29

Click here to load reader

€¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

  • Upload
    lamlien

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

CEM ANOS ENTRE ARCABOUÇOS TEÓRICOS COMPLEMENTARES: THORSTEIN VEBLEN E GEOFFREY HODGSON

Daniele Neuberger1

Pedro Xavier da Silva2

Sílvio Antônio Ferraz Cário3

RESUMO

O artigo busca apresentar complementariedades entre as principais categorias teórico-analíticas abordadas por Thorstein Veblen e Geoffrey Hodgson, representantes, respectivamente, do Antigo Institucionalismo norte-americano e do Neo-Institucionalismo. Particular ênfase é dada à crítica institucionalista às abordagens que advogam a supremacia da estrutura sobre o indivíduo ou do indivíduo sobre a estrutura. A alternativa proposta pelos autores sugere que tanto os indivíduos podem modificar as instituições vigentes, quanto as próprias instituições podem afetar as preferências individuais. Os hábitos de pensamento e de comportamento emergem como categoria fundamental na compreensão dessa proposta alternativa.

Palavras-chave: Instituições; Indivíduos; Hábitos; Thorstein Veblen; Geoffrey Hodgson.

Classificação JEL: B15; B25; B41.

Área 1: Metodologia e História do Pensamento Econômico

ABSTRACT

The article seeks to present complementarities between the main theoretical and analytical categories discussed by Thorstein Veblen and Geoffrey Hodgson, representatives of the Old American Institutionalism and Neo-Institutionalism, respectively. Particular emphasis is given to institutionalist critique of approaches that advocate the supremacy of the structure over the individual or the individual over the structure. The alternative proposed by the authors suggests that both individuals can modify existing institutions, and institutions themselves can affect individual preferences. Habits of thought and behavior emerge as a fundamental category in understanding this alternative proposal.

Key-words: Institutions; Individuals; Habits; Thorstein Veblen; Geoffrey Hodgson.

JEL classification: B15; B25; B41.

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGECO-UFSC). Email: [email protected] Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGA-UFSC). Email: [email protected] Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e dos Programas de Pós-Graduação em Economia e de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) E-mail: [email protected]

Page 2: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

1 INTRODUÇÃO

O Institucionalismo, no âmbito das Ciências Econômicas, tem sua origem em obras publicadas no final do Século XIX e nas primeiras décadas do seguinte, por autores como Thorstein Veblen, Wesley C. Mitchell e John Commons. Esses autores compuseram uma matriz teórica que, atualmente, é conhecida como Velho (ou Original) Institucionalismo.

Veblen, em uma lógica de construção teórica que parte do abstrato ao concreto, desenvolve suas análises a partir das categorias “hábitos”, “valores”, “regras” e “instituições” (MONASTERIO, 1998). Com enfoque na mudança institucional, sua teoria se baseia em instintos que influenciam hábitos de vida e, em uma próxima etapa, se consolidam em hábitos de pensamento. Mitchells, àquela época um dos poucos economistas que endossavam a proposta vebleniana, criticava as análises econômicas que se consolidavam e sustentava seu ponto de vista em relação aos ciclos econômicos na mudança institucional ao longo da história (MITCHELLS, 1913). Já Commons (1931), analisando o contexto social de algumas décadas à frente, estruturou sua matriz analítica nas categorias “ação coletiva” e “bom senso”, representando essas instituições em uma economia monetarizada. Em sua visão, instituições eram definidas como ações coletivas de controle, liberação e expansão das ações individuais.

Ainda sob o alicerce da Economia Institucionalista repousa a Nova Economia Institucional (NEI). Essa, por sua vez, possui autores como Ronald Coase, Oliver Williamson e Douglas North como seus principais expoentes. Nessa matriz se destacam os conceitos de “custos de transação” e “estruturas de governança”, além das instituições formais e informais que compõem o ambiente no qual ocorrem as atividades econômicas (Williamson, 1985; North, 1990). Nessa linha teórica, a corrente macroanalítica é composta pela abordagem empregada por Douglas North, qual seja, o “ambiente institucional” e suas dimensões (instituições políticas e legais, leis, costumes, tabus, normas, etc…), ali representando as “regras do jogo”, ou seja, o locus da mudança de parâmetros, que provocam alterações nos custos de governança. A corrente teórica microanalítica é representada, principalmente, pela teoria dos custos de transação, na qual a transação é a unidade básica de análise.

As transações devem, portanto, ser avaliadas enquanto suas dimensões: frequência, incerteza e especificidade dos ativos. Além disso, as transações são organizadas de acordo com as formas de governança (mercado, híbrida ou verticalização) e cada forma genérica de governança é sustentada por uma maneira distinta de contrato legal. Sendo assim, as próprias transações se alinham conforme as estruturas de governança, que se diferenciam em relação às características transacionais, ao ambiente institucional vigente, e à especificidade dos ativos envolvidos (WIILIAMSON, 1985, 1991).

Nota-se, com isso, que enquanto os primeiros autores encontram na dinâmica institucional o aparato analítico necessário para o entendimento do desenvolvimento da sociedade, os demais (NEI) vislumbram nas instituições elementos não econômicos para corroborar a compreensão da atividade e do desenvolvimento econômico. Identificando essa reaproximação com a economia neoclássica, economistas institucionais hodiernos passaram a tecer críticas aos constructos da NEI em relação ao seu caráter analítico, do qual emerge o individualismo metodológico e inclina-se à evidenciação da maximização da eficiência econômica (ATKINSON e OLESON, 1998).

Para Hodgson (2006), não é fortuito considerar os indivíduos como “jogadores” em um ambiente emulado por “regras do jogo”, uma vez que os interesses por detrás das decisões político-econômicas são vinculados a distintas dimensões e não somente à econômica. Em outras palavras, essas decisões não configuram somente a busca por correção de falhas de mercado.

Nesse sentido, o presente texto visa, por meio de uma Análise de Conteúdo (BARDIN, 2006) identificar vínculos e complementaridades entre a Velha Economia Institucional e esses novos economistas que teceram críticas à NEI e buscam em seus constructos avançar na matriz analítica institucionalista. Para tal, elegeram-se obras de Thorstein Veblen e Geoffrey Hodgson

Page 3: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

(além de outras que se propuseram a analisá-los) como base de dados. Além da presente introdução e da seção seguinte, referente à descrição dos procedimentos metodológicos, este artigo conta com uma seção de referencial teórico, na qual serão apresentados os principais pressupostos teóricos de ambos autores supracitados, uma quarta seção na qual as categorias analíticas serão discutidas enquanto suas similaridades e avanços e, por fim, as considerações finais.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Utilizou-se como base de dados quatro textos nucleares de Thorstein Veblen (1898; 1899; 1909; 1914) e cinco textos de Geoffrey Hodgson (2003a; 2006; 2007a; 2007b; 2010). Outrossim, no intuito de buscar contribuições que endossassem os argumentos centrais desses autores, serão apresentados trechos de outros textos de ambos os autores, assim como de pesquisadores que os tenham analisado (conforme mencionado na Introdução). Esses escritos foram escolhidos na medida em que se evidenciaram neles categorias e procedimentos analíticos descritos de forma suficientemente explícita para o alcance do objetivo proposto.

Assim sendo, tais evidências foram analisadas com base nos conceitos teóricos da Análise de Conteúdo de Bardin (2006), caracterizada por três fases distintas. Primeiramente foi realizada uma pré-análise, a partir de leitura flutuante sobre o material tomado como banco de dados, ou seja, o arcabouço acima referenciado. A partir de uma reflexão acerca de suas proposições, iniciou-se um processo de exploração do material com base na codificação e categorização das informações ali contidas.

