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Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 4 Ano II Abril de 2006 periodicidade semestral ndash Ediccedilatildeo Especial Dossiecirc Marx ndash ISSN 1981-061X
A FENOMENOLOGIA DO EGOIacuteSMO STIRNER E A CRIacuteTICA MARXIANA[1]
Sabina Maura Silva
Resumo
Este trabalho visa a apresentar a concepccedilatildeo de homem presente na obra O
Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo neo-hegeliano Max Stirner e
expor os limites e equiacutevocos apontados por Karl Marx agrave mesma desenvolvidos na
obra A Ideologia Alematilde
Palavras-chave alienaccedilatildeo egoiacutesmo individualidade sociabilidade
objetividade subjetividade
Abstract
This work seeks to present the cointained manrsquos conception in the work The
Ego and Its Own of autorship of the young-hegelian philosopher Max Stirner and
to expose the limits and misunderstandings pointed for Karl Marx to this conception
developed in the work The Germany Ideology
Key-words alienation egoism individuality sociability objectivity
subjectivity
Este trabalho tem como objeto a tematizaccedilatildeo de Max Stirner acerca da
individualidade acompanhada pelas principais criacuteticas de Karl Marx a esta
tematizaccedilatildeo Ou seja tendo como centro de nossa investigaccedilatildeo o pensamento de
Stirner visamos explicitar a determinaccedilatildeo stirneriana do homem presente na obra
1
O Uacutenico e Sua Propriedade bem como expor os limites e equiacutevocos apontados
por Marx a esta determinaccedilatildeo desenvolvidos na obra A Ideologia Alematilde
A importacircncia de um estudo sobre o pensamento de Stirner se justifica ao
nosso ver por dois aspectos Em primeiro lugar pelo fato de a obra stirneriana
constituir um momento da gecircnese das vertentes contemporacircneas que se dedicam
agrave problemaacutetica da individualidade De fato nela encontramos mesmo que sob a
forma de antecipaccedilatildeo questotildees que posteriormente estaratildeo configuradas de
modo mais apurado nas obras de Nietzsche Freud Heidegger e Sartre dentre
outros Aleacutem do que Stirner eacute considerado com frequumlecircncia um dos pais do
anarquismo
Em segundo lugar a anaacutelise de sua obra eacute fundamental para a
elucidaccedilatildeo do pensamento de Marx dado que a criacutetica de Marx a Stirner eacute
produzida no periacuteodo formativo de seu pensamento proacuteprio Assim torna-se
questatildeo importante para a compreensatildeo da gecircnese e do desenvolvimento do
pensamento marxiano realizar um estudo sistematizado das obras daqueles com
os quais polemiza
No entanto se o esclarecimento do pensamento de Stirner contribui para
elucidar um momento especiacutefico e fundamental do pensamento de Marx um
trabalho centrado sobre ele natildeo pode prescindir da presenccedila da criacutetica marxiana
cujo propoacutesito eacute desvelar o fundamento das determinaccedilotildees stirnerianas acerca da
individualidade e de suas relaccedilotildees com o mundo Neste sentido temos tambeacutem o
intuito de mostrar que a criacutetica de Marx a Stirner ultrapassa os limites de uma
querela intelectual tratando-se em verdade de uma confrontaccedilatildeo entre
determinaccedilotildees distintas acerca do real e do ser dos homens
Max Stirner filoacutesofo neo-hegeliano publica em 1844 sua principal obra O
Uacutenico e Sua Propriedade a qual se origina no contexto alematildeo de criacutetica a Hegel
iniciado nos anos subsequumlentes a sua morte Deste confronto travado no seio do
hegelianismo surge a chamada ldquoesquerda hegelianardquo da qual Stirner eacute um dos
2
representantes Convencidos que sua eacutepoca era de transiccedilatildeo e que estava
proacutexima uma nova etapa de desenvolvimento histoacuterico os neo-hegelianos
demandavam por uma nova ontologia capaz de reconciliar o homem consigo
proacuteprio recuperando assim a essecircncia humana que ateacute entatildeo julgavam estivera
alienada De modo que cada qual ao seu modo todos buscavam os ldquoprinciacutepios da
filosofia do futurordquo[2]
Para Stirner o Eu tomado como individualidade singular eacute o fundamento
de sua esfera existencial No entanto considera que tudo tem determinado a
existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo sido permitido a eles determinaacute-la A defesa
intransigente da individualidade o leva a rejeitar a preponderacircncia de todas e
quaisquer condicionantes exteriores ao Eu sejam elas materiais ou espirituais por
representarem aos seus olhos forccedilas que oprimem limitam e escravizam os
indiviacuteduos expropriando-os de si
Rebelando-se contra a determinaccedilatildeo de que algo possa ter conteuacutedo fora
do indiviacuteduo Stirner primeiramente submete agrave criacutetica todas as formas de
alienaccedilatildeo que segundo ele tecircm vitimado os homens para em seguida
demonstrar a individualidade como princiacutepio e fim de si mesma Seguindo a ordem
da obra passemos pois agrave anaacutelise stirneriana da alienaccedilatildeo
I - A CRIacuteTICA DE STIRNER Agrave ALIENACcedilAtildeO
No interior do pensamento stirneriano a apreciaccedilatildeo do fenocircmeno da
alienaccedilatildeo estaacute diretamente ligado agravequela do desenvolvimento da individualidade
que Stirner aborda analisando as fases da infacircncia adolescecircncia e idade adulta
Segundo ele desde o nascimento o indiviacuteduo luta com o mundo no qual
eacute lanccedilado como um dado entre tantos buscando encontrar e afirmar a si proacuteprio
pois ldquotudo com o qual a crianccedila entra em contato se opotildee agraves suas intervenccedilotildees
afirmando sua proacutepria existecircnciardquo[3] A crianccedila observa e experimenta as coisas
3
visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento
Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de
superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute
nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes
natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e
respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos
tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia
Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo
Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo
pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude
este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos
acima dele somos Espiacuteritordquo[5]
Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico
Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os
imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos
interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito
sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer
seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo
espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com
isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente
humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio
mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]
4
Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e
encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum
interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito
mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma
que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu
prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que
ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre
como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por
detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por
detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos
os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram
eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os
pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus
o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a
reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo
como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade
Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]
Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute
que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem
entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao
homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os
pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida
satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As
fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento
oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a
consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo
apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se
assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o
autocentramento na consciecircncia de si
Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o
mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do
desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos
A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo
representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade
lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo
Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada
vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos
5
familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os
quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o
entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem
como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era
para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu
caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos
do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de
viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no
desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa
vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo
com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele
ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras
palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa
antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do
mundordquo[15]
Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a
antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o
homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir
suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes
contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente
em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter
ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a
humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar
alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a
desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para
Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua
propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel
sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo
manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse
toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover
6
montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
8
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
9
A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
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De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
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Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
O Uacutenico e Sua Propriedade bem como expor os limites e equiacutevocos apontados
por Marx a esta determinaccedilatildeo desenvolvidos na obra A Ideologia Alematilde
A importacircncia de um estudo sobre o pensamento de Stirner se justifica ao
nosso ver por dois aspectos Em primeiro lugar pelo fato de a obra stirneriana
constituir um momento da gecircnese das vertentes contemporacircneas que se dedicam
agrave problemaacutetica da individualidade De fato nela encontramos mesmo que sob a
forma de antecipaccedilatildeo questotildees que posteriormente estaratildeo configuradas de
modo mais apurado nas obras de Nietzsche Freud Heidegger e Sartre dentre
outros Aleacutem do que Stirner eacute considerado com frequumlecircncia um dos pais do
anarquismo
Em segundo lugar a anaacutelise de sua obra eacute fundamental para a
elucidaccedilatildeo do pensamento de Marx dado que a criacutetica de Marx a Stirner eacute
produzida no periacuteodo formativo de seu pensamento proacuteprio Assim torna-se
questatildeo importante para a compreensatildeo da gecircnese e do desenvolvimento do
pensamento marxiano realizar um estudo sistematizado das obras daqueles com
os quais polemiza
No entanto se o esclarecimento do pensamento de Stirner contribui para
elucidar um momento especiacutefico e fundamental do pensamento de Marx um
trabalho centrado sobre ele natildeo pode prescindir da presenccedila da criacutetica marxiana
cujo propoacutesito eacute desvelar o fundamento das determinaccedilotildees stirnerianas acerca da
individualidade e de suas relaccedilotildees com o mundo Neste sentido temos tambeacutem o
intuito de mostrar que a criacutetica de Marx a Stirner ultrapassa os limites de uma
querela intelectual tratando-se em verdade de uma confrontaccedilatildeo entre
determinaccedilotildees distintas acerca do real e do ser dos homens
Max Stirner filoacutesofo neo-hegeliano publica em 1844 sua principal obra O
Uacutenico e Sua Propriedade a qual se origina no contexto alematildeo de criacutetica a Hegel
iniciado nos anos subsequumlentes a sua morte Deste confronto travado no seio do
hegelianismo surge a chamada ldquoesquerda hegelianardquo da qual Stirner eacute um dos
2
representantes Convencidos que sua eacutepoca era de transiccedilatildeo e que estava
proacutexima uma nova etapa de desenvolvimento histoacuterico os neo-hegelianos
demandavam por uma nova ontologia capaz de reconciliar o homem consigo
proacuteprio recuperando assim a essecircncia humana que ateacute entatildeo julgavam estivera
alienada De modo que cada qual ao seu modo todos buscavam os ldquoprinciacutepios da
filosofia do futurordquo[2]
Para Stirner o Eu tomado como individualidade singular eacute o fundamento
de sua esfera existencial No entanto considera que tudo tem determinado a
existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo sido permitido a eles determinaacute-la A defesa
intransigente da individualidade o leva a rejeitar a preponderacircncia de todas e
quaisquer condicionantes exteriores ao Eu sejam elas materiais ou espirituais por
representarem aos seus olhos forccedilas que oprimem limitam e escravizam os
indiviacuteduos expropriando-os de si
Rebelando-se contra a determinaccedilatildeo de que algo possa ter conteuacutedo fora
do indiviacuteduo Stirner primeiramente submete agrave criacutetica todas as formas de
alienaccedilatildeo que segundo ele tecircm vitimado os homens para em seguida
demonstrar a individualidade como princiacutepio e fim de si mesma Seguindo a ordem
da obra passemos pois agrave anaacutelise stirneriana da alienaccedilatildeo
I - A CRIacuteTICA DE STIRNER Agrave ALIENACcedilAtildeO
No interior do pensamento stirneriano a apreciaccedilatildeo do fenocircmeno da
alienaccedilatildeo estaacute diretamente ligado agravequela do desenvolvimento da individualidade
que Stirner aborda analisando as fases da infacircncia adolescecircncia e idade adulta
Segundo ele desde o nascimento o indiviacuteduo luta com o mundo no qual
eacute lanccedilado como um dado entre tantos buscando encontrar e afirmar a si proacuteprio
pois ldquotudo com o qual a crianccedila entra em contato se opotildee agraves suas intervenccedilotildees
afirmando sua proacutepria existecircnciardquo[3] A crianccedila observa e experimenta as coisas
3
visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento
Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de
superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute
nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes
natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e
respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos
tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia
Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo
Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo
pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude
este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos
acima dele somos Espiacuteritordquo[5]
Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico
Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os
imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos
interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito
sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer
seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo
espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com
isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente
humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio
mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]
4
Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e
encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum
interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito
mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma
que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu
prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que
ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre
como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por
detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por
detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos
os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram
eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os
pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus
o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a
reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo
como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade
Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]
Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute
que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem
entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao
homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os
pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida
satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As
fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento
oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a
consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo
apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se
assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o
autocentramento na consciecircncia de si
Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o
mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do
desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos
A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo
representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade
lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo
Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada
vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos
5
familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os
quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o
entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem
como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era
para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu
caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos
do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de
viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no
desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa
vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo
com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele
ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras
palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa
antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do
mundordquo[15]
Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a
antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o
homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir
suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes
contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente
em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter
ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a
humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar
alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a
desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para
Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua
propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel
sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo
manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse
toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover
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montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
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Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
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A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
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Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
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Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
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A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
representantes Convencidos que sua eacutepoca era de transiccedilatildeo e que estava
proacutexima uma nova etapa de desenvolvimento histoacuterico os neo-hegelianos
demandavam por uma nova ontologia capaz de reconciliar o homem consigo
proacuteprio recuperando assim a essecircncia humana que ateacute entatildeo julgavam estivera
alienada De modo que cada qual ao seu modo todos buscavam os ldquoprinciacutepios da
filosofia do futurordquo[2]
Para Stirner o Eu tomado como individualidade singular eacute o fundamento
de sua esfera existencial No entanto considera que tudo tem determinado a
existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo sido permitido a eles determinaacute-la A defesa
intransigente da individualidade o leva a rejeitar a preponderacircncia de todas e
quaisquer condicionantes exteriores ao Eu sejam elas materiais ou espirituais por
representarem aos seus olhos forccedilas que oprimem limitam e escravizam os
indiviacuteduos expropriando-os de si
Rebelando-se contra a determinaccedilatildeo de que algo possa ter conteuacutedo fora
do indiviacuteduo Stirner primeiramente submete agrave criacutetica todas as formas de
alienaccedilatildeo que segundo ele tecircm vitimado os homens para em seguida
demonstrar a individualidade como princiacutepio e fim de si mesma Seguindo a ordem
da obra passemos pois agrave anaacutelise stirneriana da alienaccedilatildeo
I - A CRIacuteTICA DE STIRNER Agrave ALIENACcedilAtildeO
No interior do pensamento stirneriano a apreciaccedilatildeo do fenocircmeno da
alienaccedilatildeo estaacute diretamente ligado agravequela do desenvolvimento da individualidade
que Stirner aborda analisando as fases da infacircncia adolescecircncia e idade adulta
Segundo ele desde o nascimento o indiviacuteduo luta com o mundo no qual
eacute lanccedilado como um dado entre tantos buscando encontrar e afirmar a si proacuteprio
pois ldquotudo com o qual a crianccedila entra em contato se opotildee agraves suas intervenccedilotildees
afirmando sua proacutepria existecircnciardquo[3] A crianccedila observa e experimenta as coisas
3
visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento
Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de
superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute
nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes
natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e
respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos
tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia
Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo
Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo
pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude
este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos
acima dele somos Espiacuteritordquo[5]
Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico
Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os
imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos
interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito
sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer
seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo
espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com
isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente
humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio
mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]
4
Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e
encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum
interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito
mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma
que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu
prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que
ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre
como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por
detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por
detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos
os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram
eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os
pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus
o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a
reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo
como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade
Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]
Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute
que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem
entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao
homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os
pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida
satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As
fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento
oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a
consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo
apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se
assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o
autocentramento na consciecircncia de si
Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o
mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do
desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos
A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo
representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade
lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo
Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada
vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos
5
familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os
quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o
entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem
como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era
para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu
caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos
do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de
viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no
desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa
vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo
com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele
ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras
palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa
antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do
mundordquo[15]
Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a
antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o
homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir
suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes
contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente
em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter
ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a
humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar
alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a
desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para
Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua
propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel
sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo
manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse
toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover
6
montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
8
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
9
A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento
Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de
superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute
nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes
natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e
respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos
tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia
Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo
Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo
pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude
este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos
acima dele somos Espiacuteritordquo[5]
Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico
Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os
imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos
interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito
sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer
seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo
espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com
isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente
humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio
mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]
4
Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e
encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum
interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito
mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma
que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu
prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que
ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre
como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por
detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por
detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos
os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram
eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os
pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus
o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a
reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo
como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade
Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]
Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute
que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem
entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao
homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os
pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida
satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As
fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento
oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a
consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo
apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se
assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o
autocentramento na consciecircncia de si
Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o
mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do
desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos
A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo
representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade
lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo
Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada
vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos
5
familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os
quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o
entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem
como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era
para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu
caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos
do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de
viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no
desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa
vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo
com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele
ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras
palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa
antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do
mundordquo[15]
Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a
antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o
homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir
suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes
contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente
em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter
ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a
humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar
alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a
desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para
Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua
propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel
sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo
manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse
toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover
6
montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
8
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
9
A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por
detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos
os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram
eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os
pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus
o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a
reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo
como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade
Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]
Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute
que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem
entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao
homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os
pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida
satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As
fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento
oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a
consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo
apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se
assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o
autocentramento na consciecircncia de si
Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o
mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do
desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos
A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo
representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade
lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo
Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada
vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos
5
familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os
quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o
entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem
como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era
para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu
caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos
do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de
viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no
desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa
vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo
com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele
ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras
palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa
antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do
mundordquo[15]
Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a
antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o
homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir
suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes
contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente
em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter
ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a
humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar
alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a
desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para
Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua
propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel
sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo
manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse
toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover
6
montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
8
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
9
A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
14
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os
quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o
entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem
como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era
para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu
caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos
do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de
viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no
desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa
vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo
com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele
ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras
palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa
antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do
mundordquo[15]
Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a
antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o
homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir
suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes
contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente
em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter
ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a
humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar
alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a
desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para
Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua
propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel
sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo
manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse
toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover
6
montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
8
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
9
A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
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A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
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De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se
deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel
fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo
tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que
Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]
Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de
dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os
homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao
determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta
do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade
A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave
modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham
descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos
modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo
do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e
qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente
espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se
tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o
mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se
portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os
modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em
mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se
manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute
de verdadeiro nelas
7
Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o
cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a
determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar
por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se
ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que
haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
8
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
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A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
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Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
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Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
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No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
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A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
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De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da
individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o
espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano
Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos
pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do
espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser
supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento
compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em
natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso
decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se
agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora
somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente
Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos
satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por
uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo
natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]
isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por
qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que
reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a
crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias
fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a
negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos
morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm
como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus
imperativos
I1- As doutrinas do espiacuterito
I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel
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Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
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A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
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Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
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No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
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A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave
antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava
ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o
espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo
destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas
Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado
por sua simples existecircncia
Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o
espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com
toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo
sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a
consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com
Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas
para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve
simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila
da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o
pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual
reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu
compreendesrsquo rdquo[25]
9
A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da
Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter
absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que
identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs
pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e
nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a
reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado
alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o
espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade
culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que
natildeo tem vidardquo[27]
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
14
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos
O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo
opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do
concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na
universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach
e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute
determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o
princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o
egoiacutesmo
O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx
revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a
concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia
levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da
abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem
a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a
afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a
filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do
poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes
em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se
perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os
objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e
soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo
na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher
com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das
coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se
tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner
tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a
modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real
aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si
mesmo
10
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
14
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo
Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a
similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que
Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside
precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia
trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em
Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o
conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda
existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou
seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em
particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em
Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer
dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade
Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner
submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando
para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo
se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso
resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a
substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso
porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo
singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus
ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do
Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao
lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma
nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o
ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir
11
Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos
religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua
proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se
determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
12
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
14
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno
religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima
consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho
desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -
conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no
lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro
I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo
Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo
propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer
chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo
humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a
rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador
capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico
estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a
realizaccedilatildeo universal da humanidade
I121- O Liberalismo Poliacutetico
Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute
adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas
todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a
burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o
estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou
os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em
leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo
vale mais que outro satildeo todos iguais
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No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
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A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
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De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a
individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram
alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe
todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os
indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos
Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na
mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada
eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica
Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo
Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a
impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da
esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou
o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses
universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo
burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo
totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas
a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute
responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave
vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em
que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo
posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]
13
A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do
estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram
os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre
para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que
lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo
burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do
Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem
livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo
pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
14
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
I122- O Liberalismo Social
Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico
tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade
poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade
Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma
sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas
advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua
mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e
pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]
A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem
por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico
proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus
cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma
prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a
proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis
o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse
da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado
tomando uma e a sociedade outrardquo[37]
Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o
liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de
igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os
indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz
Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no
preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes
somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns
para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos
14
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto
porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]
Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a
determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o
que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se
subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque
ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute
ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de
uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado
porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam
razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas
ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma
sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um
instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute
deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade
deve servir
I123- O Liberalismo Humano
Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a
criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)
liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes
acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do
princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]
Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos
particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o
liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo
particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis
puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da
15
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o
indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo
humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o
social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador
utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E
para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os
indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado
consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da
humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-
se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano
Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo
exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como
homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o
estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente
nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um
caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no
homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute
privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a
pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo
(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a
propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade
humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em
consideraccedilatildeordquo[43]
16
De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a
mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do
homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio
do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura
plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua
exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais
elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
17
Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um
inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo
Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo
romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a
dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada
Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e
pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade
(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como
absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo
II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO
Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles
que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o
egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave
procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve
apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior
que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim
para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu
egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu
egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na
terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas
embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo
e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta
involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres
essencialmente egoiacutestas se alienam
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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute
ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda
uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem
existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de
outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender
com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e
religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o
homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito
consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]
A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura
objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte
o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele
eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos
os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no
aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute
contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se
defrontar
Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela
criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu
segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas
as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si
mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a
resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no
ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais
firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a
alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato
de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence
como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo
relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o
objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito
18
O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto
porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente
possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se
subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do
comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o
lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo
homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas
satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado
por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural
sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua
especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz
delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus
nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as
coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha
vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se
quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se
encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar
Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -
arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a
existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da
subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta
eacute estabelecida sancionada pelo sujeito
A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila
que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os
predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus
julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo
por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho
nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a
Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute
quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das
deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele
19
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
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Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
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Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
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No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees
universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas
por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como
