvolvimento intelectual

    disseminado nesse momento, mas, paralelamente, os surdos desenvolveram outra forma

    de comunicao. No se sabe ao certo onde, como surgem as lnguas de sinais, mas

    consideramos que estas foram criadas por homens ao resgatar o funcionamentocomunicativo por meio dos demais canais sensoriais (viso e produo motora), devido

    ao impedimento auditivo para desenvolver naturalmente uma lngua oral-auditiva.

    A preocupao dos filsofos era compreender como os homens objetivavam as

    experincias abstratas por meio da linguagem, sendo a lngua uma diferena entre eles e

    os animais. Segundo a filosofia, os animais podem executar algumas tarefas que

    exprimem uma ao inteligente, porm, o homem o nico animal capaz de utilizar da

    razo para este tipo de ao, o nico animal que modifica e constri o ambiente em quevive (VIGOTSKI, 2008). Para que estas modificaes ocorram, h necessidade de

    interaes com seus semelhantes e consequente transmisso para geraes futuras. Para

    isso, a linguagem fundamental para o ser humano. Baseando-se nestas concepes,

    filsofos como Descartes, afirmavam que at mesmo os homens mais embrutecidos

    seguiam a sua natureza, valendo-se de outras formas de expresso. Nesta afirmativa,

    Descartes favorece a ideia de que os surdos tambm eram seres pensantes, ao utilizarem

    uma forma gestual de comunicao para objetivar seus pensamentos.

    [...] que se conhea tambm a diferena entre o homem e os animais. , na

    verdade, bastante notvel a existncia de homens to embrutecidos e to

    estpidos, sem excetuar mesmo os insanos, que no sejam capazes de

    arranjar vrias palavras em conjunto, e de compor com elas um discurso

    pelo qual se faam compreender seus pensamentos [...]. Por outro lado,

    homens que tendo nascido surdos-mudos, so desprovidos dos rgos de que

    os o