Para a formulação das categorias, foram utilizados conceitos identificados como apropriados nas leituras referentes aos constructos da Economia Institucionalista, resultando em diferentes níveis de informação (Tema, Categoria e Indicador). Como “Tema”, selecionaram-se nos textos passagens referentes às abordagens analíticas dos autores, quais sejam a “Economica Evolucionária”4, por parte de Veblen, e a “Reconstitutive Downward Causation”, no que se refere à proposta de Hodgson. A partir daí, estes trechos, cujos temas se enquadram na proposta, foram categorizados por meio de uma transposição com base na utilização das categorias analíticas “Instintos”, Hábitos” e Instituições”. A quarta seção deste artigo apresentará como indicadores as principais similaridades entre as abordagens, assim como as diferenças e avanços de uma em relação à outra.

3. REFERENCIAL TEÓRICO: A ECONOMIA INSTITUCIONAL

Conforme definido por Conceição (2002), o institucionalismo é uma linha de pensamento oposta ao neoclassicismo, semelhante ao marxismo em alguns aspectos e fortemente vinculada ao evolucionismo. Atribui-se ao “velho” institucionalismo norte-americano a matriz da escola institucionalista, sobretudo a partir dos escritos de Veblen, Commons e Mitchel. Apesar de as abordagens institucionalistas divergirem em sua definição, é possível afirmar que existe um corpo teórico definido entre elas. Nesse sentido, é a própria diversidade das abordagens que constitui a fonte de riqueza do pensamento institucionalista.

Não obstante as diferenças conceituais e os distintos enfoques assumidos pelas vertentes do institucionalismo, esse paradigma identifica elementos teóricos comuns, tais como o questionamento quanto à validade da premissa do mercado enquanto mecanismo alocador, a crítica ao individualismo metodológico, uma visão do processo econômico como um sistema aberto e parte de uma ampla rede de relações socioculturais, a ênfase no comportamento guiado por hábitos e rotinas (e ocasionalmente pontuado por atos de criatividade e inovação), a influência da path

4 É importante, aqui, considerar como “Economia Evolucionária” a proposta de Veblen exposta a partir de sua obra “Why Economics is not an Evolutionary Science”, de 1898.

Page 4: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

dependence e a visão da tecnologia como motivadora primária do desenvolvimento (CONCEIÇÃO, 2007).

Considerando a importância da diversidade presente no pensamento institucionalista, mas sem perder de vista o objetivo do presente estudo, passa-se a seguir a uma breve revisão de suas principais vertentes, com enfoque nas ideias de Veblen e Hodgson.

3.1 Veblen e o Antigo Institucionalismo

Thorstein Veblen expõe sua proposta de leitura sobre as mudanças institucionais na sociedade americana de duas formas: primeiramente, a partir de uma crítica às análises que se consolidavam e se propunham a investigar esse mesmo objeto; em segundo, explicitando a necessidade contemporânea de integrar as Ciências Econômicas ao caráter evolucionário que se manifestava em diversas áreas da ciência.

“Why is Economics not an Evolutionary Science” (1898) representa a apresentação de uma proposta analítica para fenômenos socioeconômicos, que em sua matriz contempla o tripé de categorias INSTINTOS-HÁBITOS-INSTITUIÇÔES. Ao criticar as abordagens que recebiam ênfase no cenário econômico de seu tempo e expunham como agente do modelo o “homem hedonista”, capaz de calcular suas escolhas em relação às próprias vontades, Veblen indica que a economia marginalista negligenciava aspectos intrínsecos à natureza humana, às rotinas e hábitos de vida e pensamento e a busca de ascensão social, que ocorre de forma comparativa. Tal crítica recebe ainda mais endosso em “The limitations of Marginal Utility” (1909), postulando a incapacidade processual – dado seu caráter estático - das ciências econômicas em avaliar fenômenos tão dinâmicos como se propunham.

Da mesma forma, Veblen criticava a ênfase antropológica na estrutura como determinante para as ações individuais. Para ele, as ciências econômicas deveriam, portanto, seguir uma trajetória teórica que relacionasse estrutura e indivíduo - sem negligenciar ou supervalorizar um ou outro - de forma a considerar o processo contínuo e processual de construção dos comportamentos. E, tão significante quanto, a obra “The Instinct of Workmanship and the State of Industrial Arts” (1914) contém a essência teórica da economia política de Veblen e a forma como vincula os aspectos inerentes à natureza humana – os instintos – à identificação de padrões de comportamento dos indivíduos em sociedade (CAVALIERI, 2013).

Evidente, nesse sentido, é o entendimento de que, neste novo contexto social consolidado por um sistema urbano-industrial, cuja moeda conduziria às condições de troca, a propriedade privada se tornara fator fundamental na composição do modelo, sendo motivo de honra e exaltação aos olhos do coletivo e indispensável à afirmação do indivíduo. Se, como mencionado, a proposta seria identificar os motivos pelos quais a realidade se apresentava, Veblen (1899) buscou fundamentos como a propriedade do homem sobre a mulher, ou das famílias abastadas sobre os escravos, para transcender a explicação à lógica de acumulação capitalista que condicionava o desenvolvimento que buscava investigar. À época, constatava-se uma mudança importante entre as classes sociais americanas, em que, tanto agricultores quanto a burguesia industrial se indispunham diante da ascensão de uma aristocracia beneficiada por acordos oligopolistas e aumento de poder político, demandando a contemplação de novos interesses aos pactos sociais (CAVALIERI, 2015). Este fato influenciava diversas situações, como a legislação trabalhista e a adoção de determinados padrões tecno-produtivos.

Ali, infere-se que o autor estava condicionado a fomentar o preenchimento de uma lacuna metodológico-analítica por meio de uma matriz que não negligenciasse aspectos intrínsecos à natureza das relações capitalistas. Conceição indica o seguinte (2012, p. 123):

“Veblen empregou a ideia de uma cadeia histórica sem quebra de causa e efeito para minar os pressupostos do mainstream econômico. O uso feito por ele sobre as injunções metodológicas darwinianas levaram-no a uma poderosa crítica. Isto porque, em Veblen, o agente humano era assunto de um processo evolucionário e jamais poderia ser tido como fixo ou dado. Portanto, uma avaliação causal da interação entre indivíduo e estrutura social

Page 5: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

tinha que ser providenciada. E esse “acerto de contas” causal não deveria parar no indivíduo, mas deveria também tentar explicar a origem dos objetivos e preferências psicológicas”.

Nesse sentido, os instintos, por exemplo, seriam elencados como singulares aos pressupostos estruturais da proposta Economia Evolucionária (1898), uma vez que evidenciam atributos humanos diante de um processo de seleção das instituições vigentes. Mas o que seria a Economia Evolucionária? É a própria resposta de Thorstein Veblen à emergência dessas supraditas análises econômicas que não corresponderiam àquele cenário em que as estruturas urbano-industriais se consolidavam. É a busca de Veblen para solucionar um problema identificado entre ênfases teóricas simplificadas, ora unicamente sobre as ações individuais, ora unicamente sobre o impacto da estrutura vigente como fator determinante do comportamento.

3.1.1 A Proposta Economia Evolucionária

Embasado na quebra de paradigma científico imposta por Charles Darwin em “A Origem das Espécies” (1859), Veblen (1898; 1899) torna-se um precursor do Institucionalismo norte-americano ao apresentar leituras críticas contundentes às Ciências Econômicas e ao sistema socioeconômico de acumulação capitalista que se impunha. Ambas as obras - uma de apelo mais teórico e outra mais empírico - somadas, são a indicação do que se intencionava com esta alternativa analítica pós-darwiniana da economia. Thorstein, embora norte-americano, foi criado sob forte influência cultural estrangeira - uma vez que seus pais eram imigrantes noruegueses e em um povoado de origem ele passou seus primeiros anos de vida. O contato e aprimoramento da língua inglesa ocorreu como seminarista, o que também o fez se aproximar de obras da Filosofia. Posteriormente ingressou em Yale, se aproximando da obra de Hegel, Spencer, Kant, Darwin e Charles Pierce, entre outros (CRUZ, 2015). Seu destaque como acadêmico ocorreu na Universidade de Chicago, onde as obras de Darwin recebiam interesse pujante, tornando-se professor e editor do Journal of Political Economy.