imanecircncia
Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da
existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo
existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os
indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo
mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais
criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas
tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua
existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo
deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo
eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]
Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de
vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem
como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da
alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade
requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas
e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo
negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo
que atribua somente a si a efetividade da existecircncia
20
O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da
objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual
condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia
Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo
pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A
revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente
do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a
revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo
mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma
elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A
revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar
mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes
esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute
bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha
libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre
e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-
Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta
como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros
termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade
razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo
estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer
modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua
introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas
com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto
pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]
Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente
aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo
Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito
das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as
determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as
vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua
propriedade
21
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -
tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente
Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo
senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se
assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua
individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua
unicidade
III1- A Conquista da Individualidade
Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o
ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando
desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de
qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua
particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual
Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se
desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente
uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas
tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas
sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo
seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e
fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua
individualidade
Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto
a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem
a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa
ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda
22
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio
Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os
suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma
paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha
resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente
consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo
inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em
funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees
de possibilidade para a liberdade
Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem
nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo
eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz
respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode
manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o
indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que
principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua
vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto
mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta
exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem
de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como
atributos de Deus e depois do Homem
23
Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito
presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a
existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que
centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado
que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e
ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]
atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve
se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e
espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a
integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade
natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos
apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de
sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio
sobre o corpo e sobre o espiacuterito
Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo
deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o
Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia
representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade
Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser
separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja
missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo
sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]
mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado
tomou o lugar do ser real particular especiacutefico
24
No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute
mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na
medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou
certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo
um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]
O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem
mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo
que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na
questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito
a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo
pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto
quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como
universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um
eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes
dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o
que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da
quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de
cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser
Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os
natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos
divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim
um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal
advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se
pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute
uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma
potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa
ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]
No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito
pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute
forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza
Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de
natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo
que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade
do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do
direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que
depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para
conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por
um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila
O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o
poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]
25
Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de
reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos
natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
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suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
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No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar
lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com
interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo
de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade
atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam
diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade
Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a
estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees
interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento
mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes
apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]
De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo
com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de
sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos
Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela
estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]
A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo
dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos
existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que
liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o
fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo
se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner
porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma
uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]
Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem
intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por
seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa
respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser
um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um
26
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de
acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila
comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo
vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o
mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir
apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de
quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo
com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais
os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade
III2- O gozo de si
Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada
estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas
lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]
Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo
em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de
ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que
consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e
por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar
a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]
27
O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la
se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada
etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar
verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida
indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas
aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens
apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo
com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte
que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois
ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar
inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na
perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente
e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira
Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo
despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles
satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por
isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os
homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais
ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se
os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem
pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre
Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode
fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que
possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado
em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas
circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes
seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja
criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um
muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com
um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou
filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro
limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de
escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]
28
Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada
momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que
somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem
lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
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No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para
usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da
terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro
natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em
comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo
miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo
muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se
manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua
manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida
Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever
servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas
tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao
Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um
nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade
cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo
especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine
29
O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que
cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o
que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado
diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do
indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade
nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem
eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de
ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para
expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a
uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se
pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a
natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e
forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz
atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
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Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do
mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees
estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando
somente a um fim satisfazer a si mesmo
IV- A criacutetica de Marx
Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro
que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem
enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar
as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento
e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -
referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e
ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal
A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em
colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento
marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em
1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a
filosofia neo-hegeliana
A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a
Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a
maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como
determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute
a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais
o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De
modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a
diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma
de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor
dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as
30
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
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De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e
se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do
conceito
Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute
a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo
podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta
convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central
da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e
abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No
entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade
natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da
realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o
desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser
especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo
enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a
toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do
ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas
determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo
independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito
Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo
Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam
apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem
como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que
estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno
incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo
objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas
essenciais
Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente
levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a
31
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a
efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do
indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo
histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de
autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade
humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica
com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua
simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira
conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que
efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como
soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que
instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada
ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de
forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode
ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato
unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo
resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra
para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade
objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-
societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de
objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta
enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da
subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto
momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela
siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo
da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina
qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista
pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo
elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo
como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach
32
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em
sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta
quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a
pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as
afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas
conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a
feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a
inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser
Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da
filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a
dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que
vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em
segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os
ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees
religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO
domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo
dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito
culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em
dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o
veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]
Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia
como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los
esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que
correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para
com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que
com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a
produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da
consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam
diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]
33
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco
o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia
e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a
consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-
somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que
circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do
estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e
superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes
Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os
ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo
combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]
A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave
consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra
coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]
Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo
dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a
natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia
satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a
expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades
de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De
modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente
eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a
totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a
atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo
advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face
a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo
marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute
ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute
consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees
sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e
34
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
36
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno
decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos
objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim
tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de
produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees
que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-
hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo
objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que
determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo
equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e
autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior
Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a
consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo
que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens
pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens
realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees
espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim
como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem
desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo
material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade
seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]
35
De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da
consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o
processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e
em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por
ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o
fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e
explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos
teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata
ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de
explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a
partir da praxis materialrdquo[114]
Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia
natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na
lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -
mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde
emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em
seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada
perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como
lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]
Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia
especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave
criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter
especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como
pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas
proposituras
IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana
A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica
tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua
objetividade
Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner
atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido
por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo
previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e
autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu
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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
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No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
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Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute
transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo
final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo
sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa
qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a
uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja
chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi
posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta
apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta
que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a
partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou
propriedade
Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa
que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria
realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais
fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo
sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com
os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por
tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e
as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos
conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de
vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que
eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais
de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente
renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele
convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]
37
No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo
Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o
mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente
do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde
cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]
Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o
consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo
objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a
uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que
prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu
mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o
fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os
estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da
refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e
simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees
supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal
reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano
dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees
limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que
mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a
observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute
identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto
representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a
superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a
praxis e com a atividade realrdquo[126]
38
Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a
nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e
de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e
lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida
somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia
limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento
individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo
absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
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No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se
desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute
exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute
diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e
singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo
a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente
consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc
rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de
desenvolvimento das individualidades
Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-
especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica
que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas
que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da
concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a
representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute
reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido
conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees
histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos
alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas
exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a
tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias
tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se
explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para
que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria
excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da
ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens
determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa
que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente
ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece
como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute
39
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
40
Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa
desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como
algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves
representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade
Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos
IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo
se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa
intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do
ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma
abstraccedilatildeo
Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de
qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo
do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um
indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais
se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um
indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos
que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute
determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro
de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas
Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo
desenvolvimento social
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Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja
essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade
eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que
ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
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Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
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No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o
homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua
particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute
na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia
subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que
tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de
existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida
humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a
sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se
realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a
confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade
apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao
mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens
define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de
objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o
fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua
atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e
reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais
incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da
individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da
interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o
desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx
refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente
subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura
singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade
humano-social
Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por
sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano
segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em
separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da
41
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da
sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens
longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver
isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a
razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo
da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o
desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes
homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a
individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente
engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a
sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo
pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da
sociedade
Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute
produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao
inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante
da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de
consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute
criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua
interatividade objetiva que se fazem uns aos outros
42
Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana
para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na
produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e
autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade
Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua
loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos
indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que
lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees
de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida
pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica
necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se
daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo
No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos
homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da
naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -
segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e
dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave
atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da
atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a
subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo
social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do
indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre
si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os
produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias
estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo
singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele
proacuteprio
43
Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo
especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-
os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as
classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como
um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma
os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o
direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo
e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo
para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade
autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as
quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo
depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de
troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e
permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do
trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos
indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem
portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo
dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral
de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista
de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor
sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo
tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado
individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo
tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees
de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm
eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de
vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]
A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a
sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute
ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua
vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu
comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A
abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse
pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute
o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes
dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado
Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de
desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as
classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o
44
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam
produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito
eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que
pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual
um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida
satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave
totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual
em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes
formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e
mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem
satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus
puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do
desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]
Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees
entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu
comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui
este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca
dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo
natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e
proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao
bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente
pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto
salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees
pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de
classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por
consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos
que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de
seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]
45
Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo
das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A
feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas
se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez
que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro
tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em
consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes
impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como
resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do
desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada
pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel
naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente
aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx
considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo
do trabalho
Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se
evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo
Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees
que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta
abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na
sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas
e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso
presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que
eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par
lrsquohomme)rdquo[144]
46
Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de
Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa
diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma
seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio
que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os
indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem
estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto
quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de
existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma
oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta
Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre
precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la
sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso
tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]
(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa
vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias
sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia
separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute
um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees
existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da
impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida
todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato
reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e
alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no
acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de
buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees
Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de
limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a
superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos
frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das
circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do
trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os
poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles
como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata
de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de
47
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos
indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais
De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de
desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto
bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee
precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um
embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para
consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou
miseraacutevelrdquo[149]
Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas
feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico
particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da
individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como
individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees
objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode
somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre
o mundo
V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner
48
Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e
Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre
ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia
enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o
ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade
social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo
o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e
principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um
prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente
nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano
Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do
marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora
produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais
fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem
tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner
No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento
sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto
marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para
chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do
movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam
por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica
revolucionaacuteria do proletariado
Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira
mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do
socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e
fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo
utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento
marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que
se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia
Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia
Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte
que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da
histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-
condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]
Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave
consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a
49
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o
desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e
das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um
mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria
atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o
caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular
contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de
interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento
ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a
manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece
quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um
modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada
a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos
indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma
maneira voluntaacuteria[153]
No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a
relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que
se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica
de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas
tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos
demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja
a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia
natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a
oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da
compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da
individualidade humana do ser social dos homens
50
No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio
Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano
consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta
relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura
superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao
objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo
ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na
temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica
marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o
momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria
fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto
determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se
ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste
sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo
ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx
Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro
que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A
Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -
Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo
referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a
Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em
certas impropriedades
Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que
Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)
Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando
ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A
Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido
com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente
se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez
ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo
de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]
51
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo
uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees
mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e
distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que
apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates
dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -
muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade
intelectualrdquo[162]
Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do
embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc
obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a
individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e
mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx
exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico
(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as
pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras
coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos
latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua
crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade
moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo
lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de
iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema
da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena
efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como
natildeo apreende o que Marx determina como praxis
52
Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo
Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado
tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com
o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo
existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia
bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a
Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a
mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal
atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na
medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo
Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o
indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que
aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si
mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais
visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx
concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona
concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as
ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]
Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento
relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua
concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo
material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo
Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da
consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos
fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda
atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente
do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da
divisatildeo do trabalhordquo[168]
53
A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a
partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega
autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem
eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a
partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar
deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si
mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas
essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos
homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx
natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a
autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute
que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx
e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos
uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo
significa que ele realmente o seja
Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute
a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o
homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um
ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos
quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que
padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter
objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de
ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas
remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute
afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas
essenciais
Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia
Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que
ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer
evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico
que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual
podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do
proacuteprio Marx
54
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo
investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo
mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo
destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim
o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o
ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao
pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e
reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal
perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva
revolucionaacuteria
[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da
FAFICH UFMG
Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos
Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade
de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos
Confluentes ndash UFMG
[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo
hegeliano
[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 9
[4] Idem p 10
[5] Idem
[6] Idem p 12
[7] Idem p 13
[8] Idem
55
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[9] Idem p 14
[10] Idem
[11] Idem p 15
[12] Idem p 18
[13] Idem p 24
[14] Idem p 25
[15] Idem
[16] Idem p 101
[17] Idem p 102
[18] idem p 26
[19] Idem p 67
[20] Idem p 68
[21] Idem p42
[22] idem p 43
[23] Idem p 82
[24] Idem p 8990
[25] Idem p 9091
[26] Idem p 80
[27] Idem p 94
[28] Idem p 9495
[29] Idem p 50
56
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[30] Idem p 54
[31] Idem p 191
[32] Idem p 105
[33] Idem p 117
[34] Idem p 118
[35] Idem p 114
[36] Idem p 128
[37] Idem p 129
[38] Idem p 130
[39] Idem p 135
[40] Idem
[41] Idem p 136
[42] Idem p 147
[43] Idem p 140
[44] Idem p 147
[45] Idem p 154
[46] Idem p 77
[47] Idem p 39
[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46
[49] Idem
[50] Idem
57
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[51] Idem
[52] Idem p 52
[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun
Stuttgart 1991 p 379
54] Idem p 377
[55] Idem p 378
[56] Idem
[57] Idem
[58] Idem
[59] Idem p 378379
[60] Idem p 379
[61] Idem p 354
[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23
[63] Idem p 174
[64] Idem p 171
[65] Idem p 188
[66] Idem p 408
[67] Idem p 190
[68] Idem
[69] Idem p 200
[70] Idem p 411412
58
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[71] Idem p 271
[72] Idem p 198
[73] Idem p 204
[74] Idem p 207
[75] Idem p 230231
[76] Idem p 231232
[77] Idem p 331
[78] Idem p 232
[79] Idem p 246
[80] Idem p 349
[81] Idem
[82] Idem
[83] Idem p 355
[84] Idem p 353
[85] Idem p 358
[86] Idem p 358359
[87] Idem p 359
[88] Idem p 360
[89] Idem p 361
[90] Idem p 360
[91] Idem p 368
59
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[92] Idem p 364
[93] Idem p 369
[94] Idem p 364
[95] Idem p 404
[96] Idem p 366
[97] Idem p 405406
[98] Idem p 412
[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed
Ensaio SP 1995 p 396397
[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25
[101] Idem p 2425
[102] Idem p 26
[103] Idem p 17
[104] Idem p 26
[105] Idem p 37
[106] Idem p 36
[107] Idem
[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e
ideacuteia
[109] Idem p 37
[110] Idem
[111] Idem
60
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[112] Idem
[113] Idem p 55
[114] Idem p 5556
[115] Idem
[116] Idem p 5657
[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152
[118] Idem p 314
[119] Idem p 148
[120] Idem p 313
[121] Idem
[122] Idem
[123] Idem p 318
[124] Idem
[125] Idem p 323
[126] Idem p 129
[127] Idem p 272
[128] Idem p 151
[129] Idem p 152
[130] Idem op cit 1986 p 5758
[131] Idem op cit 1971 p 481
[132] Idem p 477
61
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176
[134] Idem
[135] Marx K op cit 1971 p 243
[136] Marx K op cit 1986 p 46
[137] Idem p 4647
[138] Marx K op cit 1971 p 363
[139] Idem
[140] Idem p 481
[141] Idem p 482
[142] Idem p 480
[143] Idem
[144] Idem p 451452
[145] Idem p 415
[146] Idem
[147] Idem p 416
[148] Idem op cit 1986 p 54
[149] Idem op cit 1971 p 482483
[150] Chasin J op cit p388389
[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses
Universitaires de France Paris 1970 p 170
62
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46
63
[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia
Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18
[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53
[154] Rossi M op cit p 171
[155] idem p 76
[156] Penzo G op cit p 17
[157] idem p17
[158] idem p 22
[159] idem p 22
[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica
Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180
[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8
[164] idem p 19
[165] idem p 23
[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46