O pesquisador tinha como objeto de análise um cenário socioeconômico dinâmico, mutante e bastante desigual. Diante da nítida lacuna observada entre as classes sociais - em que o capital se destacava no desenvolvimento urbano e a terra como fonte de lucro especulativo -, ao final do século XIX a sociedade se direcionava à urbano-industrialização, tendo como agentes centrais homens de negócios, por um lado, e imigrantes - que entendiam a terra como fonte de trabalho e meio de subsistência - por outro (CRUZ, 2015). Gritava aos olhos uma significativa mudança no panorama das classes sociais americanas, em que, tanto agricultores do oeste americano quanto a burguesia industrial se indispunham diante da ascensão de uma aristocracia beneficiada por acordos oligopolistas e aumento de poder político. Foi diante da constatação da estabilização dessa sociedade industrial-pecuniária, cuja estrutura estaria enraizada em processo de causação cumulativa que envolvia instintos, hábitos e instituições (VEBLEN, 1899), que começou a tomar forma seu pensamento.

E é justamente nesse processo causal que o autor embasou suas proposições evolucionárias, inspiradas em Darwin. O ambiente influenciando o desenvolvimento das espécies tornou-se um pressuposto pilar para analogias às distintas áreas da ciência ao desestabilizar as propostas criacionistas, solidificando teorias diversas (CAVALIERI, 2013). O que Veblen fez foi transcender esta lógica evolucionista às ciências sociais. Com uma didática explicativa por meio de conceitos como variância, herança e seleção natural, qualificar-se-iam as mudanças comportamentais individuais e coletivas que ocorreriam ao passo que instituições antigas e novas estivessem em constante conflito (VEBLEN, 1898).

Sua tese central se baseava em uma lógica na qual as demandas de uma sociedade formariam maneiras de interação dos homens com o mundo, o que corresponderia aos seus hábitos de vida. Se por um lado esses hábitos de vida estariam vinculados a aspectos inerentes aos homens, quais sejam seus instintos, por outro, esses hábitos se conectam a hábitos de pensamento, consolidando consensos no senso individual e coletivo (VEBLEN, 1899). A dialética aqui presente

Page 6: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

une este tripé analítico “instintos-hábitos-instituições”, de forma que os hábitos sejam a expressão desta retroalimentação dinâmica entre a natureza humana e as instituições. A dinâmica social estaria em constante evolução, partindo de expressões inatas e individuais (embora comuns à sociedade) e se expandindo à expressões coletivas, as próprias instituições.

Em “The Instinct of the Workmanship and the State of Industrial Arts” (1914), os instintos são classificados em quatro diferentes grupos: Instinto do Trabalho Eficaz (relacionado à busca por eficiência), o Instinto Predatório (cujo propósito final seria a extração), o Instinto Parental (relacionado aos cuidados coletivos) e o Instinto da Curiosidade Vã (cujo vínculo principal dado pelo autor se dá com a ciência). O Instinto Predatório, que teria seu surgimento a partir da passagem de uma fase pacífica selvagem para uma fase predatória, estaria relacionado com a competição e se tornaria amplificado em uma sociedade industrial (VEBLEN, 1899).

Os hábitos de pensamento (hábitos de vida que se enraizam no senso comum) podem ser entendidos como as instituições, principal categoria analítica do que se seguiu como “Economia Institucional”. Veblen (1899) indica que eles estão intimamente relacionados aos hábitos de vida e àquilo que o autor chama de “espírito humano” – os próprios instintos. É neste ponto que o autor explana, de forma empírica, as relações entre estas categorias e o desenvolvimento das sociedades. Um exemplo sugerido é a reatividade a situações de mudança, em que as pessoas tendem a manter seus hábitos se não perceberem necessidade de o fazer. Ademais, tais mudanças nas instituições sociais se moldariam de forma coercitiva devido à situação que se impôs, em um processo de “seleção” das instituições.

Com isso, a Economia Evolucionária parte do pressuposto de que hábitos de vida e de pensamento se emulam por consensos, dependendo da aceitação de um grupo dominante na sociedade. Instituições são eleitas sob interesses destes grupos, representando a manutenção ou a alteração da realidade, causando efeitos sobre toda a sociedade. Neste sentido, a própria ciência, realizada sob interesses, poderia retardar o progresso coletivo em virtude da manutenção de uma situação que beneficie tais interesses e/ou como reflexo de conservantismos do grupo dominante (a “classe ociosa”, para Veblen).

3.1.2 A Teoria da Classe Ociosa

“A Teoria da Classe Ociosa” (1899) é uma análise empírica na qual pode-se observar a aplicação da Economia Evolucionária. A obra critica, descreve e faz inferências acerca do sistema socioeconômico vigente. Essa análise empírica, portanto, constata a estabilização de uma sociedade industrial-pecuniária, cuja estrutura estaria enraizada em processos de causação cumulativa, que envolve instintos e hábitos relacionados à dinâmica institucional. Expondo características de uma “fase pacífica”, cujas sociedades eram primitivas e a distinção de funções e hierarquias era pouco significativa, o autor demonstra como existem hábitos mais comuns a funções industriais. Àquela época (Séc. XIX) já se constatava que as regras sociais fomentavam a competição entre os homens. Seria, portanto, uma “fase predatória”, cujos instintos predatórios com finalidade de extração seriam fundamentais para se galgar êxitos.

A partir dessa explanação, nota-se a preocupação em fundamentar um processo de consolidação de divisão social que outrora se fundamentava em questões de força, habilidade bélica e supostas bênçãos divinas, e posteriormente à riqueza, ao status político e às habilidades esportivas. Essa superioridade, portanto, institucionaliza os padrões de “fazer das coisas” e torna-se o “alvo” àqueles que estão abaixo. Em suma, hábitos sociais, do consumo ao trabalho, do lazer à educação, se homogeneízam nos diferentes extratos sociais, a partir de consensos carregados de interesses.

Indumentário elaborado, mulheres bem apresentadas, animais de estimação, empregados domiciliares, prática de esportes e contemplação da natureza (entre outros) tornam-se, portanto, fundamentais neste processo comparativo. Veblen (1899) relaciona tais artigos e práticas à emulação de consumo e ócio conspícuos, ou seja, hábitos de vida exclusivos a indivíduos com tempo e/ou recursos em quantidade superior da demandada para sua subsistência. Sendo assim, ao

Page 7: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

passo que este grupo de pessoas havia se apartado das funções industriais, continuava institucionalizando os consensos e as trajetórias de desenvolvimento da sociedade.

Em relação ao desenvolvimento das sociedades, um exemplo dado é a reatividade às situações de mudança, em que as pessoas tendem a manter seus hábitos se não perceberem necessidade de o fazer. Tais mudanças nas instituições sociais se moldariam de forma coercitiva devido à situação que se impôs, e o conservantismo dessa “classe ociosa” tenderia a brecar mudanças que visassem interferir em suas benesses (VEBLEN, 1899). Esse fato pode ser transcendido para diversas situações, como a manutenção e imposição de sistemas produtivos hegemônicos em determinados contextos, por exemplo.

Diante desta realidade em constante transformação, é a partir das ideias darwinistas que Veblen desenvolve a didática de sua retórica. Com foco no processo causal de evolução (não considerando aqui “evolução” como um processo unicamente melhorativo, mas sim de causação e mudança), a influência do ambiente sobre o desenvolvimento (das espécies no caso de Darwin, das sociedades e relações econômicas no caso de Veblen), estes pressupostos vinham sendo incorporados pelas mais distintas áreas da ciência. Essa utilização era endossada pela atmosfera acadêmica da Universidade de Chigado, onde uma notória propensão à assimilação e propagação da ciência pós-darwiniana se construía (CAVALIERI, 2013).

As análises institucionalistas, portanto, deveriam focar nos processos transformativos, e não em situações onde o equilíbrio seria o fim e as ações seriam isoladas de seu contexto histórico e social. Em um cenário de relações sociais sendo influenciadas por expressões individuais e coletivas, como costumes, hábitos, interesses e leis, as ações econômicas individuais dos agentes capitalistas responderiam ao passado e fomentariam o futuro desse sistema de maior ou menor liberação, controle ou expansão.

3.2 O Neo-institucionalismo

As críticas em relação aos constructos econômicos-institucionalistas ocorrem, mormente, em dois sentidos (HODGSON, 1998; ATKINSON e OLESON, 1996): ou por serem extremamente descritivos, abstratos e deterministas; ou ainda por representarem uma aproximação ao neoclassicismo devido à filiação ao individualismo metodológico e, sobretudo, à evidenciação da maximização da performance econômica e equilíbrio (por meio da correção de falhas de mercado). Evidente é que enquanto os primeiros críticos estão se referindo às construções seminais do arcabouço em questão (o Antigo Institucionalismo), os demais se referem às abordagens da NEI. Geoffrey Hodgson mantém e sustenta essa crítica à NEI ao derivar sua proposta analítica, buscando avançar nos pontos onde considera que os antigos institucionalistas não o fizeram.

A crítica de Hodgson à NEI evidencia a sua insatisfação em relação à ruptura com o Antigo Institucionalismo, ao se aproximar do individualismo metodológico, principalmente quando o material analisado provém da linha microanalítica (Teoria de Custos de Transação). Embora Williamson (1985; 1991) vincule o comportamento com o ambiente institucional, Hodgson (1998; 2000) se contrapõe ao fato de que ele possa ser exógeno à estrutura, assim como a própria estrutura não pode ser amplamente compreendida a partir de um ponto de vista unilateral da ação.

Em relação às críticas à linha macroanalítica da NEI (NORTH, 1991; 1994), Hodgson (2006) não considera os indivíduos como “jogadores” em um ambiente emulado por “regras do jogo”, dado que, para ele, a partir desse ponto de vista, indica-se que toda ação tem como fim o desempenho e são desconsideradas dimensões não econômicas relacionadas ao processo de tomada de decisão. Nesse sentido, os textos que aqui nos servem de alicerce buscam demonstrar caminhos para desvincular as abordagens institucionalistas de tais críticas. Aproximando-se desta exposição, Hodgson (2006) indica como elementos básicos de pesquisas desta natureza a incorporação de fatores culturais e institucionais vinculados ao desenvolvimento econômico, a demanda por análises interdisciplinares e materiais empírico-históricos e a não supervalorização de modelos matemático-estatísticos. O autor torna evidente as características evolucionárias que preza nestes processos investigativos, citando, por exemplo, os conceitos de hábito e rotinas que encapsulam a essência da

Page 8: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

mudança institucional.Com isso, a proposta metodológica de Hodgson se diferencia da NEI ao indicar que não é

fortuito considerar que mercados (ou as transações de troca em si) sejam anteriores às instituições. Para o autor, a questão não é “o que primeiro surgiu, e sim quais fatores explicam o desenvolvimento de ambos” (HODGSON, 2006). Ou seja, os indivíduos não são meramente constrangidos ou incentivados por instituições; os indivíduos são constituídos por instituições e, de forma reconstitutiva, suas ações interferem na mudança institucional. Instituições seriam, portanto, regras estabelecidas que estruturam as interações sociais, atuando como constrangimentos institucionais (external enforcement) que explicam as restrições comportamentais impostas e os comportamentos governados por hábitos (self enforcement). Sendo as instituições sistemas e regras sociais que estruturam as interações sociais, se verá a seguir como Hodgson busca classificar as disposições normativas e convenções às instâncias particulares das regras institucionais.

3.3 O pensamento de Geoffrey Hodgson

Geoffrey Martin Hodgson nasceu em 28 de julho de 1946 e foi autor de importantes obras do Institucionalismo Econômico, que incluem críticas à teoria mainstream e proposições sobre a necessidade de análise das instituições em um contexto evolucionário. Atualmente, é reconhecido como uma das principais figuras do institucionalismo moderno, promovendo o debate crítico e a tradição intelectual dos fundadores da escola institucionalista, principalmente de Thorstein Veblen.

Inspirado nos conceitos veblenianos de “hábitos”, “instintos” e “instituições”, Hodgson rejeita a compreensão neoclássica de que as preferências individuais são fixas e imutáveis, e procura relacioná-las com o ambiente sócio institucional, onde se dá a interação entre os agentes.

3.3.1 Relevância das instituições em Hodgson

Hodgson (2009) afirma que, por muito tempo, o modelo predominante na explicação dos processos de crescimento e desenvolvimento econômico compreendia as firmas como entidades que utilizavam uma dada combinação de insumos – capital e trabalho – visando determinado fluxo de resultados. Os indivíduos, por sua vez, eram vistos como agentes maximizadores e racionais, detentores de uma função de preferências que determinava as suas decisões. Nesse modelo, os objetivos dos agentes eram dados: as firmas buscavam aumentar os seus lucros, e os indivíduos, satisfazer suas preferências. O processo de produção em si não era explicado, tampouco a formação das escolhas individuais: estruturas institucionais e a forma como estas podem condicionar o comportamento dos agentes não eram consideradas.

O reduzido poder explicativo desse tipo de teoria fez com que, progressivamente, surgissem abordagens alternativas ao mainstream econômico, visando preencher as lacunas deixadas por ele na explicação dos fenômenos econômicos e sociais.

O crescimento da economia institucional como área de conhecimento e a maior frequência no uso do conceito “instituições” nas ciências sociais nos últimos anos tem provocado o ressurgimento do debate nesse campo. Como consequência, a ausência de consenso a respeito de temas centrais como “instituições” ou “organizações” veio à tona, tornando imperativa a necessidade de sua discussão, bem como as tentativas de conciliação entre as suas definições, para que, a partir daí, estudos empíricos e análises teóricas possam ser realizados. Para Hodgson (2006), o conceito de instituições se refere a sistemas de regras sociais prevalecentes e estabelecidas que estruturam as interações sociais. Crescentemente se reconhece que a maior parte das atividades e interações humanas é estruturada em termos de regras sociais mais ou menos implícitas, que envolvem desde o dinheiro e a linguagem até as firmas e as leis:

Institutions are enduring systems of socially ingrained rules. They channel and constrain behavior so that individuals form new habits as a result. People do not develop new preferences, wants or purposes simply because “values” or “social forces” control them.

Page 9: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

Instead, the framing, shifting and constraining capacities of social institutions give rise to new perceptions and dispositions within individuals (HODGSON, 2007a, p. 331).

De acordo com Hodgson (2006), a estabilidade e a durabilidade das instituições decorrem do fato de elas serem capazes de criar expectativas estáveis a respeito do comportamento dos indivíduos. As instituições são capazes, nesse sentido, de impor consistência à atividade humana, e dependem tanto do pensamento quanto das atividades individuais, não sendo, porém, redutíveis a elas. Além disso, elas podem tanto restringir quanto permitir e encorajar o comportamento, de modo que, embora determinem restrições à atividade humana, elas podem abrir oportunidades que de outra forma não seriam vislumbradas.

Da mesma forma que Veblen, Hodgson também é adepto das ideias darwinistas e, como tal, acredita que a Ciência deve estar comprometida em fornecer explicações causais para todos os fenômenos, inclusive para as preferências e escolhas dos indivíduos5. A principal falha cometida pela economia mainstream é o fato de ignorar a possibilidade de que os objetivos e as preferências dos agentes possam ser reconstituídos pelas circunstâncias. Análises que se pretendem evolucionárias, por outro lado, devem considerar os indivíduos em seus contextos histórico e institucional (HODGSON, 2003b).

3.3.2 O papel desempenhado pelos hábitos

Desde a publicação de “An Essay on the nature and significance of Economic Science”, de Lionel Robbins, a Ciência Econômica tem sido entendida como a “ciência da escolha racional”, pois concebe os indivíduos como agentes decisores, que compartilham um conjunto comum de preferências e que conhecem as consequências de todas as suas escolhas. Como cada agente escolhe a alternativa que for mais atrativa de acordo com a sua função de preferências, as decisões daí decorrentes são consideradas “racionais”. O modo como são formadas tais preferências, no entanto, não é explicado, fazendo com que sejam entendidas como “dadas” ou “exógenas”. De acordo com Hodgson (2010), por outro lado, não é correto pressupor que as escolhas sejam dadas ou que surjam do acaso, e sustenta que suas causas precisam ser investigadas.

Trabalhos recentes desenvolvidos na área da Psicologia estão, crescentemente, se distanciando do chamado “paradigma deliberativo”, que entende a mente humana como deliberadora independente e racional, e dirigindo-se para um novo paradigma, em que se compreende que a cognição humana depende do ambiente social e material no qual os indivíduos estão inseridos, bem como das suas interações com os outros agentes. Essa mudança de paradigma na Psicologia afeta a forma como são pensadas as coisas na Ciência Econômica, principalmente no que concerne à formação das preferências individuais (HODGSON, 2007a).

Esses estudos têm demonstrado que a combinação de processos conscientes e inconscientes, socialização e educação, ajudam a criar o aparato cognitivo necessário para a tomada de decisão dos agentes. Nessas circunstâncias, a racionalidade individual passa a depender de mecanismos culturais e institucionais. Para o autor, a adoção de uma racionalidade dependente do contexto é consistente com uma economia institucional na qual agência e estrutura são importantes e mutuamente constitutivas. O raciocínio é inseparável do seu contexto institucional e material.

Essa “maleabilidade” das preferências é necessária para explicar a evolução e a estabilidade institucional, que é reforçada pela capacidade que as instituições têm de modificar as escolhas dos indivíduos. O autor afirma que são os “hábitos” os mecanismos que fornecem os fundamentos para a modificação das crenças e das preferências, e que Veblen foi um dos primeiros autores a examinar quais circunstâncias e restrições conduzem à formação dos hábitos. “Through the individual mechanism of habit, the framing, shifting and constraining capacities of social institutions give rise to new perceptions and dispositions within individuals. This is a key element in the Veblenian legacy” (HODGSON, 2007a, p. 331).5 Conforme Hodgson (2004b, p. 344): “Above all, Darwinism means causal explanation, where a cause is understood as necessarily involving transfers of matter or energy. Divine, spiritual, miraculous or uncaused causes are ruled out. Explanations of outcomes are in terms of connected causal sequences”.

Page 10: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

Para economistas da tradição vebleniana, as instituições funcionam porque estão enraizadas em hábitos prevalecentes de pensamento e de comportamento. Hábitos são definidos como disposições ou capacidades adquiridas, que podem ou não ser expressas no comportamento corrente dos indivíduos. Hodgson (2010) afirma que os hábitos são “repertórios submersos de comportamentos potenciais”6, que podem ser reforçados por contextos apropriados. De forma geral, são propensões a comportar-se de determinada maneira em situações particulares.

Para que os hábitos sejam desencadeados, no entanto, parece haver a necessidade da presença de certas pré-disposições capazes de identificar estímulos-chave. Hodgson (2007a) identifica no conceito de “instintos” essas pré-disposições necessárias para que os comportamentos repetidos possam tornar-se possíveis. Nesse sentido, define os instintos como reflexos, sentimentos ou disposições inerentemente biológicas, que podem ser incitados por determinados sinais. Para o autor, os instintos podem ser suprimidos ou estimulados, a depender do contexto social e cultural com o qual são defrontados7.

Além de modificar o axioma das preferências “dadas”, a inclusão dos hábitos e dos instintos nas considerações sobre o comportamento dos indivíduos também coloca em xeque o pressuposto da racionalidade tradicionalmente adotado na Ciência Econômica. Ao invés de presumir que os indivíduos agem como se possuíssem todas as informações possíveis, calculam todos os benefícios e malefícios de suas ações e tomam decisões conforme as suas preferências fixas, a análise dos fatores – muitas vezes inconscientes – que levam à deliberação flexibiliza esse pressuposto, fazendo com que as decisões variem conforme o background de cada indivíduo, bem como conforme o ambiente social e cultural no qual estão inseridos.

Hodgson (2007b) explica que, para que um hábito individual venha a se tornar uma regra, este deve ser potencialmente codificável e prevalecer entre determinado grupo. Uma vez que a estrutura de regras prevalecente – as instituições – incentiva e restringe ações individuais, os hábitos concordantes são reforçados entre a população. Ao reforçar hábitos de pensamento e de ação compartilhados, a estrutura institucional cria mecanismos que contribuem para a sua própria reprodução.

O reconhecimento de que as instituições são capazes de alterar as preferências dos indivíduos não implica em afirmar que a estrutura social determina as suas escolhas. A oposição entre o individualismo e o coletivismo metodológico é um dos problemas centrais nas ciências sociais, e é frequentemente entendido como um problema de agente e estrutura. Se, por um lado, algumas versões do marxismo são criticadas por enfatizar demasiadamente a sociedade (sistema, estrutura, instituições), negligenciando o papel desempenhado pelos agentes individuais, por outro lado, versões do individualismo metodológico – representadas, sobretudo, pelo mainstream econômico –, são acusadas de debruçar suas análises sobre os indivíduos (agentes), deixando as estruturas em segundo plano.

Para Hodgson (2003a), o principal problema desses dois extremos é que nenhum deles, de fato, entrega o que promete: o individualismo metodológico falha em fornecer explicações individuais sobre os fenômenos sociais ao supor que os indivíduos são socialmente determinados, ao mesmo em que o coletivismo metodológico, ao buscar explicar tudo por meio das estruturas sociais, acaba por dotar as instituições de vontades próprias, como se fossem indivíduos.

Sem uma análise adequada da maneira pela qual as preferências, os propósitos e as crenças individuais são causadas, o parecer tende sempre tende a um desses extremos reducionistas. É necessária, portanto, uma explicação que invista na investigação dessas causas, bem como no reconhecimento da influência da psicologia nesse processo.

6 Tradução nossa.7 Um exemplo que facilita a compreensão do conceito é o da linguagem: não obstante o impacto do ambiente social e cultural sobre o aprendizado da língua em cada indivíduo, sua aquisição inicial demanda “gatilhos” instintivos (HODGSON, 2010).

Page 11: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

3.3.3 Reconstitutive Downard Causation

Ao rejeitar tanto a análise pura do individualismo quanto a do coletivismo metodológico, Hodgson (2003a) procura solucionar o dilema entre esses dois extremos através do resgate do conceito de hábito, central na análise vebleniana. Para o autor, é necessária uma abordagem que envolva explicações tanto dos indivíduos – seus objetivos e crenças - quanto das estruturas (instituições), bem como de sua evolução e possíveis interações entre ambos. Nessa análise, fica claro que as preferências são formadas endogenamente.

As estruturas sociais dependem dos indivíduos, no sentido de que, se os indivíduos cessassem de existir, elas não subsistiriam: os indivíduos criam, reproduzem, transformam ou destroem as instituições, intencional ou involuntariamente. Porém, mesmo a partir desse reconhecimento, não é possível aceitar o individualismo metodológico, uma vez que as estruturas sociais não podem ser inteiramente explicadas em termos dos indivíduos e de suas relações. Ademais, o reconhecimento de que o comportamento individual é profundamente afetado pelo contexto sócio institucional também não implica em aceitar o coletivismo metodológico: os indivíduos também não podem ser reduzidos às estruturas sociais nas quais estão inseridos. Com isso, Hodgson (2003a) afirma ser possível aceitar que indivíduos e instituições são mutuamente constitutivos.

A existência de uma causação ascendente, no sentido de que elementos de um nível ontológico inferior afetam aqueles que se encontram em um nível mais elevado, é amplamente reconhecida nas ciências sociais. Outrossim, essa causalidade ascendente pode ser reconstitutiva, já que as mudanças operadas em nível inferior podem afetar consideravelmente as estruturas de níveis mais altos. A ideia proposta por Hodgson (2003a) é a de que existe, além da já mencionada causalidade reconstitutiva ascendente, também uma causalidade reconstitutiva descendente, no sentido de que mudanças operadas em níveis mais altos (instituições) também são capazes de afetar e reconstituir elementos dos níveis inferiores (indivíduos). Com isso, torna-se impossível tomar as partes como dadas e, a partir delas, explicar o todo, uma vez que o todo reconstitui as partes.

O principal aspecto no qual a ideia de Hodgson (2003a) se diferencia das análises precedentes8 é que o autor examina os mecanismos sociais e psicológicos que permitem às instituições processar mudanças nas preferências dos indivíduos. Baseado no conceito de hábitos de pensamento e comportamento, já previamente definido e analisado por Veblen, o autor sustenta que é através desse mecanismo que a causação descendente reconstitutiva atua. Somente depois de estabelecidos certos hábitos específicos é que surgem a razão, a deliberação e o cálculo. “(...) reconstitutive downward causation works by creating and moulding habits. Habit is the crucial and hidden link in the causal chain” (HODGSON, 2003a, p. 171).

Hodgson (2006, 2007a) concorda com Veblen e sustenta que a formação dos hábitos é o mecanismo que permite que as regras culturais e institucionais de cognição e ação adentrem na mente humana. Assim, toda deliberação depende da formação prévia de hábitos, e estes são formados através de pensamentos ou comportamentos repetidos em ambientes sociais específicos. Embora sejam conexões individuais – que se formam na mente de cada indivíduo – possuem forte marca social. É a este processo, que opera através da moldagem dos hábitos e que vai da estrutura social específica para o indivíduo, o autor chama de “causalidade reconstitutiva descendente”, e é assim denominado porque enfatiza os efeitos reconstitutivos das instituições sobre os indivíduos, ao mesmo tempo em que evidencia a dependência da evolução institucional em relação à formação de hábitos concordantes9.

A causalidade descendente reconstitutiva ocorre porque as instituições são capazes de criar novos hábitos ou alterar hábitos existentes de forma reconstitutiva. As instituições até podem levar

8 Ver Campbell (1974) e Sperry (1969).9 O autor observa que, conforme definido por Veblen, o desenvolvimento dos hábitos depende de instintos prévios. Como os instintos são herdados geneticamente, a causalidade descendente reconstitutiva sobre os instintos não é possível (HODGSON, 2013).

Page 12: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

diretamente a mudanças nas intenções (preferências) individuais, mas apenas de forma não reconstitutiva10. Por outro lado, quando as instituições agem não diretamente sobre as ações dos indivíduos, mas sobre as suas disposições habituais, elas exercem uma causalidade descendente sem que a agência individual seja reduzida aos seus efeitos.

Os hábitos são mecanismos aceitáveis de causação descendente reconstitutiva porque, através deles, é possível explicar a forma pela qual as instituições afetam o comportamento individual. É reconhecido que as instituições também podem afetar diretamente as intenções dos agentes – através de incentivos, sanções ou restrições – mas o processo de causação descendente reconstitutiva entra em ação quando isso ocorre de forma indireta, através da formação e sustentação dos hábitos.

O feedback positivo entre instituições e indivíduos é o elemento que dá sustentação à estrutura institucional. As instituições são perpetuadas não apenas pelas regras de coordenação que oferecem, mas, principalmente, porque moldam aspirações individuais, criando uma base para a sua existência. Isso não significa, no entanto, que as instituições sejam independentes: elas dependem dos indivíduos e, sobretudo, das interações entre eles e dos seus hábitos compartilhados de pensamento (HODGSON, 2006).

Com a discussão do conceito de causalidade descendente reconstitutiva, Hodgson e Knudesn (2004) argumentam que é possível superar o dilema entre o individualismo e o coletivismo metodológico pois, ao agir sobre as disposições habituais – e não diretamente sobre as decisões dos indivíduos – as instituições exercem uma causação descendente reconstitutiva sobre os indivíduos, sem, no entanto, reduzir o papel da agência individual. Nesse sentido, as explicações dos fenômenos socioeconômicos não são reduzidas nem aos indivíduos nem às instituições.

4. A INFLUÊNCIA DE VEBLEN NA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA DE HODGSON

A partir da identificação, até aqui, dos posicionamentos contrários às análises estritamente economicistas, com base em um processo teleológico e por meio de ferramentas estáticas, subentende-se que ambos autores concordam que as ações econômicas não necessariamente buscam eficiência ou maximização. A grosso modo, existem outras dimensões, não somente a econômica, construindo o contexto pessoal e social no qual as decisões são tomadas. Partindo do princípio de que o controle e a expansão das ações individuais sempre resulta em ganhos e perdas para um dos lados envolvidos, o consenso é a busca deste processo emulado pela força de hábitos sociais. Da mesma forma, tais hábitos são o elo de conexão entre estes consensos e aspectos intrínsecos da natureza humana, fato que não pode ser negligenciado à medida que se evidenciam a origem da formação de preferências e interesses.

Contudo, existe um intervalo de cerca de um século entre suas construções e, portanto, são claros os avanços de Hodgson sobre o arcabouço vebleniano. Embora a Economia Evolucionária seja competente em apresentar as limitações do mainstream econômico, ela própria possui suas limitações referentes a falta de um esquema claro e que comungue a intencionalidade humana à causalidade no desenvolvimento das instituições (HODGSON, 2004b). A causalidade reconstitutiva descendente é a resposta do autor a essa limitação e as próximas subseções têm como objetivo explanar sobre tais derivações.

4.1 Instintos, Hábitos e Instituições

A dialética presente nas interações entre as disposições inatas dos agentes e a consolidação dos consensos sociais é, sobremaneira, o principal ponto de convergência entre Veblen e Hodgson. Instintos, encarados nessa lógica de raciocínio como tais propensões inatas, não determinam os 10 Hodgson (2003a) cita o exemplo de um indivíduo que decide dirigir dentro do limite de velocidade porque avista um carro policial na autoestrada. Claramente, nesse caso, a instituição provoca uma mudança de preferência, mas que não envolve um processo reconstitutivo.

Page 13: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

comportamentos; eles são sujeitos ao desenvolvimento e modificação pela força dos hábitos (VEBLEN, 1914). É o que Veblen intenciona dizer ao mencionar que hábitos de pensamento ou de vida, formados em resposta a um determinado estímulo, afetarão, indubitavelmente, a natureza das respostas aos estímulos futuros, pois modificarão o arcabouço analítico do indivíduo. Sendo assim, os hábitos, ao se solidificarem nas noções de bom senso, tendem a ser repetidos nas distintas camadas sociais. Eles correspondem, portanto, à estruturação de um sistema de convenções que se mantém influente sobre a vida em sociedade. Hodgson esclarece:

“The formation of habits requires repeated behaviours, wich sometimes are triggered by innate dispositions, and often result from the propensity to imitate others in social conditions with guiding constraints. Repeated behaviour leads to formation of habits of thought or action. Habit is the psychological mechanism that forms the basis of much rule-following behaviour (HODGSON, 2007b, p.107)”.

O mesmo pode ser verificado na sentença de Veblen ao deliberar sobre a forma como hábitos de vida e pensamento são a representação daquilo que se elege como ideal:

“O grupo se compõe de indivíduos, e a vida do grupo é a vida dos indivíduos vivida pelo menos por uma ostensiva maioria. O esquema de vida aceito pelo grupo é o consenso de opiniões mantidas pelo conjunto desses indivíduos ao que é certo, bom, conveniente e belo na natureza humana” (VEBLEN, 1899, p.183).

Nítida é a premissa de que este caminho entre instintos, hábitos e instituições não é caminho homogêneo e unidirecional, uma vez que a cada movimento um novo contexto se forma e, embora existam mecanismos que visam a estabilização das instituições, esse cenário deve ser encarado como dinâmico. É no caminho da natureza individual humana e das instituições presentes na estrutura social que reside o cerne analítico:

“Human reasoning capacities are thus linked to their evolving social and biological contexts. Rationality is not detached from the World; it is situated in and operates through specific cues, triggers and constraints. These structures and circumstances are part of our biological and social heritage. Among them are institutions that frame our cognitions, enable some behavioral options and constrain us from others” (HODGSON, 2007a, p.331).

Veblen, aproximando-se dessa constatação de que as interações entre estrutura e indivíduo deve ser considerada de forma dialética em um processo de retroalimentação, delibera:

“The growth and mutations of the institutional fabric are an outcome of the conduct of the individual members of the group, since it is out of the experience of the individuals, through the habituation of individuals, that institutions arise; and it is in this same experience that these institutions act to direct and define the aims and end of conduct. It is, of course, on individuals that the system of institutions imposes those conventional standards, ideals, and canons of conduct that make up the community's scheme of life” (VEBLEN, 1909, p. 628).

E, sobretudo, o próprio crescimento cultural é a representação da sequência cumulativa das formas como a natureza humana responde às exigências que lhes aparece. Entretanto, esse sistema de convenções se sustenta com alguma flexibilidade, conforme aponta Veblen (1909), diagnosticando que a partir do momento que se compreende que as instituições do passado influenciam as do futuro, é correto afirmar que são os hábitos que atuam nessa condição mutacional:

Page 14: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

“But institutions are an outgrowth of habit. The growth of culture is a cumulative sequence of habituation, and the ways and means of it are the habitual response of human nature to exigencies that vary incontinently, cumulatively, but with something of a consistent sequence in the cumulative variations that so go forward -incontinently, because each new move creates a new situation which induces a further new variation in the habitual manner of response; cumulatively, because each new situation is a variation of what has gone before it and embodies as causal factors all that has been effected by what went before; consistently, because the underlying traits of human nature (propensities, aptitudes, and what not) by force of which the response takes place, and on the ground of which the habituation takes effect, remain substantially unchanged (VEBLEN, 1909, p. 628).

Com isso, pretendeu-se até aqui demonstrar como ambos os autores encaram o contexto de mudança institucional. Esse entendimento é pré-requisito para que se postule suas propostas analíticas, assim como da matriz institucionalista que este estudo pretende demonstrar. As instituições não podem ser vistas como uma estrutura sólida e permanente, uma vez que a “evolução da estrutura social foi um processo de seleção natural das instituições” (VEBLEN, 1899, p. 179). Ao passo que o ambiente institucional não pode ser tomado como externo ao comportamento, é no comportamento, na repetição de hábitos de vida e pensamento, que se evidenciam os meios passados para a constituição daquele ambiente, por meio da mudança da compreensão dos agentes e não somente de seus hábitos:

“Powers and constrains associated with institutional structures can encourage changes in thought and behaviour. In turn, upon these repeated acts, new habits of thought and behaviour emerge. It is not simply the individual behaviour that has been changed: there are also changes in habitual dispositions. In turn, these are associated with changed individual understandings, purposes and preferences” (HODGSON, 2003b, p.167).

Analisando essas informações, busca-se transpor esses mecanismos analíticos para sua utilização em fenômenos e objetos de investigação atuais. Veblen (1914) já indicava que, com a evolução da ciência e do corpo de conhecimento das sociedades, propensões inatas iriam sendo incorporados no legado de hábitos e comportamentos das gerações passadas. Hodgson (1994) demonstra que algumas escolas econômicas hodiernas lançam mão dessa lógica através da indicação de que a aquisição de aptidões tecnológicas e as formas utilizadas para que essas sejam transmitidas dentro da economia, representam a “memória da organização”, quais sejam, os hábitos e rotinas institucionalizados na empresa. Ora, ambiente e objeto de investigação de Veblen eram outros, contudo, vejamos as similaridades com uma de suas proposições:

“A situação de hoje modela as instituições de amanhã mediante um processo seletivo e coercitivo, atuando na habitual opinião humana sobre as coisas, e assim alterando ou envigorando um ponto de vista ou uma atitude mental herdada do passado” (VEBLEN, 1899, p. 88)

Ou ainda

“(…) esta lógica e aparato de caminhos e meios encaixam-se em linhas convencionais, adquirem a consistência de costume e prescrição, e então tomam um caráter e força institucionais” (VEBLEN, 1914, p. 7).

Em suma, Tanto Veblen quanto Hodgson, buscam nessa contínua evolução institucional, dependente de instintos e hábitos, a forma de estruturar suas análises sociais. A próxima subseção tratará dessas abordagens.

4.2 Da “Economia Evolucionária” à “Causalidade Reconstitutiva Descendente”

Conforme exposto no referencial teórico do presente artigo, são nos escritos de Veblen do final do Século XIX e início do XX que estão expostas as suas críticas às análises econômicas

Page 15: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

tradicionais. Infere-se a partir daí que sua crítica reside, sobretudo, em considerar os fenômenos de forma unilateral e estática. Nas ciências econômicas ele considerava que análises que punham o indivíduo como tomador soberano das decisões, um ente homogêneo e apartado do seu contexto social-histórico, não condiziam com a realidade, necessitando, assim, se ajustar às evidências. Sendo assim:

“O progresso social, principalmente quando visto do ponto de vista da teoria econômica, consiste em uma abordagem progressiva, de um ajustamento, aproximadamente exato, das relações externas e internas; mas esse ajustamento jamais se estabelece definitivamente, uma vez que as relações externas estão sujeitas a uma constante mudança – consequente da mudança progressiva que se processa nas relações internas (VEBLEN, 1899, p. 89).

Os cientistas, então, usualmente, tinham de agir no intuito de buscar fatos que corroborassem as teorias existentes, e quando esta tensão entre teoria e realidade se tornasse incompatível, tais fatos seriam considerados com fatores disturbantes (VEBLEN, 1914). Para o autor, mesmo análises com apelo estatístico, deveriam desvincular-se da ênfase sobre os indivíduos e considerar que esses estão incorporados a esquemas de vida complexos, dificultando a homogeneização dos padrões de comportamento.

Entretanto, Veblen deixa claro que as análises existentes à época, que se colocavam como alternativa, principalmente do campo da antropologia, padeciam do mal de transferir à estrutura os elementos fundadores da ação. Para ele, se deveria ter como pressupostos os fatos de que o desenvolvimento social e a conduta humana seriam, em última análise, redutíveis tanto ao “tecido vivo” quanto ao “ambiente material” (VEBLEN, 1899). Esse diagnóstico está bem exposto a seguir:

“The economists have accepted the hedonistic preconceptions concerning human nature and human action, and the conception of the economic interest which a hedonistic psychology gives does not afford material for a theory of the development of human nature. Under hedonism the economic interest is not conceived in terms of action. It is therefore not readily apprehended or appreciated in terms of a cumulative growth of habits of thought, and does not provoke, even if it did lend itself to, treatment by the evolutionary method. At the same time the anthropological preconceptions current in that common-sense apprehension of human nature to which economists have habitually turned has not enforced the formulation of human nature in terms of a cumulative growth of habits of life. These received anthropological preconceptions are such as have made possible the normalized conjectural accounts of primitive barter with which all economic readers are familiar, and the no less normalized conventional derivation of landed property and its rent, or the sociologico-philo sophical discussions of the "function" of this or that class in the life of society or of the nation (VEBLEN, 1898, p. 22)”.

A citação acima descreve aquilo que Hodgson considera o problema da ênfase analítica ou no indivíduo ou na estrutura. Para ele, tanto o coletivismo quanto o individualismo metodológico representam, em seus extremos, versões de um reducionismo exploratório que tende a considerar fenômenos complexos a partir de um único nível analítico. O próprio autor corrobora o pensamento de Veblen da seguinte forma:

“As Veblen (1909b, p. 626) put it, explanation could not be confined to the ‘rationalistic, teleological terms of calculation and choice’ because the psychological beliefs and mechanisms that lay behind deliberation and preferences had also to be explained in terms of a ‘sequence of cause and effect, by force of such elements as habituation and conventional requirements’. By acknowledging the need for such causal explanations, Veblen rejected both the assumption of the given individual in neoclassical economics and the opposite error of regarding human agency as entirely an outcome of mysterious social forces” (HODGSON, 2004b, p. 350).

Nesse sentido, ambos os autores se direcionam à busca por uma resposta analítica que se posicione entre esses extremos e se afaste dos supracitados extremos. Se para Veblen essa resposta seria a “Economia Evolucionária”, para Hodgson, a resposta seria a “Causalidade Reconstitutiva Descendente”. Embora este último se apoie no primeiro, ele busca desmistificar um caráter abstrato e generalista da proposta vebleniana, preenchendo lacunas deixadas:

Page 16: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

Veblen outlined the problem of reconciling human volition and causality but failed to develop an adequate and non-reductionist philosophical framework in wich human intentionality, monism and causality could be reconciled; without reducing mind to matter, or matter to mind (HODGSON, 2004b, p.351).

Sendo assim, a partir dessa derivação, Hodgson (2003a) clarifica esse processo dialético mostrando indícios da triangulação entre as categorias instintos, hábitos e instituições, que espera incorporar às análises. Os hábitos, nesse contexto, ao conectarem instintos aos aspectos reguladores da sociedade, são mais do que simples comportamentos, eles representam a compreensão da realidade por parte dos agentes. Com isso, a mudança institucional afeta não só as ações, mas também o entendimento de mundo de uma determinada sociedade. Conforme expõe Hodgson:

“Institutions are social structures with the capacity for reconstitutive downward causation, acting upon ingrained habits of thought and action. The downward causation of institutional structure upon agents results in a reconstitution of purposes and preferences. Causal powers and constraints associated with institutional structures can encourage changes in thought and behaviour (…) It is not simply the individual behaviour that has been changed: there are also changes in habitual dispositions. In turn, these are associated with changed individual understandings, purposes and preferences” (HODGSON, 2003a, p.172).

Com isso, buscou-se demonstrar como a similaridade entre os arcabouços teóricos de Hodgson e Veblen se complementam. Outrossim, Hodgson avança nesse conteúdo ao passo que transcende à lógica mais abstrata e indica possíveis aplicações da proposta de Causalidade Reconstitutiva Descendente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Institucionalismo, no âmbito das Ciências Sociais, surgiu como uma alternativa à teoria neoclássica, que tradicionalmente desconsiderava a influência dos contextos socioeconômico e institucional sobre as decisões dos indivíduos. Essa alternativa, muito além de se constituir em oposição ao neoclacissismo, forneceu um aparato teórico para análises robustas e consistentes com a realidade, sobretudo na esfera das Ciências Econômicas. Nesse sentido, a reaproximação da Economia com a Psicologia e a Sociologia muniu tais análises de aplicabilidade empírica, ao mesmo tempo em que promoveu o afastamento do paradigma deliberativo presente nesse campo.

Thorstein Veblen, principal representante do Institucionalismo norte-americano, ao entender as instituições como hábitos estabelecidos de pensamento comuns à generalidade dos homens, enfatizou o tripé “instintos – hábitos – instituições” e o processo de retroalimentação entre essas categorias. Ao compreender a Economia como uma “ciência evolucionária”, o autor sustenta que as análises nesse campo prescindem considerar os contextos sociais e econômicos nos quais são concebidas, pois estes são dinâmicos e encontram-se em constante mutação.

Geoffrey Hodgson, herdeiro da tradição institucionalista original, definiu as instituições como sistemas duradouros de regras sociais que estruturam as interações humanas. Ao reprovar tanto as análises que preconizam o individualismo metodológico quanto as que sustentam o coletivismo metodológico, o autor sugere o resgate da abordagem vebleniana e, sobretudo, o conceito central de “hábitos” para a compreensão de que os indivíduos afetam as instituições, mas que também são afetados por elas. A “causação descendente reconstitutiva” da estrutura em direção ao agente só é possível através da modificação prévia dos hábitos individuais, pois é este mecanismo que permite que as regras culturais e institucionais de fato adentrem na mente humana.

Não obstante os cem anos de desenvolvimentos teóricos que os separam, as abordagens empreendidas por Veblen e Hodgson parecem caminhar em uma direção bastante convergente: a rejeição das análises que preconizam os indivíduos sem considerar as estruturas sociais e

Page 17: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

institucionais nas quais estão inseridos e, ao mesmo tempo, daquelas que inferem que tais estruturas são a tal ponto determinantes do comportamento individual que são capazes de retirar o seu poder de agência. Nesse sentido, para ambos os autores, as disposições habituais emergem como fundamentais para o entendimento da retroalimentação entre indivíduos e instituições.

REFERÊNCIAS

BECKER, G. S. Habits, addictions and traditions. Nancy Schwartz Lecture. Northwestern University. May, 1991.

CAMPBELL, D.T. Downward causation in hierarchically organized biological systems. In: Ayala, F.J., Dobzhansky, T. (Eds.), Studies in the Philosophy of Biology. Macmillan, London. 1974.

CAVALIERI, M.A.R. O surgimento do institucionalismo norte-americano de Thorstein Veblen: economia política, tempo e lugar. Economia e Sociedade, v. 22, n.1, pgs. 43-76, 2015.

CONCEIÇÃO, O. A. As abordagens Institucionalistas. In: Instituições, crescimento e mudança na ótica institucionalista. Teses FFE, n. 1. Porto Alegre, 2002.

CONCEIÇÃO, O. A. C. Além da transação: uma comparação do pensamento dos institucionalistas com os evolucionários e pós-keynesianos. Revista EconomiA, v. 07, n. 3, pp. 621-642. 2007.

CONCEIÇÃO, O. A. C. Há compatibilidade entre a “tecnologia social” de Nelson e a “causalidade vebleniana” de Hodgson? Revista de Economia Política, v.32, n.1. 2012.

HODGSON, G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994.

HODGSON, G. M. Reconstitutive Downard Causation: Social structure and the development of individual agency. In: Fulbrook, E. Intersubjectivity in Economics: agents and structures. Routledge. London and New York, 2003a.

HODGSON, G. M. The hidden persuaders: institutions and individuals in economic theory. Cambridge Journal of Economics. V. 27, p. 159-175. 2003b.

HODGSON, G. M. Darwinism, causality and the social sciences. Journal of Economic Methodology. 11:2, 175-194. June, 2004a.

HODGSON, G. M. Veblen and Darwinism. International Review of Socioloy. Vol. 14, n. 3, 2004b.

HODGSON, G. M. What are institutuions? Journal of Economic Issues. Vol. XL, N. 1, March, 2006.

HODGSON, G. M. The revival of Veblenian Institutional Economics. Journal of Economic Issues. Vol. XLI. n. 2. June, 2007a.

HODGSON, G. M. Institutions and Individuals: interaction and evolution. European Group for Organization Studies. February, 2007b.

Page 18: €¦  · Web viewRationality is not detached from the World; ... G. M. Economia e instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Oeiras: Celta Editora, 1994

HODGSON, G. M. Institutional Economics into the Twenty-First Century. Studi e Noti di Economia. Ano XIV. 2009.

HODGSON, G. M. Choice, habit and evolution. Journal of Evolutionary Economics. 2010.

HODGSON, G. M; KNUDSEN, T. The complex evolution of a simple traffic convention: the functions and implications of habit. Journal of Economic Behaviour and Organization. Vol. 54, 2004.

MONASTERIO, L. M. Guia para Veblen: um estudo acerca da economia evolucionária. Pelotas: EDUFPEL, 128p, 1998.

SPERRY, R. W. A modified concept of consciousness. Psychological Review. V. 76, 532–536. 1969.

VEBLEN, T. B. Why is economics not na evolutionary science. Cambridge Journal of Economics, v. 22, 1898.

VEBLEN, T. B. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo: Pioneira, 1965. (1a. ed. 1899).

VEBLEN, T. The limitations of marginal-utility. Journal of Political Economy. v. 17, n. 9. 1909.

VEBLEN, T. B. The instict of workmanship and the state of industrial arts. New York: Viking Press, reimp. 1914.